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O cavalo como recurso terapêutico Por Marco Aurélio Magalhães Paiva, Sandra Regina Schultz e Adriano Heber Oliveira A equoterapia não é uma desco- berta recente como recurso terapêutico. Na antiguidade Hipócrates (458-370 a.C.) já utilizava para prevenção da insônia e na recuperação de militares acidentados na guerra. Asclepíades da Prússia (124-40 a.C.) aconselhava a equitação como tratamento para epilepsia. No século XVI, Goethe a considerava benéfica na distensão da sua coluna vertebral em razão das oscilações a que era submetido na marcha do cavalo. Após perío- do de indiferença pelo seu emprego terapêutico, ao final da I Guerra Mun- dial o cavalo volta a ser lembrado. Os primeiros a utilizarem são os es- candinavos. No Brasil, este recurso terapêutico começou a ser valori- zado em 1989, na Granja do Torto, em Brasília, não por coincidência, residência do então presidente João Naturale agosto/setembro - 2011 Batista Figueiredo, um militar da ca- valaria. Atualmente, a modalidade é adotada em pelo menos 30 países. De acordo com a Associação Na- cional de Equoterapia, ANDE-BRASIL, Equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsi- cossocial de pessoas com deficiência e/ou com necessidades especiais. A equoterapia permite ao terapeuta inte- ragir em múltiplos sistemas orgânicos, oferecendo uma oportunidade ímpar para atingi-los num ambiente que po- de enriquecer o movimento durante o seu desenvolvimento. No dorso do cavalo consegue-se tratar a muscula- tura corporal global de forma natural, modulando o tônus, melhorando a postura, o equilíbrio, o ritmo, a coor- denação, realizando alongamentos e possibilitando integração em ativida- des sociais. O cavalo possui três andaduras na- turais, instintivas, que são: Passo, Trote, Galope. O trote e o galope são anda- duras saltadas, portanto, só podem ser usadas em equoterapia com pra- ticantes em estágios mais avançados. O passo é a andadura básica da equi- tação e com ela se executa a maioria dos trabalhos de equoterapia. Existem algumas características que a tornam a mais indicada: a andadura rolada ou marchada, em que sempre haverá um ou mais membros em contato com o solo; a andadura simétrica, em que todos os movimentos produzidos de um lado do animal, se reproduzem de forma igual e simétrica do outro lado; um andar mais lento permite uma me- lhor observação e análise por parte da 2

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O cavalo como recurso terapêuticoPor Marco Aurélio Magalhães Paiva,

Sandra Regina Schultz e Adriano Heber Oliveira

A equoterapia não é uma desco-berta recente como recurso terapêutico. Na antiguidade Hipócrates (458-370 a.C.) já utilizava para prevenção da insônia e na recuperação de militares acidentados na guerra. Asclepíades da Prússia (124-40 a.C.) aconselhava a equitação como tratamento para epilepsia. No século XVI, Goethe a considerava benéfica na distensão da sua coluna vertebral em razão das oscilações a que era submetido na marcha do cavalo. Após perío-do de indiferença pelo seu emprego terapêutico, ao final da I Guerra Mun-dial o cavalo volta a ser lembrado. Os primeiros a utilizarem são os es-candinavos. No Brasil, este recurso terapêutico começou a ser valori-zado em 1989, na Granja do Torto, em Brasília, não por coincidência, residência do então presidente João

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Batista Figueiredo, um militar da ca-valaria. Atualmente, a modalidade é adotada em pelo menos 30 países.

De acordo com a Associação Na-cional de Equoterapia, ANDE-BRASIL, Equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsi-cossocial de pessoas com deficiência e/ou com necessidades especiais. A equoterapia permite ao terapeuta inte-ragir em múltiplos sistemas orgânicos, oferecendo uma oportunidade ímpar para atingi-los num ambiente que po-de enriquecer o movimento durante o seu desenvolvimento. No dorso do cavalo consegue-se tratar a muscula-tura corporal global de forma natural, modulando o tônus, melhorando a postura, o equilíbrio, o ritmo, a coor-

denação, realizando alongamentos e possibilitando integração em ativida-des sociais.

O cavalo possui três andaduras na-turais, instintivas, que são: Passo, Trote, Galope. O trote e o galope são anda-duras saltadas, portanto, só podem ser usadas em equoterapia com pra-ticantes em estágios mais avançados. O passo é a andadura básica da equi-tação e com ela se executa a maioria dos trabalhos de equoterapia. Existem algumas características que a tornam a mais indicada: a andadura rolada ou marchada, em que sempre haverá um ou mais membros em contato com o solo; a andadura simétrica, em que todos os movimentos produzidos de um lado do animal, se reproduzem de forma igual e simétrica do outro lado; um andar mais lento permite uma me-lhor observação e análise por parte da

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equipe que acompanha o praticante e, por fim, a característica mais im-portante para a Equoterapia é o que o passo produz no cavalo e transmite ao cavaleiro: uma série de movimentos se-quenciados e simultâneos, culminando num movimento tridimensional que no plano vertical produz movimento para cima e para baixo, no plano horizontal movimento da direita para a esquerda, segundo o eixo transversal do cavalo e um movimento para frente e para trás, segundo seu eixo longitudinal.

