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I. O Que é Clown? Clown, tradução inglesa para o termo palhaço, entretanto as duas palavras se diferentes etimológicamente. A palavra palhaço deriva do italian do paglia que significa palha. Os cômicos circenses costumavam preencher suas roupas com palha. Com isso, além de deformar o corpo com aspectos de grandes nádegas, seios avantajados ou enormes barrigas, o revestimento de palha amortecia as quedas e dava proteção para as acrobacias. Para tanto, estes cômicos ficaram conhecidos como pagliaccio, exatamente pela presença da palha no seu vestuário e é deste termo que, posteriormente, resulta no termo palhaço. (RUIZ apud SACCHET 2009) O termo clown começou a ser utilizado na Inglaterra do século XVI. Originou-se de palavras que indicavam tipos camponeses, rústicos, pessoas que viviam nos campos, longe das capitais e cidades grandes. Eram pessoas de baixa escolaridade e cultura rústica, conhecidas por clod e colonus. Esses termos, que podem ser traduzidos tanto para bronco, estúpidos, grosseiros, como também para matuto, jeca ou caipira serviam tanto para se referenciar a esse grupo de pessoas quanto para ofender, com isso os termos passaram a compreender-se com peso pejorativo. (CASTRO apud SACCHET 2009) Foi traduzido para o português como palhaço, mas tanto o termo clown quanto o termo palhaço são usados atualmente no pais. Há uma cisão conceitual advinda de um

O Clown e a Gestalt-terapia - Uma Breve Apresentação e Análise Comparativa

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Page 1: O Clown e a Gestalt-terapia - Uma Breve Apresentação e Análise Comparativa

I. O Que é Clown?

Clown, tradução inglesa para o termo palhaço, entretanto as duas palavras se

diferentes etimológicamente. A palavra palhaço deriva do italian do paglia que

significa palha. Os cômicos circenses costumavam preencher suas roupas com palha.

Com isso, além de deformar o corpo com aspectos de grandes nádegas, seios

avantajados ou enormes barrigas, o revestimento de palha amortecia as quedas e dava

proteção para as acrobacias. Para tanto, estes cômicos ficaram conhecidos como

pagliaccio, exatamente pela presença da palha no seu vestuário e é deste termo que,

posteriormente, resulta no termo palhaço. (RUIZ apud SACCHET 2009)

O termo clown começou a ser utilizado na Inglaterra do século XVI. Originou-

se de palavras que indicavam tipos camponeses, rústicos, pessoas que viviam nos

campos, longe das capitais e cidades grandes. Eram pessoas de baixa escolaridade e

cultura rústica, conhecidas por clod e colonus. Esses termos, que podem ser traduzidos

tanto para bronco, estúpidos, grosseiros, como também para matuto, jeca ou caipira

serviam tanto para se referenciar a esse grupo de pessoas quanto para ofender, com

isso os termos passaram a compreender-se com peso pejorativo. (CASTRO apud

SACCHET 2009)

Foi traduzido para o português como palhaço, mas tanto o termo clown

quanto o termo palhaço são usados atualmente no pais. Há uma cisão conceitual

advinda de um distanciamento teórico entre diferentes escolas e tradições artísticas

presentes no Brasil e no mundo, e que dá ao termo clown uma enfase maior. Por um

lado o declínio e a desvalorização do circo tradicional, mambembe, de lona desvaloriza

o termo palhaço. Por outro a ascensão da tradição teatral aliada à produção de

pesquisa acadêmicas, que proporcionaram um aprofundamento teórico, fortaleceram

o termo clown. Com isso, os dois termos passaram a ser utilizados para discriminar as

duas práticas. Clown ficaria para designar a tradição mais teatral, acadêmica e palhaço

para designar o artista de circo e feira. (SACCHET, 2009) Esta pesquisa utilizará os

termos clown e palhaço de forma genérica, sem distingui-los entre si. Podem ser

utilizados livremente, mas sempre designarão o mesmo sentido.

