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O conteúdo desta obra, inclusive revisão ortográfica, é de responsabilidade exclusiva do autor

Copyright: Todos os Direitos Reservados

Registrado: Sex Fev 11 22:04:31 UTC 2011

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Título: Andaluz

Descrição: Livro de Literatura Fantástica

Volume II

MCN: CKX2H-U37XE-KD9LH

Capa: Alan fotografias

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Isa Braga

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Sinopse

Melissa finalmente chega a Andaluz. E disposta a fazer o possível para libertar Jeziel, arrisca

sua vida numa jornada impossível e suicida na companhia de Ernest.

Os dois se aventuram pelas florestas até serem encontrados pelos soldados de Cordomad. E

numa luta em que quase perderam a vida, surge Aragorn, um guerreiro desertor do exército do

rei, que vendo os dois em perigo, resolveu ajudar.

Aragorn então derrota os soldados e salva Melissa e Ernest de um fim sangrento e certo.

Ernest o contrata como protetor para Melissa, mas se recusa a contar de onde ela é e o porquê

dos soldados do exército do rei estarem atrás dela.

Debaixo desse segredo os três seguem viagem até que em outro ataque, Ernest não teve tanta

sorte e perdeu a vida defendendo Melissa.

Ela então se vê sozinha, num mundo desconhecido e na companhia de um estranho que não sabe

nada da vida dela, mas se mostra interessado em continuar ajudando, já que ela não aceitou

voltar para casa sem antes realizar a missão secreta que a tinha levado até ali.

Seguem os dois então na jornada repleta de perigos e aventuras e por mais que Melissa não

quisesse admitir, seus sentimentos estavam ficando confusos demais para que ela os entendesse.

Aragorn se tornara seu único ponto de apoio e segurança, e a cada dia seu jeito atencioso, gentil

e protetor estava conquistando mais que a confiança dela.

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Dedico este livro a Sabrinna

Quando chegar o dia que tiver que escolher entre

o príncipe e o protetor

faça a melhor escolha.

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Capítulo 1

Agora sabendo que foi a bruxa da Raika que nos separou com suas teias eu estava

disposta a lutar. E nada nem ninguém iria me impedir. E como eu ansiava em estar frente a

frente com Raika para enroscar minha mão naquele cabelinho lourinho dela e arrastá-la por toda

Andaluz.

- Vamos para Andaluz! – Lancei a ordem sobre Ernest que me olhou admirado.

- Tem mesmo certeza?

- Temos outra alternativa?

Ele balançou a cabeça negativamente.

- Mas não será fácil, e quando passarmos pelo portal, por onde eu vim, é possível que

Cordomad esteja nos esperando do outro lado.

- Nós temos uma coisa que ele não tem – Ergui a coroa.

- Isso pode nos dar uma vantagem - Falou pensativo.

- Como ela funciona? Como eu pude ter a visão de onde Jeziel esta?

- Ela sempre obedece a seu dono. Quando você colocou sobre a cabeça seus

pensamentos queriam alcançar a ele e a coroa te levou até lá.

Coloquei novamente sobre minha cabeça.

- Mostre-me Jeziel.

A visão novamente se abriu, e ele ainda estava preso pelas mãos. Me surpreendi como

era clara a visão.

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- Jeziel... – Falei a ele que continuou de cabeça baixa. - Será que ele pode me ouvir ou

me sentir?- perguntei a Ernest.

- A distância é grande. Mas vezes ele acordava no meio da noite dizendo que podia

ouvir você o chamando.

O que Ernest me falou me deixou comovida. Mesmo tão distante ele ainda estava ligado

em mim?!

- Eu acordei por várias noites gritando o nome dele. – Recordei entristecida às inúmeras

vezes que acordava com uma dor cortante no peito de saudades.

A visão ainda estava aberta diante dos meus olhos.

- Jeziel, se você pode me ouvir só levante a cabeça. – Não houve reação.

- Não parece que ele me ouve - Disse a Ernest.

- Chame-o como você costumava chamá-lo. Talvez ele esteja pensando que esta

delirando. Ou sonhando.

- Meu Leo, não é delírio eu estou aqui com Ernest ele me contou o que aconteceu e nós

vamos te ajudar.

Leo riu sem humor.

- Ele riu - Falei para Ernest.

- Bom agora tenho certeza ele acha que esta delirando. Eu e você juntos? Ele pensa que

ainda estou nas masmorras.

- O que eu faço para ele acreditar que sou eu.

Ernest deu e ombros.

E eu fiquei olhando meu Leo que mesmo aprisionado por grilhões, ainda mantinha o

mesmo porte majestoso e a mesma beleza que tanto me encantava.

Não sei para onde foi toda minha resistência, ou toda a terra que eu tinha jogado sobre

meus sentimentos por Jeziel. Ao poder vê-lo, meu coração que há muito tempo mal batia

teimosamente para manter meu corpo vivo, deu um salto no peito reconhecendo Jeziel. Meu

peito se encheu de ternura. Eu não queria isso, mas não conseguia evitar. Era algo involuntário a

emoção que voltava a brotar em meu coração por ele.

Baixei a guarda.

- Leo... Mesmo pensando ser um sonho ou um delírio Ainda que você não acredite que

seja eu. Só responda. Você ainda me ama?

Eu sabia que precisava dessa resposta, ainda que não soubesse o que fazer com ela, mas

no momento parecia vital pra mim, principalmente diante do que eu estava prestes a fazer.

Ainda de cabeça baixa ele ficou parado. De repente ele se endireitou e olhou para frente.

- Se eu ainda te amo? Eu sempre te amo. – Ele me respondeu como no passado.

Ainda que ele achasse que fosse uma ilusão, ele podia me ouvir e eu podia ouvi-lo isso

era maravilhoso.

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E desenterrando o sentimento que eu forçava em sufocar e mesmo que sem permitir

com medo da dor, as palavras deslizaram por meus lábios.

- Eu te amo Jeziel... Meu Leo. Estamos indo te buscar. Eu estou indo para aí.

Ele não respondeu.

Outros homens entraram na sala procurando por algo que eles pareciam perceber mais

não ver.

Tirei a coroa interrompendo a visão.

- Será que outras pessoas lá podem me ouvir?

- Os dons deles são muito apurados, é possível que eles sintam alguma coisa. É melhor

ser cautelosa ao usar a coroa, pois eles podem usar isso contra nós.

- Ernest o que agente faz? – agora eu estava ansiosa para tirar Jeziel das mãos de

Cordomad.

- Onde esta sua mochila?

- No quarto.

Ernest se adiantou subindo as escadas até meu quarto.

- Jeziel colocou algumas coisas na sua mochila contra minha vontade é claro. Ele nunca

me dava ouvidos e hoje fico grato por isso.

Na mochila havia além das coisas que meu pai me dera, que joguei ali junto com o colar

que Jeziel me deu, algumas peças de roupas minhas que eu havia esquecido na casa dele, o

bastão que eu usava no treinamento, um pergaminho semelhante ao do meu pai só que maior e

que continha o mapa de toda Andaluz. E um bilhete de Jeziel.

Se algum dia você quiser rever seu pai ou conhecer Andaluz e

quem sabe me fazer uma visita. Será muito bem vinda. Sei que hoje

você deve estar com muita raiva de mim e vir aqui seria a última

coisa que faria, mas num futuro talvez as coisas mudem.

Esta com você algo que pensei que iríamos usar juntos e que nos

levaria ao lugar que eu escolhi para ser o primeiro em Andaluz que

você visse. A colina mais linda de toda Andaluz. Imaginei que quando

a visse iria se apaixonar por essa terra como eu, e iria parar de

chamar meu reino de “dimensãozinha”. É um lugar secreto e se você

não quiser que ninguém saiba que esta lá não haverá como saberem é

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um lugar protegido por magia. Meu pai reservou só para ele e para

minha mãe para algo muito especial. E que pensei que poderia ser um

lugar especial para nós também. Pena não ter saído como planejei. De

qualquer forma deixo esse lugar em Andaluz para você como um

presente. A caixa que eu te dei para guardar no dia em que te

entreguei o colar, contém a passagem direta para a colina sei que você

vai gostar.

Adeus.

Jeziel

Ao terminar de ler o bilhete que eu nunca tinha visto, meu coração novamente saltou.

Fiquei olhando com saudade sua letra enquanto Ernest reagia de uma forma curiosa.

- Não acredito! - Ernest falou entusiasmado.

- O que foi?

- Ele deixou com você o portal que leva direto para a Colina secreta do rei. - Pela

primeira vez ele estava animado. - Nem Erkas poderá saber quando chegarmos lá! Isso é muito

bom. Vai nos dar uma vantagem e um tempo para planejarmos a estratégia para libertarmos

Jeziel.

Apesar da animação de Ernest eu estava intrigada com outra coisa.

- Ernest, porque ele deixaria o portal dessa colina comigo se é tão especial? Porque me

daria de presente sabendo que eu jamais iria até lá?

Ernest me olhou com um sorriso no rosto.

- Melissa, O seu Leo, é um romântico incorrigível. Essa colina foi o lugar onde o rei e a

rainha passaram sua lua de mel. Leo havia planejado cada detalhe nesse lugar especial para você

e pelo que conheço dele, ele não conseguiria estar ali de outra forma, então resolveu deixar para

você.

- Ainda não entendi. - Falei aérea.

- Vou falar de uma forma que você vai entender perfeitamente. – O sorriso dele

aumentou. – Esse garoto... - Ele ria meio constrangido.

- Fala Ernest, esta me deixando ansiosa.

- Melissa, o seu Leo planejou esse lugar para vocês passarem sua lua de mel, assim

como os pais dele.

Senti meu rosto arder e percebi que eu devia estar vermelha de vergonha.

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Ernest riu mais um pouco. Principalmente da minha cara.

- Nem mesmo Raika com toda sua feitiçaria o faria levá-la até lá. Mas é tão providencial

esse romantismo dele que nos fará chegar a Andaluz em segredo. – Ele estava realmente

confiante. - Onde esta o portal?

- A caixa que ele me deu... Onde esta? - Eu andava de um lado para o outro tentando me

lembrar. - Eu não sei. Ele me falou para escondê-la e mantê-la segura eu nem sabia o que tinha

nela.

- Espera – Falou Ernest – Relaxe que eu encontro ela em sua mente.

Ele olhou para mim por alguns segundos

- Esta numa caixa de sapatos dentro do seu guarda-roupa.

- Como fazem isso? - Falei admirada querendo ter esse poder também.

- Não sei é como você não sabe. – Replicou.

Enquanto retirava as coisas do guarda roupa procurando pela caixa pensava no que

Ernest me falou. Quantas vezes eu tinha sonhado em ter meu Leo por completo comigo. Ter seu

coração sua mente, seu corpo... E ele sempre fugia de mim. Mas ele tinha preparado algo

especial para o momento mais especial de nossas vidas. Isso me aqueceu o coração.

Encontrei a caixa e logo entreguei a Ernest que abriu retirando o baú. Quando ele

levantou a tampa três pedras de cristal exatamente iguais numa esfera perfeita estavam ali.

- Bom, é bem diferente do que eu pensei, é por isso que ninguém encontra a localização

da colina - Ele falava pensativo. - O portal não toca o chão sendo assim não deixa marca nem

pistas ele é que se move e leva a pessoa para o local exato. Sem deixar rastros. – Ele se voltou

para mim - Eu vou até minha antiga casa buscar algumas coisas e você se prepare Melissa. Esta

noite vamos fazer uma longa viagem.

Estava preparada para enfrentar qualquer coisa agora que havia decidido ir. Mesmo que

não pudesse saber o que me aguardava lá. Mas a visão de Leo aprisionado me motivava a

prosseguir. Arrumei algumas coisas que achei que seriam necessárias numa mochila e deixei um

recado na secretária eletrônica para minha mãe e para Biel quando eles ligassem. Sabia que eles

iriam enlouquecer se me ligassem e não conseguissem falar comigo.

Após o sinal deixe sua mensagem. A voz gravada me dava à deixa.

- Biel, Mamãe, não estou em casa agora, e é provável que vocês não me encontrem por

algum tempo. Estou indo fazer uma viajem. Sei que parece loucura, mas não quero que vocês se

preocupem. Pela primeira vez estou tendo coragem para fazer algo que acredito ser certo. Biel,

eu menti para você, me desculpe, naquele cofre de banco havia uma carta de nosso pai para

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mim, ele me dizia algo que esta me encorajando a fazer o que estou prestes a fazer. Numa

parte da carta ele dizia:

“E sei do seu potencial. Basta você também acreditar nele. E lutar até o fim pelo que

acredita.” Mamãe vê se não surta... E não ponha a polícia atrás de mim. Vai ficar tudo bem.

Torçam por mim. Nos veremos em breve. Amo vocês.

Com tudo pronto Ernest e eu já estávamos dispostos a partir.

- Precisamos de um lugar com mais espaço. Esse portal pode destruir sua sala

- Podemos ir ao jardim nos fundos da casa – sugeri.

No jardim Ernest teve o cuidado de se posicionar bem no centro mantendo uma

distância segura das paredes da casa.

- Espero que eu esteja correto no que penso ser a forma de abrir esse portal. Venha

Melissa fique bem junto a mim.

Eu me aproximei dele enquanto ele segurava as três pedras de cristais juntas nas mãos.

- Não tem como saber o que esse portal fará, mas em hipótese nenhuma se afaste de

mim. Esta bem?

Concordei com um frio na barriga.

- Bom se ele não pode tocar o chão então é provável que ele venha do alto.

Ernest lançou as três bolas com força para o alto e elas começaram a brilhar rodopiando

em espiral no céu. A luz foi se intensificando a tal ponto de nos ofuscar, e numa explosão de luz

as esferas se romperam formando uma parede de luz curva que agora giravam se unindo em

blocos formando o que me pareceu um grande cilindro luminoso.

Sim, reconheci espantada que eu já conhecia aquele cilindro, Leo já havia me mostrado

num sonho.

A hora tinha chegado e enquanto o cilindro ainda girava no ar, algo dentro de mim me

dizia que a partir de agora minha vida iria mudar radicalmente.

O cilindro desceu sobre mim e sobre Ernest nos envolvendo em sua luz e em seu giro

senti meus pés saindo do chão sendo sugada para dentro do portal e em menos de um minuto fui

colocada novamente com os pés no chão e o cilindro retornou ao ar agora na forma inversa para

se refazer novamente em três esferas de cristais retornando as mãos de Ernest.

Quando minhas vistas se recuperaram da luz pude então contemplar aonde o portal tinha

nos levado.

Nem o dia mais claro de verão poderia servir para ser comparado à luminosidade

daquele lugar.

Sobre minha cabeça o infinito céu de um esplendoroso azul e sob meus pés um verde

sublime da relva que se estendia além de onde meus olhos alcançavam.

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Árvores imensas de espécies desconhecidas, algumas que se assemelhavam a salgueiros,

só que mais refinado, Pequenos e grandes arbustos de flores em tão variadas cores que seria

difícil numerá-las. Tudo muito claro. Tudo parecia ter uma luz própria numa existência

imponente e sem comparação.

Ouvi o canto de pequenos pássaros aninhados nas árvores. Outros pequenos voadores

que se pareciam com borboletas florescentes voavam de um lado para o outro colorindo ainda

mais aquela paisagem. A brisa suave que balançou meus cabelos trazia um perfume semelhante

ao sândalo só que mais suave. Ao longe, um grande rio que serpenteava todo o vale aos pés de

montanhas que colaboravam ainda mais na composição daquela obra prima da natureza.

Impossível ser indiferente diante de tanta beleza. Tive a impressão de ter chegado ao paraíso.

Tudo era inacreditavelmente perfeito.

- Bem vinda a Andaluz. – Ernest me saudou orgulhoso.

Leo tinha razão em imaginar que eu iria gostar daqui. O lugar mais lindo que vi em toda

a minha vida.

Sorri para Ernest maravilhada o que colocou no rosto dele um sorriso que dizia: “Eu te

falei que era lindo”.

Imaginei se a viagem teria sido mais longa do que realmente pareceu a mim por termos

saído na madrugada do jardim de minha casa e chegado aqui no meio do dia.

- Questão de fuso-horário - respondeu Ernest ao meu pensamento - Venha precisamos

preparar algumas coisas. Sairemos ao anoitecer.

Me virei para o que estava as minhas costas e não muito distante uma casa feita em

pedras de cor clara com portas e janelas em vidro se destacava no alto da colina. No pano de

fundo o céu sem nuvens passava a impressão de estarmos no topo do universo.

Ernest caminhava a minha frente sempre olhando para trás como se ainda duvidasse que

eu estivesse ali. E de certa forma eu também estava me esforçando para acreditar que não era

um sonho.

Passamos pela porta da casa e me admirei com sua estrutura e decoração. O cômodo que

entramos com certeza seria a sala, muito ampla e com poltronas espalhadas em pontos

estratégicos formando vários ambientes no mesmo lugar. Tudo era em material natural, mas

nada rústico. O que mais me chamou a atenção foi o teto da casa que era todo azul, o mesmo

tom de azul do céu lá fora. Só que... Não... Não era pintura como no quarto do chalé, o telhado

era transparente em cristal e permitia que todo o azul do céu fosse visto dali de dentro.

Tirei a mochila das costas e andei explorando a casa enquanto Ernest saía por outra

porta ao fundo.

Passei por um quarto imenso com uma cama centralizada e visivelmente confortável e

mantos em veludo que pendiam de hastes na cabeceira da cama que se amontoavam no chão.

Continuei minha exploração e descobri um banheiro que me surpreendeu por ser idêntico aos

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que eu conhecia. Lousa, pia, espelho, algo que devia ser um chuveiro e uma banheira do

tamanho de uma piscina. Saí rindo daquele lugar. O povo de Andaluz também tinha suas

necessidades.

A cozinha era clara e espaçosa com uma enorme janela que dava visão para um grande

vale. Prosseguindo minha excursão cruzei um corredor que me levou a outra sala com uma

enorme estante repletas de livros aparentemente antigos, vários objetos formando uma

requintada decoração e uma pintura em tela de um casal tomava boa parte da parede ao fundo. O

homem num traje em cor de bronze com detalhes em preto sentado numa cadeira de encosto alto

em madeira esculpida de um rosto belo e olhos escuros que mesmo na descontração transmitida

na tela representava muita autoridade. E a mulher sentada ao chão junto ao homem debruçada

sobre as pernas dele com um sorriso suave e tranqüilo de olhos claros, tão linda quanto o pintor

poderia ter se inspirado para retratá-la. A mão direita do homem segurava a mão direita da

mulher delicadamente e a esquerda dele pousava sobre o ombro esquerdo dela. A orla do

vestido claro em detalhes dourados da mulher se espalhava ao pé dos dois. A intimidade

daquele casal mesmo através de uma pintura expiravam grande compromisso e amor.

- Os pais de Jeziel – Ernest falou por trás de mim. – Rei Jeriel e rainha Adria. Esta com

fome?- Ele me perguntou estendendo sua mão com uma fruta roxa como uma ameixa.

Agora que olhava com mais atenção para a pintura dava para identificar os traços de

Jeziel em cada um dos dois. Os olhos castanho-escuros do pai o sorriso da mãe e a presença

marcante dos dois. Peguei a fruta da mão de Ernest.

- Seria uma pêra? – Perguntei me deixando influenciar pelo formato da fruta.

- É mais para um caqui – Afirmou ele.

Dei uma dentada na fruta roxa e suculenta e Ernest tinha razão, o sabor era de caqui só

que menos doce. Eu adorei.

De volta a sala Ernest e eu retiramos os mapas da mochila para traçar a rota que

faríamos ao sair dali a noite.

- Hoje teremos que viajar a noite e não será seguro, mas será mais discreto. E não

poderemos parar por toda a noite até chegarmos aqui. – Ele apontava o dedo numa parte do

mapa que atravessava, segundo o desenho, um grande rio. – Do outro lado do rio encontraremos

uma forma de encontrar seu pai. Mas temos que ser cautelosos.

- Na carta de meu pai ele falava para procurarmos por uma mulher chamada Thiouryna.

- Então procuraremos por ela. – Ernest me olhou de cima a baixo. - Teremos que ser

absolutamente discretos ao andarmos pelo vilarejo, o que acho não ser muito possível com você

vestindo essas roupas.

Olhei para baixo sondando minhas roupas. Meu tênis velho preferido uma calça jeans

batida, uma camiseta de manga longa branca e uma regata preta básica por cima. O que poderia

ser mais discreto que isso?

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- Vamos ter que encontrar roupas normais para você. No quarto quem sabe. Espero que

a rainha Adrià tenha deixado algumas roupas aqui.

Chegando ao quarto Ernest revirava alguns baús repletos de roupas, mas ao que parecia

ele não se agradava de nenhuma. Um vestido vermelho de aparência pesada muito rebuscado

em detalhes de pedras foi erguido na minha frente.

- Lindo, mas nada prático. – Avaliou.

Depois de várias roupas espalhadas pelo chão Ernest já estava impaciente.

- Gostei desse – Disse a Ernest suspendendo uma peça um vestido de cor verde água em

várias camadas de um tecido extremamente fino e leve.

- Não durará dois dias da nossa jornada na floresta.

- E que tal esse? – Ergui um vestido preto com mangas que me pareceu discreto.

- Para um baile real esta ótimo, mas se quisermos chegar vivos e despercebidos até seu

pai é melhor encontrar algo mais plebeu. O que esta sendo difícil no guarda roupas de uma

rainha.

Ele olhou para todas aquelas peças espalhadas e um brilho lampejou seu olhar. – Já sei.

– Ele tomou o vestido de minha mão e rasgou a saia do pobre vestido pelo meio sem a menor

cerimônia ou pena por destruir algo tão lindo. Arrancou as mangas e me entregou – Segure. –

Andou pelo quarto vasculhando as peças caídas e me jogou um corpete cheio de tiras, um cinto

largo em couro curtido, uma manta escura que me pareceu uma capa e um par de botas longas

em couro cru que passariam dos meus joelhos. Uma bainha para espada que ele tirou

dependurada da parede. Olhei para aquilo tudo em minhas mãos e não quis acreditar no

modelito que Ernest estava planejando para mim.

- Tire suas roupas e vista esse corpete por cima do vestido e calce as botas. Deixe o

resto comigo.

Ele se retirou do quarto e eu fiz o que ele me pediu sem ter muita escolha. O mundo era

dele, ele devia saber o que estava fazendo.

- Pronto – Dei o sinal para que ele pudesse retornar ao quarto.

Mais eu ainda não estava pronta. O sinto largo Ernest fez se encaixar sobre meus

quadris, atrelando nele o bastão que Leo deixara na minha mochila. A capa que dava até meus

tornozelos foi lançada sobre meus ombros, a bainha ele atravessou em meu peito encaixando

uma espada em minhas costas. Ele estava com certeza esperando por uma guerra.

Ernest deu dois passos para trás e sorriu para mim. Estiquei o olhar para um espelho a

minha direita e tive um choque ao ver minha imagem refletida. Me aproximei para ter a certeza

de que era eu mesma. Me olhei de alto a baixo estarrecida.

- Eu não posso andar vestida assim em nenhum lugar do universo - Exclamei perplexa

ainda olhando meu reflexo no espelho.

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- Esta ótima Melissa. Bem comum na verdade e muito bonita também. - Ernest falava

satisfeito com seu trabalho.

- Vai me dizer que as pessoas andam assim por aqui? – Só podia ser uma piada.

- Você esta em outro mundo agora. – Ele tentava me lembrar do que eu ainda não tinha

esquecido principalmente com essas roupas.

- Mesmo assim ainda não quero andar por aí vestida assim. Estou me sentindo uma

figurante de filme épico.

A cara que fiz para mim mesma no espelho fez Ernest sorrir.

- Se Jeziel te visse vestida assim... - Ele estava apelando para minha vaidade - Duvido

que ele te achasse uma figurante.

- Tudo bem Ernest, mais eu vou cair pra cima de você se alguém rir de mim. – Ameacei

– E se Leo me achar ridícula você vai ter que se ver comigo.

Já estava escurecendo e Ernest já tinha preparado nossas mochilas. Ao mesmo tempo

em que eu estava ansiosa também estava preocupada. Não sabia o que nos aguardava fora

daquele lugar tão magnífico, mas não poderia mais adiar a jornada. Leo estava precisando de

mim.

Enquanto Ernest trocava sua roupa abri a mochila em couro que ele me deu e peguei nas

mãos a coroa. Eu precisava ver Leo antes de sair.

- Mostre-me Jeziel. – E a visão se abriu.

Ele estava sozinho na grande sala, ainda preso pelos pés e pelas mãos e o arco que o

impedia se usar seus dons ainda estava sobre sua cabeça.

- Leo – O chamei amavelmente.

- Minha doce ilusão. – Seu tom de voz foi um eco do meu. – A loucura até que não é tão

má. Serve para aliviar a dor constante que minha mente e meu coração me causam todos os dias

pelo arrependimento e pela... saudade.

- Leo estou aqui com você. É real. Lembra de como você entrava em meus pesadelos

me trazendo conforto e segurança? – Ele não respondeu - Agora é a minha vez. Estou aqui para

ajudar você.

- Só que infelizmente o que estou vivendo não é um pesadelo e não há conforto para a

minha realidade. E nunca haverá.

- Melissa esta na hora de irmos. – Falou Ernest já parado me esperando na porta.

- Eu te amo. – Falei sem perceber. Mas o fato de estar sob o mesmo céu que meu Leo,

tirou uma sensação de oco do meu peito. – Retirei a coroa da cabeça e a visão se foi.

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Me virei para Ernest e me irritei novamente com minhas roupas. Ele tinha pego algumas

roupas do rei e apesar de não ser tão convencional quanto as roupas de minha dimensão, ele

estava até elegante. Não parecia sair de um filme do século I. Como eu.

Ele sorriu sabendo o que eu pensava.

- Melissa, sei que será difícil, mas você não poderá entrar em contato com Jeziel quando

sairmos dessa campina ou eles nos encontrarão. Nem deixe sua mente aberta e não use o

bloqueio com o rosto dele ou nossos inimigos identificarão você. Não confie em ninguém. E se

alguma coisa acontecer a mim, não desista, Jeziel e Andaluz precisam de você. As pedras do

portal da campina estão na sua bolsa e deixei outras preparadas aqui para você, que te lavarão de

volta a sua dimensão. Se tudo der errado volte para a campina e retorne para sua casa.

- Esta pronta? – Ele me perguntou vendo o medo em meu rosto.

- Não. Mas vamos assim mesmo.

Depois de mais de uma hora de caminhada sentimos como se tivéssemos atravessado

uma parede invisível e ao olhar para trás o chão que antes estava debaixo de nossos pés havia

desaparecido. A visão de um enorme precipício substituiu o que à poucos segundos atrás era a

campina.

- Agora sei por que ninguém jamais encontrou a campina secreta do rei. – Exclamou

Ernest.

Ele pegou uma pedra e atirou no precipício nos mostrando não ser uma ilusão de ótica.

Era realmente real e se alguém tentasse passar por ali teria uma queda livre e apavorante.

Por toda a noite atravessamos a floresta em silêncio. Meu corpo estava cansado e eu

estava com sono, mas tínhamos que seguir o plano. Nada de descanso antes de atravessarmos o

rio. O que parei para pensar em como isso seria possível. Da campina tinha visto a extensão do

rio e não era possível atravessar a nado. A não ser que Ernest fosse abrir as águas ou nos fazer

caminhar por cima dela. Estávamos em Andaluz, então nada devia ser impossível.

Ernest sorriu.

– Bloqueie sua mente Melissa. Não me faça rir. Meus poderes não chegam a tanto. Tem

que ser mais que um Andaluziano para uma proeza dessas.

Já estava surgindo um amanhecer glorioso no horizonte quando nos aproximamos do rio

com uma neblina densa que pairava sobre as águas calmas e cristalinas. Paramos na margem e

avistei uma jangada vir flutuando nas águas rompendo a neblina e atracando na margem.

Um homem velho de cabelos tão alvos e finos e de olhos esverdeados e gentis estava

sobre ela e foi a primeira pessoa que vi em Andaluz. O homem me olhou com uma curiosidade

evidente.

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Ernest na embarcação me ajudou a subir. Navegamos por entre a neblina que se

esvanecia a medida que o calor do sol aumentava. Apesar da extensão não demoramos muito

para chegarmos ao outro lado.

Ernest entregou algo nas mãos do homem que devia representar a moeda local e o velho

retribuiu, o que me pareceu ser uma grande generosidade, com um largo sorriso.

- Ainda bem que o rei Jeriel deixou uma boa quantia de dinheiro na casa da colina. – Ele

riu - Tão boa que eu poderia me aposentar, e a esse pobre velho também.

Alguns passos a frente pela floresta eu estava quase me arrastando. Já eram duas noites

sem dormir recheadas de estresse e ansiedade.

- Só mais um pouco – Disse Ernest se compadecendo do meu cansaço.

CAPÍTULO 2

O sol já estava bem alto devia estar marcando o meio do dia quando chegamos a um

vilarejo.

As construções eram basicamente em pedra e o verde e a natureza mesmo ali ainda

predominavam. Algumas das construções tinham sido feitas em largos troncos de árvores

gigantescas e ainda vivas, outras embaixo das grandes raízes expostas. Algumas das árvores de

andaluz eram tão grandes que me faziam sentir uma formiguinha.

O movimento das pessoas circulando era bem comum a um lugar de comércios e teria

sido como passar feito turista por ali se o fato de todos os olhares se voltarem para mim não

estivesse me deixando incomodada.

- Eu disse que essa roupa não ia dar certo – Reclamei constrangida - Esta todo mundo

me olhando.

- Eles não estão olhando sua roupa. – Ernest abafava um sorriso, cumprimentando com

a cabeça algumas pessoas que passavam por nós me encarando.

- E estão olhando o que então? – Aproveitei para conferir as vestes dos outros, o que me

fez perceber que realmente não estaria tão diferente delas ou deles.

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- Estão olhando você. Essas roupas aqui são perfeitamente comuns. – Ernest lançou o

braço protetoramente sobre meu ombro me juntando ao seu lado – Sua beleza aqui é que não é.

Pisquei assustada ao passar por um homem que podia bem sem um astro de cinema,

olhando com a boca entre aberta para mim como se visse uma miragem.

- Meu plano de passarmos despercebido vai pro espaço. – Ernest murmurou

desanimado.

Abri um largo sorriso. Nunca fui o centro das atenções em lugar algum. Com a

declaração de Ernest e com os olhares admirados de todos que passavam por mim me senti o

máximo.

- Vê se não deixa isso subir a sua cabeça. Já me basta Jeziel ser tão convencido. Ou

Andaluz será pequena para comportar o ego da família real.

E os olhares continuavam. Eu poderia ter curtido mais se não estivesse exausta.

Chegamos a um estabelecimento que em Andaluz devia ser um hotel ou uma pousada.

Sua estrutura toda em pedra acinzentada do piso ao teto, se dividia em dois andares. Grandes

janelas que davam plena visão da rua movimentada lá fora. A mobília seguia o mesmo padrão

da casa da colina. No balcão um casal jovem nos recepcionou.

- Precisamos de um quarto. – Ernest falava ao rapaz que me olhou malicioso - Com

duas camas. Ela é minha filha. – Ernest eliminou assim a desconfiança do rapaz.

- Garray, mostre o quarto a eles. – O jovem falou à garota que estava ao seu lado.

Passamos por um longo corredor e por várias portas de madeira escura. Quando

chegamos ao quarto a garota abriu a porta para nos acomodar.

- Se precisarem de algo é só chamar. – Gentilmente ela nos falou fechando a porta atrás

de si.

- Espero que não se importe em dividirmos o mesmo quarto. Andaluz costumava ser um

lugar seguro antes do bando de Cordomad se espalhar pelas cidades. Só que agora Prefiro que

você esteja por perto.

- Não me importo. – Joguei a mochila de couro no chão de olho na cama.

- Tome um banho e descanse um pouco, eu vou comprar comida. Não abra a porta para

ninguém e só desbloqueie sua mente se precisar de mim.

- Você vai me deixar sozinha? – Perguntei temerosa.

- Você não corre perigo agora. E preciso tentar encontrar alguma pista sobre essa tal

Thiouryna. Não podemos perder tempo. Só paramos aqui para você poder descansar. Não

vamos progredir muito na estrada se você cair exausta e eu ter que te carregar. Então aproveite e

durma.

Pensei ser a melhor coisa que ouvi por todo aquele dia. E antes mesmo que Ernest

passasse pela porta já estava deitada. Em muito pouco tempo caí na inconsciência de um sono

pesado e sem sonhos.

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Quando acordei a noite tinha chegado e Ernest estava recostado na cama absorto em

pensamentos com o mapa na mão.

- Ernest. – Chamei sua atenção.

- Melissa - Ele me respondeu imediatamente.

- Que horas são?

- Estamos no meio da madrugada. Esta com fome? – Ele se levantou e pegou um prato

de cima de uma mesinha no canto do quarto me entregando em seguida.

Estava mesmo com fome e me pus a comer sem perguntar o que era o cardápio.

A comida estava deliciosa. Ou talvez fosse a fome, pois eu não reconhecia nada do que

estava naquele prato a não ser uma coxa grande do que supus ser de galinha.

- Ernest – Falei ainda mastigando. - Descobriu algo sobre a Thiouryna?

- Sim, descobri que ela mora em Fastatur, uma vila que fica a alguns dias de viajem

daqui. Na verdade cinco dias e cinco noites inteiras. Seria fácil chegar lá se pudéssemos usar

algum portal, mas teremos que ir andando e o único caminho é por uma vicinal vigiada pelos

soldados de Cordomad. Então teremos que encontrar uma rota alternativa, aumentando mais

dois a três dias de viajem.

- Dias? - Falei desanimada - Não podemos ir de carro?

- Você viu algum carro por aí? Se tiver visto podemos dar um jeito. – Ele respondeu

impaciente.

Realmente não havia visto nenhum carro.

- Nosso transporte daqui é mais prático – Ele olhou para um conjunto de pedras que

saíam de sua mochila caída ao pé da cama. - Não temos problemas de estacionamento. Mas nós

infelizmente não poderemos usá-lo.

- Quem é essa Thiouryna? Porque meu pai nos mandou procurá-la?

- Ainda não sei. Teremos que descobrir ao chegar lá.

- E quando vamos partir? - Perguntei enquanto colocava o prato agora vazio ao lado da

cama.

- Assim que amanhecer. Então se você quiser durma mais um pouco. O dia será bem

longo.

Me pareceu uma boa idéia já que eu ainda me sentia cansada.

- Ernest, você acha realmente que conseguiremos vencer Cordomad? - Perguntei entre

um bocejo.

- Espero que sim. Estou apostando minha vida nisso.

E eu adormeci.

Minha consciência me dizia que era um sonho. Mas tudo era tão nítido e colorido. Uma

atmosfera sinistra pesava sobre o lugar em que eu estava. Uma sala de paredes muito altas todas

cobertas por grandes cortinas num tecido pesado na cor vinho. Não havia portas nem janelas,

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não sabia como tinha entrado ali. O teto e o piso me pareceu feito de granito branco, e

exatamente no centro daquela sala um pedestal esculpido em ouro de aproximadamente um

metro e meio sustentava um globo negro do tamanho de uma bola de handebol.

Tentei me aproximar do globo para observá-lo mais de perto, mas ao meu primeiro

passo a atmosfera ao meu redor reagiu magneticamente impedindo minha aproximação como

um campo de força. Tentei mais uma vez forçando contra a barreira invisível, e avancei um

pouco, mas um som de corrente elétrica e uma força em forma de raio laser saiu do globo me

jogando contra a parede.

Ainda caída, vi uma mulher surgir do nada diante do globo e com olhos grandes e

negros como petróleo vasculhou a sala procurando algo. Fiquei imóvel já que me pareceu que

ela não podia me ver, mas não deixei de reparar o quanto era linda apesar dos olhos

assustadores. Seus cabelos tão negros como a noite sobre uma pele tão branca caía

delicadamente em ondas sobre os ombros. Seu rosto em traços perfeitos e delicados. Ela usava

um longo vestido totalmente prateado que parecia ser feito de espelhos sobre o corpo escultural,

decotado e com fendas laterais que se estendiam até os quadris. Ela ainda procurava algo com

os olhos e fiquei feliz por ela não poder me ver. Ela estendeu uma das mãos sobre o globo que

respondeu com um nevoeiro sombrio que encheu toda a sala. Então eu acordei assustada.

O sol entrava pela janela e Ernest já estava de pé.

- Tive um sonho estranho – Falei olhando Ernest.

- O que você viu? - Perguntou interessado.

Ao descrever o sonho e a mulher que vi, Ernest arregalou os olhos perplexo.

- Isso não foi um sonho. Você entrou na sala das almas. O lugar onde a Feiticeira Erkas

esconde as almas dela e de Cordomad longe do ataque de inimigos. Dizem que eles não podem

ser vencidos enquanto esse globo que as contém não for destruído. E a mulher que você

descreveu é a própria feiticeira. Ela deve ter sentido a presença de alguém apesar de não ver.

- Feiticeira? – Falei espantada - Ela não devia ser feia, desgrenhada e ter um nariz

enorme e verruguento como toda bruxa?

- Você conheceu a filha dela não foi?

- É. Raika realmente teve a quem puxar.

- Se prepare para sairmos. Te espero na recepção.

Ernest me deixou sozinha no quarto enquanto me preparava. Tínhamos que encontrar a

tal mulher chamada Thiouryna, mas o que meu coração mais queria é que tudo chegasse logo no

momento em que eu encontraria com Leo. A visão dele preso me angustiava e era o que me

impulsionava a ir adiante. Queria poder vê-lo, entrar em contato novamente, mas tinha que

seguir as instruções de Ernest. Peguei a mochila e lancei nos ombros. Respirei fundo e saí pela

porta rumo à recepção.

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Ernest estava sentado a uma mesa com o mapa aberto demarcando o caminho que

deveria ser percorrido. Até mesmo o risco no mapa me parecia extremamente longo, com rios

montanhas e florestas. Um trajeto no mínimo desanimador. Mas teríamos que fazê-lo.

Saindo do vilarejo abandonamos a estrada de chão que se seguia diante de nós entrando

floresta dentro. Fiquei feliz por Leo ter me obrigado as trilhas que fazíamos tanto de bicicleta

como de a pé. Se não fosse sua persistência em me ensinar a me adaptar a natureza creio que

seria bem mais difícil agora. O solo irregular não me cansava tanto agora. Tive um ótimo

professor de caminhadas.

Ernest por todo o caminho me falava de cuidados que teríamos na viajem. Eu estava

impressionada com a dimensão gigantescas das árvores. O tronco de muitas delas eram tão

extensos como de edifícios, sem falar na altura. Ele me contava dos animais da floresta que

eram os mesmos da minha dimensão só que maiores e mais poderosos em força, como

leopardos, cobras, aves, insetos e algumas plantas venenosas que deveríamos manter distância.

Ele me alertava novamente que ninguém poderia saber quem eu era de verdade.

Ele havia comprado comida no vilarejo para nossa viajem. E pretendia caçar se

precisássemos para não entrarmos em nenhuma das vilas do caminho. Quanto menos pessoas

nos vissem, melhor.

À noite Ernest acendeu uma fogueira e improvisou um acampamento. O céu era tão

cheio de estrelas que me impressionou.

- Aqui tudo é tão lindo. – Deitei-me sobre uma manta aberta no chão fitando o céu.

- É – Ernest suspirava – É bom estar em casa e saber que vou poder ficar aqui depois de

todos esses anos.

- Onde é sua casa Ernest?

