O Cavalinho Azul

Embed Size (px)

Citation preview

O CAVALINHO AZUL 1 ato e 9 cenas Msica de Reginaldo de Carvalho PERSONAGENS Joo de Deus Vicente, o menino O pai A me O pangar O palhao O msico gordo O msico alto O msico baixo A menina O 1. homem O 2. homem O 3. homem A lavadeira O vendedor Os trs soldados Velha-que-viu O cowboy Os trs elefantes Os quatro cavalos Os personagens dos trs elefantes podem ser os mesmos dos trs soldados. Os quatro cavalos podem ser os soldados, o 1. e o 2. homem. CENRIO O palco vazio com fundo azulado. Os elementos das vrias cenas vo sendo colocados medida que a ao se desenrola. 1. cena: Sugesto de uma casa. 2. cena: O mesmo. 3. cena: Cena vazia. 4. cena: Sugesto de arquibancada de circo. 3 cadeiras. 5. cena: O mesmo. 6. cena: Cena vazia. 7. cena: Sugesto de uma cidade: um coreto. 8. cena: O curral do cowboy. 9. cena: Cena vazia. 1. CENA (Ao abrir-se o pano, v-se apenas o palco vazio. Enquanto se ouve a msica n. 1A, 1B, um velho de longas barbas, maltrapilho e vagabundo, simptico e bonacho se dirige em direo plateia segurando um tamborete.)

VELHO Eu me chamo Joo de Deus. Sou vagabundo. Estou aqui para contar a histria do menino Vicente e de seu cavalo. Um dia perdi a tesoura de cortar barba e tive que deixar crescer esta barba. No princpio no gostava; sujava muito quando eu comia, mas agora gosto; quando faz frio cubrome assim, (Mostra.) e minha barba serve de cobertor. Tambm aprendi a comer com minha barba: fao assim. (Mostra.) Gosto dela tambm por causa do Vicente, que me achou parecido com o Padre Eterno. Isto quer dizer que minha barba se parece com a barba de Deus. Por isso cuido dela. Barba de Deus coisa sria. Vou contar como que esta histria comeou. Aqui (Pela esquerda entram o pai e a me carregando a casa.) morava Vicente com seu pai e sua me, nesta casinha. (O pai e a me colocam a casa e o banquinho e desaparecem.) E ali vem ele nem me viu ainda com seu cavalo. Vou deixar esta histria contar-se por si mesma, enquanto vou ajudando aqui, ao lado. (O velho senta-se no tamborete, fora da cena, perto da cortina, na semi-obscuridade, enquanto a luz cresce dentro do palco, onde se v um menino pobre puxando uma enorme corda que prende ao pescoo de um feio pangar, sujo, magro, com cara infeliz. O menino, em xtase, procura convencer o cavalo. (dois atores em p, um fazendo a cabea com uma mscara e o outro fazendo de traseiro.) VICENTE Se voc der mais uma voltinha, s mais uma voltinha, meu cavalinho, eu prometo levar voc l numa campina toda verdinha de tanto capim verde. Vamos, vamos, meu cavalinho azul! (O cavalo se levanta com grande esfro e comea a trotar em volta do menino.) Vamos, meu cavalinho azul! Upa! Upa! Upa! (O cavalo, cansado, comea a se arrastar. VICENTE (Zangado) Assim voc no poder trabalhar no circo! No pode. Veja como eu fao. Como aquele grande cavalo branco l do circo da cidade. Buuuuuuuu, assim, levantando as patas e depois me levando na garupa como a bailarina Lili, toda verde de to bonita, e o domador Rogrio de bon dourado e calas vermelhas... Upa! Upa! Upa! Vamos, vamos! (O cavalo est exausto.) Bem, por hoje, chega. Amanh treinaremos mais. Voc est cada vez melhor e mais bonito. ME (De dentro.) Vicente! VICENTE O que , mame? ME (Saindo com uma trouxa de roupas para lavar.) Venha estudar, menino. Est quase na hora da escola. VICENTE J vou, mame. Deixe eu conversar mais um pouquinho s com meu cavalinho azul. ME

Que cavalinho azul, que nada! Um pangar velho que no presta mais nem para puxar a carroa de teu pai (Saindo com a trouxa) Cavalinho azul!... Azul! VICENTE (Baixo, para o cavalo.) No liga no, meu cavalinho. (Para a platia.) Mame chama meu cavalinho de sujo e velho porque ela pensa que ele sujo e velho, porque mame gente grande e gente grande tem que lavar roupa, fica cansada e maltrata o cavalinho, sem querer. Como que ela pode saber a cor do meu cavalo se nem v ele direito de tanto cozinhar, arrumar e lavar roupa? Tambm ele anda um pouco sujo hoje, mas porque a gua do nosso rio est quase seca, no lava mais direito, (Para o cavalinho.) mas amanh vou tambm te levar num rio muito grande, muito branco de to limpo, que passa perto da campina verde. L voc tomar um banho e vamos para o circo. Quem no estiver muito limpo e lindo tambm no pode entrar no circo, est ouvindo? PAI (Chegando com o blado.) Vicente, olha a rao do Mimoso. E chega de faz-lo rodar. Ele est muito magro, precisa descansar. VICENTE Vou levar ele, papai, para a grande campina verde e vou dar um banho nele no rio de gua branca. PAI (Bem humorado.) Onde que existe esta campina, menino? Tudo est seco, isto sim. Seco e esturricado. Onde que tem um rio grande e branco? VICENTE Aquele l longe. PAI Longe, onde? VICENTE Ora, papai, l longe, do outro lado daquele morro mais longe. PAI L longe a cidade. VICENTE Onde est o circo, no ? PAI . V estudar, menino.

