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O Casarão nº onze

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O Casarão está em greve. Não uma greve de braços cruzados, mas uma greve de portas abertas à discussão dos problemas que impactam nossa comunidade. E nada mais urgente e necessário que debater a situação da universidade. São muitos os problemas que atrapalham a estrutura e o funcionamento, principalmente agora, com o contingenciamento de verbas decretado pelo governo federal. Dentre as várias áreas, uma, em especial, põe em risco a permanência dos alunos: os programas de bolsa universitária. Num momento crítico da sociedade, em que a intolerância e o preconceito espreitam a democracia, nossas páginas se abrem para discutir as novas configurações familiares e a contribuição das telenovelas no debate sobre a diversidade sexual. Falando em preconceito, nossa capa vai contemplar a aprovação da polêmica PEC 171/93, que reduz a maioridade penal para os 16 anos e questionar: em que medida o medo da violência se encontra com a marginalização histórica do negro no Brasil.

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2 no. onze - agosto de 2015

O Casarão está em greveNão uma greve de braços cruzados,

mas uma greve de portas abertas à discus-são dos problemas que impactam nossa co-munidade. E nada mais urgente e necessá-rio que debater a situação da universidade. São muitos os problemas que atrapalham a estrutura e o funcionamento, principalmente agora, com o contingenciamento de verbas decretado pelo governo federal. Dentre as várias áreas, uma, em especial, põe em ris-co a permanência dos alunos: os programas de bolsa universitária. Levantamos os nú-meros de concessões em 2015 e em 2014 e o resultado não é animador, principalmente num cenário de expansão do número de va-gas nos cursos.

E num momento crítico da sociedade, em que a intolerância e o preconceito es-preitam a democracia, nossas páginas se abrem para discutir as novas configurações familiares e a contribuição das telenovelas no debate sobre a diversidade sexual.

Falando em preconceito, nossa capa vai contemplar a aprovação da polêmica PEC 171/93, que reduz a maioridade penal para os 16 anos e questionar: em que medida o medo da violência se encontra com a margi-nalização histórica do negro no Brasil.

E para completar, uma reportagem es-pecial vai mostrar um projeto da UFF que atende jovens quilombolas e ribeirinhos da cidade de Oriximiná, interior do Pará, num curso pré-vestibular. Gente que cruza um rio para ficar mais perto de um sonho.

E você, onde seus sonhos se cruzam com os nossos? Entre, aprecie e sinta-se em casa.

Publicação Laboratorial do Curso de Comunicação Social

Orientação:Carla Baiense (18788 MTb) e Ildo Nascimento

Reportagem e fotografia: André Borba, Fer-nanda Ramos, Juliana Caldeira, Julianna Prado, Júnior Borsoi, Letycia Cardoso, Luiza Calaça, Rafael Bolsoni, Thayane Guimarães, Wladimir Lenin e Yuri Fernandes. Ilustração: Arthur Figueiredo

[email protected]/jornalocasarao

issuu.com/ocasarao

Editorial Alhos &Bugalhos

Re-vo-lu-çãoas sílabas que faltam

Devo dizer que está impossível não notar: o ar está difícil de respirar. Pesado, como aquilo que passamos a carregar nos ombros: insegurança, medo e pânico. Fato... não há como negar.

Uma preocupação constante e avassaladora em classificar tudo e todos, criando estereótipos e fazendo vítimas diaria-mente. O que importa não é o nascer de uma vida, mas a morte da mesma, caso ela não se encaixe nos padrões que um dia alguém produziu e hoje reproduzem com ignorância, sem saber ao menos a origem do tal pensamento.

Embora sejamos gratos pela vida que temos, também lamentamos pela inconstância e a falta de bom senso de quem deveria ser um espelho para a sociedade. Usar terno e gravata virou sinônimo de ganância e essência corruptiva. Virou cha-cota, piada e ironia, mas que ninguém é levado ao cume de uma risada.

Lágrimas escorrem e percorrem o caminho que nosso coração sustenta, bombeando sangue e vida; vida banhada de sangue. Estamos amargurados e sem aquele fôlego que nos trouxe até aqui. Na verdade, sentimos como se tudo fosse um apelo por uma “revolução”: - Que venha!

Andaremos a pé, como os homens das cavernas, já que somos tão selvagens e animais feridos pelos abutres famintos. Derramaremos o sal de nossos olhos na terra roxa e espancada pelos murros repressores.

Se alguém estiver nos vendo, digo sem dúvida apa-rente: - Não queremos a sua atenção, mas sim a tensão, a quebra, o incomum e nosso “mundo” de volta. Sair da zona de conforto que se instaurou e abandonar nosso próprio ego.

Sairemos das cavernas e esconderijos, deixando de ser público para ser povo. É preciso respirar com nossos próprios pul-mões, andar com nossas pernas e errar com nossas imperfeições. Sacudir a poeira, mas limpar a casa, ordenar os pensamentos e apagar a luz antes de sair.

Como se tudo fosse uma “revolução”... Re-vo-lu-ção. Coração que bate e chora pela mãe que se foi; pelo suor de outras mães; pelo fim dos “nãos”; pelo início da “revolução”.

A bandeira será a união! Abrir mão de ser uma apa-rente fortaleza e assumir a condição de seres- humanos, capazes de muitos atos, mas de principalmente de sofrer angústias, decepções e arcar com as próprias falhas. Assumir que temos um coração carente e necessitado de cuidados. Acabar com os momentos líquidos de falsas alegrias que escorrem pelas mãos, e depois ser castigado pela solidão de um quarto, cujo o único a te enxergar é sempre o teto desabando sobre a cabeça.

A quem diga adeus e peça a Deus, porém no fim de tudo, só queremos o fim da hipocrisia, e a paixão ardente da “revolução”.

Por Júnior Borsoi

nº onze - agosto de 2015 3

Na sala de paredes pichadas e descascadas, dois ventiladores que

ameaçavam cair tentavam aplacar o calor do verão da região Amazônica,

onde os termômetros oscilam entre 30 e 31 graus

Por Julianna Prado

Eram sete horas da noite quando começou a aula de Biologia em uma das salas da Escola Municipal Sena-dor Lameira Bittencourt, em Oriximi-ná, município do interior do Pará. No espaço, apenas duas das seis lâmpa-das funcionavam. Mas tudo isso dei-xava de ter importância à medida que a luz ia se apagando e a projeção dos slides dava início à aula sobre Evolu-ção Humana.

Enquanto o professor Jocinei dos Santos começava a explicação, al-guns alunos faziam suas anotações; outros, não desgrudavam do celular. “Tento contribuir da melhor forma pos-sível para que esses alunos consigam alcançar o sonho deles, que é entrar numa universidade”, contou o educa-dor, formado em bacharelado e licen-ciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Jocinei é um dos voluntários do projeto “Pré-Universitário Oficina do Saber”, mantido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), no cam-pus avançado de Oriximiná, pequeno município paraense de 67.939 habi-tantes, segundo o IBGE. O pré-vesti-bular, iniciado em 2012, é um dos 10 projetos universitários desenvolvidos pela UFF na cidade e beneficia, em média, 60 alunos por ano. São jovens e adultos que querem competir por uma vaga nas universidades públicas da região, mas que não têm condi-ções de pagar um curso preparatório.

Os alunos, principalmente os que não moram em Oriximiná, enfrentam um longo caminho até a sala de aula, cedida para o projeto pela secretaria municipal de Educação. Alguns che-

gam a pé, outros, de moto, de carro, e há os que vêm de barco, de comuni-dades ribeirinhas ou quilombolas.

Dos 19 alunos presentes naquela aula de Biologia, somente dois eram do sexo masculino. Na turma, lidera-da por mulheres, havia muitas histó-rias diferentes, mas pelo menos um objetivo em comum: conquistar uma vida melhor, através do conhecimen-to. Era o caso de Maria de Fátima dos Santos Lopes, mãe de cinco filhos, divorciada, que esperou mais de dez anos para voltar aos estudos e termi-nar o Ensino Básico. Em 2007, aos 37 anos, a dona de casa recebeu o diploma, na única unidade do Ensino Médio em Oriximiná, na época. Ficou sabendo do pré-vestibular e fez a pro-va de seleção junto com o filho, Fer-

A MARGEM DO RIO

4 no. onze - agosto de 2015

Barco: o meio de

transporte das comunidades

escolares

nando Luís Lopes. Ficou em 66º lugar e só pode ingressar no projeto depois da desistência de outros candidatos. A determinação da mãe foi também um incentivo a mais para o filho. “Íamos juntos na moto, não tinha como ele faltar, porque eu estava sempre pre-sente. Ele via o esforço que eu estava fazendo e se empenhava em fazer o melhor”, conta a estudante, cu jo filho foi aprovado, em 2013, no curso de Matemática da Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém (UFOPA).

Atracando no portoDesde 1972 a UFF mantém a

Uni dade Avançada José Veríssimo (UAJV) na Amazônia Legal, localizada em Oriximiná, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão da universidade (PROE-X-UFF). Nesta mesma unidade, diver-sos projetos de extensão, pesquisa e ensino são desenvolvidos para que os estudantes universitários tenham a oportunidade de ter um treinamento profissional e de alguma forma contri-buam com a comunidade.

Segundo o coordenador do pré-vestibular, Paulo Ribeiro, toda meto-dologia desenvolvida no Rio de Ja-neir o foi levada para Oriximiná. As apostilas são preparadas pelo projeto e o aluno não tem despesa com o ma-terial didático e com o curso.

“Convidamos alguns alunos volun-tários do projeto em Niterói e levamos para Oriximiná, junto com a nossa metodologia de ensino de pré-vesti-bular. Fazemos um treinamento com

os professores do local, que também são voluntários, para que o ensino seja padrão em ambas unidades. Se algum dia a UFF não puder dar conti-nuidade ao projeto, a metodologia fica e a gente só faz a tutoria com os pro-fessores”, contou Paulo.

A maior parte dos professores é de alunos recém-formados de universi-dades públicas do Pará, que apoiam o projeto. Segundo Ribeiro, o déficit de professores na rede pública de En-sino Básico no Pará dificulta a realiza-ção de outras parcerias.

