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O CONCEITO DE ENTRE-LUGARES E SUAS RESSONÂNCIAS PARA PENSAR O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DA DIFERENÇA. Camila Claíde Oliveira de Souza UFPA/PPGED 1 Orientadora: Gilcilene Dias da Costa [email protected] [email protected] FIANDO O TECIDO INVESTIGATIVO DA PESQUISA O propósito inicial do texto consiste em analisar o conceito de entre-lugares no campo dos Estudos Culturais em Educação em articulação com a Teorização Pós-Crítica de Currículo, de modo a pensar o currículo na perspectiva da diferença. A escolha do tema tem em vista perceber a trajetória que o assunto diferença vem traçando nos estudos de pós- críticos de currículo com suas múltiplas possibilidades de criar, recriar, imaginar ou até mesmo explorar o currículo na perspectiva da diferença. Os caminhos desta investigação serão construídos no campo teórico dos Estudos Culturais com autores como Stuart Hall (1999), Homi Bhabha (2013); Teorização Pós-crítica do currículo, com Tomaz Tadeu da Silva (1995; 1996; 2006; 2007); Veiga Neto(2003), Gilcilene Costa (2000, 2003, 2013), Backes e Pavan (2011), Marlucy Paraiso (2005), que tecem discussões relevantes sobre a diferença. A pesquisa se caracteriza com um estudo bibliográfico de caráter descritivo, interpretativo, a partir de estudos filosóficos da diferença no campo curricular para a educação, percorrendo seus caminhos e rastros por meio de leituras e compreensões, a fim de que haja uma apropriação das discussões de alguns autores sobre conceitos relevantes para o tema proposto para este estudo, favorecendo o entendimento do “entre-lugares” da diferença na teorização do campo curricular em educação, contribuindo para um maior aprofundamento do tema. 1 Mestranda 2014 da UFPA, bolsista CAPES; integrantee do grupo de pesquisa PHILIA. Orientanda da Profª. Drª. Gilcilene Dias da Costa -UFPA

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O CONCEITO DE ENTRE-LUGARES E SUAS RESSONÂNCIAS PARA PENSAR O

CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DA DIFERENÇA.

Camila Claíde Oliveira de Souza – UFPA/PPGED1

Orientadora: Gilcilene Dias da Costa

[email protected]

[email protected]

FIANDO O TECIDO INVESTIGATIVO DA PESQUISA

O propósito inicial do texto consiste em analisar o conceito de entre-lugares no campo

dos Estudos Culturais em Educação em articulação com a Teorização Pós-Crítica de

Currículo, de modo a pensar o currículo na perspectiva da diferença. A escolha do tema tem

em vista perceber a trajetória que o assunto diferença vem traçando nos estudos de pós-

críticos de currículo com suas múltiplas possibilidades de criar, recriar, imaginar ou até

mesmo explorar o currículo na perspectiva da diferença.

Os caminhos desta investigação serão construídos no campo teórico dos Estudos

Culturais com autores como Stuart Hall (1999), Homi Bhabha (2013); Teorização Pós-crítica

do currículo, com Tomaz Tadeu da Silva (1995; 1996; 2006; 2007); Veiga Neto(2003),

Gilcilene Costa (2000, 2003, 2013), Backes e Pavan (2011), Marlucy Paraiso (2005), que

tecem discussões relevantes sobre a diferença.

A pesquisa se caracteriza com um estudo bibliográfico de caráter descritivo,

interpretativo, a partir de estudos filosóficos da diferença no campo curricular para a

educação, percorrendo seus caminhos e rastros por meio de leituras e compreensões, a fim de

que haja uma apropriação das discussões de alguns autores sobre conceitos relevantes para o

tema proposto para este estudo, favorecendo o entendimento do “entre-lugares” da diferença

na teorização do campo curricular em educação, contribuindo para um maior aprofundamento

do tema.