- Minha casa mesmo fica na cidade que esta localizada ao pé da montanha do castelo.

Foi lá que passei boa parte da infância de Jeziel. E ele adorava aquela casa. E como me deu

trabalho aquele garotinho. Ele sempre sumia e quando ia atrás dele ele já tinha subido toda a

montanha e sempre estava tentando escalar o muro do castelo. – Ele falava num tom saudoso e

se divertindo com as lembranças. – Você não tem idéia de quanto ele era impulsivo e teimoso.

Não é a toa que ele é assim desde criança só faz o que quer, cheio de vontades e cabeça dura.

- Você o criou sozinho, nunca se casou?

- Não me casei, meu tempo era tomado para concertar suas travessuras. - Ele sorriu –

Certa vez ele quase inundou toda a cidade junto com alguns amiguinhos. Ele andava com uma

turma da pesada. – Acrescentou - Subiram até a represa com a intenção de liberarem as águas e

derrubarem os muros do castelo para ele e sua tropinha de rebeldes mirins invadirem. – Ele riu

novamente - Eles não tiveram força para remover todos os troncos da represa. Ainda bem, mas

arrancaram o suficiente para provocar um lamaçal memorável na cidade. Coisa de criança. Mas

enfim, sobrou para mim a reforma da represa.

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Eu sorri.

- E não sente falta de ter uma companheira ou família?

- Quem sabe depois que tudo isso acabar eu possa voltar para casa e com você e Jeziel

ocupados governando o reino eu consiga um tempo para isso. Mas agora me cabe dormir e a

você também. Precisamos estar descansados para continuar a viagem amanhã. – Ele se enrolou

em sua capa se virando de costas para dormir.

Eu e Jeziel governando Andaluz? A frase de Ernest nos unindo como um casal me

surpreendeu. Será que depois de todo o acontecido seriamos capazes de ficarmos juntos

novamente? Eu estava ali para ajudar na libertação de Jeziel. Eu o amava, não podia negar. Mas

ficarmos juntos novamente? Eu não queria ter esperanças para depois sofrer novamente.

Eu também me enrolei em minha capa e aproveitei as estrelas para devanear. Quantas

vezes Leo me contara do céu de Andaluz e quantos projetos ele fazia para quando estivéssemos

aqui juntos. Me deu saudades do meu Leo. Uma lágrima rolou pelo meu rosto. Saudades de seus

abraços, de suas brincadeiras, da sua forma de falar, da forma como ele brincava com meus

cabelos até eu conseguir dormir, e dos seus beijos. Sem perceber exatamente a que horas, eu

dormi. E como que se meu subconsciente quisesse amenizar a saudade como acontecia antes

enquanto estava em casa, Leo apareceu em meus sonhos.

Na manhã seguinte acordei com os cantar dos pássaros e com Ernest me entregando

uma xícara de chá quente.

- Dormiu bem?

- Na verdade, muito bem sim – Respondi bocejando e esticando os músculos

endurecidos pela primeira noite em minha vida que dormi deitada no chão. – Sonhei com Leo.

- E sobre o que se tratava o sonho? - Ernest perguntou cauteloso. Para Ernest um sonho

raramente era apenas um sonho.

- Nada de mais. Estávamos em minha casa juntos, foi como relembrar o passado.

- Que bom. – Falou aliviado - Então tome seu chá e vamos continuar.

Andamos por todo o dia novamente passando por árvores de folhagens incomuns, pelo

menos para mim. Atravessamos um riacho que serviu para nos refrescar. Ernest colheu algumas

frutas pelo caminho e estava particularmente tagarela por toda viajem me contando mais das

travessuras de Leo e eu me divertia com as histórias. Me servia para conhecer mais o homem

que eu amava. Pelo jeito Ernest também estava com saudades dele.

Anoiteceu e descansamos sob as raízes suspensas de uma gigantesca árvore. Eu devia

estar muito cansada. Pois dormi profundamente.

De manhã nossa cruzada continuou. Minhas pernas já estavam cansadas. Eu não

reclamava, mas Ernest notou.

- Hoje vamos parar um pouco mais cedo. Não quero que você fique exausta temos

muito que andar ainda.

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- Não precisamos parar eu agüento até a noite.

- Você agüenta hoje, e amanhã não vai conseguir dar um só passo. É melhor

descansarmos. - Disse decidido. - Amanhã teremos que subir essa montanha.

Ele apontou o dedo a nossa frente após passarmos por um arbusto enorme de folhagens

densas. E uma cachoeira surgiu como um grande véu branco caindo numa piscina natural e um

arco-íres de cores vivas decorava de uma ponta a outra a linda paisagem.

Fiquei maravilhada.

- Acampamos aqui. - Anunciou Ernest colocando as bolsas no chão.

Aproveitei que não íamos a lugar algum até o dia seguinte para tirar as botas e parte das

peças do modelito medieval.

Ernest foi colher madeira para a fogueira. E eu me sentei na beira do rio.

Por algumas vezes olhei para trás na impressão de que não estava sozinha. Aquela

sensação estranha de estar sendo vigiada.

- Ernest? – Chamei, mas ele não respondeu. Devia estar muito para dentro da floresta.

Coloquei meus pés na água e me surpreendi em como a água estava morna e me animei

a entrar. E como estava agradável. Foi realmente uma ótima idéia de Ernest parar ali. Eu ficaria

com certeza revigorada depois deste banho.

Minutos depois a sensação de que eu estava sendo observada voltou. Olhava para todos

os lados e não via nada. Apreensiva saí da água olhando desconfiada para trás das árvores,

voltando para onde estavam nossas bolsas.

- Ernest? – Chamei novamente e ele respondeu.

- Aqui Melissa. - Ele atravessava o arbusto com os braços cheios de madeira e gravetos.

– O que foi? – Ele perguntou preocupado com o som da minha voz.

- Nada. – Não quis preocupá-lo com minhas impressões infundadas.

Me sequei ao sol e me vesti novamente. E sentada vendo Ernest arrumando o

acampamento ainda não conseguia me livrar da mesma impressão. Mas como Ernest estava

bem a vontade não devia ser nada, com certeza ele perceberia alguma coisa no ar se houvesse.

A fogueira estava preparada. E já havia anoitecido. As estrelas do céu de Andaluz já

brilhavam na imensidão. Ernest me contava mais algumas das suas experiências como pai me

fazendo sorrir. E me contando mais algumas histórias de sua dimensão. Ele jamais se cansava

então vi que ele realmente amava esse lugar e também amava Jeziel.

Andei em volta do acampamento esperando que as horas passassem para podermos

dormir. Ernest preparava algo que seria o nosso jantar. Quando o som de um graveto se

quebrando na floresta fez Ernest se levantar sobressaltado colocando a mão na bainha da

espada.

- Melissa - Ele sussurrou e fez um gesto com a cabeça para que eu fosse para o lado

dele.

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Eu caminhei devagar alguns passos, mas de repente oito homens saíram de trás dos

arbustos gritando e com armas em suas mãos em nossa direção.

Ernest correu para meu lado, mas antes que ele se aproximasse dois homens começaram

uma batalha de espadas contra ele.

Num reflexo arranquei o bastão que estava preso ao meu cinto apertando ele pelo meio

fazendo-o se estender me defendendo de outro homem que me atacava com uma espada. Não

era como o treinamento, este homem realmente queria me ferir. Ao primeiro golpe de sua

espada contra meu bastão fez com que ele trepidasse em minha mão. Segurei firme e me

concentrei em cada movimento dele me defendendo de um segundo homem que chegou por

trás.

Já estava me sentindo numa arena e ainda um terceiro veio correndo em minha direção

seguido por mais dois armados até os dentes. O da frente trazia um machado enorme e uma face

cruel o que me fez tremer de medo, mas antes que ele pudesse me alcançar seu rosto mudou de

feroz para perplexo. Ele colocou as mãos para trás e despencou com a cara no chão com uma

lança cravada nas costas. Os outros dois seguiram caindo antes de chegarem a mim também

cravados desta vez com flechas. Continuei minha defesa contra os dois que ainda me

cercavam, mas olhei para Ernest que permanecia ocupado na batalha ainda com os outros três e

olhava para mim surpreso. Evidentemente não tinha sido ele a acertá-los em minha defesa.

Em um golpe brutal um dos homens que lutavam comigo me desarmou lançando meu

bastão a metros de distância, me fazendo cair de joelhos ao chão.

Enquanto meus olhos fixaram na grande espada que refletia o brilho na direção da

minha cabeça, uma sombra passou sobre mim arrancando a espada que estava embainhada em

minhas costas e dando um golpe fatal no homem que estava preparado para me decapitar. O

outro também foi atingido tão rápido que nem se deu conta de onde veio o ataque. Caiu bem ao

meu lado com os olhos arregalados e... morto.

Me arrastei de costas para longe daquele corpo caído. Apavorada. Me sentei encolhida

ao pé de uma árvore. Ernest e outro homem agora lutavam juntos dando um fim aos últimos três

que ainda restavam.

Quando a luta finalmente acabou eu olhava desorientada para todos aqueles corpos que

jaziam no chão. Um mar de terror diante de meus olhos. Corpos perfurados por espadas e

lanças, sangue, olhos esbugalhados sem vida que pareciam olhar diretamente pra mim. Uma

imagem terrível e traumatizante. Mas enquanto eu ainda olhava incrédula a cena, em poucos

segundos, o que eram corpos se tornaram em fumaça, se dissipando no ar.

Sumiram... os corpos daqueles homens sumiram diante de meus olhos. Se esvaeceram

na fumaça.

Eu ainda estava em estado de choque quando o homem que pelo jeito nos ajudou se

posicionava diante de mim estendendo sua mão para me ajudar a me por de pé. Eu me encolhi

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ainda mais e abracei minhas pernas debruçando a cabeça sobre os joelhos escondendo meu

rosto.

Ernest correu até mim e me abraçou paternalmente e um soluço começou a surgir dentro

do meu peito. Finalmente meu emocional aterrorizado não suportou a pressão e foi liberando

um choro compulsivo.

Ernest me embalava tentando me fazer acalmar.

- Tudo bem... Já acabou. – Ele falava numa voz afável.

Alguns minutos de choro e ainda estava me sentindo chocada. As imagens da luta não

saíam da minha cabeça, e dos mortos que... espantosamente desapareceram em fumaça. O que

teria acontecido?

Acolhida pelos braços de Ernest depois de um tempo me senti melhor para abrir os

olhos e olhar aquele estranho homem que ainda se encontrava parado de pé na minha frente e

para Ernest abraçado comigo. Ernest sangrava, e fazia pressão com a mão por baixo da costela o

que me fez esquecer de tudo que vi e levantar automaticamente.

- Ernest você esta ferido! – Falei desesperada.

- Não é grave, apenas um corte, não é muito profundo.

Afastei sua mão para ver o ferimento e senti vertigem ao ver a carne aberta por um corte

horrível feito pela espada. Ernest não parecia bem, coloquei minha mão sobre o corte e ele

gemeu.

O homem a nossa frente se agachou me afastando de Ernest.

- Pegue água no rio. Eu cuido dele. – Sua voz era suave mais firme e obedeci de

imediato. Preocupada por não saber quem ele era mais, grata por sua ajuda.

Enquanto estava no rio apanhando água ouvi Ernest dar um longo grito de dor o que me

fez voltar correndo até eles. O desconhecido tinha improvisado uma sutura no corte de Ernest,

ele estendeu a mão pegando a vasilha com água das minhas mãos lavando o corte agora

fechado. Ernest arfava de dor.

- Quem é você? - Ernest perguntou ao homem forte de olhos dourados e cabelos

castanho claro que o ajudava.

- Meu nome é Aragorn. E não sou seu inimigo. Pode descansar, que é o que você

precisa agora.

- Posso ver em sua mente que você não é inimigo e foi uma sorte realmente você estar

passando por aqui tão longe da estrada. Se não fosse a sua ajuda era capaz de estarmos mortos

agora. – Ernest falava agradecido.

- Quando vocês chegaram à cachoeira eu já estava aqui descansando e me escondi para

que vocês passassem, mas como resolveram acampar eu passei a observá-los escondido

esperando que anoitecesse para prosseguir viajem.

Ele estava nos observando. Por isso a sensação de estar sendo vigiada.

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- Quando vi o ataque me surpreendi. Na verdade não iria interferir, vocês podiam ser

dois fugitivos rebeldes que foram encontrados pelos ratos de Cordomad. Mas a garota não sabia

lutar, então vi que ela não devia ser uma guerreira. E não iria compactuar com a covardia

daqueles bárbaros. E pela expressão dela quando viu eles mortos ao chão, me pareceu que ela

nunca tinha visto uma luta como essa.

- Você tem razão jovem viajante. Ela não é guerreira e nunca viu uma luta dessas. –

Ernest falou com dificuldade.

- E porque vocês estão viajando escondidos pela floresta? É muito perigoso andarem

por aqui sozinhos. – Ele falava desconfiado. - Ao que me pareceu o alvo do ataque era

exatamente ela.

- Me desculpe Aragorn, somos gratos por sua ajuda realmente preciosa, mas não

podemos dar detalhes do que estamos fazendo aqui. Somente queremos chegar a Fastatur sem

sermos descobertos.

- O que pelo jeito vocês não conseguiram. Quando os Drevors de Cordomad que

destruímos aqui não voltarem. Eles irão enviar outros e em maior quantidade. Para fazer o

serviço.

Ernest respirou com dificuldade fechando os olhos preocupado.

- Eu não simpatizo muito com Cordomad, mas você deve tê-lo irritado de verdade

garota para que ele mandasse seus soldados de elite contra você.

Eu fiquei calada e imóvel enquanto ele olhava para mim curioso. E me admirei pela cor

ouro de seus olhos. Ele notou, e algo além da curiosidade surgiu em seus olhos e ele me encarou

por um tempo em silêncio até que eu incomodada reagi.

- Porque esta me olhando desse jeito?

- Tem alguma coisa em você garota... – Ele me fitava com atenção.

- Meu nome é Melissa.

- Melissa? – Repetiu admirado. - Um nome bem incomum, assim como algo que esta

em você... - Ele se aproximou me encarando bem de perto.

- E para onde esta indo jovem Aragorn? – Ernest falou para tirar a atenção dele de mim.

- Vou para Vanderlest. – Ele respondia a Ernest ainda olhando para mim.

- Fica bem na divisa de Fastatur. Não gostaria de nos acompanhar nessa viajem?

- Não obrigado. Pretendo chegar vivo até lá e vocês dois pelo jeito são chamariz para

encrenca.

- Eu pagarei bem se vier conosco. Eu preciso levar Melissa sã e salva até Fastatur e

depois de hoje vi que estou muito velho para defendê-la sozinho.

- Meu caro, nem um exército seria capaz de defendê-la se Cordomad a quer morta.

Ao ouvi-lo dizer isso minhas pernas bambearam e eu cambaleei rumo ao chão, mas

Aragon me segurou pelo cotovelo.

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– É melhor sentar garota. Você não me parece bem.

- Por favor Aragorn, eu lhe dou o que você quiser. – insistiu Ernest angustiado.

- Então desbloqueiem suas mentes para que eu possa saber quais suas reais intenções.

- Não podemos. Você precisa confiar em nós.

- Já passei por muitas coisas meu caro para saber que não devo confiar em ninguém.

- Peça o que quiser. – persistia Ernest.

- O preço pode ser muito alto para você.

- Não importa – Ernest me pareceu desesperado.

- Não sei se me arriscar numa viajem as cegas sem saber quem são vocês e o que

querem, seja uma boa idéia. E mais, porque esta insistindo tanto? Eu posso não ser uma boa

pessoa. Como pode confiar em mim?

- Melissa precisa de um protetor e você luta bem e pela tatuagem em seu braço vejo que

já foi um... e também soldado do exército.

- Desertor na verdade. E todos sabem que não se confia num desertor.

- Eu não tenho escolha. Preciso confiar em você.

Ele parou olhando fixamente para Ernest e depois para mim. Pensativo, se virou de

costas para nós e fitou a cachoeira que descia tranquilamente pela montanha. Se virou

novamente e me encarou com um olhar indecifrável. Oscilou e hesitou por mais um tempo

pensando se deveria atender ao pedido de Ernest e finalmente respondeu.

- Esta bem. – Suspirou - Eu vou com vocês. Agora descanse, você esta a ponto de

desmaiar.

- Obrigado – Ernest expressou lassidão.

Ele ajudou Ernest a se levantar e o deitou junto à fogueira. A noite já tinha chegado e eu

também estava exausta.

CAPÍTULO 3

Aragorn sentado do outro lado da fogueira me fitava enquanto Ernest dormia.

- De onde você é? – me questionou curioso.

Eu não sabia o que responder então fiquei calada.

- Tudo bem garota. Você não vai me contar mesmo não é?

Por alguns minutos só o estalar do fogo na madeira quebrava o silêncio.

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- Eu queria saber o que tem de especial em você? Além de ser bonita. Muito bonita na

verdade. E posso dizer com certeza porque já andei por toda Andaluz e vi muitas mulheres

lindíssimas, mas tem algo diferente em você. Algo que nunca vi...

- Porque viaja sozinho?- Perguntei para distraí-lo de suas especulações.

- Não tenho mais ninguém, nem casa, então viajo.

- Você não tem família?

- Eles se rebelaram contra Cordomad e foram todos executados. Meus pais e irmão,

todos eles – Ele olhou distante - Quando fiquei sabendo resolvi abandonar o exército. Não

poderia mais lutar a favor de quem destruiu toda a minha família. E desde então eu viajo de um

lado para o outro.

Eu bocejei esgotada pelo dia estressante.

- É melhor você dormir garota.

- Meu nome é Melissa. - Falei irritada.

- Eu sei seu nome garota. Agora durma.

Me enrosquei abraçando minha capa me deitando de costas para ele. Fiquei pensando

em que coisa estranha vi hoje. Homens morrendo e desaparecendo como num passe de mágica.

Eu queria perguntar a Ernest o que era aquilo. Mas além de Ernest estar cansado demais havia

agora um homem que não poderia saber que eu não sabia dessas coisas. Para ambos o

acontecido foi natural. Então devia ser assim que as coisas aconteciam por aqui.

Absorta em meus pensamentos adormeci num sono superficial e atribulado. Cansada

pelo dia traumático e assustada pelas imagens horríveis da luta.

Acordei várias vezes durante a noite. E em todas elas Aragorn estava sentado ao lado da

fogueira olhando para mim.

- Seu sono esta muito agitado. - Ele me relatou o óbvio.

- E você não vai dormir? - Perguntei azeda.

- Já que tenho que te manter viva, é melhor ficar acordado. Enquanto ele descansa. –

Aragorn apontava com a cabeça para Ernest dormindo profundamente. – Ele perdeu muito

sangue. É bom que durma e se recupere.

Perdi o sono e não estava a fim de conversa. Levantei-me para andar e esticar as pernas,

mas não me atrevi a ir muito longe só até onde a luz da fogueira alcançava.

Encostei o ombro numa árvore de costas para o acampamento tentando imaginar como

seria o dia amanhã. Olhei para o céu e ele permanecia tão lindo quanto a noite de ontem como

se nada tivesse acontecido.

- Acho melhor pegarmos a rota da próxima vila amanhã. - Aragorn falou atrás de mim

me fazendo saltar de susto. Ele estava tão próximo que quando me virei esbarrei nele.

- Seu amigo precisa de cuidados e temos que sair da floresta, pois eles virão atrás de

vocês aqui.

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- Ernest não quer viajar pela estrada. – falei aborrecida com o susto que ele me deu.

Aragorn já estava começando a me dar nos nervos. Enquanto eu andava de volta ao

acampamento ele andava como uma sombra atrás de mim.

- Se ele não for tratado logo ele pode não agüentar o resto da viajem.

Eu não queria conversa. E como fala esse tal de Aragorn...

Me enrosquei novamente em minha capa cobrindo a cabeça esperando que ele pensasse

que eu estava dormindo. Mas fiquei preocupada com o que ele disse e não dormi e quando o sol

apareceu no horizonte atrás das montanhas eu já estava de pé.

O acampamento já estava desmontado e para minha surpresa Ernest concordou com a

idéia de Aragorn de entrar na próxima vila. Então saindo da floresta fomos pela estrada de

pedras caminhamos a maior parte do tempo em silêncio.

Ernest caminhava de vagar enfraquecido pelo ferimento e perda de sangue, e Aragorn se

mostrava prestativo ajudando Ernest a se apoiar e levando a maior parte da bagagem.

Ele era um homem intrigante. E por vezes nossos olhares se cruzavam no mesmo grau

de curiosidade. Ele era forte, não tão forte como Biel, mas me passava a mesma sensação de

proteção.

Nossa caminhada dessa vez foi curta e antes de acabar a manhã estávamos entrando na

vila Passuir.

- Erzoul é um curandeiro muito bom e também é meu amigo. Ele vai nos receber e nos

dar pousada até você estar bem para sairmos. – Falava à Ernest.

A minha passagem na vila não foi diferente da primeira. As pessoas me olhavam e

comentavam umas com as outras. O que estava me deixando constrangida.

Ernest suspirou fundo diante da reação das pessoas. Pelo jeito não era só Aragorn que

notara algo de diferente em mim.

- Agora sei por que vocês preferiram ir pela floresta. – Disse Aragorn divertido.

Algumas ruas adiante estava a casa do tal curandeiro. Uma casa de pedras marrons,

muito alta. Aragorn chamou pelo nome e um homem de cabelos grisalhos de semblante suave e

de olhos marmóreos nos recebeu.

- Aragorn! – O homem gritou em satisfação abrindo os braços.

- Erzoul! – Respondeu Aragorn abraçando alegremente o curandeiro.

- Que bela surpresa meu amigo, é muito bom te ver aqui... E pelo jeito inteiro dessa vez

- Erzoul examinava Aragorn.

- Sim meu amigo eu estou inteiro, mais ainda assim precisamos dos seus cuidados. –

Aragorn olhava para Ernest.

Erzoul olhou para mim de relance e pousou seus olhos em Ernest estendendo a mão

indicando que entrássemos.

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- Sim vamos entrando. Vamos entrando, e fiquem a vontade.

- Ele esta ferido a espada – Falou Aragorn a Erzoul.

- Deixe-me ver – Erzoul aproximou-se de Ernest que desenrolava a capa de si. –

Hummm, parece muito feio esse corte. Quem suturou?

- Eu. – Respondeu Aragorn.

- Não esta de todo mau, mas se você tivesse feito com fogo teria sido melhor.

O homem pressionou a ferida fazendo Ernest gemer. – Esta iniciando uma infecção. É

melhor eu cuidar disso logo. Tire essa roupa e Deite-se ali.

Ernest se deitou numa cama coberta por pele de animais. O homem pegou vários

instrumentos desconhecidos a mim e alguns vidros com o que deviam ser remédios.

- Não acho que Melissa vá se sentir bem vendo o procedimento que vou usar. Que tal

dar uma volta com ela Aragorn. – Erzoul falou me surpreendendo por saber meu nome.

Aragorn colocou as mãos nas minhas costas me empurrando porta a fora.

- Como ele sabe meu nome? – Perguntei a Aragorn intrigada.

- Ele viu em minha mente.

- Ah! – Exclamei – Você não bloqueia sua mente?

- Não tenho o que esconder dele. Vamos, vou te levar para beber alguma coisa, vai te

fazer bem.

Olhei para porta atrás de mim sem querer me afastar de Ernest.

- Venha, ele vai ficar bem. E se bem conheço Erzoul ele dará a Ernest uma quantia

enorme de remédios que o fará dormir por várias horas.

- Vocês se conhecem há muito tempo?

- Desde o tempo em que minha família... Bom faz muito tempo sim. Ele me encontrou

caído às margens de uma estrada. Eu tinha sido atacado por mercenários que ao pensar que eu

estava morto me deixaram caído ao chão. Eles não esperaram para conferir. O que foi a minha

sorte. E algumas horas depois Erzoul me pegou na estrada me trouxe a sua casa e cuidou de

mim até eu estar bem. Sou muito grato a ele.

- Quando se morre... A pessoa simplesmente desaparece? – Eu tinha que perguntar.

- Simplesmente... Como assim, Você nunca viu alguém morto antes de ontem?

- Desse jeito não.

- E de que jeito então. Há outra forma de morrer? – Ele perguntou me olhando com

olhos confusos o que me lembrou que eu estava falando demais.

Abaixei os olhos e continuei andando pelo caminho que ele nos guiava.

Chegamos a uma construção interessante. Duas gigantescas colunas com uma passarela

no meio que ligavam as duas formando um grande “H”. Lá dentro várias mesas e cadeiras me

lembravam um bar, e mulheres lindíssimas andando com bandejas servindo as mesas. Outras se

recostavam nas paredes fazendo charme e se insinuando para os homens que ali estavam.

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- É, muita coisa mudou por aqui. – Sussurrou Aragorn sorrindo para uma mulher

encostada num balcão que sorria para ele.

Sentamos numa mesa e logo uma... que devia ser... Garçonete, trouxe o que devia ser...

o cardápio.

As coisas aqui em Andaluz não eram muito diferentes do que eu conhecia. Pelo que eu

tinha notado só alguns nomes mudavam. E a escrita. Olhei aquele papel em minha frente e não

podia ler nada.

- Eu quero um rubor do castelo. E você garota?

- Não quero nada. Obrigada. – O que eu iria pedir? Não conseguia saber o que tinha ali.

- Nada, Você não bebe então?

- Nada que seja alcoólico.

- Alcoólico... - Ele repetiu sem saber o que era. – Que tal trazer algo mais parecido com

a delicadeza dessa garota – Falou a garçonete. – Acho que é isso que ela quer dizer. Nada forte.

A garçonete sorriu para ele. E a mulher do outro lado no balcão continuava se

insinuando para Aragorn.

- As coisas aqui não são bem como me descreveram. – Falei num tom de surpresa-

quero dizer, nessa vila. - Tentei concertar.

Ele seguiu meu olhar até o balcão.

- Está se referindo a essas mulheres? – Ele pegou a essência do meu comentário. - É,

muita coisa mudou desde que Cordomad tomou o poder. Os valores foram perdidos e as ordens

que antes para o povo de Andaluz eram lei foram mudadas. Mas não posso dizer que foi uma

mudança ruim. Agente se diverte bem mais agora. – Ele sorriu interessado para a mulher.

Me lembrei das conversas que tive com Leo me contando dos relacionamentos das

pessoas daqui. Aquelas mulheres se oferecendo para outros homens não me parecia com o que

ele me contava.

- E aquela história de único amor, um feito para o outro, alma gêmeas?

- Quem te contou essas histórias? - Ele riu - Ah claro, deve ter sido seu amigo Ernest.

Isso acontecia no tempo dele. As coisas aqui não são mais assim faz muito tempo. Ninguém

mais acredita nessas histórias.

A garçonete chegou com nossas bebidas. Olhei para meu copo sem coragem de prová-

lo.

- Pode beber - Incentivou Aragorn – Não vai te fazer mal algum. É uma bebida que se

serve até para crianças.

Tomei um gole e era cítrico e agradavelmente doce. Tomei um gole maior deixando

escorrer um pouco no canto da boca. Aragorn me olhou me deixando sem graça. Eu limpei a

boca com as costas da mão.

- É muito gostoso – Falei timidamente.

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- Eu vi que gostou. – Ele me olhou numa tal intensidade que seus olhos em mim me

fizeram baixar os meus para a mesa. Ele se recostou na cadeira deixando o corpo escorregar sob

a mesa me encarando.

- Quem é você garota? Seu jeito não é como o de ninguém daqui. Eu vejo como você

fala e como olha para as coisas. - Ele ficou pensativo - Como se tudo fosse novidade para você.

É como se você não pertencesse a esse mundo.

Como eu não falei nada e ele percebeu que eu havia ficado encabulada, ele se endireitou

na cadeira tomando mais um gole de sua bebida. Eu bebi mais um pouco da minha e ali percebi

que não iríamos esconder dele por muito tempo quem eu era.

- Bom, já que você não quer conversar... Se importa de eu te deixar na mesa sozinha um

pouco?

- Não, pode ir. – Fiquei feliz em ficar longe de suas especulações por um tempo.

- Se quiser qualquer coisa é só pedir.

Se levantou e foi até o balcão onde a mulher sorridente esperava por ele.

Fiquei observando a forma galante que ele conversava com ela e ele era mesmo muito

charmoso. Ela parecia se derreter quando ele falava alguma coisa ao seu ouvido. E a mulher

também muito bela não ficava atrás em seu charme.

Ela saiu andando rumo a uma escada com ele a seguindo. Ele ainda me deu uma

olhadela piscando para mim antes de subir os degraus.

Homens – Pensei – São iguaiszinhos em qualquer lugar do universo.

Estar ali de certa forma sozinha era bom. Tive tempo de pensar. – Será que Biel e minha

mãe já telefonaram lá para casa? Com certeza sim, eles devem estar loucos. Eu não dei nem o

rumo para onde iria. Mas também sei que eles confiam que eu não faria nenhuma loucura. –

Bem... Loucura na concepção deles na verdade, porque acho que não tem algo mais louco que

eu estar numa outra dimensão enfrentando guerreiros inimigos arriscando minha vida a cada

segundo.

- O que faz uma linda menina como você estar sentada aqui sozinha?

A voz grave de um homem debruçado sobre mim me tirou dos pensamentos.

- Eu não estou sozinha – Disse assustada.

- Ah não? Pois eu não vejo mais ninguém aqui. – Falou afetado.

- Meu amigo vai voltar logo - Minha voz estava falhando e eu olhava para a escada por

onde Aragorn subiu.

O homem acompanhou meu olhar.

- Ele esta se divertindo. Quem sabe podemos nos divertir também?! – Ele passou sua

mão áspera por meu braço com olhar malicioso.

Eu puxei meu braço rapidamente e me levantei da cadeira tentando me afastar.

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- Aonde você vai lindinha – Ele me segurou pelo antebraço comprimindo seus dedos

com força fazendo meu braço doer me puxando para si. – Você não vai fugir de mim. – Ele me

empurrava para uma porta nos fundos e eu procurava com os olhos pela ajuda das pessoas que

ali estavam que não pareceram se importar com o que ele estava fazendo a mim.

Ele me empurrou porta a fora e o pavor começou a crescer. Me preparei para gritar e

antes que o primeiro som saísse da minha garganta a voz forte e bravia de Aragorn soou atrás de

nós.

- Solte a garota.

- Quem é você, o protetor dela? – O homem falou sarcasticamente.

Aragorn virou-se como se fosse embora, mas num giro lançou sua perna no ar

golpeando o homem com um chute na cabeça fazendo-o cair como um saco de batatas no chão.

- Você acertou em cheio. – Disse Aragorn ao homem desmaiado no chão.

Eu tremia tanto. Não podia me mover.

- Pelo jeito não vou poder sair de perto de você um minuto. Porque não se defendeu?

- Meu bastão ficou na mochila. – Respondi ainda tremendo.

- Sua espada esta em suas costas.

Coloquei as mãos por trás do ombro percebendo que ele tinha razão.

- Eu não lembrei dela... Eu não... Sei... Não sei usar uma espada.

- Então porque carrega uma? - Ele perguntou confuso.

- Ernest colocou em mim.

- E ele não te ensinou a usar? - Falou descontente.

Acenei negativamente a cabeça.

- Bom pelo menos você é boa com o bastão. Vê se aprende isso. Andaluz ultimamente

se transformou num campo de guerra a qualquer momento você pode precisar usar sua arma,

nunca, eu disse, nunca saia sem ela garota. - Ele pareceu nervoso.

Eu me abracei sentindo um frio estranho, não era causado pelo tempo, era pelo medo

que senti à pouco.

- Me desculpe – Falei baixo e com a voz tremula e meus olhos estavam marejando.

Ele me olhou desarmado, sua raiva se transformou em compaixão.

- Não tem que me pedir desculpas, você não fez nada. Só acho que não foi bem

preparada para essa viajem que esta proposta a fazer.

- Não mesmo. – Falei concordando com o evidente fato.

- Venha vamos sair daqui. Eu te pago outra bebida.

Ele mantinha a porta aberta para mim enquanto eu pulava o homem desmaiado no chão.

De volta ao salão das mesas as pessoas continuavam bebendo e conversando sem dar a

menor importância ao ocorrido. Sentamos a nossa mesa de volta e a garçonete trouxe mais

bebidas ainda sorrindo para nós.

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Minha cara de assustada intrigou Aragorn.

- Você esta bem?

- Não sei. – Falei aérea. - Como podem... essas pessoas viram o que aquele homem

estava prestes a fazer e não me ajudaram?

- Os corações dos homens mudaram muito desde que seu contador de histórias andou

por aqui. Eu não sei o que vocês pretendiam encontrar pelo caminho, mas com certeza, ajuda é

que não vai ter.

- Mas você nos ajudou.

- Ainda estou tentando me convencer de que não foi um erro.

- Como pode ser um erro ajudar alguém?

Ele olhou me sondando.

- Você não é uma dos rebeldes, é?

- O que? – Perguntei confusa.

- Aquele povo de um exército falido que guarda as leis de um rei morto esperando um

dia poder derrotar Cordomad. – Ele me encarava tentando ver algo em meus olhos. – Foi por

isso que toda a minha família morreu. Uma causa perdida. É bom que não seja um deles. Não

quero pensar que meu trabalho seja em vão. Pois ninguém jamais derrotara Cordomad. Ele tem

força, poder e magia ao seu favor. E não está sozinho. A feiticeira Erkas tem muito poder.

Ninguém pode detê-la.

Eu bocejei apesar de estar interessada no que Aragorn me falava.

- Estou cansada. – falei providencialmente me esquivando da resposta.

- Vou te levar para dormir.

Voltando para casa de Erzoul, as ruas, Apesar de já ser noite, Estavam repletas de

pessoas. Um casal passou por nós de mãos dadas e Aragorn os olhou pensativo.

- Você não tem alguém de que goste? – Perguntei movida pelo olhar dele sobre o casal -

Quero dizer, alguém com quem queira ficar? Parar de viajar tanto e construir uma família?

Ele olhou para mim surpreso.

- Não.

- Aquela garota do bar era muito bonita.

- Bar? – Ele expressou sem entender - A sim, aquela garota. – Ele riu – Não. Ela é

bonita realmente, mas gosto da minha vida assim como é.

Desviando seu olhar do meu apressou seu passo me fazendo acelerar também para

acompanhá-lo.

Na casa de Erzoul Ernest estava dormindo profundamente com algumas pedras que

emanavam luzes de diversas cores flutuando sobre ele.

Ele vai ficar bom de manhã. – Falou Erzoul diante de meus olhos preocupados. - Estou

preparando o nosso jantar.

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Olhei admirada para as coisas sobre a mesa que me pareciam apetitosas, mas nada era

familiar.

- Mais alguma novidade descoberta garota? - Aragorn falou diante da minha surpresa

olhando a comida.

- Porque não me chama pelo meu nome? – Falei irritada.

- Porque gosto de ver essa cara que você faz.

- Alguém já te disse que você é irritante?

Ele me olhou com um sorriso no canto dos lábios.

Um sorriso lindo e travesso.

- Eu já disse – Falou Erzoul brincalhão – Ele é realmente irritante. Mas depois de um

tempo agente acostuma. – Venha Melissa faça um prato, alimente-se bem.

Fiz meu prato enquanto Erzoul e Aragorn travavam uma conversa em absoluto silêncio

que era quebrado somente com algumas risadas soltas no ar. Eles conversavam mentalmente e

de vez em quando Aragorn olhava para mim furtivamente. Talvez tentando saber por que eu não

entrava na conversa.

Me sentei numa poltrona grande e confortável e com todo aquele silêncio acabei

adormecendo rápido me sentindo segura debaixo de um teto amistoso.

De manhã ao acordar notei que estava deitada numa cama e bem acomodada. Com

certeza alguém me carregou até lá. Foi difícil não me lembrar do que Jeziel costumava fazer

comigo. Estendi meus olhos pela casa e vi Aragorn dormindo sentado na poltrona em que antes

eu estava.

- Bom dia – Falou Ernest se aproximando ao meu lado.

Me alegrei ao vê-lo bem e recuperado.

- Ernest! Que bom que já esta bem.

- Aragorn tinha razão. Erzoul é um excelente med.. Quer dizer, curandeiro. – Ele piscou

para mim. - Vou arrumar nossas coisas e você se prepare. Ernest saiu para outro cômodo.

Me levantei calçando as botas que haviam sido tiradas por alguém e andei pé ante pé até

a poltrona onde Aragorn dormia. Queria pegar minha capa sem acordá-lo. Ao me aproximar me

curvei por cima dele e observei seu rosto dormindo. Ele tinha o rosto sereno e jovial de uma

beleza firme.

Seu sono estava tranqüilo e me deu segurança de estender a mão para pegar a capa no

encosto da poltrona. Num reflexo ele segurou meu braço me fazendo arfar de susto e abriu seus

olhos cor de ouro bem diante dos meus.

- NUNCA chegue perto de um guerreiro sorrateiramente assim. Mesmo que ele esteja

dormindo. Talvez você não tenha tempo de se assustar. – Ele pegou a capa com a outra mão por

cima de sua cabeça e me entregou.

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Sem jeito eu peguei a capa lançando-a sobre meus ombros. E mesmo de costas sentia

que ele me acompanhava com o olhar.

- Podemos ir? - Ernest perguntou quando voltou ao cômodo em que estávamos.

- Claro. - Respondeu Aragorn já de pé.

Erzoul veio até o portão da casa se despedir.

- Muito obrigado Erzoul pela sua ajuda – Falava Ernest – Estou me sentindo um novo

homem.

- É, mais não abuse, continue tomando o chá das ervas que te dei. Esse ferimento tem

que cicatrizar por dentro. - Falou Erzoul como um médico. – Melissa, espero poder te ver

novamente - Eu sorri amigavelmente. – E você meu amigo – Ele abria os braços para Aragorn.

Também espero te ver em breve... – Falou enquanto o abraçava.

- De preferência inteiro – Brincou Aragorn.

- É, e com isso inteiro também. – Erzoul batia com o indicador no peito de Aragorn. E

olhou para mim novamente.

Aragorn deu um olhar repreensivo para o amigo.

- Não tenho tempo para essas coisas Erzoul.

- Claro que não... Claro que não. – Erzoul dava tapinhas nas costas de Aragorn o

acompanhando até a rua.

Alguma coisa foi dita de Erzoul a Aragorn em pensamento, pois Aragorn pareceu

irritado enquanto Erzoul sorria.

De volta a estrada Ernest parecia muito animado e andava ao meu lado com Aragorn

atrás de nós. Ernest me falava de canções antigas e me dava o nome de cada árvore diferente

que passávamos, de cada pássaro e fruta que encontrávamos pelo caminho.

Aragorn que já estava cismado da minha falta de conhecimento das coisas daqui devia

estar mais desconfiado ainda. De vez em quando eu olhava par trás para vê-lo, mas ele não

demonstrava nenhuma expressão suspeita.

Caminhamos o dia inteiro e o sol já estava se pondo.

- Vamos acampar aqui mesmo na floresta, pois a próximo vilarejo está a dois dias de

viajem daqui. – Ernest falava olhando o mapa.

Entramos uns quatro quilômetros para a floresta Aragorn me ajudava afastando as

folhagens densas de arbustos enormes pelo caminho e me apoiando pela mão para cruzar as

imensas raízes suspensas no meio da mata. Encontramos uma clareira e montamos

acampamento.

A noite estava um pouco fria e estava agradável ficar a beira da fogueira. Aragorn

afiava sua espada cuidadosamente. E eu o observava, para meu próprio espanto, interessada no

que ele estava fazendo.

