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139 O artigo discute as origens e transformações históricas daquele que pode ser considerado um tema central nos debates relativos ao desenvolvimento econômico no Brasil contemporâneo: as causas e as formas de se resolver o assim chamado Custo Brasil. Analiso aqui os diferentes usos que foram feitos dessa expressão por instituições e agentes específicos, os resultados obtidos e de que forma estes se relacionam com a conjuntura histórica e com a cultura política brasileira contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: custo Brasil; cultura dos assuntos públicos; cultura política; cultura e poder; teoria dos discursos públicos; ação política empresarial; reformas constitucionais. Dennison de Oliveira Universidade Federal do Paraná RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 14: p. 139-161, jun. 2000 A CULTURA DOS ASSUNTOS PÚBLICOS: O CASO DO “CUSTO BRASIL” I. INTRODUÇÃO A década de 1990 no Brasil foi marcada por intensos debates e disputas relativas aos diferentes projetos de reorganização econômica e política a serem conduzidos pelo Estado nacional. A aber- tura do mercado, a desregulamentação da eco- nomia e as privatizações promovidas a partir de 1990 anunciavam a transição de um modelo de- senvolvimentista para algum outro, cujo conteúdo exato ainda é objeto de especulações, mas que certamente se caracteriza por ter um perfil que é nitidamente orientado para a retirada do Estado de vastos setores dedicados à produção e à regula- ção econômica, no intuito de tornar a sociedade brasileira mais competitiva numa era de globaliza- ção econômica (MARTINS, 1990, p. 32-33). Por outro lado, a par dessa reformulação do modelo brasileiro de desenvolvimento, buscava- se lograr uma permanente estabilidade econômica. Após sucessivos fracassos dos planos de esta- bilização, conseguiu-se, com o Plano Real de 1994, manter-se a inflação sob relativo controle. Tal sucesso para tornar-se permanente deveria, na retórica dos agentes responsáveis pela elaboração e implementação do plano, ser acompanhado de uma série de mudanças estruturais na economia brasileira, capazes de superar a crise fiscal vivida pelo Estado brasileiro e dar às suas políticas públicas condições de eficácia. É nesse sentido que se compreende a importância do debate re- lativo ao amplo processo de reformas constitu- cionais realizadas – e que ainda se encontra em andamento – no Brasil da década de 1990. O que está em jogo não é apenas a estabilidade eco- nômica, mas toda uma reorientação do rumo e do sentido do modelo brasileiro de desenvolvimento e, no limite, uma mudança estrutural na forma pela qual se organizam e relacionam o Estado e os agentes econômicos privados (BRESSER PE- REIRA, 1998, p. 163-214). Esse processo de reformas econômicas e insti- tucionais conseguiu envolver praticamente todos os setores organizados da sociedade civil, dese- josos não só em dele participar mas também em influenciar seus rumos, fosse na ótica de lograr o atendimento de seus interesses imediatos, fosse para defender aquilo que consideravam como as soluções mais condizentes para com o desen- volvimento nacional. Apesar da diversidade de grupos e entidades envolvidas nesses debates eles podem, grosso modo, ser divididos em duas grandes correntes: aqueles identificados com a necessidade e a urgên- cia das reformas em curso (ainda que considerável grau de discordância exista por sob essa iden- tificação) e os que defendem, ainda que sob dife- rentes objetivos e com ênfases diversas, a manu- tenção de pelo menos algumas das características do modelo desenvolvimentista até então prevale- cente. Na cultura política da época convencionou-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 14: 139-161 JUN. 2000

O artigo discute as origens e transformações históricas daquele que pode ser considerado um tema centralnos debates relativos ao desenvolvimento econômico no Brasil contemporâneo: as causas e as formas de seresolver o assim chamado Custo Brasil. Analiso aqui os diferentes usos que foram feitos dessa expressão porinstituições e agentes específicos, os resultados obtidos e de que forma estes se relacionam com a conjunturahistórica e com a cultura política brasileira contemporâneas.

PALAVRAS-CHAVE: custo Brasil; cultura dos assuntos públicos; cultura política; cultura e poder; teoriados discursos públicos; ação política empresarial; reformas constitucionais.

Dennison de OliveiraUniversidade Federal do Paraná

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 14: p. 139-161, jun. 2000

A CULTURA DOS ASSUNTOS PÚBLICOS:O CASO DO “CUSTO BRASIL”

I. INTRODUÇÃO

A década de 1990 no Brasil foi marcada porintensos debates e disputas relativas aos diferentesprojetos de reorganização econômica e política aserem conduzidos pelo Estado nacional. A aber-tura do mercado, a desregulamentação da eco-nomia e as privatizações promovidas a partir de1990 anunciavam a transição de um modelo de-senvolvimentista para algum outro, cujo conteúdoexato ainda é objeto de especulações, mas quecertamente se caracteriza por ter um perfil que énitidamente orientado para a retirada do Estadode vastos setores dedicados à produção e à regula-ção econômica, no intuito de tornar a sociedadebrasileira mais competitiva numa era de globaliza-ção econômica (MARTINS, 1990, p. 32-33).

Por outro lado, a par dessa reformulação domodelo brasileiro de desenvolvimento, buscava-se lograr uma permanente estabilidade econômica.Após sucessivos fracassos dos planos de esta-bilização, conseguiu-se, com o Plano Real de1994, manter-se a inflação sob relativo controle.Tal sucesso para tornar-se permanente deveria, naretórica dos agentes responsáveis pela elaboraçãoe implementação do plano, ser acompanhado deuma série de mudanças estruturais na economiabrasileira, capazes de superar a crise fiscal vividapelo Estado brasileiro e dar às suas políticaspúblicas condições de eficácia. É nesse sentidoque se compreende a importância do debate re-

lativo ao amplo processo de reformas constitu-cionais realizadas – e que ainda se encontra emandamento – no Brasil da década de 1990. O queestá em jogo não é apenas a estabilidade eco-nômica, mas toda uma reorientação do rumo e dosentido do modelo brasileiro de desenvolvimentoe, no limite, uma mudança estrutural na forma pelaqual se organizam e relacionam o Estado e osagentes econômicos privados (BRESSER PE-REIRA, 1998, p. 163-214).

Esse processo de reformas econômicas e insti-tucionais conseguiu envolver praticamente todosos setores organizados da sociedade civil, dese-josos não só em dele participar mas também eminfluenciar seus rumos, fosse na ótica de lograr oatendimento de seus interesses imediatos, fossepara defender aquilo que consideravam como assoluções mais condizentes para com o desen-volvimento nacional.

Apesar da diversidade de grupos e entidadesenvolvidas nesses debates eles podem, grossomodo, ser divididos em duas grandes correntes:aqueles identificados com a necessidade e a urgên-cia das reformas em curso (ainda que considerávelgrau de discordância exista por sob essa iden-tificação) e os que defendem, ainda que sob dife-rentes objetivos e com ênfases diversas, a manu-tenção de pelo menos algumas das característicasdo modelo desenvolvimentista até então prevale-cente. Na cultura política da época convencionou-

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se chamar aos primeiros de representantes dopensamento neoliberal ou, como preferem algunsautores, de um “Brasil emergente”. Os demaistornaram-se conhecidos como sendo a “esquerdabrasileira” ou, como querem alguns, os repre-sentantes do “Brasil autárquico”. Em que pese aprecariedade dessa qualificação, tornou-se claropara qualquer observador que o debate sobre esseprocesso de transformações era polarizado entreos grupos que lhe eram predominantementefavoráveis e aqueles que, por princípio, opunham-se-lhe (ARAGÃO, 1996, p. 154; SAES, 1996, p.141-147).

Nesse debate verificou-se o uso de um amploconjunto de recursos políticos, econômicos e so-ciais mobilizados pelos grupos acima indicadosno esforço de influenciar (ou barrar) o andamentodas mudanças. Nesse sentido, toda uma série detemas, imagens e prognósticos foram criados eamplamente disseminados nessa conjunturaatravés principalmente da imprensa, num esforçopara mobilizar grupos sociais e frações de classe,buscando angariar-se apoio político para influen-ciar o processo de encaminhamento das reformasconstitucionais.

Claro que esse processo não é específico docenário brasileiro. Via de regra, todos os grupospoliticamente atuantes nas sociedades capitalistasdemocráticas, em particular aqueles que detêm ahegemonia política, sempre desenvolvem umesforço considerável e de caráter permanente paradificultar a emergência e a disseminação de cren-ças, idéias e valores que se contraponham àquelesprevalecentes e, inversamente, esforçam-se paradivulgar aqueles que são mais eficazes na defesade seus interesses.

O enfrentamento na esfera pública entre os di-ferentes grupos e setores em princípio favoráveisou contrários às reformas propostas pelo governofederal levou ao surgimento de todo um conjuntode símbolos, argumentos, palavras de ordem eidéias-chave sobre aquilo que se considerava a me-lhor opção naquele momento para o país. Em pou-cas palavras, faz sentido nos referirmos ao sur-gimento de uma determinada cultura afeta a esteassunto público.

Novamente, não se nota aí nenhuma especi-ficidade do caso brasileiro nessa conjuntura histó-rica particular. Afinal de contas, numa sociedadedemocrática, ou pelo menos pluralista, na qual sepermite o debate público a respeito dos temas de

interesse coletivo, virtualmente cada questãopolítica acaba reunindo em torno de si um conjuntode frases e argumentos característicos, que lhessão peculiares. O que queremos dizer é que cadaquestão pública tende a possuir uma cultura pró-pria, plenamente identificável e cujos temas sãorecorrentemente a ela associados.

As evidências disponíveis permitem perceberque, em algum momento no Brasil dos anos 1990,o debate político sobre as reformas tendeu aassumir uma característica distinta: a de ter secentrado nas discussões afetas ao chamado “custoBrasil”.

Tal expressão acabou por definir, circunscrevere redimensionar o debate afeto às reformas entãoem curso, em boa medida por que elas afetavamdiretamente os termos nos quais se dava a inserçãodo país na ordem econômica internacional e nadivisão internacional do trabalho. Tais termoseram tidos e havidos como mensuráveis, dada asuposta objetividade das comparações realizadasentre os custos de bens e serviços oferecidos nopaís com relação aos seus congêneres estrangeiros.A competitividade dos produtos e serviços bra-sileiros, tanto os exportáveis quanto os consumidosinternamente, parecia ter um vínculo direto comos componentes do assim chamado “custo Brasil”.

Nesse sentido, podemos imaginar o extraor-dinário impacto sobre o imaginário coletivo dessascomparações, tanto sobre produtores quanto con-sumidores comuns, através dos exemplos abaixo,típicos da retórica que tornou tão popular a ex-pressão “custo Brasil”: “Uma corrida de táxi emNova York sai mais em conta que uma corrida detáxi em São Paulo. Embarcar um contêiner noporto do Rio de Janeiro sai pelo dobro do que em-barcá-lo em Buenos Aires ou em Montevidéu.Transportar uma tonelada de soja de Mato Grossoaté o porto mais próximo sai quatro vezes o custodo transporte pelo interior dos EUA. Tomardinheiro emprestado para implantar uma fábricano Brasil não fica por menos de três vezes o quepaga um empresário para fazer a mesma coisa numpaís europeu. Um televisor nacional sai mais carodo que um televisor americano ou japonês”(SILVA, 1997, p. 7).

Talvez jamais se saiba com exatidão quem equando se cunhou tal expressão. Certamente,existem evidências de que o termo foi criado peloServiço de Planejamento da Petrobrás na elabo-ração do Contrato de Gestão de 1994 para definir

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os custos das atividades produtivas do país. Con-tudo, ele ganha ressonância nacional e passa a fa-zer parte integrante do vocabulário político do paísa partir de 1995, quando a CNI (ConfederaçãoNacional da Indústria) lança um cartilha destinadaprecisamente a divulgar a sua interpretação sobreo que é e como deve ser entendido o custo Brasil.É interessante examinar-se tal documento, àmedida em que ele nos ajuda a entender os limitesa que se remete (e nos remete) a expressão “custoBrasil”, ainda mais que, certamente, ele aponta oselementos típicos da retórica afeta a este assunto.Para a CNI o Custo Brasil é todo um “conjunto deineficiências e distorções que prejudica a compe-titividade do seu setor produtivo. Tais ineficiências[...] dizem respeito às relações entre Estado e setorprivado, e estão expressas basicamente em umalegislação inadequada e em graves deficiências noprovimento de bens públicos” (CNI, 1995, p. 2).

Mais detalhadamente, nos documentos da CNIo “custo Brasil” manifesta-se em “distorções donosso sistema tributário, que impõe uma cargatributária desigual, com sobretaxação do setor in-dustrial, redunda em uma inaceitável tributaçãosobre as exportações e sobre os investimentos eimplica altos custos administrativos. Está tambémna legislação trabalhista, dado o excesso e a rigidezde nossos encargos e na precariedade dos nossossistemas de educação e de saúde. Está na obsoles-cência da infra-estrutura de transportes, nos ele-vados custos portuários, na rápida deterioração dastelecomunicações e no estrangulamento do sistemaenergético. Está presente, também, no elevadocusto de financiamento que caracteriza a economiabrasileira há muitos anos. Está, por fim, nos custosde transação elevados associados a um nível deregulamentação da atividade econômica excessivoe oneroso” (idem, p. 2).

Enfim, a definição da CNI para o Custo Brasilé bastante ampla, englobando praticamente todosos componentes das planilhas de custos das em-presas e que, no entender da entidade, são respon-sáveis pelo escasso potencial competitivo da in-dústria brasileira, tanto no mercado interno frenteà concorrência dos produtos importados, quandopela queda dos índices de exportação.

A abrangência da definição do Custo Brasilna ótica da CNI talvez tenha sido a principalresponsável, a par da maciça divulgação propi-ciada pelos meios de comunicação daquelaentidade, pela ampla disseminação do conceitoentre os grupos políticos e sociais organizados no

Brasil dos anos 90. Afinal de contas, compõe oCusto Brasil não apenas os itens mais diretamenterelacionados com a planilha de custos, mastambém elementos que dizem respeito à formacomo se organiza a redistribuição de excedentesna sociedade brasileira.

De fato, ao incluir na sua definição do termoitens como o nível de qualidade e o tipo de acessoaos serviços de saúde e educação, para não men-cionar a questão da infra-estrutura de transportes,energia e telecomunicações, a CNI parece terpercebido a oportunidade de mobilizar pratica-mente toda a sociedade brasileira no processo dediscussão e implementação das reformas queseriam capazes, não só de aumentar a competiti-vidade de seus associados, mas também, no limite,de promover uma ampla reforma social de conse-qüências extremamente benéficas para o avançoda democracia e para o nível de bem-estar dasociedade brasileira. Talvez por permitir essa lei-tura é que o termo tenha obtido tamanha reper-cussão entre toda uma gama de setores sociais epolíticos naquela conjuntura, sendo utilizado tantopela esquerda quanto pelos neoliberais. Numapalavra, a CNI deu um impulso decisivo no sentidode delimitar e circunscrever os termos nos quaisse daria o debate sobre as reformas então em cursono Brasil, seus méritos relativos e as várias agen-das que elencariam e hierarquizariam o andamentodas discussões.

Os únicos itens relacionados com a planilhade custos a não merecerem atenção na definiçãoda CNI são, justamente, aqueles relacionados coma gerência do processo produtivo e seus índicesde produtividade. De fato, a CNI em seu docu-mento parte do pressuposto de que as “empresasindustriais brasileiras passaram por um vigorosoprocesso de ajustamento que se refletiu em cres-centes ganhos de qualidade e produtividade”(idem, p. 1). Nessa ótica, as empresas já teriamfeito tudo o que estava ao seu alcance para reduziros custos de produção e lograr uma maior com-petitividade. Caberia então ao Estado reduzir acarga tributária, melhorar a oferta de serviços deeducação e saúde, melhorar ou privatizar os ser-viços públicos, reduzir a taxa de juros e desregu-lamentar a economia. Aos trabalhadores, por suavez, era sugerido que renunciassem aos “privi-légios” propiciados pela legislação trabalhista emprol da redução dos custos.

Enfim, a expressão “custo Brasil” parece ter-se constituído em marco referencial das discussões

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e debates afetos ao processo de reformas eco-nômicas e institucionais em curso naquela con-juntura. Ou seja, a própria expressão “custo Brasil”– com suas causas, diagnósticos e estratégias parareduzi-lo – passou a ser um novo item do conjuntode debates políticos dos anos 90, que tanto englo-bava quanto se sobrepunha a uma série de outrostemas relativos às reformas então em discussão.

Dessa forma, o interesse deste texto é, atravésda reconstituição dos componentes da cultura desteassunto público, examinar que atores e em quecircunstâncias envolveram-se no debate, queimagens eles veiculavam, que componentes doproblema eram por eles mais ou menos enfati-zados, e quais as conseqüências e efeitos políticosdaí esperados. Pretende-se, dessa forma, contribuirpara o entendimento de alguns aspectos da culturados assuntos públicos brasileiros dos anos 1990 eda correlação de forças instaurada no debate polí-tico e cultural.

Este esforço de entendimento requer algumasconsiderações sobre as estratégias tornadasdisponíveis pela Sociologia contemporânea sobrecomo pode ser entendida a cultura dos assuntos equestões públicas nas sociedades capitalistas con-temporâneas que vivem sob regimes pluralistas.Obviamente que o exame de um tal conjunto demétodos e técnicas não pode ser feito nos estreitoslimites deste trabalho. Assim, gostaria de apre-sentar aqui apenas uma das opções possíveis paratratar o tema e que, à luz de minha limitadaexperiência, tem-se mostrado coerente e consis-tente tanto no que respeita à fundamentação e àcoerência de seus pressupostos teóricos, quanto àeficácia e à adequação dos procedimentos meto-dológicos que sugere. Estarei então me referindoaqui aos autores que de alguma forma têm seempenhado no desenvolvimento de uma Teoriado Discurso Público, tais como Gamson & Mo-digliani (1987, 1995), Pedriana & Stryker (1997),bem como algumas das referências teóricas deArcher (1988). Essa teoria, embora ainda longede se encontrar completamente amadurecida(como reconhecem seus proponentes), apresentaalguns pressupostos claramente explicitados.

O primeiro deles é o de que, numa sociedadena qual é não só é rotineiro como intenso o debatepúblico sobre os assuntos políticos, cada questãopolítica é contestada na arena simbólica. Emhavendo liberdade e oportunidade para tanto, osgrupos e facções organizados poderão ecertamente contestarão as idéias e propostas de

seus adversários. Propostas e projetos políticos esociais de perfis e inspirações antagônicas, e atémesmo diferentes estratégias de implementaçãode um mesmo projeto político que se tenha tornadoamplamente consensual podem ser e são inten-samente confrontadas na arena simbólica, sob umavariedade de formas veiculadas por agentes e ins-tituições diferentes.

O segundo é que os comentários sobre oseventos e propostas políticas são baseados nasidéias, elementos e símbolos culturalmentedisponíveis. Nenhum grupo ou facção envolvidoem pesados e intensos confrontos simbólicos erepresentacionais com seus adversários pode sedar ao luxo de lançar mão de imagens e idéiascompletamente originais e, por isso mesmo, nãopassíveis de serem identificáveis ou mesmointeligíveis por parte da sociedade mais ampla naqual ele se insere. Assim, é importante ter em contaque os agentes envolvidos nos debates eenfrentamentos políticos tanto consomem quantoreelaboram as imagens, símbolos e representaçõesdisponíveis numa dada cultura.

E, finalmente, um terceiro e último pressupostoimportante é que no processo de pesquisa ereconstituição dessa luta cultural, os elementos dosquais os agentes nela envolvidos lançam mão nãosão, via de regra, encontrados como itens indi-viduais, mas sim como conjuntos organizados,conhecidos como pacotes (packages) simbólicos.

O primeiro pressuposto parece despertar poucadúvida. É amplamente reconhecido o fato de quenos debates e enfrentamentos ocorridos na esferapública os grupos, instituições e indivíduosbuscam imprimir às suas idéias e propostas umsentido positivo e de interesse universal, ao mesmotempo em que tentam imputar às propostas evalores explicitados por seus oponentes um caráternegativo e particularista. Assim, todo processo detransformação de interesses particulares em inte-resses gerais, para não mencionar a “naturalização’de temas, projetos, demandas e propostas de gru-pos sociais, demanda um esforço de organizaçãoe mobilização política e social, mas que tambémtem uma dimensão cultural.

O segundo pressuposto já requer algumasconsiderações adicionais. Contudo, parece claroque o esforço de produção de discursos destinadosa angariar apoio a determinada causa e/ou excluirpropostas antagônicas ou divergentes, é feito apartir de idéias, elementos e símbolos que já foram

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tornados culturalmente disponíveis em ocasiõesanteriores. Apesar de os agentes envolvidos nasdisputas e debates políticos sempre serem em gran-de medida produtores de imagens e símbolosculturais, é importante ter em vista que tal pro-dução é feita primordialmente a partir de ele-mentos disponíveis num dado cenário cultural.Mais ainda, é previsível que eles lancem mão justa-mente dos argumentos e idéias que sejam os maisfamiliares e facilmente reconhecíveis pelo conjun-to da sociedade a que pertencem e, portanto, passí-veis de facilitar a identificação de um númerosubstancial de indivíduos com eles.

Aqui é útil fazer referência à contribuição deSwidler (1988), que propõem pensar a culturacomo uma “caixa de ferramentas” (tool-kit) desímbolos, estórias, rituais e visões de mundo, àsquais as pessoas podem recorrer em diferentesconfigurações, para dar conta de distintos tiposde problemas. O problema a que nos referimosneste caso é dotar de sentido o que diz respeitoaos assuntos públicos, buscando conferir a deter-minada ordem de discurso uma preponderânciasobre as outras que lhe são concorrentes. Imputarum sentido ao mundo requer um esforço, e aquelasferramentas que são desenvolvidas, destacadas etornadas mais prontamente acessíveis têm uma altaprobabilidade de serem usadas pelos agentessociais em determinada conjuntura histórica.

E, retomando o terceiro pressuposto mencio-nado, cabe desenvolver aqui a categoria dos pa-cotes (packages) simbólicos, que parece ser a maisoriginal contribuição à Teoria dos Discursos Pú-blicos, tal como é proposta pelos autores em exa-me. De acordo com eles, “o aspecto central de umpacote simbólico é a sua armação [...] uma idéiaorganizadora central [...] que dá sentido para umconjunto de eventos desconexos” (GAMSON &MODIGLIANI, 1987, p. 5).

Um pacote apresenta um número de diferentessímbolos condensados que sugerem sinteticamentea hierarquia de posições de seus elementosconstitutivos e sua estrutura central organizadora,tornando possível apresentar o pacote como umtodo com uma metáfora hábil, uma frase de efeitoou outro esquema simbólico qualquer. No centrodo pacote está a estrutura (frame), uma idéiacentral organizadora ou argumento que provêsentido para uma série de eventos, tecendo umaconexão entre eles, e remetendo-se a uma cadeiade eventos que a antecede no tempo (storyline).Tal estrutura nunca é arranjada de maneira

incidental ou inocente. Muito pelo contrário, umaestrutura geralmente implica uma direção políticaou uma resposta implícita para aquilo que deveriaser feito em relação à questão em debate.

O fato de tal estruturação atender a algumpropósito político não quer dizer que, necessaria-mente, ela possa ser identificada com uma e apenasuma tendência ou corrente política. As vezes, maisde uma posição política concreta é consistente comuma única estrutura. As estruturas não podem serconfundidas com posições contra ou a favor dealguma questão política, nem pode cada pacoteser identificado com uma posição política clara-mente definida. Em praticamente todas as ques-tões, há pacotes que são melhor entendidos comoambivalentes, muito mais do que contra ou a favorde determinada proposta. E é justamente dessaambivalência, dentre outras coisas, que os pacotesmais bem-sucedidos retiram sua força. No mo-mento em que diferentes – ou até antagônicas –correntes políticas lançam mão de um mesmopacote, pode-se afirmar que ele está obtendo as-cendência sobre os demais e tornando “natural”ou “universal” determinada postura política. Noscomentários públicos, os pacotes são usualmentereconhecidos através de elementos de assinatura(signature elements) que têm implicações com aestrutura central respectiva e invocam o conjuntocom símbolos condensados que se tenham tornadoculturalmente disponíveis.

O que a Teoria do discurso público busca fun-damentalmente entender é como tais pacotes sim-bólicos foram estruturados, bem como contribuirpara o entendimento sobre a forma pela qual umou alguns deles ganham ascendência sobre osdemais. Para os autores citados, a relativa proemi-nência de um discurso sobre outro(s) só pode serexplicada através de uma análise que combine oestudo das atividades relativas à sustentaçãofinanceira, ações efetivas e ressonâncias culturaisde cada um desses pacotes bem como o papeldesempenhado nesses processos por parte dosagentes sociais envolvidos.

Em grande parte, a mudança cultural é re-sultado de iniciativas de agentes e instituições quelançam mão da criação e divulgação de tais pacotessimbólicos com vistas a atingir seus fins. Taispacotes freqüentemente têm patrocinadores(sponsors) interessados em promover suascarreiras. Aqui o patrocínio é entendido comosendo mais do que a mera defesa de determinadopacote, envolvendo também atividades como a

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construção de discursos, propaganda, redação depanfletos e artigos e todas outras oportunidadespara promover um pacote preferido.

Tais patrocinadores geralmente são entidadesou organizações representativas de setores sociais,profissionais ou políticos, as quais contam com otrabalho de assessores de imprensa, jornalistas eoutros profissionais habituados ao esforço degarantir ressonância e impacto a teses e idéias nagrande imprensa. É claro que as atividades dospatrocinadores dos pacotes simbólicos vão exigirum esforço contínuo de sustentação financeira. Eé aqui que a Teoria dos Discursos Públicos nosprovê de um nexo entre cultura e poder. É previ-sível que os pacotes que possam contar com patro-cinadores capazes de bancar os custos de sua divul-gação pela mídia tenham maiores chances de seimpor no cenário geral da cultura afeta a deter-minado assunto público. Porém, uma maior dispo-nibilidade de recursos não explica por si só osucesso deste ou daquele pacote. Impõe-se por par-te dos patrocinadores o esforço de realizar açõesque sejam realmente efetivas no sentido de divul-gar e angariar apoio para seu pacote simbólico.Numa palavra, embora a maior ou menor dispo-nibilidade de fundos financeiros seja importante,a habilidade do patrocinador em lançar mão dessesrecursos também joga um papel importante nessaluta simbólica.

Finalmente, o grau maior ou menor de êxitode determinado pacote tem relação direta com aressonância cultural que ele obtém. No enten-dimento de tal ressonância cumpre retomar asidéias de Swindler (1988). Por um lado, em boamedida os pacotes simbólicos constituem-se apartir de elementos culturalmente disponíveis. Poroutro, é altamente provável que os agentes que osestruturam e divulgam prefiram os símbolos,imagens, discursos e idéias que sejam capazes deobter maior aprovação, consenso e repercussão nasociedade como um todo. Tanto uma coisa quantoa outra implicam um processo de seleção, por partedos agentes, dos elementos que irão ou não comporseu pacote simbólico, para não mencionar a formapela qual se dará sua estruturação. A ressonânciacultural de um dado pacote, então, além dedepender de patrocinadores hábeis e capitalizados,tem nexo com o maior ou menor grau de apeloque suas componentes e a forma pela qual elas searticulam são capazes de despertar na sociedadecomo um todo.

Considerando então que no Brasil da segundametade dos anos 1990 tenha emergido um amploe vigoroso debate sobre as origens e determinaçõesdo “custo Brasil” – o qual, por sua vez, tenha dadomargem ao surgimento de uma cultura afeta a essedebate – resta examinar, nos termos propostos pelaTeoria dos Discursos Públicos, quais os principaispacotes simbólicos que emergiram dessa discus-são, e qual a correlação de forças que se esta-beleceu entre eles.

Uma primeira constatação que deve ser feitadiz respeito ao caráter composto desses pacotes.De fato, até onde pudemos perceber, os agentes eentidades dedicados a debater o Custo Brasil quasesempre se mostravam inclinados a elaborar ordensdiscursivas que, embora estruturados em torno deuma idéia-força central, geralmente contavam comelementos ou manifestações passíveis de seremidentificados com outras idéias e propostas entãoem circulação. Não obstante, rigorosamente todoseles enfatizavam, no conjunto dos elementos quearrolavam, um determinado aspecto que con-sideravam realmente central no exame e enfren-tamento da questão. É exatamente isso que nospermite reconhecer, através da forma como esseselementos isolados são estruturados, bem comopela identificação da dimensão que está sendoenfatizada, pelo menos cinco diferentes pacotessimbólicos.

II. “OS ELEVADOS CUSTOS TRABALHIS-TAS”

Uma das idéias mais recorrentes – senão a maisrecorrente – no debate sobre as origens e causasdo “custo Brasil” é a de que os custos que incidemsobre a folha de pagamento oneram excessi-vamente o setor produtivo. Nessa ótica, os custosindiretos dos salários, os chamados “encargossociais”, deveriam ser reduzidos, a bem da reduçãogeral dos custos de produção e do aumento geralda produtividade e competitividade brasileiras.Trata-se, pois, de um claro exemplo da forma pelaqual um pacote simbólico – no caso, o dos “ele-vados custos trabalhistas” – organiza e estruturauma determinada ordem discursiva, na medida emque ele: 1) remete-se a uma história anterior queo legitima e promove ou, se se preferir, a umadeterminada versão possível da história; 2) apontapara pelo menos uma causa central do problemasuscitado pelo debate sobre o Custo Brasil ; e, porextensão, já indica qual solução pode ser dada aoproblema. Vejamos de que forma os agentes e

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instituições responsáveis pela promoção e di-vulgação desse pacote simbólico o estruturam.

Um desses agentes certamente é o Ministro daFazenda Pedro Malan, que repetidas vezes pro-nunciou-se sobre o tema, menos para respondersobre as responsabilidades do Estado na compo-sição do custo Brasil, que para sugerir que semodificassem leis que eram de interesse de outrossetores sociais, notadamente da classe trabalha-dora: “Nós fomos ao longo de anos colocandopenduricalhos, na forma de contribuições na folhade pagamentos, fazendo com que essa diferençahoje seja superior a 100%. A redução desse custopermite não só a redução do Custo Brasil maspermite o aumento do emprego e pode resultartambém em aumento do salário real” (MALANDEFENDE , 1994, p. 1-5).

Em apoio a essa postura escreveu um articulistada Revista Exame, criticando inclusive a demorado governo em agir: “[o Custo Brasil é] tudo aquiloque encarece a vida das empresas. Antes deassumir o Ministério da Fazenda, Pedro Malan oanunciou como uma de suas metas. O objetivoera estimular a produção e combater o desem-prego. Depois da posse, Malan ganhou o apoiodo colega Paulo Paiva (Trabalho). Os dois pas-saram a estudar formas de reduzir principalmenteos encargos trabalhistas. Calculava-se que oscustos trabalhistas poderiam cair até 12%”(MÃOS SEM OBRAS, 1995, p. 12).

Talvez um dos analistas do mercado maiscitados na grande imprensa em se tratando daanálise comparativa dos componentes do “custoBrasil” seja o Prof. José Pastore, da Faculdade deEconomia e Administração da USP. Seus escritosprivilegiavam a crítica aos encargos trabalhistas ea carga tributária suportada pelas empresas,recebendo sempre grande divulgação na imprensa.Por exemplo, em outubro de 1997 ele divulgavaum estudo comparativo entre duas unidades fabrisde uma mesma empresa, uma sediada nos EUA eoutra no Brasil, permitindo daí ao leitor avaliar aparticipação relativa dos encargos trabalhistas eda carga tributária na composição das suasrespectivas planilhas de custo.

“A fábrica de Ilhéus recolhe PIS, COFINS, IPI,IOF, CPMF, INSS, Incra, Sebrae, Sesi, Senai,FGTS, ICMS, IPTU, IPVA, IR, Contribuiçãosobre o Lucro, salário-educação, seguro-acidente,Imposto de Importação, guia de importação,contribuição sindical, entre outros tributos e

obrigações fiscais e parafiscais. A fábrica de NewJersey paga somente a Previdência Social, seguro-médico, seguro-desemprego, IPTU, e, uma vez porano, IR. Com estrutura tributária menor, asdespesas administrativas correspondem a somente25% daquelas incorridas em Ilhéus [...]. O custodos empréstimos também é substancialmente maisbaixo, de 7,5% ao ano, em dólar, comparativa-mente a 21%, no Brasil. O custo da folha desalários é mais elevado, em New Jersey, mas nemnisso o Brasil está em vantagem, pois a diferençaé compensada pela produtividade. O empregadoamericano ganha US$ 1.800,00 mensais e, comos encargos, custa US$ 2 182,50 para a empresa.Em Ilhéus, esses valores são, respectivamente, R$650,00 e R$ 1 373,45 (US$ 1 280,00) [...]. Porisso, o empregado, nos EUA, custa menos para aempresa, enquanto leva muito mais dinheiro paracasa: US$ 1 989,00, em New Jersey, e US$927,00, em Ilhéus (computando-se, além dosalário, o décimo terceiro, adicional de férias,FGTS etc.)” (CUSTO BRASIL NA PRÁTICA,1997, p. 13).

O encantamento com as vantagens compa-rativas de nossos concorrentes não tinha, en-tretanto, apelo universal. Uma das raras vozes quese levantaram para relativizar os supostos méritosdas economias baseadas na exploração intensivada mão-de-obra foi o ex-Ministro Mário HenriqueSimonsen. “O ex-ministro da Fazenda e doPlanejamento Mário Henrique Simonsen nãoaprova comparações automáticas entre o milagrechinês de competitividade e o alto custo Brasil,que vem tirando capacidade do País para disputarmercados. O baixo custo China está intimamenteligado ao que ele qualificou de salários miseráveis– algo que, seguramente, não se deve querer imitar.Além disso, adverte, se o custo de um paísdependesse dos salários, o Japão e os EstadosUnidos nada conseguiriam vender fora de suasfronteiras, pois seus trabalhadores ganham muitobem” (CUSTO BRASIL DESAFIA, 1996, p. 10).

À medida em que este pacote simbólico ia seconsolidando como um componente a mais dacultura política brasileira, mais e mais setoressociais e correntes do espectro político brasileiroiam a ele se referindo ou dele lançando mão paradivulgar e defender seus pontos de vista. Ao cabode alguns anos, praticamente todos os segmentosempresariais e boa parte do poder público federaljá havia incorporado, pelo menos em algummomento, o uso da expressão “os elevados custos

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trabalhistas” à sua retórica oficial.

As esquerdas e as entidades representativas daclasse operária foram diretamente afetadas pelaemergência do pacote dos “elevados custostrabalhistas” no cenário político, e de maneira ne-gativa. De fato, ao centrar a armação desse pacotesimbólico nos encargos sociais, tidos como umdos fatores de encarecimento dos custos deprodução, os representantes empresariais acaba-ram por atrair ao debate sobre o Custo Brasil – ecolocar numa posição desfavorável – as entidadessindicais.

Talvez a posição mais contundente nessedebate tenha sido a do já citado Prof. José Pastore.Ele ganhou notoriedade nacional ao apresentar umestudo em que apontava que os encargos sociaiscorrespondiam a uma soma superior ao salárioefetivamente pago aos empregados na indústria.Para ser mais exato, ele entendia que estessomavam 102% do salário recebido.

Logicamente, essa metodologia foi colocadaem dúvida não só pelos sindicatos e outrasentidades ligadas à classe trabalhadora, comotambém por outros representantes do espectropolítico brasileiro. Por exemplo, em 1996 o ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes criticava ainiciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoPaulo em propor ou aceitar a celebração decontratos temporários de trabalho revogando osencargos sociais estabelecidos pela legislação,incluindo os de natureza constitucional. Criticandoo “dogmatismo neoliberal” que em tempos deglobalização da economia e de competitividadeextremada em escala planetária – que supos-tamente “recomendariam uma minoração de todosos custos possíveis da produção” – ele revela que,na verdade, os salários e seus respectivos encargos,no Brasil, representam parcela já muito reduzidados custos de produção. “A atual participação dossalários no valor agregado da indústria brasileiraé já uma das mais baixas do mundo, muito abaixo,inclusive do mesmo índice praticado por econo-mias muito mais inexpressivas que a nossa. Ossalários são, no Brasil, apenas 23% do valor agre-gado na indústria. Segundo a Organização dasNações Unidas para o Desenvolvimento Industrial,essa estatística é de 37% no economicamenteinexpressivo Panamá, 38% na Índia, 51% naÁfrica do Sul, ou de 69% na Itália e 71% naNoruega. Não há a menor racionalidade econô-mica em se reduzir ainda mais essa já ridícula

participação dos salários na renda nacional. Issoseria comprimir ainda mais o já desproporcional-mente deprimido mercado interno brasileiro eagravar ainda mais uma das causas dos poucosempregos que temos em nosso País” (A POLÊ-MICA DOS ENCARGOS SOCIAIS, 1996, p. 7).

A questão do peso dos encargos sociais nafolha de pagamentos e, por extensão, no CustoBrasil criou de fato uma enorme polêmica. Porum lado, verificaram-se consideráveis discrepân-cias com relação à metodologia empregada parase medir o peso dos encargos. Dependendo dainclusão ou não das várias formas de remuneraçãodireta que não se constituem em salário, comoférias, descanso remunerado, 13o etc., tal percen-tual variava loucamente dos citados 102% do prof.Pastore, aos 25,1% do DIEESE (DIEESE, 1997).

Independentemente dos méritos respectivos decada metodologia, parece ter-se disseminado am-plamente entre expressivos setores políticos esociais a idéia de que, de fato, no Brasil prevaleciauma estrutura sindical e trabalhista excessivamenterígida e ultrapassada, a par de altos encargossociais que aumentavam desnecessariamente ocusto da folha de pagamentos e encareciam oCusto Brasil. Ou seja, o pacote do peso dos en-cargos sociais na origem, como causa do CustoBrasil, permanece amplamente disseminado emexpressivos setores políticos e sociais brasileiros,independentemente dos méritos relativos de cadauma das metodologias empregadas para sua men-suração.

De fato, este pacote parece ser hoje quase umsenso comum. Tal fato colocou o movimentosindical do país numa postura essencialmentedefensiva, em se tratando de discutir o CustoBrasil. Por exemplo, uma das centrais sindicaisque mais rapidamente incorporou à sua agendapolítica a participação no debate sobre o “custoBrasil” foi a Central Geral dos Trabalhadores(CGT). Após receber a adesão de dissidentes daForça Sindical, reunidos na Frente Social-Demo-crata de Sindicatos, a CGT passou a divulgar umprograma de combate ao desemprego pautadoprecisamente na redução do “custo Brasil”, “mas,entendido aí que não são os encargos sociais esim a falta de infraestrutura do País, que encareceos produtos aqui fabricados” (NOVA CENTRAL,1996, p. 3).

Por seu lado, o Presidente da Central Únicados Trabalhadores (CUT), Vicente Paulo da Silva,

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reagiu de maneira ambígua quando convidado ase pronunciar sobre a questão: “essa questão dereduzir encargos é mais um mecanismo que,embora eu admita a idéia da competitividade,reduzir custos é uma coisa importante, mas reduzircustos no lugar certo, sem precarizar as condiçõesde quem produz. E a nossa Central jamais faránenhum tipo de acordo que signifique prejuízo aostrabalhadores” (SILVA, 1997, p. 187).

As tentativas de se negar ou minimizar oimpacto do pacote simbólico dos “custos tra-balhistas” até agora não tem dado resultado. Tal-vez por isso as forças políticas e sociais identi-ficadas com a esquerda brasileira tenham relutadoem lançar mão desse termo com a mesma fre-qüência e intensidade que seus opositores no deba-te político.

A rápida e ampla penetração deste pacote sim-bólico, tanto como diagnóstico das causas comoapontando solução para o Custo Brasil aparen-temente está relacionado com a habilidade e dispo-nibilidade de recursos por parte de seus patro-cinadores. Dentre estes cabe citar o próprio Paláciodo Planalto e importantes entidades patronais. Poroutro lado, cabe notar a ampla ressonância obtidapor ele, na medida em que pesquisadores e aca-dêmicos, tais como o sempre muito citado Prof.José Pastore, emprestaram a esse pacote o pesode seu prestígio e autoridade, ajudando a divulgá-lo. Finalmente, cabe citar a escassa repercussãodos seus críticos nos órgãos de imprensa. Tal fatopode ser entendido tanto como resultado da poucaressonância cultural de tais críticas, quanto de umainsuficiente disponibilidade de recursos para adivulgação destas. Isso se constata tanto pelo fatode que nenhuma entidade governamental ourepresentativa do empresariado referendou críticasao pacote dos “elevados custos trabalhistas”, quan-to porque mesmo as entidades representativas dostrabalhadores que divulgaram tais críticas só asviram repercutidas nos discursos de elementosisolados, geralmente de oposição ao governo FHC(como é o caso de Ciro Gomes) ou de fora dogoverno (como o ex-Ministro Simonsen). A estescoube a responsabilidade de elaborar um “contra-pacote”, tal como entendido pela Teoria dos Dis-cursos Públicos. Aqui é útil pensar dialeticamentenos temas em confronto: pode-se mesmo afirmarque não existe tema sem um contra-tema. Assim,ao pacote dos “elevados encargos trabalhistas”acabou correspondendo a idéia dos “salários mi-seráveis”. Percebe-se então que o pacote dos

“elevados encargos trabalhistas” é convencionale normativo, e que o contra-pacote dos “saláriosmiseráveis” é rival e contencioso.

Mesmo supondo-se que a toda ação possa cor-responder uma reação, não devemos alimentarilusões de que os contra-pacotes, para seremefetivos, não tenham de atender aos mesmos pré-requisitos já mencionados para os pacotes. Selevarmos em conta, então, a necessidade de patro-cinadores e de uma ação eficaz por parte deles, játeremos reunido os elementos que nos permitementender porque a idéia dos “salários miseráveis”sequer chegou a se constituir em um pacotesimbólico: simplesmente porque não existiam pa-trocinadores para ele.

III. A “ALTA CARGA TRIBUTÁRIA”

Outro pacote de extraordinário apelo e resso-nância no debate afeto às causas, diagnósticos esoluções para o Custo Brasil foi o da “alta cargatributária”. Mais uma vez, como é típico daestruturação de um pacote simbólico, temos umacerta versão da histórica de como se chegou aoCusto Brasil, qual o principal problema relacio-nado a ele e a proposta de uma determinada formade resolvê-lo. Aqui o aspecto central é a elevadacarga tributária paga pelos produtores brasileiros,a qual onerava tanto a produção interna quantoaquela dedicada à exportação. Comparativamenteaos países estrangeiros, a nossa carga tributáriaseria muito elevada, sem que a ela correspondesseuma contrapartida na forma de bens e serviçosprestados pelo Estado. Assim, tal ônus impostoao nosso setor produtivo seria uma das principais,senão a principal, das causas do Custo Brasil.Previsivelmente, os patrocinadores deste pacotecontavam com imensas vantagens e facilidadespara a sua divulgação, pela ressonância queobtinham na mídia para a divulgação de suas teses,em especial a cada novo aumento de impostos oucriação de novos tributos.

Foi assim que o governo federal viu-se sob alvode pesadas críticas, que se remetiam ao pacote da“alta carga tributária”, por ocasião da criação daCPMF (Contribuição Provisória sobre Movimen-tações Financeiras, conhecido como o “impostodo cheque”), imediatamente identificada como umfator a mais a encarecer o Custo Brasil. Tiveramimensa repercussão os pronunciamentos de agen-tes e instituições indicando a perda de competiti-vidade que adviria da cobrança do novo imposto.Por exemplo, Álvaro Augusto Vidigal, ex-Presi-

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dente da Bovespa (Bolsa de Valores do Estado deSão Paulo), dizia que “o novo imposto, sozinho,significa encarecer sete vezes o custo de operaçãona bolsa, o que acaba inviabilizando os inves-timentos externos” (NOVO CUSTO BRASIL,1996).

Como já foi dito, é perfeitamente possível,segundo a argumentação da Teoria do DiscursoPúblico, que mais de uma posição política sejacoerente com a defesa de determinado pacotesimbólico. Isso fica evidente no episódio no qualo próprio governo federal acabou usando dosargumentos inerentes ao pacote da “elevada cargatributária” para justificar a lei que desonera asexportações de produtos básicos e semi-elabo-rados do ICMS (Imposto sobre a Circulação deMercadorias e Serviços), conhecida como “LeiKandir”. Como vimos, a “sobretaxação” das ex-portações figurava na definição original da CNIsobre os componentes do Custo Brasil. Cumprelembrar que o Brasil experimenta, desde o iníciodo Plano Real (1994), o acúmulo de elevados esucessivos déficits em sua balança comercial. Tallei foi acolhida com manifestações favoráveis naimprensa que avaliava que “é preciso acelerar aredução do Custo Brasil. A desoneração do ICMS,que entra em vigor imediatamente, poderápropiciar um grande estímulo à economia [...] omelhor, é que o governo passou a combater odesequilíbrio com medidas corretas, destinadas areduzir o Custo Brasil, fugindo ao dilema dedesvalorizar o real ou perder mercado” (CUSTOBRASIL MENOR, 1996, p. 6).

Além da pressão pela redução da carga tri-butária, inerente a e imediatamente identificávelcom a estrutura do pacote da “elevada cargatributária”, também os grupos em prol da priva-tização dos portos e/ou da desregulamentação dalegislação de trabalho portuário lançaram mão daretórica inerente a esse pacote simbólico. Porexemplo, em 1996 o Presidente da Federação dasIndústrias do Estado de S. Paulo, Carlos EduardoMoreira Ferreira, o Presidente da ConfederaçãoNacional da Indústria, Fernando Bezerra, além docoordenador do Comitê Empresarial de Competi-tividade, Jorge Gerdau Johanpeter, reuniram-secom os Ministros da Casa Civil, Clóvis Carvalho,e do Planejamento, Antônio Kandir, para pediragilidade na redução dos custos portuários e pressana votação de uma reforma tributária, justamenteem nome da redução do Custo Brasil (FERREI-RA PEDE PRESSA, 1997, p. 12).

Além dos exportadores, também o setor em-presarial dedicado à exploração do turismo fez usodo pacote em exame para fazer valer suas reivin-dicações. Por exemplo, no 8º Congresso Nacionalda Associação Brasileira dos Restaurantes e dasEmpresas de Entretenimento (ABRASEL), repre-sentantes dos diversos segmentos do turismolançaram uma campanha nacional pela reduçãodo Custo Brasil. Segundo o Presidente daABRASEL, Paulo César Gallindo, os empresáriosjá teriam feito a sua parte e era hora de o governorealizar amplas reformas para incentivar o setor.O que se pleiteava enfaticamente era a criação demecanismos simplificados de cobrança de tributos,adequação das alíquotas de impostos, revisão dalegislação trabalhista no que respeitava àincidência de tributos sobre a folha de pagamentosetc. De quebra, as recomendações de sempre, noque se refere à criação de novas linhas de finan-ciamento para pequenas empresas (BONITO,MAS MALTRATADO, 1998, p. 7).

Também o setor de transportes aéreos lançoumão das imagens que remetem ao pacote da“elevada carga tributária” para fazer valer suasreivindicações e responder aos críticos dos sal-gados preços cobrados pelas passagens aéreas. OSindicato Nacional das Empresas Aeroviárias(SNEA) enfatizava que, muito em função dosimpostos inclusos, o litro do querosene de aviaçãocustava US$ 0,30 no Brasil e US$ R$ 0,15 nosEstados Unidos. As taxas dos aeroportos e tarifasde proteção, segundo o SNEA, são, no Brasil, “emmédia mais altas do que as suportadas pelasempresas aéreas norte-americanas”(EMPRESASCULPAM, 1996, p. 31).

Não só empresários da indústria de transfor-mação, exportadores e do setor de serviços se re-meteram aos pressupostos e diagnósticos da“elevada carga tributária” em suas falas. Tambémrepresentantes do setor agrícola lançaram mãodele. Por exemplo, obteve ampla repercussão entreas classes produtoras uma avaliação feita peloDiretor de Economia Agrícola do Ministério daAgricultura e do Abastecimento, Benedito Rosa,em 1997. Segundo ele, o custo da produção detrigo no Brasil é quase o dobro do da Argentina edos Estados Unidos, devido, entre outras coisas,“à carga tributária e à ineficiente infraestrutura detransporte e portuária” (CUSTO BRASIL TAM-BÉM ENCARECE, 1997).

IV. A “INFRAESTRUTURA DEFICIENTE”

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Como vimos, na estruturação interna do pacoterelacionado à “elevada carga tributária” encon-tramos recorrentemente não só a crítica ao volumede impostos cobrados do setor produtivo, mastambém a insuficiente contrapartida a esses mes-mos impostos sob a forma de uma adequada ofertade bens e serviços públicos, notadamente na áreada infra-estrutura produtiva. Dessa forma, épossível encontrar estreitamente associado aopacote da “elevada carga tributária” um outropacote simbólico ou, como admite a Teoria dosDiscursos Públicos, um subpacote. Referimo-nos,claro, ao tema da “infraestrutura deficiente”.

Aqui, o principal atingido por esse uso dopacote era o governo federal, recorrentementeacusado de ser o responsável pelo sucateamentoda infra estrutura de transportes, comunicação eenergia. Uma das formas que o governo federalencontrou para recuperar a infra-estrutura de trans-portes em franco processo de deterioração – enten-dida segundo o subpacote da “infraestruturadeficiente” como uma das dimensões negativasassociadas à “elevada carga tributária” – foi oinvestimento em obras de restauro e, mais comu-mente, a privatização. Por exemplo, em junho de1997, o Presidente da República prometia que em120 dias não haveria mais buracos nas estradasfederais brasileiras e acenava com aquele que seriao cenário futuro em que a questão estaria definiti-vamente resolvida: “Mas não adianta querer taparo sol com a peneira. O governo federal é incapazde cuidar de todas as rodovias que estão sob suaresponsabilidade. Está provado que a iniciativaprivada tem condições de cuidar de parte dasrodovias. Isto está acontecendo nas rodovias queligam o Rio de Janeiro a São Paulo, Rio de Janeiroa Teresópolis, Rio a Juiz de Fora, Osório a PortoAlegre lá no Rio Grande do Sul, e ainda na ponteRio-Niterói. E você que transita por esses trechosé testemunha de que o pedágio que você paga estágarantindo estradas melhores. Vamos continuar aprivatização e vamos dar continuidade ao progra-ma de transferência de trechos rodoviários paraos Estados” (ESTRADAS, 1997, p. 2).

Além de lideranças empresariais, as entidadesrepresentativas do setor também se manifestaramsobre as causas do Custo Brasil lançando mão dopacote da “infraestrutura deficiente”. Delas, umadas mais atuantes foi a Associação Nacional dasEmpresas de Obras Rodoviárias, que estimava queo mau estado da rede rodoviária federal causava

um prejuízo anual de R$ 2,5 bilhões ao país,contribuindo assim para ampliar o Custo Brasil.Também a Federação das Indústrias do Rio deJaneiro (FIRJAN) argumentava que o país pagavao sobrecusto de US$ 3,5 bilhões por ano apenaspela retenção dos caminhões por tempodesnecessariamente longo nos mais de cem postosde fiscalização espalhados pelo país. Fazia eco aessas críticas a Confederação Nacional dos Trans-portes (CNT), que reunia então 203 empresastransportadoras.

Tais apelos tiveram substancial repercussão,tanto entre entidades nacionais quando organismosde fomento internacionais. Igualmente preocupa-das com o impacto dos custos adicionais derivadosda deterioração da infra-estrutura de transportesestavam organizações como o Banco Mundial, queestimou em US$ 3 bilhões anuais o dinheiroperdido no Brasil pela má utilização das ferroviase pela preferência pelo transporte de carga nasestradas.

Os defensores da privatização, por sua vez,aderiram entusiasticamente e fizeram largo uso dopacote da “infraestrutura deficiente”. Basicamente,defendiam que a transferência dos serviçospúblicos para a iniciativa privada teria um impactosubstancial na redução do Custo Brasil, comodemonstra o articulista de uma prestigiosa revistaperiódica dedicada ao temas econômicos eempresariais. Nisso faziam coro com o Palácio doPlanalto: “31 portos, inclusive os do Rio de Janeiroe de Santos, já foram incluídos no programa deprivatização. Esta medida, em conjunto com atransferência dos trilhos da Rede Ferroviária paraoperadores privados, já feita em 1996, e a conces-são da Fepasa, prevista para 1997, é incluída entreas mais importantes para a redução do chamadoCusto Brasil” (QUANDO O TELEFONE, 1996,p. 22-25).

Uma das partes do conjunto de símbolos,imagens e argumentos estruturados por este pacotesimbólico, em grande medida responsável pela suaampla ressonância, era a comparação freqüentedo desempenho da infra-estrutura portuária nacio-nal com os seus congêneres estrangeiros. Em umestudo preparado pelo Conselho de Infra-Estruturada Confederação Nacional da Indústria (CNI)divulgava-se que: “O preço médio para a movi-mentação de contêineres no mercado internacionalfica entre US$ 160 e US$ 240. No Brasil, essevalor varia de US$ 300, no Porto do Recife, a US$

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550, no Rio. A mesma disparidade acontece notempo gasto nessas operações. Enquanto no Chile,na Alemanha e nos Estados Unidos esse númeroé de 22, 24 e 30 contêineres por hora, no Brasil omelhor desempenho fica entre 13 e 14 contêinerespor hora, no Porto de Santos” (PARA CNI, 1997,p. 5).

Essa retórica tinha um alvo bem definido. Coma divulgação desses dados a CNI visava a dar apoioàs suas críticas contra o monopólio dos sindicatosde trabalhadores avulsos na contratação de mão-de-obra e em favor da privatização dos portospúblicos (idem). Também receberam ampladivulgação os estudos do BNDES (Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social)sobre os custos da infra-estrutura portuária, numaperspectiva comparada (PORTO BRASILEIRO,1997, p. 8).

Desta forma, o que se nota é que o pacotesimbólico da “infraestrutura deficiente” pôdecontar com um expressivo número de patro-cinadores, que, à medida em que se constituíamdas mais importantes entidades representativas doempresariado, bem como por instituições defomento nacionais e estrangeiras, puderam lançarmão de amplos recursos na divulgação do pacote.Conseguiram, dessa forma, disseminar entreamplos setores da sociedade nacional brasileiraaquela que consideravam a melhor “saída” paraos impasses apontados: a privatização e/oudesregulamentação pura e simples dos serviçospúblicos. Apesar de ter estado em váriosmomentos intrinsecamente relacionada com aquestão da carga tributária, poucas foram as vozesque se levantaram para reivindicar que o setorpúblico aplicasse melhor os tributos arrecadadosna melhoria da infra estrutura econômica, e,mesmo assim, seus reclamos foram sustentadospor pouco tempo.

A principal constatação a que podemos chegar,à luz das evidências disponíveis, é a de que houveescassos e esporádicos vínculos entre duas ques-tões que, em princípio, deveriam estar estreita-mente relacionadas: carga tributária e qualidadedos serviços públicos. De fato, é bastante plausívelsupor viável a emergência de um pacote simbólicoestruturado em torno da questão afeta ao “bomuso do dinheiro público”, mas tal jamais ocorreu.Prevaleceu, então, uma forma claramente deter-minada de se estruturar o pacote simbólico da“infraestrutura sucateada”: aquela que apontava

para a privatização imediata dos serviços tidoscomo deficientes. A divulgação de um tal pacotecontou, como vimos, tanto com o patrocínio depoderosas entidades representativas do empresa-riado quanto do próprio poder público federal.

Uma vez que não dispomos de sériesestatísticas sobre o tema, só nos resta especularsobre a ressonância que tal pacote angariou entrea opinião pública brasileira como um todo. Porém,dado que a insatisfação dos cidadãos com aqualidade dos serviços públicos na primeirametade da década de 1990 era enorme, temosrazões para crer que tal pacote deva ter tido amplaressonância social.

V. A “INCOMPETÊNCIA EMPRESARIAL”

Como já foi dito, dentre a variedade de itenscapazes de prover a estruturação de determinadopacote simbólico, em grande parte providos pelaformulação original da CNI, não se encontra otema da “incompetência empresarial”. Contudo,pudemos perceber ao longo da pesquisa aexistência de alguns grupos e agentes que nãoconcordavam com essa exclusão; notamos aemergência de um pacote simbólico estruturadoessencialmente em torno do “atraso” e da“desatualização”, tanto do nosso parque industrialcomo um todo, quanto dos métodos e técnicasgerenciais e administrativas empregados pelanossa classe empresarial.

Inclusive entre expressivas liderançasempresariais persistia a visão da empresa nacionalcomo uma entidade ainda bastante atrasada no quedizia respeito aos seus métodos produtivos egerenciais. Por exemplo, segundo o vice-Presidente do Sindicato da Indústria da ConstruçãoCivil de São Paulo, Eduardo Zaidan, a execuçãode obras civis no Brasil, em geral, leva o dobro dotempo que em qualquer país desenvolvido, devidoà falta de escala de produção, o que obriga osconstrutores a produzir os componentes utilizadosna edificação no próprio canteiro de obras.Segundo ele, o escasso desenvolvimento daindústria de componentes já acabados para aconstrução civil no Brasil leva as construtoras arecorrer a métodos artesanais, o que, por sua vez,impõe ritmo lento ao andamento das obras(OBRAS CIVIS DEMORAM, 1997, p. 5). Porém,esse tipo de crítica é bastante rara entre os agentesque participam do debate afeto ao Custo Brasil,prevalecendo, pois, a idéia de que a empresanacional em todos os seus setores – pelo simples

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fato de sobreviver à crise – já teria alcançado umpatamar ótimo/máximo de eficiência, já tendo fei-to, conseqüentemente, tudo o que estava a seualcance.

No debate sobre o Custo Brasil, no que res-peita ao seu impacto sobre o preço do transporteno país, não apenas a má conservação das estradase os entraves burocráticos foram criticados: ospróprios empresários foram criticados pela sualentidão em aperfeiçoar a gestão de seus negócios.O Professor de Engenharia de Transportes, PauloFernando Fleury, da Coordenação de Programasde Pós-Graduação em Engenharia (COPPE), daUFRJ, afirmava que grande parte do desperdícioera culpa dos próprios empresários. “Para carregarum caminhão, as empresas nacionais levam entreseis e oito horas, enquanto em países como os Esta-dos Unidos isso é feito em meia hora” (TRANS-PORTE POR RODOVIA, 1997, p. 17).

Dessa forma, podemos afirmar que o pacoteda “incompetência empresarial”, apesar deculturalmente viável, não contou com um patroci-nador constante e eficiente, o que se constitui emum pré-requisito para a sua divulgação e disse-minação entre estratos sociais mais amplos denossa sociedade. Que apenas algumas poucaslideranças empresariais e acadêmicas tenham feitouso de um pacote com essa estruturação não chegaa ser um fato surpreendente. Veja-se, por exemplo,o caso do documento original da CNI sobre o temado Custo Brasil que isentava, de saída, os empre-sários e seus métodos pela baixa competitividadeda economia brasileira. Porém, não deixa de sersurpreendente que outros setores sociais, porexemplo as entidades representativas da classeoperária, não tenham se interessado em patrocinartal pacote.

VI. A “PRECARIEDADE DOS SERVIÇOS DESAÚDE E EDUCAÇÃO”

O não-uso do pacote afeto à “incompetênciaempresarial” por parte das esquerdas no debatededicado ao Custo Brasil é, como afirmo, nomínimo surpreendente. O mais intrigante porém,de um ponto de vista mais geral, é a limitação siste-mática das esquerdas a um padrão de estruturaçãode seus pacotes simbólicos em torno de elementosde ordem estritamente econômica. A decorrênciaóbvia disso é que as esquerdas estruturam seupacotes simbólicos destinados ao debate sobre ascausas do Custo Brasil de maneira em tudosemelhante àquela efetuada por seus adversários.

O valor do exame desse pacote reside então, entreoutras coisas, no fato de nos permitir perceber aslimitações dos pacotes simbólicos veiculados pelaesquerda brasileira.

Como vimos, o termo ganha repercussão eapelo de abrangência nacionais a partir da suaveiculação nos documentos da CNI, que listavacomo componentes do conceito elementos comoa carga tributária, a legislação trabalhista e seusencargos, a infra-estrutura de transportes, teleco-municações e energia, as taxas de juros, a regula-mentação da atividade econômica e a precariedadedos sistemas de educação e de saúde. Conseqüen-temente, no mínimo a partir da divulgação dodocumento da CNI, todos os elementos nele con-tidos tornaram-se culturalmente disponíveis paraos agentes e instituições envolvidos no debate,podendo então assistir-se a um número quaseilimitado de formas possíveis de se estruturar ospacotes simbólicos voltados para o debate sobreo “custo Brasil” a partir desses componentes.

Até onde pudemos, nenhum dos representantesdo Estado ou do setor privado envolvidos nodebate preocupou-se em desenvolver, sequerminimamente, um pacote simbólico estruturadoem torno da precariedade dos serviços de saúde ede educação. Esta omissão é, claro, perfeitamentecompreensível, pelo menos do ponto de vista dosempresários. Afinal de contas, suscitar umareflexão sobre o estado dos serviços de educaçãoe de saúde poderia significar arriscar-se apenas etão-somente a gerar um novo aumento da cargatributária, sem a correspondente melhoria – pelomenos a curto prazo – dos ditos serviços. Assim,estar-se-ia arriscando trocar por um aumento diretoe imediato no Custo Brasil uma redução indiretae a se realizar em prazo indeterminado. Não fôra,afinal de contas, sob o pretexto de incrementar oatendimento dos serviços de saúde pública que ogoverno federal criou mais um imposto – a famosaCPMF, também popularmente conhecida como o“imposto do cheque”?

Do ponto de vista do governo federal, tambémnão seria interessante estruturar um pacote sim-bólico em torno desse aspecto da questão. Afinalde contas, isso implicaria colocar sob crítica, nomínimo, a própria existência da CPMF e, no limite,a eficiência e a probidade da sua gestão dosrecursos públicos alocados nas áreas de educaçãoe de saúde.

Finalmente, restariam as esquerdas como

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agentes passíveis de (re)colocar a educação e asaúde públicas como componentes importantes,senão centrais, da armação estruturante de umpacote simbólico destinado a participar do debatesobre as causas do Custo Brasil. Afinal, na medidaem que compunham essa faixa do espectro políticoimportantes entidades representativas dos traba-lhadores e dos consumidores, seria perfeitamentenatural tal inclusão. Assim procedendo, as es-querdas poderiam pelo menos em parte redi-recionar os rumos do debate, bem como ampliaro público que dele participava – que, convémlembrar, até então restringia-se às elites econô-micas e políticas do país. Lançando mão de temasde amplo interesse popular, como sempre o são oacesso aos serviços de educação e saúde públicas,as esquerdas possivelmente se permitiriam inverteras prioridades da pauta de discussões – no caso,do econômico para o social – e, no limite,encaminhá-lo de maneira a alterar uma correlaçãoforças no campo da disputa sobre a modelagemda cultura dos assuntos públicos brasileiros queaté então lhe era essencialmente desfavorável.

Isso se torna ainda mais provável se levarmosem conta que a cultura política vigente nos paísesde Primeiro Mundo – que alguns preferemdesignar como “nova cultura política” – tem comocaracterística distintiva a separação das agendasrelativas à política social e à política tributária, oque seria impensável até os anos 1970 (CLARK& INGLEHEART, 1998).

Contudo, até onde as evidências permitemobservar, tal jamais aconteceu. Tome-se comoexemplo o famoso simpósio dedicado ao examedo Custo Brasil organizado pelo Partido doTrabalhadores (PT) em 1996, e que contou com apresença de representantes da CUT. Os debatesforam organizados em torno de temas como “polí-tica econômica e custo Brasil”, “custo tributário”,“custo do transporte e da infraestrutura” e “custodo trabalho”. Prevaleceu, como se pode observar,o encaminhamento usualmente dado ao problema:ênfase nas questões econômicas e legais. Asquestões afetas a educação e a saúde públicas nãoforam objeto de uma discussão específica, mere-cendo, quando muito, menções indiretas eesporádicas dos palestrantes.

Conseqüentemente não se nota, nesse esforçoparticular de importantes segmentos da esquerdabrasileira em discutir o Custo Brasil, nenhumatentativa de se estruturar um pacote simbólico a

partir de uma perspectiva que fosse mais próximados interesses imediatos dos setores populares, ousequer de um ângulo que lhe permitisse alteraruma correlação de forças no confronto de símbolose representações culturais que lhe era tãodesfavorável. Mesmo nos debates dedicados aoscustos do trabalho, nota-se os representantes daesquerda numa posição essencialmente ambígua,quando não francamente defensiva, frente aoscríticos da legislação e dos encargos trabalhistas,os quais eram tidos – como sempre – como osprincipais responsáveis por parcela importante doCusto Brasil. Em suma, trata-se de um simpósioque poderia com tranqüilidade ter sido organizadopor representantes do Palácio do Planalto ou daFIESP.

Como procurei demonstrar, é entre os setoresidentificados com a esquerda brasileira quepodemos encontrar os grandes prejudicados pelaemergência e disseminação do pacote simbólicoconhecido como o dos “elevados encargostrabalhistas”. Face às críticas que atingiam alegislação trabalhista, as esquerdas de maneirageral evitaram envolver-se no debate sobre ascausas do Custo Brasil. E, quando o fizeram,permaneceram reféns da mesma lógicaprevalecente na maneira pela qual a elite políticae empresarial armava internamente seus pacotessimbólicos. Tal constatação torna-se evidente aopercebermos, por exemplo, que ela insistia emenfatizar os aspectos econômicos e legais dodebate. E as esquerdas, mesmo no que diz respeitoàs questões econômicas, renunciaramsistematicamente a ampliar a discussão, de modoa nele incluir, por exemplo, a mensuração dossupostos índices de eficiência e produtividade dasempresas. De fato, as únicas vozes a criticarem asuposta eficiência empresarial da indústriabrasileira foram alguns membros da universidadebrasileira e os próprios empresários (poucos,claro). Partiam as esquerdas, pois, do mesmopressuposto que norteava a armação deste pacotesimbólico na versão das elites economicamentedominantes: as causas do custo Brasil devem serbuscadas sempre no Palácio do Planalto e nalegislação trabalhista, nunca entre os empresáriosou em quaisquer outros endereços. A recusa emapostar na estruturação de um pacote simbólicovoltado para a “precariedade dos serviços de saúdee educação” é uma evidência a mais a confirmaresse padrão.

VII. A “NECESSIDADE DE MUDANÇAS

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INSTITUCIONAIS”.

O tema dos “elevados custos administrativos”que oneram a produção nacional e lhe diminuíama competitividade também constava do documentooriginal da CNI sobre as causas do Custo Brasil.Nesta pesquisa pudemos encontrar personagens einstituições que estruturaram pacotes simbólicosem torno desse tema, mas ampliando-o considera-velmente. De fato, constata-se a existência dedeterminadas vozes que, indo além do tema já hámuito tempo conhecido da “desburocratização”,defendiam nada menos do que a necessidade de“mudanças institucionais” para dar conta dealgumas das causas, que entendiam serem centrais,do Custo Brasil. Assim, à medida em que seconstituiu uma nova ordem discursiva, com umadeterminada abordagem da história e das origensdo Custo Brasil, para não mencionar aapresentação de “soluções” para esse problema,faz sentido falar de um pacote simbólicoestruturado em torno do tema da necessidade de“mudanças institucionais”.

Para tanto é indispensável fazer referência aalguns líderes empresariais como Roberto NicolauJeha, Diretor-Presidente da Indústria de Papel ePapelão São Roberto S/A, que defendia anecessidade de mudanças institucionais, as quaisafetariam a forma e o conteúdo dos processos pelosquais se estruturava a definição das políticasindustriais. Ele afirmou ser “inadiável acabarmoscom as causas do Custo Brasil. Urge tambémcriarmos uma estrutura institucional de governoque fortaleça o espaço de atuação do Ministérioda Indústria e Comércio, o qual deveria ser oefetivo coordenador dessa política, por meio deum Conselho de Política Industrial e ComércioExterior com a participação não só de outrosministérios, mas também de representantes dosetor privado, com a tarefa de estabelecer nessecampo políticas globais, setoriais, regionais, dedefesa de concorrência, anti-dumping e outrasnecessárias de uma maneira mais competente earticulada do que hoje” (A INDÚSTRIA E OREAL , 1995, p. 22).

Já Luiz Fernando Furlan, Presidente doConselho de Administração do grupo Sadia eDiretor do Departamento de Comércio Exteriorda FIESP criticou o excesso de burocracia quelimitava a competitividade do exportador brasi-leiro, identificando-o como uma das causas doCusto Brasil: o “grande obstáculo para incre-

mento das exportações brasileiras são as barreirascriadas no próprio país, por intermédio dochamado Custo Brasil, um misto do excesso deburocracia e de impostos com a escassez de infra-estrutura e eficiência, que faz os produtos nacio-nais perderem competitividade. Sistematicamentedenunciados pelas classes produtoras, os males doCusto Brasil são amplamente conhecidos pelasautoridades, que, diante de platéias, costumamfazer coro aos reclamos dos empresários. Na horade tomar medidas concretas, porém, tanto oExecutivo quanto o Legislativo acabam decepcio-nando” (ABAIXO TODAS AS BARREIRAS,1996, p. 21).

Outras mudanças institucionais, tambémrelativas à desburocratização, foram defendidas,remetendo-se ao debate do Custo Brasil. E, quandolançavam mão das análises de custos, tais ar-gumentos ganhavam em ressonância. Um dos quese bateram nesse sentido foi o Presidente doSindicato da Micro e Pequenas Indústrias doEstado de São Paulo (SIMPI), Joseph Couri.Segundo ele, em algumas empresas, 13% dosfuncionários tinham a única função de tratar deprocedimentos burocráticos que se faziamnecessários segundo a legislação legada pelogoverno federal, Estados e Prefeituras. Da mesmaforma, em função do impacto no preço final dosprodutos, a burocracia provoca desemprego efalências de muitas empresas, já que os custoselevados são incompatíveis com a globalizaçãoda economia (PESQUISA INDICA, 1997, p. 16).

Também se lançou mão de comparações entrea estrutura legal e burocrática da gestão dasexportações para, sob a ótica da “necessidade demudanças institucionais”, pleitearem-se mudançasnas regras de exportação. Não era incomum quetais argumentos se fizessem acompanhar deelementos típicos da retórica da “elevada cargatributária”: “Essa ‘exportação de tributos eencargos’ retira perto de 13% da capacidade decompetição do made in Brazil no mercadomundial. Exemplo: a colocação de um par desapatos de Franca, SP, ou de Novo Hamburgo,RS, no mercado de Nova York, continua amarradapor 1 214 atos legais, exigindo do exportador 57procedimentos burocráticos. Essa regulamentite[sic] estrepitosa envolve a autoridade de 72 órgãose repartições federais, estaduais e municipais”(FIM DA CARGA BURRA?, 1996, p. 11).

Finalmente, não faltaram grupos e agentes que,

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defendendo a necessidade de mudanças amplasno padrão das instituições dedicadas ao fomentoeconômico, acabavam por pleitear reformasinstitucionais que beneficiassem seus setores deatuação.

À medida em que ia piorando o desempenhoda balança comercial sob o Plano Real, mais emais os exportadores iam descobrindo as vanta-gens de esgrimir os argumentos afetos ao pacoteda “necessidade de mudanças institucionais” emse tratando de fazer valer suas reivindicações. Oargumento pode ser sintetizado a partir de umafrase de Senador Fernando Bezerra (PMDB-RN),Presidente da Confederação Nacional da Indústria(CNI): “O déficit da balança comercial não éresultante de excesso nas importações, mas de pro-blemas nas exportações. Não é o caso de frear asimportações. Isso significaria um freio na econo-mia. O que precisamos é de estímulo às exporta-ções, o que passa por uma política firme de reduziro Custo Brasil” (CNI QUER REDUZIR ENCAR-GO, 1996, p. 31).

Por exemplo, ainda em 1996 o governo mani-festou sua pretensão de ampliar os financiamentosconcedidos aos exportadores pelo Finamex, doBanco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) e de criar o seguro de crédito àexportação, precisamente como resposta às críticasempresariais à sua morosidade em reduzir o CustoBrasil (KANDIR ESTUDA REDUÇÃO, 1996,p. 4).

Em conclusão, à luz das evidências apontadas,podemos perceber que tanto os defensores da des-burocratização pura e simples, quanto aqueles quebuscavam mudanças no padrão de atuação das ins-tituições regulamentadoras ou dedicadas ao fo-mento econômico com vistas a favorecer seus pró-prios interesses, puderam estruturar um determina-do pacote simbólico voltado para os debates relati-vos ao Custo Brasil, que teve grande ressonânciae eficácia. Tiveram ao seu favor, nessa empreitada,a concepção amplamente disseminada de que aadministração pública é excessivamente burocrati-zada e que tal “burocratização” influencia negati-vamente a produtividade e a competitividade daeconomia nacional.

VIII. O “CÂMBIO SOBREVALORIZADO”, A“ALTA TAXA DE JUROS” E OUTROSCOMPONENTES DO PLANO REAL ÀLUZ DO DEBATE SOBRE AS CAUSAS

DO “CUSTO BRASIL”

Tendo se convertido em principal alvo das crí-ticas do empresariado, o Palácio do Planalto pro-nunciou-se repetidas vezes sobre o tema do CustoBrasil. De maneira geral, o Planalto acatou as tesesdo documento da CNI e, via de regra, adotou umapostura defensiva frente às diversas críticasinspiradas, em maior ou menor grau, pela Cartilhacusto Brasil.

Em determinado momento, face ao desequi-líbrio da balança comercial, a própria cotação damoeda nacional frente ao dólar passou a ser in-cluída como um componente importante do CustoBrasil. O tema recorrente das críticas era a sobre-valorização do Real frente ao dólar, bem como aelevada taxa de juros, principais âncoras da esta-bilização monetária, mas que eram alvos de ata-ques recorrentes do empresariado, tidos como res-ponsáveis pelo encarecimento dos produtos brasi-leiros no mercado externo. Dentre vários outros,manifestaram-se nesse sentido José Augusto deCastro, Diretor-Técnico da AEB (Associação deComércio Exterior do Brasil) e José Bueno, Dire-tor-Técnico do Instituto Brasileiro de Executivosde Finanças (IBEF-SP): “Se nossos concorrentes[externos] oferecem prazos e financiamentos a ta-xas de 4% ao ano, ou temos e criamos condiçõespara oferecer o mesmo ou estamos fora do mer-cado” (CUSTO BRASIL E COMPETITIVI-DADE, 1996, p. 3).

Também o Presidente de um dos mais impor-tantes grupos empresariais do país, Antonio Ermí-rio de Morais, pronunciou-se de maneira críticacontra a manutenção de elevadas taxas de juros,tidas como responsáveis pelo encarecimento doCusto Brasil (CUSTO BRASIL PODE FRUS-TRAR, 1998, p. 7).

Em 1996 o Presidente Fernando HenriqueCardoso assim se manifestava a esse respeito:“Existem duas maneiras de melhorar a compe-titividade externa: uma maneira errada e fácil; eoutra certa e mais complexa. A primeira é simples-mente mexer no câmbio. Isso apenas transfererenda para os exportadores [...]. A outra maneirade enfrentar o problema, a correta, é os exporta-dores melhorarem a produtividade, o que já estãofazendo, e o governo reduzir o custo Brasil, o quetambém já está sendo feito” (O QUE PASSA NACABEÇA, 1996, p. 18-22).

Embora diferentes setores e agentes tenham se

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pronunciado quanto à inadequação das taxas decâmbio e juros praticadas pelo país a partir doPlano Real, não pudemos perceber ao longo dapesquisa nenhum pacote simbólico estruturadoprincipal ou exclusivamente em torno dessestemas. É que, por um lado, parecia haver umacrença generalizada – amplamente fomentadadentre outros por importantes autoridades comoGustavo Franco, Presidente do Banco Central –de que tais taxas eram fundamentais para amanutenção do plano de estabilização. Sem elas,argumentava-se, poder-se-ia permitir a volta dainflação e a fuga de capitais. A disseminação detal crença parece ter jogado um papel decisivo nainviabilização de pacotes que fossem estruturadosem torno da crítica à taxa de juros e câmbio. Serianecessário o choque da maxidesvalorização dejaneiro de 1999 para pôr por terra tais mitos.

Por outro lado, as tensões impostas sobre aeconomia pelo desequilíbrio da balança comercialforam atenuadas tanto pelo ingresso de capitaisestrangeiros – atraídos precisamente pelas taxasde juros – quanto pela concessão de compensaçõesaos exportadores prejudicados pelo câmbiosobrevalorizado, das quais a Lei Kandircertamente é a mais importante.

Dessa forma, parece claro que determinadosaspectos da política econômica tenham sidoeventualmente listados como componentesimportantes do Custo Brasil e, por decorrência,tenham se tornado culturalmente disponíveis paraa luta simbólica em torno desse tema. Contudo, adespeito disso, não se nota por parte dos agentese instituições aqui examinados nenhum esforçoconsistente para estruturar um pacote simbólicoem torno desses itens no que respeita ao debatesobre as causas e as eventuais soluções para oCusto Brasil. Dado o conjunto de crenças relativasao papel desempenhado pela taxa de juros e decâmbio na estabilidade da moeda nacional, um talpacote parece se constituir em uma impos-sibilidade cultural.

IX. CONCLUSÃO

Como mencionado, foi de modo extremamenteamplo e detalhado que a CNI definiu oscomponentes prováveis do Custo Brasil. Contudo,não encontramos nenhum agente ou instituiçãodisposto a estruturar um pacote simbólico combase em todas as componentes da formulaçãodesse problema. Aliás, nem a própria CNI. Afinalde contas, essa entidade tem centrado sua atuação

desde a publicação daquele documento quase queexclusivamente em torno dos pacotes afetos aos“elevados custos trabalhistas”, à “alta cargatributária” e à “infraestrutura deficiente”, mere-cendo menor atenção as questões do “câmbiosobrevalorizado” e da “alta taxa de juros”. Tam-bém se dedicou algum esforço ao que se refere à“necessidade de mudanças institucionais”. Nema “incompetência empresarial” e nem a “pre-cariedade dos serviços de saúde e de educação”constituíram-se em temas sequer minimamente aserem desenvolvidos pela CNI e, surpreen-dentemente, nem pelas próprias esquerdas.

Tanto as questões afetas à educação e à saúde,para não mencionar outros temas relacionados emalgum grau à qualidade de vida1, permaneceramestranhamente ausentes da armação dos pacotessimbólicos das esquerdas. Agindo assim, asesquerdas perderam a oportunidade de não sóatrair ao debate outros segmentos da sociedadeque poderiam vir em seu apoio na luta política,como também colocaram-se repetidamente emuma posição de inferioridade, de caráter defensivoe apenas reativo. Podemos constatar então que,ou as esquerdas não souberam armar de modo quelhe fosse favorável tal pacote simbólico ou, se ofizeram, não conseguiram para a sua versão adivulgação na grande imprensa e o impacto sobrea cultura política brasileira que seus adversárioslograram.

Naturalmente, tais hipóteses não são exclu-dentes. A hipotética falta de habilidade dasesquerdas em forjar a armação de um pacotesimbólico que lhe fosse mais favorável podeperfeitamente ter coexistido com a flagrantedesproporção de meios e apoios físicos paradivulgá-lo na sociedade brasileira, como convémao patrocinador de qualquer pacote.

Cabe aqui pelo menos uma menção àscaracterísticas estruturais da imprensa que seorganiza enquanto propriedade privada numasociedade capitalista. À medida em que asempresas privadas são os principais anunciantes

1 Na retórica do cidadão comum o Custo Brasil foi iden-tificado até mesmo nos engarrafamentos do trânsito, res-ponsáveis por considerável perda de tempo, dinheiro epor males a saúde. A esse respeito ver-se SAUDADE DORODÍZIO (1997, p. 122). Outro uso possível do termorefere-se à questão ambiental: “Crime ambiental, o outroCusto Brasil” (CRIME AMBIENTAL, 1998, p. 2).

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nos meios de comunicação de massa, torna-se fácilpara elas pressionarem os órgãos da imprensaescrita e falada para divulgarem suas demandas eprojetos junto à sociedade. Nesse caso, sequer énecessária a ameaça de rompimento dos contratosde publicidade. Sendo do interesse dos proprie-tários dos órgãos de imprensa manterem-se emboas relações com seus anunciantes, e sendo elespróprios empresários, pode-se imaginar que estesdificilmente oporão resistência à divulgaçãodaquilo que interessa ao empresariado ou queabrirão espaço para a divulgação de teses con-trárias ao espírito do capitalismo e da livre inicia-tiva (OLIVEIRA, 1991).

Dada tal correlação de forças e, assumindo-seaqui também a hipótese da inabilidade dasesquerdas na armação de um possível pacotesimbólico estruturado em torno do tema da “pre-cariedade dos serviço de saúde e de educação”,conclui-se que não se tem neste caso nenhumaparticularidade notável. Desde o início da décadade 1990 e, particularmente a partir do início doprocesso de reforma constitucional, as esquerdasbrasileiras vêm se notabilizando muito mais pelasua atitude obstrucionista e de inviabilização dodebate que por um esforço criativo e original nosentido de redirecioná-lo no interesse damodernização econômica, do avanço da justiçasocial e da consolidação da democracia no país(ARAGÃO, 1996).

É de se concluir, portanto, que a forma pelaqual se vem discutindo o Custo Brasil é umamanifestação a mais da hegemonia dos gruposempresariais e das elites políticas dominantes noprocesso de conformação da cultura política doBrasil contemporâneo.

Uma segunda conclusão importante dizrespeito ao nexo entre a cultura deste assuntopúblico, o Custo Brasil, e algumas das caracte-rísticas da cultura política prevalecente no Brasilcontemporâneo, que aparece sendo recorrente-mente descrita como dominada pela retórica epelos elementos constituintes do neoliberalismo.

As propostas sociais e econômicas, inspiradaspelo neoliberalismo, têm entrado na disputa peladefinição dos rumos e ênfases que se desejaimprimir às reformas econômicas em diversospaíses da América Latina como contedores deimportância significativa. Seguindo a alegadalógica “inevitável” imposta pelo processo deglobalização econômica, o ideário neoliberal

propõem introduzir um novo tipo de relacio-namento entre Estado e a sociedade civil, queenfatiza uma concepção minimalista tanto doEstado quanto da democracia. Os cidadãos, nessaconcepção, deveriam cuidar de si e de seu bem-estar privadamente e a partir de seus própriosmeios, e a cidadania passaria a ser entendida cadavez mais como a integração individual no mercado(ALVAREZ, DAGNINO & ESCOBAR, 1998).

Uma vez que partilho do pressuposto de que oideário neoliberal parece desempenhar um papelhegemônico no interior das culturas políticas lati-no-americanas contemporâneas, torna-se necessá-rio indicar a qual concepção desse conceito merefiro.

O conceito de cultura política tem permanecidolargamente restrito àquelas atitudes e crenças sobrea arena política, entendida esta tanto em termospartidários quanto institucionais. Nessa concepçãooriginal de cultura política, ela é usada paradesignar as orientações especificamente políticas,as atitudes com respeito ao sistema político, asrelações entre suas diversas partes e o papel doscidadãos na vida pública (MOISÉS, 1995, p. 86).Em elaborações posteriores, seus autores sofisti-caram o conceito ao referir-se à cultura políticacomo consistindo no sistema de crenças empíricas,símbolos expressivos e valores que definem asituação na qual a ação política tem lugar (CHIL-COTE, 1997, p. 235). Dessa forma, a culturapolítica relaciona-se, entre outras coisas, às crençasmantidas pelos indivíduos em relação à política, àforma como ela opera, ao papel dos indivíduos nosistema e aos padrões de relacionamento do Estadocom a sociedade.

Nesse sentido, tornou-se plausível supor aexistência de um nexo evidente entre a culturapolítica dos cidadãos e o tipo de regime políticoprevalecente. De fato, um volume considerável depesquisas foi desenvolvido ao longo das décadasde 1940 e 1950 buscando demonstrar que ascaracterísticas de determinado sistema políticopoderiam ser derivadas da forma pela qual os seucidadãos encaravam e se comportavam diante desuas instituições públicas e as formas assumidaspelo exercício suas atividades políticas. Nessesentido, a cultura política seria a determinanteprincipal da forma e do conteúdo assumidos porum certo sistema político.

O que se constata é uma identidade entre aformulação do que vem a ser a cultura política e o

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que é entendido tradicionalmente como o campoda política. Assim, pressupõe-se que haja uma con-gruência entre aquilo que a cultura historicamentedominante veio a definir como sendo propriamentea política e aquelas crenças que escoram ou minamas regras estabelecidas de um determinado “jogopolítico”.

O problema é que tais concepções de culturapolítica tomam o político como dado e falham ematacar um aspecto chave das lutas simbólicas ex-ploradas aqui. Como determinados autores notam,muito freqüentemente a política é referida de umaforma que já presume um sentido consensual efundacional. Concordamos com afirmações de al-guns autores (ALVAREZ, DAGNINO & ESCO-BAR, 1998) para quem a análise das questõespolíticas necessariamente apresenta a questão depor quê uma dada questão é política. Assim, torna-

se plausível presumir que é a cultura política quecondiciona e expressa esta determinação. Dessaforma, se faz sentido assumir, como aliás vêmfazendo diversos autores – em que pese toda aprecariedade inerente a essa afirmação –, que acultura política dominante na América Latina emgeral e no Brasil em particular é dominada pelaconcepção “minimalista” de Estado e de democra-cia a que nos referimos, teremos razões para afir-mar que o próprio rumo impresso às discussõessobre o Custo Brasil, tanto pelos setores política eeconomicamente dominantes, quanto pelas pró-prias esquerdas, pode ser entendido como uma dasmanifestações da prevalência cultural das teses de-fendidas pelos grupos identificados com o neo-liberalismo sobre essa mesma cultura política.

Recebido para publicação em 10 de setembrode 1998.

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Obras civis demoram o dobro no país. O Estadode S. Paulo, São Paulo, 11.ago.1997, p. 5.

Para CNI, modernização de portos é lenta. Quatroanos depois de adotada, lei de modernizaçãoainda não reduziu custo portuário. O Estadode S. Paulo, São Paulo, 5.jul.1997, p. 5.

Pesquisa indica participação no Custo Brasil. 40%do total de horas trabalhadas nas empresas são

para as questões burocráticas. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 24.mar.1997, p. 16.

Porto brasileiro é 45% mais caro. Estudo doBNDES mostra que movimentação portuáriaem Santos custa mais do que na Europa. O Es-tado de S. Paulo, São Paulo, 9.jul.1997, p. 8.

Quando o telefone der linha... Hoje, os mais bene-ficiados pela privatização são o governo e osacionistas. A partir de 1997, serão os usuários.Exame, São Paulo, n. 625, 1996, p. 22-25.

Saudade do rodízio. Exame, São Paulo, n. 636,21.maio.1997, p. 122.

Transporte por rodovia dá prejuízo de US$ 3bilhões. Estudo do Banco Mundial estima queesse é o valor perdido por ano pela má utili-zação de ferrovias. O Estado de S. Paulo, SãoPaulo, 3.ago.1997, p. 17.