1 Mestranda 2014 da UFPA, bolsista CAPES; integrantee do grupo de pesquisa PHILIA. Orientanda da Profª.

Drª. Gilcilene Dias da Costa -UFPA

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A preocupação central nesta pesquisa é com os entre-lugares da diferença no campo

curricular, na perspectiva de valorizar aspectos qualitativos do objeto de investigação. A

pesquisa será realizada por meio de um estudo bibliográfico com um conjunto de autores que

perpassam pelo campo das teorizações curriculares e os estudos culturais na perspectiva pós-

crítica. Com análise interpretativa das obras e dos conceitos que acercam o objeto da

pesquisa. E consistirá em uma abordagem de pesquisa do tipo qualitativa2, por compreender-

se que o tema a ser estudado relaciona-se com fenômenos altamente complexos, em especial

em programas de pós-graduação.

Sabendo da importância da pesquisa qualitativa optou-se por utilizar orientações

metodológicas de Ludke e André (1998), que buscam mostrar como a pesquisa qualitativa

pode ser um instrumento de contato direto com o objeto de estudo e seus sujeitos, o que

garante uma maior precisão quanto à fidelidade aos dados diretamente vivenciados.

Para Costa (2013, p. 1-2), “o procedimento da pesquisa consistirá em seguir as pistas

deixadas por autores que bebem nas teorizações pós-crítica, numa tentativa de ensaiar a

construção de tópicos de formulação de pesquisa por meio dos quais seja possível avistar as

próprias concepções da diferença, a elaboração de um problema de pesquisa, com o diálogo

com intercessores, a construção do método, as perspectivas de análise e estilos de escrita

inspiradores de um modo singular de pesquisar mediante a criação de problema”.

Perscrutar os entre-lugares da diferença nas trilhas dos Estudos Culturais nos levará a

descobrir um pouco mais sobre os processos de (in)visibilização da diferença no campo

curricular, considerando a importância do conceito de entre-lugares para pensar o currículo na

perspectiva do “descentramento, desconstrução, agressão do pensamento metafísico ocidental,

efetivados pelos Estudos Culturais” (SOUZA, 2007, p.2). Levando em consideração a

expressão utilizada por autores que bebem em fontes no campo cultural, ressalta-se que o

conceito de entre-lugares constitui um importante operador de “leitura, que se costumou

chamar de Estudos Culturais, dialogando com noções e conceitos pertinentes à sua formação

discursiva” (SOUZA, 2007, p.1).

2 A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu

principal instrumento. [...] supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que

está sendo investigada, via de regras através do trabalho intensivo de campo. (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.11).

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Sobre o termo, e dialogando com Souza (2007, p.2), pensamos com base em uma

visão teórica e historiográfica dos Estudos Culturais, não como área de conhecimento

fechada, hierarquizada e com princípios fixos, mas como um campo aberto às continuidades,

às descontinuidades, à concentração e à dispersão. Esse grande jogo interpretativo instiga a

mergulhar nesse campo de estudo vislumbrando uma melhor compreensão e ampliação

temática.

Foucault (2005, p. 42-43) propõe que:

Tal análise não tentaria isolar, para descrever sua estrutura interna, pequenas ilhas de

coerência; não se disporia a suspeitar e trazer à luz os conflitos latentes; mas

estudaria formas de repartição. Ou ainda, em lugar de reconstituir cadeias de

inferência, em lugar de estabelecer quadros de diferenças [...], descreveria sistemas

de dispersão.

Conforme Souza (2007, p.2), a dispersão ajuda a compreender a ideia de entre-lugares

não como fixidez, mas como possibilidade estratégica que permite a ativação de temas

incompatíveis, ou ainda a introdução de um mesmo tema em conjuntos, situações diferentes.

Souza (2007, p.5) sugere o que vem a ser esse termo entre-lugares tão americanizado, mas

que dá pistas para pensá-lo na contemporaneidade como:

Deslocar, descentrar, desconstruir poderia sugerir, respectivamente: tirar ou mudar

um lugar (ou de lugar), ser contrário a um determinado centro e a uma determinada

construção. O pensamento, entretanto, é mais sutil: dar visibilidade, reforçar as

idéias de lugar, centro e construção, para Foucault e Derrida é mais interessante do

que simplesmente negá-las, mesmo porque algo só pode ser contrariado ou atacado

se visto, e bem visto.

BREVE INCURSÃO NOS ENTRE-LUGARES DOS ESTUDOS CULTURAIS

Corroborando tal perspectiva, faz-se imprescindível o estudo do conceito de “entre-

lugares” uma vez que se mostra “teoricamente inovador e politicamente crucial e a

necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de

focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças

culturais” (BHABHA, 2013, p.20).