VICENTE Vou buscar meu livro e venho estudar aqui, t bem? (Entra por trs da casa.) PAI (Depois de misturar a comida do cavalo.) Toma, pangar, come isto para no morrer de fome. (O pangar enfia a cara no balde. O pai sai e volta o menino.) VICENTE Voc sabe o que uma ilha? uma quantidade de terra cercada de gua por todos os lados... Um istmo (Diz baixinho, como procurando decorar.) Um istmo... ... Sabe, cavalinho, ns vamos l... ns vamos na ilha cercada de gua por todos os lados, cercada de istmos... de cabos, de tudo. Depois vamos ao promontrio. Depois, eu monto em voc e samos correndo atrs das capitanias hereditrias... Vai ser timo! ME (De dentro.) Vicente, venha estudar c dentro. Sozinho, longe deste cavalo. VICENTE Estou indo. (Entra gritando) Vamos para as capitanias hereditrias! Eu e meu cavalinho azul... PAI (Chegando e ouvindo as ltimas palavras do filho.) Mulher! Venha c. (A me chega.) Mulher, temos que vender o pangar. (O cavalo levanta a cara do balde, assustado. ME (Preocupada.) Vender? Por qu? PAI Este pangar no serve mais para nada. J vendi a carroa. Este cavalo s serve para comer mais dinheiro. Se for vendido, posso apurar uns cobres e com ele comprar umas galinhas e comear uma criao. ME E o menino?

PAI O menino esquece. Arranja outro brinquedo. ME Esquece no. Ele s pensa nisto. PAI Est ficando doido; melhor levar o cavalo logo. (Pe o chapu, pega o cavalo pela corda.) Vou cidade vend-lo. Pro menino trago um brinquedo. Adeus, mulher. (Sai.) ME Por que voc no vende a vaquinha? PAI (Parando e voltando-se.) A vaquinha d leite. ME Mas o cavalo d alegria ao menino. PAI Mas no d dinheiro. O menino se acostuma. (O pai sai puxando o pangar. No proscnio ele se encontra com o velho Joo de Deus e para.) VELHO Bom dia. PAI Quem o senhor?

VELHO Sou Joo de Deus. PAI O que que est fazendo aqui? VELHO Estou vendo tudo. PAI Para qu? VELHO Para contar aos outros, (Para a plateia) eles. PAI (Depois de olhar para a plateia.) Vai contar na certa que sou um pai muito ruim porque vou vender o pangar!... VELHO O senhor tem que vender mesmo? PAI Depois quem vai arranjar dinheiro para o menino comer? muito fcil ter pena do pangar, mas de mim ningum tem. Adeus. (Sai muito zangado.) VELHO

O pai ficou zangado e partiu para a feira, onde vendeu o cavalo. Pensamos que o menino ia ficar muito triste. Alguns dias se passaram, e vejam o nosso Vicente sentadinho na porta, com sua bola, presente do pai. (Escurece no velho e clareia na cena.) 2. CENA Vicente, sentado na soleira da porta, de vez em quando d uma espiadela para fora.(Ouvese a msica n. 3A.) VICENTE Mame! (Aparecendo.) Que , menino? VICENTE Que horas que ele volta? ME Quem? VICENTE O meu cavalinho azul. ME Acho que ele volta... amanh. Venha para dentro, Vicente. Nem almoou direito. Assim sem comer voc no pode ficar. VICENTE Estou esperando. ME (Com muito jeito.) Acho, meu filhinho, que seu cavalo no volta mais. Seu pai trouxe esta

bola para voc brincar com ela. Voc no acha bonita esta bola? VICENTE Acho. Por isso que eu quero mostrar ela ao meu cavalo. ME (Exasperada.) Seu cavalo foi vendido. VICENTE Eu sei, mame, no precisa gritar. Papai me disse. Mas depois ele volta. ME Mas agora ele tem outro dono. VICENTE (Rindo) Outro dono. Ah! Ah! Ah! Como possvel isto, mame? Dono a gente s tem um. Ele volta. ME Volta no. VICENTE Volta sim. Volta porque estou esperando ele para irmos ao circo. ME (Entrando na casa.) Ah, menino, Assim no possvel. VICENTE

(Msica n. 3B) (Sozinho.) Estou achando que meu cavalinho perdeu o caminho. (Suspirando forte.) Ele to distrado! Preciso ir atrs dele. Mame disse que este mundo est cheio de perigos. No posso mais deixar meu amigo perdido por a. Talvez ele tenha ido para as Antilhas Holandesas ou ento para a ilha de Brocoi cercada de gua por todos os lados, ou algum istmo ou cabo... sei l, todos estes perigos... e se ele foi para a serra da Mantiqueira? Coitadinho! Adeus meu pai, adeus minha me, me esperem que eu volto com ele. Adeus. (O menino sai pelo proscnio em direo oposta ao lugar onde est o velho e a msica continua at o encontro com o velho.) 3. CENA (O velho entra na cena e tira a casa. Vicente torna a aparecer na cena nua, enquanto o velho o aguarda.) VELHO Sozinho, menino, neste caminho? VICENTE Quem o senhor? VELHO (Meio surdo.) O qu? VICENTE Quem o senhor? VELHO Joo de Deus. VICENTE (Espantadssimo.) O senhor ...o Deus?

VELHO (Depois de uma pausa, gozador, topando a confuso.) Sou. VICENTE Do catecismo? VELHO Ih! Ih! Ih... sou. VICENTE Bem que eu estou vendo tanta barba. (Pausa.) Deus no duro? Padre Eterno? VELHO No duro. VICENTE Aquele que est em toda a parte? VELHO Aquele mesmo. VICENTE Ento, Senhor Deus, quer fazer o favor de olhar onde est o meu cavalinho azul? VELHO O qu? VICENTE

Pois o senhor no v tudo? VELHO Vejo. Claro que sim... VICENTE Cabos, ilhas, istmos, serra da Mantiqueira, e tudo? E ideia na cabea e tudo? VELHO E tudo. VICENTE Ento cade ele? VELHO Ele? VICENTE O cavalo. No viu? O meu? VELHO No vi. VICENTE Mas voc no v tudo? VELHO

