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O chamado cinema documentário ocupa uma posição privilegiada em meio a produção cinematográfica. Ainda que outros tipos de filme sejam chamados à função de prover conhecimento sobre eventos, biografias, teorias científicas ou mesmo filosofias, parece ser guardada ao documentário uma posição privilegiada na relação com o conhecer. A especificidade que garante essa posição costuma ocupar a introdução das obras sobre o cinema documentário, quando não ocupa mesmo livros inteiros – como no caso de Mas afinal... o que é mesmo documentário? (RAMOS. Livros como Espelho Partido – tradição e transformação do documentário (DA-RIN, 2004) e Introdução ao documentário (NICHOLS, 2005), traçam em suas introduções pequenos percursos de confronto com diferentes conceituações do documentário para definir esse campo como algo em disputa, mas finalmente reafirmando que há algo que é chamado de cinema documentário que é dotado de algumas características e de uma história própria. Essa história própria será criticada por outros autores. Arthur Omar acredita que toda a história do cinema documentário enquanto linguagem é tributária direta do cinema de ficção (OMAR,. Com menor pessimismo, mas inspirados por Omar, Ruben Caixeta e César Guimarães afirmam uma “distinção entre ficção e documentário, provisoriamente” (COMOLLI, 2008), afirmando a não hipervalorização dessa distinção, mas recusando-se a ignorá-la. 1

O chamado cinema documentário ocupa uma posição privilegiada em meio a produção cinematográfica

