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“Enquanto o desmatamento da Floresta Amazônica - felizmente - tem diminuido, o do Cerrado tem aumentado intensamente: 30 mil km2 por ano.” O Cerrado ameaçado O C E R R A D O A M E A Ç A D O O C E RR A D O A M E A Ç A D O

O Cerrado ameaçado - wervel.be · animais e peixes. Com o tamanho de Portugal, esta ... estados Alagoas, Bahia, Ceará, Ma- ... avanço da soja e do modelo agrícola destruidor em

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“Enquanto o desmatamento da Floresta Amazônica - felizmente - tem diminuido, o do Cerrado tem aumentado intensamente: 30 mil km2 por ano.”

O Cerrado ameaçado

O CERRADO AMEAÇADO O CERRADO A

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O

Muitos de nós que temos lido histórias de aventura desde a infância, sonhamos com uma viagem para a Amazônia. A Amazônia, onde vivem onças, sobrevoam borboletas gigantes, como o Morfeus azul, e onde você pode encontrar árvores tão altas quanto arranha-céus. A Amazônia armazena a maior variedade do mundo de animais e plantas. Os rios gigantes como o Rio Negro e o Rio Amazonas, que chegam até 10 quilômetros de largura, são por vezes chamados de Riomar ou mar-rio por causa de sua aparência infinita. Nesses rios há mais de 2000 espécies de peixes, incluindo alguns exemplares pré-históricos. A natureza do Brasil diz respeito à jovens e aos idosos. O Brasil é a maior parte da Amazônia, mas o subcontinente inclui outros gigantes, outras áreas vitais.

Há o Pantanal, na região oeste do Brasil, com os seus inúmeros lagos e lagoas. Lá você também encontra uma grande variedade de pássaros, animais e peixes.Com o tamanho de Portugal, esta área contém a maior reserva de pássaros do mundo. Assim como

na Amazônia, há muitos jacarés e piranhas, mas no Pantanal, esses são facilmente vistos. A vegetação de árvores e plantas deste ecossistema é muito menor e mais baixa do que na Amazônia, por isso você vê mais animais, mesmo que na realidade, eles sejam em menor número.No leste do Brasil está a Mata Atlântica, ou melhor, o que restou dela. A colonização européia começou nesta região do Brasil, no século 16.

No Nordeste fica a Caatinga (mata branca) o semi-árido com caracte-rística de deserto, quase não chove, a vegetação pequeno porte e quase sempre seca por isso nome mata branca. A caatinga ocupa uma área de cerca de 844.453 quilômetros quadrados, o equivalente a 11% do território nacional. Engloba os estados Alagoas, Bahia, Ceará, Ma-ranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e Minas Gerais.

O quarto maior ecossistema é o Cerrado, ou savana brasileira, que se extende por dois milhões de qui-lômetros quadrados no coração do Brasil. O Cerrado é uma imensa

área de conexão entre a Amazônia,

o Pantanal a Mata Atlântica e a Caatinga. Este folheto traz algumas informações sobre o Cerrado. Ele foi publicado na Bélgica no dia 11 de setembro de 2013, no Brasil o dia nacional para colocar o Cerrado em pauta na política brasileira. A Wervel quer tornar este em um dia de ação internacional. Na Europa. No Mundo inteiro.

‘Cordel’ é uma forma popular de poesia que é amplamente utilizado no Nordeste do Brasil. Antônio Alencar Sampaio, professor da Universidade Católica de Goiás, é um dos defensores da proteção do Cerrado, es-creveu um longo poema sobre a riqueza única da região. No Brasil chama-se de ‘bioma’, que significa ‘sistema natural’, como o Cerrado. Nos citamos apenas o paragrafo de abertura:

Cerrado casa dos filhos

Vegetais e animais

Berço das águas e crias

Coração dos minerais

Fonte de expansão de vidas

Riquezas ambientais

Cerrado velho e vivido

Com experiência e sabença

Já viveu outros biomas

Já sofreu muitas carências

Sendo auto-sustentável

Pela sua convivência

O Cerrado enfrenta hoje

Com estruturas reais

As queimadas e a seca

Seus inimigos mortais

E vem criando recursos

De defesas naturais

É bem relacionado

Com vários ecossistemas

Seus filhos vivem e covivem

Sem causar nenhum problema

Com Amazônia e Pantanal

São unos em diversos temas

A Mata Atlântica e Caatinga

Também têm uma comunhão

Com o bioma Cerrado

Na fauna e vegetação

O Cerrado já foi eles

Na sua evolução

Segundo maior bioma

De toda América Latina

São dois milhões de quilômetros

Quadrados, que ele domina

Duzentos milhões de hectares

De beleza e medicina

As estrofes seguintes deste longo cordel abordam a relação do Cerrado com o veneno, clima, solo, água, fogo, estoque da bioesfera, fauna, flora, plantas medici-nais e a valiosa fonte de alimentos.