Ah! Vi sim. Muito lindo seu cavalo. VICENTE Azul! VELHO Com cauda azul, muito grande... VICENTE No, a cauda branca, Deus, voc esqueceu? VELHO Esqueci no. Fico cansado de ver tudo ao mesmo tempo... VICENTE Deve cansar mesmo ver tudo ao mesmo tempo. No tem dor de cabea? Eu no. No sou como o senhor. Coitado! S vejo poucas coisas e meu cavalinho. VELHO Ento vamos ach-lo. VICENTE O senhor vem comigo? VELHO No posso, menino. Se vou procurar seu cavalo, quem que vai vigiar o mundo? VICENTE

O senhor no pode deixar algum santo fazer isso por uns dias? VELHO No posso. VICENTE Ento, adeus. VELHO Espera, menino. Onde que voc vai? VICENTE Vou indo por a ver se acho ele. VELHO Quando voc precisar de mim, s chamar que estou ali sentado naquele banquinho. VICENTE dali que o senhor vigia o mundo? VELHO . VICENTE Ahn! Ento, adeus! (Desaparece do lado oposto.) 4. CENA VELHO

Foi assim que conheci Vicente. Uns achavam que ele era um menino mentiroso porque inventava coisas; via cavalos azuis, circos enormes, campinas verdes; achava que um vagabundo como eu era Deus, imaginem vocs. Outros achavam que ele era louquinho. C para mim, acho que ele nem era mentiroso, nem louco. Apenas via as coisas diferentes e acreditava mesmo no que via. S sei que ele andou pelo mundo atrs de seu cavalo. Ser que encontrou? Vamos ver por onde ele anda agora. Depois de muito caminhar chegou primeiro a um circo numa cidade pequena perto da cidade dele. (O velho puxa a pequena arquibancada.) Os donos deste circo so aqueles trs msicos que vm ali. (O velho volta ao tamborete. Os msicos entram com suas cadeiras, solenemente. Um gordo e alto, o segundo alto e magro, e o terceiro baixinho. O gordo leva um violino, o alto leva um piano, e o baixinho um contrabaixo, que vo buscar fora de cena depois de colocarem as cadeiras no fundo da cena. Estes instrumentos so feitos de madeira compensada, bem leves para serem carregados e a msica tocada nos bastidores enquanto os msicos de cena apenas pretendem que tocam como em instrumentos de brinquedo. O gordo abre a portinhola de seu violino que s tem a utilidade de guardar dinheiro, e retira uma flauta. Os trs comeam a tocar a msica n. 5A, enquanto chega a meninazinha que cumprimenta os velhos e senta na arquibancada. Os velhos usam fraque e cartola, barbas postias e pedaos de cabelos saindo das cartolas.) VELHO Estes velhos alugaram um palhao para fazer graa enquanto eles tocavam e ganhavam dinheiro. (Tambor forte para a chegada do palhao.) PALHAO Caro pblico! Boa tarde, bom dia e boa noite! Este o nosso grande circo americano! Boa tarde, bom dia e boa noite! Os melhores (acentuando) trapezistas do mundo vo voar por este teto! Cinco elefantes vermelhos, domesticados, educados, amestrados, vo cantar! Cantar, caro pblico, cantar com voz de elefantes! Um cachorro chamado Doly vai tocar violino... Tocar violino, caro pblico, com pata de cachorro... Um gato vai cantar... Um gato cantor caro pblico, com voz de bartono... Uma foca bailarina e uma bailarina gente vo danar ao mesmo tempo, ao mesmo tempo, caro pblico, em cima de cinco cavalos... cinco cavalos, caro pblico... Um homem que engole fogo e cospe gelo, caro pblico. (Ouve-se um tambor forte. Segue-se grande silncio.) PALHAO ...Tudo por cinco cruzeiros! (O palhao passa pela arquibancada esperando quem pague, enquanto os msicos terminam a valsinha. A menina se levanta e tira de uma bolsinha cinco cruzeiros, que entrega ao palhao; este leva o dinheiro para o gordo, que abre a portinhola de seu violino e guarda o dinheiro.) E, para comelar, o grande palhao, o mais engraado do mundo, vai fazer um nmero de corda bamba. Este palhao sou eu e aqui est a corda bamba. (O palhao estica no cho uma corda, abre um guarda-chuva mirim e comea a fingir que se equilibra no clssico nmero. Os msicos acompanham o nmero. A menina bate palmas.) PALHAO

Muito obrigado! Muito obrigado, caro pblico! E agora o grande palhao do grande... (Neste momento entra Vicente; o palhao faz uma pausa para olh-lo, depois recomea.)... do grande circo americano vai fazer o nmero de contorcionismo. (Vicente, entusiasmado, comea a bater palmas. O palhao fica nervoso com tanto entusiasmo e desanda a fazer uma srie de nmeros e evolues, sempre com Vincente e a menina batendo palmas, at que, exausto, se senta no cho.) VICENTE (Aproximando-se) Grande palhao do grande circo americano, quer fazer o favor de me dizer se o meu cavalo azul est aqui? PALHAO O qu? Um cavalo azul? Nunca vi. (Pe-se de p. Os msicos tambm.) VICENTE Com um rabo enorme, branco! PALHAO Isto existe? Um cavalo azul? VICENTE O meu. lindo. Dana, canta e voa. PALHAO (Correndo para os msicos.) Cavalo azul... Cavalo azul... Deve ser mentira... Deixa de bobagem, menino. No v que estou trabalhando? No atrapalhe meu nmero contando coisas (Meio em dvida) que no existem... Sai da. (Num canto, desconfiado.) Cavalo azul! (Vicente sobe na arquibancada, os msicos tocam um acorde esquisito, o palhao presta ateno e corre para Vicente.) PALHAO Se quiser assistir, tem que pagar. VICENTE

Mas eu no tenho dinheiro. MENINA Eu pago para ele. (A menina tira o dinheiro e d ao palhao; este leva-o ao msico gordo, que o guarda dentro do violino.) VICENTE Obrigado, menininha. PALHAO Agora podem bater palmas. Acabei meu nmero de contorcionismo. (Vicente e a menina batem palmas.) PALHAO (Trocando de casaca e pondo uniforme de domador.) Ateno. Agora o grande circo americano vai apresentar o nmero dos trs elefantes que vieram especialmente da frica para o nosso circo. (Entram trs elefantes muito cansados que danam muito sem graa uma valsa tocada pelos msicos (10). Depois, os elefantes vo-se embora e os meninos batem palmas.) PALHAO E por hoje s, caro pblico. MENINA Mas o senhor disse que ia ter uma poro de coisas mais! PALHAO Eu disse? MENINA

Disse sim. Cachorro que toca violino. Trapezistas no ar, e a danarina Lili? E a foca? Cad? PALHAO (Cortando) Ah! verdade... mas isto tudo vai ser amanh... Amanh, caro pblico. Imaginem que a danarina Lili (Confidencial.) est com dor de barriga... e o trapezista... o trapezista... (Entusiasmando-se) caro pblico, torceu o p... o cachorro que toca violino foi despedido porque... porque mordeu o rabo do gato cantor... e o gato cantor foi para o hospital... mas amanh... caro pblico... amanh por cinco cruzeiros teremos tudo isto... Boa tarde... bom dia... boa noite... (Vai saindo enquanto fala. A msica recomea: 5A.) (Vicente acompanha a msica com o corpo. A menina observa-o.) MENINA Ele azul mesmo? VICENTE O qu? (Os msicos param de tocar e pem ouvidos.) MENINA (Repetindo.) Ele azul mesmo? VICENTE To azul que nem sei! MENINA Eu gostaria tanto de procurar um cavalo azul! VICENTE Voc quer vir comigo? MENINA

No posso. VICENTE Por qu? MENINA Paguei cinco cruzeiros e estou esperando acontecer alguma coisa bonita aqui no circo. VICENTE E no acontece nada? MENINA Todos os dias a mesma coisa. O palhao d cambalhotas e os trs elefantes danam. J dei todas as minhas notas de cinco e ainda no vi o cachorro tocar violino. VICENTE Vai ver que mentira do palhao. MENINA Ser? VICENTE Vamos buscar o cavalinho. melhor procurar ns doi do que sozinho. Vai ser lindo! MENINA Tenho que pagar cinco cruzeiros? VICENTE

No. Voc pode vir de graa. MENINA Ento, vamos. VICENTE Para que lado voc quer ir primeiro? No Pacfico ou no ndico? MENINA Tenho um tio que mora no Cear. Vamos l primeiro? VICENTE Capital Fortaleza? MENINA . VICENTE Fortaleza um nome lindo. Ento vamos l primeiro. (Saem. Clareia sobre o tamborete onde est o velho Joo de Deus.) VELHO Enquanto Vicente saa com a menina, os trs velhos msicos que na verdade so trs bandidos disfarados, (Os belhos tiram a barba e fazem cara de bandido.) estes bandidos que fingiam que eram msicos, obrigavam o palhao a trabalhar de graa, no davam comida aos elefantes danarinos, roubavam tudo que viam, quando ouviram a histria do cavalinho azul ficaram loucos para roub-lo do menino. (Penumbra sobre o velho.) BAIXINHO

Voc ouviu? Ele tem um cavalo azul. GORDO Se conseguirmos este cavalo para o circo, ganharemos tanto dinheiro que ficaremos milionrios... Todo mundo vai querer ver esta maravilha. ALTO Vamos pegar o menino. BAIXINHO Chame o palhao. (O Alto sai e volta com o palhao.) BAIXINHO Voc ouviu o menino, palhao? PALHAO Ele tem um cavalo azul. ALTO Com um rabo enorme, branco. BAIXINHO E sabe danar. OS QUATRO E voar. (Os trs velhos se entreolham, vestem as barbas e se precipitam para fora de cena, trazendo

em seguida Vicente e a menina um pouco atrs. Vicente est assustado. Os trs esto querendo adular o menino.) BAIXINHO Palhao, vai buscar pipocas para ele. (Palhao sai.) ALTO Sente-se aqui, menino. GORDO E voc aqui, menina. (Os dois meninos sentam-se nas duas cadeiras oferecidas pelos msicos.) (O palhao volta com as pipocas. Os quatro olham para os meninos comerem as pipocas.) BAIXINHO Faz uma graa, para o menino rir, palhao. (O palhao faz umas caretas, mas o menino no ri. S os trs msicos do gargalhadas estrondosas para impressionar o menino, que finalmente comea a rir. A menina est um pouco assustada.) BAIXINHO (Quando todos param de rir de repente.) verdade mesmo, menino? VICENTE . OS TRS Azul? VICENTE

Azul. ALTO Como o cu? VICENTE No? GORDO Como o mar? VICENTE No. OS TRS Oh! BAIXINHO Como os olhos do palhao? VICENTE No. ALTO Ento como ele? VICENTE (Msica n. 13)

(Enleado.) s vezes ele fica como o cu, depois, quando vem a tarde, ele fica um pouco como os olhos do palhao, mas noite sempre como o mar noite. OS QUATRO lindo! Sen-sa-ci-o-nal... VICENTE . (Cessa a msica.) BAIXINHO (Rapidamente.) Por quanto voc quer vender? VICENTE No quero vender nunca. Meu pai j vendeu, mas vou busc-lo. MENINA No vende no! BAIXINHO (Chamando os outros para confabularem num canto.) Venham c. Fica a, palhao, fazendo mais graa para ele. (Enquanto os trs msicos bandidos confabulam, o palhao tenta continuar as graas.) VICENTE No precisa disso no, palhao. Voc j deve estar cansado. BAIXINHO (Voltando-se para Vicente.) Ele come muito, seu cavalo?