Além da mecânica descrita, po-demos aproveitar as influências à integração sensorial e ao esquema corporal, originados pela sensibilidade superficial (tato, pressão, temperatu-ra) e mais profunda (discriminativa e vibratória), além da sensibilidade pro-prioceptiva e a identificação visual e olfativa que o movimento do animal e o ambiente provocam. Como em toda terapia existem as indicações e as contra indicações. Ela é indica-da para os que possuem distúrbios motores/sensoriais; problemas ortopé-dicos; distúrbios de comportamento e distúrbios de aprendizagem, entre outros. É contra indicado para os que têm osteoporose; luxação de quadril; epilepsia; quadros inflamatórios e in-fecciosos, entre outros.

Uma equipe terapêutica volta-da para a prática de Equoterapia é composta por fisioterapeuta, psi-cólogo e equitador, como também fonoaudiólogos, terapeutas ocupacio-nais, psicopedagogos, entre outros. Daremos ênfase às funções do psicó-

logo, fisioterapeuta e equitador, neste momento.

O psicólogo atua de forma dire-ta com o praticante, sua família e seu meio ambiente, ele pode ser o primeiro agente de acolhimento ao praticante e sua família, através da entrevista ini-cial em que provê informações sobre a equoterapia, seu significado, meto-dologia, instrumentos e limitações. Ele é responsável, também, pelo acompa-nhamento familiar e pela coordenação do processo dinâmico da equipe. No exercício dessas atribuições, sobres-saem os aspectos psicoterapêuticos, focados nos distúrbios emocionais e comportamentais do praticante e da sua família. Cabe ao psicólogo, na direção das questões emocionais, explorar o cavalo como mediador te-rapêutico e capitalizar a presença e atuação da equipe multiprofissional. A consciência da integridade, a melhora nas relações interpessoais e socializa-ção ou ressocialização são alguns dos objetivos psicoterapêuticos na Equo-terapia.

O fisioterapeuta é o profissional generalista habilitado à prevenção, diagnóstico e tratamento de proble-mas fisio-funcionais, trabalhando com métodos que utilizam de recursos fí-sicos com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacida-de corpórea humana. Na Equoterapia ocorre o movimento que pode ser con-duzido de forma terapêutica, ou seja, a cinesioterapia. Os objetivos fisiote-rápicos na Equoterapia são melhorar o tônus muscular; facilitar o ganho de

equilíbrio e de postura do tronco ereto e produzir dissociações corporais.

O equitador, além dos predicados de “homem do cavalo” é possuidor de conhecimentos sobre ele e sua utili-zação na equoterapia. O Profissional de Equitação para Equoterapia (PEE) deve dispor de qualidades morais es-pecíficas e de procedimentos claros e definidos na condução do seu tra-balho. O PEE é a alma da equipe de atendimento equoterápico na condu-ção dos programas de equoterapia. A higiene veterinária, o trato, o manuseio e o treinamento e adequação do cava-lo às necessidades do praticante e dos equipamentos utilizados na equotera-pia são conhecimentos necessários ao profissional de equitação.

O programa de Equoterapia tem duração de aproximadamente 12 meses com sessões semanais de 40 minutos, podendo o praticante permanecer nele após esse período ou receber alta an-tes, dependendo da evolução de cada caso. A evolução de cada praticante depende do grau de comprometimen-to de sua patologia, bem como dos estímulos oferecidos pela equipe que o assiste.

A sessão começa no momento em que o praticante e sua família chegam à hípica e são acolhidos pela equipe. Após esse momento, o psicólogo in-centiva o paciente a “raspar” (escovar) o animal, como forma de aproximação, proporcionando segurança suficiente para alimentá-lo. Vencida esta etapa, o próximo desafio é a montaria, on-de são propostos exercícios, ativos

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e/ou passivos, supervisionados pelo fisioterapeuta, com auxílio de argolas, bastões, cestas e bolas de basquete, thera-band, entre outros brinquedos que estimulem o de-senvolvimento psicomotor do praticante, seja ele criança, jovem ou adulto.

Como fisioterapeuta e membro de uma equipe de Equoterapia pude acompanhar a trajetória do paciente N, que com seis anos de idade ainda não experimentara a sensação de deambular sozinho e após iniciar seu trata-mento equoterápico ganhou força e equilíbrio suficiente para fazê-lo. Além dos benefícios físicos alcançados por esse praticante pode-se notar uma grande evolução no seu quadro psicológico. No início do tratamento, N apre-sentava-se apático e pouco participativo, mas com a melhora do seu desempenho físico, ele tornou-se mais colaborativo e suas sessões repletas de sorrisos e brin-cadeiras.

O animal ideal para a prática da Equoterapia deve ser dócil, não pode se assustar facilmente, ou seja, deve estar habituado a movimentos bruscos e ruídos, não fazer dis-tinção entre pacientes. A importância histórica do cavalo tornou-o um dos arquétipos mais significativos do incons-ciente coletivo, de enorme carga simbólica, representativa de força, potência, liberdade, transcendência e prazer.

A Equoterapia vem ganhando espaço no cenário tera-

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pêutico nos últimos anos devido a sua eficiência, sobretudo pelos excelentes resultados obtidos com seus praticantes. Cada vez mais as pessoas se preocupam com o bem estar físico e mental e este método que mistura a terapia com o lúdico torna-se atraente para aquelas que buscam maneiras alternativas para tratarem as mazelas do corpo e da alma.

Marco Aurélio Magalhães Paiva, Fisioterapeuta formado pelo Cen-tro Universitário do Sul de Minas; Sandra Regina Schultz, Psicóloga formada pela Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI; Adriano Heber Oliveira, Equitador com formação pela Associação Nacional de Equo-terapia

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