A procura pelo curso é alta, sobre-tudo entre jovens de 16 a 25 anos. No segundo ano do projeto, em 2013, 200 inscrições foram realizadas. Todos os inscritos passaram por uma prova de conhecimentos gerais e uma entrevis-ta. Foi durante as entrevistas de sele-ção que o coordenador pode entender o que leva essas pessoas a fazerem o curso; e a maneira como eles respon-dem é a mais clara possível. “Um dia escutei o seguinte: estou terminando o Ensino Médio, moro em uma comu-nidade quilombola. Mesmo com as políticas de cotas, eu não tenho con-dições de entrar numa universidade pública. Com essa chance eu posso ser, talvez, o único membro da minha família a ter um curso superior e, as-sim, mudar o rumo da família. Caso contrário, minha vida vai se resumir ao que meu pai é e ao que a minha família sempre foi”, descreveu Ribei-ro, que ressalta que desde o primeiro

ano do projeto houve a aprovação de alunos nas universidades UFPA, UFN e UFOPA- campus de Santarém.

A conquista do gizFilha de uma dona de casa e um

paisagista, Leonara dos Santos Cor-deiro tinha 19 anos quando terminou o terceiro ano do Ensino Médio na esco-la Estadual de Ensino Médio Dr. Almir Gabriel, uma das unidades estaduais do município, mas não conseguiu ser aprovada no Enem. Com o sonho de se tornar engenheira ambiental, Leo-nara ficou sabendo da oportunidade do projeto “Pré-universitário Oficina do Saber” e se inscreveu.

“Desde o Ensino Médio eu já sabia que eu queria, mas ain-da batia aquela dúvida do que eu realmente iria cursar. Fiz planos para entrar na Univer-sidade Federal do Amazonas (UFAM), já que meu irmão fez Engenharia Química lá e disse que foi uma ótima facul-dade e também, claro, pela proximidade da casa de pa-rentes naquela região.”, dis-se a ex-estudante do projeto, que foi aprovada em 2014 no curso Técnico em Segurança no Trabalho do Centro de En-sino Literatus, em Manaus.

Com múltiplas tarefas, a mãe e professora de Geogra-fia da unidade ribeirinha San-ta Maria Goretti Naura Cunha de Figueiredo é também uma das voluntárias no projeto Pré-universitário Oficina do

Saber. De segunda a sexta, Naura e outras professoras acordam às cinco da manhã e tomam café no barco, que faz um trajeto de duas horas, pas-sando para pegar todas as crianças da escola, até chegar na comunidade do Jacupá, onde fica a escola.

Uma vez na semana, além de pas-sar quatro horas dentro do barco fa-zendo o trajeto de ida e vinda entre Oriximiná e a escola ribeirinha, Nau-ra ainda dá aulas no projeto da UFF, quando chega ao município.

“Estou no Pré-universitário Oficina do Saber desde o início. Cheguei aqui por intermédio da minha filha, que na época estava cursando esse projeto preparatório para o vestibular, e me informou que havia carência de pro-fessor de Geografia. Aí, eu me ofere-ci para ser voluntária”, contou Naura, que leciona há 19 anos.

A professora lembra que o projeto supre uma lacuna na formação dos alunos da região. “Na verdade, o en-sino público aqui é muito lento. Tem momentos que não há professores quase o semestre inteiro, deixando o ensino dos alunos completamente de-fasado”, resumiu a professora.

Segundo dados da Secretaria Mu-nicipal de Educação de Oriximiná, em 2013 a cidade mantinha 91 escolas do Ensino Fundamental e dois colégios estaduais de Ensino Médio. Ao todo, 3.168 alunos foram matriculados no terceiro ano do Ensino Médio naquele mesmo ano. Nessas duas unidades de educação, foram disponibilizadas dez turmas, com 40 alunos cada.

“Dar aula aqui é diferente .

É um ato de amor”Naura Figueiredo

nº onze - agosto de 2015 5

Por Wladimir Lenin

A Universidade Federal Fluminen-se (UFF) sofre em 2015 um corte or-çamentário por meio do Decreto nº 8.389, de 7 de janeiro de 2015, da pre-sidente da república, que determinou um contingenciamento de 30% dos re-cursos das universidades. Em 2014, eram repassados pelo Ministério da Educação R$ 12 milhões mensais, reduzidos agora para R$ 8 milhões. Os repasses são para custeio - paga-mento de terceirizados, de contas, com pra de materiais, viagens e diá-rias. Estão fora do contingenciamento obras, investimentos e pagamento de pessoal do quadro efetivo. Segundo o pró-reitor de Gestão Pessoal, Túlio Franco, o corte não afetou os recursos voltados para área educacional. “Uma coisa nós conseguimos assegurar, que foram os recursos para a unidade de ensino, eles não foram afetados. Nós economizamos no funcionamento administrativo”, afir mou pró-reitor em entrevista para o Casarão.

Para outras instâncias represen-tativas, no entanto, a redução de recursos implica em uma série de problemas na universidade - como o corte de pagamento de terceirizados, diminuição de bolsas, queda na qua-lidade da formação do universitário e problemas de infraestrutura. “Nós do

DCE fazemos proposições no sentido de defender que o recurso não pode ser cortado”, esclareceu o diretor do Diretório Central dos Estudantes da UFF (DCE) Felipe Garcez.

BolsasNo levantamento feito pelo Ca-

sa rão constata-se o declínio na con-cessão de bolsas de extensão, 409 fo-ram concedidas pela Proex em 2014. Em 2015, o número caiu para 360, ou seja, houve diminuição de 12%. A alu-na de jornalismo Gabriela Balestrero foi uma das prejudicadas pelo corte. Ela participou, entre agosto e dezem-bro de 2014, do projeto “Extensão em Foco”, revista sobre os projetos de extensão da UFF, e não teve sua bolsa renovada. “Houve um corte de verbas na reitoria e o coordenador não conseguiu renovar todas as bol-sas do projeto”, disse Gabriela, que esperava permanece mais tempo na revista, onde tinha a oportunidade de exercitar a prática jornalística.

Outras áreas tiveram que fazer cortes. A divisão de monitoria con-cedeu 1200 bolsas no ano passado. Para esse, foram 1100, uma queda de 8%. A Proaes disponibilizou o mesmo número de bolsas do ano passado, fazendo corte somente nas bolsas emergenciais. Em 2014, a Pró-Rei-toria disponibilizava 150 bolsas, que

eram concedidas em situações como morte de um familiar, desemprego recente ou doença. Para esse ano, o número foi ajustado para 25, somente 17% do que era concedido no ano an-terior. Já o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) teve um aumento. Foi a única divisão que apresentou um crescimento, de 0,3%. No ano passado, foram con-cedidas 648, nesse, 650. A divisão de estágio não divulgou o número de bolsas concedidas.

A coordenadora de apoio social, Cláudia Macedo, explica que não houve um corte de bolsas, mas sim um redimensionamento dos valores. Segundo Cláudia, as bolsas emer-genciais estavam sendo usadas por aqueles que não conseguiam entrar em outras bolsas de assistência por motivos como documentação incom-pleta. Esses alunos que tinham o processo indeferido recorriam à bolsa emergencial, visto que esta modalida-de não fecha edital, ou seja, a qual-quer momento pode ser requerida. “Em abril, tivemos 70 pedidos para bolsas (emergencial) e nós atende-mos oito”, disse a coordenadora. A bolsa emergencial, assim como, as demais oferecidas pela Pró-Reitoria, como auxilio saúde, auxilio alimen-tação, auxilio moradia e acolhimento estudantil, tem o valor de R$ 400,00

e é mantida pelo Plano Nacional As-sistência Estudantil (PNAES), que re-passa os valores para a Proaes.

O valor das bolsas emergenciais que foram reduzidas não foi incorpo-rado nas demais bolsas, pois, segun-do a coordenadora de apoio social, o volume de bolsas oferecidas supre a demanda da Universidade. O mon-tante, que é de R$ 50 mil, foi realoca-do para o restaurante universitário e manutenção da moradia.

Já a Aduff interpreta o corte bolsas como prejudicial para a formação do aluno, e defende a ampliação do nú-mero de bolsas para que o estudante tenha condições de permanecer na Universidade e não somente de en-trar. “Sempre que há corte, diminui a possibilidade de o aluno ter uma for-mação mais completa e mais alarga-da”, disse Renata Vereza.

InsuficiênciaA universidade recebeu 4.895 va-

gas para os diversos cursos esse se-mestre. No ano passado foram 9.249. As bolsas de assistência atingem 8,7% dos alunos. O bandejão univer-sitário da praia vermelha está fechado desde o início deste ano. O bandejão do Gragoatá parou por quatro dias, de 12 a 15 de maio, por causa do atra-so no pagamento dos terceirizados. A moradia estudantil possui 368 vagas

Redução afeta concessão de bolsas, bandejão, pagamento de fornecedores e terceirizados Corte de 4 milhões de reais mensais

Diploma

6 no. onze - agosto de 2015

para 42.810 alunos ativos, ou seja, somente 0,9% dos alunos são bene-ficiados pelo programa. A presidente da Aduff, Renata Vereza, diz que o orçamento não acompanhou o cres-cimento do número de alunos. “Esse crescimento demanda infraestrutura, professor, assistência estudantil”.

Segundo ela, a UFF vive um pro-cesso de crescimento desordenado onde os investimentos ficam aquém do projeto de expansão. A universida-de acumula uma série de dívidas que até o corte estavam sendo administra-das, mas com a restrição de recurso, a situação se agra-vou a ponto de as companhias de água e luz não realizarem as instalações em prédios novos, de-vido às dívidas que vêm se arrastando ao longo dos anos. “O corte não gera a situação, mas acen-tua os problemas gestados”, enfatizou.

Renata Vereza lembra que a pro-messa de ampliação dos investimentos,

mediante o aumento do número de vagas, proporcionado pelo Reuni, não se concretizou. Os Planos de Rees-truturação das Universidades Federe-ais (Reuni) foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e é uma das ações que integram o Pla-no de Desenvolvimento da Educação (PDE). O Reuni é programa do go-verno Federal que tem o objetivo de ampliar o acesso e permanência no ensino superior.

A chapa que hoje compõe o DCE defende a expansão da Universidade e vê o Reuni como uma forma de al-

cançar a democratização da educa-ção nas universidades. Mas admite que o programa traz consigo outros problemas, que precisam ser solucio-nados. “A gente tem se articulado com a rede do movimento estudantil nacio-nal na intenção de propor leis e avan-ços ao Congresso, para pressionar e impedir que tenha esses possíveis cortes na educação”, explica o diretor do DCE, Felipe Garcez.