VICENTE S milho e capim, s vezes um pouco de nuvem que desmancha. BAIXINHO (Como para si mesmo.) Nuvem desmanchada chuva. barato. (Para Vicente) E por onde anda ele? VICENTE A pelo mundo... Na serra da Mantiqueira, no Cear ou... (Os trs se aproximam.) OS TRS Ou... VICENTE Nas capitanias Hereditrias OS TRS ! ! ! ! VICENTE . Um dia ele fugiu de casa e foi correr o mundo; agora tenho que ir atrs dele, seno ele capaz de se perder a por estes perigos que existem nos promontrios e istmos da terra. (Comea a sair com a menina.) GORDO Voc vai por que estrada? VICENTE Pela estrada do Cear. Adeus, velhos. Na volta passo por aqui montado nele... (Sai com a

menina.) 5. CENA BAIXINHO Precisamos deste cavalo. GORDO Vamos matar o menino. ALTO No adianta matar o menino sem termos primeiro o cavalo. BAIXINHO de um cavalo assim que estamos precisando. Um cavalo milagroso, que nos dar dinheiro sem precisarmos trabalhar. ALTO Ele come pouco milho. GORDO E capim. BAIXINHO Ns lhe daremos s capim. O milho est caro. OS DOIS S capim.

BAIXINHO Escutem aqui, amigos. Iremos atrs do menino. Quando ele achar o cavalo, matamos o menino e trazemos o cavalo. ALTO Que grande idia, Baixinho! BAIXINHO (Chamando.) Palhao! Tira este circo da. Vamos viajar... (O palhao tira as arquibancadas. Os velhos saem com seus instrumentos. Joo de Deus tira as cadeiras e fala do meio da cena.) 6. CENA VELHO Vicente, sempre acompanhado pela menina, comeou sua busca pela estrada. Foi primeiro at o Cear. E o cavalinho no estava nem em Fortaleza nem em Cabrob, nem em lugar nenhum. Foi a Pernambuco, ao Amazonas, andou perto do rio Negro e do Tocantins. E nada. Depois voltou para o sul. Os dois meninos viajavam de dia e dormiam noite... Mas no sabiam do perigo que vinha atrs deles. Os trs velhos, fingindo que eram msicos de verdade, para no serem vistos, andavam durante a noite e dormiam de dia. Os velhos, cada vez mais gulosos, s pensavam no dinheiro que o cavap azul ia dar-lhes. (Volta para o tamborete.) (A cena da viagem dos meninos perseguidos pelos msicos feita com mudanas de luz e de msica. Enquanto toca a msica nmero 14A - BC passam o menino e a menina. A cena escurece para sugerir noite, mudando tambm a msica para o nmero 14 AB e passam os trs msicos com ares de perseguio. Os meninos tornam a passar e torna a clarear em cena. Os meinos esto visivelmente cansados. Voltam a passar os velhos tambm cansados e finalmente tornam os meninos que se dirigem a Joo de Deus no proscnio. Cessa a msica.) MENINA J andamos muito, Vicente. Vamos descansar um pouco. VICENTE Vamos. Tambm estou cansado. Ei, Sr. Deus! Este meu cavalo est me dando tanto trabalho!... (Os dois sentam perto do velho e dormem.)

VELHO To cansados, coitadinhos. (O velho sussurra uma cano de ninar enquanto escurece sobre eles e os velhos entram em cena com sua msica e param tambm para descansar. Cessa a msica.) ALTO (Sentando-se perto de seu piano.) Quanto voc acha que ele vale, hem Baixinho? BAIXINHO (Abrindo a portinhola do contrabaixo e tirando uma banana.) Milhares de notas de cinco cruzeiros. ALTO Ficaremos ricos e no precisaremos mais trabalhar. (Abre seu piano e tira tambm uma banana, dando outra para o Gordo. Eles comem a banana.) BAIXINHO Vamos embora que est amanhecendo. No podemos perder a pista do menino. OS DOIS No podemos perder a pista do cavalo azul. (Saem.) 7. CENA VELHO Enquanto dormem um pouquinho, vou preparar a cidade aonde eles vo chegar. (O velho puxa o coreto para o meio da cena. Os meninos se levantam, espreguiam e entram na cidade enquanto o velho volta ao tamborete.) VICENTE Vem ali um homem. (Aparece um homem bem vestido. Cessa a msica.) Homem, ser que o

senhor viu um cavalo azul passando por aqui? HOMEM Um, o qu? VICENTE Um cavalo azul. HOMEM Voc est doido? Isto aqui uma cidade. No existem destas coisas por aqui. (Quer sair.) VICENTE (Puxando-o.) Existe sim, o meu. Quer saber como ele ? HOMEM Tenho mais o que fazer do que ouvir histrias de cavalos azuis. J estou atrasado cinco minutos. No posso chegar atrasado. (Vem vindo outro homem.) VICENTE O senhor viu? 2. HOMEM Meu relgio estava atrasado trs minutos. No posso perder a hora. (Sai.) (Vem vindo o 3. homem.) VICENTE Ser que o senhor viu?

3. HOMEM No vi nada. (Desaparece.) VICENTE (Vem vindo a lavadeira.) E a senhora viu? LAVADEIRA No adianta perguntar, que no vi nada. Se vejo alguma coisa, no posso lavar toda roupa. (Sai.) VICENTE E os senhores? (Vm vindo trs soldadinhos.) TRS SOLDADINHOS MARCHANDO (Cantando em cadncia.) No temos tempo a perder... No temos tempor a perder... No temos tempo a perder... No temos tempo a perder... (Saem.) VENDEDOR Quem quer comprar?... Quem quer comprar?... Quem quer comprar?... (A menina sai atrs do vendedor. A cidade, num ritmo mais acelerado, torna a voltar e todos, sem perceberem Vicente, passam de um lado para o outro, sempre dizendo suas frases apressadas.) VICENTE (Gritando acima de todas as vozes.) Quem viu meu cavalo azul? Quem viu meu cavalo azul? (Toda a cidade desaparece, ouve-se ento a voz da Velha-Que-Viu.) VELHA-QUE-VIU