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Na tradição circense, até meados do século XIX, o clown caracterizava-se por

satirizar e parodiar os números do próprio circo, com isso, todo artista cômico

responsável por estas sátiras passaram a ser conhecidos como clowns. No campo do

circo, designava-se ao clown a participação em pequenas cenas que exploravam o

caracter lúdico e tolo das experiências humanas. Desde então até a

contemporaneidade

“O jogo do clown se centra no paradoxo de não se levar muito a sério, o que

permite com que ele brinque com o que quer que seja. Desta maneira pode

tocar em tabus e explicitar aquilo que não pode ser dito senão a partir do

próprio fato colocado ao avesso.” (DORNELES, 2003, p.17).

Essas cenas começaram a ser executadas por duas figuras distintas, mas

essencialmente clownescas; O Clown Branco e o Augusto. O Branco personifica o

caráter apolíneo. Seus gestos são exatos e majestosos, educados e com trajes sempre

elegantes. Nomeado assim pelo seu tipo de maquiagem que cobria todo o rosto de um

branco intenso e ressaltava apenas as sobrancelhas e de vermelho intenso a boca e as

orelhas apenas. Essa figura recebe ordem própria e demonstra superioridade em

referência ao Augusto, mas ainda assim cômica. O tipo Augusto, por sua vez, revela o

dionisíaco. Suas características revelam as raízes do nome clown. Bronco, estúpido e

desajustado o Augusto se apresenta como a figura mais próxima do que se pensa

sobre palhaço no senso comum. O seu nariz vermelho remete a estupidez de cair de

cara no chão e do álcool ingerido, que avermelha o nariz e as bochechas. (BOLOGNESI,

2003).

O clown traz consigo uma liberdade cênica e existencial. Mesmo a dialogar

com as técnicas cênicas mais clássicas, onde o texto, marcações dos atores e demais

aspectos desta linguagem são bastante presentes, o clown não recebe este rigor na

execução de seus números e pode negar o virtuosismo das técnicas circenses. Ele

brinca com sua performance tal qual brinca com as questões humanas que aborda.

Cenicamente ele adquire a liberdade de improvisar sem avisar com antecedência aos

seus parceiros, subverte os sentidos originais das palavras e do próprio roteiro e

quebra com as construções predefinidas dos personagens. Espera do público que

apenas não o levem ele tão à sério. Mas enquanto ele demonstra fingir um quadro de

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sensações e sentimentos, ao mesmo tempo faz o público desconfiar que aqueles são

realmente os sentimentos que possui (DORNELES, 2003).

Observações genéricas e superficiais podem perceber o clown como um

personagem criado por um ator para ser utilizado num enredo cênico. Reconhece-se o

clown como estado de prontidão e brincadeira em que o sujeito se permite caricaturar

e expandir ele mesmo na sua fragilidade e no seu grotesco. Na busca deste estado se

faz necessário que o individuo entre em contato com o seus fracassos, com o que há

de mais vergonhoso em si e passe a se reconhecer como frágil ao romper com o

próprio narcisismo. Assim “inverte a lógica do fazer para o ser, pois o que ele mostra é

a si mesmo. Precisa ser e não representar. Precisa entrar em ‘estado-clown’, que é o

de ser simplesmente, sem o esforço que existe no ‘parecer’” (DORNELES, 2003, p. 52).

O clown não foi inventado por uma pessoa especifica, tão pouco um produto

exclusivamente ocidental. O arquétipo desta figura vai além da maquiagem já

conhecida, das roupas engraçadas e da voz excêntrica. Elementos que constituem a

base arquetípica do clown são encontrados tanto em figuras da civilização egípcia 2500

a.C. como em tripos Indígenas Norte Americanas. Os ancestrais da figura do clown

estão ligados sempre a indivíduos excêntricos e que permeiam a margem das

civilizações, ou seja, pessoas consideradas esquisitas por beberem demais, serem

loucas, deformadas ou que protagonizam cenas bizarras, elementos ligados à loucura e

aos xamãs que subvertiam a ordem litúrgica e social, mas muitas vezes ligados

também à cura, aconselhamento e vidências. As atitudes cômicas dos clowns

possibilitavam fenômenos terapêuticos. Quando o clown lida com questões de cunho

escatológico ou sexual, por exemplo. "Rindo de assuntos tabus, a comunidade

confronta a inibição de uma maneira aberta e substitutiva" (TOWSEN, apdu DORNELES,

2003. p.19).

Na Idade Média, festas de caráter cômicos eram produzidas e frequentadas

pelo próprio clero católico. O contexto profano e que subvertiam a hierarquia e a

seriedade da Igreja Católica não agradavam à instituição, mas era tolerado. Dentre os

vários tipos que participavam da festa, homens vestidos de mulher, outros com roupas

extravagantes e coloridas, outros a imitar animais, havia também os clowns. Estes

atuavam com gestos obscenos, atos grosseiros e escatológicos (DORNELES, 2003).

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Bakhtin (apud DORNELES, 2003) afirma que estas festas davam voz aos

pensamentos, eram a fala do povo. Enquanto a Igreja contemplava o plano espiritual,

eles contemplavam o profano e o grotesco, desmistificavam os jargões religiosos,

colocavam ao avesso a moral e os costumes vigente e mexiam com a estrutura

iconográfica da Igreja. Essa conduta de profanar o divino e colocar as estruturas

clericais faz do clownesco uma religião pelo avesso. Enquanto a Igreja trabalha com o

religare divino, o clown, com o riso, faz o caminho inverso e religa o homem à sua

humanidade. (DORNELES, 2003)

Alguns grupos de clowns passavam a ganhar um poder indireto, mas

oficializado. Quando a Igreja proibiu uma dessas festas, o Duque de Burgundy assinou

um decreto onde ordenava que a festa fosse mantida. Com isso um grupo chamado

Companhia de Fools se consolidou, com um papel excêntrico no social. Os membros

dessa companhia tomavam para si a tarefa de promover shows de humilhação, a

satirizar atos que feriam os bons costumes, como o roubo e espancamento de esposas.

Estas festas começaram a tomar proporções cada vez maiores, desdobrando-se no

carnaval e diversas outras festividades. (DORNELES, 2003)

Com a contra-reforma se baniu esse humor mais chulo e baixo, no entanto no

Carnaval ainda se permitia um humor comedido, um riso subversivo e menos explicito

que nas outras modalidades. O debate que discute até onde pode ir o humor já existe

desde 1558. Até o renascimento as piadas ofensivas eram mais aceitas. Os próprios

padres muitas vezes eram humorados e bufonescos. A ideia de pudor começou a ser

construída durante essa época, já que antes disso até carnificinas eram

proporcionadas para o lazer da corte, junto com bobos, malabaristas e mágicos. Com

uma ideologia que propunha um processo civilizatório, em 1520, os costumes

começam a mudar drasticamente. Proibiu-se o riso e piadas na hora das missas ou que

usasse como tema a religião e os sermões dados pelos padres. Na mesma época

começa o declínio do bobo da corte e aparecem os livros de costumes que delineavam

as atitudes de etiqueta. Estes livros desaconselhavam as gargalhadas e se não contidas,

que ao menos se escondessem os dentes com as mãos (DORNELES, 2003).

II. O Que é Gestalt-terapia?

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A Gestalt-terapia conhecida como uma teoria psicoterápica existencial-

fenomenológica, estabelecida por Frederick Perls e Laura Perls, na década de 1940,

utiliza-se do diálogo como instrumento de conscientizaçãodos dos consulentes com o

objetivo de torná-los conscientes do que fazem, como fazem, como podem

transformar-se e, concomitantemente, aprender a aceitar e valorizar a si mesmo.