(Fonte: ‘Conhecendo o bioma Cerrado. Cordel’, de Antonio Alencar Sampaio, Edi-tora Kelps, Goiânia- GO, 2005.)

Dez razões para dar o seu apoio e participar Cerrado e Caatinga ocupam 1/3 do território nacional.

Os dois biomas exercem funções ecológicas vitais para o conjunto do país.

O desmatamento no Cerrado hoje é duas vezes maior do que na Amazônia.

Os principais rios brasileiros nascem e crescem no Cerrado.

O Aquífero Guarani depende de áreas de recarga que estão no Cerrado.

A chuva e os rios no Brasil Central são vitais para a matriz energética brasileira.

Cerca de 95% dos brasileiros dependem de energia elétrica gerada (ao menos em parte) com águas provenientes do Cerrado.

A biodiversidade dos dois biomas é singular, única, sem igual no mundo.

Espécies ameaçadas pela devastação da Mata Atlântica sobrevivem em número maior no Cerrado.

Se o Cerrado e a Caatinga entrarem em colapso, os outros ecossistemas também estarão ameaçados.

“É claro que os “manda-chuvas” da terra têm outros planos acerca de alimentos e desenvolvimento regional, ainda que gostem de ostentar a expressão da moda – “desenvolvimento sustentável” – como uma de suas bandeiras.”

11 de setembro e o Cerrado

O dia 11 de setembro faz com que (quase) todas as pessoas voltem seus olhos para Nova Iorque e se lembrem dos atentados de 11 de setembro de 2001. Mas há também o 11 de setembro de 1973: o assassinato do presidente chileno Salvador Allende, que marcou o início do governo militar no Chile. Uma data importante para a América Latina. Mas o dia 11 de setembro não é somente uma data de morte e destruição. Nesse dia também nasceram pessoas como, por exemplo, o conhecido bispo Jacques Gaillot, na França, e o artista Ary Pára-Raios, no Brasil. Ary José de Oliveira – seu nome de batismo – era um homem versátil, que dominava a arte de reunir em torno de si artistas plásticos, poetas, músicos, escritores, jornalistas e ambientalistas. Em reconhecimento ao seu trabalho, o dia 11 de setembro foi declarado o “Dia Nacional do Cerrado”.

A importância central do Cerrado

A opinião pública no Brasil, a imprensa internacional e, portanto, também a opinião pública mundial perdem o sono por causa da destruição da Floresta Amazônica. E com razão. O estranho é que nenhuma indignação semelhante é despertada em relação ao Cerrado, a savana com a maior diversidade da

América-Latina. Juntamente com o outro ecossistema característico, a Caatinga, esses biomas ocupam 30% do território brasileiro. Só o Cerrado se estende por 2 milhões de km2 (isso em 11 estados) e ocupa literalmente a região central do país: Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Pará e Rondônia. Enquanto o desmatamento da Floresta Amazônica – felizmente – tem diminuido, o do Cerrado tem aumentado intensamente: 30 mil km2 por ano, duas a três vezes mais do que o desmatamento da Amazônia no Brasil. Enquanto a Floresta Amazônica se distribui por vários países, essa savana única somente é encontrada no interior do Brasil.

O Cerrado também forma uma conexão entre os diferentes biomas/ecossistemas. Às vezes, espécies de animais ameaçadas de extinção na Mata Atlântica costumam sobreviver em número ainda maior no Cerrado. A imensa região também é, exatamente, o centro de origem de seis das mais importantes bacias hidrográficas do Brasil. Se essas nascentes e rios secarem, todo o Brasil terá não somente problemas ambientais, mas também problemas sociais e econômicos.

Fonte: PEC do Cerrado e Caatinga – Fórum em Defesa do Cerrado (Altamiro Fernandes).