Ele olhou para mim curioso fazendo desviar meu olhar.

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Ernest trouxe meu jantar e se sentou ao meu lado.

- Depois da próxima cidade estaremos a três dias de Fastatur.

- Nunca fiz um percurso tão longo a pé. – Disse a Ernest.

- E esta se saindo muito bem. Você esta me surpreendendo.

Aragorn olhou furtivamente para nós. Embainhando sua espada. Deitou-se cruzando os

braços sob a cabeça e olhou para o céu.

Também me deitei e adormeci olhando as estrelas.

De manhã o cantar dos pássaros me despertou. Ernest e Aragorn estavam sentados sobre

uma pedra comendo seu café da manhã. Quando me sentei, Ernest se dirigiu a mim me trazendo

uma fruta de cor verde e um copo com chá quente.

Olhei para Aragorn que agora não olhou para mim. Pensei ter tido a impressão que ele

estava me escondendo alguma coisa. E foi assim por todo o dia. Aragorn que sempre que eu

olhava estava me encarando agora mantinha seu olhar desviado do meu. Aquilo me incomodou.

O que poderia ter acontecido durante a noite? Será que ele tinha descoberto algo sobre mim?

A noite montamos o acampamento a beira de um rio. Ernest como sempre preparou a

fogueira e o jantar. As águas do rio eram mornas como o outro e aproveitei para um banho

noturno. Aragorn se sentou sobre uma raiz exposta de uma grande árvore e se colocou de

guarda.

Quando saí da água a brisa da noite fria em contraste com a água morna do rio me fez

tremer. De cabeça baixa torcendo com as mãos meus cabelos encharcados, eu ia andando para o

local aonde havia deixado minhas roupas quando Aragorn se aproximou de repente de mim. Ele

estava com a espada segura pelas duas mãos se movendo de costas e lentamente. Aragorn se

colocou bem a minha frente como um escudo.

- O que est...

- Shhh... – Ele me fez calar antes que te terminasse a frase. – Não. Se. Mova. -

Sussurrou entre dentes.

Olhei para Ernest que também estava imóvel do outro lado e fiquei apreensiva

imaginado o que poderia ser. Seriam os Drevors novamente?

Mas de entre as árvores uma enorme criatura aparecia. Um gigantesco tigre branco que

daria uns três dos que existia em minha dimensão.

Quando ele apareceu totalmente em nosso campo de visão Aragorn abaixou devagar sua

espada até o chão e se ergueu novamente aproximando de mim colando seu corpo ao meu

puxando meus braços de suas costas até cruzarem em seu corpo e segurou-os bem firme em

volta de si.

O animal, de patas enormes e com a respiração quente que formava uma leve bruma a

sair de sua boca, andou até Ernest que estava imóvel e o cheirou várias vezes dos pés a cabeça

depois veio andando graciosamente até nós.

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Eu estava apavorada e se não fossem as mãos firmes de Aragorn me segurando em sua

volta teria com certeza, saído correndo.

O grande tigre encostou em Aragorn e o cheirou também dos pés a cabeça voltando no

processo e parando com o focinho frio sobre meu braço que devia ter um cheiro diferente do de

Aragorn. O tigre deu a volta por nós e se afastou.

Ouviu-se um urro alto e gutural do tigre me fazendo tremer dos pés a cabeça e ele sumiu

do outro lado da floresta. Depois disso Ernest relaxou e Aragorn também. Ele se afastou

observando o lugar onde o tigre andaluziano tinha sumido, mas eu continuava imóvel rígida e

tinha me transformado numa batedeira. Tremia tanto que sentia como se minhas juntas

estivessem se deslocando.

Meu Deus. Estava horrorizada. Nunca tinha visto uma criatura daquelas e tão perto de

mim. Ele poderia ter nos devorado. Na minha imaginação pude ver a sua boca enorme se

abrindo e suas presas ferozes e afiadas faiscando se preparando para me mastigar.

Ernest correu até mim me cobrindo com sua capa. Eu queria falar alguma coisa, mas

quando tentava meus dentes batiam uns nos outros.

- Ei, garota controle-se – Disse Aragorn perturbado com minha tremedeira. – Porque ela

não consegue se controlar? – Perguntou para Ernest que friccionava minhas costas com a mão.

- Ela não sabe dos animais da floresta. Ela nunca viu um Atreio antes. – Ernest

respondeu preocupado.

- Como é? – Falou espantado – Ela vai entrar em choque. Como não pode saber uma

coisa dessas?

- Tem muita coisa que ela não sabe - Ernest falou irritado. – Muita coisa...

- E você não vai me contar o porquê não é?

Ernest tentava me fazer andar, mas minhas pernas estavam travadas. Não tinham forças

nem mesmo para o primeiro passo.

Aragorn então me pegou nos braços e me levou até a fogueira me sentando no chão.

- Agora olhe para mim garota. Ele já foi e não queria nada conosco. Só queria saber se

éramos perigosos a ele e ao seu bando. Como não representamos ameaça, ele foi embora e não

voltara mais. Você esta segura agora. – Aragorn me falou tentando me acalmar. Mas ele tinha

razão eu estava tão assustada que era provável entrar em choque. Ou já estava.

Eu ouvia e via, mas não encontrava minha voz para responder.

- Você é um louco em trazê-la para uma viajem dessas. – Aragorn discutia com Ernest. -

No que estava pensando?

- Eu não tenho escolha. Nós não temos escolha – Ernest agora gritava com Aragorn

irritado e angustiado.

Meus olhos permaneciam vidrados em um ponto invisível a minha frente.

Aragorn abaixou se colocando diante de meus olhos.

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- Garota olhe para mim – Ele estava a minha frente, mas meus olhos não o focava. –

destrave sua mente agora que eu vou te ajudar.

- Não Melissa! - Ernest protestou.

- Você quer que ela fique assim? – Argumentou Aragorn. – Não vou me aproveitar

disso. Só vou entrar e acalmá-la.

Mesmo sabendo que precisava de ajuda não me senti a vontade para desfazer meu

bloqueio.

- Eu prometo que não verei nada que você não queira que eu veja. – Sem entender

porque a voz dele me passou confiança e já que Ernest não protestou novamente. Aos poucos

fui desfazendo a imagem do céu azul e poucas nuvens brancas que eu usava como bloqueio.

- Não precisa temer, só quero te ajudar. – Ouvi a voz de Aragorn na minha cabeça –

esta tudo bem. - Ele falava com a voz calma. Uma sensação já conhecida por mim começou a

aparecer aos poucos. Uma paz carregada que me dava sonolência fez meus olhos pesarem e

minha respiração voltar ao normal a tremedeira parou e eu já me sentia bem melhor.

- Pronto garota, – Falava Aragorn suavemente em minha mente. - Você esta bem agora.

Foi tão agradável a voz dele em minha cabeça. Algo que me trouxe uma sensação boa...

tão reconfortante.

- Melissa. – Me chamou Ernest aflito e quando respondi com o olhar a ele Ernest

respirou aliviado.

- Viu. Não roubei nenhum de seus grandes segredos em sua mente indefesa.

- Me desculpe Aragorn – Falava Ernest – Você tem se mostrado um bom homem, mas

até para sua segurança é melhor mesmo que não saiba de nada.

- Tudo bem. Não quero mais saber. Fizemos um contrato e vou cumprir a minha parte.

Vou levar essa garota sã e salva até Fastatur.

- Melissa... - Falei saindo do transe.

- O que? - Os dois perguntaram juntos.

- Meu nome é Melissa. – Falei emburrada.

Os dois riram de mim.

- Mel você é inacreditável – Ernest agora ria aliviado.

Quando ele me chamou de Mel me veio a voz de Leo na memória e meu coração saltou

me lembrando do motivo por eu estar passando por tudo aquilo. Era por causa dele. Nunca

pensei em lutar ou enfrentar tantos perigos. Quanto mais enfrentar um tigre pré-histórico. Mas

também o que eu podia fazer? Estava em outra dimensão.

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CAPÍTULO 4

Na manhã seguinte acordei com Ernest sentado ao meu lado estudando o mapa e

Aragorn mergulhando no rio de águas mornas. A manhã estava fria, me enrosquei mais em

minha capa que me cobria. Desejei estar na minha cama quentinha sem precisar sair de casa.

- Então Mel, esta se sentindo bem para prosseguirmos a nossa jornada? – Ernest

sondava meus olhos.

- Estou – Menti descaradamente. Eu só queria ficar deitada.

- Que bom – Ele assentiu. Com certeza sabia que eu estava mentindo. - Agora deixe-me

marcar nosso trajeto. Até a vila Barock.

Me vesti de todos meus artefatos medievais, e ergui a mão por cima do ombro para

retirar a espada da bainha em minhas costas. Uma mão grande e quente segurou a minha com

urgência.

- Se você tirar a espada desse jeito acabara se decapitando. – Falou Aragorn por trás de

mim.

Quando me virei para vê-lo ele estava com os cabelos molhados e com o peito nu. Me

senti estranha ao olhar para ele daquela maneira.

- Primeiro segure firme o punho e eleve o braço em linha reta até perceber que a espada

saiu da bainha. - Ele deu a volta por trás de mim e segurava minha mão sobre a espada me

ensinado - Depois puxe-a para frente por cima da sua cabeça. Assim você não vai se ferir.

Olhei para Aragorn e o vi desviando o olhar de mim novamente. Então soltou minha

mão.

- Venha cá. - Ele desembainhou sua espada e se posicionou em minha frente – Deixa eu

te mostrar uma coisa. – Levante a espada – Me ordenou. – A espada serve tanto para você se

defender quanto para você atacar. Dá para usar algumas técnicas que você sabe do bastão.

Como por exemplo: Se eu te atacar por cima - Ele ergueu a espada - Você faz? – Eu ergui

minha espada em diagonal sobre minha cabeça. Se eu vir por baixo? – Desci a espada em

vertical a minha frente. – Ótimo! - ele exclamou – Vamos fazer um exercício simples. Eu irei te

atacando com a espada por cima por baixo a sua direita e a sua esquerda e você defende.

Concordei com a cabeça.

- Devagar para começar. Flexione as pernas, concentre-se e...

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Cima, baixo, direita, esquerda. Consegui defender de todos os golpes leves que ele deu.

Repetimos esse exercício várias vezes.

- Um pouco mais rápido agora. Ele bateu com mais força e mais rápido na minha espada

fazendo-a tilintar. Repetimos outras várias vezes.

- Mais rápido agora. – Novamente defendi seus golpes - Ótimo você aprende rápido.

- Esta na hora de irmos! – Gritou Ernest do outro lado do acampamento.

- Agora para você recolocar a espada na bainha sem arrancar a própria orelha, jogue sua

mão por trás do ombro e é só encaixar com cuidado. Ele acompanhou meu braço com a mão.

Me senti estranha com o toque dele, mas disfarcei e andei até Ernest.

Por todo o dia caminhando para Barock. Ernest estava muito ocupado fazendo planos de

viajem e Aragorn então se posicionou ao meu lado para me dar segurança, pois ainda estava

cismada com a figura do grande animal que tinha visto na noite anterior. Ao menor barulho feito

na mata por um roedor ou por um pássaro me fazia tremer de terror.

No momento em que um galho caiu de uma árvore próxima a mim, num salto me

agarrei ao braço forte de Aragorn que de certa forma não se importava de me servir de escudo.

- Desculpe. – Pedia a Aragorn no momento em que pulei novamente em sua direção me

escondendo atrás de suas costas, quando um bichinho menor que um coelho passou correndo em

nossa frente.

- Tudo bem. Estou aqui para isso não é? – Ele falou tranquilamente.

- Você deve estar me achando ridícula. – Falei constrangida.

- Não. Você tem o direito de estar assustada já que nunca tinha visto os animais da

floresta.

- Quero te agradecer por ter me acalmado. Eu não iria conseguir sozinha.

- Tudo bem garota. Não tem que me agradecer.

- Você tem sido muito legal com agente.

- Estou sendo pago para isso.

- Eu sei que não é só pelo pagamento.

- Não?! – Ele disse surpreso.

- Você tem um bom coração. Por isso tem nos ajudado.

- Como pode saber disso?

- Me sinto segura ao seu lado. Sei que posso confiar em você.

E era verdade. Havia algo em Aragorn que me transmitia segurança. E o estranho era

que eu não sabia o porque.

Ele me olhou indefinidamente.

- Mesmo assim não me conta seus segredos.

- Na verdade não são meus segredos. Por isso não posso contar. Mas fico feliz por ter

você conosco nessa viajem.

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Num passo em falso atravessando a raiz de uma árvore enorme a nossa frente

escorreguei e Aragorn com um braço me cercou pela cintura para que eu não caísse. Meus

braços se agarraram em seu pescoço. Sorri para ele naturalmente. Feliz por ele ser ágil o

bastante para me livrar dos meus próprios desastres.

- Obrigada mais uma vez. Acho que você terá muito trabalho em me manter sã e salva

até Fastatur não é? – Falei enquanto me afastava dele.

Ele esboçou um sorriso cativante nos lábios, seu rosto se abriu de uma forma que me

alegrou. Tinha algo angelical e maroto em seu sorriso. Muito bonito na verdade.

- Será um prazer garota.

- Melissa. Meu nome é Melissa. Dá para decorar? – Falei emburrada.

- Claro garota. – Seu sorriso ainda não tinha se desmontado. Ele estava se divertindo as

minhas custas.

Quando chegamos a vila Barock, tudo estava preparado para uma festa. Bandeirolas por

todos os lados e barraquinhas montadas por toda praça. O povo estava alegre e bem animado.

Andamos por várias pensões e, pelo que pareceu, todas estavam sem vagas por causa da

festa de aniversário da vila. Muitos tinham vindo de outros lugares se hospedando ali.

Depois de certo tempo encontramos uma pensão com vagas e eles tinham apenas um

quarto, mas Ernest até que gostou, ele não queria mesmo ficar distante de mim e queria vigiar

Aragorn.

Deixando a bagagem de viajem no quarto de pensão, fomos dar uma volta pela vila já

que só iríamos partir de manhã.

Ernest me fez andar por toda a vila me empapuçando com suas comidas típicas e

participando de brincadeiras no mínimo esdrúxulas.

Ernest se divertia, e bem até demais, depois de tomar umas oito canecas de uma bebida

forte que se assemelhava ao shop escuro por causa da espuma só que mais consistente.

Ele já não se firmava sobre as próprias pernas e falava coisas meio sem nexo.

De volta a pensão, Aragorn o apoiou até o quarto deitando-o na cama.

Eu estava rindo depois de tantos dias, me divertindo ao ver Ernest totalmente bêbado.

- Do que esta rindo? - Perguntou Aragorn.

- Ernest é sempre tão certinho. Essa bebedeira não combina com ele. É hilário.

Ernest começou a balbuciar palavras desconexas, mas que para mim tinha muito

sentido. Meu riso acabou na hora em que Ernest balbuciou o nome de Raika. Aragorn percebeu.

- Bom, se você ainda quer manter algum de seus segredos é melhor sairmos daqui. Ele

vai falar até dormir, e é provável que fale algo que eu não deva ouvir.

Olhei para Ernest balbuciando e concordei com Aragorn.

- Vamos, ainda deve ter alguma coisa que Ernest não me fez comer na festa.

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Ele riu.

A noite já vinha chegando e as luzes da festa eram de cair o queixo. Pedras coloridas e

iluminadas por todos os lados. Pessoas passavam por nós sorrindo, era uma festa muito bonita.

Nos sentamos numa mesa próxima a uma espécie de pista de dança. As pessoas

dançavam alegres em pares evidentemente se divertindo muito. Alguém nos trouxe dois copos

de bebidas e deixou sobre a mesa. Eu peguei o copo e desconfiada pelo estado de Ernest, cheirei

antes de dar um gole.

- Essa é fraca pode beber. - Olhei para Aragorn cismada - Se você cair te arrasto até o

quarto. - Ele colocou um sorriso no canto dos lábios.

Depois de alguns goles entendi porque todos estavam na festa animadíssimos. A bebida

provocava um pequeno grau de euforia. Eu também estava me sentindo alegre e com vontade de

dançar. Eu sabia que não era certo, mas a sensação era tão boa que bebi mais um pouco. E

quando chegou meu terceiro copo eu já estava bem animada. Sorrindo mais do que o necessário

numa conversa simples.

- Acho que essa bebida é forte demais para você - Aragorn falou puxando o copo da

minha mão.

- Eu estou ótima. – Tentava recuperar o copo da mão dele.

- Já chega por hoje. Vamos para o quarto. – Falou autoritário.

Eu pulei da cadeira.

- Não. Não quero ir pra quarto nenhum. - Falei protestando. - Aqui esta muito bom. Só

vou embora quando a festa acabar.

Depois de tanto tempo de depressão e sem saber o que era alegria, a bebida tinha me

despertado e me deixado mais leve. Eu queria aproveitar mais da sensação que a muito... muito

tempo eu não sentia.

Ele me olhou seriamente e se levantou segurando o meu braço.

- Não, me solta. Eu quero dançar. – Falei embolado.

Escapando da mão de Aragorn pulei para a pista de dança e ao som da música dancei

sozinha sob os olhares de todos inclusive de Aragorn.

Nunca tinha tido coragem de dançar na frente de ninguém. Foi por isso que abandonei

as aulas de dança. Assim que eles organizaram uma apresentação para um grande público eu

pulei fora. Mas ali estava me sentindo bem. Estava me sentindo livre, e depois de muito tempo

estava me sentindo viva.

De fora da pista Aragorn me assistia. As pessoas me admiravam e me aplaudiam e

quando alguns homens começaram a se aproximar de mim Aragorn entrou para me buscar.

- Já chega Melissa, vamos embora.

- Você falou meu nome! – apontei para o rosto dele.

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Ele puxou meu braço, mas me soltei e corri por trás dele. Ele me olhou mal humorado e

observava os homens que me cercavam.

Aragorn me alcançou novamente e deu uma olhada feroz para um homem que segurou

uma mecha do meu cabelo.

- Aragorn, dança comigo - Segurei sua mão dando um rodopio por baixo de seu braço.

Ele me puxou tentando me tirar da pista. Eu segurei a mão dele e o puxei fazendo-o se

virar para mim.

- Só se você dançar comigo que eu vou embora. – Propus.

Ele me olhou de mal humor. Eu fiz beicinho e balancei os braços esperando a decisão

dele. Uma música suave começou a tocar e eu peguei sua mão e coloquei em minha cintura.

Aragorn protestou no começo, mas se rendeu a minha vontade. Colocou sua outra mão em

minha cintura e dançou comigo debaixo da luz das estrelas.

- Não é tão ruim dançar comigo – Falei olhando seus olhos cor de ouro.

- Não. Não é tão ruim. - Ele me respondeu, mas tinha algo em seu olhar que era

indescritível. E não me deixava desviar os meus olhos dos dele.

Algo dentro de mim me falava que eu não devia estar ali tão próxima e tão íntima de

Aragorn, mas estava me sentindo tão bem que não conseguia saber o que poderia ser errado

naquele momento. Estávamos dançando. Vários outros casais bailavam ao nosso redor. Eu

estava desequilibradamente feliz nos braços de Aragorn. Livre, leve, segura e confiante.

Ele curvou a cabeça recostando em meus cabelos. E eu recostei em seu peito. Senti

quando suas mãos, que antes tensas em minhas costas, deslizaram me abraçando. Eu gostei

daquele abraço, me lembrou da forma carinhosa que Leo me abraçava e também o apertei contra

mim desfrutando da sensação. Mas foi por pouco tempo. De repente ele se afastou me

encarando.

- Vamos embora garota. Você esta sob a influência da bebida e não quero que faça nada

de que venha se arrepender amanhã.

- Eu não vou me arrepender de nada amanhã – Debilmente eu respondi sem saber do

que ele estava falando.

Aragorn, sob meus protestos, conseguiu me arrastar para o quarto onde Ernest jazia

bêbado. Aragorn me soltou sobre uma cama e eu estendi a mão para ele.

- Fica aqui comigo não quero ficar sozinha, estou cansada de ficar sozinha. – Depois de

tantos meses estava me sentindo bem por estar perto de alguém. Não queria que a sensação

acabasse.

Ele bufou impaciente, mas cedeu e segurou minha mão se sentando na beira da cama.

– Sabe que você é muito legal?! – Falei com a voz meio embolada. – Eu gosto de você.

Gosto mesmo de você.

Ele riu diante da minha notória bebedeira.

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- Eu não devia ter deixado você beber aquilo. – Ele falou agora bem humorado. Se

divertindo novamente as minhas custas.

- Não. Você é legal - Minha voz saía arrastada - E é muito bonito igual a um astro de

cinema - Vi ele arregalando os olhos pra mim. – E também é forte e musculoso, me salvou. E

dança bem... dança muito bem... Aragorn guerreiro, desertor do exército de Andaluz. - Passei a

mão na tatuagem em seu braço.

Ele seguiu com o olhar minha mão passear por seu braço forte e pelo desenho

desconhecido.

- Agora já chega garota. Vá dormir.

- Meu nome é Mel. Mel... Mel, Mel... Mel – Cantarolei.

- Então Mel, durma ou eu te ponho para dormir. – Havia um sorriso em seus lábios.

- Não quero dormir. – Ergui meu corpo da cama – Quero voltar lá e dançar de novo. -

Foi a última coisa que fiz. Tombei na cama e apaguei pra valer.

De manhã quando acordei minha boca estava seca, minha cabeça latejava e meus olhos

insistiam em não querer abrir. O pouco que consegui fazer minhas pálpebras levantarem deu

para ver Ernest na outra cama com metade do corpo caindo dela e a outra metade se

equilibrando em cima. Aragorn não estava no quarto. O que foi um alívio, pois não sabia como

iria encará-lo depois de ontem a noite.

Me lembrei de cada detalhe. E me senti ridícula. Eu estava de ressaca, mas onde estava

a parte de esquecer de tudo que se fez, a famosa amnésia alcoólica? Para meu constrangimento

eu lembrava de tudo com mais clareza do que queria, inclusive de flertar com Aragorn. Queria

que antes que Aragorn voltasse ao quarto, um buraco abrisse para eu cair dentro.

O que deu em mim ontem a noite? Que história foi aquela de chamar Aragorn para

dançar? E se ele interpretasse de outra forma? Que bebidinha ordinária. – Nunca mais bebo

nada aqui além de água. – Me bateu um remorso de repente em saber que Leo estava preso e eu

dançando em festas. Me senti desleal.

Olhei para Ernest desmaiado, quase sobre a cama, e puxei minha mochila para meu

colo. Quando a abri coloquei a mão por dentro para pegar a coroa. Eu precisava ver Leo, Mas

quando ia tirando Aragorn abriu a porta do quarto me fazendo esconder a coroa novamente.

- Bom dia Mel. – Ele enfatizou o apelido que cantarolei para ele ontem.

Olhei para ele sem graça.

- Aragorn, sobre ontem a...

Ele me interrompeu.

- Se tentar concertar fica pior. É melhor você deixar como esta e esquecer. Temos coisas

mais importantes em que nos preocupar. E foi bom conhecer esse seu lado... digamos...

divertido. Você esta sempre tão séria e distante. Agora eu sei que há outro lado seu.

- Ai – Gemi com uma pontada na cabeça ao tentar me levantar.

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Ernest também gemeu do outro lado segurando a cabeça.

- Quando os dois se sentirem prontos para sair me chamem. – Aragorn saiu novamente e

Ernest me olhou atravessado.

- Você bebeu?- Ele perguntou cético.

Estiquei meu sorriso típico e sem graça.

- E o que aconteceu? - Ele me perguntou preocupado. - Você não falou nada que não

devia?

- Eu dancei – Não quis dar mais detalhes, mas Ernest pareceu ler em meus olhos.

- Só isso? - Me perguntou desconfiado.

- Com Aragorn - Falei timidamente.

- E? - Perguntou preocupado de novo.

- E mais nada. Ele me arrastou até aqui e me fez dormir.

Ernest respirou aliviado.

- Cuidado Melissa, as bebidas daqui são perigosas. Nos levam fazer coisas sem pensar

nas conseqüências. É melhor que não beba mais nada a partir de agora. E ... - Ele hesitou -

Aragorn é um bom homem, de caráter, mas não tem os costumes corretos. Um ex-soldado de

Cordomad doutrinado em sua nova filosofia e não nos valores antigos pelos quais lutamos.

Coisas que para nós é lei para ele é conto de fadas. Esta me entendendo?

Assenti com a cabeça.

- Tome – Ernest me estendeu uma folha tirada de sua mochila. – Mastigue.

- O que é isso?

- Vai te fazer sentir melhor. Digamos que é um antiácido.

Mastiguei a folha amarga e em poucos minutos estava me sentindo melhor.

Pegamos nossas coisas e ao sairmos da pensão, Aragorn estava nos esperando do lado

de fora.

A estrada de mais três dias de viajem se estendia a nossa frente e eu estava satisfeita em

saber que agora faltava pouco para chegarmos a Fastatur.

Aragorn andava atrás de nós mantendo certa distância se aproximando quando outro

viajante passava por nós pela estrada.

- Se eu tivesse acreditado em Jeziel poderia tê-lo ajudado a treinar você a desenvolver

seus dons. – Falava Ernest frustrado – Essa viajem não seria tão difícil para você. Mas eu estava

cheio de mais com minhas ideologias. E descrente por ver suas fraquezas. - Ele sorriu sem graça

para mim. Olhou para trás para ver se a distância de Aragorn lhe permitia continuar a conversa.

- Hoje vejo que estava totalmente enganado. Confundi fragilidade com fraqueza. Você é

sensível, delicada. Talvez lhe falte um pouco mais de confiança. Mas nunca foi fraca. As

mulheres daqui com todos seus poderes não se arriscariam a fazer o que esta fazendo. - Ele

sorriu amavelmente para mim - Jeziel tem sorte de ser você. – Ele riu consigo mesmo - O

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problema é que vou ter que ouvir pelo resto da vida quando vocês estiverem novamente juntos,

Jeziel me falar: “Eu te disse.” Talvez eu me mude para o outro lado do mar de Andaluz.

Eu e Jeziel juntos novamente? Outra vez Ernest nos colocava “juntos”. Me pareceu

uma utopia, mas não quis dizer nada.

- E quem vai me ajudar a controlar o gênio dele? – Falei agarrando seu braço – Você

não pode nos deixar.

- Ninguém controla aquele gênio. Ele só faz o que quer. Isso desde criança. Se você não

conseguir dar um jeito nele, ninguém mais dará.

- Agente amarra ele - Planejei maquiavélica.

Ernest sorriu alto me abraçando pelo ombro. Finalmente depois de tanto tempo agente

estava se entendendo.

CAPÍTULO 5

No meio da tarde Ernest quis parar e montar acampamento. Estava cansado, ainda

não tinha se recuperado bem da luta e nem da ressaca.

Sentados debaixo de uma árvore Ernest se colocou a minha frente enquanto Aragorn

estava sentado do outro lado do acampamento.

- Melissa, seus poderes como você já sabe estão em você. E quando você coloca a coroa

o que acontece é que eles são intensificados. Mas ainda que não possa usá-la, pode usar os

poderes que há em você.

Ele passou horas me explicando como trazer meus poderes e me fez experimentar usá-

los ali mesmo sob os olhares atentos de Aragorn.

- Uma coisa eu percebi em você, suas emoções te fazem reagir intensamente trazendo

seus poderes à tona. Mas nem sempre isso é bom. Pode te fazer perder o controle. As coisas que

fazemos irracionalmente nos levam a conseqüências muitas vezes desagradáveis. Sem contar

que você perde muita força desgastando seu físico e mental. Como Jeziel naquele episódio do

ônibus. Ele agiu por impulso e colocou toda sua força no que estava fazendo e quase morreu por

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causa disso. E todo resto da história aconteceu. Talvez não precisássemos estar aqui agora se ele

tivesse agido racionalmente.

E sob a orientação de Ernest eu tentava aprender algumas coisas, como levitar pequenas

pedras e algumas folhas, mas era inútil, eu não conseguia. Ele tentava e tentava, ao menos era

mais paciente que Jeziel, e mesmo assim eu não conseguia. Eu já estava ficando com dor de

cabeça de tentar e envergonhada. Aragorn me olhava e com certeza devia estar se perguntando

como eu não sabia fazer coisas tão simples como aquelas.

A noite chegou e Ernest acendeu a fogueira.

- E então Aragorn, faltam dois dias para chegarmos a Fastatur e sua missão ser

cumprida. Você vai poder ir para Vanderlest. O que tem por lá? – Ernest perguntou interessado.

– Alguma mulher?

Aragorn olhou para mim de soslaio.

- Nenhuma que me interesse.

Baixei a cabeça cutucando a terra com uma vareta. Algo em seu olhar me perturbou.

- Então o que é? Se puder nos contar.

- Negócios. Tenho umas contas para acertar.

- Pagar? – Ernest especulava.

- Não. Receber. Algumas pessoas ali me devem favores.

- E o que pretende fazer depois?

- Vou comprar a ilha Marfim com meu pagamento e morar lá até morrer velho e farto de

dias.

Ernest riu.

- Pensei que gostasse da sua vida cheia de aventuras.

- Já estou nisso à muito tempo. Até as aventuras nos enche de tédio.

- Onde fica essa ilha?

- A oeste da costa de Vernon. É uma bela ilha. Pequena, deserta e longe de tudo. Há

somente um portal que leva até ela e esse portal esta a venda junto com a ilha. Só que o homem

que a esta vendendo quer muito por ela.

- Por isso aceitou minha proposta?

- Exatamente por isso. Depois de passar por Vanderlest vou direto para ilha Marfim.

- E vai sozinho para uma ilha deserta? – Ernest perguntava enquanto se deitava

embrulhado na capa para dormir.

Aragorn cruzou seu olhar com o meu novamente.

- Ainda não sei. – Respondeu.

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Ernest encerrou suas perguntas e adormeceu. Depois de um longo tempo em silêncio,

Aragorn se deitou com os braços sob a cabeça olhando as estrelas. Cantarolando em sussurros

uma música desconhecida para mim que falava de amor e sonhos. Agradável na sua voz.

Me deitei também olhando o céu e minutos depois um sono leve me pegou. Ao fundo

ainda ouvia Aragorn cantarolar e me deixei envolver pela canção. Minha mente ficou leve e de

repente estava num sonho iluminado e alegre.

O som da voz de Aragorn agora se transformava numa grande orquestra que tocava a

música com tanta vida que me alegrou de tal forma que comecei a dançar.

Luzes ao meu redor bailavam e eu estava muito a vontade. Girando entre as luzes num

vestido claro que esvoaçava aos meus movimentos. Após um tempo percebi um par de olhos cor

de ouro me observando. Me aproximei daquele par de olhos e uma luz amarelo ouro iluminava

todo seu rosto. E quando os vi mais de perto reconheci de quem eram e sorri para eles. Acordei

no meio da noite com uma sensação agradável de liberdade e estava brilhando em minha luz

azul. Ela nunca mais havia surgido assim voluntariamente.

Olhei para Ernest deitado ao meu lado dormindo e Aragorn estava de pé encostado

numa árvore próxima a mim me observando.

Nossos olhares se cruzaram. Era ele no meu sonho. Senti um impulso tão forte de me

levantar e ir até ele que estranhei em mim esse sentimento. E ele me olhava esperando algo.

Como se também esperasse que eu fosse até ele.

Confusa, me virei para o outro lado tentando disfarçar a surpresa que senti por ele estar

em meu sonho. E recolhi a luz que emanava para dentro do meu peito.

Ele se moveu de volta a seu lugar e se deitou dessa vez em silêncio.

CAPÍTULO 6

Uma manhã fria e nebulosa nos encontrou na floresta. Estava tão frio que a minha

respiração formava fumaça saindo da minha boca.

Desmontamos nosso acampamento e retornamos a estrada. Me pareceu que nem os

pássaros tiveram coragem de sair de seus ninhos. Estava tudo quieto.

Um trovão ensurdecedor rachou o silêncio. Senti o chão tremer sob meus pés.

Ernest e Aragorn olharam para o céu e acompanhei seus olhares. Uma nuvem negra e

carregada navegava rapidamente sobre as árvores encobrindo todo o céu azul.

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- Temos que procurar um abrigo. – Falou Aragorn – Vem tempestade grande por ai.

- Por ali. - Apontou Ernest de volta ao seio da floresta guiado pelo mapa - Tem uma

caverna por ali.

Entramos na floresta andando apressados e a cada estouro do trovão a tempestade

parecia estar mais perto.

Um quilômetro á frente a chuva começou a cair grossa e ensopava nossas roupas e

enlameava todo o caminho dificultando a caminhada. O vento começou a soprar mais forte

chicoteando meu cabelo.

Estava sombrio e frio na floresta, mas não foi o último trovão que me fez tremer. Uma

figura amedrontadora surgiu em minha frente com uma longa capa negra molhada pela chuva

com o capuz cobrindo seu rosto expondo somente um sorriso maligno estampado em seus

lábios. Mais quatro homens surgiram atrás dele, Vestidos da mesma maneira. Ernest e Aragorn

se posicionaram um de cada lado com as espadas em punho. E os cinco homens

coreograficamente desembainharam suas espadas ao mesmo tempo e vieram andando para cima

de nós.

Peguei meu bastão colocando a minha frente como escudo. Aragorn retirou a espada de

minhas costas empunhando assim duas espadas. Os homens encapuzados não se intimidaram e

continuaram vindo para cima de nós.

- Dê-me garota. – Gritou o homem que estava ao meio - E vocês podem ir para casa

vivos.

- Só por cima do meu cadáver! - Gritou Ernest se atirando sobre os homens travando

uma batalha assustadora. Aragorn se colocou em minha frente lutando com os outros que

tentavam se aproximar de mim. Quando um dos homens encapuzados me surpreendeu por trás

meu bastão girou quase que por vontade própria me defendendo de sua espada. Me concentrei

na luta e no que Ernest me disse ontem de que meus poderes poderiam ser usados a todo o

momento. Eu já tinha descoberto o dom que tinha com o bastão então parti para o ataque.

O som metálico das armas se misturava aos lampejos dos trovões e a cada minuto a

chuva caía mais forte. O céu totalmente negro transformou a floresta num cenário assustador

onde a luta por nossas vidas crescia a cada golpe.

Ernest lutava bravamente, Aragorn ágil e concentrado parecia prever antecipadamente

os golpes de seu oponente, e eu usava tudo que podia para me defender enquanto percebia que

aqueles homens queriam me capturar a todo custo, mas não fazia diferença a eles se eu estivesse

viva ou morta.

Com alguns golpes de sorte consegui desarmar meu inimigo e jogá-lo ao chão.

Enquanto ele tentava se recuperar me deu tempo de olhar para Ernest e para Aragorn que já

tinham se livrado de dois Drevors.

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Andei apressada para tentar me aproximar de Ernest e de Aragorn onde estaria mais

segura, quando o homem que eu havia derrubado se levantou, pegou sua espada e disparou

contra mim.

Olhei assustada vendo ele a cada momento se aproximar correndo em minha direção e

faltando segundos para me atingir Ernest veio gritando e pulou em minha frente sendo atingido

em cheio pela espada que iria me acertar.

O ar me faltou quando vi a ponta da espada ensangüentada saindo pelas costas de

Ernest, mas o homem a puxou rapidamente e preparou-a novamente para mim. Só que outra

ponta de espada rompeu do ventre dele o fazendo cair de joelhos. Era Aragorn que o golpeou

mortalmente pelas costas.

Aragorn sustentou Ernest que tombava ferido para frente. Me aproximei de Ernest

enquanto Aragorn o colocava sentado no chão.

Os cinco corpos dos homens estirados no chão se desvaneceram como fumaça. E Ernest

respirava com dificuldade com uma expressão de dor nos olhos.

Havia muito sangue em suas roupas e em suas mãos que cobriam o ferimento.

- Melissa... – Ele falou com dificuldade – Lembra da nossa conversa na campina?

Assenti com a cabeça.

- As pedras estão na sua bolsa. – Ele estava se despedindo.

- Não Ernest. Nós vamos conseguir. Você vai ficar bem.

- Não Mel. Eu não vou.

- Podemos te levar a Erzoul. – Falei angustiada.

Ele tentou sorrir para me acalmar, mas provocou em si uma tosse dolorida. - Pegue a

minha bolsa. – Ele pediu com dificuldade.

Apanhei aonde ele havia jogado. E entreguei a ele.

- Aragorn. - Ernest se esforçava para falar. – Tome. – Entregou a bolsa a ele – Aqui esta

seu pagamento. Tudo que esta aqui é seu. Leve Melissa para Fastatur e deixe-a em segurança. –

Ele tossiu novamente - Cuide dela. É muito importante que ela fique bem. E se não tiver como

mantê-la segura aqui mande-a de volta para casa. Ela só tem você agora.

Ernest me olhou ternamente.

- Eu poderia ter convivido mais com você Melissa. Você é uma menina maravilhosa e

muito corajosa. Mas esse tempo foi bom. Só me perdoe por não conseguir te acompanhar no

resto dessa jornada. Mas fico feliz por não estar te deixando sozinha. – Ele olhou para Aragorn

depois passou a mão em meu rosto me olhando novamente - Diga ao meu filho que eu o amo.

Ele deu mais uma respirada forçada e fechou os olhos.

- Ernest! – Eu gritei desesperada – Ernest! – peguei o rosto de Ernest que estava gelado.

Meus olhos derramavam uma quantidade louca de lágrimas que se misturavam as gotas de

chuva que caíam implacáveis sobre nós.

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Aragorn me puxava pelos ombros, mas eu me agarrava as roupas ensangüentadas de

Ernest.

– Não Ernest! – Não!

Aragorn conseguiu me arrancar de cima do corpo de Ernest e me arrastava para longe.

Ainda olhava desesperada para Ernest caído no chão lamacento quando uma fumaça branca

substituiu seu corpo se dissipando no ar.

- Não, não, não! – Em desespero era só o que eu conseguia falar.

- Vamos Melissa, temos que sair daqui agora.

Os trovões aumentavam e Aragorn corria me puxando pela mão e eu olhava para trás na

esperança de que um milagre acontecesse e Ernest aparecesse.

Alguns galhos enormes caíam ameaçadoramente do alto das árvores, o vento

multiplicou sua força. Um raio atingiu uma árvore atrás de nós a partindo pelo meio e Aragorn

continuava me puxando desviando dos galhos quebrados e me protegendo do que o vento

raivoso atirava sobre nós.

Chegamos a tal caverna e Aragorn me colocou sentada no chão enquanto ele rondava o

lugar. Me encolhi abraçando minhas pernas chorando compulsivamente.

Aragorn fez um monte com pedras e acendeu com elas uma fogueira de pedras

iluminando as paredes escuras da caverna.

Ele ficou um tempo vigiando a entrada para ter certeza que não havia mais soldados

atrás de nós.

Quando se deu conta que estávamos realmente seguros, se virou pra mim e me olhou

preocupado.

- Melissa. Você precisa tirar essa roupa molhada. – Eu devia estar tremendo, mas não

percebi.

Ele se abaixou perto de mim desamarrando minha capa e retirando meu vestido

encharcado. Ele tirou minhas botas e eu devido ao choque não me importei de estar seminua.

Ele jogou outra capa mais seca sobre mim que tirou de sua mochila e pendurou minhas roupas

sobre uma pedra perto da fogueira.

A tempestade que dava para ver pela entrada da caverna era apavorante. O vento

arrancava árvores inteiras e o estrondo dos trovões e raios eram aterradores, mas eu estava

mergulhada na minha própria tempestade particular para me importar com que acontecia lá fora.

Ernest havia morrido. Leo preso. Eu sozinha num mundo desconhecido escondida numa

caverna com um homem que eu mal conhecia. Sendo perseguida por quem queria minha morte,

e não me parecia que esta história estivesse chegando ao fim.

O que eu iria fazer? O mais lógico seria ir embora agora mesmo para casa. Mas como eu

poderia deixar Leo aqui?

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Quando parei de chorar um soluço ainda sacudia meu peito. Me senti tão cansada e tão

sozinha.

Aragorn ficava de pé na entrada da caverna olhando a tempestade passar. A chuva

passava mais o frio aumentava. E mesmo com a fogueira ainda acesa não conseguia me aquecer.

Depois de algumas horas Aragorn se sentou ao meu lado. Eu ainda permanecia

encolhida na mesma posição.

- Não tenho poderes para arrancar essa dor e o medo que esta sentindo agora Melissa,

mas você não esta sozinha. – Sua voz era calma. - Não vou me afastar de você enquanto não

estiver segura. Como prometi a Ernest.

Eu queria ter algo a dizer a ele pela sua solidariedade, mas minha mente estava vazia de

qualquer coisa que não fosse a visão da espada transpassando o corpo de Ernest.

Não dormi a noite inteira e também não disse uma só palavra. Aragorn também não

dormiu passou a maior parte da longa noite indo e vindo da entrada da caverna preocupado com

a nossa segurança.

Quando o dia finalmente clareou podemos ver os estragos causados pela tempestade,

mas o estrago maior foi causado dentro de mim e não fora.

Aragorn se aproximou com minha muda de roupas secas e me entregou para que eu me

vestisse. Como um autômato peguei as roupas e as vesti.

- Nós vamos ficar aqui hoje. Não quero arriscar que outra tempestade dessas nos pegue

sem abrigo. O céu não esta totalmente limpo. – Relatou Aragorn.

O fogo da fogueira de pedras ainda ardia, mas o frio que estava em mim não passava.

Aragorn abriu a bolsa que Ernest entregara a ele e fez um inventário do que tinha lá.

Entre muitas coisas, outra bolsa menor que foi aberta por Aragorn e estava, pelo que me pareceu

devido a reação dele, com uma boa quantia em dinheiro.

- Nossa! - Exclamou espantado - O que vocês fizeram, roubaram a sala do tesouro de

Cordomad? Por isso ele esta atrás de vocês?

Ele desenrolou o pergaminho que era o mapa do castelo.

- O que vocês fazem com o mapa do castelo? – Me perguntou assombrado – Sabe que

os rebeldes matariam para ter esse mapa? Aqui mostra todas as entradas e saídas secretas. Só os

reis e o general da guarda do rei possui um desses. – Ele me fitou curioso, mas estava triste

demais para me preocupar com suas especulações.

Vendo-o mexer nas coisas que eram de Ernest me angustiei ainda mais. Eu tinha que

aceitar que ele se fora e isso me fazia querer chorar. Aragorn guardou as coisas na bolsa de novo

quando viu meus olhos lacrimejando.

Por todo o dia ficamos na caverna com exceção de quando Aragorn saiu para apanhar

comida e água. As frutas que ele apanhou para mim eu recusei, não estava com vontade de

comer. Ele insistiu algumas vezes, mas depois de um tempo desistiu. Ele mesmo não comeu.

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Parecia preocupado demais. Andava de um lado para o outro na caverna. Às vezes expressava

um ou outro comentário sobre a continuidade de nossa viajem, mas como eu não respondia, ele

logo se calava.

A noite chegou e eu continuava enraizada no mesmo lugar. Meu corpo endurecido por

ter passado tanto tempo na mesma posição. E a mente ainda não tinha digerido todos os últimos

acontecimentos. Aragorn me olhava do outro lado da fogueira. Agora já não desviava o olhar

como antes. Seus olhos eram firmes em mim e preocupados. Mas não me incomodavam.

O vento fazia um som lúgubre ao passar pelas árvores e pela entrada da caverna.

Tentei me levantar já que minha consciência estava voltando ao normal. Eu tinha que

reagir uma hora. Não podia ficar enfurnada naquela caverna para sempre e ao me esticar todas

as minhas juntas doeram. Algumas partes de meus membros estavam dormentes, mas me forcei

a levantar e fiquei de pé.

Os olhos de Aragorn me acompanharam em cada movimento. Curiosos com minha

súbita reação. Mas eu não estava mais disposta a ficar de luto. Ernest tinha morrido lutando para

libertar Jeziel e ele acreditava que eu poderia fazê-lo, então eu tinha que fazer alguma coisa.

Tinham pessoas querendo me matar, e eu ainda não havia esquecido o que tinha ido fazer

naquela dimensão. Havia duas escolhas. Ou eu desistia de tudo e voltava para casa, deixando

Jeziel aprisionado para sempre, ou continuava minha jornada. Mesmo sem Ernest. Até encontrar

meu pai.

- Aragorn, me ensina a usar a espada? – Foi à primeira frase que falei depois de vinte e

quatro horas.

Ele se levantou perplexo com minha fala, mas disfarçou bem na hora da resposta.

- Posso tentar. Mas você não me parece o tipo de garota que teria coragem de cravar a

espada em alguém.

- Mas eu posso aprender. – Falei decidida - Se eu não fosse tão ridiculamente incapaz

Ernest não teria morrido.

- Não foi por sua causa que ele morreu.

- Ele se atirou na minha frente porque eu não sabia me defender. E se eu não aprender a

me defender agora, você será o próximo.

- Não se preocupe comigo, preocupe-se com você.

- Não quero ver mais ninguém morrer por minha causa.

- Melissa, é normal você se sentir assim, mas não se culpe. Ele fez o que tinha que fazer.

- Ele sacrificou sua vida por mim – Falei com os olhos cheios d’água. Pegando

determinadamente minha espada que estava encostada numa pedra.

- Ele sacrificou sua vida pelo que ele acreditava. Ele acreditava em você garota, agora é

a sua vez de acreditar em si mesma.

Aragorn desembainhou a espada.

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- Você tem razão. – Falei decidida - Ernest não morreu em vão.

Por várias horas da noite treinamos com as espadas o que Aragorn me ensinava. Depois

de que de tão cansada não conseguia mais erguer a minha, me sentei recostada numa pedra.

- Descanse. Tente dormir um pouco. Eu também preciso descansar - Falou Aragorn

sentado recostado na parede da caverna. Ele estava mesmo muito cansado.

Ao me deitar num canto da caverna, olhei para Aragorn recostado na abertura dela. Eu

estava com medo. Medo de tudo que ainda me esperava. Tinha tomado a decisão de ir até o fim

dessa jornada, mas não tinha certeza se conseguiria.

- Aragorn... – Chamei sua atenção que me olhou imediatamente. - Você acha que eles...

conseguirão me pegar?

- Eu não sei o que eles querem com você, mas enquanto você estiver sob a minha

proteção, prometo que Cordomad jamais porá as mãos em você.

Havia uma verdade insondável nas palavras de Aragorn e me senti mais confortada.

Eu estava assustada, mas Aragorn me passava segurança. Mesmo sem nenhuma

garantia.

Com o silêncio e o cansaço, acabei dormindo rápido, mas um pesadelo horrível

perturbou meu sono. Uma grande sombra negra sobrevoava o céu de Andaluz e me perseguia.

Eu corria tentando encontrar refúgio, mas não encontrava e então a sombra se materializava

num homem de rosto deformado e horripilante a minha frente e quando ele estendeu a mão para

me pegar eu acordei apavorada.

Quando abri meus olhos ainda dentro da caverna, um estranho pavor me assolou. Era

tão real o sonho que temi que a sombra estivesse lá fora esperando por mim.

Eu estava muito perturbada e as sombras das árvores iluminadas pelo brilho da fogueira

de pedras formavam imagens pavorosas diante de meus olhos.

Levantei de meu lugar e andei sorrateiramente até onde Aragorn dormia me lembrando

do que ele disse sobre chegar perto demais de um guerreiro sem avisá-lo. Só que a única coisa

que eu tinha para me dar segurança e espantar o medo que estava sentindo naquele lugar frio e

escuro era Aragorn. E eu precisava desesperadamente sentir a confiança que ele me transmitia.

Ele estava muito cansado, provavelmente não notaria minha aproximação. E eu estava

apavorada para conseguir ficar sozinha.

Já que estava tão longe de casa para correr para a cama de Biel, me sobrara Aragorn.

Sem querer acordá-lo me aproximei e deitei ao seu lado sem fazer movimentos bruscos.

Mesmo assim ele abriu seus olhos e me pegou de surpresa. Pensei que ele fosse me repreender,

mas depois de avaliar minha proximidade se afastou um pouco de sobre a manta em que ele

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estava me dando espaço para deitar-me ao lado dele. Ali não senti mais medo e consegui

dormir.

Quando acordei um cheiro agradável de carne assada enchia a caverna. Percebi o quanto

estava com fome. A capa de Aragorn estava sobre mim Me aquecendo, pois ainda chovia muito

lá fora. Aragorn estava molhado e sua camisa pendurada sobre uma pedra próxima à fogueira.

Ele estava de costas para mim e desenhei com os olhos cada linha de seus músculos. Ele

era bonito e atraente. Era difícil ficar perto dele e não notar, ainda mais com ele daquela forma.

Me senti estranha e antes que ele percebesse me virei para o outro lado.

Fiquei analisando minha reação. Porque estava admirada com a beleza de Aragorn? Eu

amo Leo, e ele á a criatura mais linda que já vi na vida. Seus olhos, sua boca, seu corpo, tudo

em Leo é perfeito. Eu não tenho que ficar olhando Aragorn desse jeito – me repreendi.

Depois de espantar os pensamentos confusos de minha mente, me sentei espreguiçando

e bocejando. Meu corpo estava todo dolorido. Que saudades da minha cama.

- Preparei uma alimentação mais forte para você. Já que pretende ser uma guerreira tem

que se alimentar melhor – Aragorn falou quando percebeu que eu estava acordada.

Estiquei meu sorriso selado e me levantei rumo ao cheiro maravilhoso de carne.

- Você caçou na chuva?

- Quando saí não estava chovendo. Ela me pegou no caminho. - Ele cortou um pedaço

do que pareceu ser uma ave e me entregou.

- Hum... Tem gosto de frango.

Ele me olhou confuso levantando uma sobrancelha.

Eu coloquei a mão na boca segurando um sorriso. É claro que ele não sabia o que era

frango. Mas não me fez perguntas.

- Se a chuva cessar vamos sair hoje mesmo. Talvez tenhamos que viajar a noite, mas

você parece bem descansada para a viajem. Quanto mais rápido chegarmos a Fastatur melhor.

- Esta com tanta pressa de se livrar de mim assim? – Falei pesarosa. Mas depois me

arrependi de ter dito isso.

Aragorn ficou surpreso com o tom da minha voz. E eu também. O que estava

acontecendo comigo? Abaixei os olhos dando mais uma dentada na carne.

- Não. Estou com pressa de te ver segura.

Pelo resto da tarde que a chuva não cessou e não pudemos sair da caverna, ele

continuou me ensinando a usar a espada.

Era cansativo, mas eu estava obsessiva e queria aprender a todo custo.

- Você é boa aluna. Dedicada. Isso te ajuda a aprender rápido.

- Vou ser a melhor aluna que você já teve. – Falei entusiasmada.

- Considerando que é a única. E espero que seja a última. É... Acho que tem razão.

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Já era bem tarde da noite, já havíamos conversado muitas coisas. Na verdade eu falava

mais do que ele, usando minha tagarelice para bloquear meus medos e dúvidas, mas só falava

sobre o que eu pensava não ser perigoso nem revelador. Se bem que não me lembrava de ter

falado tanto assim com mais alguém. A tensão e os acontecimentos dos últimos dias haviam me

transformado numa espécie comunicativa. Falar muito agora e coisas sem sentido me ajudava a

não pensar e a não ter real consciência do que estava acontecendo.

Eu falava sobre coisas que não tinham nada a ver com o que eu estava vivendo agora, E

ficava mais atenta quando percebia que uma palavra ou uma expressão era estranha a Aragorn,

então me continha e prestava mais atenção ao que dizia. Ele também paciente em me ouvir

colaborando com minha estratégia me contava algumas histórias de sua vida me ajudando a

esquecer da minha própria e isso era muito bom ainda que suas histórias se resumiam em lutas e

mais lutas, não me pareceu que ele tivesse alguns momentos normais ou felizes. Felicidade para

ele se resumia em sair vivo de uma boa batalha.

Aragorn me contou que foi mandado muito novo para o campo de treinamento do

exército de Andaluz então não teve tempo de ter uma vida normal como outros jovens que

tiveram oportunidade de ter outra vida. Por isso não tinha se casado.

- O exercito é o pai a mãe e a esposa de um soldado. Não pensávamos em nada além do

nosso treinamento e da nossa missão.

- Parece uma vida muito solitária. – Falei solidaria.

- Agente se acostuma.

- Mas e agora – Bocejei – Você não faz mais parte do exército e pode levar outra vida

na ilha em que vai morar.

Ele se deitou com os braços sob a cabeça olhando para o alto da caverna. E ficou

pensativo. Eu me deitei de lado com o rosto voltado para ele tentando ler suas expressões.

- No que esta pensando? – Perguntei curiosa pelo seu olhar distante.

Ele virou o rosto olhando para mim. Seus olhos de ouro estavam indecifráveis.

- Porque não acompanha meu pensamento? – Falou naturalmente.

- Não posso ler. Não é um dom que eu tenha. – Contei.

- Se eu te contar no que estou pensando, quando eu fizer a mesma pergunta a você

quando te ver pensativa, vai me dizer? – Brincou.

Me calei. Com certeza não diria a ele.

E Aragorn voltou a olhar o alto da caverna.

Fiquei ali olhando para ele enquanto ele olhava o teto. Não parecia se incomodar com

meu olhar e para mim era reconfortante olhar para ele. Era tranqüilo. E assim adormeci.

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CAPÍTULO 7

Mais uma manhã em Andaluz nasceu e dessa vez o sol veio com ela.

Os pássaros cantavam novamente anunciando que a tempestade havia passado. E

Aragorn esperava só que eu acordasse para iniciarmos nossa viajem até Fastatur.

Uma tristeza me veio quando me lembrei que agora éramos Aragorn e eu. Ernest tinha

encerrado sua viajem.

Aragorn agora não andava atrás de mim, andava ao meu lado substituindo a posição que

antes era de Ernest.

O dia estava lindo, ignorando tudo por que eu havia passado. Tudo muito verde regado

pela chuva de três dias seguidos.

Aragorn estava tenso e não relaxou um só minuto ao meu lado. Seus olhos varriam cada

parte da estrada. Ele andava tão próximo de mim que podia sentir sua respiração pesada. Mesmo

com ele preocupado me sentia muito segura ao lado dele.

Andamos vários quilômetros e ele ainda não havia relaxado e a tensão dele estava me

incomodando e começando a me deixar tensa também. Desde que saímos da caverna ele não

havia dito uma só palavra. E o silêncio já estava me fazendo pensar no que não queria. Não

queria ver em minha memória Ernest pulando a minha frente e sendo golpeado mortalmente,

não queria me lembrar o quanto estava longe de casa, nem mesmo de que Jeziel ainda

permanecia preso.

Eu me conhecia muito bem e sabia que fugir desses pensamentos, me esquecendo da

realidade que era tão dura e incerta seria a única forma de me manter no foco e andando.

- Aragorn, - Chamei sua atenção para ver se ele relaxava um pouco – Você sabe a

diferença entre o porco espinho e o arame farpado?

Ele pensou um pouco.

- Não sei o que é porco espinho e nem arame farpado. Como vou saber a diferença entre

os dois? - Ele falou muito sério sem entender que era uma piada.

Eu explodi em um riso olhando a cara dele que me olhava evidentemente pensando que

eu havia surtado.

- O porco é um animal gorduchinho e baixinho de rabo enroladinho e um nariz que

parece uma tomada. - Eu tentava explicar fazendo gestos exagerados com as mãos.

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Ele me olhou ainda mais sério sem entender do que eu estava falando. Eu ainda ria, mas

olhando a cara que ele fazia sem humor me controlei antes que ele pensasse mesmo que eu

havia pirado.

- Perdi a graça. Deixa para lá. – No resto do trajeto permaneci calada.

Andamos até chegar ao alto de uma montanha e de lá vimos às luzes de uma grande

cidade.

- Fastatur – Falou Aragorn parecendo aliviado. – Cordomad não se atrevera a mandar

seus soldados atrás de você no meio da cidade em que moram os súditos que ele engana fazendo

papel de bom moço.

Descemos pela estrada rumo à cidade e lá Aragorn nos hospedou numa pensão.

- A noite não vai ser fácil encontrar essa mulher que você procura. Hoje você dorme e

descansa numa cama quente e amanhã vamos atrás da tal Thiouryna.

A pensão em que estávamos era bem melhor que as anteriores, as camas espaçosas e

com banheiro no quarto. Meus olhos se iluminaram quando vi a possibilidade de um bom banho

quente.

- Eu vou dar uma volta enquanto você toma um banho e depois vamos sair para jantar.

Aragorn saiu. No banheiro me olhei no espelho e vi meu rosto depois de muitos dias.

Meu cabelo era um emaranhado. Nem acreditei que eu estava andando a dias desse jeito.

Preparei um banho e mergulhei na banheira de água quente. Fiquei ali por pelo menos

quarenta minutos me esforçando para não pensar nos últimos acontecimentos e nem nos

próximos.

O banho conseguiu realmente me relaxar. Penteei meus cabelos e saí me enrolando

numa toalha felpuda.

Fora do banheiro vi sobre a cama um vestido longo de cor azul claro e um par de

sapatos delicados colocados ali com um bilhete. Aragorn providenciara roupas limpas e as

colocou sobre a cama sem que eu percebesse. Abri a porta do quarto verificando se ele ainda

estaria por perto e nada. O bilhete, eu não podia decifrar aquela escrita, mas fiquei feliz em

poder vestir outra coisa que não fosse meu modelo épico.

Quando acabei de me vestir, peguei o bilhete e desci até a recepção. Pedi para a moça

que andava com lençóis em seus braços que lesse para mim.

- Aqui diz que seu amigo te espera para jantar bem ali na frente. – Ela apontou para

outro estabelecimento que ficava na frente da pensão. Saí de lá atravessando a rua e entrei no

que seria um restaurante na minha dimensão.

Vasculhei com os olhos o salão encontrando Aragorn encostado no balcão. Ele também

havia se vestido para o jantar e uma camisa branca transpassada semi-aberta estava

simplesmente divina sobre o peito escultural dele. Quando ele me viu percebi o olhar de

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admiração que nenhuma mulher confundiria. Ele andou até mim me estendendo a mão e me

guiou até uma mesa.

- Pensei que já que essa é nossa última noite juntos, poderíamos ter um jantar especial.

De despedida.

Os olhos de ouro dele estavam extremamente intensos em mim, mas também tristes.

- Amanhã cedo te levo até a mulher chamada Thiouryna e você estará livre de mim.

- Você não precisa ir embora – Falei sentindo o pesar da despedida.

- Segundo o que Ernest disse, você não vai mais precisar de mim.

Não precisaria dele como um defensor, protetor ou guia, mas já tinha me acostumado

com sua companhia. Seria difícil me despedir, mas eu estava sendo egoísta. Ele tinha seus

planos e não era de ficar colado em mim a vida inteira. Até porque eu era para ele um grande

problema.

- E será que vamos nos ver algum dia? – Perguntei esperançosa.

- Você sabe onde vou estar.

- Mas não sei como chegar lá.

- Você gostaria mesmo de me ver novamente? – Os olhos dele estavam intensos outra

vez.

Fiquei com medo de dar a resposta que eu queria e em como ele poderia interpretar.

Ernest me orientou a ter cuidado.

- Claro. Você é o único amigo que tenho aqui. – Esclareci.

Ele me olhou parecendo ter visto algo a mais na minha resposta. E me preocupei em que

tivesse visto mesmo, porque eu estava sendo traída pelos meus próprios sentimentos. Amava

Leo, estava ali por causa dele e no entanto ao pensar em não ver mais Aragorn algo dentro de

mim protestava.

- O que querem beber? – Uma simpática garçonete de sorriso largo interrompeu nosso

olhar.

- Hoje é melhor não bebermos nada. – Ele falou se divertindo com certeza lembrando-se

da minha última experiência com bebidas. – Traga, por favor, algo leve para nós.

O jantar foi agradável, Aragorn foi especialmente cordial e sutilmente galanteador e eu

passei o tempo todo me culpando por estar gostando tanto de suas investidas.

Ele me segurou pela mão me fazendo levantar e ir com ele até a pista de dança do

restaurante.

Dançamos várias músicas. Ele mantinha sua mão entrelaçada na minha e gentilmente

me conduzia aos passos. As luzes ao nosso redor, várias luzes coloridas, davam a impressão do

sombreamento da luz de velas. Uma atmosfera romântica e nostálgica.

- Você dança bem melhor quando não esta sobre o efeito de bebidas – Brincou.

- Não é justo. Você disse que não era tão ruim dançar comigo naquele dia.

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- Não foi ruim, mas hoje esta melhor. Eu não tenho que te segurar para não cair.

Dei um tapa em seu braço em protesto.

- Fico feliz em ver que esta bem. Me preocupei com você por causa de Ernest.

- Foi terrível realmente. Mas tenho que ser forte. Estou cansada de me deixar ser

influenciada pelos acontecimentos ao meu redor.

- Eu acho que você é uma garota muito forte.

Olhei admirada para ele.

- Todo mundo sempre me disse o contrário.

- E você acreditou neles?

Dei de ombros.

- Tem pouco tempo que te conheço. E o que vejo é que você é uma garota sensível, mas

não fraca.

- Você acha mesmo?! – Perguntei surpresa.

- Acho. Você é especial.

Fiquei vidrada em seus olhos dourados, alegre com o que ele havia me dito. Fora a

primeira pessoa que teve essa impressão de mim.

Ao sairmos do restaurante ele me levou por um passeio noturno pela cidade.

- Amanhã definitivamente você vai estar em segurança. Na casa de Thiouryna.

- Preferia não precisar me despedir de você – fui sincera.

- Talvez não precise haver uma despedida. – A forma como ele me olhou ao me falar

me constrangeu. E ele percebeu – Talvez só um até logo. – Tentou me deixar mais a vontade.

- Talvez. Eu não sou uma pessoa muito comunicativa e não faço amizade com

facilidade. E tem muito tempo... Muito tempo mesmo que não me sinto tão bem com alguém ao

meu lado. – Desabafei.

Ele não falou nada. Só se aproximou mais de mim e continuamos andando.

E eu começava a me preparar para a despedida de amanhã. Quando eu chegasse a casa

de Thiouryna ele iria embora e eu seguiria os planos que me fizeram vir até aqui.

Não sabia o que me esperava amanhã, mas estava otimista de que pelo menos as coisas

se tornariam mais fáceis a partir dali. Ernest se fora, Aragorn iria embora, e eu tinha a missão

de encontrar meu pai e libertar Jeziel.

A noite estava linda. Milhares de estrelas cobriam o céu de uma forma exuberante. O

céu de Andaluz era realmente deslumbrante. Podia entender perfeitamente porque Aragorn

sempre adormecia observando o infinito.

Paramos sobre uma ponte de pedras que arqueava sobre o rio que cortava o meio de

Fastatur.

Eu olhava as águas que passavam silenciosamente sob a ponte e cintilavam um brilho

vindo das pedras que iluminavam a cidade e refletiam o brilho das estrelas.

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Olhei mais uma vez para o céu em admiração.

- As estrelas de Andaluz brilham tanto... São tão lindas. – Exclamei extasiada.

Aragorn segurou minha mão de uma forma calorosa.

- Nenhuma delas brilha tanto quanto você. E nem conseguem ser tão lindas. – Ele disse

numa voz rouca e sedutora entrelaçando seus dedos nos meus me fazendo tremer. Eu iria tirar

sua mão da minha por puro moralismo, mas não era isso que eu queria realmente. Meus sentidos

reagiram, para meu espanto, a favor de Aragorn, e estava gostando mais do que devia daquele

gesto.

Aragorn me virou de frente a ele e minha cabeça estava baixa. Ele com sua mão ergueu

meu queixo e nossos olhos se encontraram. Havia uma frase escrita naquele olhar. Algo que

com certeza eu gostaria de ouvir só por vir acompanhado da luz que eu via através de seus

olhos.

Sua mão acariciou meu rosto e eu sabia o que viria em seguida. Sua mão quente que

desenhava as linhas em minha pele me contava o que ele faria. Mas antes que eu pudesse ser

subjugada por seu toque, coloquei minha mão sobre a sua e baixei os olhos novamente. Ele

hesitou por segundos, mas cavalheiramente se afastou me dando espaço, me olhando

intensamente.

- Vamos voltar à pensão? – Ele mantinha um tom de voz ameno apesar do que eu fiz –

Você precisa estar descansada para o grande dia de amanhã.

Seguimos até nosso quarto em silêncio.

Minha cabeça fervilhava de contradições entre o que era certo e errado, entre o que eu

sentia e queria. Aragorn estava aparentemente tão tranqüilo que me deixava constrangida.

Não, Não era ele que me deixava constrangida, era minha consciência me acusando de

um débil arrependimento por ter negado o beijo que ele me daria.

Eu me preparei para dormir tentando esquecer e apagar de minha mente outros desejos

que não fossem encontrar Jeziel.

Aragorn se sentou numa poltrona virada para a janela. E olhava o céu. Um costume dele

que eu já havia aprendido. Aragorn gostava de olhar as estrelas. Talvez ele conseguisse ver algo

lá que mais ninguém pudesse.

Eu estava num conflito grande demais comigo mesma para conseguir dormir.

Me revirei várias vezes inquieta na cama e passei a prestar atenção na voz de Aragorn

que novamente cantarolava sua canção preferida que agora não era mais desconhecida a mim e

em poucos minutos sua música me envolveu me fazendo mergulhar num sono tranqüilo e

iluminado.

Novamente sua melodia me inundou no sonho e dancei livre de todos os medos e regras

sob um par de olhos de ouro.

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A manhã em Fastatur foi intensa. Primeiro por estar tão próximo de chegar a algum

lugar que me levasse a Jeziel, segundo por estar tão confusa em relação ao que estava sentindo

naquele momento, e terceiro por saber que depois que encontrasse com Thiouryna Aragorn iria

embora para sempre.

- Bom dia - Aragorn me saudou animado.

- Aragorn, ontem a noite no sonho era você? – Eu sabia a resposta, mas precisava ter

certeza. Sempre que ele cantarolava sua música minhas noites eram mais tranqüilas e meus

sonhos mais alegres.

Ele colocou um sorriso discreto nos lábios.

- Um dos poucos dons que tenho. Ele coloca os nervozinhos ou agitados para dormir e

sonhar. Um dom pouco útil na verdade já que não posso simplesmente largar a espada e cantar

para meus inimigos caírem dormindo no chão. Mas serve às vezes.

- Você faz a pessoa sonhar com o que você quer? – Perguntei intrigada me lembrando

dos sonhos que Jeziel sempre me levava a ter e levantei da cama.

- Não. Só às vezes. O que dou a elas é a liberdade de fazerem o que querem. Qualquer

coisa. Até um pesadelo apavorante.

- Você me induziu a esse sonho? – Me lembrava do par de olhos dourados me

observando.

- Não exatamente, mas gosto de te ver dançar. – Seus olhos estavam intensos em mim

de novo – Você fica tão livre e tão alegre que me trás felicidade.

Normalmente eu ficaria sem graça, mas não fiquei. Pelo contrário, fiquei feliz em saber

que era capaz de provocar um sentimento tão agradável em alguém.

- Eu sei fazer outras coisas também - Brinquei com ele para disfarçar minha satisfação

de tê-lo em meu sonho. – Sei contar piada.

- Piada? – Ele não sabia o que era.

- É. Estórias engraçadas para fazer os outros rirem.

- Como aquela do porco de arame?

- Porco espinho e arame farpado - Tentava corrigi-lo.

- Você não é boa para contar estórias.

- Ah, fala sério! Minhas piadas são ótimas. Quer ver?

Ele arqueou as sobrancelhas aceitando o desafio.

- Você sabe por que o coelho usa óculos verdes?

- Primeiro me diga o que é um coelho e o que é um óculos.

- Tudo bem. Coelho é, um bichinho orelhudo e dentuço que anda pulando e óculos é um

objeto que usamos para enxergar melhor quando temos problemas de vista. – novamente fiz

gestos bem exagerados para ver se ele entendia.

- Hummhumm... – ele fingiu ter entendido.

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- Bem então você sabe por que o coelho usa óculos verdes?

Ele balançou negativamente a cabeça.

- É para ver de perto - Eu ri sozinha – entendeu? Verde, ver-de perto...

Ele me olhava sério.

- Tá bom. E que tal essa? Sabe por que ele usa óculos marrom?

Ele só me olhava pensando profundamente.

Eu gargalhei mais uma vez sozinha da minha própria piada, que em minha opinião, era

ótima.

- Pra ver marromenos! Marrom... mais ou menos... marromenos... – Eu me acabava de

rir sozinha olhando a cara perplexa que ele fazia.

- E para que ele usa óculos vermelhos?!

Ele cruzou os braços sobre o peito com uma cara... Com certeza me achando maluca.

- Para vermelhor!! – lancei animada e risonha e ele continuava a me olhar surpreso.

- Eu só queria entender porque um animal... esse tal de coelho, precisaria usar um...

óculos?

- Mas é exatamente aí que esta a piada.

- Garota, definitivamente, você não é boa para contar piadas.

- Eu? Sou ótima para contar piadas, mas não adianta contar para quem não tem cabeça

para entender.

- Agora eu que não entendo?

- Você é burro de mais para entender uma piada.

- Eu sou Burro?! – ele veio andando ameaçadoramente para o meu lado - Espero que na

sua linguagem isso seja um elogio porque senão, vou te pendurar de cabeça para baixo pela

janela.

Eu fugi da brincadeira e ele me perseguiu pelo quarto ameaçando me pegar.

- Não. - Eu corri - É um elogio. É um elogio lindo...

- Assim esta melhor. – Ele parou sorrindo - O que mais sabe fazer?

Pensei em algo que ele entendesse.

- Bom. - Peguei uma vareta que estava sobre a mesa dentro de um vaso e estendi a ele –

sei fazer fogo. – E coloquei fogo na vareta.

- Isso não tem graça. Quem é que não sabe fazer isso? – Ele pegou outra vareta e ateou

fogo nela.

- Poxa essa é minha maior proeza. – Falei fingindo decepção.

- Formamos uma bela dupla. Eu canto até o adversário dormir e você ateia fogo. Isso

pode nos ser muito útil.

Eu ri da idéia dele.

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- Eu não preciso atear fogo, eles vão morrer de tédio te ouvindo cantar e virarão fumaça

mesmo.

Aragorn parou sério avaliando o que eu disse me olhando de soslaio. Mas abriu um

sorriso em seguida.

- Essa sim é uma boa piada. – Ele ria animado - Eles viram fumaça... Morrem de tédio e

viram fumaça. – sorriu mais um pouco.

Agora eu que não estava entendendo. Talvez tivesse encontrado uma veia para o humor

negro. Mas estava satisfeita em vê-lo alegre. Nunca o vi sorrir assim desde que o conheci e o

sorriso dele iluminava todo aquele quarto. Ele estava muito a vontade comigo, especialmente

neste dia.

- Vamos Melissa esta na hora de irmos.

Vesti minha roupa antiga e fomos embora da pensão. Aragorn entrou em alguns lugares

tentando encontrar informações sobre Thiouryna e depois de vários lugares descobrimos que

morava ao norte da Fastatur e com um endereço que nos deram chegamos até lá.

Depois da ponte de pedras sobre o rio raso, numa casa de aparência simples e

construção aparentemente antiga com algum tipo de planta trepadeira que quase a cobria por

inteiro, era onde o endereço dado mostrava.

Pelo lado de fora chamei pelo nome incentivada por Aragorn.

Uma jovem de cabelos pretos e longos surgiu surpresa na janela.

- Olá... – Limpei a garganta para falar mais alto - Meu nome é Melissa e vim falar com

Thiouryna.

A garota da janela me olhou atônita. Mas saiu pela porta e veio nos receber.

- Quem você disse que é?! – Ela me perguntou perturbada.

- Sou Melissa – confirmei.

A garota colocou a mão no peito como se tivesse levado um grande choque e deu um

passo para trás me olhando alarmada. Me assustei com a cara que ela fez ao me encarar e

Aragorn também. Logo ela inspirou fundo e fez uma leve reverência com a cabeça para mim.

Aragorn me olhou desconfiado.

- Por favor, entre minha senhora - Ela ficou muito nervosa e agitada.

Dentro da casa as coisas eram muito simples mais graciosas. Ela nos fez sentar em

poltronas enquanto fechava as cortinas nas janelas pra manter a nossa privacidade.

- Onde esta Thiouryna? - Perguntou Aragorn.

- Ela já partiu à alguns anos.

- Ela morreu? – Agora quem estava alarmado era Aragorn.

- Mas ela me deixou encarregada de passar o que estava esperando pela minha senhora.

- Por favor, me chame de Melissa. – O olhar de Aragorn para mim já estava me

deixando aflita.

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- Me desculpe à falta de jeito. Por anos ouvi minha mãe falar que você viria e sempre

achei que era um delírio dela. E antes de morrer ela me fez jurar que esperaria por você e daria a

você algo que esta aqui por muito tempo te esperando. – Ela se comoveu e seus olhos se

encheram de lágrimas. - A coisa que ela mais queria na vida era ver seu rosto. Ela sonhava com

isso todos os dias.

Como alguém que até poucos dias eu nem sabia que existia, podia ter um desejo desses

em relação a mim?

- Mas ela não conseguiu esperar. Por causa da idade.

- Você é muito nova para ter perdido uma mãe pela idade. – Aragorn falou desconfiado.

- Ela me criou desde que meus pais morreram vítimas de Cordomad.

- E onde esta o que você disse que ficou esperando por mim?

- Esta lá dentro, vou pegar para minha senhora.

Quando ela saiu da sala Aragorn me bombardeou de perguntas.

- Que negocio é esse dela te chamar de minha senhora? Porque ela esta te tratando como

uma miragem? E agora que Thiouryna morreu o que você vai fazer? Para onde vai?

Eram tantas perguntas que eu preferi não responder a nenhuma.

A garota voltou com um pequeno baú em suas mãos e me entregou reverentemente. Ela

não se sentava, não me olhava diretamente. A cada gesto reverente da garota Aragorn ficava

mais nervoso.

- Isso não esta me cheirando bem. Hã, hã, não mesmo. – Ele falava ansioso – Sente-se

garota você esta me deixando nervoso. - Aragorn falou à garota que olhou para mim.

- Sente-se - Falei a ela que obedeceu prontamente.

Aragorn olhou para mim e para ela aturdido.

- Vamos abra logo esse baú. – Aragorn falou apreensivo.

Eu abri e ali estavam uma carta com meu nome. Pedras que me pareceram a chave de

um portal e dois braceletes com o desenho de uma rosa que se assemelhava a rosa que o pai de

Leo esculpira para dar a sua esposa a mesma que Leo me deu.

Aragorn tomou os braceletes das minhas mãos.

- Eu conheço esse brasão. É a rosa que deu nome a Andaluz a rosa Andaluz estava

esculpida em todos os utensílios do palácio. E em todas as bandeiras e no escudo do exército no

tempo do antigo rei. Esses braceletes são reais, usados com certeza por alguém que fazia parte

da guarda real. Melissa, de quem são esses braceletes?

Ignorei a pergunta de Aragorn e abri a carta que tinha meu nome escrito na minha

escrita que meu pai havia deixado.

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Olá minha filha, se você chegou até aqui é um bom e um mau sinal. Bom porque você

esta bem e chegou aqui viva. Mau porque se você precisou das coisas dessa caixa é que Jeziel

não esta com você.

Sei que deve estar assustada e com medo, mas logo tudo será resolvido. Essas pedras

são a chave de um portal que te trará direto a mim, mas elas não podem ser usadas em

qualquer lugar. Pois se for aberta fora do local determinado vai levar quem quer que tente a se

perder definitivamente pelo espaço. É uma proeza da profetisa Tamala para burlar os homens

de Cordomad e manter o exército do rei Jeriel seguro esperando o retorno do filho do rei.

Ninguém além de nós poderia ler essa carta. Ninguém conhece essa escrita como você não

conhece a escrita daqui, então por isso deixei com sua tia Thiouryna minha irmã para lhe

entregar quando chegasse. Sabia que estaria segura. Use o mapa que te dei e encontre a

montanha Mayata que na sua linguagem significa lenda. Pois muitos nem acreditam que ela

exista. Por isso foi escolhida por ser quase invisível, mas pelo mapa você a encontrará. No topo

da montanha virada para o sul, choque as pedras uma na outra para que elas se espatifem e o

portal se abrira e se fechara assim que você passar por ele. Ninguém conseguira te seguir.

Os braceletes que você encontrou no baú foram usados por mim durante anos e quero

que você os dê a quem quer que esteja te acompanhando nessa viajem. Semelhante a coroa ele

tem certos poderes e pode ajudar em sua defesa. Espero que nosso encontro seja em breve.

General Euri.

Seu pai.

Enquanto eu lia a carta Aragorn esperava olhando-me atentamente

- O que esta escrito aí?

- Que eu devo ira à montanha Mayata. – Falei pensativa.

- O que?! – Bradou Aragorn – Essa montanha fica no outro extremo de Andaluz. Nós

viemos até aqui para descobrir que seu destino esta do outro lado? Quem é o louco que esta te

mandando para lá?

- Meu pai.

- Essas coisas são do seu pai? - Ele falava colocando os braceletes em minha frente.

Assenti com a cabeça.

- Ah não, me diga que eu estou enganado. – Ele estava irritado – Me diga que você não

é filha de um soldado do exército rebelde.

- Não. Eu não sou filha de um soldado do exército rebelde.

- Ufa! – Respirou aliviado.

- Sou filha do general.

Ele me olhou atordoado se deixando cair na poltrona e segurando a cabeça preocupado.

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- Eu sabia. Eu pressentia que estava me metendo numa confusão. Eu soube desde o

começo, mas ao invés de ir embora... Não... Eu tinha que ficar, tinha que me meter nessa

história. As coisas vão bem para mim. - Ele falou num tom irônico - Além de ser um desertor

agora me tornei aliado do exército rebelde. – Ele suspirou - Cordomad vai colocar minha cabeça

a prêmio.

E agora? – Eu pensei - Sem Ernest, e tendo que ir para o outro lado de Andaluz. Como

eu iria chegar lá? Essa missão estava se tornando impossível para mim. Eu imaginava que

quando chegasse aqui a situação melhorasse, que ficasse mais fácil. Mas pelo que vejo...

O que vou fazer?

- Como é seu nome? – Perguntei a garota que nos recebeu, mas ainda não tinha se

apresentado.

- Meu nome é Yarrit, minha senhora.

- Yarrit, Me chame de Melissa. – Estava me sentindo desconfortável com a

demonstração de submissão dela. - Thiouryna disse mais alguma coisa a você?

- Não. Ela só me deu esse baú para te entregar e que você seguisse as instruções que

estão dentro dele.

- O que pretende fazer? – Perguntou Aragorn.

- Não sei, mas acho que não tenho escolha. Terei que ir até essa montanha.

- Ei garota, essa não é uma boa idéia. Deve ter outra coisa a fazer.

- Não há nada que eu possa fazer, tenho que encontrar meu pai.

- E pode me dizer como fará isso sem poder usar um portal? São dias incontáveis de

viagem por lugares desertos e para você, muito perigosos.

Eu percebi onde Aragorn queria chegar. Ele estava me dizendo que não me

acompanharia, ele já tinha se envolvido demais e também tinha outros planos.

- Não sei, mas eu tenho que tentar.

Ele me olhou e tenho certeza que viu que eu não iria desistir.

As horas se passaram e Yarrit muito prestativa nos serviu o jantar. Eu iria passar a noite

ali para partir no outro dia de manhã. Estava do lado de fora da casa olhando o movimento das

pessoas na rua quando Aragorn se aproximou e carregava consigo a bolsa que Ernest havia lhe

dado. Ele iria embora.

Aragorn se aproximou e sua mão correu do meu ombro até minha mão e a segurou

firme.

- Vou para Vanderlest. – Ele falava como se estivesse se desculpando.

- Você não precisa ficar. Seu contrato foi cumprido estou sã e salva na casa de Thiouryna.

- E seria bom que você ficasse aqui, sã e salva. Ou se quiser pode vir comigo.

- Eu preciso encontrar meu pai, Aragorn.

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- Como pode ter certeza que o encontrara? A carta que ele te deixou tem mais de dez anos.

A própria Thiouryna já esta morta. Talvez você chegue naquela montanha e não encontre ninguém.

Ele estava certo. Mas o que eu poderia fazer?

- Volte para sua casa então. Melissa você não pode lutar contra Cordomad. Eu não sei o

motivo pelo qual ele te quer, mas nunca vi ninguém vencê-lo. Não se mate. Tenho certeza que não

era isso que seu pai queria. Você deve ter pessoas esperando por você. Volte para eles.

O rosto de Biel e de minha mãe romperam em minha mente. Mas eu não podia desistir.

Aragorn viu isso em meu rosto.

- Obrigada por tudo. – Falei em despedida.

Ele alisou meus cabelos da raiz até as pontas em um olhar terno, soltou minha mão e passou

por mim.

Fiquei olhando ele se afastar até sumir das minhas vistas. Aragorn partiu sem olhar uma só

vez para trás.

Passei a noite na casa de Thiouryna na companhia de Yarrit que me tratou muito bem.

Era bom não ter que fingir ou me preocupar com cada palavra para esconder de onde eu era

ou quem eu era. Ela sabia muito bem. Yarrit fazia muitas perguntas sobre meu mundo e eu

pacientemente respondia a todas com certo ar de nostalgia, pois estava com saudades de casa.

Parecia ter se passado mais de um século que eu havia partido do gramado do meu jardim.

Não consegui dormir, não tinha mais a Aragorn para me acalmar e estava ansiosa com

minha viagem para a montanha.

De manhã me preparei e me despedi de Yarrit.

Saí da vila Fastatur pelo mesmo caminho que tinha entrado, e com o mapa na mão segui a

estrada de volta já que a montanha Mayata ficava no caminho inverso do que eu estava.

Preferi seguir o conselho de Ernest e não andar pela estrada. Segui floresta adentro e desta

vez sozinha. Temi pelos perigos que podiam me encontrar, mas preferi me focar no objetivo

principal que era encontrar meu pai e torcer para que nenhum dos Drevors de Cordomad me

encontrasse ou minha viajem seria bem curta.

Eu olhava o mapa e me desanimava. O caminho que ele mostrava de onde eu estava até a

montanha mesmo num pergaminho na minha mão parecia extremamente longo.

Andei toda a manhã e boa parte da tarde. A floresta estava tranqüila e o silêncio que às

vezes era rompido somente pelo canto de um pássaro ou pelos meus passos sobre folhas secas, me

mostrava que minha viajem seria bem tediosa sem ninguém para conversar.

O fim da tarde estava chegando e eu não poderia andar a noite, e com a experiência que tive

nos últimos dias sabia que precisaria preparar um acampamento. Resolvi escolher um local seguro

antes que escurecesse e juntei alguns gravetos para uma fogueira.

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Consegui estar com tudo preparado quando a noite chegou e no começo da noite não

pareceu ser tão difícil quanto eu pensava. Sentei me aquecendo ao lado da fogueira que eu tinha

feito, mas quando o meio da noite chegou vi que aquilo era uma loucura.

A solidão me pegou, e sem perceber comecei a chorar. Eu estava sozinha numa floresta e

com medo, e aquela seria só a primeira noite. Muitas ainda viriam e eu não estava preparada para

enfrentá-las sozinha.

Eu sabia que não iria dormir, meus olhos passariam a noite abertos esperando ver algo de

assustador como um animal ou os soldados de Cordomad. E para piorar os gravetos finos, secos e

poucos da minha fogueira já tinham se queimado praticamente num todo. A fogueira não duraria a

noite inteira. As feras da floresta não seriam espantadas e eu seria um alvo fácil.

Enquanto eu tentava conter o pavor, algo me fez tremer mais ainda. Um ruído de passos

sobre folhas secas se aproximava de onde eu estava. A fogueira já era só um amontoado de brasas,

e não iluminava a floresta para que pudesse ter uma visão do que estava vindo ao meu encontro.

Puxei a espada das minhas costas e me posicionei para a luta. Se fossem os soldados de

Cordomad não me entregaria sem lutar, se fosse um animal eu tentaria me defender. Mas o medo

era tão grande que a espada tremia em minhas mãos.

Tentei me concentrar nos ensinamentos de Aragorn, mas uma parte do meu cérebro não

queria lutar, queria correr, dificultando assim minha concentração. E quando do meio da escuridão

saiu uma figura, vi que não precisaria ter uma luta com algum animal. Era um homem que surgia

entre as árvores, e ainda assustada vi seus olhos brilhado com o pouco de luz que vinha do

amontoado de brasas. Seus olhos de ouro.

- Aragorn! - Gritei feliz e aliviada.

Ele lampejou um sorriso maroto para mim. Seu sorriso que o deixava com o rosto de anjo

levado.

Soltei a espada e corri até ele o sufocando num abraço que misturava agradecimento, alívio,

felicidade e afeição.

- Não consegui ficar longe de você. – Ele falava num tom de insatisfação de quem admite

uma fraqueza. - Eu definitivamente tenho um gosto por problemas.

- Você veio. Obrigada Aragorn.

- Isso não quer dizer que concordo com essa loucura.

Eu sorri para ele. Estava tão feliz em vê-lo, era muito bom estar com ele novamente.

- Vamos fazer o seguinte - Ele falava desfazendo-se do meu aperto - Eu levo você a essa

montanha se você me der algumas coisas.

- Eu não tenho como te pagar. – Falei decepcionada.

- Não é pagamento que quero.

- O que quer então?

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- Respostas. – Ele me olhou fixamente - Eu vim até aqui sem saber quem é você, de onde

você é, e o porquê você esta nessa viajem maluca. Você me dá as respostas e eu a levo à montanha.

Ernest tinha dito para que eu não contasse nada. Mas ele achava que quando chegássemos

aqui não precisaríamos mais dele. Só que eu preciso, ou nunca chegarei a essa montanha. Não

posso andar por Andaluz sozinha. Eu teria que concordar com suas exigências.

- Eu te darei algumas respostas. – Negociei - Algumas não envolvem só a mim. O que você

perguntar de minha vida eu responderei esta bem? O que envolver outras pessoas não.

Ele não ficou satisfeito. Mas concordou.

- Tudo bem. Temos um acordo. Então, primeira pergunta. Quem é você?

- Meu nome é Melissa Sater, filha de Eliana e do general Euri, ex-general do exército do rei

Jeriel e agora líder do exército rebelde.

- Muito bom Melissa. - Ele continuou - Porque Yarrit te chamou de minha senhora e

reverenciava você o tempo todo?

- Isso envolve outras pessoas. Não posso responder.

Ele me olhou fixamente e contrariado.

- De onde você veio?

Respirei fundo pensando que seria tão difícil para ele quanto foi para mim acreditar quando

Jeziel contou que era de outra dimensão. E o pior, não tinha nada que eu pudesse fazer para

convencê-lo, como me acender feito uma lanterna. Isso não era novidade para ele.

Talvez eu pudesse ficar parada a sua frente fazendo cara de trouxa e papel de idiota. Isso

tinha que ser o suficiente para provar que eu falava a verdade. Ele ia acabar pensando que eu era

completamente louca. Mas fazer o que?

- Eu vim de outra dimensão. Outro mundo fora de Andaluz.

Ele parou me olhando calado. O silêncio e os olhos dele me sondando me fizeram pensar

que talvez estivesse examinando minha sanidade mental. Esperei que ele caísse na gargalhada, mas

não aconteceu.

- É. – falou finalmente - Você não podia mesmo ser desse mundo. – Ele pareceu aceitar

mais fácil do que pensei. Fiquei surpresa. Nenhum riso, nenhuma dúvida, nem um olhar de

desconfiança.

- O que veio fazer aqui?

- Isso envolve outras pessoas.

- Certo. Então como chegou aqui sem Cordomad ou a feiticeira Erkas descobrirem você?

- Através de um portal que me levou a um lugar protegido por magia.

- Que lugar é esse, Como se chega lá?

- Há uma chave desse portal em minha mochila, só se chega lá através dele. – Eu não iria

dizer qual era o lugar e ele percebeu.

Ele andou pelo meu acampamento com a mão puxando o cabelo para trás.

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- Acabaram as perguntas? – Indaguei.

- Por agora sim, se quero tirar informações de você tenho que formulá-las melhor. - Ele

olhou para o amontoado de brasas – Primeiro vou ter que te ensinar a fazer uma fogueira decente.

Pela primeira vez naquele dia estava me sentindo bem e com esperanças. Não sabia o

que o destino me reservava, mas enfrentá-lo com Aragorn ao meu lado seria bem mais fácil.

Ele refez a fogueira e podemos então nos aquecer.

- Você foi a Vanderlest? – Perguntei.

- Fui, e resolvi o que precisava por lá. Agora sou um feliz proprietário da minha própria

ilha. - Fiquei feliz por ele – E depois que tudo isso acabar... Se conseguirmos sair dessa vivos,

vou te levar para conhecê-la.

Já era bem tarde. Me enrolei em minha capa me deitando sobre uma cama improvisada

ao lado da fogueira. Aragorn estava do outro lado. As chamas da fogueira davam um brilho de

sépia em seu rosto e um calor especial a seus olhos. Era reconfortante olhar para ele. Estava me

sentindo tão segura que naquela noite facilmente caí no sono.

CAPÍTULO 8

Por dias viajamos sem o menor sinal de perigo. Aragorn com seu jeito sempre muito

atencioso e cordial estreitava cada dia mais nossa amizade. Agora que ele sabia de onde eu

vinha as nossas conversas ficaram ainda mais interessantes. E suas perguntas bem mais

formuladas. Mas eu sempre dava um jeito de dar-lhe somente as respostas que não revelariam

realmente minha intenção aqui. Não queria envolve-lo mais do que já estava. Poderia ser

perigoso para ele ou para mim.

Ele estava mais animado e mais a vontade ao meu lado. Por esses últimos dias o vi

sorrindo mais, e já o estava conhecendo melhor. Ele não era como os bárbaros guerreiros que

estava acostumada a ver em filmes épicos. Aragorn era gentil, especialmente educado,

cavalheiro, protetor, inteligente e muito sexy.

Nossos dias se passavam com nossa caminhada pela floresta e minhas aulas de espada e

de luta corporal na qual sentia ele mais perto.

Numa noite ao redor da fogueira, Aragorn distraído cuidando de suas armas chamava a

atenção do meu olhar.

- Aragorn, desde que você saiu do exército, como tem conseguido fugir de Cordomad?

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- Eu não sou ameaça para ele. Ele tentou me encontrar algumas vezes, mas não sou

prioridade. Com certeza ele deve imaginar que eu esteja morto. Tinha bastante tempo que não

precisava enfrentar seus soldados. Você tornou minha vida um pouco mais movimentada.

Sorri sem graça para ele.

- Me desculpe.

- Não se preocupe com isso. Foi até bom. Eu estava ficando um pouco ocioso e um

tanto quanto enferrujado. Além do mais, sua companhia é um prazer.

- Também estou contente por ter sua companhia.

- Isso é verdade, ou é só o fato de ter alguém para te manter viva?

- Gosto mesmo da sua companhia. – Revelei.

Ele se levantou vindo a minha direção se abaixou a minha frente, estendeu seu braço

para trás do meu pescoço deixando seu rosto a centímetros do meu me encarando

profundamente fazendo meu corpo todo gelar. Ao se afastar a espada que estava em minhas

costas agora estava em sua mão. Ele me entregou e se sentou ao meu lado me dando também

uma pedra de amolar.

- Segure. Você precisa aprender a cuidar da sua espada. – E passou a me ensinar a afiá-

la.

Sentado ao meu lado, especialmente nesse momento, eu estava altamente consciente da

nossa proximidade. Mais até do que devia.

Pelos dias ainda pela floresta, Aragorn e eu estreitávamos ainda mais nosso convívio.

E o olhar dele quando não estava vasculhando a floresta em vigília estava furtivamente

em mim. Cada passo, cada mergulho em um rio, cada gesto meu era observado por ele que às

vezes desviava o olhar quando eu me virava. Eu devia, mas não me aborrecia com isso, era na

verdade muito lisonjeiro. Ele era um gentleman em tudo.

Eu também passei a observá-lo mais. Seu rosto muito bonito, seu sorriso maroto e

encantador que de tão belo me dava vontade de provocá-lo com minhas piadas e brincadeiras

que a maioria ele não entendia, mas pelo menos o fazia sorrir.

Seus olhos sempre claros e penetrantes sempre pareciam que viam além de mim quando

me olhava, e me passava uma confiança incondicional. Mesmo comigo notando seus olhares e

suas investidas ele jamais avançava além do que eu permitia.

Seu corpo moldado de um guerreiro era agradável de se ver. E sua voz firme e

melodiosa preenchia nossas noites enquanto ele cantava para as estrelas até que eu adormecia.

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Fazendo o caminho de volta chegamos à vila Passuir onde havia conhecido o

curandeiro. Aragorn quis passar na casa de seu amigo já que teríamos muitos dias ainda de

viagem.

Erzoul ficou surpreso em nos ver e triste com a notícia da morte de Ernest, mas nos

recebeu com a mesma hospitalidade de antes. Por todo o dia Aragorn e Erzoul brincaram como

velhos amigos e muitas vezes conversavam em silêncio. O que fazia Aragorn olhar de cara feia

para Erzoul e eu tinha a impressão que era sobre mim que falavam.

Quando bateram na porta eu me preocupei com quem poderia ser, mas Erzoul abriu a

porta tranquilamente.

- Lariana! – Exclamou Erzoul.

- Oi pai - Uma voz feminina e docemente delicada vinha da porta.

Ao entrar uma ruiva de cabelos curtos olhou diretamente para Aragorn que estava de pé

na sala.

- Aragorn que surpresa! – Ela saltou para Aragorn num abraço. Muito satisfeita em vê-

lo.

- Lariana – Aragorn falou animado – Como é bom te ver.

Os dois se encararam por uma fração de segundos. Tempo suficiente para eu perceber

algo a mais no sorriso dela.

Lariana olhou para mim sentada na poltrona.

- Esta é Melissa – Apresentou-me Aragorn.

Quase tive a impressão de ver o sorriso dela diminuir.

Com seu sorriso simples me cumprimento. E voltou seus olhos para Aragorn.

- O que ouve Lariana, você nunca vem aqui, algum problema? - Perguntou Erzoul.

- Eu só vim ver meu velho pai. Estava com saudades. – Ela o abraçava.

- Que bom minha filha, estou feliz que tenha se lembrado de seu pai.

- Pai, você sabe que não me esqueço de você. – Ela justificava – Só não ando tendo

muito tempo livre.

- O que anda fazendo?- Aragorn perguntou curioso.

- Estou tomando aulas com um curandeiro na vila Vitocarpa. Quero me tornar uma

curandeira tão boa quanto meu pai.

- E porque não esta tomando aulas com seu pai? Vitocarpa fica muito longe.

- Ele não tem muita paciência para ensinar e eu não tenho muita paciência com as

rabugices dele. E é bom estar longe desse lugar que me trás algumas lembranças que eu devia...

esquecer. – Lariana olhou para mim novamente.

- Estou levando Melissa até a montanha Mayata. – Ele respondeu a uma pergunta a

Lariana não feita com os lábios. Então ela sorriu para ele novamente.

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No decorrer do dia eles conversaram animados sobre assuntos que eu desconhecia, mas

Aragorn sempre tentava me deixar a par da conversa.

- ...Bom então teremos uma noite bem divertida. Que tal sairmos para beber? – Sugeriu

Erzoul.

- Ótima idéia – Disse Aragorn.

Fomos até o bar onde muitas pessoas já estavam bem animadas regadas pela bebida. A

música alegre mantinha a todos eufóricos. Desta vez preferi não me ariscar em nenhuma bebida

já que tinha lembrança ainda da minha última experiência. Mas Erzoul, Lariana, e Aragorn

estavam bem animados.

Lariana contava velhas lembranças de Aragorn fazendo com que todos rissem e Erzoul

a ajudava tentando fazer com que Aragorn ficasse mais constrangido. Eu ouvia meio que alheia

a conversa porque a intimidade que Lariana expressava ter com Aragorn me incomodava.

- Você lembra dessa música? - Perguntou ela para Aragorn enquanto a banda mudava os

acordes. – Você gostava de dançar comigo. Vamos! – Ela segurou a mão de Aragorn tentando

levá-lo para o meio do salão.

- O que me Lembro é que você tinha dois pés esquerdos, e sempre pisava nos meus

quando tentava dançar.

- Pare com isso – Protestou Lariana. – Venha, vou te mostrar que está enganado.

Ela o arrastou e os dois dançavam animadamente.

- E você Melissa, Não vai dançar?

- Ah não... Obrigada. – Respondi a Erzoul olhando furtivamente para Aragorn que

sorria para Lariana.

- Eles se conhecem à muito tempo? Parecem muito amigos – Perguntei a Erzoul

querendo saber qual o grau de envolvimento dos dois diante de tanta intimidade.

- Quando trouxe Aragorn ferido para casa, Lariana ainda estava comigo. Ela me ajudou

a cuidar dele. E pelo tempo que ele ficou aqui se tornaram grandes amigos. Posso dizer que até

um pouco mais que isso, e eu até faria muito gosto que desse certo, mas Aragorn é impulsivo.

Faz o que quer e na hora que quer. E se achava muito jovem para se prender a alguém. Queria

viajar, viver aventuras... E então partiu. – Ele olhou para os dois e eu segui seu olhar. - Ela

sofreu um pouco, mas superou. É assim que os amores são, eles vêem e vão quando agente

menos espera.

Aragorn olhou sorrindo para mim enquanto dançava.

- Ele gosta de você. – Falou Erzoul me surpreendendo. O que ele disse me chocou de

imediato. Vi em seus olhos o que ele estava querendo dizer. – E você gosta dele.

- Não... – Respondi apressadamente – Quer dizer, gosto dele, mas como amigo.

- A amizade pode ser só um começo. Já vivi tempo o suficiente para reconhecer um

olhar como o que vocês trocaram.

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- Não. Você esta enganado, eu não posso gostar dele... Eu... Tenho...

Ele me interrompeu.

- Quem somos nós para dizer ao coração o que pode ou o que não pode fazer, de quem

pode ou não pode gostar. – Ele segurou uma das minhas mãos que estavam sobre a mesa -

Melissa tire a culpa, tire o medo de seu coração e ouça o que ele esta te dizendo. Ouça ele te

dizendo que quem devia estar ali dançando com Aragorn era você. Ou também estou enganado

em pensar que esta com ciúmes? – Ele deu um meio sorriso - E olha só para ele dançando com

Lariana, não tira os olhos daqui preocupado se não te deixara chateada.

As coisas que Erzoul disse estavam martelando na minha cabeça.

- Aragorn sabe que você gosta dele. Ele só esta esperando sua decisão.

- Não. – Falei tirando minha mão da dele irritada. – Você não sabe do que esta falando.

- Eu sei o que vejo. Um dos meus dons é interpretar as pessoas mesmo que não possa ler

seus pensamentos, ou não poderia ser um curandeiro. O que eu faria quando alguém chegasse

desmaiado até mim? E o meu dom me diz que você Melissa esta lutando para esconder de si

mesma o que sente por Aragorn. - Enquanto Aragorn e Lariana voltavam a mesa Erzoul colocou

sua mão sobre a minha. – Essa conversa fica só entre nós, eu sei que você não gostaria que

Aragorn soubesse do que falamos.

Aragorn e Lariana sentaram-se a mesa trocando ironias um com o outro sobre a dança.

Tentei disfarçar meu desconforto da conversa, mas Aragorn percebeu que algo estava me

incomodando.

- Melissa, tudo bem? - Ele me perguntou olhando desconfiado para Erzoul que

permanecia com seu semblante tranqüilo.

- Só estou cansada. – Menti.

- Se quiser podemos ir dormir, já esta bem tarde e amanhã saímos cedo.

- Sim, eu quero. – Respondi.

- Você se importa Erzoul... Lariana?

- Claro que não, vão descansar, e não esperem por nós. – Falou Erzoul.

Lariana acenou com a mão nos despedindo, evidentemente descontente por Aragorn

querer se retirar.

No caminho para casa de Erzoul eu estava em silêncio.

- O que esta te incomodando garota?

- Nada. – Respondi.

- Erzoul falou alguma coisa que te aborreceu?

- Não. – Menti.

- Eu sei que falou, só não sei o que foi, ele bloqueou a conversa.

Aragorn se posicionou em minha frente me fazendo parar e segurou em meus ombros

me fazendo olhar para ele.

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- Melissa, confia em mim, eu quero que você saiba que eu jamais te magoaria. Não

precisa me esconder nada, seja o que for estarei do seu lado.

Eu estava me sentindo péssima com toda aquela demonstração de afeto depois do que

Erzoul me disse. Aragorn não queria me magoar, mas eu sabia que ele sairia magoado se eu lhe

contasse tudo como ele gostaria que eu fizesse. Não tive mais coragem de olhar em seus olhos e

prossegui andando.

Na casa de Erzoul Aragorn preparou uma cama para mim na sala.

- Eu vou tomar um banho - Disse ele – Você pode se deitar. Amanhã bem cedo nós

partimos.

Enquanto ele tomava seu banho, eu me revirava sob o cobertor. Não era possível o que

Erzoul me dissera. Ele estava enganado em seu dom. Eu ainda amo Leo, estava ali por ele.

Mesmo que ele tivesse partido me deixado para trás sofrendo e mesmo que entre nós tudo

tivesse terminado. Estava ali por Leo. Aragorn é uma pessoa encantadora, é bonito, difícil não

se admirar com ele, mas era só isso. Admiração. Eu amo Leo. Ele me fez sofrer, mas tinha sido

enganado. Eu sabia disso. - E tentava me convencer mesmo disso.

Angustiada em meus pensamentos me levantei pegando a coroa que estava em minha

mochila. Me certifiquei se Aragorn ainda estava no banho e mesmo me lembrando das

recomendações de Ernest para que não a usasse, coloquei-a sobre a cabeça. Eu tinha que ver

Leo, eu precisava vê-lo e perceber que meu sentimento por ele não havia mudado.

- Me mostre Leo – Sussurrei segurando a coroa em minha cabeça e a visão que era

esperada não aconteceu. – Mostre-me Jeziel – Tentei, mas mesmo assim nada apareceu –

Mostre-me a sala do rei – A visão se abriu no lugar exato onde Leo estava preso a última vez

que o vi. Mas não havia ninguém. Não estava entendendo porque não conseguia vê-lo e insisti

mais uma vez. – Quero ver Leo agora sua coroa estúpida. – Falei irritada e preocupada, mas

tudo que vi foi uma nevoa escura se formando no centro da sala do rei.

Quando Aragorn saiu do banheiro se movendo para a sala secando os cabelos. Retirei

apressadamente a coroa e guardei novamente na mochila.

- O que foi, Perdeu o sono?

Confirmei com a cabeça feliz por ele não ter visto nada.

Aragorn se sentou na poltrona a minha frente. Eu sabia que ele não iria dormir antes de

mim, então me deitei novamente e cobri minha cabeça tentando escapar de qualquer outra

pergunta. E pensei, no porque não consegui ver Leo. Mas mesmo sem vê-lo imaginei que Ernest

se precaveu demais quanto a usar a coroa fora da colina do rei. Nada que ele temia aconteceu.

Os soldados de Cordomad não apareceram. Tudo estava perfeitamente normal. Ou talvez

levasse algum tempo para eles aparecerem. Eu ficaria alerta.

De manhã partimos sem nos despedir para continuarmos nossa viagem.

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Depois da conversa com Erzoul, os olhares de Aragorn em mim tinham outra

conotação. Eu já havia percebido que ele não era indiferente, mas saber que ele gostava de mim

era diferente. Eu não sabia o que isso poderia significar, principalmente por eu gostar tanto da

companhia dele e saber agora que toda sua gentileza, todo seu cuidado e todas às vezes que ele

se aproximava de mim podia ser por esse fato. Mas eu não conseguia ficar incomodada com

isso. E nossa viajem pela floresta continuava muito agradável. E eu continuava tentando fazê-lo

entender minhas piadas.

Caminhando a beira de uma montanha, onde Aragorn ia alguma distância a minha

frente, num passo em falso escorreguei por uma ribanceira quando pisei em um monte de folhas

secas e escorregadias.

- Aragorn! – Gritei assustada para ele que se virou imediatamente correndo em minha

direção. E antes que eu deslizasse montanha abaixo ele me segurou pela mão me puxando para

cima.

- Pronto garota, você esta segura agora. – Falou quando me colocou sentada em

segurança perto dele. Eu segurava tão forte sua mão que ele teve que olhá-la na indicativa de

que eu poderia solta-la agora.

Quando soltei sua mão ele olhou para mim e sorriu.

- Do que esta rindo? – Perguntei ainda com a voz trêmula pelo susto.

- Seu cabelo. – Ele ergueu a mão retirando algumas folhas secas que tinham se

emaranhado na minha queda.

Imaginei que eu devia estar ridícula. Tentava arrumar o cabelo enquanto ele ainda

retirava algumas folhas.

- Você esta linda como... uma estrela. – Falou docemente.

- Uma estrela Cadente. – Ironizei.

- Que caiu aqui para dar brilho em minha vida.

Não havia mais nada o que dizer. Os olhos de ouro de Aragorn nos meus refletiam que

eu estava feliz com o que ouvi.

Ele se levantou e me deu a mão para me apoiar a levantar e caminhou comigo por toda a

encosta da montanha de mãos dadas, talvez para que eu não caísse de novo ou por pura vontade

de segurar minha mão.

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Capítulo 9

Depois de mais de duas semanas viajando, a preocupação em relação a coroa já tinha

desaparecido e não voltei a usá-la só para que Aragorn não a visse.

Estava tudo tão calmo e sem surpresas que quase me esquecia do objetivo da viajem.

Estar ao lado de Aragorn era muito bom. Na verdade ele fazia a viajem se tornar

agradável a cada momento.

Minhas aulas com a espada e com a luta corporal já tinham avançado alguns níveis.

Nossa amizade também já tinha subido alguns degraus. Ele era uma pessoa maravilhosa,

espontânea e muito divertida apesar da sua maturidade que às vezes me deixava sem graça. Ele

não parecia se importar com minhas meninices mesmo quando me recusava a treinar fazendo

beicinho e cruzando os braços em birra.

Ele era extremamente paciente comigo e carinhoso. Os cuidados, a atenção que ele

dispensava a mim, e cada noite que ele me fazia dormir ao som da sua melodia me aproximava

mais dele. Com Aragorn eu me sentia muito a vontade. De uma forma que eu não havia sido

com ninguém. E apesar dos segredos que tinha que esconder dele, conseguia ser eu mesma ao

seu lado.

Chegamos num campo aberto e lindo e vários arbustos de rosas delicadamente coloridas

enchiam o lugar de beleza. Fiquei maravilhada com a vida daquele lugar. Estava tão acostumada

a paisagem verde e marrom da floresta que meus olhos festejaram ao ver as cores. Aragorn

passou por uma roseira arrancando uma das rosas e me ofereceu. Meu coração se alegrou e

retribui seu gesto com um sorriso.

- Que tal acamparmos aqui hoje? – Sugeriu.

- Mas ainda esta cedo. – Estranhei.

- Eu sei que você esta com pressa de chegar a montanha. Mas algumas horas não fará

diferença. Ela não vai sair de lá. – Brincou.

- Aragorn, você tem algum plano para mim? – Desconfiei. Sempre que ele parava nossa

caminhada mais cedo era para algum tipo de treinamento.

- Não. Hoje vou te dar uma folga.

Fiquei surpresa.

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- Tem certeza? Não vai me fazer subir em árvores para pegar frutas nem me fazer

pescar?

- Não.

- Nada de espadas? Ou de bastão?

- Nada.

Me aproximei dele colocando minha mão em sua testa simulando medir sua

temperatura.

- Esta doente? – Brinquei.

Ele segurou minha mão descendo meu braço suavemente e me olhando de uma forma

indescritível.

Seus olhos de ouro conseguiram brilhar ainda mais. E me paralisaram. De repente o ar

que era de brincadeira entre nós, ganhou outra entonação. Eu não me movi porque não tinha

vontade de sair daquela atmosfera.

Por segundos ficamos ali nos olhando, sem ter o que dizer ao outro. A presença dele tão

perto não me constrangida, não me dava nenhum tipo de reação contraria. Só era bom, muito

bom ficar perto dele.

A noite chegou extremamente quente e acampamos na beira do rio que banhava o

campo. A noite estava linda e clara. Mergulhei nas águas frescas e cristalinas sob o olhar atento

e protetor de Aragorn. Enquanto nadava jogava água para alcançá-lo provocando-o. Ele só fazia

uma careta me repreendendo, mas não parecia se chatear com minha brincadeira infantil.

Quando saí da água sacudindo meus cabelos molhados sobre ele. Ele me segurou pelos

braços e me jogou novamente no rio.

- Se fizer isso de novo te amarro numa árvore de cabeça para baixo. – Ameaçou.

- Você não tem coragem – Desafiei.

- Quer apostar? - E deu as costas voltando para o lugar que estava.

Saí do rio de novo, tentada a jogar água nele novamente, mas não me arriscaria, ele

geralmente cumpria o que falava mesmo quando estava brincando. Não queria ficar de cabeça

para baixo pendurada numa árvore a noite toda.

Me dirigi na sua direção me sentando ao seu lado e desta vez me comportei. Ele me

olhou desconfiado em que eu estivesse planejando um ataque surpresa.

- Esta com medo de mim?- Falei brincando.

- Agora não.

- Agora não?! Quer dizer que tem momentos que você tem medo de mim?

- Somente em alguns momentos.

- Quando estou com a espada em nossos treinamentos? – Perguntei ainda que duvidasse

disso. Ele era tão ágil que parecia ser inatingível.

- Sua espada? É mais fácil ferir a você mesma do que a mim. – se gabou.

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- Então quando? – Eu queria mesmo saber como um homem forte como Aragorn

poderia temer a mim.

Ele respirou fundo e se levantou para sair dali sem dar a resposta.

Sua fuga atiçou ainda mais minha curiosidade.

Me levantei rapidamente e corri atrás dele. Pulei em sua frente fazendo-o parar com

minhas mãos em seu peito.

- Agora você vai ter que me dizer quando é que você sente medo de mim. – Falei

brincalhona.

Sua mão desceu por meu cabelo e ajeitou minha franja. Esse simples gesto tinha um

peso tão grande sobre ele que eu daria tudo para entender seu significado. E ainda esperava

ansiosa por sua resposta.

- Em momentos como esse em que você esta tão perto de mim, eu sinto medo. Não

medo de você exatamente, mas do que pode, ou do que não pode acontecer.

Ele tinha um jeito especial de falar de seus sentimentos, e eu sabia do que ele estava

falando porque às vezes eu também tinha esse mesmo medo. Estávamos muito juntos nesses

últimos dias, e cada proximidade nossa gerava em mim a sensação de que alguma coisa estava

por acontecer. E agora eu sabia que esse sentimento não era só meu.

Ele se esquivou de mim e continuou andando até a fogueira. O segui e me sentei

próxima ao fogo para que minhas roupas se secassem. E dei assim como ele, o assunto por

encerrado.

Do outro lado da fogueira ele cuidava de suas armas em silêncio. Mesmo o silêncio da

noite, cortado somente pelo crepitar do fogo, não parecia realmente mudo. Havia um som, um

som no silêncio. Um som que viajava de onde Aragorn estava até mim. Como ondas sonoras

sem ruído. Como ondas que se moviam entre as moléculas do ar e me envolviam de forma que

me deixava ligada a presença de Aragorn nessa noite, mais do que as outras. A única

comparação que eu conseguia obter era de uma mudança drástica no clima como se saíssemos

de um lugar frio e turbulento e entrássemos de repente num lugar aquecido e tranqüilo. Era

assim... tranqüilo, acolhedor, quente... era... Aragorn.

Quando ele notou que eu o olhava, me lançou um sorriso perfeito.

- Você esta muito calada. Ainda não me contou nenhuma de suas piadas.

- Não seja por isso – lhe sorri de volta – Você conhece aquela dos dois fanhos que

queriam roubar um pato no quintal do vizinho e...

Ele gargalhou por antecipação. O bem da verdade era que para ele entender as piadas

sem compreender os elementos nela seria impossível achar graça, mas me parecia que ele se

divertia só por me ver representando os personagens. E eu me divertia também. Provocar o

sorriso de anjo levado dele era a recompensa por me esforçar tanto fazendo com certeza papel

de boba para que ele entendesse.

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Aquela noite estava longa. Conversamos muito, rimos bastante e brincamos. Jantamos e

mais tarde Aragorn foi se deitar do outro lado da fogueira como sempre, com os braços sob a

cabeça, sua posição preferida, para ver o céu. E eu me deitei também para dormir.

Aragorn nunca dormia antes de eu ter pegado no sono. E nesse dia eu estava

especialmente agitada, talvez por causa do calor que estava sentindo. Não entendia o porquê

apesar de ter passado boa parte da noite dentro d'água.

Vi que não iria dormir muito fácil. Rolei algumas vezes sobre a cama improvisada, e

desisti. Me virei para Aragorn e ele estava tranqüilo como sempre e na mesma posição.

- Aragorn – Chamei sua atenção.

Seus olhos de ouro viraram para mim esperando que eu falasse.

- Estou sem sono.

- Percebi.

- Você é sempre tão tranqüilo.

- Porque sempre estou onde quero estar.

- Você queria estar no meio dessa mata? – Falei confusa - Não queria estar em sua ilha,

em sua casa?

- Estou muito bem aqui. – Ele estava se referindo a algo que eu não podia captar.

- E quando for para sua ilha, vai mesmo morar sozinho lá?

- Não sei.

- Teria alguém que você quisesse levar?

- Talvez.

- Lariana, por exemplo?

Ele não respondeu.

- Ela ainda gosta de você.

- Foi isso que Erzoul falou a você?

- Ele me falou que vocês já foram bem íntimos. E que ele faria muito gosto que tivesse

dado certo.

- Não daria certo.

- Porque não?

- Ela é muito parecida comigo.

- E isso é problema?

- No nosso caso era.

- Você já gostou de alguém?

- No passado?

- Sim, você nunca encontrou alguém que te fizesse querer estar com ela para sempre?

- Já, mas não esta no meu passado.

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A forma como ele me olhou e o tom de sua voz foi um sinal para eu não insistir nessa

conversa que estava caminhando para outro rumo que eu não estava preparada para enfrentar.

Me calei e mais uma vez rolei de um lado para o outro tentando dormir sem conseguir.

Estava ansiosa sem motivo, pois estava tudo tranqüilo. Nervosa sem razão. Agitada ao extremo.

Alguma coisa estava me incomodando naquela noite perfeita e de céu exuberantemente

estrelado.

- Aragorn – Chamei sua atenção novamente e novamente ele me fitou serenamente com

seus olhos dourados. - Canta para mim.

Sem dizer uma palavra ele voltou seu rosto para o céu, respirou fundo e começou a

cantarolar sua música. Cantar para Aragorn era algo tão natural como respirar. Sua voz macia e

agradável completava a noite.

Fiquei olhando o movimento de seus lábios enquanto ele admirava as estrelas que

pareciam brilhar mais em resposta a sua canção. A agitação em mim sumiu e fechei meus olhos,

mas me neguei a dormir. Queria ouvi-lo mais. E assim fiquei de olhos fechados ouvindo sua

voz.

Depois de um tempo acabei adormecendo e a música continuava a soar dentro de mim e

o sonho chegou.

Iluminado como sempre, novamente dancei, mas havia uma diferença desta vez. Eu

percebia estar no controle agora. Eu pensava numa cor enquanto dançava e a luz brilhava como

eu queria, acrescentei as flores que vi no campo e elas giravam ao meu redor. Eu sabia que era

um sonho e isso me dava ainda mais liberdade. Aí é que esta a magia do sonho, o dom de

Aragorn. Podemos fazer tudo que quisermos.

Não sei por quanto tempo dancei sem sentir cansaço ou vontade de parar, e chamei por

Aragorn. O par de olhos dourados me apareceu. Eu estava sonhando então não precisava

reprimir a vontade que estava de me aproximar dele. Fui andando em sua direção olhei seus

olhos e ali em meu sonho o abracei. Um abraço terno que a muito queria coragem para dar.

Seus braços se demoraram a me envolver, talvez esperando ter certeza do que eu estava

fazendo. Mas recostei meu rosto em seu peito e pude ouvir seu coração que batia forte. Ele

então me envolveu em seus braços e dançou comigo por um longo período de tempo. Não

dissemos uma palavra, mas sabia que estava dizendo mais a ele em silêncio em seus braços do

que uma frase pudesse.

Eu podia sentir o perfume suave de sua pele e o calor de seu corpo, o toque de suas

mãos em minhas costas e nos meus cabelos. Um sonho tão cheio de detalhes que abrilhantava

ainda mais minha fantasia.

Nos braços de Aragorn eu estava livre e segura. No meu sonho sem medo e sem culpa.

E ele estava feliz. Era quase palpável a felicidade que estava em seu coração. As batidas

de seu coração me comoveram de tal forma que me questionei do porque não tinha me

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permitido ouvi-las antes. Não era um simples pulsar... Eram minhas, eu sabia, cada uma

daquelas batidas... cada uma delas... minhas.

Quando paramos nosso bale, ergui meu rosto para o dele admirando o brilho

incandescente de seus olhos de ouro. Viajei em cada traço seu e na serenidade de sua expressão.

Ele estava especialmente belo em meu sonho. E com a cumplicidade do seu olhar no

meu, lhe sorri.

Aragorn passou a ponta de seus dedos em minha franja. Ela estava um pouco crescida e

me cobria de leve os olhos. Ele fazia isso talvez querendo que eu pudesse ver melhor seus

sentimentos. Um gesto em metáfora. Uma linda metáfora... Depois deslizou carinhosamente

seus dedos por meu rosto e o segurou com as mãos. Aproximou seus lábios a centímetros dos

meus. Eu poderia ter me afastado, e era exatamente o que ele esperava que eu fizesse, como

sempre. Mas era um sonho e eu não queria me privar do que estava sentindo.

Insanamente não me afastei, e Aragorn tocou meus lábios com os seus delicadamente.

Quando se convenceu que eu não lhe negaria o beijo me tomou mais em seus braços.

Na medida da minha entrega ele depositava mais paixão e eu correspondia depositando

todo o sentimento que eu sufocava, e me surpreendi ao perceber a quanto tempo eu ansiava por

esse beijo, por sentir o calor a doçura e o sabor dos seus lábios.

Seu beijo foi tão voraz como delicado. Como se ele tivesse o poder de prolongar o

momento por toda a eternidade sem nunca diminuir-lhe a importância e a necessidade. Não

havia pudor nem dúvida, era puro, certo e sagrado. Um beijo apaixonado... Absurdamente

perfeito e desejável.

Quando ele se afastou lentamente, ainda sentia suas mãos no meu rosto a doçura de seus

lábios e o calor agradável do seu hálito, então enlevada abri os olhos, mas não havia um sonho.

Eu estava de pé no campo de flores com Aragorn a minha frente sob a luz das estrelas

segurando meu rosto em suas mãos me olhando intensamente. Eu havia andado de onde estava

deitada até ele e não sabia como, mas estava ali.

E o beijo...

Não foi um sonho.

Seu rosto nunca esteve tão glorioso e sua presença nunca fora tão potente. As enormes

árvores... todas as enormes coisas em Andaluz que nos cercavam pareciam agora tão

insignificantes diante da presença dele, diante do sentimento que emanava dele.

Ainda envolvida pelas suas mãos e pelo desejo que me dominava de mais uma vez

provar seu beijo lancei-me novamente aos seus lábios, e com ternura ele correspondeu ao meu

beijo e numa intensidade maior que antes me deixei ser levada pelo que estava sentindo. Eu

estava completamente entregue em seus braços. Subjugada a ele.

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O beijo se tornou mais exigente, insistente, e eu tive a impressão de poder sentir

Aragorn em todo seu ser naquele instante. O medo se fora e um êxtase indescritível pareceu

encher todo aquele campo.

– Minha estrela – Aragorn deixou escapar entre nossos lábios e me beijou mais

impetuosamente que antes como se quisesse afastar qualquer distância que ainda pudesse

existir. E me entreguei delirantemente.

Senti que estava sendo levada a esquecer de tudo que estava ao meu redor e apagar tudo

o que já tinha acontecido em minha vida. Como se uma página enfadonha em minha vida

tivesse sido virada. Aquele beijo estava me mudando... me moldando... me sarando. Aquele

beijo parecia ser a cura para toda a minha dor.

De repente uma cachoeira de sentimentos caiu sobre mim. Surpresa, alegria, medo,

confusão, satisfação, reprovação e culpa... Uma sufocante sensação de culpa.

Me afastei bruscamente de Aragorn. Ele me olhou confuso e apesar de assustada não

podia negar que queria estar ali. Mas eu não podia.

- Melissa o que foi? – Perguntou numa voz suave.

Eu balançava freneticamente a cabeça não querendo acreditar no que eu havia feito.

Queria brigar, bater nele e culpá-lo, mas sabia que tinha sido eu a dar o primeiro passo. Minha

mente me acusou. Eu estava controlando o sonho eu o chamei para ele, eu o atraí. Ele me deu

tempo para voltar atrás, mas eu queria aquele beijo. E agora uma mistura de satisfação e culpa

estavam me sufocando.

- Melissa – Aragorn segurou minhas mãos descobrindo meu rosto. – Me diz o que há?

- Eu não podia ter te beijado.

- E por que não? – Ele me fez olhar para ele. - Eu estava esperando por isso há tanto

tempo. E você também.

- Você é meu amigo – Arfei.

- Eu vejo a forma que me olha, que sorri para mim, a forma como me toca e como me

beijou agora. Isso não é sentimento de amizade.

- Foi só desejo, atração, agente tem ficado muito próximos e sozinhos é normal – Eu

tentava achar uma explicação.

Ele sorriu irritado.

- Aceite Melissa, deixe de ser infantil e assuma que também gosta de mim como eu

gosto de você.

- Pare com isso! – Falei aturdida.

- Esta vendo, você não quer ouvir porque sabe que estou certo. Enfrente a verdade. - Ele

me segurou pelos ombros – Diz pra mim olhando em meus olhos que não queria esse beijo.

Então te deixo em paz. Diz para mim que não gostou. E eu nunca mais te beijarei.

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Não havia resposta em mim. As emoções eram tão confusas e tão inebriantes, estava

perdida em cada risco de meus sentimentos. E ele estava próximo novamente e tão meu... e seus

lábios tão próximos e... Eu não podia dizer que não havia gostado, não podia dizer que não

queria o beijo. Eu podia mentir. Eu queria mentir, se pudesse, mas não conseguiria.

- Melissa... – Sua voz era apreensiva. Aragorn esperava algum tipo de reação de minha

parte. Eu podia sentir que cada célula do corpo dele esperava por isso. Mas estava perdida de

mais em minhas dúvidas para reagir de alguma forma.

Deixei-o em pé no meio do campo e corri de volta a fogueira. Eu não conseguia parar

de pensar no que tinha feito. E em Leo.

Eu tinha beijado outro homem. Será que não amava Jeziel tanto como eu pensava? Biel

teria razão quando disse a minha mãe que eu só precisava de um tempo? Será que era uma

fixação de primeiro namorado que me trouxe aqui ou eu ainda pensava que o amava por nunca

ter conhecido outro alguém? Alguém como Aragorn?

Eu sabia agora que sentia algo muito forte por Aragorn. Ou seria a pressão de estar num

lugar desconhecido e perigoso me sentindo sozinha que me levou a me apegar a ele? Eu

precisava encontrar uma resposta coerente que me fizesse ver que eu não era o mostro que

estava me sentindo. Uma ordinária, uma traidora, uma devassa... E tudo que Leo me disse sobre

nós dois termos nascidos um para o outro seria ilusão? Ou o amor não me deixaria imune a

outros sentimentos? Não é isso que aprendemos, que quando se ama alguém temos olhos só

para a pessoa amada? Que espécie de sentimento era esse então que estava nutrindo por

Aragorn? Eu estava horrorizada comigo mesma.

E de repente Aragorn me tirou dos pensamentos.

- O que eu precisava saber já sei. Você gosta de mim. Mas vejo que esta confusa e não

vou te forçar a nada. Queria que você confiasse em mim. Diga-me o que te deixa tão angustiada

por me querer? – Ele me puxou pelo braço me virando para ele – Melissa será que você amou

alguém que te fez sofrer e agora tem medo de se entregar... Medo de amar? Se for esse o

problema, se é medo, deixe-me curar seu coração. Eu jamais te faria sofrer, eu jamais te

magoaria.

Me afastei novamente. Eu não teria coragem de falar-lhe a verdade de que a suposição

dele estava meio correta. Eu realmente amei muito alguém que me fez sofrer, mas esse não era o

fato. O fato é que eu ainda amava aquele alguém. Ou pelo menos pensava que sim. E estava

arriscando minha vida e a de Aragorn para salvá-lo.

Aragorn se aproximou por trás de mim sem me tocar.

- Enquanto você não decidir ficar comigo sem medo e sem reservas, não tocarei mais

em você. Esperei até hoje, posso esperar mais. Só quero que se lembre que pode confiar em

mim. E quando resolver me contar o que te impede de estar comigo. Eu estarei aqui para você.

Disposto a lutar e a não desistir de você. Pois sei que você também me quer.

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Ele voltou a se deitar do outro lado da fogueira.

Eu deitei também sobre minha capa querendo que o céu caísse sobre minha cabeça. Mas

as estrelas brilhavam no mesmo lugar. Testemunhas oculares da minha loucura.

Enquanto Aragorn permanecia deitado, imóvel, absorto em seus pensamentos, peguei

minha mochila e procurei por algo que há muito tempo não via. Minha mão vasculhou os

objetos pequenos que estavam no fundo da bolsa e com o tato encontrei meu colar com a rosa de

Leo. Ao vê-la em minha mão recordei cada uma das palavras que Leo me dissera e do que senti

quando ele me presenteou com aquele pingente. Também me lembrei do brilho em seus olhos e

de seu beijo. As lágrimas corriam por meu rosto num choro silencioso e sentido. Eu queria

desesperadamente tudo àquilo de volta. E por mais que eu não pudesse negar a atração que

sentia por Aragorn não era amor. Não como o que sinto por meu Leo. E estava com medo que

aquele beijo tivesse estragado tudo.

Apesar de não me sentir digna, coloquei o colar em meu pescoço, provando a mim

mesma que eu sabia o que queria. Era Leo que eu queria, e não me esqueceria disso. E enquanto

isso em meu coração não mudasse não me permitiria jamais outro tipo de sentimento. Por mais

ninguém.

Abracei minha capa como um travesseiro e me forcei a dormir ainda sentindo a pressão

dos lábios de Aragorn nos meus.

De manhã ao me levantar Aragorn já estava de pé com tudo preparado para seguirmos

viajem. Ele notou meu novo adereço no pescoço, mas não fez comentários nem do adereço nem

da noite passada. Tive a impressão que ele estava sendo cuidadoso para não me deixar mais

constrangida do que estava. Eu mal podia olhá-lo nos olhos. E por todo dia da viagem pensei se

seria melhor que eu contasse de uma vez toda a verdade de que eu tinha vindo a Andaluz

resgatar meu amor. Seria melhor realmente, assim ele não nutriria mais esperanças em relação a

mim. Mas ele poderia me achar uma vadia. Por que eu não dissera logo ao invés de beijá-lo? Eu

não estava com coragem de confessar minha fraqueza.

Era melhor não falar nada. Não queria dar uma de Madalena arrependida. E logo tudo

isso iria acabar quando chegássemos à montanha Mayata. Ele poderia ir embora para sua ilha

Marfim e longe dele eu teria minha sanidade moral de volta.

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CAPÍTULO 10

Durante mais vários dias por todo o caminho ele permaneceu gentil e atencioso como

sempre. A única mudança era que ele mantinha agora uma distância maior nas caminhadas e

evitava me tocar. Só quando o obstáculo era realmente difícil ele segurava minha mão, mas

deixava claro que era meramente uma ajuda.

O comportamento dele só piorava as coisas para mim. Pois me mostrava que ele jamais

teria avançado se eu não tivesse permitido. – Corrigindo – Se eu não tivesse avançado. Ele

estava cumprindo a risca o que se determinou a fazer. Sua maturidade em lidar com isso tudo

me surpreendia a cada instante. Enquanto eu estava prestes a surtar a cada hora, ele estava

seguro, sereno.

Nos dias que decorreram, aparentemente normais, nosso relacionamento voltou a ser

como antes do beijo. E neles Aragorn me ensinava arco e flecha. No momento em que ele me

orientava por trás de mim segurando minha mão na posição correta, eu sabia que ele não estava

tirando proveito, mas ainda assim a proximidade dele me deixava insegura. E dava a impressão

que ele percebia, pois se afastava ao menor sinal.

Mais dias de viagem. E passando por uma região pantanosa encontramos uma trilha que

passava pelo meio de duas rochas no formato de duas grandes cabeças de aves.

- Bom, agora falta pouco, mas o caminho daqui para frente não é tão seguro. – Disse

Aragorn parando de frente a trilha. – Vamos precisar ter mais cuidado.

Entramos na trilha estreita e prosseguimos. O terreno era irregular, muito rochoso não

tinha tanto verde e até o clima mudou radicalmente de uma hora para outra ao atravessarmos as

duas aves. O lugar árido destoava totalmente de tudo que já tinha visto em Andaluz. Parecia

realmente outro lugar.

- Já esteve aqui antes? – Perguntei curiosa pela familiaridade de Aragorn.

- Sim. Há alguns anos. – Ele hesitou, mas continuou – Ainda pertencia ao exército de

Cordomad e fomos designados para uma batalha neste lugar contra o exército rebelde que se

escondia aqui. – Ele olhou para mim - O exército de seu pai.

- O que aconteceu?

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- O exército de Cordomad estava forte e mais preparado. – Ele me olhou sondando

minha reação.

Ele parecia não querer me contar o que tinha acontecido. Mas esperei olhando

ansiosamente para ele.

- O que aconteceu Aragorn? - Insisti.

- Todo o exército rebelde foi dizimado. – Ele não estava orgulhoso disso. – Me

desculpe.

- Você acha que o general estava entre eles?

- Eu não posso te dizer, mas o exército de Cordomad não é misericordioso e não faz

prisioneiros. Se ele estava neste campo de batalha... – Ele se calou.

Um frio percorreu minha espinha.

Eu não podia pensar em meu pai morto. O que faria se ao chegar à tal montanha e ao

atravessar o portal não encontrasse ninguém? Quem me ajudaria a resgatar Leo. Eu estava

contando com um exército. Então preferi me apegar no que ele dissera.

- Há possibilidade dele não ter estado aqui?

- Sempre há. O exército rebelde se espalha por toda Andaluz em pontos estratégicos. Ele

podia não ser dessa companhia. Mas não se iluda. Estamos muito próximos da montanha aonde

seu pai diz estar te aguardando. O exército que enfrentei aqui pode ter sido o dele. Ou outro que

estava vindo se juntar a eles.

Ele me olhava preocupado e eu sabia bem por que. Ele temeu ver minha reação diante

do homem que pudesse ter contribuído para a morte de meu pai. E alguma coisa ele notou. Pois

seus olhos de ouro se estreitaram enquanto fitava os meus.

- Não se preocupe – Falei para tranqüilizá-lo – Você estava cumprindo seu dever.

- Não esta aborrecida?

- Na verdade não. Não acho que ele esteja morto. – Estiquei meu sorriso tradicional –

Eu o conheço pouco, mas me parece que ele é esperto de mais para morrer tão facilmente.

- Me desculpe, mas você não me parece muito apegada a ele. Não ficou nem abalada

com o que eu disse.

- E não sou.

- Quando seu pai voltou da sua dimensão para Andaluz ele te deixou ainda pequena não

foi? Deve ter sentido muita falta dele.

- Eu era apenas um bebê de poucos meses. Nem me dei conta da presença dele para

sentir falta.

- Não sente falta de um pai?

- Não. Meu irmão nunca deixou que eu sentisse falta de um pai. Ele sempre fez o papel

do homem da casa. E minha mãe me educou muito bem.

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- Mas você veio até aqui para encontrá-lo... Não veio? – Ele pareceu pegar algo no ar

formulando melhor as perguntas como ele mesmo tinha planejado.

-É... foi. – Respondi passando a sua frente para que ele esquecesse esse assunto e não

quisesse entrar em mais detalhes.

- Ei garota! Onde esta indo com tanta pressa?- Ele acelerou o passo me alcançando.

- Esse lugar é tão quente e não tem uma árvore para fazer sombra. – resmunguei

olhando para o sol sentindo queimar meu rosto - não tem um rio por aqui?

- logo atrás daquelas montanhas tem uma vila. Agente descansa lá.

- Ainda bem. E... Aragorn – chamei sua atenção. – numa tarde quente como essa, dois

peixinhos se refrescavam no mar quando um tubarão enorme apareceu indo na direção deles.

Sabe o que um peixinho disse para o outro?

Ele me olhou com a mesma cara de sempre quando eu fazia uma charada.

- Nada! – respondi animada.

Ele me fitou confuso.

- Não entendeu? Presta atenção... o tubarão vindo e o peixinho falou para o outro

“nada...” viu?! Peixe... nada... peixe nada!

Ele balançou a cabeça em negativa tentando esconder um sorriso.

- Quer primeiro me dizer o que é um tubarão?

Eu saí correndo a sua frente sem lhe dar a resposta, rindo da minha própria piada mais

uma vez. Contar piada para Aragorn que não entendia nada era a coisa mais divertida pra mim.

O sol estava realmente incomodo. Arranquei a capa de meus ombros e prendi o cabelo

no alto tentando aliviar o calor. Aragorn para meu deleite e desespero retirou a camisa expondo

seus músculos perfeitos e dourados ao sol. A imagem de Aragorn com uma espada na cintura e

só o couro do alforje das flechas cruzando o peito era perturbador.

Ele continuava caminhando sem ter noção do quanto eu ficava sensível quando ele agia

tão naturalmente perto de mim e expunha seu corpo como se não tivesse o direito de poupar

meus olhos de tudo aquilo. E era tão difícil evitar de perceber o quanto todo ele era perfeito.

Mesmo assim eu fazia todo o esforço possível para impedir meus olhos de ficarem se mantendo

sobre ele o tempo todo antes que ele percebesse.

- Lá esta!- ele apontou para o vale quando chegamos no alto da última montanha que

subimos aquela tarde, me mostrando a vila que nos aguardava lá em baixo.

Felizmente civilização.

Descemos a montanha e chegamos a vila Onoiriono.

- Como é que é?! – perguntei mais uma vez o nome da vila para Aragorn que não

entendia o porquê de eu ficar tão impressionada com o nome da vila.

- Já reparou que tanto de frente para trás ou de trás para frente a palavra é a mesma?

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- Há um significado para isso.

- E qual é?

- No meio da cidade existe uma fonte e dizem que a magia da água dela desvenda a

quem bebe, a verdadeira intenção de seu coração, ainda que quem beba tenha seus segredos

mais profundos. Tudo vem à tona, mesmo que pra isso a pessoa tenha que ter seus sentidos

virados de trás pra frente.

- Como assim?

- Aquilo que você nega a si mesmo vem com toda força do mais íntimo do seu ser e é

revelado.

- Tem certeza?

- Ah sim, eu tenho. Eu mesmo já tomei dessa. Quer experimentar?

- Ah não – me esquivei – de jeito nenhum. – É claro que eu não arriscaria ter meus

segredos revelados por um elixir da verdade.

- Mas eu quero. Estou com sede e a água da fonte é gelada e revigorante.

Ao chegarmos ao centro da vila, Aragorn não só bebeu como molhou a cabeça se

deliciando na água cristalina da fonte. Pelo jeito ele não tinha medo de que algo dentro dele

fosse revelado.

Para ter certeza do que ele me disse sobre a água ser gelada não contive a curiosidade e

mergulhei a mão provando que realmente era geladíssima aquela água.

Não me sentia com coragem para beber, mas não resisti a lavar meu rosto queimado

pelo sol com aquela água refrescante.

Enquanto ainda me lavava na fonte uma voz feminina me tirou da tranqüilidade quando

ouvi o nome de Aragorn. A surpresa foi tanta que acabei me engasgando e acabei engolindo

algumas gotas. Mas a hora não era de me preocupar com o elixir da verdade.

Me virei para ver quem chamava por Aragorn e uma garota morena de cabelos

castanhos repicados na altura do ombro e corpo escultural estava sorridente diante de Aragorn.

- Aragorn?! É você mesmo? – ela falava surpresa.

- Soleh – Aragorn cumprimentou também surpreso – o que faz por aqui?

- Eu que devo lhe fazer essa pergunta já que eu moro aqui, e você é o visitante.

Ele se aproximou e a abraçou.

- Como você cresceu!

Eu não a conheci antes, mas ela realmente devia ter crescido um bocado, já que perto de

Aragorn alguns míseros centímetros não a deixavam na mesma altura que ele.

- Mais de dez anos que não nos vemos Aragorn. Não esperava mesmo que eu ainda

fosse aquela garotinha magricela e sem graça que queria casar com você.

Ele sorriu saudoso se desvencilhando dos braços dela.

- Você era tão chata.

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- E você era tão implicante, e não queria nada comigo com aquela idéia fixa de se tornar

soldado de Cordomad.

O sorriso dele se desfez.

- Foi uma grande tolice.

- Qual delas?! Não querer se casar comigo ou querer ser um soldado de Cordomad?-

falou num tom de ironia – Você sempre foi mestre em péssimas idéias – ela afirmou – Onde já

se viu! Deixou sua família e amigos aqui e foi para o campo de treino se tornar um Drevors.

- Arahm-rham – limpei minha garganta para lembrar Aragorn que eu existia e estava

ali... bem ali ao lado deles.

- Esta é Melissa – Aragorn me apresentou.

E pela primeira vez aquela beldade colocou seus olhos violeta sobre mim num sorriso

sufocante e sincero.

- Bem vinda a Onoiriono.

- Obrigada.

- Que bom que vieram para festa de aniversário de meu pai. – ela falou animada se

virando para Aragorn - Ele vai ficar louco quando souber que respondeu seu convite.

Ele olhou para mim raciocinando rápido sobre o que deveria responder.

- Pois é... como eu poderia deixar de vir.

- Ele esta há meses se comunicando com seus antigos amigos. E como você é o único

filho vivo de seus melhores amigos, Tessa e Maduque, ele iria ficar decepcionado se você não

viesse.

- Por isso estou aqui!

- Então vamos – disse Soleh – vou levar vocês para casa. Ainda se lembra onde fica

minha casa Aragorn?

- É claro – ele segurou minha mão me puxando para seguirmos a garota.

- Já estão quase todos aqui – Soleh contava animada – todos nossos amigos vão ficar

surpresos ao verem você.

Ao chegarmos a casa de Soleh, um alvoroço de pessoas andando com vasilhas cheias de

frutas e comidas se espalhava para todos os lados. Todos falavam alto e ao mesmo tempo

tentando organizar os arranjos e enfeites para a festa.

- Não... não! – gritou Soleh para dois rapazes que carregavam uma mesa pelo jardim. –

leve essa mesa para os fundos... para os fundos.

Ela se afastou de nós para orientar os rapazes nos indicando com o olhar para ficarmos a

vontade.

- Porque você disse a ela que tínhamos vindo para festa?

- Era isso, ou contar que estamos numa viagem clandestina para Mayata.

- Você não bebeu a água da revelação? Como conseguiu mentir para ela?

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- Eu nasci aqui Melissa, essa água não tem poder nenhum sobre mim. Ela é eficaz nos

novatos.

- Não queria estar aqui. – falei nervosa.

Levei o dedo até a boca e comecei a roer a unha irritada. Droga... – pensei - essa

montanha parece ficar cada dia mais longe.

Aragorn se aproximou e retirou minha mão da boca. Toda vez que minha ansiedade me

levava a roer as unhas Aragorn me impedia tentando me acalmar. Ele olhava para as pontas dos

meus dedos avaliando os estragos e descia delicadamente meu braço para que eu não me

tentasse novamente a roê-las. Eu não sabia se ele entendia esse meu ato angustiado, mas como

ele era super protetor, protegia até minhas unhas e cutículas dos meus dentes inquietos.

- O que foi? – questionou curioso – não gostou da vila? Foi aqui que eu cresci.

- Não tem nada a ver com a vila – resmunguei.

- Então... – ele me sondou intrigado.

Nesse momento Soleh passou por nós carregando uma cesta cheia de flores e sem que

eu percebesse meus olhos se estreitaram rumo a ela.

- É Soleh – Aragorn desvendou – não gostou dela.

- Não é nada disso – me defendi sem graça.

Os olhos dourados dele me encararam tentando ir mais fundo em suas descobertas já

que ele não tinha acesso a minha mente.

De repente um sorriso iluminado e contente desenhou seu rosto.

Uma voz eufórica interrompeu as conclusões de Aragorn que mesmo sem ter dito nada

me deixou bem sem graça.

- Aragorn!

Uma mulher jovem de cabelos negros e cacheados de pele mulata vinha em nossa

direção caminhando elegantemente num balanço que mais parecia uma dança.

Ela era tão linda e tão feminina que me constrangi só por estar no mesmo universo que

ela. Seu sorriso deslumbrante entre os lábios cheios e rosados era uma afronta a qualquer mulher

dessa dimensão.

Acompanhei seus braços de pele radiante quando se enroscaram no pescoço de Aragorn

que automaticamente reconheceu aquelas curvas.

- Ciara... – ele a saudou no mesmo grau de empolgação.

- Pensei que nunca mais iria colocar meus olhos em você! – ela disse enquanto se

afastava e o observava.

- Pois estou aqui.

- Quando Soleh me disse que tinha chegado, tive que ver pessoalmente.

Aragorn lhe sorriu amigavelmente.

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Ela se virou para mim com o mesmo sorriso e caminhou em minha direção com seus

olhos verdes iluminados e sem cerimônia me abraçou como se fossemos velhas amigas.

- E você é Melissa. Soleh me contou que Aragorn trouxe uma convidada.

Quando ela me soltou de seu abraço consegui mesmo surpresa colocar um sorriso

amigável no meu rosto, ainda que não muito espontâneo.

- Vocês são muito bem vindos. Meu pai vai ficar muito feliz com a chegada de vocês.

- Obrigada.

Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, uma tropa de mulheres belíssimas nos

alcançou no jardim e entre abraços e saudações eu não tirava os olhos de Aragorn que parecia

muito a vontade entre aquele harém.

Todas falavam ao mesmo tempo, o que deixava o ambiente confuso. Até que depois de

eu imaginar que aquela vila devia ser uma espécie de lugar proibido ao sexo masculino, alguns

rapazes surgiram se juntando aquelas garotas a cumprimentar Aragorn.

- Quando nos disseram que você estava aqui, largamos tudo para te ver. – um dos

rapazes falou a Aragorn enquanto o abraçava.

- Então você veio mesmo!- disse outro batendo em seu ombro.

- Pois é! – Aragorn tentava manter a farsa.

- Ficamos sabendo que conseguiu sair do exército de Cordomad. Não esperávamos que

ainda estivesse vivo. Cordomad não poupa desertores.

- Ele bem que tentou me pegar.

- Mas continua sendo mais astuto – disse um homem negro de voz grossa e potente

abrindo espaço entre todos até chegar a Aragorn.

- Naske – Aragorn exclamou contente.

- Aragorn! – o homem falou exultante. – É tão bom que esteja aqui.

E o abraçou paternalmente.

- Você se tornou um homem. E é tão parecido com Maduque, seu pai.

Naske com certeza era o pai de Soleh e Ciara.

- Mas o que estamos fazendo aqui fora?! Vamos entrem, entrem!

Naske lançou o braço por cima do ombro de Aragorn e o arrastou para dentro da casa

enquanto as garotas falando todas ao mesmo tempo novamente, também me conduziam para

dentro.

Quando chegamos a sala, Naske e Aragorn se sentaram e eu me sentei numa cadeira

próxima a janela. Numa espiada rápida lá fora enquanto as garotas saíam para retornarem a

arrumação da casa para a festa, notei que os amigos de Aragorn se amontoavam na janela me

encarando.

Completamente sem graça me movi na cadeira tentando uma posição que me deixasse

fora do foco deles e Naske e Aragorn perceberam.

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- Mas o que é isso?! – Naske censurou-os pela janela, enquanto eles surpreendidos se

atrapalhavam tentando disfarçar. – Vocês não tem o que fazer?! A festa começa só a noite. Vão

pra casa e voltem mais tarde.

Aragorn me sorriu, mas logo sua atenção se voltou para Naske que voltava para seu

acento depois de fechar a janela.

- Não fique chateada com esses pobres coitados – Naske falava sorrindo para mim –

eles só não estão acostumados a ver uma garota tão bonita quanto você.

- Não tem... problema – eu ainda não estava acostumada aos olhares curiosos e

interessados que a maior parte dos andaluzianos colocavam sobre mim quando me viam, mas

andar com Aragorn me dava certa proteção. Só não ali que seus amigos de infância pareciam

confiar o bastante em sua antiga amizade contando que Aragorn não fosse capaz de lhes

arrancarem as cabeças com sua espada.

- Já mandei preparar os quartos de vocês e espero que aceitem minha hospitalidade já

que sua casa Aragorn, foi totalmente destruída quando os Drevors atacaram sua família.

Aragorn me pareceu desconfortável com a notícia.

- Sim, eu sei – Aragorn respondeu pesaroso.

- Então... resolveu voltar para ficar? – Naske questionou esperançoso.

- Desculpe amigo, mas não. Estamos de passagem por Onoiriono. Eu não conseguiria

mais viver aqui.

- Eu sabia que foi uma coincidência sua vinda para cá. Quando as meninas me disseram

eu já suspeitei, porque por mais que eu esteja feliz em te ver bem e com saúde Aragorn, não

tentei entrar em contato com você. Não tinha como saber se ainda estava vivo.

- Desculpe esse tempo todo sem notícias, mas foi para sua segurança.

- Sim eu sei.

- Mas fico feliz por ter chegado bem no dia da sua festa.

- No dia não, nos dias. Faremos três dias de festa. E vocês são meus convidados de

honra.

Aragorn tentou protestar.

- De maneira alguma você vai sair daqui e me fazer uma desfeita dessas. Você é o filho

do meu melhor amigo. E vendo você aqui é o mesmo que vê-lo ao meu lado.

Aragorn olhou para mim quieta em minha cadeira estofada e com o olhar me explicou

que não teríamos escolha.

Eu tinha pressa de chegar a montanha Mayata, mas como Aragorn falou que era

ficarmos ou ter que revelar nosso destino. Concordei com meu sorriso tradicional sem poder

contrariar Naske o amigo de Aragorn.

Os dois continuaram conversando sobre os últimos acontecimentos da vila e das filhas

de Naske. Enquanto isso eu observava a sala nada convencional da casa. Uma pilha de vasos se

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equilibrava ao lado da mesa que estava repleta de objetos estranhos e o que mais me chamou a

atenção foi uma escultura em pedra que por mais que eu tentasse entende-la não tinha forma ou

lado ou começo ou fim. Acabei me lembrando de meus antigos trabalhos de artes na escola.

Achei aquela coisa horrível.

De repente a porta da sala se abriu e uma mulher que puxava uma criança pela mão e

trazia mais uma em seu braço, se aproximou feito um furacão.

- Eu não consigo fazer nada com essas crianças no meu encalço.

Ela entregou o maiorzinho para Naske e colocou o bebê de colo nos braços de Aragorn.

- Oi Aragorn!- ela o saudou como se só agora tivesse se dado conta de quem era o

individuo que ela depositou a criança.

- Zama – Aragorn a cumprimentou tentando ajeitar no colo aquele projeto de

andaluziano.

- Eu preciso organizar algumas coisas para a festa, e você ajude papai a cuidar de seus

netos, já que se você não tivesse fugido de Onoiriono esses filhos seriam seus.

Eu arregalei os olhos espantada para a mulher que se virou e me sorriu

hospitaleiramente.

- Não se preocupe Melissa, Aragorn sabe muito bem lidar com crianças. Ele adora essas

coisinhas babonas e incompreensíveis.

No mesmo furacão que entrou, Zama saiu pela porta deixando as crianças sob a

supervisão daqueles dois homens que pegos de surpresa nem puderam protestar.

Olhei para o menino de aproximadamente três anos que agora brincava com a barba do

avô que sorrindo não se importava que o pestinha se pendurasse nela sem cerimônia, e depois

olhei para o bebê de mãos gorduchas que com dedos cheios de covinhas agitava os braços no ar

tentando se comunicar com Aragorn que o olhava para com ternura.

Foi interessante ver Aragorn daquele jeito. A única coisa que eu já o tinha visto segurar

com tanto comprometimento fora sua espada. E eu nunca imaginaria que ele teria jeito com

crianças.

- Zama então esta casada?- Aragorn perguntou sacudindo seu pacotinho nos braços.

- Eu fico com pena do marido, mas pelo que percebo ele não se importa com o gênio

tempestuoso dela. É um bom homem.

- Porque ela disse que Aragorn podia ser o pai dessas crianças?- minha veia ciumenta

estava latejando em minha cabeça.

Naske deu uma risada gostosa que alegrou até as crianças.

- Zama, assim como cada uma das minhas outras filhas nutriam uma paixão platônica

por Aragorn. Cada uma delas queriam se casar com ele. Eu até hoje penso que foi por isso que

ele fugiu de Onoiriono. - Ele riu olhando para Aragorn – imagine oito criaturas semelhantes a

estas que você já conheceu atrás dele.

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Ele ria achando o cúmulo da comédia. Eu não estava achando graça.

- Você tem oito filhas?! – perguntei espantada.

- Cada uma mais linda e mais louca que a outra. Ainda bem que o criador me deu dois

netos. – ele olhou amorosamente para o pequeno que puxava incansavelmente sua barba

enquanto Aragorn parecia absorto na brincadeira de ter seu dedo segurado pela mão gorducha

do bebê de uns dez meses.

A ternura com que ele admirava aquele bolinho de gente em seus braços estava me

dando um nó no estomago. E o pequenino parecia muito feliz e seguro no colo de Aragorn.

O outro abandonou a barba do avô e se aproximou de Aragorn para brincar com o

irmãozinho. E Aragorn agora cercado de crianças me pareceu ainda mais forte e protetor. Como

se algo vindo dele envolvesse aquelas crianças num halo de aconchego e abrigo invisíveis, mas

palpável.

- Aragorn é um protetor. Nasceu com esse dom. As crianças sentem isso e são atraídas

pela segurança que ele transmite. – Naske respondeu a meu espanto.

- É que eu nunca o vi com crianças antes, não sabia que ele tinha tanto jeito com elas.

- Quer segurar? – Aragorn me perguntou vendo meus olhos vidrados no bebê.

- Ah não... eu... nem me lembro se algum dia na vida já segurei um bebê. Eu sou a

caçula da minha família e não tenho costume com crianças.

Ele se levantou e andou até mim colocando em meu colo o bebê que pareceu feliz em

poder fazer uma nova amizade.

Apesar de me sentir desajeitada e com medo de machucá-lo de alguma forma, aquele

corpinho quente e roliço cheirava tão bem e era tão macio que me deu vontade de apertar como

a um ursinho de pelúcia. Ainda meio sem jeito o coloquei confortável entre meus braços e ele

esticou sua mãozinha até minha boca. Instintivamente lhe dei um beijinho na palma de sua

gorduchinha mão e ele deu uma gargalhada gostosa e infantil que alegrou meu coração.

- Ele gostou de você. – Naske confirmou.

Eu sorri agradecida pelo afeto para o tiquinho de gente no meu colo enquanto o irmão

dele agora puxava a barra da minha saia exigindo também um pouco de atenção.

Enquanto eu brincava com as crianças ainda sem muito jeito, Aragorn me olhava de

forma curiosa. Ele parecia querer avaliar minha reação com aquelas coisinhas. O que eu pude

fazer foi imitar minha mãe e começar a falar forçadamente errado e fazendo cócegas nos

pequeninos que se divertiam e riam gostosamente com minha atuação.

Já que estão se divertindo com as crianças, vou verificar se tudo esta correndo bem com

a arrumação da festa – disse Naske saindo e deixando eu e Aragorn de babás.

- Estou começando a pensar que não foi uma boa idéia ter vindo até aqui. – Aragorn

falou pegando de volta o bebê do meu colo colocando ele com o irmão sobre o tapete e se

sentando junto a eles.

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Fez alguns objetos voarem de sobre uma mesa, oferecendo as crianças para brincarem.

- Você cresceu mesmo aqui? – perguntei.

- Nasci e cresci em Onoiriono.

Eu ri.

- Fale esse nome rapidamente quatro vezes e te dou um prêmio. – desafiei - Ainda não

tinha me acostumado com o nome nada comum da cidade natal de Aragorn.

Aragorn não pareceu me ouvir. Estava entretido com os pequenos.

O maior tomou um objeto que estava na mão do bebê que fechando a cara bochechuda

firmou os olhos no brinquedo que voou de volta a sua mão.

- Meu Deus – exclamei espantada – você viu aquilo?! – perguntei a Aragorn que não

parecia nenhum pouco surpreso com a peripécia de um pimpolhinho daqueles ter o poder de

mover objetos pelo ar.

O grandinho então revoltado abriu o bocão a chorar fazendo birra para que lhe fosse

devolvido o objeto de seu interesse.

Aragorn se aproximou da criança lhe entregando outra coisa para que ele pudesse

brincar.

Interessado o pequeno cessou o choro e pegou o brinquedo se distraindo.

- Você será um ótimo pai um dia – falei admirada com a facilidade que Aragorn tinha

em se entender com as crianças.

- Aragorn sempre quis uma família grande.

A voz doce de uma linda morena que agora entrava na sala e caminhava elegantemente

na direção de Aragorn me deixou preocupada. Realmente preocupada.

Não foi difícil, apesar dos cabelos dela serem acaju, cheios e cacheados e os de Raika

lisos e platinados, fazer a comparação entre as duas. Havia uma áurea de perfeição que pousava

sobre ela e que parecia se intensificar com o brilho do vestido prateado e ousadamente decotado

que ela usava.

Ela se aproximou e o abraçou tempo demais para minha paz. E comecei a me incomodar

com essa naturalidade que o povo de Andaluz tinha em abraçar todo mundo.

- Senti tanto sua falta. - ela falou de forma comprometedora.

- Hanna – Aragorn cumprimentou com um sorriso alegre no rosto.

Olhando a tal da Hanna e seus cabelos, e a alegria de Aragorn em reencontrar a antiga

“amiga”, lembrando de Lariana, desconfiei que a preferência de Aragorn devesse ser as ruivas.

Incomodada e insegura, passei a mão discretamente por meus cabelos que deviam estar

um ninho. Dias andando na floresta sem um espelho e sem me preocupar com a aparência, eu

devia estar um lixo se comparada a Hanna. Na verdade eu devia estar horrível ainda que fosse

comparada aquela escultura horrorosa ali no canto.

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Quando Hanna se virou para me olhar, achei que estava ficando louca. Me pareceu que

todo aquele brilho e confiança que emanavam dela se abalaram por alguns segundos.

- Olá Melissa – ela me saudou.

- Oi – respondi quase sem voz.

- Meu pai me mandou te levar até seu quarto para que você possa descansar um pouco e

se preparar para a festa.

- É que estou... cuidando das crianças.

- Ah não se incomode com isso. Eu e Aragorn damos conta desses dois. Não é mesmo

Aragorn? – a voz dela era inquietante.

Olhei para Aragorn. Claro que eu não admitiria para ele ou para mais alguém, mas

deixá-lo ali com ela não era algo que eu quisesse fazer.

- Vá Melissa, e tente dormir um pouco. As festas de Naske são famosas por durarem a

noite toda. Você vai precisar de energia.

Tentei disfarçar, mas olhei brava para ele.

Aragorn estava me dispensando?! Me dispensando para ficar com Hanna?!

- Venha. – Hanna enlaçou meu braço me puxando porta a fora enquanto eu olhava

desolada para Aragorn que me via sendo arrastada sem protestar. – Eu mostro onde é seu quarto.

Andando por um longo corredor Hanna me guiava.

- Você é amiga de infância de Aragorn?

- Amiga de infância? - Ela riu – foi isso que ele te contou?

- Ele não me contou nada. Então vocês já foram... Namorados?

Ela riu de novo.

- Há quanto tempo esta com Aragorn?

- Bem... nós não estamos exatamente... juntos. – porque a pergunta?

- Porque você não parece saber muita coisa da vida dele.

- Somos amigos e... não fico me intrometendo na vida dele. –falei irritada e na

defensiva.

- Acha que perguntar se eu já fui namorada dele não é se intrometer?

- É que não falo dessas coisas com ele.

- Você não precisa falar. Nunca conheci alguém mais transparente que Aragorn. A

mente dele esta sempre aberta. Claro, a não ser agora. Mas me parece que ele bloqueou mais

para proteger você do que seus próprios pensamentos.

- Aqui esta – ela abriu uma porta – seu quarto. A festa começa ao anoitecer.

Ela se virou e voltou pelo mesmo caminho e eu sabia que iria direto a sala onde estava

Aragorn.

Entrei e fechei a porta atrás de mim.

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- Mas que garota insuportável – resmunguei – “você não parece saber muita coisa da

vida dele” – imitei a voz dela. - “me parece que ele bloqueou mais para proteger você do que

seus próprios pensamentos. - Quem ela pensa que é?” A dona dos pensamentos de Aragorn? O

que ela quer? Ele é meu amigo. É bom ela não se aproximar dele senão...

Enquanto andava de um lado para o outro no quarto como uma fera enjaulada, dei de

cara com um espelho da parede ao teto. Olhei minha imagem no espelho e quase tive vontade de

chorar ao ver meu modelito épico e meu cabelo emaranhado.

Como competir com as mulheres de Andaluz?

- Porque elas têm que ser tão lindas? – choraminguei – também, nenhuma delas tem que

atravessar Andaluz a pé no meio do mato. Elas tem o dia inteiro para cuidar da pele e do

cabelo...

Desiludida me joguei na cama de casal de dossel em bronze e sem ter mais nada para

me consolar, passei a roer a unha pensando em que Aragorn podia estar conversando com a

miss ébano.

Por isso ele não se esforçou para irmos embora. - pensei aborrecida - Claro que ele não

iria perder a oportunidade de ser adorado por cada uma delas.

Depois de horas de mau humor e lamentações sobre a cama, resolvi me levantar e fui

para o banheiro tomar um banho.

Mergulhada nas águas mornas, uma batida leve e a porta se abrindo chamou minha

atenção.

Uma das filhas de Naske entrou.

- Aragorn me pediu para vir ver como você estava e me pediu para lhe entregar isso.

Me enrolando na toalha saí da banheira e fui até ela.

- Obrigada Soleh. O que é isto?

- Não sei, mas Aragorn passou a tarde fora para comprar isso para você.

- Ele não ficou com Hanna... é... cuidando das crianças?

Ela tilintou uma risadinha.

- Não. Hanna se ofereceu para cuidar das crianças junto com Aragorn, mas logo ele

conseguiu escapar dela para ir a vila atrás desse pacote. E ela ficou lá com cara de boba

cuidando dos sobrinhos birrentos. E ela não tem o menor jeito com crianças.

Tentei disfarçar, mas um sorriso vingado escapou em meus lábios.

Peguei o embrulho das mãos de Soleh e quando o abri meu coração se comoveu com a

atenção e o cuidado de Aragorn mais uma vez. Ele saiu para comprar uma roupa para mim. Eu

ainda tinha na mochila o vestido azul que ele me deu da última vez e era o que eu pretendia

usar, mas ele se adiantou e me comprou outro ainda mais belo. O gesto dele me deixou

encantada.

Me senti culpada por ter praguejado ele por algumas horas nessa tarde.

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O vestido era salmão e dourado e num corte e tecidos tão delicado como o outro. E eu

tinha que assumir para mim mesma o quanto gostava das escolhas de Aragorn para mim. Eu

gostava de ser protegida por ele. Eu gostava da sensação de ser cuidada por ele nesses pequenos

detalhes, eu gostava de saber que ele passou a tarde pensando em mim e comprando presentes

para mim. E o melhor de tudo, eu gostei da sensação que me inundou ao saber que ele não tinha

dado a mínima para a tal Hanna.

Soleh me olhou curiosa.

- Você esta feliz não é?

- Gostei do vestido.

- Se isso ajuda em alguma coisa, conheço Aragorn desde que nasci, e ele sempre foi

gentil, mas não costuma agir assim com qualquer uma. Se ele se deu ao trabalho de comprar

algo para você é porque realmente se importa.

- Porque esta me dizendo isso?

- Porque gosto muito de Aragorn. Agente brinca com essa coisa de casamento, mas ele é

quase um irmão pra mim e o que mais quero é vê-lo feliz. E pelo que vejo nos olhos dele. Ele

esta feliz se você esta feliz. E eu não preciso ler a mente dele para saber que ele te ama.

Ela deu alguns passos em direção a porta e se virou bruscamente.

- Só um conselho, se você tem algum interesse em Aragorn, não facilite para Hanna. Eu

vejo ele como irmão, mas minha irmã e mais da metade das mulheres dessa vila estavam

esperando a mínima chance de chegar até ele.

Era só o que eu precisava para acabar com minha alegria. A ameaça de alguém querer

tirar Aragorn de mim.

Epa! – me recriminei – ninguém pode tirar Aragorn de mim. Ele não é meu.

- Ele é meu amigo – repeti para meu reflexo no espelho. – amigo.

E passei então a me arrumar. Peguei na mochila a bolsinha que eu trouxe da minha

dimensão com minhas maquiagens e que servia para guardar todo o resto das bugigangas que

qualquer garota precisa. Até hoje não havia usado maquiagem por não achar necessário no meio

do mato. Mas se Hanna estivesse apostando em sua beleza para encantar Aragorn, hoje ela iria

ter muito trabalho.

Depois de uma hora de espelho, olhei o resultado e gostei. Até meu cabelo cooperou

com o visual. Não tinha um secador a mão, mas fiz algumas tranças depois da franja deixando a

parte de trás solta e frisada e até que ficou bem legal.

Me sentindo confiante saí do quarto percorrendo o grande corredor para o jardim onde

as luzes, as flores, davam um ar místico aquele lugar.

Era uma festa bem grande. Centenas de pessoas já estavam ali conversando sob a trilha

sonora de uma banda que tocava animada sobre um palanque de cristal. Algumas pessoas

passavam por mim me cumprimentando e outras me olhavam admirados.

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Era lógico que esses olhares me animavam já que a intenção era prender a atenção de

Aragorn de tal forma que ele nem se desse conta de Hanna ou de qualquer outra ali.

De repente esse pensamento me confundiu. Porque eu queria isso? Por quê? Eu não

tinha que chamar a atenção de Aragorn. Nossa relação já era bem confusa para eu colocar mais

esse peso nela.

Num rompante de sanidade e já que não tinha visto Aragorn, resolvi que poderia voltar

bem rápido ao meu quarto e desmontar essa armadilha.

Quando me virei esbarrei num peito forte e acolhedoramente conhecido.

- Onde vai com tanta pressa?! – Aragorn me barrou.

- Eu ia até o quarto me... arrumar mais um pouco.

Ele me olhou fascinado.

- Se arrumar mais um pouco? Acha mesmo que precisa?

Questionou enquanto me estabilizava no meu próprio eixo já que eu tinha quase caído

com o encontrão. Meus olhos também passaram pela figura deslumbrante de Aragorn.

Foram raras às vezes que vi Aragorn fora de suas roupas de guerreiro e sem sua capa

longa e quando isso acontecia eu sempre me surpreendia. Ele também conseguia ficar ainda

mais bonito e me revelar o quanto fora da floresta, ele era vaidoso. As roupas que ele escolhia

sempre o deixavam com aparência admirável.

- Aragorn, você esta aí! – Hanna andava confiante para Aragorn e eu irrefletida e

possessivamente segurei a mão dele.

Ela olhou de relance para minha mão, mas não deu a mínima. Enlaçou Aragorn pelo

pescoço como se fosse a primeira vez que eles se viam no dia.

- Hanna, onde esta seu pai? – Aragorn de forma educada se desfez do abraço dela e sem

largar minha mão deu um passo casual para trás ganhando distância da garota.

- Ele esta por aí, mas... deixe ele para lá, esta muito ocupado recepcionando seus

convidados. Eu queria falar com você.

Aragorn olhou para ela esperando que ela começasse a conversa.

- É particular – ela olhou para mim sugestivamente – e gostaria de privacidade.

Aragorn deu alguns passos comigo me colocando sentada numa cadeira de uma mesa

próxima.

- Você me espera aqui. Prometo não demorar.

Olhei para ele com meu olhar pidão e ele me sorriu daquela forma angelical que só ele

sabia. Ajeitou minha franja duas vezes e se foi. Mesmo de longe pude ver um olhar cínico e um

sorriso malvado no rosto de Hanna. Ela estava feliz por ele ter caído na conversa dela.

Eles caminharam alguns metros e pararam debaixo de uma árvore para o tal papo

particular e privado.

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Ela usava de tantos trejeitos, caras e bocas que era patético. Acabei me lembrando de

Letícia. Era assim que ela agia quando estava interessada em alguém. Mas eu não podia negar.

Ela era mesmo muito bonita.

Um rapaz elegantemente vestido me ofereceu um copo com bebida.

- Olá, meu nome é Fredcow.

Aceitei o copo e lhe presenteei com meu sorriso tradicional.

- Obrigada.

- Posso me sentar com você?

- Ah... claro.

Aragorn me olhou de onde estava para a inspeção de minuto e se voltou novamente para

Hanna que tagarelava sem parar.

- Então... é... Fredcow... gostando da festa?

Evidente que eu ia puxar conversa com o garoto só para Aragorn perceber que ele já

estava se demorando demais com Hanna.

- É a melhor festa da cidade. Todo ano Naske faz de seu aniversário o evento mais

importante daqui.

- Ele é muito querido na cidade?

- Ha sim. Ele é muito admirado e respeitado por todos. Assim como era o pai de

Aragorn. Pena que... bem, ele morreu com toda sua família acusados de traição e... você sabe.

- É eu sei.

- Nós ficamos sabendo da deserção de Aragorn quando os Drevors vieram aqui em

Onoiriono atrás dele. E foi uma surpresa para todos nós vermos ele aqui e vivo.

Enquanto Fredcow falava, eu não tirava os olhos de Aragorn.

Aborrecida por estar esquecida, achei que devia ter alguma coisa para tirar Aragorn

daquela conversa.

- A história de Aragorn eu conheço. Quero saber a sua Fredcow. O que faz? Mora aqui

desde que nasceu?

A forma ridícula de flertar com o Andaluziano na minha mesa era só uma maneira de

chamar atenção de Aragorn.

O rapaz educadamente me respondeu a pergunta enquanto eu enrolava uma mecha do

meu cabelo tentando ser charmosa e sexy.

A pobre cobaia não se dava conta de que eu não lhe estava dando a mínima atenção.

Mas acho que ele desconfiou depois que eu dei uma gargalhada alta e desconecta da conversa

dele para atrair a atenção de Aragorn. E funcionou.

- Rá rá... Você é muito engraçado. – continuei com a encenação da garota mais alegre e

descolada da festa.

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O sorriso de Aragorn dessa vez me pareceu mais com o sorriso que ele dava diante das

minhas piadas.

- Eu sou?! – Fredcow perguntou confuso.

- É! É sim. Me conte mais. - Descansei meus cotovelos na mesa apoiando o rosto nas

mãos me aproximando de Fredcow como se estivesse muito... mas muito deslumbrada com a

história de vida dele. Que na verdade era um tédio.

O cara era caçador. De pedras. Andava pelos bosques e florestas cachoeiras e

montanhas em busca de pedras com poderes para vender aos curandeiros e para quem precisasse

construir um portal. Fiquei imaginando Fredcow andando com uma bolsa a tiracolo com os

olhos voltados para o chão fazendo a seleção. “Essa pedra ãhmm... não. Essa não. Essa...

também não...” que trabalho chato.

- Sua vida é muito... interessante. – menti.

- Você acha?! - falou chocado.

- É claro que eu acho. Andar por toda Andaluz procurando por... é... pedras. Isso é

fantástico!

- Mas são só pedras. – ele tentou me fazer ver a realidade – só estou nesse ramo porque

é um negócio de família.

- Não, não diga isso. São pedras que curam pessoas, pedras que levam as pessoas a

qualquer lugar que queiram. – agora eu estava tentando fazê-lo se sentir prodigioso.

- Você é... diferente das garotas daqui. Em Onoiriono nenhuma delas enxerga meu

trabalho dessa maneira.

Agora me senti mal. Principalmente com o olhar grato de Fredcow. Era como se eu

tivesse lhe dado outro ânimo de vida.

- Essas garotas não sabem de nada. Você é um aventureiro. Desbravando os lugares

mais distantes de Andaluz em busca de um bem maior – agora me sentia na obrigação de

continuar deixando o coitado animado.

Olhei para Aragorn que agora parecia impaciente com a tagarelice de Hanna. E me

olhava preocupado.

- Então... é... Fredcow você é casado? Ou tem alguma namorada?

A pergunta para ele caiu como se eu estivesse abrindo caminho para algo mais íntimo.

- Claro que não – ele respondeu eufórico – quer dizer... não. Estou tão livre como um

Fotarur galopante.

Hem?!

- Ah... é... Um Fotarur galopante. – respondi alienada. O que afinal de contas seria um

Fotarur galopante? Um sapo? Um canguru? Um cavalo? Uma coisa eu já tinha percebido dos

animais de andaluz. Eles não eram tão diferentes dos da minha dimensão, se diferenciavam além

dos nomes, mais no tamanho. Ou eram absurdamente grandes como o Atreio, o tigre pré-

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histórico que quase me devorou um dia, ou eram insignificantemente pequenos como os Pafis.

As criaturinhas da floresta que tinham o tamanho de uma formiga e a aparência de um iguana.

Eu já tinha me acostumado a encontrar com alguns pela floresta e já nem corria para me

esconder atrás de Aragorn quando eu via algum bicho.

- Mas e você... Melissa – Fredcow fez uma pose charmosa na cadeira – você e

Aragorn...

Agora quem estava flertando era ele. Eu sabia que não podia culpá-lo já que eu mesma,

nessa idéia idiota de provocar Aragorn, estava lhe dando esperanças.

Olhei para Aragorn que agora estava de costas pra mim. E Hanna muito... mas muito

sorridente mesmo.

- Eu e Aragorn... – as palavras morreram nos meus lábios. O que eu diria a ele? Que nós

não tínhamos nada? Que somos apenas amigos? Que Aragorn e eu não... que eu não...

Enquanto tentava encontrar uma resposta para Fredcow, meus olhos encontraram

novamente Hanna e seu charme se lançando para cima de Aragorn. Uma percepção estranha fez

meu corpo gelar e meu estomago revirar. Eu não podia ver a expressão de Aragorn, mas não me

agradou pensar que ele pudesse estar gostando da companhia e da conversa com ela.

Uma curiosa sensação de já ter passado por aquilo me deu um nó na garganta. Eu não

conseguia me lembrar onde já tinha visto aquela cena, isso porque um alarme de perigo

disparado dentro de mim me fazia zumbir os ouvidos e o coração disparar expulsando de forma

violenta o ar de meus pulmões me deixando zonza. Era algo familiar ver aquela mulher bela e

sedutora, sorrindo e olhando nos olhos de Aragorn.

E eu me levantei.

- Foi muito bom conversar com você Fredcow. – E saí andando deixando Fredcow sem

entender porque o deixei sozinho.

Enquanto eu caminhava, era como se entrasse num túnel do tempo. E a imagem de

Hanna e de Aragorn foi se transformando a minha frente. Passo a passo a paisagem se

modificava em meus olhos. A árvore em quem os dois estavam debaixo sumiu, o chão se

transformou em água, uma margem de um rio apareceu, os dois agora estavam dentro desse rio

e brincavam... então eu soube o que aquela cena me fazia lembrar. E como se estivesse presa

aquela lembrança, continuei andando devagar e me preparando para ver mais uma vez a cena

que havia me destruído. Ver os dois se beijando e devastar meu coração.

Aragorn e Hanna não pereceram notar minha aproximação.

- ...agente pode ao menos se divertir, como fazíamos antes. Lembra?! – pegar a

conversa no meio do caminho não foi bom pra mim. Tão pouco ouvir e sentir no tom da voz de

Hanna a malícia e o erotismo implícito.

E o que eu estava fazendo ali? O que eu queria ver de perto?

- Isso não será possível – Aragorn respondeu secamente a ela.

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Hanna então percebeu minha presença e me olhou desgostosa.

Aragorn se virou e me olhou surpreso. Esticou o olhar por cima da minha cabeça vendo

o pobre Fredcow abandonado na mesa. Me olhou novamente tombando levemente a cabeça de

lado me questionando com os olhos: “O que aconteceu?”

- Você demorou. – falei tentando explicar o que estava fazendo ali. Nem eu sabia.

- Nós ainda temos muito que conversar – Hanna falou na intenção de que eu me

retirasse. Os olhos dela em mim me desconcertaram e me fizeram sentir um pequeno e

dispensável ser. – há muita coisa que precisamos colocar em dia já que Aragorn sumiu por

tantos anos. – ela olhou para ele e sorriu.

Eu me recolhi na minha insignificância me sentindo além de intrometida, indesejada.

Não devia ter ido interromper a conversa dos dois.

Olhei para aquele monumento de mulher a minha frente e ameacei voltar para o meu

lugar. Aragorn segurou minha mão.

- Hanna... Acho que você não entendeu. Tudo que tinha pra me dizer já foi dito.

Ela olhou para ele confusa e frustrada.

- O que você esta me dizendo Aragorn?

- Esta vendo esta garota aqui? – ele se posicionou atrás de mim segurando em meus

ombros. – ela... Melissa. A garota que esta a sua frente, é por causa dela que nós não temos mais

nada a dizer.

- Mas... vocês nem estão... juntos e...

- É verdade. – ele a interrompeu - Não estamos. Mas isso não muda nada.

Hanna olhou para ele tão desapontada que quase me deu pena.

Sentia as mãos firmes de Aragorn sobre mim e eu estava em tal estado de choque que

nem piscava.

Ele tinha acabado de dar um fora em Hanna na minha frente. O fim que eu esperava

naquela cena não aconteceu. Ele não se deixou seduzir, não a beijou... não caiu nos encantos

dela.

Não sabia se me sentia feliz com isso, ou triste por imaginar que assim como Aragorn

foi capaz de dizer não a Hanna por mim, se Jeziel tivesse agido assim, as coisas poderiam ser

diferentes hoje.

As mãos protetoras de Aragorn ainda me firmavam, e neste momento... nesta hora em

que Hanna quis me fazer sentir um nada, assim como naquele dia em que Raika me mostrou o

quanto eu era insignificante e dispensável, esse ato de Aragorn foi tão valioso pra mim... Eu não

me senti envaidecida, nem vingada... eu me senti abrigada.

Hanna ainda me olhou enraivecida por alguns segundos, depois se virou e marchando

saiu bufando indignada.

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Eu permaneci parada e sentindo as mãos de Aragorn deslizar por meus braços

delicadamente.

Não tive coragem de me virar e ver seu rosto. Fiquei completamente abalada com

aquela declaração pública de afeto e pela surpresa do desfeche de tudo. A surpresa foi tão

grande como no dia em que vi Jeziel e Raika só que de uma forma avessa. Se Jeziel naquele dia

havia me abatido, hoje Aragorn me fez sentir especial. Era tão fácil para ele demonstrar e

expressar por mim seus sentimentos que me constrangia. E me constrangia ainda mais o fato de

eu perceber o quanto gostava disso.

- Garota... – ele falou e me girou para estar de frente a ele. – eu falei dessa forma a

Hanna para que ela entendesse que não adiantaria perder seu tempo comigo. Não esqueci que

prometi não te tocar antes que me diga que eu posso.

- Ahrãn... – falei sem ainda me recuperar do choque. Eu precisava usar monossílabas

para não demonstrar o quanto estava exultante. Feliz.

- Você esta tão corada – ele sorriu angelicalmente passando os dedos em minhas

bochechas.

Claro que eu estava corada. Estava morrendo de vergonha por Hanna e de alegria por

Aragorn. Por dentro estava em uma festa particular pelo alívio de saber que o que aconteceu na

fazenda de Maxuel não tinha sido culpa minha. E por muito tempo eu me culpava. E finalmente

descobrir que eu não poderia ter feito nada, que a reação de Jeziel que devia ter sido diferente,

assim como a de Aragorn hoje, que fez meu sangue correr mais rápido em minhas veias.

- Você não devia ter feito isso Aragorn. Ela vai me odiar. –falei buscando uma forma de

esconder meus sentimentos, levando para outro lado.

- Não vai não. Hanna vai odiar a mim.

Ele sorriu despreocupado.

- Venha, vamos comer alguma coisa. – E caminhamos até a mesa da comida.

Músicas, danças, risos, brincadeiras, flores, muita comida, muita bebida... os

convidados animados, a decoração iluminada, perfeita, um céu marchetado de diamantes

celestiais e Aragorn ao meu lado, tão a vontade, tão seguro, tão tranqüilo, ali no meio de toda

aquela gente que ele conhecia desde criança, ele estava tão ele mesmo. Admirável, belo,

espontâneo. E olhando para ele descobri que Hanna estava completamente enganada e certa ao

mesmo tempo, em relação ao meu conhecimento da vida de Aragorn. Certa porque ela tinha

razão em dizer que ele era a pessoa mais transparente que pudesse existir. Não é preciso ler a

mente dele para saber o quanto ele é verdadeiro, confiável, sincero... e completamente errada

em dizer que eu não o conheço. Esse é Aragorn. Esse mesmo que esta a minha frente

conversando com seus amigos e sorrindo de forma a iluminar o mundo. Esse mesmo Aragorn é

o que viaja comigo me protegendo, me alimentando, me fazendo dormir enquanto canta. Eu o

conheço.

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Ele me olhou conferindo se eu estava gostando da festa. Seus olhos nunca ficavam

longe de mim por muito tempo, e eu adorava isso. Lhe sorri confirmando.

Hanna parecia ter entendido o recado de Aragorn mais cedo e nem sequer olhava para

ele quando passava por nós. Ele tinha razão. Ela iria odiá-lo a partir daquele dia.

Aragorn me deixou numa mesa sob um poste iluminado enquanto ia acompanhar Naske

pela festa.

Numa serenidade e confiança que a muito eu não sentia, de paz comigo mesma e com o

mundo, eu olhava distraída e admirada para o alto do poste que continha uma pedra que

emanava luz. Aquilo para mim era fascinante. Em andaluz não havia eletricidade gerada por

redes de energia ou hidroelétricas. O jardim estava mais claro que um estádio de futebol com

todos aqueles holofotes, e sua iluminação provinha das pedras. Algumas pedras especiais como

as que Fredcow encontrava. E essas pedras-lâmpadas em especial, sabiam a hora exata que

deviam se ascender. Quando a noite chegava automaticamente elas passavam a iluminar

qualquer ambiente onde estavam, e a beleza delas é que cada uma tinha uma cor diferente

deixando o ambiente além de iluminado, adornado graciosamente.

- Melissa! – Soleh me saudou e sentou a minha mesa com dois copos de bebida gelada

me entregando um. – o que esta achando?

- Esta tudo muito bom. – respondi dando um gole pequeno na bebida.

- Conseguiu botar Hanna pra correr?

- Bem eu não fiz nada. Aragorn que...

- Ela não desiste nunca.

Aproveitei o copo e tomei mais um gole, dessa vez mais longo, do suco que ela me

trouxe.

- Ele e Hanna já...

- Ah sim, Hanna já nasceu interessada em Aragorn. – ela riu – eles tiveram um namoro

adolescente, mas nada muito sério, para ele pelo menos.

- Toda mulher que eu conheço nessa dimensão parece querer Aragorn. – Eu disse e

rapidamente num tom irritado tapei a boca com a mão surpresa com o que eu falei.

Soleh sorriu.

- E você também. – ela afirmou – não é?

- Isso não é da sua conta! – resmunguei e tapei a boca novamente.

- O que você acha de Aragorn? Realmente?

- Aragorn é tão sexy e tão perfeito, as mãos dele são tão fortes e quentes a voz dele é tão

envolvente e o olhar de ouro dele é tão caloroso e único e seu corpo é... – assustada me forcei a

calar. O que eu tinha que falar essas coisas a Soleh? Nem eu mesma admitia isso para mim. Era

perigoso andar sozinha com Aragorn por toda Andaluz pensando nessas coisas.

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- O que não entendo é o que você esta esperando para ficar com ele se ele mesmo já

disse que quer você.

- Eu tenho coisas mais importantes para fazer aqui do que ter um romance. Não é que eu

não o queira, só que não posso... é que preciso... – assustada larguei o copo sobre a mesa e tapei

a boca com força antes de falar mais alguma coisa que não devia.

Soleh sorriu travessa.

- O que você fez comigo?! – perguntei assombrada.

- Eu? Nada! A água da fonte de Onoiriono é que esta me ajudando a descobrir seus

segredos.

- Eu não tomei essa água.

Ela olhou sugestivamente para o copo de suco a minha frente.

- Suco feito da mais doce apeliay com a mais fresca e gelada água da fonte.

- Droga! – reclamei. – você me dopou com essa água esquisita?

- Eu só quero saber quem é você, e porque esta andando com Aragorn e porque ele faz

tanto segredo sobre você. Me preocupo com ele.

Senti uma compulsão incontrolável de abrir a boca e revelar na mais pura sinceridade,

todas as perguntas dela.

- Aragorn! – gritei a ele que a poucos metros de mim veio ao meu auxílio

imediatamente.

- O que foi garota?

- Ela me envenenou! – apontei revoltada para Soleh que deu de ombros para Aragorn.

Ele olhou para o copo e entendeu tudo.

- Soleh... porque não deixa Melissa em paz. – ele pegou o que sobrou do meu suco e

jogou na grama.

- Eu só queria descobrir algumas coisas.

- Porque não vai descobrir se tem alguém querendo sua companhia bem longe daqui?!

- Aragorn... Você cresceu e ficou chato. - ela levantou e saiu me acenando naturalmente

e sem nenhum remorso.

Aragorn sentou.

- O que ela conseguiu arrancar de você? – ele perguntou preocupado.

- Acabei contando a Soleh o quanto acho você sexy e perfeito e que suas mãos são

fortes e quentes e sua voz envolvente e seu olhar de ouro é tão caloroso e único e seu corpo é...

– Gritei cobrindo o rosto tentando sair do efeito revelador da bebida. – que droga... o que eu

estou dizendo?!

- Ual!! – Aragorn suspirou. Assobiou. – nossa... – ele parecia perturbado com minha

revelação nada espontânea, mas totalmente verdadeira.

- Ai!! O que eu estou fazendo? – falei angustiada.

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- Eu só precisava saber se ela descobriu sobre você ser de outra dimensão. Ou sobre

para onde estamos indo.

- Não consigo me dar bem com essas bebidas de Andaluz. – reclamei.

- O efeito passa.

- Quando?

- Amanhã.

- Amanhã?! Quer dizer que até amanhã eu vou revelar para todo mundo que me

perguntar alguma coisa, toda a verdade?

Ele me olhou confirmando.

- E você, não vai aproveitar e me perguntar tudo o quer saber sem eu ter como não

responder? – falei inquieta e apreensiva.

- Eu não faria isso. Não com você. Quando você quiser me contar a verdade estarei aqui

para ouvir. Mas não dessa forma.

- Mas eu quero contar... contar tudo... quero contar porque nunca te contei a verdade

toda da minha presença em sua dimensão, quero contar que eu vim aqui para...

Ele se levantou e tapou minha boca.

- Não... não garota. Você não pode, não sobre o efeito dessa água. Eu quero e preciso

saber a verdade, mas não assim. Não posso permitir que você faça isso.

Sob a mão dele que pressionava meus lábios eu murmurava e balbuciava querendo ter

liberdade para falar tudo de uma vez. Mas ele como sempre estava certo. Se eu fizesse isso sob

o efeito da bebida, acabaria me arrependendo amargamente.

Parei de tentar falar e agradeci com um sorriso o fato de Aragorn não se aproveitar do

meu momento de fraqueza.

- Esta melhor agora.

- Não. Mas não me pergunte nada ou eu respondo.

- O melhor é levar você para o quarto. Você dorme e amanhã tudo terá voltado ao

normal.

- E você vai ficar sozinho na festa rodeado por essas mulheres lindas, loucas para

agarrar você a todo custo?

Ele sorriu.

- Tô falando de mais... de novo. – virei o rosto totalmente sem graça.

- Venha. Vou te colocar para dormir.

Ele me guiou para o quarto e por todo o trajeto eu forçava minha boca a ficar fechada.

Meus lábios já estavam doendo de tanto forçar os dentes sobre eles.

Aragorn ia rindo da minha cara pelo caminho.

Quando entramos no quarto, arranquei as sandálias, e me atirei sobre a cama.

- Agora seus segredos estarão seguros.

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- Você não vai voltar para festa, vai?!

- Não é bom que eu fique com você. Agora.

- Por favor. Eu quero que fique. – falei manhosa.

- Garota...

- Fica comigo... agente pode conversar.

- Confie em mim, pode não ser uma boa idéia.

- Porque não? – perguntei confusa.

Como não poderia ser uma boa idéia se tudo que eu mais queria agora, e com toda força

dentro de mim, era Aragorn ao meu lado e poder tocá-lo.

Ele me olhou pensativo.

Me levantei e fui até ele.

- Você não quer ficar comigo? – minha voz fez um som dengoso e sensual.

Lancei meus braços ao redor do pescoço de Aragorn e aproximei meu rosto do seu.

Ele fechou os olhos e respirou fundo me puxando pela cintura até sentir seu corpo.

- Garota... não faz isso comigo. – ele falou. Perecia torturado.

- Fazer o que? – segurei seu rosto tentando ver seus olhos.

- Eu prometi não te tocar, mas só se você não quiser. E a água que você bebeu esta me

revelando o que você quer. Posso aceitar esse convite.

E mirei seus lábios. Nossa proximidade me permitiu sentir o coração dele quando

passou a bater mais forte.

- Você sabe o que esta fazendo? – ele me perguntou com a voz rouca.

- Eu sei.

- E o que é?

- Estou impedindo que você saia e acabe ficando com alguém na festa.

- Por quê?

- Porque eu... eu ... não sei.

- Não sabe por que não quer me ver com ninguém?

- Só quero você comigo. Agora.

- Agora? – ele me perguntou se aproximando dos meus lábios.

- Agora... – respondi já sentindo o calor nos lábios dele alcançar os meus.

- Melissa... me diga... gosta de estar comigo?

- Sim...

- Quer mesmo que eu fique?

- Quero... mesmo...

- E o que vai fazer comigo aqui?

- Vou beijar você. – falei deixando que meus lábios tocassem os dele de forma quase

imperceptível.

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- Você se lembra que esta sobre o efeito da água da fonte daqui?

- Lembro.

- E que tudo que esta me dizendo agora é verdade. E que eu não vou me esquecer disso.

- Não precisa esquecer. Ela revela nossos mais profundos desejos e... Só o que quero

agora é que você me beije.

- E?...

- E você esta se aproveitando do meu estado para me ouvi dizer o que estou sentindo.

Não esta?

- Estou... só um pouco. É bom saber o que há em seu coração.

- Só quero um beijo. Seu beijo me faz bem. E se quer mesmo saber o que há, eu...

Aragorn não me deixou contar. Colou seus lábios nos meus num beijo forte e quente,

prendendo meus cabelos entre seus dedos e me fazendo esquecer o que eu compulsivamente

sentia necessidade de falar. Novamente me sentia sendo levada para um mundo onde não havia

dor nem medo nem dúvida. Era como entrar no mundo tranqüilo e confiável de Aragorn

sabendo que haveria para mim eterna proteção e conforto sem nunca mais precisar me lembrar

do que me tinha causado tanta dor.

Quando o beijo cessou, Aragorn me abraçou carinhosamente. E eu me enrosquei em

seus braços querendo nunca mais precisar sair dali.

- Eu não preciso da água da fonte pra te dizer Melissa o quanto te quero e o quanto teu

beijo... teu calor me faz bem. E eu queria muito... muito que você me dissesse isso de novo

quando estiver sem esse elixir correndo em seu sangue. Mas eu sei que você ainda não esta

pronta pra isso.

- Você tem razão. Ainda não estou.

- Mas quando estiver... e quando quiser me contar a verdade estarei aqui pra você.

Sempre.

- Obrigada.

- Agora vá dormir. – me ordenou.

- Só se você ficar aqui.

Ele me guiou até a cama, puxou o cobertor me fez deitar e me cobriu. Se sentou numa

poltrona ao lado da cama e passou a me olhar.

Eu também olhava para o rosto sereno de Aragorn que conseguia de uma forma

inexplicável me transmitir tanta paz. E era por isso que essa viagem maluca por andaluz não

havia me levado a desistência ou a loucura. Olhar para ele me dava a confiança que tudo iria

acabar dando certo.

- Posso te fazer uma pergunta?- falei curiosa.

- Depende.

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- Eu faço uma troca com você. Se me responder sinceramente, você pode me fazer uma

que eu responderei sinceramente.

- Como se você tivesse escolha. Mas tudo bem. O que quer saber?

- Você sempre me olha dessa forma como se não acreditasse no que vê. O que pensa

quando me olha assim?

Ele respirou fundo. Percebi que ele não queria me contar, mas ele sempre cumpria sua

palavra e havia aceitado responder sinceramente. Ansiosa esperei por sua resposta.

- Em o quanto você me tem para si. E nem sabe disso. E o quanto dói te ter tão perto e

tão distante ao mesmo tempo.

Meu coração parou e em seguida disparou. Enquanto eu via seus olhos brilharem não

conseguia desviar os meus. E como eu queria poder corresponder a esse sentimento.

- Agora é a sua vez. – ele disse tentando quebrar o clima que havia se formado com sua

resposta sem eu ter a reação que talvez ele esperasse.

- Quer saber o que eu penso quando olho pra você?

- Não garota. Minha pergunta é mais complicada porque eu sei e sinto que você confia

em mim. Sinto que você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa e que você sabe que

não precisa me esconder nada. Mas esconde, e sei que isso te faz sofrer. Então... a minha

pergunta é: porque até hoje você não conseguiu me contar toda a verdade?

- Você não quer saber a verdade?

- Não agora. Só quero saber por que não me conta.

Eu respirei fundo me sustentei sobre um braço e olhei diretamente em seus olhos

dourados. E a verdade que estava em mim veio a tona.

- Porque tenho medo que você vá embora.

Seu sorriso de anjo levado desanuviou uma sombra de preocupação em seus olhos.

- E se eu prometer que jamais te deixarei.

- Não aposte nisso antes de saber a verdade.

- Então aposte você. Aposte no que sinto e creia que só se você me disser que não me

quer por perto que eu irei embora.

Ele afirmou com tanta certeza. Mas eu não apostaria nisso. Apostei em palavras

semelhantes a essa uma vez e perdi. Não faria isso de novo.

Quando acordei na manhã seguinte, e abri os olhos Aragorn ainda estava sentado ao

meu lado em sua poltrona me olhando.

- Você não saiu daqui? – perguntei surpresa.

- Você não quis que eu saísse.

- Vai sempre fazer o que eu pedir?

- Se você pedir com muito jeitinho... – brincou.

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- Esta me deixando mal acostumada.

- Então... vai me contar agora toda a verdade da sua estada aqui em Andaluz?

- Vai tirando seu cavalinho da chuva. – me sentei na cama resmungando com ele. - O

efeito da água passou.

Ele sorriu.

- Que pena, eu poderia aproveitar e perguntar o que é um cavalinho.

Eu ri da brincadeira. Devia estar constrangida pela noite de ontem e pelo beijo que fiz

ele me dar, e de ter forçado ele a perder a festa só por que eu estava com ciúmes, mas não

estava. Aragorn tinha o poder de me fazer aceitar as tolices que eu cometia sem me condenar

quando ria assim pra mim. Era como se tudo fosse natural. Tudo entre nós.

Quando saímos do quarto a festa continuava no jardim da casa de Naske. Alguns

pareciam que nem tinham ido em suas casas. As crianças corriam brincando e todos ainda

estavam bem animados.

Quando nos sentamos a mesa, Naske apareceu e se sentou conosco.

- Escute Aragorn – ele sorria de uma forma estranha e sussurrava. – você é filho do meu

melhor amigo que foi morto pelos soldados de Cordomad. E eu nem sei por que eles ainda estão

atrás de você. – ele sorriu novamente olhando para os lados como se a conversa não fosse

aquela.

- O que esta acontecendo Naske? – Aragorn perguntou cismado.

- Eles estão na vila e procuram por você e por Melissa. É claro que ninguém disse nada,

mas é só uma questão de tempo para eles chegarem até aqui.

- Melissa, vá até seu quarto e pegue suas coisas. Precisamos ir embora – Aragorn me

falou apreensivo.

- Vamos dar cobertura a vocês. – Naske disse ainda disfarçando enquanto Aragorn

também se levantava rumo a seu quarto.

Discretamente fui até o quarto trocar de roupa e pegar minha mochila.

Quando havia tirado a roupa me preparando para colocar meu vestiário mais adequado

para cruzar Andaluz pela floresta, uma nuvem negra se formou dentro do quarto.

Eu gritei assustada e um homem se materializou a minha frente. Ele me olhou satisfeito

com o que viu e sorriu malicioso.

Estendeu a mão e andou em meu rumo. Dei alguns passos para trás até encostar na

parede. E sem ter para onde ir o homem me viu encurralada e se preparou para me capturar.

Atrás do Drevors a porta se abriu violentamente e Aragorn entrou com a espada em

punho já se lançando contra o soldado.

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Pela porta também passaram Soleh, Hanna, Naske e alguns dos amigos de Aragorn para

ajudá-lo em minha defesa. Todos armados.

Enquanto Aragorn lutava com aquele soldado, Soleh me alcançou e Hanna pegava

minhas coisas espalhadas. Ambas me tiraram do quarto acompanhadas por uma comitiva de

homens e mulheres todos preparados para uma guerra.

- Aragorn! – eu gritei preocupada enquanto Soleh e Hanna enfiavam minhas roupas em

mim enquanto me empurravam para fora.

- Vá com elas! – ele gritou de volta – estou bem atrás de você.

Entramos em uma sala e ali pude respirar um pouco, mas Aragorn ainda não tinha

chegado e elas continuavam me vestindo. Quando finalmente estava vestida e pude pegar meu

bastão me senti mais segura, e uma nuvem entrou pela janela da sala deixando Soleh e Hanna

alertas.

Vários homens se materializaram. Quatro ou cinco, não deu para saber direito, pois eles

vieram para cima de nós tanto em forma de fumaça quanto em matéria, e não era possível contá-

los.

As garotas lutavam com agilidade. Eu tentava também fazer alguma coisa com meu

bastão e em nossa luta fomos levadas para fora da sala alcançando o jardim.

As crianças que antes brincavam foram recolhidas as pressas por seus pais e por adultos

que pegos de surpresa não sabiam o que estava acontecendo.

E finalmente Aragorn veio correndo para meu lado.

Uma verdadeira guerra se iniciou no jardim que à poucos minutos atrás era palco para

festa de aniversário de Naske que também lutava contra os Drevors.

Aragorn pegue Melissa e vá. Ocuparemos eles aqui para dar vantagem a vocês.

Aragorn me puxou pelo braço.

- Aqui Aragorn!... aqui!- uma das filhas de Naske acenava nos chamando para trás da

casa.

Aragorn precisou se livrar de dois Drevors que nos perseguiram, só então chegamos até

a garota.

- Vou abrir um portal para vocês. Não vão conseguir ir muito longe, mas será o

suficiente para que os Drevors não os rastreiem e não os alcancem.

- Milla, e vocês? – Aragorn se preocupou em deixar seu amigo e sua família.

- Aragorn... não se preocupe. Esqueceu que fomos nós que te ensinamos a usar a

espada?

Ele sorriu preocupado.

Ela bateu duas pedras que estavam em suas mãos, uma na outra provocando um

pequeno lampejo de luz e uma fissura se abriu no ar.

- Vão!

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Aragorn me empurrou fissura adentro e agradeceu a sua amiga antiga com um sorriso e

entrou em seguida.

Do outro lado do portal. Estava tudo calmo e só o som de águas correndo se era ouvido.

Me senti desnorteada ao sair de um campo de batalha onde os sons agudos de espadas se

chocando e de pessoas gritando davam a impressão de que nunca acabariam e de repente me vi

num lugar que de tão calmo estava me dando nos nervos.

CAPÍTULO 11

Enormes paredões de rochas nos cercavam que de tão altos apenas uma estreita faixa

azul se podia ver do céu de Andaluz.

- Onde estamos? – perguntei um pouco alto de mais e o eco da minha voz ressoou nas

paredes rochosas.

- Seguros – Aragorn respondeu sem fazer eco. – Milla nos mandou para o vale do

encontro.

- Sei! Quer dizer então que esse é mais um daqueles lugares da sua dimensão onde

alguma coisa esquisita acontece?

- Esquisita? Como assim?

- Igual à fonte de água da verdade...

Ele sorriu.

- Não, é só um lugar deserto e de difícil acesso onde as pessoas vêem aqui para refletir e

encontrar respostas.

- Existe algum oráculo ou coisa parecida por aqui?

- Não que eu saiba. Nós costumávamos brincar aqui quando criança. É um lugar ermo

aonde os Drevors jamais viriam atrás de alguém.

Ele começou a andar e eu o segui.

- Para onde vamos agora?

- Encontrar um lugar para ficar até amanhã.

- Vamos ficar aqui até amanhã?

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- Os Drevors desistirão de nos procurar se não nos encontrarem hoje na trilha mais

óbvia.

Aragorn andava rápido e eu sentia que ele estava inquieto e preocupado.

- O que foi Aragorn, porque esta nervoso?

- Eu não podia deixar Naske lutar sozinho. Sua família corre perigo, principalmente

agora que eles sabem que estivemos lá e que ele não nos entregou.

- Me desculpe.

- Sabe o que eu queria?!- Ele se virou bruscamente me encarando. – queria saber por

que Cordomad esta tão interessado em você! Já quebrei minha cabeça tentando descobrir o

motivo por trás dessa sua viagem... dessa perseguição incansável de Cordomad. O rei não age

assim. Até mesmo quando eu fugi. Ele me perseguiu por um tempo e logo desistiu de mim.

Nunca fui ameaça suficiente para ele me procurar como procura por você.

- Eu sei que tudo isso é culpa minha. Eles não teriam ido até lá se não estivessem atrás

de mim. – falei com remorso.

Baixei meu olhos para o chão rochoso sob meus pés. Aragorn tinha razão de estar

chateado. Alguns dos amigos dele poderiam estar mortos agora, e por minha causa.

O ataque dos Drevors na vila Onoiriono me fez lembra que eu não estava em Andaluz a

passeio, e que minha presença ali só estava causando morte e dor aos outros.

Aragorn parado a minha frente depositava seus olhos em mim e eu me sentia tão

culpada... tão responsável pelo infortúnio dos que acabaram pagando um preço alto pela minha

visita a essa dimensão. Ernst foi o primeiro. Aragorn sempre correndo perigo ao meu lado e

Naske que foi tão hospitaleiro... às crianças as filhas dele. Alguns deles poderiam não ter

escapado no ataque.

Um soluço rompeu em meu peito e de repente eu estava chorando.

Aragorn soltou ao chão sua espada e me puxou para seus braços.

- Me desculpe Melissa – ele me embalava – me desculpe. Só estou preocupado. Não

queria te fazer chorar. Por favor, não chore.

Ele ergueu meu rosto e enxugou com as mãos minhas lágrimas.

- Estou me sentindo tão culpada.

- Não. Nada disso é culpa sua.

- Eu nunca devia ter colocado meus pés nessa dimensão.

- Não diga isso. Esse mundo nunca teve valor sem você aqui.

- Não Aragorn...

- O único culpado é Cordomad. Nada justifica um ataque como esse numa vila inteira só

por causa de uma garota chorona como você.

Eu ri, mas as lágrimas ainda caiam por meu rosto. E ele as enxugou novamente.

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- Esquece isso esta bem. Naske sabe se cuidar e as filhas dele também. Milla não estava

brincando quando disse que eu aprendi a usar a espada com eles. Todos estão bem e você esta

bem. Isso é o que importa.

- Eu só trago confusão para sua vida. Se eu não estivesse aqui você poderia estar agora

em sua ilha.

- E fazendo o que? Garota... não posso negar que sem dúvida, ao seu lado é uma

confusão atrás da outra, mas você trouxe muito mais que confusão pra minha vida. Você trouxe

luz, uma luz que emana de você e que me ilumina por dentro.

Me afastei dele e me sentei numa rocha. Ele expressava seus sentimentos mais uma vez

de forma a me constranger e eu não sabia lidar com isso.

Ele se aproximou se ajoelhou a minha frente, retirou o cabelo que cobria meu rosto.

- Sabe o que eu fazia aqui em Andaluz antes de você chegar?

Olhei para ele admirada em como ele era capaz de me tratar de uma forma tão carinhosa

apesar de eu ser um estorvo na vida dele.

- Não. - Respondi entristecida.

- Esperava por você. – me deu o sorriso que eu já amava e ajeitou minha franja.

Baixei os olhos constrangida.

- E já que esta aqui, não quero te ver chorando, nem com essa carinha triste. – ele se

levantou me puxando com ele.

- Aragorn... Você não existe. – falei agradecida pelo consolo.

- É bom que eu exista, ou você estará perdida com Cordomad atrás de você.

Passei a andar ao seu lado, e até me sentia melhor com o carinho de Aragorn, mas uma

coisa não saia da minha cabeça. Era sim minha culpa tudo que estava acontecendo, e o pior,

além de ser culpa minha a perseguição de Cordomad, era também culpa minha em que Aragorn

não sabia de nada e por isso me tratava dessa forma.

Eu estava tão cansada de ter que esconder a verdade. Aragorn podia ter sido tão menos

nobre ontem e arrancado toda a verdade de mim. Eu sei, ele me poupou de fazer algo que eu

não queria realmente, mas estava impulsionada a fazer sob efeito da bebida, e ele temeu que eu

me arrependesse, ou que ficasse com raiva dele por ter se aproveitado de mim, e as duas

opiniões dele estão certas, mas hoje eu teria um peso a menos para carregar. Talvez sozinha...

poderia estar sozinha agora, mas não estaria com esse peso no coração por estar enganando

Aragorn que é uma pessoa extraordinária, e me trata de uma forma que eu não mereço.

Ele deixou seus amigos, amigos de infância. Pessoas que cresceram com ele... E ele os

deixou para trás para me manter em segurança. E eu sabendo de tudo, sabendo o quanto eu não

devia deixar agir assim comigo.

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E o que foi aquilo ontem? Que história foi aquela de dizer a Aragorn que queria beijá-

lo?! Como eu posso ser tão cruel assim. Não posso ficar com Aragorn e ainda assim deixo meus

confusos sentimentos dar esperanças a ele.

Aguazinha ordinária. E ele ainda me afirmou que não iria esquecer o que eu disse. E

com certeza não esqueceria mesmo.

- ...O que acha?

- O que? – perguntei surpresa já que não tinha ouvido Aragorn falar comigo.

Ele parou e me encarou.

- Não ouviu nada do que eu disse, não foi?

- Estava distraída.

- Pensando em...

- Em ontem à noite Aragorn, com o que eu disse e no b...

- Vai querer tentar se explicar? Não há nada que você diga que mude o fato de que você

queria me beijar ontem à noite.

- Seu sei mas...

- Mas você não pode... não deve... não é certo... Já ouvi isso garota.

Ele andou até mim me sufocando com seu olhar.

- Porque você não para de lutar contra si mesma?

- Eu...

Ele se aproximou mais e tudo em mim se abalou.

- Você?!

- Eu...

- Estou esperando...

Com dificuldade consegui passar por ele.

- Estou com fome.

Ele deixou percebendo que eu estava fugindo dele e do assunto que eu mesma tinha

começado. Respirou desgostoso e voltou a caminhar.

- Vou preparar algo para você.

Agradecida por ele não insistir, caminhei ao seu lado até a beira do rio.

Quando a noite chegou, ao redor da fogueira, eu via Aragorn cuidando de suas armas.

Seu arco, suas flechas, sua espada. Seus olhos estavam distantes ainda que olhassem para o

brilho do metal. Seus pensamentos também.

Ele não estava no seu normal. Estava ansioso e preocupado e com certeza chateado

comigo por ter fugido do assunto mais cedo.

Ele mesmo me disse que queria ouvir de mim, no meu normal, o que tinha dito para ele

ontem à noite sob o efeito da água do poço.

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Eu sabia que se eu fizesse isso faria dele o homem mais feliz de Andaluz. Mas, eu não

podia.

E não podia ver ele chateado desse jeito.

- Aragorn você sabe o que é feito pra comer mais não se come?

Sem mover a cabeça ele ergueu os olhos para mim já sabendo que eu iria bombardeá-lo

com minhas piadas até fazê-lo rir.

- Não.

- O talher.

Ele continuou afiando sua espada.

- Sabe por que o trem apita na estação?

Ele nem ergueu o olhar.

- Porque o maquinista puxa a cordinha.

Ele não me deu bola.

- Sabe qual a diferença entre um gato e um sabonete?

Esperei.

- Tome banho com os dois. O que te deixar todo arranhado é o gato.

- Melissa... – ele embainhou a espada e me olhou sério. – eu não entendo as piadas que

você faz com as coisas do seu mundo. Não sei como são as coisas por lá. Nada é familiar para

mim. Nem os sentimentos do seu povo eu conheço. Por isso estou quieto. Pensando... tentando

desvendar você. Tentando descobrir porque você foge tanto.

- Aragorn, eu só quero que você sorria um pouco. Fico apreensiva quando te vejo com

essa cara. Você é sempre tão tranqüilo.

- Quer me ver sorrir? É só me falar o que quero ouvir.

Ele caminhou até mim, me puxando pelo braço a me levantar e estar a centímetros dele.

Eu podia sentir o calor do seu hálito doce.

- Você pode garota... eu ouvi desses mesmos lábios que estão a minha frente ontem...

ouvi você dizer que... eu sei que é verdade. Então porque não diz?

- O que o cavalo foi fazer no orelhão?

- Melissa! – ele falou indignado me soltando e voltando para seu lugar, irritado.

- Desculpe... eu só não posso.

Me sentei novamente agora procurando minha capa para me deitar e deixar Aragorn em

paz. Tentando melhorar o clima entre nós eu estava piorando tudo. Ele devia pensar que eu

estava brincando com os sentimentos dele.

Demorei em dormir, pensando em que essa situação já tinha ido longe demais. Eu tinha

realmente que dar um jeito nisso. E o melhor a fazer seria contar de uma vez a verdade. Eu já

tinha planejado isso. Já tinha decidido isso. E era isso que eu iria fazer.

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Me virei para ele na intenção de esclarecer tudo logo de uma vez, e quando vi que ele

me olhava já sem nenhum traço de irritação ou magoa, perdi a coragem. Como eu poderia

magoá-lo assim?

- Já sei garota. Você ainda quer saber se eu sei o que o cavalo foi fazer no orelhão?

Sorri aliviada. Pelo menos por essa noite eu ainda teria a companhia dele sem me odiar

ou tentar me matar.

- Você sabe?

- Não.

- Foi dar um trote.

- Me diga uma coisa. Alguém em sua dimensão conseguia rir disso?

- Na verdade só minha mãe e meu irmão.

E me lembrei do dia em que adquiri essa mania boba.

Minha mãe e Biel estavam preocupados comigo me achando muito deprimida, então

para fingir que estava tudo bem eu começava a contar as piadas que eu já tinha ouvido por aí.

Assim como Aragorn eles riam mais da minha cara do que da piada em si, e isso me ajudava a

esquecer meus problemas... minha dor. A me esquecer que eu nunca tinha contado uma piada

ridícula como essa para Jeziel. E pensar nele agora me deprimiu.

Me virei de costas novamente e me cobri com a capa.

Porque mesmo depois desse tempo todo, eu ainda sofria quando me lembrava dele?

De manhã quando acordei, estava me sentindo muito mal. Mal com toda aquela

situação. Com todo segredo, com todas às vezes que eu deixava Aragorn pensar que eu poderia

querer algo com ele. Mal pelo fato de Aragorn ser o que era, e eu, mesquinha e vil

aproveitadora. Mal também por ter demorado a dormir já que Aragorn não cantarolou sua

música e eu agitada passei boa parte do tempo pensando em tudo que passei com Jeziel. Tanto

os momentos bons quanto os ruins. E por sentir que ainda faltava muito para toda essa história

se desenrolar de fato, e eu finalmente poder ter paz e voltar para casa.

Desmontamos acampamento e prosseguimos a viagem.

O caminho era horrível. Pedregoso, irregular, em declive, pouquíssimas árvores e

pouquíssimas sombras. E nessa manhã nenhuma conversa entre mim e Aragorn. Ele ainda

estava chateado. Paciente e cuidadoso comigo como sempre, mas ainda chateado.

E aquilo estava partindo meu coração.

Continuamos andando e calados por todo o caminho até que de repente ele parou.

- O que foi? - perguntei surpresa.

Ele largou a mochila que carregava nos ombro no chão e me encarou.

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Estava apreensivo e seus olhos de ouro pareciam querer ver minha alma. E eu podia ler

em seus olhos sua alma dizendo: “Faça alguma coisa Melissa... eu não agüento mais.”

Então eu soube mais uma vez o quanto estava fazendo mal a ele. Deixando ele esperar

por mim.

E o mal estar que me perseguia por toda a manhã chegou a seu ápice. Olhar para

Aragorn esperando algo de mim, e eu ali sem reação querendo criar coragem para fazer o que

ele esperava, me fez me revoltar contra mim mesma.

E ele ainda esperou por algum tempo, e então desistiu.

Sem falar nada, no mesmo rompante que ele largou a mochila, ele a pegou e jogou sobre

seus ombros e voltou a andar.

E eu cheguei ao meu limite. Não podia de maneira alguma deixar as coisas como

estavam. Precisava também aliviar a dor de Aragorn e contar de uma vez por todas, a verdade.

Era a oportunidade que ele me deu. A parada dramática dele foi a minha deixa. Mas

como sempre ele achou que eu iria continuar calada ou fazer alguma piada e fugir do assunto.

Não dessa vez. Não era justo com ele deixá-lo daquela maneira.

Já estava decidida que iria lhe contar o meu real motivo para estar em Andaluz e esse

me pareceu o momento ideal.

Andei adiantando o passo pelo piso de cascalho irregular para alcançá-lo.

- Aragorn, preciso falar uma coisa. – lhe chamei.

Ele se virou para mim e pela expressão que viu em meu rosto, sabia que finalmente o

mistério iria chegar ao fim.

Capítulo 12

Enquanto caminhava decidida até Aragorn, me lembrava que foi exatamente

isso que eu odiei em Jeziel sobre Raika. Ele me iludiu. Me deixou acreditar que estava tudo bem

e não me contou a verdade, que ele e Ernest acreditavam de que ela era a sua escolhida e não eu.

Eu o critiquei por não ter me contado a verdade. E agora estava agindo da mesma forma com

Aragorn.

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Aragorn esperava eu me aproximar mais, e meu coração se angustiava na

expectativa de como seria sua reação ao me ouvir. E eu estava com medo.

Ele estava ansioso por me ouvir e eu estava apavorada por ter que falar. Ele iria

provavelmente me odiar. Eu sabia disso. Ele iria me considerar uma criatura desprezível, ele iria

se sentir usado, e com razão. Mas se ele me desse a chance de explicar meus motivos, ainda que

eu não conseguisse pensar em nenhum que fosse realmente forte agora para ter escondido dele

por tanto tempo...

E quando a poucos metros de Aragorn dei um passo mais ativo em sua direção,

para que eu conseguisse alcançá-lo antes da minha coragem ir embora, uma pedra solta rolou

me desequilibrando e fazendo que meu pé esquerdo entrasse numa fissura entre cascalhos. A

dor aguda que vinha de minha perna me fez cair e Aragorn me socorreu.

Delicadamente ele retirou meu pé dentre as pedras. A dor era muito forte.

Ele me examinou.

- Você torceu o tornozelo – Disse.

- Ah não... ai... - choraminguei pela dor - E agora?

- Vamos ter que arrumar um lugar para você descansar, não pode andar desse

jeito.

Ele me suspendeu no colo preocupado, se esquecendo totalmente que eu queria

lhe falar a verdade, e minha deixa se foi, e o cuidado dele comigo espantou minha coragem

também. Eu teria que esperar por outra oportunidade.

Aragorn andou comigo durante horas nos braços. Meus cinquenta e quatro

quilos não pareciam estar o incomodando. Meu tornozelo latejava.

Avistamos uma pequena casa no alto de uma montanha e Aragorn subiu comigo

até lá. Ao chegar no alto ele me colocou sentada sobre uma pedra e foi até a casa verificar se

havia alguém.

Uma mulher de cabelos brancos tão longos que mais pareciam suas vestes abriu

a porta surpresa com a inesperada visita. Mesmo distante eu podia ver seu rosto envelhecido

pela idade, mas muito agradável. Aragorn lhe falou algo que não deu para eu ouvir pela

distância, mas ela abriu um largo sorriso e olhou para mim solidariamente. Gesticulou falando

com ele e Aragorn veio até a mim me pegando no colo novamente e me introduzindo na casa da

velha senhora.

- Olá linda menina, seja bem vinda em minha casa. Ela é simples, mas abrigara

muito bem os amigos.

- Obrigada – Respondi sinceramente diante da cordialidade da senhora.

- Meu nome é Luna e vocês podem ficar aqui pelo tempo que precisar – Ela

estava alegre com nossa presença. Feliz em receber visitas naquele ermo lugar.

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Aragorn me sentou numa banqueta enquanto a Sr. Luna trazia uma lata

enferrujada com uma papa escura de cheiro forte.

Aragorn se ajoelhou na minha frente tirando minha bota com cuidado e meteu a

mão na papa estranha aplicando uma boa quantidade sobre meu tornozelo inchado.

- Isso vai ajudar a tirar a dor e o inchaço e depois de um bom repouso você vai

estar boa novamente. – Aragorn estava excessivamente atencioso e preocupado. Cada gemido

que eu dava me olhava como se tivesse culpa pela minha dor. Envolveu meu pé numa atadura

improvisada e me carregou até uma cama que Sr. Luna preparara para mim.

- Deite-a aqui – Disse a Sr. Luna – Ela precisa descansar agora.

- Obrigado por nos receber. – Disse Aragorn.

- Ah meus queridos eu queria poder recebê-los bem melhor mais uma mulher

velha como eu já não tem a disposição de outrora. Eu poderia fazer um belo almoço, mas só

tenho verduras, a tempos que não caço. – Ela se lamentava de uma forma exagerada.

Aragorn revirou os olhos para mim teatralmente com o sorriso maroto que já me

agradava de uma forma tão familiar.

- Eu vou caçar então. Já que a senhora esta nos ajudando tanto, terei uma forma

de agradecer.

- Ah meu, filho você faria isso para essa pobre velhinha? – Ela se animou – Já

que vai mesmo caçar pode me trazer um Caiutu. Carne de Caiutu, é a minha preferida. Eles são

muito velozes não conseguiria nem que tentasse, mas você é um jovem forte e ágil. – ela

cutucava os braços musculosos dele. – E sei que consegue.

- Caiutu?- Aragorn parecia se sentir explorado – Certo.

Ele apanhou suas armas que havia deixado na entrada da casa e me deu mais

uma olhada e saiu para caçar.

Fiquei deitada olhando Sr. Luna andar agitada de um lado por outro falando

sobre o almoço, mas não me pareceu que ela falava realmente comigo. Já estava ficando tonta

de vê-la girar como um redemoinho dentro da minúscula casa que abrigava tanta tralha.

Eu não saberia dizer para que servia nem duas ou três das coisas que vi naquele

lugar, mas ela manuseava muito bem tudo aquilo. O cheiro que vinha das panelas começou a

encher a casa me lembrando que eu estava com fome.

- O seu amado se preocupa muito com você – Ela se sentou na beira da cama

me entregando uma fruta.

- Ele não é meu amado, é meu amigo. - Peguei a fruta.

- Mas você é a amada dele. Sabe disso não sabe? – Ela me olhou

profundamente. Claro que sabe.

- Ele é só meu amigo – Reforcei.

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- Grandes amores começam das amizades. E você não me parece ter tanta

certeza de que ele é só um amigo.

Olhei meio confusa para aquela mulher. Porque todo mundo agora tinha se

determinado a me fazer pensar em Aragorn como alguém mais que um amigo?

- Porque esta dizendo isso?

- Porque se você tivesse tanta certeza do que esta me dizendo já teria contado a

ele a verdade.

Aquela mulher estava me confrontando num momento estranho. Ela não tinha

como saber a verdade. Ou de que verdade ela estava falando?

- Você sabe que vai partir o coração dele. Por isso não fala. E se você se

importa é porque o sentimento já passou da amizade. Amigo agente não perde quando fala a

verdade. Pelo contrário. A amizade se fortalece. Você tem medo de perdê-lo.

- Não. Eu iria falar tudo para ele a horas atrás mas a maldita pedra que tropecei

me atrapalhou. – De repente entrei no clima da conversa como se ela pudesse realmente saber

do que eu estaria falando.

- As pedras do caminho nem sempre são para atrapalhar. Se um atirador de

funda encontra pedras em sua estrada ele as usa para se defender. Se a pedra for grande serve

para se esconder.

- Mas eu tropecei por acaso, se não fosse isso eu teria falado tudo a ele.

- Talvez o destino tenha te dado mais uma chance de pensar direito no que vai

dizer.

- Se a Senhora soubesse o que tenho para contar...

- Que você tem outro amor em seu coração? - Ela me interrompeu me

assombrando com sua revelação. – Menina. Eu sei mais do que você possa imaginar.

Olhei para ela espantada.

- O que a senhora sabe?

- Sei quem é você, sei de onde veio, e o que esta fazendo aqui. Futura rainha de

Andaluz.

- Como pode?! - Perguntei assustada. Quando me movi meu pé doeu

novamente.

- Meu dom é entrar em qualquer bloqueio mental. Não há segredos para mim. -

ela me acomodou novamente sobre o travesseiro.

- A senhora consegue ver minha mente?! - perguntei perplexa.

- A dele também. E de qualquer pessoa que se aproximar de mim.

- Por favor não fale nada a ele. – Supliquei.

- Não vou falar. – Ela sorriu gentilmente.

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Ela podia ler meu pensamento. Não estava muito a vontade com isso. Que dom

mais inconveniente. E ela percebeu.

- Por isso me isolei neste lugar. – Ela se justificava - As pessoas que me

cercavam não tinham... Digamos, pensamentos muito bons a meu respeito, e então depois que

meu marido morreu preferi viver sozinha a ter que ver todos os dias os pensamentos dos outros

sobre mim.

- Desculpe, eu não quis te aborrecer eu só...

- Não se preocupe, eu sei que você não pensou por mau.

Admirada quis saber mais detalhes.

- Mas porque eles pensavam mal da senhora?

- Porque eu ousei amar. – Meus olhos nos dela perguntavam sobre o que ela

estava falando.

- Menina, quando eu era jovem como você, meus pais tinham grandes planos

para mim. Havia uma profecia na minha vida assim como há na sua, mas eu queria ser dona do

meu destino. E viver por minhas próprias escolhas e não pelo que estaria determinado a mim

antes de eu nascer. – Ela olhava um ponto fixo na parede sobre minha cabeça e me contava sua

história - O tal do meu amor prometido era uma pessoa boa, trabalhadora e bem bonito até. Não

podia dizer que não gostava dele quando estávamos juntos éramos como um só, mas eu nunca

havia conhecido mais ninguém além dele, então estava já conformada que ele seria o homem da

minha vida. E antes de chegar a idade de me casar. Eu conheci um rapaz que veio de viagem do

outro lado do mar de Andaluz. E ele era tão lindo e fazia meu coração bater forte quando se

aproximava. Eu não entendia porque, afinal eu já tinha o amor para vida toda. Mas algo nele me

inspirava. Então depois de um tempo tive que tomar uma decisão. De ficar com quem eu devia

ou com quem eu queria. E depois da decisão meus pais jamais olharam para mim de novo.

Toda a cidade me tratava com desprezo. Eu fui um escândalo para todos. Eu

quebrei as regras. Hoje é normal você poder escolher com quem quer ficar, mas no meu tempo

era como uma blasfêmia. Enxotaram-me da cidade, mas todos os povoados das outras já sabiam

o que eu tinha feito e cada pensamento deles era uma acusação a mim.

Mas não me arrependo de nada. Vivi pouco tempo com meu amado, mas foram

os anos mais felizes da minha vida.

- Sr. Luna, como teve a certeza de qual escolher? Pois a Sra. Disse que gostava

do seu prometido.

- É verdade, Mas, O amor tem que vencer o amor. O amor tem que vencer a si

mesmo. Para se ter o que é verdadeiro tem que se escolher entre os outros.

- Outros amores falsos? - Eu estava confusa.

- Não querida, os amores nunca são falsos. Só mudam de intensidade.

- Mas eu acredito num amor só, um único amor verdadeiro.

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- Para se saber o que é verdadeiro tem que se provar o que não é. Todos somos

capazes de amar várias pessoas em graus diferentes, não existe só um amor... Dizer que um

amor é verdadeiro ou não é um pouco presunçoso. Mas podemos escolher entre o que fala mais

alto em nossa vida.

- Isso não parece ter razão alguma.

- A razão pode ser pura loucura - Ela dizia abrindo os braços para o céu.

- Eu prefiro ouvir meu coração – Disse querendo parecer poética.

- O coração nem sempre esta certo, ele muitas vezes se deixa levar pelo que a

razão louca nos diz.

- Então podemos amar mais de uma pessoa?

- A cada uma delas entregamos uma porção desse amor que esta em nós até

escolhermos quem merece tê-lo por inteiro.

- Eu vim pelo Leo – Falei sem perceber que estava falando de meus sentimentos

a uma estranha. – Eu vim à Andaluz para encontrá-lo.

- Tem certeza disso? Quem sabe o destino não te pregou uma peça. Te trouxe

aqui por um caminho para te levar a outro.

- Você acha que eu teria vindo de outra dimensão para salvar o Leo e me

encontrar com Aragorn e me apaixonar por ele? Que sentido teria isso tudo?

- Aragorn não iria lá te buscar, iria? – Ele não sabia de você nem dessa outra

dimensão. Para se chegar a algum lugar há vários caminhos e cada uma das estradas trás uma

paisagem diferente. Talvez Jeziel tenha sido um caminho de paisagem diferente para te levar no

lugar correto.

Ouvi-la falando o nome dele depois de tantos dias sem ouvir mais ninguém

dizê-lo me doeu o coração.

- Eu amo Jeziel.

- Claro. Eu vejo que o ama, mas também ama Aragorn.

Toda aquela conversa estava me deixando ainda mais confusa.

- É um amor diferente que sinto por Aragorn. Não é como o que sinto por Jeziel.

Com Aragorn me sinto protegida, confiante, segura. Mas Jeziel me faz sentir como se minha

vida dependesse dele. Minha alegria, meu respirar, o bater do meu coração anda no compasso

do dele. Jeziel é... parte de mim.

- Mas tem outra parte em você que quer o que esta em Aragorn. São

sentimentos diferentes. E tão confusos, e tão fortes. Eu posso ver isso em você minha pequena.

- O que eu faço? – Perguntei angustiada tapando o rosto com as mãos.

- O que se sente aqui na pele... – Ela esfregava sua mão sobre a pele de meu

braço - É tão forte como a própria vida. É difícil de resistir a essas vontades. E se entregar a elas

pode te fazer a pessoa mais feliz ou a mais infeliz de todo universo. Por hora o que te faz feliz,

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depois pode ser sua maior fonte de infelicidade. Você terá que ouvir a voz que falar mais alto

em você.

- Sra. Luna, meu coração fala uma coisa minha razão fala outra. Eu não sei a

quem ouvir.

- A algo mais forte que a razão e o coração. Quando ambos parecem não ter

sentido, quando o coração parar de bater, Quem respondera pelos dois? Só aí terá a resposta

certa para todas as escolhas. Ouça além do coração, além da razão.

- Mas eu sou feliz com Leo e me sinto tão bem com Aragorn. É tudo muito

confuso.

- A nossa felicidade o nosso bem estar não prova o amor. O nosso empenho em

fazer o outro feliz, em querer vê-lo feliz é que é a prova de que amamos verdadeiramente.

Mesmo que precisamos deixá-lo partir e ser feliz em outro lugar sem nós.

Aragorn entrou pela porta. Trazendo vários animais mortos pendurados em uma

grande vara encerrando nossa conversa. Sr. Luna pulou animadíssima da cama.

- Meu filho você deve ter caçado todos os Caiutus dessa região. Isso é bom,

teremos carne boa por vários dias. - Ela pegou a vara se retirando para fora. - Faça companhia a

Melissa enquanto eu limpo eles.

- Esta melhor? – Ele me perguntou num tom carinhoso.

- Parou de doer - Respondi a ele num tom de voz mais doce do que o de

costume, sensibilizada com seu cuidado. Ou pela conversa que tive com Sra. Luna.

- Fico feliz com isso. Você dança muito bem para ficar com o pé machucado.

Ele se sentou ao meu lado na beira da cama e olhou para meu pé.

- Isso vai nos atrasar alguns dias. - Eu falei preocupada.

- Você estava mesmo precisando de um descanso. E de uma companhia além da

minha. Já devia estar cansada.

- A Sra. Luna é gentil, mas sua companhia nunca me foi cansativa. A minha é

que já deve estar te cansando.

- Você sabe que eu quero mais do que só sua companhia.

- Aragorn eu...

- Tudo bem, - Ele me interrompeu - Só quero que você não esqueça que ainda

estou esperando por sua decisão. E cada dia de espera é uma eternidade para mim. Imagino que

você iria me contar alguma coisa antes de se machucar, e quando estiver pronta para me falar...

- Me dê mais um tempo. – Eu pedi.

Eu estava decidida à algumas horas atrás, mas depois da conversa com Sra.

Luna já não sabia o que dizer.

- o tempo que você quiser. – Ele arrumou minha franja daquele jeito especial e

saiu me deixando sozinha na casa.

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Eu precisava mesmo pensar no que era certo, no que eu estava sentindo e no que

eu queria fazer. O que não estava sendo fácil de decidir.

Capítulo 13

Nos dias seguintes enquanto Aragorn andava pela propriedade da Sra. Luna

eu tinha tempo de conversar com ela. Muito sábia, ela me ajudava a decifrar meus sentimentos e

pouco a pouco eu percebia que ela tinha razão. Aragorn era muito importante pra mim e eu não

podia mais ignorar isso. Aragorn nesse momento era como o céu sobre minha cabeça, firme,

infinito e estaria ali sempre que eu olhasse para ele. Não importa se de dia ou de noite, se

quando tudo vai mal ou quando tudo vai bem, ele sempre esteve ali desde que entrou em minha

vida. Meu esteio.

Aragorn nesse momento da minha vida era meu céu. E diante de toda a minha situação

nessa dimensão, nessa complicada história, eu precisava desse céu, mesmo que fosse só para

olhar para ele, e com certeza não podia me ariscar a perdê-lo.

Cada momento na casa de Luna, os momentos em que ele não estava fazendo algum

tipo de serviço para a sábia senhora, ele ficava perto de mim me animando e sempre com o rosto

preocupado.

- O que há Aragorn? Você parece chateado.

Ele olhou para meu pé descansando sobre uma banqueta.

- Ainda esta doendo?

- Você não esta com essa cara por causa do meu tornozelo, esta?

- Eu devia ter te ajudado a caminhar naquele terreno pedregoso.

- Aragorn, é só uma torção. Logo estarei bem.

- Não tenho palavras pra te explicar o quanto não quero que nada te faça mal.

Meu Deus... Ele era tão sincero e profundo em seus sentimentos que me perturbava. E

os olhos dele tão cheios de zelo e de verdade que me sufocavam.

- Aragorn, você não pode me proteger de tudo. – brinquei tentando disfarçar o quanto

a frase dele mexeu comigo.

- Eu vou. Vou te proteger de tudo garota. Sempre.

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Vários dias esperando que meu pé melhorasse na companhia atenciosa da Sra. Luna

com Aragorn servindo de escravo sem reclamar. Concertando o telhado, buscando água no poço

e reformando algumas das mobílias velhas.

Antes do fim daquela tarde já estava sentindo meu pé bem melhor. Já tinha

desinchado, eu estava podendo apoiá-lo um pouco e a noite nos sentamos na varanda olhando a

noite nublada. Algo diferente do céu sempre estrelado e claro de Andaluz.

Por todos esses dias tinha evitado olhar muito para Aragorn, mas depois da conversa

que tive com a Sra. Luna não podia parar de observá-lo e analisar para chegar a uma conclusão

do que estaria sentindo por ele.

Me lembrei de que ele sempre observava as estrelas a noite e andei com dificuldade

até a amurada de madeira da varanda sob a companhia do olhar de Aragorn.

Ultimamente ele sempre disfarçava quando olhava para mim. Me dando o tempo que

eu lhe havia pedido. Mas ainda assim senti seu olhar nas minhas costas.

- Você não cantou mais antes de dormir. - Falei observando o céu de nuvens. Sem ver

as estrelas.

- Você não precisou que eu cantasse.

- Só vai cantar se eu precisar de um calmante para dormir? - Falei brincando.

- Ou se você pedir.

- Queria ouvir você cantar. – pedi - Sem me fazer dormir. – Completei.

- Quer me ouvir cantar... Para você? – Sua voz era de surpresa. Ele deve ter imaginado

que meu pedido seria um convite ou um sinal do que ele esperava que eu decidisse em relação a

nós.

Dei um passo girando meu corpo para vê-lo e o pé doeu me fazendo gemer. Ele num

átimo me sustentou com a mão. Nossos olhos se cruzaram e pararam ali por alguns minutos

enquanto estávamos em silêncio.

Eu já estava disposta a sentar novamente quando ele brincou suavizando o clima.

- Tem certeza que não vai morrer de tédio?

Eu sorri me virando para o parapeito novamente.

- Antes disso ateio fogo em você.

Aragorn sustentou meu corpo colado de costas ao dele e com uma mão me abraçou

pela cintura tirando o peso do meu pé. Recostei-me tranquilamente em seu peito. Era muito

agradável estar tão próxima a ele novamente. Ele entrelaçou a outra mão na minha e nossa...

Estava muito bom ficar ali.

Ele começou a cantarolar a música que já me era tão familiar e reconfortante. Ao som

da sua música eu sempre me sentia livre e forte. Mesmo acordada eu sentia que poderia fazer

qualquer coisa. Não era como uma indução para que eu fizesse algo que me mandassem, era

mais como uma chave para abrir e liberar o que estava dentro de mim.

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E eu quis aproveitar esse momento. Não neguei a nenhum dos meus sentidos o prazer

de vivenciar o que eles estavam querendo. O bem estar, o aconchego, a segurança, e o prazer de

estar nos braços de Aragorn. E me permitir sentir também o calor e o desejo que irradiava do

meu corpo. E fiquei por bastante tempo assim, aconchegada em seus braços ouvindo sua

canção.

Pela primeira vez tive desejo de que ele visse um pouco do que estava pensando.

Desbloqueei minha mente para ele. Eu sabia que ele não usaria isso contra mim, não rastrearia

meu passado nem minhas lembranças por curiosidade. Confiei que ele somente veria o que eu

queria que ele visse. Eu sabia que ele merecia e ficaria feliz em saber que estar com ele agora

era o que eu queria. E ele viu. E com os dois braços me apertou carinhosamente. Beijou o alto

da minha cabeça. Encaixei meus braços junto aos dele e me deixei embalar.

Ele não cantava mais com os lábios, mas a voz dele estava em minha mente. E quando

ele me girou no laço de seus braços para que eu ficasse de frente, seus olhos de ouro intensos

nos meus completou a frase que o ouvir recitar em minha mente.

- Eu te amo Melissa. – Sua voz ecoava em minha mente - Encontrar você foi a melhor

coisa que aconteceu em toda a minha vida. E também estou feliz por estar aqui com você.

Houve uma comoção em meu coração. Era tão mágico ouvi-lo falar dessa maneira. Eu

senti um prazer imensurável em ouvi-lo. Eu sabia desse amor, e sentir amada é maravilhoso.

Então percebi o que me atraía nele. O seu amor por mim me atraía. Por ele me amar me fazendo

sentir bem, querida e protegida como se nada pudesse me atingir junto a ele. A meu céu infinito.

Estando com ele, queria ficar exatamente onde eu estava. Suas mãos deslizaram pelos

meus cabelos, e eu vi a admiração que ele olhava meu rosto e sentia o calor emanar da palma de

suas mãos, bastava uma só coisa, eu sabia que ele esperava por isso, bastava eu fechar meus

olhos e seus lábios encontrariam os meus, eu poderia fazer isso. Eu queria fechar os olhos, mas

continuei olhando para ele.

Seus dedos correram carinhosamente por minha franja e em minha mente ele viu que

eu sempre questionava esse ato.

- É só mais uma forma de dizer... Te amo – confessou me esclarecendo.

Meu coração reagiu. Ergui minha mão e desenhei os traços perfeitos de seu rosto na

ponta de meus dedos. Aquele rosto de homem era tão suave ao toque e ao mesmo tempo tão

firme, tão jovem, tão belo. Aragorn fechou os olhos se entregando ao meu carinho e então

sucumbi ao seu amor. Adorei seu rosto de anjo e o quis para mim. Quis mesmo Aragorn para

mim.

Neste momento, enquanto me apossava dele com a ponta de meus dedos, as nuvens

que cobriam o céu se dissiparam revelando o infinito da noite, e pela primeira vez desde que eu

havia chegado a Andaluz a lua apareceu no céu. Linda, branca e resplandecente como nenhuma

lua além daquela poderia ser.

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O colar de Leo acendeu em meu peito e percebendo seu brilho azul refletir no rosto de

Aragorn, num pulo que fez meu pé doer novamente me afastei dele, levantando novamente o

meu bloqueio mental.

Ele ainda segurou minha mão. O olhar dele em mim me fez sentir horrível. Seu olhar

misturava decepção, desapontamento e tristeza. Sra. Luna tinha razão eu iria partir o coração

dele. Não era isso que eu queria... Não mesmo. Não era justo com ele.

- Melissa, o que foi? Você estava comigo agora e se fechou de novo – Ele não pareceu

unir o brilho do colar a minha reação. - Me fala de uma vez porque você sempre foge. Eu sinto

que não sou indiferente para você, mas você esta sempre voltando atrás. Não vê que esta

acabando comigo?

Abaixei meus olhos. Num silêncio sem resposta. Fechei o pingente na mão tentando

abafar seu brilho tentando com isso abafar a dor que me assolou ao me lembrar de Jeziel.

- E se não quer nada porque me dá esperanças? - Ele parou me olhando e se

aproximou de mim segurando-me pelos ombros. Havia uma mistura de suplica e raiva em seus

olhos. – Sabe, eu já lutei muito e já fui ferido várias vezes, mas nenhuma dor causada por uma

espada pode se comparar com a dor que você me faz sentir quando age assim. – Ele largou

bruscamente meus ombros e se virou de costas. - Não sou seu brinquedo garota – falou nervoso.

- Não estou brincando com você – Soltei o colar segurando seu braço.

- Então o que é? - Ele se voltou para mim irritado – Quando chegamos aqui você iria

me dizer alguma coisa. Fale-me de uma vez.

Era o momento. A oportunidade que eu esperava. Eu iria contar-lhe tudo desde o

começo. E sabia que ele iria me achar uma devassa, uma sem caráter, mas eu teria que enfrentar

isso. Ele provavelmente me deixaria prosseguir sozinha a viajem, mas tudo bem, eu merecia

isso.

Só que eu não conseguia falar. Eu não poderia magoá-lo assim. Não queria vê-lo

sofrer. E me calei novamente.

Quando ele percebeu que eu não contaria nada a ele mais uma vez, arrancou seu braço

da minha mão e saiu andando pela montanha no meio da noite.

- Aragorn! – Gritei para ele tentando me apoiar no corrimão da pequena escada para o

alcançar.

- