O CONSTITUCIONALISMO APÓS O NEW DEAL

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CASS SUNSTEIN

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    O CONSTITUCIONALISMO APS O NEW DEAL

    CASS R. SUNSTEIN [N A]

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    I. Introduo

    Estamos em meio a um perodo de considervel insatisfao com o desempenho do governo federal. O aumento dos poderes presidenciais que se seguiu ao New Deal e a criao de uma enorme burocracia concentrada no ramo Executivo aumentaram o poder das faces (factional power) e a representao de interesses particularistas (self-interested representation), levando freqentemente a uma regulao que falha em servir aos interesses do pblico em geral. De forma significativa, o governo federal termina ou regulando demais ou regulando de menos. A falha das instituies na sua tarefa de interveno ou de controle no o resultado somente de decises equivocadas de importantes agentes pblicos ou do triunfo de uma determinada agenda poltica. Grande parte do fracasso da regulao pblica na ltima metade de sculo reflete a inadequao de importantes aspectos da concepo constitucional consagrada pelo New Deal. A reforma das instituies, portanto, constitui parte substancial da agenda do direito pblico moderno.

    A. O Constitucionalismo do New Deal O sistema regulatrio estabelecido durante o New Deal [ n1 ] falhou em cumprir sua promessa original. Naquela poca, os reformadores acreditavam que os agentes pblicos funcionariam como agentes transformadores independentes, com iniciativa prpria, politicamente neutros e com grande conhecimento tcnico. Essa idia bsica uniu a crena constitucional original na necessidade de um governo nacional enrgico [ n 2 ] ao desejo, associado ao movimento progressista, [ n 3] de isolar os agentes pblicos de presses particularistas, a servio do interesse pblico de longo prazo. O conceito de administrao autnoma, atualmente sob intenso ataque, era originalmente fonte de grande otimismo a respeito da reforma possvel do sistema de freios e contrapesos. Os New Dealers acreditavam que mudanas institucionais eram necessrias para permitir que o governo federal enfrentasse os mltiplos problemas econmicos e sociais que surgiram no rastro da depresso. O programa institucional do New Deal era um elemento de uma crtica tripartite ao arcabouo constitucional tradicional. A primeira crtica, de carter substantivo, era o ponto culminante de um longo perodo de reviso daquele arcabouo e do sistema do common law. Para os reformistas do New Deal, o common law no era nem natural nem pr-poltico. Pelo contrrio, ele incorporava uma teoria social determinada, que atendia a certos interesses s custas de outros. [n 4] Particularmente, os New Dealers viam o common law como um mecanismo de insulamento da distribuio existente de riqueza e de benefcios legais em relao ao controle coletivo. O catlogo de direitos do common law inclua, ao mesmo tempo, muito e muito pouco uma excessiva proteo do interesse estabelecido dos proprietrios e uma proteo insuficiente dos interesses dos pobres, idosos e desempregados. Por causa disto, os reformadores da poca do New Deal reivindicaram mudanas substanciais que promovessem a redistribuio de recursos e o reconhecimento de novos interesses enquanto N.T.: Ao longo do texto, o autor utiliza os termos right e entitlement. Right foi traduzido como direito (= direito subjetivo), e entitlement, como benefcio legal, utilizado, aqui, no sentido de pretenso jurdica a um benefcio reconhecido pelo Estado.

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    benefcios legais [n 5]. De forma ainda mais dramtica, o presidente Franklin Roosevelt chegou a falar numa segunda Carta de Direitos, disposio de todos, independentemente de posio, raa ou credo, que incluiria: O direito a um emprego remunerado nas fbricas, lojas, fazendas ou minas da nao; O direito de ganhar o suficiente para satisfazer de forma adequada suas necessidades relacionadas a alimentao, vesturio e lazer; O direito de todo agricultor de produzir e vender suas mercadorias para obter um retorno que dar a ele e sua famlia uma vida digna; O direito de todo empresrio, grande ou pequeno, de atuar em um ambiente livre da concorrncia desleal e da dominao por monoplios, tanto nacionais quanto estrangeiros; O direito de toda famlia a uma moradia digna; O direito sade e assistncia mdica adequada; O direito a adequada proteo dos idosos frente s dificuldades econmicas, doenas, acidentes e desemprego; O direito a uma boa educao. [N 6] O Segundo elemento da crtica ao New Deal centrava-se no sistema institucional baseado na tripartio dos poderes e no mecanismo de freios e contrapesos. Os reformadores acreditavam que a estrutura constitucional original, como o common law, estava intimamente associada proteo da distribuio vigente de riqueza e benefcios legais. Na viso deles, o sistema de separao de funes impedia o governo de reagir de forma rpida e flexvel para estabilizar a economia e proteger os menos favorecidos contra as flutuaes do mercado desregulado. [N 7] Alm disso, os reformadores acreditavam que a distribuio de poderes entre os trs ramos do governo criava disputas polticas que retiravam dos funcionrios do ramo Executivo a capacidade de desenvolver polticas pblicas livres de presses partidrias. Embora os ataques mais radicais tripartio dos poderes tenham falhado, alguns dos impulsos por trs desses ataques prepararam o caminho para reforar a autoridade presidencial e para o crescimento da Administrao reguladora. [N 8] As recm-criadas agncias, em larga medida uma criatura do New Deal, [N 9] reuniam em si as funes estatais tradicionalmente separadas e permaneciam livres do controle direto do Congresso, da Justia federal e s vezes at mesmo do Presidente. [N 10] A crtica institucional do perodo, apontando para a necessidade de entidades livres dos entraves da separao dos poderes, naturalmente acompanhava o contedo programtico do New Deal. O terceiro elemento da crtica trazida pelo New Deal, tambm institucional, produziu uma enorme mudana na relao entre o governo federal e os Estados. A interdependncia econmica, revelao central da Depresso, tornou cada vez mais difcil para os reformadores acreditar que os Estados poderiam resolver seus problemas econmicos e sociais por conta prpria. A concorrncia entre os Estados s vezes produzia paralisia; muitos problemas exigiam um remdio uniforme de mbito nacional. Os Estados freqentemente pareciam arenas para o paroquialismo e para o conflito de faces. [N 12] Mais que isso, o tamanho do governo dos Estados e o domnio de grupos privados bem organizados nos Estados tornaram difcil continuar alimentando a velha crena de que a auto-determinao local poderia ser

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    verdadeiramente atingida pela autonomia do Estado. Nestas circunstncias, a demanda por um aumento do exerccio do poder regulador federal parecia bastante natural. No perodo do New Deal, o quadro constitucional original foi portanto reformulado de trs diferentes formas. O New Deal deu incio a uma concepo distinta de direitos subjetivos, rejeitando as premissas do status quo e do common law para decidir o que era ao ou inrciagovernamental; props uma concepo dramaticamente distinta do papel do presidente da repblica e um conjunto indito de atores administrativos; e rejeitou as noes tradicionais de federalismo. A expresso constitucionalismo do New Deal descreve a estrutura resultante desse processo. B. Controvrsias atuais Embora os reformadores dos anos trinta tenham tido amplo sucesso na transformao dos benefcios legais e das formas institucionais, o direito pblico americano no assimilou totalmente o constitucionalismo do New Deal, e muitas controvrsias atuais refletem a ambivalncia de seu legado. Parte do direito pblico moderno, por exemplo, construdo a partir do common law e do status quo. Por exemplo, o direito a uma audincia, [N 13] o direito a um tribunal nos termos do art. III da Constituio, [N 14] e o direito de recorrer ao Judicirio para contestar o ato de uma agncia [N 15] so fortemente influenciados por categorias do common law; a existncia de um direito protegido no common law altamente relevante nas trs areas. Uma das maiores ironias do direito administrativo moderno uma area cujas origens residem num repdio substancial ao common law sua contnua filiao s categorias do common law. As questes institucionais encontram-se num semelhante processo de contnua mudana. Ao longo das ltimas trs dcadas, a Administrao autnoma vem sofrendo presses de toda ordem. Em vrias leis editadas desde 1960, o Congresso limitou a discricionariedade administrativa mediante um maior detalhamento de prazos, procedimentos e instrues sobre implementao. Nos anos sessenta e setenta, o Judicirio assumiu uma postura crescentemente agressiva no controle dos atos administrativos. Desde 1970, o Presidente tem tentado aumentar o seu controle. Ressurgiu igualmente a dvida sobre o status constitucional das agncias no que se refere sua independncia em relao ao controle presidencial. Em todos esses campos, o tradicional sistema de freios e contrapesos foi revigorado num esforo para monitorar o processo administrativo e resgatar a responsabilizao poltica. As falhas atuais das agncias reguladoras minaram portanto a lio institucional do New Deal durante um perodo em que o ceticismo do New Deal a respeito do governo limitado permanece em sua maior parte intacto, pelo menos no contexto da regulao social. [N 16] Os recentes esforos para impor o controle do Executivo e do Judicirio sobre o processo regulatrio foram especialmente controversos. luz da tenso ideolgica entre o Presidente e o Judicirio durante a administrao Reagan, talvez no devesse causar surpresa que aqueles favorveis a um papel ativo do Judicirio tendam a se opor ao exerccio da autoridade presidencial [N 17] e que aqueles que vem com bons olhos a autoridade presidencial sejam