Desde 1988, a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica já estão protegidos como “Patrimônio Nacional”. Embora o Parque da Chapada dos Veadeiros tenha sido declarado como patrimônio da humanidade pela Unesco desde 20011, assim como o Parque da serra da Capivara (PI)2, os biomas onde estão localizados – respectivamente o Cerrado e a Caatinga – não são considerados “Patrimônio Nacional”. É por isso que, nos últimos anos, está se desenvolvendo um forte movimento para também proteger essas regiões únicas. A arte na argumentação é unir os argumentos ecológicos aos sociais e econômicos. Os ecológicos estão bem organizados em um ABC: água, biodiversidade e clima. Estes três estão interligados, por sua vez, com as escolhas que devem tornar um outro desenvolvimento econômico e social possível. Cerca de 40% do Cerrado já foi desmatado. A questão é saber se: O Brasil precisa de mais 1 milhão de hectares para manter a guerra nos mercados internacionais de soja, etanol, algodão e outros produtos que podem ser produzidos no Cerrado às custas de muita energia e muita destruição, ou é possível desenvolver mais agricultura familiar que – em áreas menores – pode proporcionar uma renda digna com diversidade de produtos?

A transformação da grande riqueza pelos próprios agricultores exige criatividade. De preferência, com contribuições do movimento ambiental e de toda a sociedade civil. E essa criatividade está presente. Basta pensar nos deliciosos picolés, feitos a partir da riqueza em frutas da região3. O “Fórum Goiano em Defesa do Cerrado” está totalmente empenhado no grande consenso em torno de um modelo de desenvolvimento novo e diferente. É claro que isso vai exigir uma atenção permanente. Nós fomos surpreendidos com o relato indignado de uma mulher. Ela estava contente com a venda de picolés com frutas do Cerrado no prédio do tribunal. Pouco tempo depois, sem qualquer consulta, esses sorvetes foram substituídos pelo produto em massa da gigante de alimentos Nestlé. É claro que os “manda-chuvas” da terra têm outros planos acerca de alimentos e desenvolvimento regional, ainda que gostem de ostentar a expressão da moda – “desenvolvimento sustentável” – como uma de suas bandeiras.

A arte pode salvar o mundo?

Escrever livros é uma coisa, tirar boas fotos é outra. Os últimos livros da Wervel foram abrilhantados com ilustrações feitas por estudantes, professores e comunidades de Matinhos (Paraná). Isso diz alguma coisa sobre o alto grau de envolvimento de muitos brasileiros com o que ocorre com o seu país em pedaços. A dilaceração do Brasil também os dilacera por dentro. Eles querem dar vazão a essa lesão e à esperança de mudança.

Em Goiânia mora um artista extraordinário que, na mesma linha que Ary Pára-Raios, quer sensibilizar pessoas no país e no exterior acerca do drama que ocorre no Cerrado. João Caetano4 realiza seu objetivo expondo a beleza do que ainda resta do Cerrado com fotos tocantes. Desde quando foi criada, Wervel trata das consequências do avanço da soja e do modelo agrícola destruidor em ambos os lados do Atlântico. Nós não tratamos apenas do que está acontecendo na região amazônica, mas também da situação socioeconômica no sul do Brasil, da destruição cultural no Maranhão, da grande importância do Cerrado e muito mais. E estamos sempre destacando a interdependência do modelo agrícola da Europa com o que está acontecendo no Brasil e em outros países. Como não podemos fazer isso somente com argumentos intelectuais, mas também queremos falar ao coração com a arte, convidamos esse talentoso fotógrafo para a comemoração do nosso aniversário de 20 anos em Bruxelas. Capital da União Europeia, onde são tomadas as decisões acerca da política agrícola internacional, Bruxelas merece contemplar o esplendor do Cerrado.Decisões na Europa têm impacto no Brasil. Decisões em Washington, D.C., têm consequências para Bruxelas e Brasília. Escolhas em Brasília afetam todo o planeta.

1 Veja o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Nacional_da_Chapada_dos_Veadeiros

2 Veja o site http://ecoviagem.uol.com.br/brasil/piaui/parque-nacional/serra-da-capivara/

3 Outros sites: www.frutosdocerrado.com.br; www.centraldocerrado.org.br.

4 João Caetano já lançou vários livros fascinantes, entre outros “Ecos da Natureza” (2006). Veja também www.projetoalerta.com.