Eu vi... eu vi. (Entra em cena, vestida de uma maneira estranhamente fora de moda, como estas loucas que usam chapu, xale e bolsa e que, em outras pocas, foram elegantes.) VICENTE (Precipitando-se para ela.) Viu? Azul? VELHA-QUE-VIU Todo azul com enormes asas para voar na terra. VICENTE . . VELHA-QUE-VIU E com grandes barbatanas para nadar no mar... VICENTE (Achando que a velha est exagerando.) Bem, isto... VELHA-QUE-VIU (Contando.) E dois olhos de fogo, numa cabea to linda... to linda... VICENTE (No se contendo.) Ela viu... Ela viu!... (Para a velha.) Espera, vou chamar minha amiga. (Sai de cena.) Menina... Menina... ela viu... (Enquanto Vicente procura a menina, chegam os trs velhos e raptam a velha.) GORDO Ela viu. nossa. (Desaparecem com a velha, que no reage.)

VICENTE (Voltando com a menina.) Onde est a Velha-que-viu? Para onde foi a Velha-que-viu? Desapareceu? Velha! Velha! MENINA (Sentando-se na escada do coreto muito desanimada.) Vicente, no adianta mais a gente procurar... j andamos tanto... tanto! VICENTE J estamos quase encontrando. A velha viu. Ela vai nos dizer para onde ele foi... Onde? Onde est voc, meu cavalinho? Bem perto? VENDEDOR (Chegando.) Quem quer comprar?... Quem quer comprar... MENINA (Desanimada.) O senhor tem um cavalinho azul? VENDEDOR Azul, vermelho, amarelo... da cr que o fregus quiser... VICENTE De verdade? VENDEDOR De papelo. MENINA Quanto custa?

VENDEDOR Cinco cruzeiros. (Tira um cavalinho de massa azul.) VICENTE Ser que o senhor no viu um de verdade? MENINA Este mesmo serve, Vicente. Vamos embora. Estou com medo. VENDEDOR Por que que voc no procura no curral do Cowboy? VICENTE L tem cavalos? VENDEDOR Muitos. (Sai.) Quem quer comprar? Quem quer comprar? VICENTE Ento vamos l, meninazinha? MENINA Quero ir para casa, Vicente. Este mesmo serve. VICENTE a ltima vez que procuramos, est bem?

MENINA Promete? VICENTE Depois voc pode voltar. MENINA E voc? VICENTE S volto quando encontrar meu cavalinho. Coitado. To sozinho. MENINA Ento, vamos. (Os dois saem. A menina puxando o cavalo de papelo.) VICENTE (Saindo.) Pena que a Velha-que-viu tenha sumido. (Voltam os trs msicos carregando a velha.) BAIXINHO Agora pode falar, velha. ALTO E depressa, que no tempos tempo a perder. (A velha fica quieta e entra no coreto cantarolando.) Fala, velha. Onde que est o cavalo? Voc viu? VELHA-QUE-VIU (Calmamente.) O vento verde, a chuva branca, e l vem o menino cavalgando no cavalo azul...

OS TRS ele. Onde? (Amedrontados, eles saem de cena e tornam a voltar com os instrumentos de onde tiram armas.) VELHA-QUE-VIU Cavalgando na nuvem... OS TRS (Olhando e apontando armas para as nuvens.) Nas nuvens? Deve ser um monstro! GORDO Um drago! BAIXINHO Um drago! ALTO Um dragozo! VELHA-QUE-VIU (Agora bem rpido.) L vem o menino cavalgando no cavalo azul... Cavalgando na nuvem que preta e grita: ai! ai! ai! Quero cair, quero molhar... quero virar rio, pro cavalo beber... (A velha comea a passear pela cena seguida pelos velhos estupefatos.) Pacat, pacat... pacat... BAIXINHO Ela doida! VELHA-QUE-VIU

Quero cair. Quero molhar. Virar um rio. Pacat, pacat, pacat. Um rio virar Pro cavalo beber... ah! ah! ah! BAIXINHO Para com isto, velha (Segura a velha.) Quer matar de susto trs pobre velhos que sofrem do corao? Hem? Onde que voc viu o cavalo azul, hem? Diz logo, velha, seno eu te mato. VELHA Me larga, velho horroroso... (a velha se desprende e sai correndo com os velhos atrs numa corrida bastante ridcula. A velha escapole e some.) ALTO Depressa, Gordo. L vem gente. Ningum deve saber que estamos aqui. (Os trs mais do que depressa tomam seus instrumentos, guardam as armas, entram no coreto e comeam a tocar uma valsinha lenta. Msica n.5AB. Pela frente e por trs do velhos passam os habitantes da cidade que ns j conhecemos. Ningum repara nos velhos. Todos saem. Menos o vendedor.) VENDEDOR Quem quer comprar... GORDO Psiu! Seu vendedor! VENDEDOR Quer comprar, senhor? BAIXINHO

Queria saber se o senhor no viu um menino com uma menina. VENDEDOR Ora, senhor, eu vejo tantos todos os dias. BAIXINHO Mas este diferente. Ele anda atrs de um cavalo azul. VENDEDOR Ah! Aquele? Vi sim. Amenina at me comprou um brinquedo. ALTO Para onde foram eles? VENDEDOR Acho que foram at o curral do Cowboy. L est cheio de cavalos. Pode ser que ele encontre o dele l. BAIXINHO Curral do Cowboy onde ? VENDEDOR No fim desta estrada que comea ali. Quem so os senhores? Parentes do menino? BAIXINHO Tios dele. E donos de um circo l no sul. Obrigado pela informao. Vamos, pessoal. Precisamos encontrar nosso sobrinhozinho. OS DOIS Nosso sobrinhozinho. (Os velhos saem com a msica n.14B,) VENDEDOR Quem quer comprar... (O vendedor sai e o velho tira o coreto.)

8. CENA VELHO O caminho para o curral do Cowboy era muito comprido. Vicente e a meninazinha comearam a andar pela estrada mais se perderam no caminho. (Enquanto o velho fala no proscnio, os meninos passam com a msica n.1B)... e foram para longe do curral. (Cessa a msica.) Mas os velhos, que so bandidos muito espertos, vo chegar primeiro ao curral. Neste lugar o cowboy criava cavalos para vender aos circos. Eram portanto cavalos ensinados. (Entram os quatro cavalinhos brancos. Os atores que vestem a cabea dos cavalinhos brancos entram de lado, levando uma nica pea de cenrio que esconde o corpo e as pernas dos atores e representa o curral). De noite os bandidos chegaram. Estava muito escuro. (Escurece em cena enquanto surgem os trs bandidos com lanternas e comeam a procura, iluminando a cara de cada cavalo que levanta o focinho medida que iluminado.) BAIXINHO Este branco (Os outros respodem sempre: branco.) Este tambm branco. Este tambm branco. Este tambm branco. OS DOIS Tudo branco. OS TRS Onde est o azul? ALTO S se est trancado. Vamos esperar o dia chegar e perguntar ao vaqueiro. GORDO Por que no procurar logo? ALTO Se o vaqueiro desconfia pode mandar nos prender.

GORDO Por que no pedimos a ele para nos vender? BAIXINHO Voc cretino, Gordo? Acha que algum vai querer vender um cavalo que voa, que canta e que azul? ALTO Temos que roubar. GORDO Vamos logo, ento. ALTO V se o dia est nascendo? GORDO (Olhando.) J. (Clareia em cena, os cavalos relincham e levantam a cabea. Os bandidos se escondem. Chega o Cowboy com seu grande chapu.) COWBOY Que barulho este? Se ladro de cavalo, ateno! que eu atiro. (Puxa os revlveres.) No h ningum a? (O Cowboy corre a cena at que ouve o barulho de um dos instrumentos, e muito desconfiado aponta os revlveres. Os trs msicos, apavorados, imediatamente saem do esconderijo segurando os instrumentos.) BAIXINHO Somos trs pobres msicos pedindo esmola.

COWBOY Msicos, aqui no curral? Isto est me cheirando a mentira. ALTO Somos msicos, sim. GORDO Sim, somos msicos. BAIXINHO Oua, senhor Cowboy. (Comeam a tocar a msica n.5B.) COWBOY (Interrompendo.) Vocs no vieram roubar meus cavalos? (Os trs comeam a rir nervosamente.) BAIXINHO Que bobagem! ALTO Que bobagem! GORDO Que bobagem! BAIXINHO Vamos continuar a tocar para ele. (Os trs pem-se a tocar msica 5A, enquanto o Cowboy passeia desconfiado. Enquanto tocam chegam Vicente e a menina.)

VICENTE Olha quem est aqui. O circo! Os nossos amigos do circo. Os msicos! (Os trs bandidos param de tocar e ficam estatelados.) Queridos msicos, como que voces vieram parar aqui? (Os trs se entreolham e olham para o Cowboy). BAIXINHO Andando. ALTO Andando. GORDO Andando. VICENTE Para que vocs esto aqui? BAIXINHO Viemos tocar msica para este Cowboy. (Msica 5A). ALTO E BAIXINHO Viemos (Confirmando.) COWBOY Acho que eles so ladres de cavalos. VICENTE

So no, seu Cowboy. Eles so msicos do maior circo do mundo. Como vai o palhao? GORDO Vai bem. ALTO Vai bem. BAIXINHO Vai bem. VICENTE Com licena. Quero falar agora com o Cowboy, porque (Falando confidencialmente.) o meu cavalinho azul est aqui. Com licena, (Vicente leva o Cowboy para um canto e comea a conversar. Os msicos querem ouvir a conversa.) Ouve-se apenas o Cowboy dizer alto: COWBOY Azul? Sim, claro, venha comigo. (Os trs saem de cena.) BAIXINHO (Para os msicos.) Vocs no ouviram? (Os trs abrem as portinholas dos instrumentos e tiram revlveres.) Agora o cavalo est no papo. (Vem vindo o Cowboy com os meninos.) Mos ao alto! ALTO Mos ao alto! BAIXINHO Mos ao alto!

GORDO Passem j para c o cavalo azul. (Os cavalos brancos, assustados, fogem em disparada. O Cowboy levanta a mo. Vicente e a menina olham sem compreenderem o que est se passando.) GORDO Mos ao alto, menino! ALTO Mos ao alto, menina! (Todos esto de mos erguidas.) COWBOY Ladro de cavalos. Bem que eu desconfiava... BAIXINHO Passem logo o cavalo azul, se no querem levar tiros na barriga. VICENTE Mas ele no est aqui, seu msico. BAIXINHO No me faa de bobo, sim, menino? J estou cansado de ouvir mentiras. Pensa que no ouvi o Cowboy dizer que o azul estava aqui? VICENTE Mas no o meu, seu Baixinho. O meu no igual quele. BAIXINHO

Seu Cowboy, no tenho tempo a perder. O cavalo ou a vida. COWBOY (Vendo que no pode fazer nada contra tanta arma apontada.) Hip! Hip! Hip! Azul! Azul! (Todos aguardam ansiosos a chegada do cavalo.) BAIXINHO Vamos, por que ele no aparece? COWBOY Hip! Hip! Hip! Azul! (Surge um dos cavalos brancos, muito tmido.) GORDO Mas este no azul! OS TRS branco. COWBOY O nome dele Azul, porque tem olho azul. BAIXINHO (Para Vicente) este o seu? VICENTE (Rindo.) No... O meu todo azul e grande! ALTO

(Meio alucinado.) E sabe cantar... GORDO (Idem.) E voar! BAIXINHO (Realista.) E vai dar muito dinheiro ao Baixinho aqui... Vamos. (Gritando.) quero seu cavalo azul, est ouvindo? (Sacode o menino, enquanto o Cowboy e a menina saem disfaradamente.) Quero o seu cavalo para o meu circo, compreende? Agora, neste minutinho. VICENTE Mas eu estou procurando o meu cavalo, e depois vou lev-lo ao circo. Fica calmo, seu msico, no preciso isso a. (Revolver.) O senhor musico mesmo, ou bandido? BAIXINHO Bandido... e msico. VICENTE Mais bandido do que msico... ou mais msico do que bandido? BAIXINHO Quase que s bandido. VICENTE Vocs trs? OS TRS Ns trs. (Os trs tiram as barbas e fazem caras de bandidos.) VICENTE

Que caras feias, meu santo Deus. Vocs roubam pianos, violes, violoncelos, violinos, violas e vitrolas? ALTO Ns roubamos tudo. BAIXINHO Chega de conversa, amarrem o menino. Enquanto ele no nos der seu cavalo azul, no ser solto. (O Alto e o Gordo amarram o menino.) Vamos, agora trate de descobrir seu cavalo. VICENTE Amarrado ningum pode procurar nada. Se vocs fazem o favor de me desamarrar. BAIXINHO Vai morrer, porque estou desconfiado que este negcio todo uma mentira. ALTO Nos fez andar meses e meses atrs dele... GORDO Estou cansado de procurar. BAIXINHO Menino que faz bandido ficar cansado e no acha cavalo azul, deve morrer. OS DOIS Morrer.

VICENTE Mas, se eu morrer, quem vai procurar meu cavalinho? BAIXINHO No interessa. ALTO No interessa. GORDO No interessa. (Ouve-se de fora a voz do Cowboy que em seguida aparece armado.) COWBOY Mos ao alto! (Os trs largam tudo e ficam de mos para o alto.) Msicos de meia tigela! Ladres de cavalos! J, j, para a polcia, andem!... BAIXINHO (Fingindo.) Deixe ao menos levar nossos instrumentos, Sr. Cowboy. Assim, quando estivermos na priso sozinos, nossa msica distrair... COWBOY Est bem. Mas andem logo. (Os msicos fingem que vo pegar os instrumentos e saem correndo com o Cowboy atrs.) Parem, seus bandidos, que eu atiro mesmo... (Sai atrs dos bandidos. A menina se apressa em desamarrar o menino.) MENINA Vicente, meu amigo, vamos embora? para nossa casa? Minha me e meu pai devem estar muito aflitos procurando. VICENTE

Estou com muitas saudades l de casa, tambm. MENINA Ento vamos. VICENTE Preciso primeiro achar ele. Depois eu volto. Voc vai na frente, est bem? A gente pede ao Sr. Deus para te levar. O senhor leva? (Dirigindo-se ao velho.) VELHO (Sem se mexer.) Levo, sim, Vicente. Eu levo a meninazinha para a casa dela. VICENTE Eu sabia, Sr. Deus. (Para a menina.) Diga a papai e a mame que estou quase achando o meu cavalinho. Diga a mame para preparar uma cama bem macia para mim. Estou cansado de tanto dormir no cho duro. Diga a papai para preparar capim verde para o cavalinho. Diga ao palhao que os msicos so bandidos e quando eu chegar vamos fazer um circo s para ns. Me esperem todos na entrada da cidade que vou chegar como um doido galopando no meu cavalo... MENINA Adeus, Vicente, e volta logo. Cuidado com os perigos. (Sai.) VICENTE (Enquanto a menina d a mo ao velho, saindo em seguida pelo proscnio.) Diga a mame para botar vestido novo para a minha chegada e fazer doce de cco e canja de galinha para eu comer... Adeus... (Enquanto a menina sai, puxando seu cavalinho de papelo, ouve-se a msica n.1B (s flauta-contrabaixo.) Ao mesmo tempo, o cavalinho branco de olho azul sai, levando seu curral. Vicente fica sozinho, olhando sair o cavalo de papelo.) Agora vou serra da Mantiqueira. (Maroto.) Acho que voc est l, meu cavalinho! (Vicente sai de cena. Cessa a msica.) (Pela cena aparecem os trs bandidos fugindo do Cowboy, que vem logo atrs com a msica n.14B. Voltam os trs msicos em mos ao alto com o cowboy atrs. Desaparecem.) (Msica n.3B)

VELHO Como vocs viram, os trs msicos foram presos, a menina levei para a casa dela. Todos na cidade esto esperando Vicente voltar. Ele continuou correndo mundo. (Na cena surge Vicente todo esfarrapado, sem um p de sapato, comendo um pedao de po O ator ou atriz que faz o Vicente deve trocar de roupa para esta cena.) Quando estava muito cansado, vinha deitar aqui perto de mim. (Vicente deita-se perto de Joo de Deus.) E foi assim que um dia... Vejam vocs... (No palco uma luz azulada e estranha comea a clarear a cena. Vicente se apruma e aproxima-se do meio do palco, atento. Ele est quase em silhueta. Tudo est azulado e escuro. A msica n.30 A.B.C. num crescendo, acompanha pelo galopar de um cavalo, anuncia a aproximao do cavalinho azul, com cauda branca. Este cavalo representa o mesmo pangar do incio da pea agora transfigurado. Vicente, imvel, observa.) VICENTE (Como se estivesse fazendo a coisa mais natural do mundo, sem absolutamente encarar a apario do seu cavalinho como coisa impossvel, pega a corda que, como na primeira cena, caa do pescoo do cavalo e comea a fazer com ele as mesmas evolues). Upa! Upa! meu cavalinho. Vamos j para casa, meu cavalinho! Papai, mame, a menina, o palhao, esto todos nos esperando na entrada da cidade! Todos esperam nossa volta! Upa! Upa! Upa! Para casa, meu cavalinho. A galope! Para casa! (O cavalo d vrias galopadas em torno do menino, enquanto a msica cresce, a luz se acende e se apaga em vrios tons de cres, e o pano se fecha).