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    cticos em relao ao papel de superviso da Justia Federal. [N 18] Entretanto, a divergncia entre os defensores do controle presidencial e aqueles que preferem o controle judicial reforada no somente pelas distintas vises sobre o quo desejvel a regulao econmica e social, mas tambm pelo desacordo sobre qual deve ser o papel da poltica, do direito e da especializao tcnica no processo regulatrio. [N 19] Os defensores de um papel judicial forte geralmente abraam uma concepo tecnocrtica de regulao tambm associada ao New Deal para a qual a anlise no direito e dos fatos conduz a uma nica soluo correta para cada caso, ou pelo menos a um rol muito restrito de solues aceitveis. [N 20] Numa curiosa inverso da concepo do New Deal segundo a qual a racionalidade tecnocrtica afasta o controle judicial, alguns observadores sustentam que os juzes deveriam exercer um papel importante na regulao para garantir a legalidade e afastar os interesses das faces e que o papel do Presidente secundrio. [N 21] Os defensores do controle presidencial so profundamente cticos em relao a essa cocluso. Para eles, as questes regulatrias so acima de tudo polticas. Aqui, como em qualquer outro contexto, o sentido exato do termo poltico no sempre claro, mas a idia central que a regulao envolve questes de valores, e no de fatos, e que os valores importantes deveriam ser implementados por aqueles que so responsabilizveis perante os cidados. Alm disso, argumenta-se que o controle presidencial promove a racionalidade tecnocrtica. [N 22] Conclui-se, assim, que o Presidente deveria exercer um papel crtico na regulao, e que os juzes deveriam ter uma atuao modesta. As controvrsias sobre o estabelecimento de instrues claras pelo Congresso para as agncias freqentemente acendem disputas similares sobre a relao entre as caractersticas poltica e tecnocrtica da regulao. Defensores da especificidade do Congresso apontam o risco de falha regulatria e as vantagens do processo legislativo em termos de visibilidade e responsabilizao. [N 23] Os crticos sustentam que o prprio Congresso sitiado pelas faces [N24] e que um certo grau de autonomia da agncia necessrio para garantir flexibilidade e especializao na matria tratada. Em todas essas reas, o debate sobre o processo regulatrio trouxe de volta para seu centro a natureza da tripartio dos poderes numa era de regulao positiva. Finalmente, esforos tm sido feitos em busca do atingimento de alguns dos objetivos associados estrutura federal original. Propostas para o aumento da autonomia dos Estados, promoo da auto-determinao local, e busca da democracia econmica resgatam as razes da Constituio em pricpios do republicanismo cvico. [N25] Pelo menos para alguns, os objetivos de tais propostas consistem em encontrar um domnio para a participao ativa do cidado na tomada de decises fundamentais da vida social, promover a flexibilidade e a diversidade, e garantir que resultados polticos resultem da virtude cvica e da deliberao, e no das barganhas e dos interesses particularistas. O principal objetivo deste artigo descrever a relao entre a estrutura constitucional original e a reforma do New Deal e destacar algumas das lies da ltima metade do sculo para os dilemas do direito pblico moderno. O artigo sugere que a crtica substantiva do New Deal estava amplamente correta; e mais, que em alguns aspectos ela no foi longe o bastante.

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    [N26] Uma importante tarefa para o futuro portanto criar um novo conjunto de benefcios legais que acompanhem o desenvolvimento do direito pblico. Por outro lado, o marco institucional do New Deal foi um grande erro um meio desnecessrio e em alguns aspectos contraproducente de levar adiante seu contedo programtico. Mesmo que o objetivo institucional de isolar os agentes pblicos dos eleitores esteja baseado na tradio do constitucionalismo americano, [N 27] este objetivo no foi bem desenvolvido pelas inovaes institucionais do New Deal. As agncias administrativas falharam enquanto veculos de aspiraes democrticas e os regimes regulatrios que elas criaram no foram igualmente bem sucedidos. Nessas circunstncias, faz-se necessrio ao mesmo tempo reagir s patologias das instituies atuais e levar em conta novas iniciativas. Tais estratgias devem claro reconhecer a necessidade de agncias reguladoras que podem oferecer flexibilidade ao longo do tempo e especializao na matria tratada. Entretanto, na trilha do abandono da viso do New Deal sobre a administrao independente, a melhor alternativa desenvolver um sistema agressivo de controle por parte do Executivo, do Legislativo e do Judicirio um sistema no qual as trs instituies se aproximem das garantias do marco constitucional original, mas sem incorrer na viso anacrnica do governo limitado. Um sistema assim, acompanhado de uma reformulao do conjunto de direitos e do fortalecimento do federalismo, promover aqueles aspectos do constitucionalismo do New Deal que ainda hoje encontram forte sustentao. Proponho algumas reformas para o atingimento desses objetivos. Elas incluem (1) o aumento da superviso presidencial das agncias executivas, acompanhado de vrias garantias; (2) a reformulao do controle por parte do Executivo de modo a incluir o poder e a responsabilidade de estimular iniciativas regulatrias em alguma extenso algo parecido com o modelo do ombudsman [N28] assim como a competncia para desestimular propostas desnecessrias ou contraproducentes; (3) manuteno de um papel moderadamente agressivo para a Justia Federal; (4) desenvolvimento de um papel mais amplo para o Congresso em relao atuao das agncias, mediante o estabelecimento de fins regulatrios, prazos e vrias formas de monitoramento; (5) reduo das leis que identificam os meios pelos quais as agncias devem perseguir objetivos legais; (6) incluso das agncias independentes no mbito da competncia de superviso do Presidente; (7) reviso do sistema de direitos para ampliar o abandono do New Deal dos princpios do status quo e do common law; (8) reformulao das doutrinas do direito administrativo para colocar os cidados no mesmo plano das entidades reguladas; (9) uma mudana da perspectiva nacional do New Deal para um sistema que aumente as oportunidades para a auto-determinao local e a participao democrtica. Esse artigo organizado da seguinte forma. A parte II descreve a relao entre o governo limitado e a distribuio tradicional dos poderes nacionais; ela tambm explora a forma como o constitucionalismo do New Deal afastou-se do marco original, tanto na sua crtica institucional quanto na sua oposio ao ideal do governo limitado. A parte III descreve e

    N.T.: regulatory beneficiaries, no original.

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    avalia a mudana de posicionamento do Presidente, do Judicirio e do Congresso em relao ao processo administrativo, sugerindo que concepes tradicionais de administrao tornaram anacrnicas devido s vrias interferncias na autonomia das agncias. A parte III tambm se dedica s relaes entre as vrias formas de controle e discute o ataque constitucional contra as agncias independentes, relacionando esse ataque ao declnio na crena em uma administrao a la New Deal. A parte III defende uma reviso do sistema de freios e contrapesos, adaptado para uma poca de regulao governamental ativa da economia. A parte IV discute a reformulao de direitos durante o perodo do New Deal, a reforma regulatria substantiva e a questo da auto-determinao local.

    II. A Reforma promovida pelo New Deal

    A. A distribuio dos poderes de mbito nacional: as funes subjacentes O New Deal consistiu numa reviso consciente do arranjo constitucional original de freios e contrapesos, e alguns dos problemas da regulao moderna so um produto da reao mope dos reformistas que fizeram o New Deal ao sistema de separao e diviso de poderes. O constitucionalismo do New Deal deve portanto ser compreendido com o pano de fundo do arcabouo tradicional. necessrio de incio registrar que a noo de separao de poderes em importantes aspectos uma caracterizao imperfeita do sistema constitucional, que deveria ser entendido em termos de freios e contrapesos. [N.29] Os trs ramos tm obviamente funes que se sobrepem; cada um deles envolve-se em certo grau nas atividades dos demais. [N30] O termo separao tende a encobrir este fato. A distribuio de poderes no mbito nacional foi fortemente influenciada pela reviso madisoniana do pensamento republicano clssico e em particular pela concepo madisoniana de representao. [N31] No modelo de Madison, o maior perigo para um sistema poltico reside nas faces grupos privados bem organizados que usurpam o poder governamental para fazer valer seus interesses, contrrios ao pblico em geral. [N32] Madison acreditava que a poltica no deveria ser uma srie de trocas inescrupulosas entre faces que buscavam exclusivamente seus interesses. O processo deveria, ao contrrio, incorporar de forma significativa a deliberao e o dilogo sobre o interesse pblico. Como Madison a via, porm, a experincia tinha mostrado que a crena republicana clssica numa democracia de pequena escala, que exigia a participao ativa do cidado [N 33] no governo, era irreal e contraproducente. [N34] Em vista do comportamento individualista do cidado, os esforos para estimular a tomada de decises pelos cidados produziria uma luta de faces. [N35] A ampla participao do cidado no serviria portanto tradicional crena republicana no governo deliberativo. A soluo de Madison reformulou de modo dramtico o pensamento republicano tradicional. [N 36] Para os republicanos clssicos, somente uma repblica pequena e com auto-governo poderia produzir cidados virtuosos e deles se beneficiar. [N 37] Madison virou essa concepo de ponta-cabea. Em sua viso, somente uma repblica grande, com

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    representantes relativamente isolados, poderia gerar uma democracia deliberativa que funcionasse adequadamente. Uma repblica pequena seria destroada pela disputa entre faces; j em uma grande repblica, ao contrrio, os representantes seriam capazes de fugir s presses dos grupos poderosos e se engajar nas tarefas deliberativas da poltica. Era portanto necessrio transferir as decises para as mos de representantes escolhidos de um grande territrio, cuja sabedoria pode melhor discernir o interesse verdadeiro de seu pas e cujo patriotismo e amor pela justia tornaro menos provvel que sacrifiquem aquele interesse maior por causas particularistas ou conjunturais. [N 38] Neste aspecto, h uma tendncia burkeana na teoria da representao de Madison. [N 39] Madison abandonou a crena republicana clssica no auto-governo direto dos cidados [N40] sem rejeitar a crena republicana fundamental na democracia deliberativa. Obviamente, os fundadores desenvolveram tambm outras garantias, inclusive o federalismo e uma forma de aferir a responsabilizao poltica, mediante a eleio direta da Cmara dos Deputados e mediante o controle eleitoral de outras instituies. A distribuio dos poderes de mbito nacional atendeu a dois objetivos principais. [N41] O primeiro era a eficincia, resultado de uma clara diviso do trabalho. Freqentemente, a separao dos poderes vista como limitadora do poder, mas em alguns aspectos ela o libera e o aumenta. Por exemplo, um defeito crucial dos Artigos da Confederao era a ausncia de um Executivo forte. Os fundadores, corrigindo esta falha, criaram um ramo Executivo desenhado para promover um governo enrgico e consistente. [N42] O objetivo de eficincia governamental era tambm promovido pela coordenao da ao executiva, que seria atingida pela criao de um ramo Executivo unitrio. [N43] Os fundadores rejeitaram um Executivo plural convencidos de que a fragmentao do poder inviabilizaria uma atuao governamental gil, diminuiria o grau de responsabilizao e impediria a coordenao e a centralizao das polticas. [N44] O poder executivo foi ento concentrado no Presidente. [N45] A diviso de poder entre o Executivo e o Judicirio tambm serviu para liberar o Executivo da responsabilidade pelas decises de que a totalidade ou parte dos cidados no aprovasse. Ao conferir funes judicantes a uma instituio separada, os fundadores asseguraram que o Executivo no seria considerado responsvel por decises desfavorveis a determinadas faces. [N46] Ainda que a distribuio dos poderes nacionais possa ser entendida como uma diviso eficiente do trabalho, a mais conhecida justificativa para a distribuio a necessidade de diminuir o risco da tirania. Ao mesmo tempo em que exaltava a virtude de uma repblica grande para promover uma representao orientada pelo esprito pblico, ele reconhecia que nem sempre estadistas iluminados estaro no comando. [N 47] A distribuio dos poderes nacionais foi desenhada para controlar representantes intelectualmente limitados ou comprometidos com interesses particularistas. Acima de qualquer coisa, ela dilua o poder governamental, reduzindo a probabilidade de que um dos ramos fosse capaz de usar seu poder contra a totalidade ou parte dos cidados. O sistema de freios e contrapesos permitia que cada ramo munido de suas prprias ambies pudesse se contrapor aos demais. [N48] Nesse aspecto, o modelo de freios e contrapesos adequava-se perfeitamente a um sistema no qual o principal perigo era ao governamental, ao invs da ausncia de ao.