A capital Brasília avança sobre o Cerrado desde 1960.

6 mil espécies de vegetais vasculares837 espécies de aves195 espécies de mamíferos780 espécies de peixes, incluindo o Pantanal113 espécies de anfíbios

Estes são os números oficiais do Ministério do Meio Ambiente, em 2004.

Segundo alguns estudos, a flora do Cerrado possui 10 mil espécies de plantas, das quais 4.400 espécies são exclusivas desse bioma. No Distrito Federal (Brasília), encontram-se 233 espécies de orquídeas e um número desconhecido de animais. Na mesma área metropolitana podem ser observadas 430 espécies de aves. Compare isso a Bruxelas, capital da União Europeia, capital da Bélgica, capital de Flandres e sede da Região Metropolitana de Bruxelas. De vez em quando, eu ouço um melro cantando e vejo um pombo-torcaz voando. E isso é tudo... Oh, sim, também periquitos exóticos que expulsam a diversidade dos parques.

A mais rica savana do mundo?

O Cerrado é a cisterna ou, melhor, a nascente de muitos rios que correm em diversas direções. Isso não afeta somente o Brasil, mas também grande parte da América Latina. Os contribuintes do Rio Paraná nascem no centro do Brasil e seguem seus cursos até a capital da Argentina, Buenos Aires.

É a savana mais rica em espécies do continente. Nem se compara com a savana do Suriname e da Venezuela, por exemplo. Na verdade, o bioma Cerrado está entre as maiores biodiversidades terrestres do mundo. ‘Cerrado’ é um nome coletivo para diversos ecossistemas: de pastos naturais à diversos tipos de florestas abertas e florestas densas.

Décadas de disputa

Na literatura, no campo e nas discussões políticas sobre a “abertura” dessa vasta área, várias visões se opõem (1). O solo pobre, com alto teor de alumínio, combinado com o fogo que regularmente percorre a terra seria o que torna o Cerrado tão marginal. “Não”, dizem outros: “A Floresta Amazônica é extremamente viçosa em solo igualmente pobre, mas lá você tem uma precipitação elevada e constante. Por isso, é uma floresta tropical. O Cerrado foi formado pelo ciclo anual de meses de seca seguidos de um período de chuvas intensas.” Começa a haver consenso de que a qualidade do solo e o fogo influem, mas que é a alternância nos ciclos de seca e de chuva que moldou essa região única. Trata-se de 192,8 milhões de hectares, ou 22,65% do território brasileiro, distribuídos por 11 estados. Atualmente, 22 milhões de pessoas vivem lá.

Esponja da América Latina

Evapotranspiração por dia (mm/dia *) na região do Cerrado, conforme a cobertura vegetal:

- estação chuvosa, vegetação nativa de Cerrado – 2,6

- estação seca, vegetação nativa de Cerrado – 1,5 (!)

- lavoura de arroz – 4,3

- lavoura de girassol – 5,6

- lavoura de milho – 2,8

- lavoura de soja – 8,4 (!)

- lavoura de trigo – 4,4

- vegetação de campo, pastagens – 2,6

− reflorestamento de Pinus elliotis – 4,7

− reflorestamento de eucalipto – 6,0 (!)

• Uma perda de água de 1 mm/dia é equivalente a uma evapotranspiração diária de 10m³ por hectare.

Fonte: Miranda e Miranda, 1996.

A gestão da água é fundamental para o Cerrado. Para o Brasil. Para a América Latina. Para o planeta. No Cerrado, as árvores geralmente permanecem pequenas e têm uma aparência retorcida. Muitas espécies têm folhas coriáceas e casca grossa, para reduzir a perda da umidade. Compare as folhas da vegetação de Cerrado (1,5 e 2,6 mm/dia) com as da lavoura de soja (8,4 mm/dia). Por causa dos meses de seca recorrentes, as raízes penetram profundamente no solo. Por outro lado, o solo poroso facilita a infiltração de água. Ao longo de milhões de anos se formaram ali gigantescas reservas de água chamadas de “aquíferos” (como o Guarani, o Bambuí e o Urucuia).

Em relação a eles também há controvérsia: uma parte da água seria salobra e, portanto, inutilizável. Isso porque, há milhões de anos, a região teria sido um fundo de mar. De qualquer modo, o Cerrado funciona como uma esponja que abastece de água esses aquíferos e muitos rios importantes. Agora que está sendo intensamente desmatado, essa reserva de água acumulada lentamente ameaça secar dentro de algumas poucas décadas. Isso já provoca consequências catastróficas não apenas para o Cerrado, mas para o regime hídrico em quase toda a América Latina.

Biomassa

O gado tradicional ainda pode viver e desfrutar da festa de centenas de flores e a riqueza em frutas. Nos últimos anos, muitas pastagens foram implantadas com gramíneas exóticas, que abafam a diversidade original. As monoculturas de soja, milho e açúcar dão o golpe de morte. Essa é a resposta clara para os muitos “espíritos iluminados” que, agora, afirmam que a produção pecuária intensiva ocidental é a solução para a problemática dos alimentos e para o aquecimento global. Quando os bovinos são trancados em galpões na Bélgica, talvez seja possível sugar o metano, mas grande parte da ração deverá ser trazida de lugares a milhares quilômetros de

A festa arruinada do Cerrado

distância, utilizando muita energia e causando a destruição de ecossistemas. A explosão global de granjas de suínos e de aves já está, de qualquer maneira, baseada em soja-milho. O Cerrado “sem valor” é o próximo “Número Um”!

No estado de Minas Gerais, as árvores nativas estão rapidamente sendo convertidas em lenha. Também são ideais para fazer carvão, para os altos-fornos da indústria siderúrgica. Uma espécie de árvore – que está agora correndo risco de extinção – deve seu nome a isso: carvoeiro.

O plantio de eucalipto é “reflorestamento” e, assim, recebe vários tipos de apoio, até mesmo dinheiro com base no Protocolo de Kyoto, para o sequestro de carbono. Esquece-se que o equilíbrio da vida no solo e a vegetação nativa de Cerrado são fundamentais para sequestrar muito CO2. As “sábias” árvores do Cerrado, no entanto, não podem competir com o crescimento violento do eucalipto da Austrália. Um hectare de Cerrado original pode proporcionar de 10 a 40 toneladas de biomassa, com baixo consumo de água. Compare isso com a floresta tropical na Amazônia: 350 a 550 toneladas por hectare. O eucalipto produz mais de 300 toneladas de biomassa no Cerrado e, portanto, tem grande participação nas causas das secas. É que, na realidade, cerca de 2/3 dessa biomassa é água! Uma árvore madura de eucalipto em uma monocultura absorve entre 700 a 1.000 litros/dia, dependendo da distância entre elas. Um espécime adulto isolado pode absorver até 20 mil litros por dia.

Festa recuperada?

O eucalipto fornece celulose para a indústria internacional de papel, e a variedade geneticamente modificada deverá fornecer o etanol da segunda geração. Soja representa ração animal e biodiesel. Cana-de-açúcar para açúcar, para aplicações em síntese biológica e, especialmente, para atender a demanda de etanol do “rei carro”. Tudo muito bem, mas não dá para fazer uma festa. Até mesmo a simples água potável ameaça faltar na festa. A pobreza impera...

Aos poucos começa a crescer a consciência de que a riqueza dessa região única pode servir uma mesa festiva. Durante séculos, a população se alimentou dos nutritivos pequi, buriti, araticum, mangaba, cagaita, cajuzinho, bacuri etc. O desafio agora é construir uma economia que não está baseada na invasão das monoculturas, mas no policultivo original. Uma economia que beneficia a todos: os diversos ecossistemas, os povos, os animais, as plantas, os recursos hídricos, o clima global, a agricultura com suas estações previsíveis, a população urbana, os camponeses, os povos indígenas, a balança comercial. Lentamente, a conscientização está crescendo. Por isso, as CEBs (comunidades eclesiais de base) colocaram os cursos de verão sobre leitura da bíblia e teologia popular de 2010 e 2011 sob o signo do castigado Cerrado (2).

Salve o Urubu!

Quando a crise chega, surgem iniciativas para sensibilizar a população – muitas vezes ainda marginais. Às vezes, literalmente “marginais”: em torno de um córrego, porque não só a máfia da soja arrasa o campo, mas também a máfia imobiliária toma as áreas no entorno das cidades. Assim, na capital Brasília, existe o movimento “Salve o Urubu!” (3). Essa ave que se alimenta de carniça não é exatamente o símbolo da biodiversidade. Ele é mais um “limpador” de resíduos e carcaças de animais, mas o nome do córrego nos arredores de Brasília é, de fato, “Córrego do Urubu”. A população quer desenvolver uma educação ambiental permanente, começando consigo mesmo, com a recuperação da vegetação ao redor desse córrego e para manter a água limpa. Há belos exemplos de recuperação com um sistema agroflorestal e hortas em formato de mandala. A “Oca do Sol” é um ponto de encontro no meio do projeto. “Oca” representa o lar original dos índios e sua sabedoria inspiradora. “Oca do Sol” faz parte de uma ecovila (4) e deseja conectar espiritualidade com um estilo de vida ecológico. O foco está fortemente voltado para a importância da água e a nossa pegada ecológica em relação a ela (5). Enquanto isso, na mesma Brasília, a campanha “Exterminadores do Futuro” parece segurar um espelho em frente aos políticos e seus eleitores: qual é o tamanho da pegada ecológica, a prática de destruição do político que está agora em campanha pelos votos do povo? Em combinação com a aprovada “Lei da Ficha Limpa”, isso poderia conter alguns políticos em seu desejo de expansão.

Será que todos nós ainda vamos vivenciar (e participar d)a reversão? Ou será que, dentro de 20 anos, o “urubu” somente será o símbolo de montanhas imensas de lixo ao lado rios secos?

(1) Um trabalho interessante de Carlos Eduardo Mazzetto Silva fala sobre essa disputa: “O Cerrado em disputa. Apropriação global e resistências locais”. Brasília: Confea. 2009. Da série “Pensar o Brasil”,

(2) “Cerrado, da resistência brota a vida”. Curso de Verão, Goiânia, janeiro de 2010. 108 p.

(3) http://www.salve-o-urubu.blogspot.com; http://br.groups.yahoo.com/group/salveurubu.

(4) http://pt.wikipedia.org/wiki/Ecovila; http://www.ecovilacunha.org; http://www.ecovilleproject.com.

(5) http://www.waterfootprint.org; http://www.watervoetafdruk.org; http://www.foodandwaterwatch.org; http://www.waterefficiency.net/blogs/we-editors-blog/whats-your-waterprint-64377.aspx>.

‘Cerrado’ é um nome coletivo para diversos ecossistemas: de pastos naturais à diversos tipos de florestas abertas e florestas densas.

Ainda 10 motivos para preservar o CerradoEmbalagens de picoles produzidos com frutas do Cerrado, veja: www.frutosdocerrado.com.br

Utilize a exposição de fotos sobre o valor do Cerrado com belas fotos de Caetano. www.joaocaetano.art.br Para apresentação em escolas, movimentos e ONGs. Detalhes e fotos: www.wervel.be/cerrado

Livros de Luc Vankrunkelsven, Wervel, Bélgica:‘Aurora no Campo: Soja diferente’, Cefuria, Curitiba, 2007‘Brasil-Europa em fragmentos?’, Cefuria, Curitiba, 2010‘Legal! Otimismo – realidade – esperança’, Cefuria, Curitiba, 2012‘Soja: tesouro ou tesaura?’ Cefuria, Curitiba, 2014Esses livros estão disponíveis em português e neerlandês.

Contribua para a sensibilização e participe do time da Wervel no Brasil ou na Bélgica.

Contate o autor: [email protected]

Divulgue o vídeo do Youtube “Cerrado ameaçado”

que descreve essa mensagem através de som e imagem Compartilhe através: www.wervel.be/cerradoameacado

Ficha técnica:

Este caderno foi publicado na Bélgica no dia do Cerrado, 11 de setembro de 2013. Ilustrações: Romulo Andrade. Traduzida e publicada em Março de 2014 para a turnê da Wervel no Brasil. Preço: 3 reais.

Juntamente com essa publicação foi lançado o ‘digital story’/vídeo “Cerrado Ameaçado” no Youtube e www.wervel.be/cerradoameacado, que descreve sucintamente essa mensagem através de som e imagem. Produzido pelo time do Cerrado da Wervel e destinado para um público abrangente.

Editor responsável: Luc Vankrunkelsven, Edinburgstraat 26, B-1050 Brussel (Bélgica)

www.wervel.be/pt; no Brasil: www.motiro.org/sustentabilidade;

www.fetrafsul.org.br