(YIONTEF, 1998)

A abordagem gestáltica percebe o homem como ser relacional, provido de

singularidade e liberdade para realizar escolhas vividas, entretanto com angústia e

inquietação, já que não pode escolher todas as coisas e precisa renunciar a muitas

possibilidades. (CARDELLA, 2002)

Assim, tanto para a gestalt-terapia como para o existencialismo, o homem se

apresenta como intérprete mais fiel de si mesmo, centro de sua própria liberdade e

libertação, detentor do pode sobre si mesmo, ainda que, momentaneamente, tenha

perdido essa aptidão para autogovernar-se. O homem, ser em projeto, faz-se em

processo, capaz de fazer opções e escolher o que deseja ou pretende ser. Livre para

realizar suas escolhas e, portanto, responsável por suas ações (idem, p.35).

A gestalt-terapia aborda tanto os aspectos subjetivos percebidos no presente,

como os aspectos objetivos observados. Ela lança mão de awarness e/ou insight. O

insight se dá na compreensão clara da estrutura, situação e da formação de padrões

do campo perceptivo, de tal maneira que as realidades significativas ficam aparentes.

A awaraness, por sua vez, se dá na maneira como o individuo se torna consciente,

essencial para a investigação fenomenológica. Com isso, a Gestalt-terapia utiliza-se da

awaraness e da experimentação para alcançar insight. (YONTEF, 1998).

Nota-se, em toda obra de Perls, o cuidado em esclarecer as relações de

individuo e sociedade, e articular os níveis biológico e sociocultural (TELLEGEN, 1984).

Kurt Goldstein é apontado por Perls como o introdutor do conceito de organismo

como um todo e que não se pode separar o organismo do ambiente. “Assim, temos

sempre que considerar o segmento do mundo em que vivemos como parte de nós

mesmos. Aonde quer que vamos, levamos sempre uma espécie de mundo conosco”

(PERLS, 1977. p.21)

O campo é o todo, no qual as partes estão em relacionamento imediato e

reagem umas às outras, e nenhuma deixa de ser influenciada pelo que acontece em

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outro lugar do campo. A partir disto, iremos compreender como o individuo faz

contato e como este contato se relaciona nesse campo (YONTEF, 1998).

A palavra contato baliza o intercâmbio entre o individuo e o ambiente que o

circunda dentro de uma visão de totalidade, visto que o organismo e meio são um

todo indivisível. Com isso, o contato se caracteriza como dinâmico, ativo e dependerá

sempre do acordo entre as partes envolvidas (D’ACRI; et. Al. 2012).

O contato não pode aceitar a novidade de forma passiva ou meramente se

ajustar a ela, porque a novidade deve ser assimilada. Ele ocorre no limite denominado

fronteira de contato. A fronteira une e separa tornando-se mais ou menos permeável,

e, dessa forma, favorece, dificulta ou impede o contato (idem)

O contato mostra-se como o reconhecimento do outro, o lidar com o outro, o

diferente, o novo e o estranho. Numa situação de contato, estamos inevitavelmente

sujeitos à possibilidade da novidade e do imprevisto (LOFFREDO, 1994). As trocas

nutritivas entre o organismo e o ambiente contêm experiência que possibilitam o

desenvolvimento do organismo. O que for assimilado pela seletividade do contato,

será aceito como nutritivo na experiência vivida e única deste organismo, e assim, o

significado do nutritivo determina-se a partir do sentido peculiar de organismo, ou

seja, de cada individuo. A troca se faz no diferente, nas possibilidades de mudança, e o

inassimilável será descartado (D'ACRI; et al, 2007).

Esta forma de fazer contato se liga diretamente à identificação e alienação. “Eu

me identifico com meu movimento (...). O eu parece ser mais importante que o outro”

(PERLS, 1977, p.23). A alienação se refere ao estranho, ao inimigo desconhecido que

está além da fronteira.

O contato possibilita que a relação ocorra, e permite a união e a separação

entre as pessoas. O encontro acontece sempre em três direções; comigo, com o outro,

com o mundo. Essa dualidade entre união e separação permitem que o ser humano

possa identificar as diferenças de sua própria identidade com a do outro. O sujeito se

percebe na diferença e na troca se motiva a buscar a mudança (PONCIANO, 1997).

A função do olhar possibilita o contato consigo mesmo e promove o contato

evidencial, descrito como a habilidade do organismo de perceber acontecimentos ou

ações que não pertencem ao próprio ato de olhar. Ambas as formas se fazem

essenciais na existência do sujeito e o equilíbrio se torna crucial. Contudo, o contato

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visual nem sempre acontece e levará a experiências desprazerosas àqueles sujeitos

que se encontram em seu limiar. A fim de evitar a sobrecarga, o ser humano faz uso de

dois bloqueios na tentativa de impossibilitar o contato; a deflexão e o olhar fixo.

Ambas objetivam impedir o contato pleno com o outro, no entanto a deflexão consiste

em desviar o olhar do objeto de contato e o olhar fixo em olhar fixamente ao contrair

os músculos oculares que promove o contato morto (POLSTER; POLSTER, 2001).

A Gestalt-terapia baseia-se no conceito de existencialismo dialógico, ou seja, no

processo de contato e de afastamento Eu-tu. Um diálogo existencial acontece quando

dois indivíduos se encontram como pessoas, em que cada um é impactada por e

responde ao outro. Não se trata de monólogos sequenciais preparados. O diálogo na

Gestalt-terapia foi ampliado para incluir um encontro entre duas pessoas, mesmo sem

palavras, como, por exemplo, a usar gestos e sons não-verbais. Um pianista poderia

dialogar com uma orquestra. Dois dançarinos podem dialogar sem palavras (YONTEF,

1998).

A atitude dialógica, assim como a atitude clownesca, dirige-se a outra pessoa

de modo a não trata-la como um objeto a ser manipulado. O Gestalt terapeuta faz o

seu contato com uma atitude eu-tu, em vez de utilizar-se de uma postura

controladora, de condicionamento e manipulação, de exploração do consulente e

outras formas de eu-isto. Os terapeutas que vão ao encontro dos consulentes, com a

visão de que eles não são capazes de se auto-regularem não tratam o outro como uma

pessoa. O compromisso com o diálogo mostra-se no relacionamento baseado no que a

pessoa está a experienciar, e respeito ao que o outro experiencia.

Conforme a terapia gestáltica, a autorregulação se configura como a base para a confiança na

fonte da vida, e por meio dela nos dirigimos à realização como a melhor expressão de nós

mesmos. Uma forma de reconhecermos o que somos e confiar que, se deixar de lado o

controle, chegaremos a ser quem somos (D’ACRI; et. al., 2012, p.32).

Não se mostra necessário programar, incentivar ou inibir de maneira

deliberada. Deixam-se as coisas livres, elas regularão a si próprias de maneira

espontânea, e se elas forem perturbadas, tenderão a reequilibrar-se (PHG, 1997). A

auto-regulação dá-se no processo pelo qual o organismo interage com seu meio, ou

processo pelo qual o organismo satisfaz suas necessidades na busca de um equilíbrio

que se apresenta sempre dinâmico (CARDELLA, 2002).

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A vida caracteriza-se por um jogo permanente de estabilidade e desequilíbrio. A

satisfação de uma necessidade traz estabilidade ao individuo, enquanto o surgimento

de uma nova necessidade o desequilibra, gera tensão, e o motiva na busca de uma

nova satisfação (p.46). (Quem é o autor dessa belezinha?).

O ajustamento criativo se dá nesta auto-regulação, na abertura ao novo, no

contato vivo, referindo-se à formação de novas configurações pessoais, ou gestalten, a

partir da entrada de novos elementos através da experiência de contato. Ou seja, o

ajustamento criativo acontece como superação de antigas estruturas relacionais que já

não funcionam, através de um processo de re-estruturação com a integração do novo

(LOFREDO, 1994). Trata-se da auto-regulação do fluxo figura/fundo através do contato.

No livro, Gestalt-terapia os autores definem psicologia como o estudo dos ajustamentos

criativos. Seu tema é a transição sempre renovada entre a novidade e a rotina que resulta em

assimilação e crescimento. Correspondentemente, a psicologia anormal é o estudo da

interrupção, inibição ou outros acidentes no decorrer do ajustamento criativo. (PERLS;

HEFFERLINE; GOODMAN, 1951/1997, p. 45).

O ajustamento criativo se define como característica do processo de

maturidade, como relacionamento entre o individuo e seu meio no qual há

responsabilidade da pessoa em reconhecer e conduzir de modo bem-sucedido sua

própria vida. Além disso, o mesmo se torna capaz de criar condições vantajosas para

seu bem-estar. “No ajustamento saudável, a criatividade pode ser entendida como a

posse pelo individuo da aptidão de se orientar pelas novas exigências das

circunstâncias, possibilitando inclusive uma ação transformadora.” (D’ACRI; et. al.,

2012, p.21). O ajustamento criativo torna-se fundamental à autorregulação humana,

pois, os ajustamentos podem se cristalizar, assumir formas crônicas de relação em

determinado âmbito da vivência e adquirir formas alienadas das condições atuais.

Uma das características que definem um gestalt-terapeuta é a busca do estilo próprio. Nesse

sentido, se as características pessoais do terapeuta são enfatizadas como instrumento de

trabalho numa abordagem fenomenológico-existencial, esse instrumento deve tornar-se cada

vez mais afinado e único, para que ele possa colocar-se na relação terapeuta-cliente de forma

mais genuína (LOFFREDO, 1994, 93).

O terapeuta deve colocar-se, tanto quanto possível, na experiência do outro,

sem julgar, analisar ou interpretar, enquanto retém simultaneamente um sentido da

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própria presença, independente e autônoma. A prática desta inclusão fornece um

ambiente de segurança para o trabalho fenomenológico do paciente, e, pela

comunicação da compreensão da experiência do paciente, ajuda-o a tornar mais aguda

a sua auto-awareness. Com regularidade, critério e discriminação ele expressa suas

observações, preferências, sentimentos, experiência pessoal, pensamentos, como

parte do relacionamento terapêutico. (YONTEF, 1998) “O terapeuta também, como o

artista, age a partir de seus próprios sentimentos, usando seu próprio estado

psicológico como um instrumento da terapia” (POLSTER, 2001, p.35).

III. O Clown e a Gestal-terapia.

“Para o inferno então com a lógica analítica universitária!” Esta frase inicia a

introdução sobre a vida e obra de Frederic Perls por Ginger (1995, p. 44). Ela condensa não só

a biografia de Fritz, mas também o modo que a Gestalt-Terapia começou a ser elaborada como

terapia. Fritz pode ser facilmente visto como um grande bufão, o tipo de clown que não segue

as características de beleza, sutileza e fragilidade. Mas sim, se mostra na exacerbação do

grotesco, do feio e da agressividade. Uma energia clownesca que também serve para acessar o

humano. (KASPER, 2004)

Ele era, de fato, capaz de se mostrar egoísta, narcisista, orgulhoso e

avarento; impulsivo, colérico e paranoico; “polimorfo perverso” no plano

sexual (ele se auto definia assim), sedutor impenitente (embora fisicamente

pouco atraente), cabotino, exibicionista e voyer; tomou LSD e outras drogas

psicodélicas, fumava três maços de Camel por dia: foi mal filho, um marido

bem mesquinho e um pai indigno; no plano profissional, se reconhecia como

psicanalista medíocre e escritor confuso. (GINGER, 1995, p. 44)

Fritz não se esforçava para esconder nenhuma dessas características. Pelo contrário,

era na exposição dos próprios conflitos que se teceu a Gestalt-terapia. Fritz se utiliza desses

aspectos para potencializar sua teoria e tentar resolver, paradoxalmente, os mesmos conflitos.

E esse é um aspecto importante do clown. É nesses conflitos que novas descobertas teóricas e

existências ocorrem na sua vida (PERLS, 1979).

O clown é um cômico que se apresenta ao mundo “como a dilatação da ingenuidade e

da pureza inerente a cada pessoa [...] é lírico, inocente, ingênuo, angelical, frágil”. (FERRACINI,

2003, p.217) Alguém que “nunca interpreta, ele [o clown] simplesmente é. Ele não é uma

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personagem, ele é o próprio ator expondo seu ridículo, mostrando suas ingenuidades”. Mas

não só isso, este trabalho vê o clown como um estado. O trabalho do clown “busca apreender

a potência – enquanto poder de fazer-, o que se aciona como palhaço, como o clown.” .

(KASPER, 2004). E essa potência não se exprimi apenas na ingenuidade e delicadeza lírica, mas

também no grotesco. Palhaços como Chacovachi e Palhaço Azia trabalham com o grotesco e

com a agressividade. Também conhecidos como bufões, eles são uma outra faceta possível do

estado clown, onde a exacerbação vem do bufo, da agressividade (DORNELES, 2003).

É com essa postura que Fritz se coloca perante o mundo e perante seus clientes. Não

interpreta-se, e se há interpretação essa interpretação é anunciada, como ferramenta

terapêutica. (PERLS, 1979). Na palhaçaria, o nariz vermelho dá ao clown uma liberdade social.

Torna-se um signo que lhe dá licença para brincar com tabus. Quando uma pessoa comum

entrar em um elevador e dá de frente com um outro de bigodes enormes, a etiqueta impede

qualquer comentário. Mas se entra um palhaço e faça “Que dificuldade parar beber sopa, meu

camarada!” provavelmente irá receber um sorriso como resposta. É com essa licença que o

palhaço quebra tabus e acessa temas mais profundos. (MOURÃO, 2005)

Assim como a Gestalt-terapia quebra com o distanciamento terapêutico encontrado na

psicanalise, a palhaçaria quebra com a terceira parede do teatro.

Quarta parede é uma denominação baseada no formato quadrangular de um

palco italiano, que se compõe de três paredes visíveis (o fundo e as duas laterais) e

uma invisível (a quarta) que é a que separa o ator do público. Esta quarta parede

serve para delimitar o campo da atuação e separá-lo do campo do espectador, que

assiste o desenrolar da cena de modo distanciado desta. No clownesco há quebra

com esta quarta parede, já que o palhaço não concebe a separação entre o ser e o

atuar. O público não está separado do que o clown está fazendo, e fica incluído em

todos os momentos, já que é a referência do sucesso ou fracasso do jogo do clown.

(DORLNELES, 2003, p. 69)

Assim como o clown e sua plateia, o cliente e seu terapeuta são dois parceiros

envolvidos mutuamente, uma relação direta em busca de um mesmo alvo. Nos dois casos os

papeis são delimitados e diferentes, mas a relação é dual e autentica, tanto no clown quanto

na Gestalt-terapia. Não há nem primeiro nem segundo, não há clivagem ou discriminação

(GINGER, 1995).

O ator é protegido por esta parede imaginaria que o separa das dezenas ou centenas

de pessoas que o assistem na plateia. O clown não tem esta proteção, mas o que parece

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vulnerabilidade de início, se mostra como potência. O Gestalt-terapeuta também não está

isolado pelo silêncio ou pela erudição. Tampouco se aprisiona num posicionamento sempre

otimista de consideração incondicional por seu cliente. Assim também como o clown que não

está aprisionado a uma característica e uma postura cristalizada de delicadeza e meiguice

(ibdem).

O gestaltista estimula uma relação eu-tu com o cliente, se coloca presente como

pessoa. Mostra-se interessado pelo seu parceiro e, assim sendo, está centrado no cliente. Mas

ao mesmo tempo está atento ao que sente na relação, e não hesita em dividir o que sente com

o cliente uma parte do que sente. Com isso, o gestaltista também está centrado em si mesmo.

Nesta dualidade, a atenção do gestaltista está centrada na relação que se forma entre ele e o

cliente. (ibdem)

Mesmo em um espetáculo onde há um roteiro predeterminado, o clown não ignora

sua plateia. Diferente de um ator que está centrado na própria atuação, muitas vezes não

entrando em contato direto nem com a atuação do parceiro de cena, o clown está centrado

nas reações de sua plateia. Ao mesmo tempo ele se centra e conhece as próprias emoções e

não as ignora para seguir à risca o roteiro. O espetáculo do clown não ignora a plateia nem a

ele mesmo, é a relação com a plateia que dá a forma e o caminho. (ibdem)

“O clown é um manifestador de emoções, por isso, um dos estudos desta arte

é a análise minuciosa de como seu corpo (e note-se que isto é muito singular, já

que cada um manifesta de maneira diferente aquilo que sente) reage às afecções

externas. Burnier coloca que isto é aprender a “pensar com o corpo”. Contudo não

é só uma questão de “liberar as emoções”, o clown precisa “sentir” o que se passa

e perceber se está agradando ou incomodando a platéia. Esse vínculo direto com o

público pode aparecer porque sua atuação caracteriza-se pela quebra com a

‘quarta parede’.” (ibdem, p.69)

A leitura do corpo se mostra presenta também na Gestalt-terapia. Não de uma forma

interpretativa, mas de uma forma a analisar. Os movimentos do paciente são observados pelo

gestalt-terapeuta, não para interpretá-los, mas para reagir e trazer à tona esses movimentos.

Laura Perls, que teve uma formação artística e corporal com música e dança, aprofunda as

técnicas que utilizam o corpo. Ela vai além da simples atenção ao corpo e passa a quebrar o

tabu do toque. Deixando claro a importância e eficácia da atenção e do trabalho corporal

(GINGER, 1995).

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Não é uma simples análise ou interpretação do corpo. Mas uma relação com o corpo e

com o movimento. Faz parte de estar presente. Quando o Gestalt-terapeuta ou o clown estão

a exercer seu oficio, eles estão presentes não só fisicamente, mas existencialmente.

A presença se mostra como uma qualidade difícil de se descrever. Não se percebe

pela observação superficial do físico, mas sim pela sensação da energia vital do

indivíduo. A presença não se caracteriza pela demonstração corpórea de atenção.

Estar presente é estar disponível e imerso na situação imediata ao mesmo tempo

que se está aberto aos acontecimentos e as mudanças que eles podem

proporcionar. “Estar no jogo desencadeia uma disponibilidade sensorial, motora [e

afetiva] que libera um potencial de experimentação (RYNGAERT, 2009, 55p).

Essa presença finca o indivíduo no aqui e no agora. Não remete ao passado ou ao

futuro, mas coloca o ser no presente. Um exercício de viver o agora, onde as questões fora

deste tempo ou local não importam tanto. O nosso viver neurótico nos proporciona uma

existência quase que totalmente anacrônica ao presente. Qualquer ato relacional, seja na

relação com o gestalt-terapeuta ou com o clown, que volta à experiência ao presente é em si

um ato terapêutico (POLSTER; POLSTER, 2001).

Uma pessoa precisa aprender que não existe um contrato predeterminado na

interação presente, para sentir que ela pode, ou não, inquietar-se, contar histórias

obscenas, ver alguma coisa nos embaraços das outras pessoas, gritar, sentar-se

passivamente, criticar, acolher, desenvolver uma fantasia louca, zombar e todas as

outras possibilidades comportamentais da existência (ibdem, p. 29).

Esta disponibilidade em perceber e estar o outro também se faz na escuta.

“Aparentemente nada mais simples: escutar um parceiro consiste em se mostrar

atento a seu discurso ou a seus atos e, consequentemente, reagir a eles. Muitos

[...] simulam escutar, manifestam por algumas mímicas que são todo ouvidos ou

opinam ostensivamente com a cabeça. [...] A verdadeira escuta exige estar

totalmente receptivo ao outro” (RYNGAERT, 2009, 56p).

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