A vice coordenadora do Mestra-do em Mídia e Cotidiano, Denise Tavares, acredita que o capitalismo enfrenta cri ses cíclicas, e que esse

corte nada mais é do uma consequ-ência da crise provocada pelo sis-tema vigente. E vê o contingencia-mento como uma forma de repensar os gastos da UFF.

No horizonte desses tempos di-fíceis, mais uma novidade: a am-pliação da oferta de disciplinas à distância. Durante reunião com a mesa de negociação permanen-te criada pela UFF (veja mais no boxe), o Diretório Acadêmico do curso de Serviço Social levantou a informação de que há um estudo para oferecer 20% da grade curri-

cular dos cursos de graduação através de disciplinas semi-presenciais.

Segundo a pre-sidente da Aduff, as coordenações estão sendo consultadas a respeito das discipli-nas obrigatórias que poderiam ter equiva-lência com a grade do Cederj, que é um con-sórcio entre univer-sidades federais que proporcionam cur sos à distância.

A nova gestão da reitoria, que assumiu o comando da universidade em dezembro do ano passado, criou uma mesa de negociação permanente para discutir os problemas da instituição com os sin dicatos e o movimento estudantil. O primeiro encontro, com a representação discente, foi em 8 de maio e reuniu três integrantes da nova gestão, sob a coordenação do pró-reitor de gestão de pessoas, Túlio Franco e Gabriel Vitorino, assessor do Reitor Sidney Mello. As pautas apresentadas pelo Dire tório Central dos Estudantes (DCE) incluíram problemas como a precarização da infraestrutura nos polos do in terior, insuficiência de professores, biblioteca, salas de aula e o bandejão. Do polo de Rio das Ostras, a estudante de Psicologia

Kézia Bastos trouxe o problema da falta de salas de aula. Para supri-lo, a universidade implantou contêineres, cujos contratos, segundo a aluna, estão vencendo. “Esse

dinheiro estava garantido e a gen te quer saber para onde ele foi”, questionou Kézia à mesa de negociação permanente. A renovação dos contratos foi uma hipótese levantada pelo pró-reitor.Para a presidente da Aduff, é preciso reavaliar como a mesa pretende negociar. “A reitoria tem que mostrar que não é uma mesa de enrolação. Porque se a reitoria quer negociar, e se tem um problema com alguma entidade, tem que chama-la para mesa e não processá-la, como fizeram com o Sintuff”, disse. De acordo com o sindicato de funcionários da UFF, existem três processos movidos pela reitoria contra a organização. “Ou existe um processo autoritário ou um processo de negociação. A negociação é uma fachada

para dizer que o Reitor é demo crático”, disse Cláudia Reis, assessora de imprensa do Sintuff. Por conta dos processos, Sintuff e Aduff resol-veram retirar-se da mesa de negociação.

BOLSAS

PROAES (-12%)

360MONITORIA (-8%)

1.100PIBIC (-0,3%)

650

VAGAS4.895

ABERTAS EM TODOS OS CURSOS VERBAS

LEITOS

ALUNOS

368MORADIA

42.810

2014

REPASSE DO MEC

2015

2015longe do ideal

(ou os grandes números da crise)

nº onze - agosto de 2015 7

o crime mais cometido por jovens in-fratores é roubo (40,01%), seguido de tráfico (23,46%) e homicídio (8,81%). Ainda de acordo com dados de 2011, disponibilizados pelo Ministério da Justiça, menos de 1% dos crimes é cometido por menores.

É com base nesses números que es-tudantes do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e diversas outras cidades bra-sileiras foram às ruas expor sua discor-dância com a redução da maioridade pe-nal. As marchas nos municípios uniram jovens que consideram a mudança na legislação um atraso para a sociedade brasileira. (veja mais nas págs 8 e 9)

Nos Estados Unidos, a maioridade penal varia nos 50 estados, cada qual com sua própria legislação. Atualmen-te, apenas Nova Iorque e Carolina do Norte consideram a idade de 16 anos. Outros 11 estados adotam 17 anos

A redução da maioridade penal é tema recorrente em rodas de con-versa. Neste momento não há como ficar em cima do muro. A sociedade divide-se em relação a como punir adolescentes infratores. O tema tam-bém está em debate no Legislativo. Após a aprovação do plenário da Câmara dos Deputados, em dois tur-nos, a Proposta de Emenda à Cons-tituição (PEC) 171/93 segue para avaliação dos senadores. Somente após passar pelo Senado, também em duas votações, o texto pode ser promulgado.

Pesquisa realizada pelo Datafo-lha, no início de abril, revelou que 87% dos brasileiros concorda com a PEC da maioridade penal, contrários à mudança são 11% e os demais são indiferentes. A consulta popular reali-zou 2.834 entrevistas em 171 municí-pios, nas quais 47% das pessoas ti-nham entre 16 e 34 anos de idade. A margem de erro é de dois pontos per-centuais, para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%. Em 2006, o percentual era de 84% de pessoas a favor.

A advogada Ana Luíza Benatti faz parte da minoria e explica seu ponto de vista. “É uma questão de reorga-nização político-social. Não é com formas opressivas de punição, que joguem menores em um meio não eficaz à correção, que o problema será resolvido”. Ainda para Ana Lu-íza, o governo deveria investir em educação, na melhoria da qualidade de vida para obter a redução dos ín-dices de crimes em geral.

Um dos argumentos utilizados pe-las pessoas que concordam com a redução da maioridade penal é que, se o adolescente com 16 anos já tem condições de votar, podendo as-sim definir o futuro de um país, esse mesmo jovem pode responder crimi-nalmente pelos seus atos.

O educador social e ex-diretor

do Departamento Geral de Ações da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro (Degase), Sidney Teles, con trapõe esse argumento, questio-nando por qual motivo o adolescente seria responsável pelos seus atos a partir dos 16 anos e, nessa mesma idade, não teria acesso a outros direi-tos como casar e dirigir, por exemplo. Além disso, Teles lembra que o voto aos 16 anos é facultativo, enquanto a redução da maioridade penal torna-ria obrigatória a punição: “Eles vão transferir um problema da sociedade para o sistema prisional, que já está superlotado. E eles não vão construir novas unidades”.

Ainda segundo Teles, uma unida-de socioeducativa não tem a estrutu-ra necessária para transformar o futu-ro dos jovens lá inseridos. Em geral, a correção é feita pela repressão e não pelo ensinamento. Segundo o ex-di-retor, atualmente, os funcionários do Degase usam uniformes, como mi-litares: “Isso não vai trazer nenhum resultado positivo. É nesse período que o adolescente deveria ter acesso a tudo que não teve, como cultura e educação, para que, quando adulto, possa fazer as próprias escolhas”.

De acordo com os últimos dados divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos, referentes ao Levantamen-to Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH/PR 2012),

Redução da maioridade penal: solução x aprofundamento da violência

“É nesse período [internação] que o

adolescente deveria ter acesso a tudo que

não teve, (...) para que, quando adulto,

possa fazer as próprias escolhas”

Sidney Teles, educador social

Problema de quem?Por Letycia Cardoso

O projeto original de redução da maioridade penal é de autoria do ex-deputado federal Benedito Domingos (PP-DF), foi proposto em 1993 e ficou parado por 21 anos. Para discutir o texto, foi criada uma comissão especial no Congresso, composta em sua maioria pela “bancada da bala” - ex-militares e delegados de polícia que defendem o endurecimento de penas e a revogação do Estatuto do Desarmamento. O projeto aprovado em 17 de junho de 2015 reduz a maioridade penal para 16 anos para os seguintes crimes: homicídio doloso, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte e crimes hediondos, como estupro. Após as duas votações na Câmara, o texto segue para o Senado.

Ágora

como idade para um adoles cente ser responsável pelos seus atos.

Os critérios para a transferência de um caso da Vara de Infância para uma Corte comum variam, mas têm em geral a mesma vertente: a gravidade do crime praticado, como assassina-to, estupro e assalto. Segundo essa base para a decisão da condenação, o Canadá adota maioridade penal entre 12 e 14 anos, enquanto na Austrália, a idade é fixada em 10 anos. Na pes-quisa do Datafolha, 75% dos entrevis-tados apontaram que homicídio seria uma causa para levar à cadeia comum o menor de idade. O segundo crime mencionado foi estupro, com 41%.

O Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, se posicionou contra a re-dução em uma coletiva de imprensa em maio: “Não há nenhum dado concreto que mostre que a redução da maiorida-de penal resolve o problema de violên-cia. Por outro lado, sabemos que nos Estados Unidos, onde houve endure-cimento da pena, o problema não foi resolvido.”

As Nações Unidas no Brasil tam-bém declararam a não concordância com a mudança na maioridade penal. Através de nota, afirmaram a preocu-pação em as infrações cometidas por adolescentes e jovens serem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública. Para a ONU, esses crimes são um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, à cida-dania e à justiça, e, se a PEC 171/1993 for aprovada, o país poderá ter “graves consequências no presente e futuro”.

Os argumentos contra e a favor do tema são muitos para decidir o futuro dos quase 20 mil adolescentes que cumprem pena em regime fechado no Brasil.