As diferenças culturais estão presentes remotamente nas sociedades humanas como

um componente constitutivo, mas como campo de discussão fecundo elas se estabelecem na

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contemporaneidade, de forma talvez mais acentuada nos Estudos Culturais que ao

interfacerem o tema da diferença aos saberes culturais, impulsionam a problematização do

conceito de entre-lugares, incidindo nos modos de problematizar/pensar o currículo na

perspectiva da diferença. O que leva a pensar, a partir de Bhabha (2013, p. 20), os entre-

lugares como um, “[...] terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou

coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e

contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade”.

Apoiado na perspectiva Pós-crítica do currículo, o texto enfatiza a reinvenção de um

currículo como uma das possibilidades de respostas à multiplicidade de quereres e questões

que fazem dos “entre-lugares” da diferença no currículo um campo de investigação. É preciso

pensar a noção de entre-lugares da diferença no texto curricular como um processo de

significação e ressignificação do próprio currículo, como ou abertura ao novo, ao

desconhecido.

Sobre essa (re)significação pós-moderna, Bhabha (2013) diz que a

[...] ampla condição pós-moderna reside na consciência de que os "limites"

epistemológicos daquelas ideias etnocêntricas são também as fronteiras

enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes -

mulheres, colonizados, grupos minoritários, as portadores de sexualidades

policiadas.

Os estudos referentes a esta pesquisa estão situados em uma perspectiva “pós” (pós-

estruturalista, pós-crítica), em que se pretende criá-los, recriá-los no campo da educação, em

articulação com o campo de investigação sobre pesquisa pós-críticas de currículo no Brasil e

fortalecimento dos estudos na região Norte.

Uma das formas de incursionar os entre-lugares da diferença no campo curricular

consiste em considerar que o estudo da diferença tem uma importância valiosa para a

educação e para a sociedade, sobretudo para a produção do conhecimento em uma abordagem

investigativa pós-crítica, relativamente recente na Pós-Graduação em Educação na região

Norte. Aprofundar essa temática instiga a ousar nesta abordagem em educação, como uma

“borboleta batendo asas” e voando pelo universo gigantesco do campo curricular.

Preocupada com os “entre-lugares” da diferença e suas ressonâncias no campo

curricular, essa escolha investigativa tem uma aproximação com a linha de pesquisa

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Educação: Currículo, Epistemologia e História. Mas inquietações que contribuíram para a

decisão desse tema e problema foram adquiridas por uma curiosidade científica que tomou

corpo no Trabalho de Conclusão de Curso, na disciplina de Teorias do Currículo, e pela

escassez da discussão da Diferença na graduação em Pedagogia na Universidade do Estado do

Pará- UEPA3.

Do encontro com a da Diferença na graduação, foi surgindo um envolvimento maior

com o estudo da perspectiva pós-crítica, que contribuiu consideravelmente com o perfil que

vem sendo criado em torno da formação acadêmica na pós-graduação, crescendo um desejo

de investigação dos entre-lugares da diferença no campo curricular permeado pelos Estudos

Culturais e Teorização Pós-Crítica em educação, temática construída em parceria com a

professora-orientadora do estudo. Em função desses desejos, e pela pouca discussão sentida

na academia a respeito do estudo “pós” (pós-moderno, pós-estruturalista, pós-crítica), o

presente texto visa um aprofundamento do conceito de entre-lugares da diferença no campo

curricular, e ultrapassa os interesses individuais dessa questão, uma vez que se soma aos

esforços de pesquisas pós-críticas em educação enquanto busca por outros olhares da

Diferença e o tensionamento dos saberes historicamente instituídos no campo curricular.

No processo de definição desse tema, fizemos um breve levantamento das

Dissertações de Mestrado defendidos no PPGED/ICED/UFPA no período de 2003 a 2013. A

escolha desse período levou em consideração a recomendação do Programa de Pós-graduação

do ICED/UFPA pela CAPES, que segundo Corrêa (2009), foi no ano de 2003. Neste interim,

foram encontrados 04 (quatro) dissertações defendidas no PPGED, que até a conclusão dessa

pesquisa pode aumentar com o número de dissertações defendidas.

A escolha dessas leituras se deu pela temática metodológica das dissertações que

indicam como título o estudo da diferença, provocando inquietações e questionamentos nesta

pesquisa. Com a leitura das introduções das dissertações, foi possível notar que a temática da

diferença, mesmo estando explícita no título, não adentra nos estudos dos entre-lugares da

diferença no currículo.

Nesse sentido, é indicada uma sensibilidade indispensável ao pesquisador para

conhecer novas interlocuções e caminhar com uma nova força, formular outras perguntas,

3 No TCC defendido em 2009 nessa Universidade descreve uma pesquisa que aanalisou a discussão dos

conceitos de Identidade e Diferença no Curso de Pedagogia da UEPA.

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novas respostas, aventurar-se a novas relações para perceber que perspectivas estão sendo

perpetuadas de forma heterogênea sobre esse novo pensar, enfim que os argumentos tecidos

no texto não sejam propriamente para definir conceitos da diferença. Ou seja, o objetivo é

analisar o conceito de entre-lugares, desenvolvido por autores dos chamados Estudos

Culturais em articulação às Teorizações Pós-críticas de currículo, e suas ressonâncias para

problematizar/pensar o currículo na perspectiva da diferença.

Segundo Costa (2013, p.8), no campo da pesquisa em educação, “o pensamento da

diferença nos chega pelas vias dos estudos do currículo e nos interpõem difíceis desafios:

imprimir um duplo exercício ao pensar da crítica mediante as ‘imagens dogmáticas do

pensamento’ que imobilizam o acontecimento e a singularidade dos fenômenos”.

As questões que ora nos instigam são: O que se entende por entre-lugares da diferença

no campo curricular? Que entre-lugares a diferença ocupa nos jogos de poder-saber que

configuram seu processo de (in)visibilização no campo curricular? Por meio de quais

desdobramentos ou ressonâncias é possível pensar um currículo na perspectiva da diferença?

A possibilidade de descortinar a temática da Diferença na forma como nos propomos

nesse estudo, constitui uma oportunidade de ressignificar conceitos e saberes, chamando a

atenção para um assunto que se interpõe a nós no cotidiano social e escolar com a maior

relevância, mas devido a diversos fatores históricos e discursivos restou selado com o lacre da

invisibilidade e da insignificância face ao predomínio do conceito de Identidade.

Tatear as trilhas dos entre-lugares da diferença no currículo no campo dos Estudos

Culturais, de forma ampla é importante para a pesquisa visto que proporciona um momento de

problematização no contexto da pós-modernidade, possibilitando novas compreensões,

pautadas na perspectiva pós-crítica. Segundo Silva (2005), “as teorizações pós-críticas se

caracterizam como um conjunto das perspectivas teóricas, que mantêm o impulso teórico das

teorias críticas, no entanto, realizam uma releitura e questionam alguns de seus pressupostos,

tais como: ideologia, poder, emancipação e libertação, destacando-se a aversão à noção

realista e essencialista de verdade, baseada nas ideias de Foucault (2000), quando afirma que

não existe uma verdade única, mas sim, regimes de verdade”.

Na contramão dos pressupostos críticos, Silva (1996) ressalta que não obstante as

críticas e as tensões que perpassam as diversas abordagens, estas conduzem facilmente a

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propostas educacionais alternativas que postulam um currículo centrado nas variadas

tradições culturais dos estudantes ou uma pedagogia que leve a sério a cultura cotidiana.

(SILVA, 1996, p.140).

Levando isso em consideração, essa pesquisa pretende analisar o conceito de entre-

lugares no campo dos Estudos Culturais, estabelecendo conexões com a perspectiva de um

currículo pós-crítico; e discutir possíveis desdobramentos ou ressonâncias do conceito de

entre-lugares para pensar/problematizar o currículo na perspectiva da diferença.

O conceito de entre-lugares (e não propriamente “lugares”) configura aqui um

elemento intersticial onde se movimentam as diferenças (de raça, etnia, sexualidade. Gênero,

para exemplificar algumas) no campo curricular, em meio aos jogos de poder-saber e seus

movimentos de negação e afirmação, (in)visibilidade e silenciamentos.

Nesse sentido, é indicado como indispensável que se tenha uma sensibilidade e

consciência que o estudo da diferença tem no currículo pós-crítico, sobretudo as bases

metodológicas pós-críticas como o traçado investigativo desenhado nessa pesquisa. Para

Dagmar Meyer e Marlucy Paraíso (2014), nas pesquisas pós-críticas o termo metodologia é

tomado de modo bem mais livre que do que o sentido pós-moderno atribuído ao “método”.

A metodologia é entendida como um certo modo de perguntar, de interrogar, de

formular questões e de construir problemas de pesquisa que são articulados a um conjunto de

procedimentos de coleta de informações que, em congruência com a própria teorização,

preferencialmente se chama de ‘produção’ de informações e de estratégias de descrição e

análise. [...] Compreende-se o método como uma certa forma de interrogação e um conjunto

de estratégias analíticas de descrição. No dizer de Veiga Neto (2003, p. 20), em “Foucault e a

Educação”, o método nas pesquisas pós-críticas está bem mais próximo ao sentido que lhe

dava a escolástica medieval: algo como um conjunto de procedimentos de investigação e

análise quase prazerosas, sem maior preocupação com regras”. (MEYER e PARAÍSO, 2014,

p.16).

O estudo da diferença, por se tratar de um campo de estudo bastante diversificado em

seus matizes teóricos-metodológicos, toma por base alguns exemplos ao estilo dessas

teorizações curriculares, na discussão da diferença, reiterando a ideia de que “o texto não visa

apontar soluções ou caminhos teórico-metodológicos que orientam as práticas de pesquisa em

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educação, e sim realçar a ideia de que a forma de expressão desse estilo arrasta o seu

conteúdo, criando condições de possibilidades do novo campo da pesquisa”. (COSTA, 2013,

p. 1-2).

Com lentes emprestadas de Silva (1996), os argumentos favoráveis à diferença no

campo crítico esclarecem que o conceito de diferença visto por outro ângulo, implica a

rejeição de categorizações, de oposições binárias, como libertação/repressão, que supõe a

auto-identidade do sujeito, implica a recusa de um processo educacional voltado a deixar

florescer essa essência (da “mesmidade”) ou desenvolvê-la.

Os argumentos aqui situados na perspectiva da diferença destacam que, “no

pensamento da diferença, a identidade é retomada pelo viés crítico do tratamento da

diferença” (COSTA, 2002). A autora ressalta que em diversos estudos críticos a diferença

existe em relação ao conceito de identidade como “falta”, “carência”, no entanto, na

perspectiva pós-crítica a diferença não é vista nem como “falta” ou “carência”, nem como

“totalidade” que serve para nomear pessoas, grupos, culturas de forma homogênea e unitária.

Para os novos olhares do pensamento da diferença no campo das teorizações curriculares pós-

críticas, a diferença tem relações com a identidade porque,

embora tendamos sempre a classificar como “diferente” aquilo que é exterior a nós,

nossa própria constituição também é composta pelo outro que, ao mesmo tempo, é

interno e externo a nós. No entanto, esse [nosso] outro muitas vezes nos causa

estranheza e perplexidade diante da ‘norma’, e, então fazemos questão de ocultá-lo,

reprimi-lo sob o risco de vivermos “marcados” pela sombra da “diferença”.

(COSTA, 2002, p. 42).

O estudo da Diferença para Costa (2002, p. 44) demonstra que “atualmente as

discussões e polêmicas em torno da diferença estão muito mais evidenciadas em diversos

campos de estudo e acredita-se que uma das coisas a fazer é ousar esbarrar nos limites e

fronteiras desse terreno, movidos pelo sonho de inventar e produzir outras escritas” abertas à

perspectiva de pensar “uma política e uma poética da diferença” que ultrapasse os cânones do

conhecimento e as fronteiras da benevolência social por meio da “subversão de certas práticas

historicamente naturalizadas no cotidiano de nossas atividades sociais, educativas, culturais,

profissionais”.

Diante disto, consideramos que o currículo é marcado pelas diversidades e diferenças,

pois a diferença está presente em todos os aspectos da vida acima relacionados, uma vez que é

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parte constitutiva da cultura. Para aprofundar essa discussão, adentraremos na abordagem da

Diferença no campo de investigação dos Estudos Culturais em articulação com a Teorização

Pós-crítica de currículo.

A NOÇÃO DE DIFERENÇA NOS ESTUDOS “PÓS” EM EDUCAÇÃO

Os debates tecidos sobre a problemática da Diferença de forma autônoma vêm

ganhando uma maior proporção em fóruns, seminários, grupos de pesquisa e apontam que não

se trata de uma questão simples. Em verdade, a perspectiva pós-crítica em educação, recebe

influências da chamada “virada linguística, e ou ontológica”, da “filosofia da diferença” que

desde algum período obteve espaço em debates e pesquisas, em especial na pós-graduação

stricto sensu, com a influência do pós-modernismo, do pós-estruturalismo, da teoria Queer,

em especial nesta pesquisa, dos Estudos Culturais.

O estudo da diferença fortalece um limiar na pesquisa através do conhecimento e da

linguagem que são vistos como representações e reflexos da realidade e se fundamentam num

modelo racionalista e humanista do sujeito e da consciência. Silva (1996) chama de

movimento pós-modernista a denominada “virada linguística”, a qual coloca em xeque essa

concepção que constitui o núcleo mesmo de nossas noções de educação e currículo. Por outro

lado, a “virada linguística” descentra o sujeito soberano, autônomo, racional, unitário, sobre

o qual se baseia nossa compreensão convencional do conhecimento e da linguagem, e

naturalmente da educação e do currículo.

Com isso, os caminhos dessa pesquisa são construídos primeiro com relação ao

campo curricular, pois essa relação que aproxima poder e significação é bastante estreita. Para

Silva (2006, p.24), o poder é interno às práticas de significação constitutivas do currículo. Sua

presença é tão forte que dela não podemos nos livrar, não é possível separar as relações de

poder das práticas de significação.

O currículo é território. […] é uma relação de poder. […] é trajetória, percurso. O

currículo é autobiográfico, a nossa vida, o currículo vitae: no currículo forja-se a

nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. […] é documento de

identidade. (SILVA, 1999, p.155).

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Dessa maneira, as relações de poder estão diretamente ligadas às questões culturais. Para

Foucault (apud SILVA, 2000, p. 91), “o poder é concebido como descentralizado, horizontal e

difuso”, no qual o ser humano tem poder de escolher e de firmar sua identidade. A cultura tem

poder de penetrar, ou seja, a “centralidade cultural” indica a forma como a cultura penetra em cada

recanto da vida social contemporânea nos ambientes escolares.

A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos

sociais, situados em posição diferenciada de poder, lutam pela imposição de seus

significados à sociedade, mais ampla. A cultura é, nessa concepção, um campo

contestado de significação. O que está centralmente envolvido nesse jogo é a

definição da identidade cultural e social dos diferentes grupos. (SILVA, 1999,

p.134).

Constituído culturalmente o tempo e envolve contradições que abrangem os

elementos culturais, dos quais o sujeito se aproxima e que contribuirão para a construção da

sua própria identidade, incluem as formas pelas quais cada indivíduo é representado por

outros indivíduos, apagando fronteiras, transgredido proibições e tabus identitários. Isso

implica em uma visão do próprio sujeito e dos outros sujeitos sobre ele, visões essas que têm

consequência sobre a constituição da identidade desse sujeito. De outro modo, isso implica

levar em consideração os fatores de como o “eu” se vê e como os outros4 o veem na

constituição da identidade e que de alguma forma interfere no processo de aprendizagem e

vida sociocultural.

Para Hall (2000), todo o mundo é identificado culturalmente, portanto as identidades

sociais devem ser pensadas como algo construído no interior de representações, através da

cultura, não fora delas. O autor comenta as dificuldades em manter a tradicional distinção

entre (interior / exterior), entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém. Se a cultura

está em todas as partes, onde começa e termina? Certamente não seria onde ela começa e

termina, mas sua presença estaria na construção do currículo, sobretudo no que diz respeito ao

estudo e análise dos elementos culturais problemáticos que adentram o campo curricular.

Num mundo social e cultural cada vez mais complexo, no qual a característica mais

saliente é a incerteza e a instabilidade; num mundo atravessado pelo conflito e pelo

confronto; num mundo em que as questões da diferença e da identidade se tornam tão

centrais, é de se esperar que a ideia central dos estudos culturais possa encontrar um

espaço importante no campo das perspectivas sobre currículo. (SILVA, 1999, p.137).

4 O outro não é alguém ser julgado, mas alguém que deve ser confrontado no mesmo nível de ‘validade’.

(SILVA, 2000, p. 150).

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Nas interpretações de Moreira e Silva (1995), o currículo não é puro, implica

intencionalidades e abarca relações de poder que se efetivam no âmbito educacional. Esse

caráter intencional faz do currículo uma ação que não se limita apenas à organização do

conhecimento escolar, mas a imprimir no conhecimento a função de produtor de identidades

individuais e sociais no interior das instituições educacionais. Assim, o currículo está

relacionado tanto ao conhecimento, como também constitui uma forma institucionalizada de

transmissão cultural.

O campo curricular possui uma multiplicidade de aspectos o que implica uma

diversidade de diferentes questões. Tratar desse olhar da diferença é fundamental para uma

compreensão profunda no campo educacional e proporciona um grande avanço quando se

trata da diferença no campo das teorizações curriculares.

A diferença não tinha um aspecto central nas teorias tradicionais e nas teorias

críticas no campo do currículo, então, esta pesquisa almeja analisar o conceito de entre-

lugares no campo dos Estudos Culturais a partir de suas ressonâncias para pensar o

currículo na perspectiva da diferença.

De início, a pesquisa aborda pelo menos duas formas de pensar essa questão na pós-

modernidade. A que entende que a discussão sobre a diferença não pode ser apartada da

discussão sobre a identidade, pois há uma espécie de interdependência entre os conceitos de

diferença e de identidade; e a que compreende que a diferença independe da identidade para

afirmar seus modos de ser.

Dada a existência de concepções divergentes que percorrem os matizes teóricos da

diferença, o texto recorre a Backes e Pavan (2011), posto que existe o que eles chamam de

“epistemologia da DIFERENÇA/identidade” e “epistemologia da diferença pura”. Essas

epistemologias consistem em duas formas diversas de conceber a diferença e suas relações

com o currículo.

A primeira versão compreende que as identidades e as diferenças são

interdependentes, mas não no sentido da verticalidade, e sim de maneira “híbrida,

contingencial”, afinal, Backes e Pavan (2011, p.468) afirmam a diferença propositalmente,

como “um recurso utilizado para enfatizarmos que o que está em jogo é a diferença, e não

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mais a identidade, mas que, assim como um conjunto de autores [...] não conseguimos

compreender a diferença sem remetê-la à identidade”.

A segunda refere-se à forma de pensar a diferença, a qual parece compreender ser

desnecessário ligar a discussão da diferença a da identidade. Com base em Backes e Pavan

(2011) é possível observar que “a diferença pura-deleuzianamente” não se fundamenta em

processos de comparação. Então, pensar o currículo nesses termos implica deixar de lado uma

preocupação com a questão da identidade, e pensar apenas no “devir e na pluralidade”.

PARA CONTINUAR FIANDO O PESQUISAR...

Esta pesquisa busca esboçar os estudos em construção no trabalho dissertativo do

Curso de Mestrado em Educação (PPGED/ICED/UFPA), visando descortinar os entre-

lugares e suas ressonâncias para pensar o currículo na perspectiva da diferença, aproximando

dos Estudos Culturais e das Teorizações Pós-críticas de currículo em educação, apresentando

uma análise preliminar da diferença nesse campo intersticial de construção e reconstrução de

saberes.

Se as discussões propostas nesse texto se firmarem relevantes ou importantes na sua

proposta de construção, talvez de alguma forma seja possível contribuir para um novo olhar

sobre a diferença no currículo, de forma a renascer sua prática, desafiando as teorizações

curriculares historicamente hegemônicas. Por ora, cabe então, tecer algumas pistas sobre essa

pesquisa em torno da qual circulam temas como entre-lugares, identidade, diferença e suas

ressonâncias no campo curricular.

O estudo da diferença e suas ressonâncias no currículo ganham destaque neste trabalho

por despertar um desejo em descobrir e redescobrir o mundo, conhecendo esse campo de

estudo de forma prazerosa e dinâmica por meio da criação, do uso do discurso, linguagens

impulsionadoras, uma forma de aprendizagem que respeita as diferenças dos sujeitos e que

perpassa pelo campo das teorizações pós-críticas em educação.

REFERÊNCIAS

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Pesquisa em Educação. Porto Alegre, 1998.

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