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    Em vista dessa histria, no deveria causar surpresa o fato de os reformistas do New Deal associarem o sistema de freios e contrapesos inrcia governamental. Essa associao levou os defensores da interveno governamental a buscar uma reforma substancial da distribuio original dos poderes nacionais. A reforma porm foi somente parcialmente vitoriosa, e muitas de suas falhas fazem retornar os propsitos subjacentes ao sistema original de freios e contrapesos. Faz-se portanto necessrio explorar os modos pelos quais a distribuio dos poderes nacionais funciona como uma garantia contra a tirania. Os fundadores enfatizaram uma srie de consideraes; a maioria altamente relevante para os dilemas institucionais atuais. 1. O Estado de Direito A distino entre Legislativo e Executivo garante que o poder de aplicar o direito no esteja nas mos de quem o cria. Como os legisladores no podem deixar de se submeter lei que eles prprios criaram, eles devem, ao editar as leis, assumir a perspectiva dos cidados comuns sujeitos fora da lei. Assim, [s]e um Executivo autnomo garantir a aplicao da lei at mesmo contra os seus criadores, estes no se basearo em interesses distintos daqueles do resto da Comunidade. [N49] Dessa forma, a distribuio dos poderes nacionais promove um valor constitucional fundamental: o carter geral do processo legislativo. 2. Governantes versus Governados uma justificativa relacionada, porm mais geral, reala a necessidade de garantir que os agentes governamentais no agiro de acordo com seus prprios interesses, mas sim de acordo com o interesse pblico. A preocupao em evitar que os governantes tenham interesses prprios e possam oprimir o povo teve um importante papel na elaborao da Constituio. [N50] A expresso representao de interesses particularistas descreve o fenmeno de representantes procurarem a realizao de seus prprios interesses. [N51] Se o poder estivesse concentrado num nico ramo, maior seria a probabilidade de este ramo aumentar seu prprio poder em prejuzo dos governados. Com a permisso para que cada ramo controle os demais, pretendeu-se, com a distribuio dos poderes nacionais, oferecer uma soluo parcial para esse problema, aumentando o controle democrtico sobre os representantes e criando garantias para a liberdade e a propriedade privada contra a ao do governo. [N52] 3. O Governo limitado uma razo distinta para a distribuio dos poderes constitucionais consiste no ideal do Governo limitado. O Executivo e o Judicirio devem agir em harmonia com o Legislativo para o cumprimento da lei. Nenhuma lei pode ser usada contra os cidados sem um amplo consenso. Cada ramo tem o poder de impedir imposies legais. Esse sistema tende a dificultar a ao do governo, exceto na hiptese de haver um consenso generalizado sobre o que deve ser feito. Essa lgica ecoa a observao de Montesquieu segundo a qual um sistema com trs ramos deveria naturalmente produzir um estado de repouso ou inrcia. [N53] Para os fundadores, a legislatura apresentou a primeira ameaa de invaso indevida da esfera privada. O perodo imediatamente anterior Conveno Constitucional de 1787 se

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    caracterizou, na viso de muitos dos fundadores, por perigosas intervenes da legislatura no domnio da liberdade e da propriedade privada. [N54] A distribuio dos poderes nacionais foi portanto pensada para a proteo dos direitos individuais principalmente os direitos de propriedade em relao legislatura. Nesse aspecto h uma ntima conexo entre a distribuio dos poderes nacionais, a proteo da ordem privada e a nfase que os fundadores deram necessidade de deliberao para a ao governamental. [N56] A deliberao foi pensada em parte como um freio contra as paixes populares pela redistribuio de riqueza. 4. O Problema da Faco a distribuio de poderes ao nvel nacional tambm ajudou a resolver um problema central do governo: a dinmica das faces, que traz o risco de grupos privados usurparem o poder pblico para redistribuir riqueza ou oportunidades em seu benefcio. [N57] Esses grupos privados, sejam eles minorias ou (mais provavelmente) maiorias, podem usar o poder governamental para oprimir os demais. A separao dos poderes e o sistema de freios e contrapesos foram pensados para reduzir esse risco. Uma faco poderia vir a dominar um ramo, mas no era provvel que dominasse os trs. A distribuio de poderes nacionais portanto funcionou de modo a proteger as minorias contra a tirania de grupos privados poderosos. importante ressaltar que as preocupaes dos fundadores com a lgica das faces, com a representao de interesses particularistas e com o ideal de Governo limitado estavam intimamente relacionadas, e mesmo se fundiam em ltima instncia no esforo geral de utilizar o constitucionalismo para limitar a fora da democracia. [N58] 5. Estabilidade: a distribuio dos poderes nacionais no somente limita o governo; ela tambm promove a estabilidade ao isolar o status quo em relao a mudanas rpidas. Em muitos casos, dois ou mais ramos devem atuar juntos para alterar o direito vigente; o sistema estruturado de modo a fornecer a cada ramo os meios e o desejo de resistir aos demais. O desejo de promover a estabilidade estava intimamente relacionado crena dos fundadores na propriedade privada e no desenvolvimento econmico numa repblica de comerciantes. De modo significativo, o sistema de freios e contrapesos garantiu que os termos da regulao freqentemente fossem definidos pelos tribunais do common law, que ocupavam um importante lugar no sistema. Nunca ser demais enfatizar esse ponto. [N59] A criao e implementao do common law pelo Judicirio poderia exercer grande impacto na ordem social, ao promover os mercados privados e resistir aos vrios perigos associados a um governo que centralizasse o poder de criar, interpretar e executar as leis. Um Judicirio politicamente insulado poderia assumir essa funo porque se entendia que o common law incorporava um sistema de direitos naturais e pr-polticos; [N60] ao agir de acordo com os ditames da razo, os tribunais no estavam sujeitos aos riscos decorrentes de uma combinao de poderes nos ramos legislativo ou executivo do governo nacional. Como veremos, todas essas concepes sero duramente atacadas durante o perodo do New Deal. Ao mesmo tempo, a natureza federal do sistema gerou uma outra srie de limitaes ao governo, [FN 61] promoveu flexibilidade, responsabilizao poltica e diversidade, e permitiu

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    um certo grau de auto-determinao mediante a participao no governo em moldes republicanos clssicos. O resultado disso foi um sistema complexo. A representao madisoniana ao nvel nacional permitiria a deliberao no governo; a criao de um Executivo unitrio e a diviso do trabalho permitiriam que a atuao estatal de mbito nacional fosse ao encontro das necessidades nacionais; a distribuio dos poderes nacionais forneceria controles que diminuiriam os riscos do facciosismo, da representao de interesses particularistas e de restries exageradas liberdade e propriedade privada; o sistema federal criaria salvaguardas adicionais, bem como permitiria um certo grau de auto-determinao do cidado.

    B. A Segunda Carta de Direitos, a Agncia do New Deal e o Governo limitado

    1. Reforma institucional e substantiva A agncia reguladora moderna foi o resultado em larga medida da profunda insatisfao com a ordem privada do sistema do common law e a distribuio original dos poderes nacionais. [N62] Os Progressistas criticavam o common law com vrios fundamentos. [N63] Parte importante de sua crtica era centrada no carter antidemocrtico do processo de criao do direito a partir das decises judiciais um problema particularmente muito srio no contexto constitucional, mas tambm problemtica no que se refere ao common law. O problema apareceu de forma mais aguda durante a era Lochner, [N64], quando os constranginetos constitucionais deviam sua origem e forma s categorias do common law. Uma preocupao adicional era o carter anacrnico ou pelo menos incompleto dos direitos do common law. A Depresso e as falhas do mercado desregulado tornaram mais difcil sustentar a tese de que a interveno governamental para alm das regras do common law [N65] era incompatvel com a produtividade econmica. O colapso do sistema de mercado do common law durante a Depresso fez com que as premissas utpicas do laissez-faire parecessem irreais. E mais, a recuperao econmica parecia demandar uma coordenao e um planejamento cada vez maiores. Uma preocupao final era a necessidade de redistribuio de riqueza e benefcios legais, [N66] o que no poderia passar pelo common law. Numa perspectiva ainda mais profunda, muitos dos reformadores viam o common law no como uma ordem pr-poltica, mas como um esquema regulatrio, e apontavam a inadequao do common law para este papel regulador. [N67] O prprio termo New Deal altamente sugestivo. Ele conota um reembaralhar de cartas, do qual resultaria uma diferente distribuio de nus e benefcios. Os reformadores no perodo do New Deal exigiam portanto o reconhecimento de uma nova categoria de direitos subjetivos. Os direitos tradicionais da ordem do mercado no mais captavam a categoria de interesses fundamentais; aqueles direitos eram ao mesmo tempo inclusivos de mais e inclusivos de menos. Direitos de assistncia governamental aos desempregados, por exemplo, eram insuficientemente protegidos pelo common law, tal como os interesses dos pobres, dos consumidores de alimentos e remdios perigosos, os idosos, os que negociavam no mercado de capitais, e as vtimas de prticas comerciais desleais. Ao mesmo tempo, o sistema do common law deu uma proteo indevida aos direitos de propriedade privada. Em alguns aspectos, o prprio common law parecia um produto do

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    poder de faces, ao proteger alguns interesses e relutar em reconhecer outros. [N68] Esse tema bsico, um ingrediente central do constitucionalismo do New Deal, foi importante durante toda a administrao Roosevelt. Em seu discurso de aceitao da indicao democrata para a presidncia em 1936, por exemplo, Roosevelt sustentou que, apesar de os Fundadores terem se preocupado apenas com os direitos polticos, novas circunstncias exigiam o reconhecimento tambm de direitos econmicos, porque a liberdade no admite meio termo. [N69] A expresso mais dramtica dessa noo revisada de direito veio com o pronunciamento do presidente Roosevelt sobre o Estado da Unio, de 1944, que estabeleceu a Segunda Carta de Direitos acima citada. [N71] Esses direitos deveriam ser aplicados a todos os cidados, independentemente de posio, raa ou credo. [N71] O programa substantivo do New Deal consistiu portanto numa rejeio do sistema do common law em favor de uma nova concepo de direitos, embora de dimenses ainda incertas. [N72] O programa alterou dramaticamente as bases a partir das quais a ao inrcia governamental e o partidarismo ou a neutralidade deveriam ser avaliados. Embora a nova concepo de direitos revisasse a concepo original, ela conservou uma certa dose de continuidade. O presidente Roosevelt encaixou de forma precisa o novo esprito dos benefcios legais na moldura dos direitos; a terminologia que ele utilizou remontava Carta de Direitos original e a ela fez acrscimos. A argumentao para o abandono da ordem do common law assumiu vrias formas. s vezes, os reformadores enfatizavam a necessidade de um planejamento central sob o comando do governo nacional. [N73] Na ocasio, eles realaram os benefcios da cartelizao para promover a produtividade econmica. [N74] H, neste aspecto, uma ntima conexo entre as justificativas para a regulao baseadas no interesse pblico e as explicaes que vem a regulao como um produto de acordos entre grupos de interesse; [N75] esses acordos, na forma de cartelizao, foram pensados para estimular o funcionamento de uma economia deprimida. s vezes a regulao era justificada com argumentos econmicos mais convencionais, tais como falhas de mercado na forma de externalidades ignoradas pelo common law ou como falta de informao por parte de consumidores e trabalhadores. [N76] Fundamentos alternativos e potencialmente mais radicais para a expanso dos direitos materiais enfatizaram o carter essencialmente antidemocrtico da ordem do mercado. Segundo essa viso, o controle coletivo era necessrio para o atingimento da democracia. [N77] Algumas formas de regulao eram tidas como redistributivas pela sua prpria natureza as leis sobre salrio mnimo e limite da jornada de trabalho eram exemplos. [N78] Outras justificativas para a regulao tm sido invocadas recentemente, inclusive valores pblicos ou de carter no mercantil, distintos das escolhas do consumo privado [N79] e as dificuldades enfrentadas pela pessoas diante de decises relativas a eventos de baixa probabilidade, como acidentes de trnsito e de trabalho. [N80] No campo da discriminao por raa e gnero, os defensores da regulao tm argumentado que algumas preferncias so distorcidas ou censurveis e contribuem para perpetuar hierarquias sociais indesejveis.

    N.T.: no original, freedom is no half-and-half affair.

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    [N81] Durante o perodo do New Deal, os reformadores acreditavam que essas concepes de direitos materiais exigiam uma reforma institucional significativa. A separao dos poderes e o modelo de freios e contrapesos pareciam impedir o governo de intervir na economia. Um sistema de poderes mais unificados era necessrio para permitir a ao governamental freqente e dramtica. [N82] Mais que isso, o carter complexo da regulao moderna ampliou enormemente a necessidade de conhecimento tcnico e de especializao no processo de tomada de decises governamentais. Nenhuma das instituies originais parecia ter essas qualidades. Essa percepo da inadequao do marco institucional herdado levou a duas conseqncias. A primeira foi um aumento dramtico do poder do Presidente, que assumiu poderes antes associados aos tribunais do common law. [N83] A segunda foi a atribuio de poder a agncias reguladoras. A concepo de administrao do New Deal via as agncias como insuladas em relao poltica, tecnicamente sofisticadas e dotadas de capacidade de iniciativa. A expectativa era de que tcnicos neutros, atuando acima dos conflitos, seriam capazes de discernir o interesse pblico. [N84] O Presidente Roosevelt declarou que [o] dia da administrao esclarecida chegou [N85] Seria um erro exagerar a associao entre o New Deal e a crena na especialidade neutra. As agncias reguladoras independentes, inclusive a Interstate Commerce Comission, a Federal Trade Comission e a Federal Radio Comission foram criadas bem antes do New Deal. Mais que isso, as numerosas agncias criadas no perodo do New Deal eram substancialmente diferentes. Algumas dessas agncias, por exemplo, lidavam com instrues legislativas relativamente claras. [N86] Seria portanto equivocado sugerir que um modelo unitrio de administrao abrange todas as entidades regulatrias associadas ao perodo do New Deal, mas no abrangeria nenhuma criada anteriormente. Apesar disso, o legado duradouro do perodo a figura do administrador insulado, imerso numa rea especfica do conhecimento tcnico, dotado de ampla discricionariedade, e do qual se espera que desenvolva um conjunto de funes estatais at ento tradicionalmente separadas. Apesar do risco de simplificao excessiva, pode-se apontar uma concepo de administrao prpria do New Deal. Havia uma forte dimenso madisoniana no entusiasmo do New Deal pelas agncias insuladas e dotadas de especializao tcnica. Assim como os fundadores pensaram o sistema constitucional original em parte para insular os representantes nacionais de modo a aumentar a probabilidade de efetivar um governo deliberativo, a concepo de administrao do New Deal tentou insular os agentes pblicos de modo a proteger os processos governamentais contra as distores oriundas do facciosismo. [N87] Tanto no sistema original quanto na reformulao promovida pelo New Deal, os reformadores acreditavam que a proteo contra o facciosismo, mediante o insulamento, era altamente desejvel. N.T.: rgo incumbido da regulao das atividades de radiodifuso, criado em 1926 e extinto em 1934, quando o Communications Act criou a Federal Communications Commission (FCC), dotada de competncias bem mais amplas.

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    O marco institucional do New Deal, porm, se diferenciava do sistema constitucional original em importantes aspectos. Em primeiro lugar, o mecanismo de insulao enquanto salvaguarda contra o facciosismo serviu a diferentes propsitos nos dois perodos. No modelo madisoniano, a insulao era pensada como um bloqueio contra a mudana. A democracia deliberativa era pensada em parte para proteger o status quo contra, dentre outras coisas, a distribuio de riqueza. Ao contrrio, os New Dealers viam mudanas no status quo, inclusive medidas redistributivas, como algo altamente desejvel, [N88] e a insulao e a deliberao como meios de atingimento de tais fins. Em segundo lugar, a crena do New Deal na importncia da especializao tcnica e na imerso nos fatos era estranha ao marco original. Embora a importncia de uma administrao enrgica fosse um tema central no perodo da fundao, no havia uma nfase na sofisticao tcnica nos processos governamentais. Essa diferena era um produto natural das diferentes concepes sobre o objetivo da regulao nacional. Em terceiro lugar, no sistema madisoniano, os estados tinham um amplo papel como um freio contra o governo federal e como uma arena para a auto-determinao coletiva. Durante o perodo do New Deal, ao contrrio, os estados pareciam fracos e ineficazes, incapazes de lidar com problemas sociais srios; eles pareciam grande demais para oferecer um frum para uma autntica auto-determinao. A idia de que os estados controlariam o governo federal, se verdadeira, parecia perversa luz da necessidade de uma ao nacional. Por esta razo, os reformadores demonstraram pouca simpatia pela autonomia dos estados. [N90] A mudana na concepo do papel do governo dos estados foi dramtica. Esforos anteriores de reforma tinham se concentrado nas instituies locais e dos estados, em parte por causa da tenacidade da crena jeffersoniana numa cidadania engajada numa democracia do tipo face-a-face. [N91] Ao tornar a presidncia, ao invs dos estados e das localidades, o ponto focal do auto-governo, os reformadores, num nico golpe, uniram a crena hamiltoniana num governo nacional enrgico com a afirmao jeffersoniana da auto-determinao do cidado. [N92] Os reformadores portanto democratizaram as noes hamiltoniana de um governo enrgico mediante concepes inovadoras da presidncia e da administrao reguladora. A crena progressista na insulao dos funcionrios pblicos, o colapso da ordem do common law e a crtica tripartio dos poderes legitimaram um novo conjunto de concepes institucionais. Foi por essa razo que James Landis no via nenhum conflito entre insulao da administrao e responsividade perante a vontade do povo, descrevendo os administradores nacionais como o mecanismo pelo qual nossas instituies democrticas poderiam exercer algum controle sobre as fases mutantes de nossa vida econmica. [N93] Administradores no sujeitos s tradicionais presses seriam capazes de promover o interesse pblico na produtividade econmica e ao mesmo tempo redistribuir recursos e proteger novos direitos. Por fim, o sistema madisoniano de democracia deliberativa inclua o sistema de freios e contrapesos como uma salvaguarda necessria da propriedade privada e da liberdade contra o

    N.T.: no original, face-to-face democracy.

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    facciosismo e a representao dos interesses particularistas. Ao contrrio, a concepo do New Deal de administrao autnoma rejeita o sistema de freios e contrapesos, por consider-los um obstculo mudana social. [N94] Uma das vantagens da administrao autnoma era sua capacidade para a ao imediata, uma qualidade que os trs ramos do governo no tinham. Uma importante conseqncia dessa grande valorizao da capacidade de ao imediata era a hostilidade em relao ao Judicirio. O papel do Judicirio foi portanto limitado e as agncias tinham ampla discricionariedade para determinar o interesse pblico. Os New Dealers eram obviamente reformadores que acreditavam que o objetivo das agncias era perseguir a produtividade econmica e a justia distributiva. Eles reconheciam que os funcionrios das agncias no seriam inteiramente neutros. [N95] Como Herbert Croly escreveu, [a] imparcialidade o dever do juiz, mais do que do estadista; dos tribunais, mais do que do governo. [N96] Entretanto pelo menos alguns dos reformadores acreditavam que a noo de interesse pblico era relativamente pacfica e mesmo que ela era s vezes codificada como um standard legal [N97] e que as agncias, devido sua especializao e insulao, deveriam ter uma grande margem de autonomia na definio do interesse pblico. Mais que isso, o poder do presidente de controlar as agncias era freqentemente limitado, de fato e de direito. Cetamente, o poder do presidente tambm aumentou enormemente durante o perodo do New Deal [N98] um resultado da f no carter democrtico da funo da presidncia e da crena na necessidade de uma ao executiva vigorosa. Apesar de tudo isso, algumas agncias reguladoras estavam legalmente imunizadas em relao ao controle presidencial direto o legado da f dos progressistas na tecnocracia e s vezes o entusiasmo pela administrao tecnocrtica se convertia na prtica em um alto grau de autonomia para os funcionrios das agncias. De acordo com a concepo do papel do Legislativo na poca, agora conhecida, o Congresso se limitava a identificar problemas e solcitar sua resoluo a uma agncia. [N99] Havia alguma tenso na viso do New Deal sobre o ramo executivo. O aumento do poder presidencial baseava-se numa crena na relao direta entre a vontade do povo e a vontade do presidente; pois a presidncia, mais do que os estados ou os tribunais do common law, era considerada como o principal regulador. Em contraposio, a f na administrao burocrtica era baseada na capacidade dos reguladores de discernir o interesse pblico e promover os objetivos democrticos, ainda que de forma indireta e insulada. A tenso entre a crena na criao de direito pelo presidente e a f na autonomia administrativa ainda persiste nos debates contemporneos sobre os papis do presidente, do Congresso e dos tribunais no processo regulatrio. Durante o perodo do New Deal, trs tipos de questes eram submetidas s agncias: estritamente legal, tecnocrtica e poltica. [N100] As decises de carter estritamente legal envolviam a aplicao do direito aos fatos. Elas raramente exigiam julgamentos amplos sobre poltica pblica ou especializao tcnica. Um exemplo de uma deciso estritamente jurdica

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    a deciso de um juiz administrativo de conceder ou suspender benefcios por invalidez de acordo com os standards do Social Security Act. [N101] Em casos como esse, o Congresso poderia tambm ter deixado a deciso nas mos de juzes estaduais ou federais. A deciso de delegar competncia para um administrador parcialmente uma questo de convenincia e parcialmente um desejo de limitar o nus sobre os juzes do Poder Judicirio. Em contraposio, decises tecnocrticas envolvem a aplicao de conhecimento tcnico especializado a metas de poltica pblica que o Congresso claramente identificou. Um exemplo de deciso tecnocrtica a determinao administrativa do mtodo mais adequado para se atingir determinado nvel de poluio. A deciso de delegar competncia para uma agncia administrativa nesse contexto baseada na necessidade de especializao e talvez no desejo de evitar os efeitos distorcedores do partidarismo. Por ltimo, decises polticas exigem em larga medida juzos de valor; elas involvem questes bsicas de distribuio e alocao de recursos. Uma deciso sobre regulao de elementos carcinognicos no ambiente de trabalho essencialmente poltica, pois ela no repousa exclusivamente na aplicao de um conhecimento tcnico. A justificativa para a delegao de poder para um agente administrativo poderia ser a ausncia de consenso poltico, o desejo de afastar a responsabilidade poltica pela deciso, ou a crena em que a insulao promove decises corretas. A maior parte das decises regulatrias envolve uma combinao de caractersticas estritamente legais, tecnocrticas e polticas. Decises sobre a concesso de benefcios por invalidez, por exemplo, exigem no somente uma avaliao dos fatos, mas tambm especializao e at juzo de valor. Mesmo a escolha de meios para o atingimento de fins que j so consensuais pode suscitar questes redistributivas importantes. At mesmo as decises mais polticas deveriam ser instrudas por um conhecimento especializado. portanto anacrnico entender a administrao somente pela referncia a uma ou outra dessas trs concepes. Entretanto, as decises das agncias no deveriam ser vistas como uma unidade indiferenciada. Podem-se distinguir tendncias gerais em vrios campos tendncias que tm uma considervel importncia prtica. O Administrative Procedure Act (APA) [N102] incorpora apenas de forma discreta essas distines, [N103] embora a prtica administrativa, nos tribunais e em outros lugares, o faa em maior grau. A natureza de uma deciso est ligada de forma significativa tanto necessidade de delegao para a agncia quanto ao tipo e a extenso da superviso pelos trs ramos. No N.T.: no original, administrative law judge. Os ALJs no fazem parte do Poder Judicirio norte-americano, mas do Poder Executivo. Trata-se de juzes administrativos independentes que, no mbito das agncias, so competentes para tomar decises administrativas relacionadas, por exemplo, a concesses de benefcios trabalhistas. Suas decises podem na maioria das vezes ser revistas no mbito da prpria agncia. Exercem o que se costuma chamar de funo quase-judicial das agncias. Ver, por exemplo, o website do Office of Administrative Law Judges: http://www.oalj.dol.gov. N.T.: no original, article III judges. A contraposio dos administrative law judgesaos aos article III judges feita por serem estes ltimos juzes do Poder Judicirio, do qual trata o art. III da Constituio dos E.U.A.

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    perodo do New Deal, porm, distines desse tipo raramente eram feitas. Duas conseqncias se seguiam. Primeiro, todas as decises importantes eram submetidas s agncias para sua deciso. Em segundo lugar, as funes de controle por parte do Congresso, dos tribunais e s vezes at do presidente eram muito limitados. 2. A Crtica Institucional Moderna pelo menos desde os anos quarenta, muitos observadores tm invocado as questes tradicionais ligadas distribuio dos poderes nacionais para questionar o papel e o desempenho das agncias administrativas. Os crticos incluem aqueles que aceitam e aqueles que rejeitam a crtica dos progressistas ao common law. [N105] No perodo imediatamente posterior ao New Deal, conservadores que defendiam um retorno ordem do common law do fim do sculo XIX buscaram formas jurdicas de controle sobre as agncias administrativas. [N106] Entretanto, o ataque administrao autnoma no precisa aparecer junto com a defesa da desregulao. Mais recentemente, por exemplo, aqueles preocupados com a falha das agncias ao aplicar as leis tambm exigiram controles jurdicos. [N107] O primeiro problema que a agncia do New Deal combina funes executiva, judicial e legislativa. Em algum grau, as leis especficas das agncias e o APA tentam separar essas atividades, [N108] mas esses parmetros no chegaram a formar um sistema que se aproximasse do sistema constitucional de freios e contrapesos. H pouca concorrncia entre funcionrios dentro das agncias, com ambio agindo para controlar ambio. O mais freqente que se espere dos administradores que ajam de forma concertada; de fato, essa expectativa foi um dos motivos mesmos da criao da agncia. O que os administradores do New Deal celebravam como uma virtude a combinao de funes agora freqentemente apontado como vcio, exatamente por causa dos problemas que deram origem distribuio original dos poderes nacionais. O segundo problema que os atores das agncias no so responsabilizveis mediante eleies e freqentemente no so responsivos perante o pblico em geral. Por causa da ausncia das salvaguardas eleitorais, as agncias so especialmente suscetveis presso das faces e freqentemente so mais passveis de agir de acordo com seus prprios interesses. [N109] A concepo da administrao do New Deal comemorava o abandono dessas preocupaes tradicionais. Certamente o repdio ao sistema de separao dos poderes e de freios e contrapesos era uma caractersitca central da reforma promovida pelo New Deal. Ao criar um novo conjunto de agentes administrativos autnomos, os criadores do New Deal tentaram evitar os tribunais do common law e, eventualmente, o processo legislativo, que pareciam ter se tornado presas do controle das faces. [N110] Entretanto, ao se afastar das garantias tradicionais, os reformadores aumentaram a probabilidade de ocorrncia dos abusos para os quais que o sistema tradicional foi pensado para conter. A reao inicial dos tribunais a esses tipos de ataque era previsvel: eles anularam as leis que criavam as agncias declarando-as inconstitucionais, com base nos artigos I, II e III, assim como na clusula do devido processo. O exemplo mais familiar o caso Schechter Poultry Corp. v. United States, [N111], no qual a Suprema Corte anulou o National Industrial Recovery Act, declarando-o uma delegao inconstitucional de poder legislativo para grupos

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    privados. [N112] O ataque constitucional terminou por se desintegrar [N113] devido ao prolongado e persistente apoio popular administrao reguladora. Tomado como um todo, o processo alterou o sistema constitucional de uma maneira to profunda que algo semelhante a uma emenda constitucional parecia ter ocorrido. [N114] Depois de superado o desafio constitucional, a disputa entre os defensores e os crticos da administrao do New Deal ressurgiu no debate sobre o APA. Durante esse debate, os crticos progressistas do common law buscavam a autonomia administrativa, enquanto seus oponentes invocavam as concepes de liberdade privada e de freios e contrapesos pr-New Deal, defendendo a criao de restries severas s agncias administrativas. [N115] O conflitou levou a um compromisso factvel mediante o qual amplas delegaes de poder foram toleradas na medida em que foram acompanhadas de garantias procedimentais abrangentes. Essas garantias traziam para o processo administrativo alguns das armadilhas do processo judicial, [N116] criavam um separao de poderes interna s agncias, [N117] e permitiam aos regulados uma variedade de formas de contestar as decises amdinistrativas. [N118] Focado nos direitos dos regulados, o APA era anacrnico luz do ataque do New Deal ordem privada do sistema do common law. [N119] Mais recentemente, o APA parece cada vez mais inadequado luz das mudanas nos processos amdinistrativos e das novas concepes sobre as falhas das agncias. O problema das faces, por exemplo, teve um papel central no direito administrativo nas ltimas duas dcadas. [N120] A ausncia tanto de uma verdadeiro insulamento quanto de salvaguardas eleitorais tornou os administradores suscetveis influncia de grupos privados bem organizados. Episdios de captura das agncias so comuns na literatura, embora o fenmeno seja complexo. A preocupao mais importante reside na produo de normas por grupos privados o anlogo funcional do National recovery Act tal qual construdo e invalidado no caso Schechter Poultry. [N122] Embora o poder dos grupos bem organizados seja freqentemente atribudo ausncia de salvaguardas constitucionais ordinrias inclusive controles pelos trs ramos do governo , as fontes exatas e a natureza do fenmeno da captura so objeto de grande discusso. Para alguns observadores, enquanto a energia dos grupos que demandam a regulao se dissipe ao longo do processo de implementao, os membros bem organizados do setor regulado continuam aptos para exercer sua influncia. [N123] Nessa perspectiva, h uma srie previsvel de fases nas quais as agncias tornam-se cada vez menos dedicadas sua misso original. [N124] Outros sustentam que o Congresso tem a inteno de que a regulao seja capturada [N125] e que, por essa razo, o problema no to importante quanto poderia parecer. [N126] Alguns comentadores sugerem que as agncias independentes esto particularmente sujeitas influncia dos regulados porque elas so imunes ao controle presidencial pleno. [N127] Outros ainda sustentam que a captura ocorre porque as agncias recebem a maior parte de sua informao dos setores regulados. [N128] Qualquer que seja a dimenso do problema do facciosismo e qualquer que seja a sua

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    definio, [N129] ele pode se manifestar na forma de regulao excessiva ou de muito pouca regulao. Um objetivo central do direito admnistrativo tem sido o de restringir o poder dos grupos privados bem organizados sobre as agncias, e muito do desejo de limitar a autonomia das agncias um resultado daquela preocupao. A autonomia das agncias, em suma, tem servido no como uma garantia da administrao neutra, mas como uma fonte de vulnerabilidade para as presses de grupos bem organizados. O controle por parte dos trs ramos constitucionais do governo um corretivo promissor. O problema da representao de interesses particularistas tambm uma fonte freqente de preocupao com a administrao autnoma. [n130] O temor de que os administradores tentem promover seus prprios interesses s custas dos interesses do pblico. Alguns observadores sustentaram que os administradores tentam mais que tudo ampliar seus prprios poderes, freqentemente produzindo regulao excessiva ou equivocada. [n131] Essa preocupao se avolumou consideravelmente porque as agncias no so sujeitas nem disciplina do mercado nem ao processo eleitoral. Alm disso, a ausncia do sistema de freios e contrapesos agrava o problema. O processo administrativo tambm sofre de problemas de ineficincia, uma preocupao trazida pelo esforo constitucional original de criar um executivo unitrio. Freqentemente, a burocracia no consegue agir com a devida celeridade. [n132] Muitas agncias tm tarefas que se sobrepem ou que so inconsistentes. Sem um controle unitrio, difcil coordenar as decises da agncia ou redirecionar as polticas nacionais. Ataques ao carter ad hoc da poltica regulatria nacional [n133] e os recentes desafios noo de agncias independentes suscitaram essa preocupao. [n134] Os ideais do governo limitado e da estabilidade, originalmente de grande importncia para a distribuio dos poderes nacionais, oferecem uma ltima e convincente justificativa para um retorno ao marco constitucional original. As razes so ao mesmo tempo prticas e conceituais. O problema prtico que, desde o New Deal, nem o governo limitado nem a estabilidade podem ser considerados virtudes absolutas. Em muitas reas, a interveno governamental substancial necessria. Se limitaes estruturais rgidas tornam mais difcil a ao governamental, problemas sociais importantes podem restar sem soluo. Alm disso, mudanas rpidas so s vezes necessrias para resolver problemas sociais, particularmente em reas como regulao do meio ambiente e telecomunicaes, nas quais a teconologia est em constante evoluo. Por essas razes, alguns observadores tm criticado o sistema de freios e contrapesos por ele dificultar a ao do governo. Essas crticas so exageradas, porm, porque, como veremos, o sistema de freios e contrapesos no precisa levar necessariamente ao imobilismo. A maior dificuldade para o argumento que sustenta a volta ao ideal orginal de governo limitado conceitual. O ideal, em sua acepo tradicional, mais difcil de se justificar na trilha do declnio da concepo da era Lochner da relao entre o cidado e o Estado. [n135] Agora claro que o prprio common law um sistema regulatrio, que incorpora uma srie de escolhas sociais controversas. [n136] A ordem do sistema do common law parece limitada somente porque o regime regulatrio parece natural e at mesmo invisvel para

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    aqueles a ele acostumados. De forma mais geral, concepes tradicionais de ao e inrcia governamental repousam sobre premissas controversas; elas dependem de balizas sobre as funes ordinrias e desejveis do governo que deveriam se submeter ao debate pblico. [n137] Mais que isso, a inrcia governamental, ainda que entendida como tal, pode ser ela prpria um resultado do poder das faces. [n138] As queixas contra a captura das agncias refletem essa questo; as leis podem ser neutralizadas pela inrcia e a desregulao, igualmente, pela execuo rigorosa das mesmas leis. Em suma, embora a administrao moderna seja s vezes disfuncional, ela no deveria ser entendida como a imposio do governo a um sistema de ordem privada pura. O governo limitado tal qual expressado no common law ele prprio um sistema de regulao e controle. Em qualquer situao, muitos das preocupaes subjacentes distribuio original dos poderes nacionais exerceram um papel fundamental nas avaliaes modernas do desempenho da administrao. Essas preocupaes levaram a um forte declnio da f na agncia do New Deal, insulada em relao superviso do Legislativo, do Executivo e do Judicirio. Esse declnio da f no iderio institucional do New Deal totalmente justificado. [n139] O ataque que o New Deal promoveu ao sistema de freios e contrapesos no era um componente obrigatrio de seu marco institucional e foi um grande erro. Um papel agressivo para cada um dos ramos constitucionais do governo ou mesmo uma forma de freios e contrapesos pode promover os objetivos do New Deal que ainda so atualmente sustentados. A tarefa atual desenvolver os arranjos e estruturas institucionais que podero concretizar, na era do Estado administrativo, alguns dos propsitos constitucionais originais; esta no uma ambio pequena, luz da rejeio noo tradicional de governo limitado qual a distribuio original de poderes estava intimamente associada.

    III. O Sistema de freios e contrapesos aps o New Deal

    A. Superviso presidencial 1. A justificativa terica para o controle pelo Executivo os argumentos favorveis ao controle presidencial da burocracia derivam das preocupaes constitucionais tradicionais e de recentes problemas no processo regulatrio. Particularmente trs fatores so de especial importncia na defesa do Executivo unitrio. Em primeiro lugar, o presidente responsabilizvel perante o eleitorado. A visibilidade do presidente garante um grau de responsividade; decises presidenciais so sujeitas ao escrutnio pblico de modo singular. O presidente tambm tem uma base eleitoral nacional, o que o preserva de presses paroquiais a que se sujeitam as agncias e torna mais fcil para o presidente evitar os perigos da respresentao de interesses particularistas e da tirania das faces. O papel de superviso do presidente deveria portanto aumentar a probabilidade de que as decises discricionrias das agncias administrativas correspondam s necessidades do pblico. Em segundo lugar, o presidente encontra-se numa posio incomum para centralizar e

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    coordenar o processo regulatrio. Ele o nico agente pblico nacional incumbido da aplicao de uma vasta legislao. Essa posio especialmente importante luz da proliferao de agncias com responsabilidades que se sobrepem. A posio institucional do presidente til para a coordenao do amplo e s vezes inconsistente -- conjunto legislativo do Estado regulador moderno. [n140] Por exemplo, mais de uma dzia de agncias so responsveis pela poltica energtica federal. Por ltimo, o presidente tem a capacidade no somente de coordenar, mas tambm de energizar e direcionar a poltica regulatria de uma forma que seria difcil ou impossvel de se fazer caso aquela poltica fosse determinada individualmente pelos funcionrios das agncias. Essa habilidade especialmente importante no incio de uma mandato presidencial e quando h um consenso nacional no sentido de mudar o rumo da poltica regulatria. O controle pelo presidente tende a funcionar contra os efeitos danosos de freios e contrapesos intra-Executivo, permitindo ao governo responder s mudanas da opinio pblica e diminuindo a probabilidade de que a poltica se torne rotinizada e fortemente burocratizada. O fato de o presidente indicar funcionrios das agncias poderia por si s amenizar alguns dos riscos associados burocracia descentralizada. Entretanto, os dirigentes das agncias esto sujeitos a distintas presses de seus staffs e dos regulados, e a superviso presidencial pode oferecer um controle eficaz contra essas presses. [n141] Em resposta a essas preocupaes, alguns presidentes recentemente aumentaram firmemente seu controle sobre a burocracia, em propores que foram altamente controversas. [n142] No perodo do New Deal, o Comit Brownlow, indicado pelo presidente Roosevelt, invocou os propsitos constitucionais originais para fundamentar a centralizao presidencial. [n143] O Comit recomendou uma srie de mudanas institucionais para aumentar o poder presidencial. Comisses organizadas pelos presidentes Truman e Johnson chegaram a concluses similares. [n144] Mais recentemente, os presidentes Nixon, Ford e Carter editaram decretos pensados para garantir a direo centralizada da regulao. [n145] O presidente Reagan tomou os passos mais dramticos nos Executive Orders 12291 [n146] e 12498, [n147] que aumentam substancialmente a superviso presidencial da burocracia. As iniciativas de Reagan concentraram a competncia relevante no Office of Management and Budget (OMB). [n148] O Executive Order 12291 autoriza o OMB a rever e comentar regulamentos propostos pelas agncias executivas, testando os regulamentos para verificar sua correspondncia a princpios de anlise de custo-benefcio e custo-efetividade. [n149] O Executive Order 12498 d um passo adiante, exigindo que as agncias submetam aprovao do OMB um plano regulatrio anual que traa as aes propostas para o ano seguinte. [n150] Essas medidas trouxeram para o processo regulatrio um sistema de reviso semelhante quele usado na elaborao do oramento nacional. Em ambos os sistemas, o presidente confere ao OMB poder de coordenar e centralizar as competncias do ramo executivo. Tal centralizao e coordenao garante que uma instituio com uma viso da totalidade do

    N.T.: no original, orders.

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    processo regulatrio faa a gesto da poltica. Em ambos os casos, porm, o Congresso retm o poder de criar o direito em ltimo caso. Assim como o Executivo no tem competncia para se recusar a gastar recursos destinados a finalidades especficas, [n151] o presidente no pode se eximir da execuo das leis de que ele discorda, nem pode executar leis somente da forma que desejar. [n152] Portanto, tanto as agncias como o OMB esto sujeitos s limitaes estabelecidas em lei. Em alguma medida, o OMB tem tentado executar as tarefas que os tribunais desenvolvem ao seguir um padro de controle judicial nos termos da hard look doctrine. [n153] O OMB tem, entretanto, algumas vantagens potenciais em relao ao Judicirio, na sua capacidade de centralizar e coordenar o processo administrativo, seu maior poder de iniciativa, sua responsabilizao poltica e sua capacidade de reunir um corpo de funcionrios especializados em determinada matria. Um dos objetivos do processo de reviso dar certeza de que a agncia levou em considerao todos os fatores relevantes e os ponderou de forma racional. Um outro objetivo diminuir os riscos do poder das faces e da representao de interesses particularistas riscos em relao aos quais administradores nas agncias tendem a ser vulnerveis. [n154] A posio do OMB com um coordenador geral da poltica regulatria lhe traz uma vantagem comparativa para resistir a presses de grupos bem organizados que buscam regulao de mais ou de menos. Alm disso, a prpria possibilidade de reviso provavelmente teve um importante efeito nas decises das agncias. razovel supor que a reviso do OMB efetivamente evita propostas descuidadas ou imprprias. Nesses aspectos, a reviso pelo OMB poderia bem servir tanto aos objetivos tecnocrticos quanto aos democrticos. A nfase na anlise de custo-benefcio pensada para disciplinar as decises das agncias levar a anlise de polticas a incorporar e garantir que as vantagens e desvantagens das propostas de ao sejam levadas em considerao. [n155] luz das expectativas do New Deal em relao especializao tcnica das agncias, irnico que o controle presidencial da burocracia por meio da reviso pelo OMB possa justificar, ao invs de ameaar, o ideal de governo tecnocrtico do New Deal. Mais que isso, a concepo subjacente aos recentes decretos do Executivo, pelo menos em parte, a de que a administrao paroquial compromete o interesse pblico de longo prazo na produtividade e uma economia competitiva, e que os saberes tcnicos associados ao OMB podem promover aquele interesse pblico. O processo no OMB tambm atende aos propsitos originais dos fundadores ao criar um Executivo unitrio. Ao mesmo tempo, o controle pelo OMB garante que as vises daqueles prximos ao presidente informem os juzos de valor e que as posies do presidente sobre a regulao permaneam portanto frente do processo regulatrio. Nesse aspecto, as iniciativas tentam justificar um modelo poltico de administrao completamente distinto das concepes do New Deal. O aumento do controle presidencial portanto cria uma confuso, ao endossar e ao mesmo tempo rejeitar a perspectiva tecnocrtica da administrao. A reviso pelo OMB deveria ser entendida como uma tentativa de unir duas aspiraes fundamentais, embora aparentemente antagnicas, do New Deal a especializao tcnica e a responsabilizao poltica.

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    As preocupaes institucionais e materiais dos recentes decretos presidenciais deveriam ser claramente distinguidas. A posio substantiva consiste em grande parte no ceticismo em relao regulao econmica e social. [n156] No pode haver dvida de que um objetivo principal e o efeito da reviso pelo OMB na administrao Reagan reduzir a interveno regulatria. [n157] Nesse aspecto, o OMB assumiu algumas das tarefas associadas aos juzes anti-regulao dos anos trinta e quarenta uma extraordinria ironia luz dos posicionamentos bem distintos da presidncia e do Judicirio durante aquele perodo. A posio institucional incorpora uma preferncia pelo controle poltico da burocracia, uma posio que poderia coexistir com uma atitude mais hospitaleira em relao regulao. 2. O controle pelo Executivo na prtica As consideraes acima consubstanciam uma forte justificativa terica para o controle da burocracia pelo presidente. No entanto, os crticos tm atacado o papel do OMB com base numa srie de argumentos prticos e tericos. Alguns se queixam de que o OMB desmontar os esquemas regulatrios aprovados pelo Congresso [n158] e que os funcionrios do OMB so incompetentes para tomar decises regulatrias uma grande ameaa s justificativas fundamentais para a administrao autnoma [n159] O segredo e o insulamento da reviso do OMB podem exarcerbar o problema, prejudicando tanto a especializao tcnica quanto a responsabilizao poltica. Uma outra preocupao a de que luz da atual hostilidade do presidente em relao regulao, um papel maior para o OMB pode significar um retrocesso nos programas sociais. Alm disso, o OMB pode ser indevidamente suscetvel influncia de grupos privados bem organizados. No fundo, os crticos alertam num retorno parcial concepo de administrao do New Deal que o controle pelo OMB politiza um sistema que deveria envolver primariamente a aplicao do direito e de saberes tcnicos. [n160] Essas crticas invocam as concepes madisonianas da poltica, tambm associadas ao New Deal, que vem o insulamento como uma salvaguarda contra o poder das faces. De acordo com essa viso, o controle pelo OMB ameaa solapar a crena republicana tradicional na democracia deliberativa. Em complementao a essas preocupaes sobre a justificativa terica para o controle presidencial, muitos observadores tm criticado o desempenho efetivo do OMB. H evidncias de que a interao do OMB com grupos privados politicamente poderosos afetou sua atuao. [n161] O OMB pode tambm ter sido afetado pelo ardor anti-regulatrio. [n162] A reviso pelo OMB tem provocado um atraso considervel no processo regulatrio. [n163] Um outro risco o de que o OMB encerre os procedimentos normativos num estgio anterior ao previsto para evitar o escrutnio pblico de sua interveno. Alm disso, a posio do OMB como guardio das despesas e a carncia de especializao tcnica de seu pessoal sugerem que o OMB pode no implementar os programas legais de forma plena ou efetiva. O programa regulatrio tambm revela que o OMB tem controlado substancialmente o processo regulatrio, s vezes efetivamente atropelando a autoridade das agncias na tomada da deciso final. Muitas regras foram alteradas pelo OMB, ou mesmo revogadas ou devolvidas s agncias para reconsiderao. Em 1985, o OMB considerou que somente 70,7% das regras editadas pelas agncias por ele revistas eram compatveis com o Executive

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    Order 12291. [n164] Ele requisitou alteraes em 23,1% dos casos. [n165] As prprias agncias revogaram mais de 3% das regras. [n166] O fato de que regras so freqentemente desenvolvidas durante um processo de negociao e discusso com o OMB sugere que ele algumas vezes assumiu o poder de deciso final um papel que em muitos casos ilegal. [n167] Aqueles que criticam o processo de reviso como indevidamente contrrio regulao e talvez at mesmo ilegal sugerem que o presidente deveria considerar a opo de transferir esse poder de superviso do OMB para uma outra instituio, ainda que sob controle presidencial direto. Um sistema como esse poderia reduzir um possvel vis -- que deriva da posio particular do OMB como guardio das despesas e assegurar algumas das vantagens associadas direo centralizada pelo Executivo. Mais que isso, um sistema como esse se combinaria confortavelmente com a recomendao, referida acima, de que a instituio incumbida da superviso deveria entender sua misso de forma mais ampla, abrangendo no simplesmente vetar ou diminuir a quantidade de regulamentos, mas tambm o papel de criar e dar suporte a regras regulatrias. [n168] De qualquer modo, nenhum dos problemas da reviso pelo OMB motivo suficiente para rejeitar a idia geral de superviso presidencial da burocracia. [n169] Um sistema de controle pelo Executivo golpeia o prprio equilbrio entre dois objetivos da administrao insulamento em relao a presses partidrias e responsividade em relao s preferncias eleitorais. O controle pelo Executivo no sacrifica o objetivo madisoniano de democracia deliberativa. Insulamento de menos ou em demasia ameaa solapar o aracabouo madisoniano. Como um rgo de coordenao como o OMB no est sujeito s presses concentradas que grupos privados impem s agncias, o controle pelo OMB provavelmente reduz, ao invs de aumentar, a possibilidade de facciosismo. Tal superviso, mais do que isso, provavelmente diminuiria, ao invs de aumentar, a ocorrncia de violaes legislao. O controle pelo OMB pode muito bem contrapor-se arbitrariedade ou a violaes legais cometidas por agncias. Na medida em que esses regulamentos que emergem do processo do OMB no seguem determinaes legais, essa incompatibilidade sujeita ao controle judicial. [n170] E embora os problemas de implementao do OMB sejam reveladores, no ocorreram grandes escndalos. Aqueles problemas que ocorreram deveriam ser suscetveis de controle mediante a garantia, por controles internos [n171] e externos [n172], de que os funcionrios do OMB estejam conscientes dos limites de seu papel. Alguns controles j esto disponveis. [n173] Quanto ao problema do sigilo, o OMB tem adotado medidas para assegurar a abertura (disclosure) das anlises de impacto regulatrio e tambm tem dado publicidade aos resultados de suas prprias revises. Em qualquer circunstncia, os processos deliberativos dentro de determinada agncia, ou entre agncias, no precisam geralmente ser tornados pblicos. Algum grau de sigilo no processo de reviso justificado por preocupaes legtimas, principalmente a necessidade de garantir abertura (openness) e imparcialidade durante o processo deliberativo. [n174]

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    Isso no para sustentar que mais abertura seria indesejvel. Em particular, o OMB deveria tornar disponvel para o Congresso e para o pblico a maior parte dos detalhes do seu processo de reviso aps a edio da norma. [n175] Ele deveria tambm impor controles mais severos sobre os contatos ex parte com grupos privados, inclusive a divulgao (disclosure) de todas as comunicaes relevantes que ocorrem por fora do processo de produo das normas. [n176] Exigncias como essas melhorariam de forma significativa o atual sistema. Qualquer que seja o objetivo, aperfeioar o processo decisrio tecnocrtico ou promover a responsabilizao, muito se pode ganhar com alguma forma de variao do processo centralizado introduzido pelos recentes decretos presidenciais. Decises regulatrias envolvem necessariamente juzos de valor, e essas decises deveriam ser monitoradas por funcionrios prximos ao presidente. A superviso pelo Executivo deveria ter o salutar efeito de aumentar a autoridade dos dirigentes das agncias sobre funcionrios subordinados, ao trazer luz mais cedo as questes tratadas, permitindo assim aos dirigentes participar antes que as posies tenham se consumado pelas decises do staff. Com as devidas garantias, discutidas abaixo, o controle pelo executivo deveria diminuir o risco da poltica facciosa e promover decises que tendem a convergir com a vontade do pblico. [n177] Algumas vantagens potenciais da coordenao das agncias pelo Executivo so sugeridas pelos benefcios que tm acompanhado a coordenao do oramento por aquele poder. Poucos defenderiam o retorno a um sistema no qual cada agncia submetia seu oramento ao Congresso sem a coordenao presidencial. Consideraes similares confirmam a aprovao das atuais iniciativas e sugerem que elas tambm deveriam ser aplicadas s agncias independentes. [n178] As limitaes ao papel do OMB derivam da justificativa para a superviso pelo Executivo. O objetivo do controle estabelecer o arcabouo bsico no qual as decises so tomadas. Uma tal superviso menos adequada quando a deciso predominantemente legalista. Em contraposio, questes amplas de polticas pblicas por exemplo, aquelas ligadas poltica do Occupational Safety and Health Administration (OSHA) para os carcingenos [n179] exigem um grau significativo de participao do OMB. Uma deciso tecnocrtica um caso intermedirio. A determinao dos meios apropriados para o atingimento de fins consensuais deveria incluir a participao do OMB de modo a promover os valores tecnocrticos e diminuir o risco de facciosismo. E o que mais simportante, o OMB deveria evitar intervenes ad hoc ou do tipo one-shot. em casos desse tipo que consideraes polticas na forma da poltica facciosa podem mais provavelmente contaminar o processo regulatrio. [n180] tambm em tais casos que a falta de sofisticao tcnica do OMB mais problemtica. [n181] Mais que isso, o controle pelo OMB no deve atropelar o papel da agncia como a ltima autoridade incumbida da deciso um limite expressamente reconhecido (ainda que no seguido na prtica) em ambos os decretos presidenciais. [n182] O Congresso tem competncia constitucional para exigir que a agncia tome a deciso; [n183] mais que isso, a necessidade de alguma especializao e insulamento justifica a deciso de conferir s agncias a competncia em ltima instncia.

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    Alm disso, o foco na produtividade econmica e na anlise de custo-benefcio deve ser moderado pelo reconhecimento de que alguns esquemas regulatrios visam a redistribuir recursos ou a reconhecer e estimular valores estranhos lgica do mercado. [n184] Sistemas regulatrios que tm outros objetivos alm da eficincia econmica incluem a regulao da telecomunicaes, a seguridade social, leis antidiscriminatrias e algumas medidas ambientais. Finalmente, uma preocupao sria sobre a reviso da regulao que ela tem em algumas circunstncias levado a um movimento indevidamente amplo e agressivo em relao desregulao mediante abdicao do Executivo. [n186] um resultado nem desejvel nem inevitvel. Apesar disso, a estrutura institucional do controle pelo presidente desejvel por razes de responsabilizao totalmente parte dos resultados substantivos que ele produz. O crescimento do controle presidencial tranformou profundamente a agncia do New Deal. A autonomia administrativa foi substancialmente restringida por causa dos riscos da descentralizao, da execuo descoordenada e da falta de responsabilizao. Na administrao Reagan, a superviso pelo presidente foi tambm associada com o ceticismo sobre aspectos substantivos do programa do New Deal. Embora a superviso tenha sido sem dvida buscada por interesses que se opunham regulao, temerosos de que a autonomia das agncias ajudaria a refor-la, [n187] no h uma conexo necessria entre uma posio poltica anti-regulatria e a defesa do controle pelo Executivo. Numa outra administrao, a centralizao no Executivo poderia ter o efeito oposto. Qualquer que seja a posio em relao regulao em distintos cenrios, um controle presidencial maior da burocracia uma resposta promissora aos riscos criados pelo tipo de agncia criada pelo New Deal.

    B. Controle Judicial At aqui, argumentei que o controle presidencial da burocracia pode funcionar como um remdio parcial para alguns dos problemas introduzidos no sistema de tripartio dos poderes pelo crescimento das agncias administrativas. Um papel maior para o Executivo no elimina, porm, a necessidade de outros controles sobre o processo regulatrio. Durante o ltimo quarto de sculo, a Justia Federal tambm atuou como um importante controle sobre as agncias administrativas. A atuao judicial manifestou-se de forma mais proeminente no desenvolvimento da hard-look doctrine. [n188] medida em que a doutrina evoluiu, os juzes primeiro exigiam que as agncias tomassem para si a responsabilidade de acompanhar atentamente as vantagens e desvantagens das estratgias regulatrias questionadas. Posteriormente, o prprio Judicirio assumiu essa responsabilidade. A hard-look doctrine assumiu duas formas primrias. Primeiramente, o Judicirio limitou as iniciativas regulatrias, [n189] s vezes exigindo das agncias que demonstrassem que as vantagens da regulao justificavam as desvantagens. [n190] Em tais casos, a racionalidade tecnocrtica por parte do Judicirio funcionava como um controle sobre a interveno

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    regulatria [n191] semelhante quelas criadas pelos recentes decretos presidenciais. Em alguns aspectos, essa atuao do Judicirio confirmou o temor do New Deal em relao a limitaes da regulao por juzes interessados na manuteno da tradicional ordem do mercado. De outro ngulo, porm, a atuao pode ser vista como uma peculiar inverso daquele temor, porque o controle judicial agressivo s vezes foi necessrio para afirmar os objetivos tecnocrticos associados ao prprio New Deal. Em segundo lugar, os tribunais tm se baseado na hard look doctrine para invalidar ou devolver para a agncia para reconsiderao medidas regulatrias que no atendiam aos objetivos da lei que tratava da respectiva matria. [n192] O Judiicrio tem intervindo em parte por causa de seu receio de que as leis estivessem sendo implementadas de forma inadequada. Em tais casos, a necessidade de justificar os objetivos legais contra um Executivo relutante ou voltado para interesses justifica uma atuao judicial. irnico que a superviso judicial cuidadosa da ao das agncias, rejeitada pelos defensores originais da regulao e defendida quase exclusivamente por seus oponentes, agora invocada por aqueles que buscam uma ao regulatria para levar adiante objetivos do New Deal. O APA, que trata do controle judicial das agncias, estabele duas funes primrias para o Judicirio. Em primeiro lugar, ele deve garantir a fidelidade ao direito positivo. [n193] Em segundo, ele deve invalidar decises que sejam arbitrrias ou caprichosas. [n194] A hard-look doctrine tem sido um esforo para implementar essas exigncias bsicas do APA. 1. Controlando a conformidade ao direito A exigncia bsica de que as agncias se atenham lei e a execuo judicial dessa exigncia so incontroversos. A questo central se e quando a deferncia a uma interpretao administrativa da lei compatvel com o princpio segundo o qual cabe ao Judicirio dizer o que o direito . [n195] Os casos criaram uma confuso a respeito dessa questo. Algumas vezes os juzes objetivavam aceitar uma interpretao administrativa a menos que ela estivesse totalmente errada ou seja de forma muito direta incompatvel com um juzo especfico do Congresso sobre o ponto em questo. [n196] Essa posio um resultado direto da perspectiva do New Deal, que favorecia a autonomia da agncia e que via no Judiicrio um obstculo implementao da lei. [n197] Ao mesmo tempo, os juzes freqentemente abordam questes de direito sem deferncia para as interpretaes das agncias, [n198] apontando para a ausncia de competncia tcnica da administrao em questes jurdicas. [n199] Essa abordagem algumas vezes foi associada hostilidade em relao regulao. [n 200] Mais recentemente, entretanto, os juzes passaram a realizar uma investigao judicial independente das questes de direito para garantir a implementao dos programas regulatrios, um desenvolvimento paralelo ao crescimento do controle das decises das agncias com base na hard-look doctrine. Subjacente a cada uma dessas tendncias encontra-se a viso de que a autonomia da agncia ameaa solapar os objetivos da legislao. Num recente e importante distanciamento dessa perspectiva das questes de direito, entretanto, a Suprema Corte confirmou uma regra de deferncia para interpretaes do direito

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    feitas por uma agncia. Em Chevron USA, Inc. v. National Resources Defense Council, Inc., [N201] o Tribunal decidiu que, a menos que o Congresso tenha tratado diretamente da questo analisada, os juzes devem dar deferncia construo que o Executivo fez da legislao que ele incumbido de aplicar. [n202] O Tribunal justificou sua deciso em parte destacando a superviso presidencial sobre as agncias e o fato de o Presidente, ao contrrio dos juzes, ser responsabilizvel perante o eleitorado. [n203] Essa concepo um retorno parcial s concepes do New Deal sobre a relao entre as agncias e o Judicirio. Freqentemente o Congresso delega poder discricionrio para uma agncia administrativa porque no tem tido condies de tratar da respectiva matria; mesmo quando o Congresso tenha tratado do assunto, a lei