8 no. onze - agosto de 2015

“Amanhecer Contra a Redução da Maioridade Penal”: a mobili-zação que ocupou mais de 400 praças, em todo o país, tinha o objetivo de unir faixas, cartazes, dados e vozes contra a Proposta de Ementa à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, até então apro-vada pela Comissão Especial da Câmara criada para examinar o assunto. Agora, o texto segue para avaliação do Senado Fede-

ral, em dois turnos. Para a defen-

sora pública Lívia Cas-seres, a PEC viola cláusulas pétrias da C o n s -t i t u i ç ã o

Federal de 1988, que estabele-ce um sistema de proteção inte-gral à criança e ao adolescente. Coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, desde o início do ano, Lívia afirma que a garan-tia de direitos fundamentais não pode ser alterada pelo Congres-so ou pelo Legislativo. “A Consti-tuição existe para assegurar que exista um núcleo de garantias fun-damentais, intangível, que não vai ser violado, mesmo que por von-tade da maioria. Querer transpor essa barreira jurídica, do ponto de vista do Direito, é propor uma mudança de regime político. Tere-mos que rasgar a constituição, e fazer outra”. Embora grande parte dos brasileiros seja favorável à re-dução da maio ridade penal, Lívia é categórica: “Mesmo que a maio-

Redução da Maioridade Penal:

Os passos, geralmente apressados, se tornaram mais lentos. O olhar, quase sempre fixo no trajeto rotineiro, se desviou para todas as direções. Para os trabalhadores e estudantes que caminhavam, aquele 29 de abril começou incomum. Na-quele dia, praças e ruas das cidades amanheceram em coro e cores. Jovens, marcados de tinta e sonhos, voltavam as

suas casas depois de uma madrugada em claro. Deixados para trás, nas paredes, chão, árvores, ares e pontos de ônibus, estavam os registros, em laranja e roxo, contra o encarceramento de meninos e meninas marcados em nascença para o destino do crime. “Menos punição, mais educação”. “Redução não é a solução”. Palavras gritadas pelo concreto da cidade. No ar, seguindo a direção do vento, as pipas simbolizavam uma juventude impedida de voar. Uma juventude negra, pobre e favelada impedida até mesmo de se pintar com as mesmas tintas e sonhos dos que ali estavam, se manifestando, em sua defesa.

da senzala ao cárcerePor Fernanda Ramos e Thayane Guimarães

ria da população tenha um desejo violador dos direitos fundamen-tais, existe o pressuposto, que é a supremacia da Constituição”.

A criação do inimigo em comumUma pesquisa realizada pelo

Datafolha, no início de abril, reve-lou que 87% dos brasileiros é a fa-vor da PEC 171/93, e 11% é contra a proposta. Embora a maioria da população acredite que a redução da maioridade penal possa solu-cionar o problema da violência no Brasil, uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, realizada em 2012, desmente o argumento de que jovens sejam os principais responsáveis por crimes hedion-dos no país. Os dados mostram que aproximadamente 80% dos delitos cometidos por adolescen-tes são roubo, furto e tráfico.

Lívia Cassares acredita que a mídia é uma das principais res-ponsáveis pela construção de um imaginário de alta periculosidade em torno do jovem em conflito com a lei. Para a defensora pública do Nucora, existe uma verdadeira campanha que leva à criação de um inimigo da sociedade brasilei-ra. “Esse inimigo é o jovem, negro e pobre que está nas periferias, nas favelas, que está nas cadeias, no sistema socioeducativo, nos abrigos, nos manicômios e nas drogas”, afirma. O último Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), realizado em 2012 nas cidades com mais de 100 mil habitantes, mostra que, na verdade, adoles-centes são as grandes vítimas de homicídios no Brasil. Segundo o relatório, mais de 42 mil adoles-centes poderão ser assassinados até 2019, e adolescentes negros

Capa

nº onze - agosto de 2015 9

ou pardos possuem aproximada-mente três vezes mais chance de serem assassinados do que ado-lescentes brancos.

Juventude marcadaNo Art. 7º do Estatuto da Crian-

ça e do Adolescente, elaborado há exatos 25 anos, todo jovem “têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que per-mitam o nascimento e o desenvol-vimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. No entanto, nas palavras de Lívia, o Estado não vem cumprindo com suas obrigações legais. Segundo ela, o sistema socioeducativo tem sido utilizado como medida de se-gurança pública, reduzindo o pa-pel do Estado ao de manter esses jovens encarcerados, em vez de criar mecanismos de proteção e combate às causas da violência. Segundo a pesquisa, de 2011, “Pelo Direito de Viver com Digni-dade – Homicídios de adolescen-tes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação”, da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Crian-ça e do Adolescente (ANCED), em 11 estados brasileiros, foram identificadas 73 mortes em unida-des socioeducativas, apenas en-tre os anos de 2006 e 2010.

Seja por falta de verba e/ou por causa de profissionais despreparados, as instituições ressocia lizadoras não conse-guem construir pontes para que outros caminhos possam ser

escolhidos pelos jovens

Renata Winning, psicóloga

Outro estudo, feito pelo Con-selho Nacional de Justiça (CNJ), indica que em 34 locais pesquisa-dos, pelo menos um adolescente

foi abusado sexualmente nos últi-mos 12 meses. Lívia analisa que homicídios e abusos sexuais são apenas o culminar de um proces-so de descaso, agressões físicas e psicológicas. “É isso que se ensi-na hoje no sistema socioeducativo. E quando eles perdem os valores humanos, estão cada vez mais preparados para atuar no ciclo de violência, brutalidade e, no futuro, quando se tornarem maiores de idade, ingressarem no sistema pe-nal propriamente dito.”

A mesma problemática é apon-tada por Renata Winning, do Cen-tro de Atenção Psicossocial Infan-til/Infantojuvenil de São Paulo e ex-psicóloga da Fundação CASA, um dos órgãos estatais para cum-primento de medidas socioeduca-tivas. Com a experiência de quem já vivenciou o dia-a-dia da institui-ção, ela afirma que muitos direitos previstos no ECA permanecem violados, e isso vai na contramão do projeto de ressocialização e, a longo prazo, da diminuição da vio-lência. Quanto às possíveis cau-sas da ineficácia desse sistema, Renata destaca: “Seja por falta de verba e/ou por causa de profissio-nais despreparados, as instituições ressocia lizadoras não conseguem construir pontes para que outros caminhos possam ser escolhidos pelos jovens”.

Defensores da redução da maio-ridade penal frequentemente recor-rem ao argumento de que adoles-centes em conflito com a lei podem escolher seus caminhos, e optam pela vida do crime. No entanto, Renata destaca a contradição por trás destas palavras: “a maioria é pobre, negra, mono parental, pois a mãe passa o dia inteiro traba-lhando e dispõe de pouco tempo para acompanhar a rotina do filho. Grande parte está fora da escola e não tem subsídios para construir outro projeto de vida.” A infração, desta forma, transforma-se em um caminho através do qual esses jo-vens podem experimentar outro

modo de vida, com capacidade de consumo e inserção em uma so-ciedade baseada no poder aquisi-tivo, mesmo que por pouco tempo. “A consequência da escolha deles pode ser, inclusive, uma vida curta. Eles sabem disso. Se estão ‘optan-do’ por isso é porque certamente não tiveram opções melhores.”

Presídio tem corNo Brasil, tanto o assassinato

quanto o encarceramento de jo-vens e adultos tem cor e classe social. É o que apontam os dados do Mapa do Encarceramento de 2014, da Secretaria Nacional de Juventude, ao denunciar que, já em 2002, morreram 73% mais pes-soas negras do que brancas. E, ao longo dos anos, a situação só se agravou. Comparando com o ano de 2012, nota-se que esse índice subiu para 146,5%. A situação da juventude é ainda mais grave. O mapa constata que “para cada jo-vem branco que morre assassina-do, morrem 2,7 jovens negros.”

A situação nos presídios não é diferente. O mesmo estudo aponta que o encarceramento de negros foi 1,5 vez maior do que o de bran-cos, no período analisado. Embo-ra o próprio Estado reconheça a existência da desigualdade racial, agravada nos últimos anos, a de-fensora pública Lívia Casseres afirma que ele é o maior respon-sável pela manutenção do racismo em suas instituições.

Esse é o principal motivo para que, no entendimento de Lívia, a proposta de redução da maiorida-de penal constitua uma medida de continuidade do Estado genocida contra uma população: a popula-ção negra. Para ela, esta é a forma mais eficiente de manter, estrutu-ralmente, um sistema de desigual-dades: matando, criminalizando, silenciando por meio de UPPs, mi-lícias, tráfico e ações dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.

Voa, juventudeDe um lado, o Estado genocida

e uma sociedade a favor da redu-ção da maioridade penal. Do outro, em pequenas manifestações de revolta e resistência, os gritos con-tra a manutenção da desigualdade racial e em defesa da juventude negra. Além do Amanhecer Contra a Redução da Maioridade Penal, outras campanhas com o mesmo caráter já ocuparam as ruas da ci-dade do Rio de Janeiro e do país.

Em 2014, as campanhas Jovem Negro Vivo, da Anistia Internacio-nal, e Juventude Marcada para Viver, do Observatório de Fave-las, tinham a intenção de chamar a atenção pública e romper com a indiferença diante dos dados in-questionáveis sobre o extermínio de jovens negros. Esta última, do Observatório, espalhou pelo chão da praça da Carioca, no centro do cidade, imagens pintadas, repre-sentando crianças mortas, para mostrar uma realidade pouco visí-vel aos olhos de quem não vive nas favelas e comunidades do Brasil: a incerteza quanto à própria sobrevi-vência.

Mas o jovem negro, extermina-do, in siste em existir. Para além de qualquer campanha, nas palavras do escritor Marcelo Caetano, ho-mem negro e transexual nascido na periferia de São Paulo, o rit-mo e a poesia são manifestações e meios de resistência do povo marginalizado. “Sempre foi o ritmo que nos manteve vivos. Nós que fomos, pelos navios despatriados, pelos senhores humilhados, pelo chicote machu cados, pelo Estado abandonados, pela pobreza des-troçados, pela polícia espancados, pelos justiceiros amarrados, pelo genocídio aniquilados.” Em cada letra de música, em cada pichação nos centros urbanos, está a marca da indignação daqueles que são e sempre foram esquecidos pelo Es-tado. Impedidos de voar.

A telenovela sai do armário

No dia 22 de abril deste ano, na novela ‘Babilônia’, foi ao ar um acon-tecimento comum e quase que obri-gatório em todo folhetim: o casamen-to! No dia 18 de julho de 2014, na telenovela ‘Em Família’, outro casal já havia subido ao altar. Mas apesar da tradição, os matrimônios em ques-tão eram diferentes. Não eram duas noivas, e sim quatro. Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Monte-negro). Marina (Tainá Muller) e Clara (Giovana Antonelli). “Em nome da lei, eu as declaro, casadas. A partir de agora vocês formam uma família le-gítima, perante a nossa sociedade e a nossa lei civil”, disse a juíza na ce-rimônia que uniu as personagens de “Em Família”. Mas engana-se quem acha que isso é só coisa de novela.