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O chamado cinema documentrio ocupa uma posio privilegiada em meio a produo cinematogrfica. Ainda que outros tipos de filme sejam chamados funo de prover conhecimento sobre eventos, biografias, teorias cientficas ou mesmo filosofias, parece ser guardada ao documentrio uma posio privilegiada na relao com o conhecer.A especificidade que garante essa posio costuma ocupar a introduo das obras sobre o cinema documentrio, quando no ocupa mesmo livros inteiros como no caso de Mas afinal... o que mesmo documentrio? (RAMOS. Livros como Espelho Partido tradio e transformao do documentrio (DA-RIN, 2004) e Introduo ao documentrio (NICHOLS, 2005), traam em suas introdues pequenos percursos de confronto com diferentes conceituaes do documentrio para definir esse campo como algo em disputa, mas finalmente reafirmando que h algo que chamado de cinema documentrio que dotado de algumas caractersticas e de uma histria prpria. Essa histria prpria ser criticada por outros autores. Arthur Omar acredita que toda a histria do cinema documentrio enquanto linguagem tributria direta do cinema de fico (OMAR,. Com menor pessimismo, mas inspirados por Omar, Ruben Caixeta e Csar Guimares afirmam uma distino entre fico e documentrio, provisoriamente (COMOLLI, 2008), afirmando a no hipervalorizao dessa distino, mas recusando-se a ignor-la. De todas essas leituras consenso o distanciamento do documentrio de qualquer tentativa puramente jornalstica, ou, em uma leitura mais precria, de qualquer tentativa de objetividade baseada no carter direto do registro cinematogrfico. A isso associa-se diretamente a leitura do documentrio como pertencente ao campo dos fazeres criativos ou artsticos e, consequentemente, das discusses que envolvem a ideia de representao artstica desde a modernidade.Nesse sentido, a ideia de que o documentrio no se resume a um carter objetivo ou aos efeitos utilitrios de uma tcnica dedicada ao conhecer esto colocadas desde o incio desses estudos, evitando que tais fatos sejam tomados por concluses. A posio privilegiada, portanto, se encontra em meio aos problemas que colocamos da relao do documentrio com o real por um lado e de seu carter artstico por outro. Podemos dizer que a questo da objetividade do registro nunca foi o ponto central do documentrio, sabemos que a histria do cinema deriva de anos de experincia com a fotografia, tampouco tal centralidade est na simples relao com o real. Esta relao no efetivamente uma garantia de qualquer coisa, o que nos interessa que essa relao coloca novos problemas e questes.O cinema documentrio se estabelece atravs de uma composio discursiva especfica que data dos anos 1920. Imagens do real, ou imagens sem atuao profissional, marcam o cinema desde sua origem no final do sculo XIX, como nas filmagens dos irmos Lumire, sem que essas imagens sejam consideradas filmes documentrios (o qu, por outro lado, no retira o valor documental dessas imagens) da mesma forma que a simples transmisso de um evento esportivo atual no se confunde com o documentrio. no que hoje facilmente atribuiramos ao discurso ficcional que Da-Rin encontra o corte que define o embrio do cinema documentrio. Sobre Nanook (Robert Flaherty, 1922) o autor afirma:[...] inovava ao colocar os fatos que testemunhou em uma perspectiva dramtica: construa um personagem Nanook e sua famlia e estabelecia um antagonista o meio hostil dos desertos gelados do norte. Finalmente, era tradio dos filmes de viagem organizar sequncias segundo o fio cronolgico do roteiro fisicamente percorrido. Em Nanook of the North, pela primeira vez, o objeto de filmagem era submetido a uma interpretao, ou seja, uma desmontagem analtica daquilo que foi registrado, seguido de uma montagem cuja lgica central necessariamente escapava observao instantnea e s poderia decorrer de um conjunto de detalhes habilmente sintetizados e articulados. (47)Para o autor o que diferencia o filme de Flaherty das outras experincias de filmagem do real essa conscincia narrativa e a continuidade entre as tomadas. Por outro lado, para no confundir o filme com uma pea ficcional invoca a ausncia de um enredo baseado em laos de causalidade que encaminhassem os eventos para um determinado desfecho. Nos traz a figura de Flaherty como a de um etnlogo que tendo vivido prximo aos representados teria se baseado em uma observao participante (51). Da-Rin ainda discute algumas falsificaes empreendidas por Flaherty que priorizava o efeito de credibilidade em seus filmes, mas da obra do norte-americano acaba por destacar a inaugurao de uma narratividade documentria (53).Na histria traada por Da-Rin a fundao do cinema documentrio creditada ao escocs John Grierson (diretor de Drifters, 1928). Mais uma vez na dramatizao que encontrada a especificidade do cinema documentrio frente a outros registros do real, mas, buscando especificamente as palavras de Grierson citadas por Da-Rin, encontramos a ideia de uma leitura criativa das imagens: neste ponto passamos das descries simples (ou fantasiosas) do material natural, para o seu arranjo, rearranjo e formalizao criativa (GRIERSON apud DA-RIN, 71). Da-Rin traa os elementos de uma Esttica do documentrio clssico (71-93), no repetiremos esse trajeto, queremos apenas salientar a presena da ideia de um tratamento criativo da realidade desde as bases do cinema documentrio.No entanto, tambm relevante apresentar mais alguns fatores relacionados ao documentrio que encontram suas origens ainda em Grierson e Flaherty. O nome do captulo no qual a figura de John Grierson introduzida na obra de Da-Rin revelador: Ao encontro de uma finalidade social (55-69). A produo de Grierson era balizada por objetivos educativos, fator que no competia com seu rigor esttico. Ao retomarmos as descries de Nanook a questo que surge a da figura de Flaherty como um etnlogo. Ao levantarmos esses fatores apontar a tendncia que os dois fatores apontam do documentrio de certa forma subordinado aos princpios do conhecimento, seja atravs do didatismo (ainda que formalmente rico) de Grierson e da relao com as cincias sociais em Flaherty.Realizando um grande salto histrico e geogrfico, introduziremos o documentrio brasileiro da segunda metade do sculo XX na discusso. Mais incisivo na crtica relao com o conhecimento o cineasta Arthur Omar afirma em seu manifesto O anti-documentrio, provisoriamente:[...] aliado e aprendiz da cincia social e, como ela, nos d o mundo como espetculo, o oposto do mundo da ao. A pretenso de cincia bombardeia os mnimos detalhes do documentrio, geralmente uma cincia perpassada de empirismo, quando no grosseiro, complacente. (148) De seu lado o crtico Jean-Claude Bernardet definir em seu Cineastas e imagens do povo a existncia de um documentrio de tipo sociolgico, dominante na produo engajada de documentrios brasileiros nos anos 60. Apesar de atuar em uma espcie de descontruo desse modelo, fica claro na anlise empreendida pelo crtico que esse modelo sociolgico buscava uma espcie de construo de conscincia de classe e denncia social por parte de realizadores que se situavam ao lado dos setores de esquerda. Essas intenes resvalam novamente na ideia do documentrio em sua funo didtica.

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