De acordo com o Censo Demográ-fico 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 60 mil casais ho-mossexuais. Em 2013, o país regis-trou 3.701 casamentos homoafetivos, segundo as Estatísticas de Registro Civil. Desses, 52% foram entre mu-lheres e 48% entre homens. Naque-le ano, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou

que os cartórios realizassem a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Na medida em que os homossexu-ais conseguem avançar na conquista de seus direitos, a telenovela ‘sai do armário’ e passa a retratar e discutir de forma menos periférica as novas estruturas familiares, o amor entre ho-moafetivos e o preconceito que ainda cerca essas questões. Mas qual é, de fato, a importância dessas aborda-gens para a comunidade gay, para a teledramaturgia e para a sociedade?

lizado em Miraí, cidade no interior de Minas Gerais, onde elas moram. “Me sinto mais representada pelas no-velas. As abordagens ho moafetivas estão mais sutis, verdadeiras e nada sub entendido”, afirma a diretora de projetos educacionais Tatiani.

Para o professor de teledramatur-gia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Guilherme Fernan-des, a telenovela, ao retratar o amor entre pessoas do mesmo sexo como algo legítimo, contribui para a diminui-ção do preconceito. “Muitas pesso-as não teriam acesso a esse tipo de amor [homoafetivo] se não fosse via telenovela”, ele explica.

TransformaçõesDe acordo com pesquisadores, a

primeira telenovela a ter um persona-gem homossexual foi “Assim Na Terra Como No Céu” (1970), de Dias Go-mes. Ary Fontoura interpretava o cos-tureiro Rodolfo Augusto, que era apre-sentado, na época, como “afeminado”.

Ainda na década de 70, os perso-nagens gays eram construídos, basi-camente, com base em estereótipos e não raro estavam relacionados com a criminalidade. Em “O Rebu” (1974),

Conrad Mahler (Ziembonski) se rela-cionava com o michê Cauê (Buza Fer-raz) e assassinou a mulher por quem o namorado havia se apaixononado. Em “O Astro” (1977-1988), Henri (José Luis Rodi) ajuda o amigo, para com o qual nutria desejos sexuais, a assassi-nar Salomão Hayalla.

Mas de lá para cá, muita coisa mu-dou. Desde 2002, a partir de “Mulheres Apaixonadas” todas as tramas das 21h exibidas pela Rede Globo possuem pelo menos um personagem LGBT, com exceção apenas de “Caminho das Índias”.

E foi a partir dessa abordagem que a homossexualidade deixou de ser um tabu na família de G. Ferreira, 29 anos. “Eu nunca contei para minha mãe. Vivi bastante tempo escondido sim”, diz o jornalista. Mas com o passar do tempo, as coisas foram mudando. E, segundo ele, um fator foi fundamen-tal: a telenovela. “Minha mãe assiste muito a novelas e uma vez chegou a comentar comigo, durante uma cena, que passou a ver a homossexualidade com naturalidade. Disse que se um dia um filho dela fosse, ela iria apoiar. Isso aconteceu antes de ela me perguntar se eu era gay”, lembra.

1970Assim na Terra como no Céu:

Primeira novela com um personagem gay: o costureiro Rodolfo Augusto.

1974O Rebu:

Conrad e Cauê, o primeiro casal homossexual.

1981Brilhante,

de Gilberto Braga: o protagonismo gay de Inácio

(Dennis Carvalho).Na época,

a censura proibiu o uso da expressão

‘homossexual’.

1988Vale Tudo:

A homossexualidade feminina abordada

de forma séria.

1995A Próxima Vítima:

O ator André Gonçalves foi agredido em virtude da

condição do seu personagem.

2004Senhora do Destino:

Jenifer e Eleonora adotam criança encontrada em

uma lata de lixo.

“Muitas pessoas não teriam acesso a esse tipo de amor se não fosse via telenovela”

Guilherme Fernandes

1998Torre de Babel:

A íntima relação de Rafaela e Leila é retratada de forma direta, desagradando parte do público. As personagens acabaram morrendo de forma trágica na explosão de um shopping

center.

Por Yuri Fernandes Mesmo enfrentando resistência dos mais conservadores, gênero televisivo mais popular do

Brasil promove o debate sobre relações homoafetivas a partir de tramas mais aprofundadas e personagens

no centro da narrativa

Na vida real...De casa, Tatiani Oliveira, 33 anos,

e Lumara Kerry, 23, assistiam emo-cionadas à cena de Marina e Clara. “Eu chorei, nos vimos lá”, relata Tatia-ni. Emoção que foi maior porque dois meses depois, no dia 11 de setembro, foi a vez de trocarem alianças. Foi o primeiro casamento homoafetivo rea-

Estante

O legado de ‘Amor à Vida’A cena a que G. Ferreira se refere

era da trama ‘Amor à Vida’, de Wal-cyr Carrasco. O casal vivido por Félix (Matheus Solano) e Niko (Thiago Fra-goso) conquistou o público e, de certa forma, na reta final da história, eles passaram a formar o par protagonista. No último capítulo, exibido no dia 31 de janeiro de 2014, houve o tão co-mentado beijo. O primeiro entre pes-soas do mesmo sexo exibido numa novela da emissora. “A telenovela acompanha a evolução da sociedade. Este tema precisava maturar na so-ciedade. E o tempo chegou. Foi assim com a separação de casais, quando saiu a lei do divórcio, nos anos 70, foi assim com a emancipação feminina e foi assim com as manifestações popu-lares contra o governo nos anos 90”, lembra o crítico de teledramaturgia Nilson Xavier.

Para os especialistas, ‘Amor à Vida’ é, sem dúvida, um grande marco. “A começar por termos um protago-nista homossexual - o último havia sido o Inácio (Dennis Carvalho) em ‘Bril hante’, de1983. A cena do beijo foi um grande ápice e comoveu a todos. Vale lembrar que em 1963, na telepe-ça ‘Calúnia’, Vida Alves e Georgia Go-mide deram um selinho”, completa o professor de teledramaturgia Guilher-me Fernandes.

Amor e RevoluçãoApesar de toda a tradição da Rede

Globo na produção de telenovelas, foi no SBT que pela primeira vez foi exibido o beijo homoafetivo. A trama era “Amor e Revolução”, o ano, 2012 e o autor, Tiago Santiago, responsá-vel por alguns dos maiores sucessos da Record em teledramaturgia. Os

protagonistas do beijo foram Marina (Gisele Tigre) e Marcela (Luciana Ven-dramini). Tiago, que tem o desejo de explorar mais a questão homoafetiva em projetos futuros, espera que com o tempo a abordagem seja mais aberta. “O debate sobre a diversidade sexual proposto atualmente nas tramas é crescentemente aprofundado, mas ainda super-ficial. Acredito que a telenovela pode contribuir e ajudar a com-bater a homofobia”, analisa o autor. Sobre os fatores que levam a aceitação ou não dos personagens homossexuais nas novelas, ele comenta: “Do ponto de vista da estratégia, acredito que o público deve primeiro gostar, depois torcer pelas personagens, antes de ver a intimidade física”. É váli-do lembrar que houve momen-tos de rejeição ou de censura

na história do gênero, como em “Torre de Babel” (1998), onde o público não aprovou o casal formado pelas atrizes Christiane Torloni e Sílvia Pfeifer e os personagens morreram após uma ex-plosão de um shopping. Em “América” (2005), um beijo entre os personagens de Bruno Gagliasso e Eron Cordeiro chegou a ser gravado e seria exibido no último capítulo da trama. A expec-tativa era grande, porém, a cena foi cortada pela emissora.

O outro lado da históriaEm “Babilônia”, novela das 21h da

Rede Globo, com as personagens Te-resa e Estela, não só o amor homos-sexual na terceira idade é retratado, mas também o preconceito dos mais conservadores em relação às famílias homoafetivas. Com isso a temática voltou a ficar em evidência. As duas demonstraram cenas de afeto logo no primeiro capítulo. Os congresistas da Frente Parlamentar Evangélica chegaram a divulgar uma nota oficial

de repúdio ao beijo dado pelas per-sonagens. Assinado pelo deputado federal João Campos (PSDB-GO), o documento afirmava que a novela tem a “clara intenção de afrontar os cristãos”. A telenovela sofreu várias alterações. Outro casal gay seria for-mado pelos atores Marcos Pasquim e Marcello Melo Jr., porém o rumo dos personagens foram alterados.

Guilherme Fernandes, vê com na-turalidade a resistência dos segmen-tos mais con servadores da socie dade. “Como os casais e personagens ho-mossexuais têm recebido desta que muito grande no âmbito da narrativa, é natural que o público conservador se manifeste com força maior. Não acredi-to que a telenovela forme homofóbicos ou que contribua para a manifestação do preconceito”, comenta o professor. “Novela é entretenimento, este é o seu principal objetivo. Mas, como uma po-derosa arma formadora de opinião que é, pode conscientizar”, conclui Nilson Xavier.

2005América:

Beijo entre os personagens Júnior e Zeca é cortado do

último capítulo da novela.

2010Insensato Coração: A trama foi a primeira a

apresentar um núcleo gay e denúncia

contra a homofobia.

2012Amor e Revolução: exibiu o primeiro beijo

homoafetivo.

2013Amor à Vida:

Félix e Niko, os protagonistas gays, cativaram o público que torceu por um final feliz. O beijo entre os dois foi o primeiro mostrado em uma produção da Globo.

2014Em Família: Clara e Marina

vivenciam cenas de afeto e se casam

com o apoio das famílias.

2015Sete Vidas:

Novela retrata novas estruturas familiares e

o preconceito contra as uniões homoafetivas.

2015Babilônia:

A homossexualidade na terceira idade. As personagens Estela e Teresa

lidam com o conservadorismo

da sociedade.

Tatiani e Lumara se casaram pouco tempo depois de Marina e Clara, de ‘Em Família’

2006 Adoção: Justiça concede o direito de adoção a casais homossexuais, com certidões de nascimento nas quais constam o nome do casal adotante.

2010Imposto de Renda: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional garante o direito aos homossexuais de incluir o companheiro(a) como dependente.

2010INSS: Decreto garante a homossexuais direito à pensão pela morte de seu cônjuge.

2011União Estável: Supremo Tribunal Federal reconhece o registro das uniões estáveis de casais homossexuais, com os mesmos direitos que os heterossexuais.

2012Licença-maternidade:INSS concede o benefício a um pai adotivo que vive em união estável homossexual.

2013Casamento civil gay: Conselho Nacional de Justiça aprova resolução que obriga cartórios de todo o país a converterem uniões estáveis homoafetivas em casamentos civis.

... e na sociedade

12 no. onze - agosto de 2015

O jornalismo esportivo tem por há-bito ignorar temas como política e fi-nanciamento esportivo, esporte ama-dor e, no Brasil, até os preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas sediados no país. Os profissionais da área tampouco costumam consultar mais de uma fonte, além de perpetua-rem a hegemonia do gênero masculi-no na autoria e no foco das matérias.

Estas conclusões foram tiradas a partir da pesquisa “International Sports Press Survey” (ISPS - Pes-quisa Internacional sobre a Imprensa Esportiva), feita por dois acadêmicos alemães, em parceria com um institu-to de pesquisa esportiva independen-te, financiado pelo Ministério da Cultu-ra da Dinamarca. (Ver gráfico).

O que esperar então deste merca-do? Como as Olimpíadas influencia-rão na rotina destes jornalistas habi-tuados a falar só de futebol? Qual o legado destes megaeventos para os profissionais? Como aproveitar os quatro anos de formação da melhor forma possível?

O sonho de ser jogador A relação com o jornalismo espor-

tivo da ex-aluna da UFF, Camile Mou-rão, teve início com uma forte ligação com o esporte. “Fui atleta da seleção de nado sincronizado por mais de dez anos. Depois do Pan de Santo Do-mingo, decidi encerrar minha carreira esportiva e iniciar - de fato - a jornalís-tica”, contou a produtora de esportes da TV Globo.

As histórias sobre a paixão por esporte transformando-se em carrei-ra profissional se repetem. “Desde pequeno, eu, minha família e meus professores sabíamos que eu seria jornalista. A paixão pelo esporte, prin-cipalmente pelo futebol, nunca me deixou fugir desse sonho”, contou o estudante da Universidade Cândido Mendes, Pedro Chilingue. Já Miler Alves, aluno da UFRJ, sonha mais alto. “Eu sempre quis trabalhar com

futebol. Jogador não dava. Se fos-se para ter um sonho hoje, eu queria ser técni-co. Mas eu vi que trabalhar com jorna-lismo é muito bom, então, decide ser jornalista”.

Muitos, porém, acabam confun-dindo este sentimento com vocação jornalística. Apesar de ajudar muito, entender de esporte apenas não é suficiente. “Tem que fazer direito, tem que ter carinho, cuidado, tem que ser jornalista. Gostar de esporte é mole”, afirmou Collin Vieira, produtor dos ca-nais Sportv.

O jornalista esportivo precisa co-nhecer o produto com o qual trabalha: o esporte. Isso inclui não só regras, como história, e principalmente, as pessoas - atletas, técnicos e prepara-dores. “Pela experiência do dia-a-dia, as histórias mais bacanas acabam sendo as de personagens, as histó-rias por trás dos grandes resultados: como o atleta chegou lá, quem o apoiou e foi impor-tante em sua vida”, explicou Camile.

No entanto, a pesquisa IFPS mostrou que 77% das matérias publicadas versam sobre três assuntos: resulta-dos ou crônicas de jogos (de futebol ou não); performance esportiva e prévias de com-petições. Enquanto política e financiamento esportivo corresponderam a apenas 5,8%. E ainda, em mais de 40% dos artigos analisados, apenas uma fonte foi ouvida e uma em cada quatro maté-rias não usou fonte alguma.

O jornalista e diretor da Escola de Rádio, Ruy Jobim, alerta para a falta de comu-nicadores. “Não tem comuni-cador esportivo. O Garotinho

e o Edson Mauro estão finalizando a carreira. Quem vai narrar? Nós temos o Hugo

Lago, que é excelente, mas ainda fal-ta um pouquinho para ser um deles. Independente do subgênero - esporti-vo, literário, econômico - falta comuni-cador no mercado”, afirmou taxativo.

Se vira nos 30 A falta de equipamentos e recursos

nas universidades públicas, e muitas vezes, até mesmo de professor, preju-dicam a formação profissional dos es-tudantes. Na UFF, por exemplo, nota-se uma melhora em relação há alguns anos atrás. Na época em que Collin estudava na Federal Fluminense, não havia equipamentos de audiovisual que possibilitassem aulas práticas. Apesar do avanço, a falta de câmeras filmadoras e fotográficas, microfones e um estúdio capaz de suportar a de-manda segue atrapalhando o proces-so produtivo dos alunos. Camile, no

entanto, enxerga o lado positivo da escassez “A falta de recursos ajuda a exercitar a criatividade. Saber como driblar essa escassez vai ser um di-ferencial na vida de um profissional”, explicou, com bom humor.

O grande diferencial da UFF na carreira de Collin foi o poder de re-flexão adquirido durante a formação. “Eu entrei no estágio sem saber a par-te técnica. Mas isso você aprende na prática. Meu diferencial é pensar mais nas coisas”, explicou. Quando o as-sunto é a falta de uma disciplina de jornalismo esportivo na faculdade, ele não hesita: “Graças a Deus que não temos”. E explica: “Eu não acho que a academia tem que formar ninguém para o mercado. Ela tem que formar bons profissionais em comunicação e em jornalismo. O mercado vai te for-necer as ferramentas”.

O professor da Faculdade de Co-municação Social da UERJ, Fábio Mário Iorio, criou o Curso de Especia-lização em Jornalismo Esportivo, com

Bola na

Por Luíza Calaça

t ar ev

Foram analisadas 18.340 matérias de 81 jornais, de abril a julho de 2011, de países como Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, França, Alemanha, Grécia, África do Sul, Índia, Malásia, Nepal, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Romênia, Escócia, Cin-gapura, República Eslovaca, Eslovênia, Suíça Francesa, Suíça Alemã e Estados Unidos.

Diploma

nº onze - agosto de 2015 13

início em agosto. O curso é resultado de uma demanda dos graduados na UERJ e de outros Institutos de Edu-cação Superior. Na opinião do profes-sor, a disciplina de jornalismo esporti-vo se tornou muito importante dentro do curso de jornalismo. “Na UERJ, a mudança curricular recém implantada colocou a disciplina de jornalismo es-portivo como obrigatória”. Ele acredi-ta, ainda, que as referências bibliográ-ficas que vêm sendo desenvolvidas servirão de suporte teórico e didático para a disciplina.

Sem oportunidades como esta ofe recida por Fábio, ou a disciplina de Jornalismo Esportivo na UFRJ, os alunos acabam recorrendo a cursos de extensão. “Óbvio que seria bom ter um curso de jornalismo esporti-vo, mas na nossa faculdade isso é impossível. Tem um curso na FACHA que abre de vez em quando e se abrir este ano eu pretendo fazer para ter mais uma base”, contou a estudante da Fluminense Renata Amaral.

O curso ao qual ela se refere é o Jogada Ensaiada (JE). Um dos idea-lizadores do projeto, Diogo Santarém, explicou sua origem. “O projeto surgiu de uma demanda de alunos que che-gavam à redação e não sabiam o que fazer. Vendo essas dúvidas, a gente pensou ‘como ajudar estas pessoas para que isso não aconteça?’”.

O JE é um projeto acadêmico vin-culado a um veículo de comunicação em formato de site. O curso forma mais ou menos 25 alunos por semes-tre e o objetivo é aproximar a sala de aula do mercado de trabalho. “O cur-so busca passar técnicas e o funcio-

namento do dia a dia para os alunos, e ainda oferecer a oportunidade de colaborarem com o portal, chegando mais bem preparados ao mercado de trabalho”.

Mulheres em campoO aumento da participação das

mulheres no jornalismo esportivo ainda não é suficiente para diminuir a discrepância em relação à partici-pação dos homens. A pesquisa IFPS mostrou que a cobertura das matérias no período foi feita quase que exclu-sivamente por eles: apenas 11% dos artigos analisados foram escritos por mulheres.

Se na frente das câmeras, atrás dos microfones e nas redações as mulheres vêm conquistando seu es-paço, na cobertura ao vivo sua partici-pação ainda é reduzida. “Transmissão aqui, você não vê uma mulher fazen-do. Não tem uma câmera mulher. É um ambiente masculino”, contou Collin. Ele lembrou, ainda, sua expe-riência durante os Jogos de Londres. “Eu me lembro em Londres que a câ-mera principal do vôlei de praia era uma mulher baixinha, em cima de um banco. Aqui a gente não tem isso”.

No cenário radiofônico, Ruy Jobim enxerga a inserção da mulher como uma necessidade do mercado “Nós precisamos ter locutoras narrando os jogos. Até a rádio Globo já percebeu isso”. Ele se refere ao concurso Ga-rota da Voz, organizado pela rádio em 2014, para escolher uma voz feminina para narração.

No curso de narração esportivo oferecido pela Escola de Rádio, de

cada dez alunos matriculados um é mulher, o que para Ruy é um compli-cador. “A mulher não se vê neste pa-pel. É muito complicado você ter uma turma assim. Ela já pensa ‘O que eu to fazendo aqui?’”. Ele completou ain-da ressaltando a importância da atitu-de da mulher “Voz feminina tem. Falta tomar o microfone de assalto e nar-rar uma partida”. Parece ser só uma questão de tempo.

Experiência OlímpicaO ciclo iniciado em 2007, com o

os jogos Pan Americanos no Rio de Janeiro, faz parte de um momento único para os profissionais atuantes. A experiência dos jornalistas no mer-cado de trabalho brasileiro é o que vai ficar de legado para a área, segundo o produtor do Sportv, Tadeu Sartório “A quantidade de jornalistas que tive-ram a oportunidade de cobrir a Copa e as Olimpíadas é enorme. Talvez se eu me formasse daqui a dois anos, eu levasse dez para ter a oportunidade de cobrir estes eventos”. Ele expli-cou ainda, que apesar de ocorrerem de quatro em quatro anos, quando são no exterior, apenas uma parte da equipe é enviada para cobertura. Já quando acontecem no Brasil, mobiliza todos que trabalham nas empresas de comunicação.

A proximidade dos Jogos cria uma expectativa entre os estudantes pela criação de novas oportunidades. En-quanto os estudantes Thiago Silva e Pedro Chilingue não estão espe-rançosos, Miller Alves, estagiário do Esporte Interativo, percebe essa mo-vimentação na empresa, principal-mente no setor de esportes olímpicos.

“Fato é que o setor de es-portes olímpicos contratou bastante gente, e eles pre-tendem contratar mais”, afirmou o estudante.

A produtora do núcleo olímpico da Rede Globo, Camile, e que acompanha de perto os preparativos para os Jogos, afirma que as vagas surgirão “Não apenas na área de jorna-lismo, como também em assessorias de imprensa, comitê 2016 e empresas que - direta ou indireta-mente - estarão envolvi-das com os Jogos”.

É o que também per-cebe o idealizador do Jo-gada Ensaiada, Diogo “A movimentação é baixa, mas específica. Quem con seguir entender dos

es por tes que estarão nas Olimpíadas pode ter uma chance maior de conse-guir alguma coisa”.

O comunicador Ruy Jobim é dire-to sobre o assunto. “Com certeza vai crescer. Nós não vamos só falar de fu-tebol, mas de todas as modalidades”. E o mercado não buscará apenas profissionais experientes. “Nós pre-cisamos de gente nova, moderna e rápida”, afirmou o também professor.

Questionado sobre as possíveis mudanças no mercado que o evento pode proporcionar, Collin demons-trou sua preocupação. “Eu acho que o mercado inflou antes. Com certeza vai ter alguma movimentação, mas eu não sei o tamanho e o que significa. E é temporário. Eu pessoalmente tenho um temor muito grande pós Olímpi-co”, disse. Fato é que a mídia espor-tiva terá que passar por um processo de reinvenção depois deste ciclo de nove anos. “A gente não pode voltar a como era em 2005, de jeito nenhum”, completou Collin.

Profissionais em campoA expectativa e o medo de não es-

tar preparado para o que o mercado profissional tem a oferecer é grande. Os produtores Collin e Tadeu passa-ram sua visão da área e deram algu-mas dicas do que nós, estudantes, podemos esperar e temos a oferecer.

“Tem que se entregar, tem que so-frer no começo com algumas coisas que você vai fazer e ver se você gosta daquilo e se tem um propósito. Mirar um objetivo e ter paciência, desde que não signifique perder o seu obje-tivo. E tentar colocar a sua assinatura nas coisas. Passar um pouco do que você pensa para o produto”. Quando o assunto é televisão, Collin é mais enfático e específico. “O profissional de televisão tem que saber fazer tudo, principalmente lidar com as pessoas. E querer fazer tudo: filmar, editar, pro-duzir, fazer texto, editar texto, come-çar a entender de fotografia, ver muito filme, trazer exemplos de outras coi-sas, ir à exposição de arte, ler muito, andar sem fone na rua”.

Ele compartilhou ainda o que para ele foi um dos maiores aprendizados profissionais até hoje. “Um antigo chefe meu dizia que o profissional que o que teu chefe quer é um cara capaz de tomar decisão. Que diante de um problema consiga criar soluções. Os profissionais chegam muito passivos no mercado”. Segun-do ele, é do que o mercado sente mais falta hoje em dia.

O estudo mostrou que o futebol foi a modalidade mais noticiada pelos jornais no período, com 40,5% das publicações. O tênis, segundo esporte mais abordado, ficou com o índice de 7,6%. No Brasil, o futebol foi tema de 74,6% das matérias, enquanto o segundo esporte mais veiculado foi a Fórmula 1, com 3,3%.

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papel dessa criança em sua vida, tam-bém investindo na autoestima dela e do filho. “A criança será sempre uma lembrança da relação com esse “pai” e a frustração vivida. Para que isso não ocorra, o vínculo “mãe e filho” deve ser muito fortalecido e a ligação da mãe com a criança deve ser esta-belecida de forma a proteger ambos do trauma vivido. Muitas mães vítimas de abandono passam a vida falando mal dessa figura paterna, enfatizando o episódio, como se já não bastasse a dor sentida. A verdade com simpli-cidade e no momento adequado é a melhor explicação que se pode dar”, aconselha Leonor.

Amigos e familiares tem papel fundamental como a base e o apoio para mãe e filho desde o nascimen-to do bebê. Ana Luiza conta que no início de sua gestação alguns fami-liares a criticaram muito, mas que aos poucos todos foram associando a gravidez à chegada de Maria Cla-ra e mudaram de ideia. “Sofri muito no início, pois não só alguns amigos, mas parentes meus torceram o nariz para a situação, como se eu tives-se feito tudo de propósito e tivesse culpa. Ninguém espera se relacionar com alguém, engravidar, e não ter o apoio do parceiro. Hoje, a Clarinha é a luz da família e só nos trouxe alegria”, acrescenta a secretária. “A mãe precisa desenvolver muito o amor pelo filho para apagar as mar-cas do passado e buscar apoio nas redes de amigos e familiares para auxiliá-la nessa nova missão: cuidar

Lei sancionada pela Presidente Dilma abre novas perspectivas no reconhecimento de paternidade

Por Juliana Caldeira

da lei 6.015/73 (lei de Registros Pú-blicos), equiparando, assim, mães e pais quanto à obrigação de registrar o recém-nascido.

De acordo com o advogado Luiz Octávio Rocha Miranda, especialista em Direito de Família, a vantagem que essa nova lei traz é enorme, prin-cipalmente para a criança. “Antes, se o pai se recusasse a assumir, a mãe era obrigada a mover uma ação de investigação de paternidade e o juiz poderia até determinar a realização do exame de DNA. Com a nova lei, a mãe comparece ao cartório e, caso queira, indica o nome do pai e o re-gistro é lavrado. Caso o pai discorde, terá que mover uma ação negatória de paternidade para anulação do re-gistro, na qual obrigatoriamente terá de se submeter ao exame de DNA.”, esclarece Luiz Octavio. Antigamen-te, somente o pai poderia registrar a criança, e somente na impossibilida-de dele a mãe poderia fazê-lo. Porém, nesse caso, a certidão da criança fica-va incompleta, com o nome do pai e dos avós paternos omitidos.

A secretária Ana Luiza das Neves, 32 anos, passou por uma situação pa-recida em maio do ano passado. Ao dar à luz Maria Clara, ficou sem saber ao certo como prosseguir com o pro-cesso de registro da menina, já que o pai não quis assumir a criança, ainda durante a gravidez. “Li muito a res-peito, pois isso era uma questão que me preocupava. Sei que a certidão é um documento super importante, pois sem ela a criança não tem acesso a

direitos básicos, como ao sistema de saúde, por exemplo. Morria de medo de não conseguir registrá-la assim que nascesse, e ela tivesse algum problema e eu não pudesse fazer nada legalmente para ajudá-la.”, con-ta a secretária.

Luiz Octávio garante que não é bem assim que o sistema judiciário fun ciona. “As mães solteiras podiam re gistrar a criança em seu nome, bas-tando apresentar a Declaração de Nas cido Vivo (DNV) emitida pela ma-ternidade. O problema é que a criança tinha uma certidão de nascimento que não continha nem o nome do pai nem dos avós paternos”, explica.

“Quando Maria nasceu não tive nenhuma restrição para obter a cer-tidão dela. Peguei o papel que rece-bi no hospital e fui ao cartório. Real-mente existe a lacuna em branco no nome do pai e avós paternos, e essa é uma questão que precisará ser mui-to bem trabalhada com ela ao longo dos anos. Não chego a me sentir cul-pada e frustrada por ter engravidado e o rapaz não ter assumido minha filha, pois ela é um ver dadeiro presente. Mas sim, existe um frio na barriga só de pensar quando ela perguntar sobre o pai, ou o porquê dele ter nos aban-donado.”, diz Ana.

Para a terapeuta familiar Leonor Ramos Chaves, a mãe que foi aban-donada pelo parceiro durante essa fase tão delicada e especial, e que por conta desse abandono às vezes se torna complicada e dolorosa, deve buscar entender o seu sofrimento e o

Desde 1973 vigorou a lei, apoiada na tradição e costume, em que somen-te o pai poderia registrar o nascimento do filho, enquanto hipoteti camente a mãe se recuperava do parto. Além de apontar uma questão de “honra, res-peito e prova de masculinidade”, esse ritual fazia parte também das come-morações pela chegada de um novo membro da família, onde o pai exibia com orgulho a certidão do filho com seu nome e sobrenome.

Com o passar dos anos, a concep-ção imposta pela sociedade da tradi-cional família composta por “pai, mãe e filho”, foi caindo por terra. O número de casais que mantiveram casamento e lar intactos foi diminuindo com o passar dos anos, apontando que essa tradição já não existe mais com tanta força.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE) em 2010, o percentual de famílias reconstituídas, que fogem do perfil convencional, somavam em torno de 16%. Até então, de acordo com o Censo e com a PNAD (Pesqui-sa Nacional por Amostra de Domicílio) do ano 2000, o Brasil era constituído quase que integralmente por casais com filhos, embora não fosse possível saber, através das pesquisas, se do mesmo pai e da mesma mãe.

Reconhecendo essa mudança, no dia 31 de março, a Presidente Dilma Roussef colocou em vigor a lei 13.112, que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho, alterando o Artigo 52,

Identidades

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do seu filho e de si sem o apoio de uma figura paterna”, completa a te-rapeuta Leonor.

Ainda segundo a pesquisa rea-lizada pelo IBGE, o número de mu-lheres solteiras com filhos também aumentou significativamente, de 11 para 16%, entre 2000 e 2010. Muitas vezes, porém, as mulheres escolhem ter seus filhos sozinhas, sem ajuda ou apoio financeiro e emocional de um parceiro. Na maioria dos casos de “produção independente”, a mu-lher procura engravidar depois de se estabilizar na carreira e na vida pes-soal, e muitas vezes através de clíni-cas de fertilização.

Ocorre porém, em algumas si-tuações, de a mulher engravidar acidental mente e mesmo assim re-solve levar a situação adiante, não contando para seu parceiro que está esperando um bebê. Foi o que aconteceu com professora de in-glês Laís Araujo, de 28 anos. Laís teve um rápido relacionamento e há pouco mais de um mês descobriu que havia engravidado. Resolveu seguir com a gravidez e não comu-nicou ao rapaz com quem se rela-cionou. A atitude no início assustou principalmente a família da profes-sora. “Alguns até foram e ainda são contra, pois não entendem como posso registrar e criar um filho sem o pai. A vontade de ser mãe vem desde criança. Entretanto, na ado-lescência, comecei a me questionar sobre porque deveria me casar ou ter um relacionamento estável para só depois ter um filho”, conta.

A nova lei sancionada pela Presi-dente facilitará o processo de registro do filho de Laís, apesar de não dife-renciar muito da an tiga nesse pon-

to. “Basta que a mãe com pareça ao cartório com a DNV da maternidade e registre a criança somente em seu nome, o trâmite é o mesmo”, conclui o advogado Luiz Octávio.

O preconceito com a mãe que de-cide criar seu filho sozinha ainda é muito grande, principalmente porque muitos não entendem porque uma mulher opta por gerar um filho sem o apoio do parceiro. “Ainda somos uma sociedade patriarcal e machista. Há, sim, preconceito contra as mães sol-teiras”, aponta Leonor. “Todavia, não há como saber se a mulher que opta pela produção in dependente está no caminho certo e pronta para assumir os riscos e responsabilidades que a maternidade traz. A produção inde-pendente pode estar a serviço da ca-rência afetiva, do medo de ficar sozi-nha, das pressões sociais, religiosas e familiares”, completa a terapeuta.

Vencendo barreiras A pesquisa realizada pelo IBGE

e pelo Censo em 2010 apontou tam-bém outra novidade: pela primeira vez, os órgãos abriram a possibi-lidade de registro de cônjuge ou companheiro do mesmo sexo que o responsável pelo domicílio. Fo-ram identificados cerca de 58 mil residências ocupadas por casais homossexuais, representando apro-ximadamente 0,1% do total de uni-dades domésticas. Embora o estado civil predominante entre os casais homoafetivos seja o de solteiros (82%), 13% estão casados, mos-trando que as novas configurações familiares estão cada vez mais for-tes na nossa sociedade.

O bancário aposentado Carlos Al-berto Marques, de 62 anos, e o pro-

fes sor de panificação André Luiz de Sou za, 41, são exemplo de que uma família não precisa seguir os moldes ditos convencionais para ser feliz. Casados há dez anos, resolveram adotar duas meninas, completando assim a família que sonhavam. “Eu tenho duas filhas biológicas, já adul-tas, e como meu companheiro nun-ca teve filhos, resolvemos adotar. Durante uma reunião do grupo que frequentávamos, o Quintal da Casa de Ana, em Niterói, fomos convida-dos para conhecer duas meninas, irmãs, que estavam abrigadas em Vila Valqueire e tinham na ocasião 5 e 7 anos. Foi amor à primeira vista de ambas as partes, e saímos de lá com a certeza que ficaríamos juntos para sempre”, conta Carlos Alberto.

O processo de adoção transcor-reu normalmente. De acordo com Carlos, todos os procedimentos fo-ram feitos sem questionamentos a respeito da opção sexual deles. Fo-ram solicitados documentos como atestados de saúde, contracheques, comprovantes de residência, entre outros, para o pedido em conjunto da habilitação para adoção.

O casal foi um dos primeiros com união homoafetiva a iniciar um pro-cesso de adoção, em julho de 2009. Após três reuniões com um grupo de 20 pretendentes, casados ou soltei-ros, para discussões e dinâmicas, seguiram para avaliações sociais e psicológicas, e só então foram aprovados para uma nova etapa: entrevistas individuais e em conjun-to, com psicológos e assistentes so-ciais. Depois de visitas domiciliares secretas e marcadas, pre cisaram aguardar todos os laudos e docu-mentos que foram enviados ao jui-zado que concorda ou não se o ca-

sal está apto para adoção, processo intitulado de “habilitação”. “Desde o processo de habilitação, tínhamos muitas inseguranças. Mas não fo-mos questionados quanto à nossa opção sexual e tudo transcorreu da maneira natural, comum a qualquer um que entra nesse processo...”, acrescenta Carlos.

Uma dúvida recorrente quando o assunto é adoção por casais ho-moafetivos é sobre o registro das crianças após o processo. “Após 11 meses de guarda provisória, a juíza deferiu a adoção definitiva, em maio de 2010. Com isso, foram emitidas novas certidões com a nova filiação, novos nomes e sobrenomes, novos avós”, conta. Mas nem o próprio cartório sabia como fazer os novos registros. Como registrar uma crian-ça sem o nome da mãe e com dois pais? Como ficam os avós? Foi pre-ciso intervenção da juíza para que eles emitissem os documentos. “Até hoje a Receita Federal não tem seus computadores prontos para isso, pois trabalha com a base em “mãe”, já que considera que uma criança pode não ter ‘pai’ mas sempre terá ‘mãe’”, explica Carlos Alberto.

Quando questionado sobre es-sas configurações familiares que fogem das tradicionais, Carlos acre-dita que “família” é um ato de amor e assim deve ser. “Quantas famílias ditas ‘tradicionais’ não estão bem e não são felizes? O que transforma pessoas que estão juntas em ‘famí-lia’ é o amor que as une. Conheço vários casais homoafetivos, sejam dois homens ou duas mulheres, que adotaram crianças, até três de uma vez. Isso é amor, isso é ‘família’”, fi-naliza.

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JACAREPAGUÁ

“A flora carioca foi desde os tem-pos coloniais devastada pelo homem, quer para construção, quer para lenha e carvão, transformando a exuberante vegetação secular em depauperada capoeira” (...) Assim é preciso que o governo proíba esses abusos, pois, sem a sistematização do corte e o re-plantio obrigatório, estaremos perdi-dos” (O Sertão Carioca, relato de Ma-galhães Corrêa sobre suas andanças pela Baixada de Jacarepaguá entre 1931 e 1932)

“O que está acontecendo aqui?”, foi o que se perguntou a arquiteta urba-nista Gisela Santana, ao olhar para o banco de seu carro e contar 14 folders de propagandas de prédios residen-ciais. “Venha morar na rua mais arbori-zada de Jacarepaguá”. “Viva na maior ilha de tranquilidade do Rio de Janeiro. Freguesia: a parte mais nobre de Ja-carepaguá”.

O susto ocorreu por volta de 2005. Naquele ano, a Região Administrativa (R.A.) de Jacarepaguá registrou a ven-da de 296 unidades imobiliárias, apro-ximadamente 11% do total de vendas em toda a cidade do Rio de Janeiro. Era o começo de um boom imobiliário nos dez bairros da R.A., cujos efeitos

estão sendo percebidos até hoje: trân-sito intenso, ilhas de calor e diminuição na qualidade de vida dos moradores. De Sertão Carioca, como ficou conhe-cida na primeira metade do século XX, a Baixada de Jacarepaguá virou selva. De pedra.

Conhecida por seus sítios e áreas verdes, a Freguesia foi um dos bair-ros da região que mais se modifica-ram nos últimos dez anos. Para quem acompanhou de perto este processo, as mudanças ocorridas no “Leblon de Jacarepaguá” são fruto do Projeto de Estruturação Urbana dos bairros da Freguesia, Pechincha, Tanque e Ta-quara, o chamado PEU Taquara, de julho de 2004.

De acordo com suas diretrizes, o projeto deveria ordenar as construções e o espaço urbano dos quatro bairros. Mas, na prática, ocorreu o inverso: ao aumentar o número máximo de pavi-mentos permitido em diversas ruas, o PEU Taquara possibilitou a expansão do mercado imobiliário, principalmente na Freguesia.

“A Linha Amarela já existia à épo-ca (1997), então, a Freguesia virou aquele bairro que está ‘a um passo da Barra’, no caminho para a zona norte

e para o centro (via Grajaú-Jacarepa-guá). Além disso, havia muitos sítios e grandes terrenos por aqui”, ressal-tou o vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos da Freguesia (AMAF), Jorge da Costa Pinto, mora-dor do bairro desde 1952.

A Freguesia acabou virando a “me-nina dos olhos” do setor imobiliário. “O que atraía e ainda atrai as pesso-as é esse aspecto tranquilo, bucólico e próximo à natureza. Mas acabaram destruindo os encantamentos que aju-daram a vender o bairro. Não há verde para todo mundo”, disse Gisela San-tana. Segundo informações da Secre-taria Municipal de Urbanismo, a perda de cobertura arbóreo-arbustiva na Fre-guesia, entre 2004 e 2011/2012, foi de aproximadamente 25 hectares (o equi-valente a cinco campos de futebol). Para a arquiteta urbanista, a expansão do bairro impulsionada pela lei ocorreu de forma desordenada. “Há uma sé rie de incoerências nesse projeto. O Esta-tuto da Cidade, uma lei federal, de-veria ter servido de guia para o PEU, uma lei municipal. De acordo com a lei não pode haver aprovação desmedida de empreendimentos se o bairro não oferecer uma infraestrutura condizen-

te (saneamento, transporte, escolas). Não foi o que se viu”, revelou Gisela.

Após anos de mobilização, a AMAF e outros representantes da sociedade civil conseguiram, em novembro do ano passado, a aprovação de um de-creto que transformou a Freguesia em Sítio de Relevante Interesse Ambiental e Paisagístico.

Com a medida, o gabarito foi revis-to e a expansão, contida. Mas, para a Coordenadora da Comissão de Meio Ambiente de Jacarepaguá, Núbia Corrêa, a resposta veio tarde demais. “Não existe mais espaço físico para construir nada. Do que esse decreto vai adiantar?”, indagou a Coordenado-ra. Para ela, o ideal seria uma revisão no PEU Taquara como um todo. “O decreto vale apenas para a Freguesia. Para piorar, as obras que supostamen-te já tinham licenciamento não foram afetadas”.

No último relatório de unidades imobiliárias vendidas na cidade, divul-gado pela Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Jacarepaguá liderava o ran king com 913 unidades somente no primeiro semestre de 2014. “É des-gastante, você rema contra uma maré muito forte”, lamentou Gisela.

Especulação Imobiliária desenfreada causa perda de vegetação no bairro

Tratando mal a freguesiaPor Rafael Bolsoni

Nove anos depois da criação do PEU, era baixado o Decreto n° 38057, que reconhecia:

Área total1.039 hectaresPerda vegetal (2004/2012)

24,68 hectares (equivalente a

25 campos de futebol)

uma em cada cinco unidades imobiliárias vendidas entre 2004 e 2013, na cidade do Rio

FREGUESIA “a perda de área vegetada ocorrida no bairro desde o início da intensificação do processo de sua ocupação, após a aprovação da Lei Complementar 70,de 06 de julho de 2004”;

“o recente processo de adensamento desse bairro, com padrões urbanísticos que comprometem a manutenção da qualidade ambiental, põe em risco a paisagem urbana e qualidade de vida do bairro da Freguesia”.

Limoeiro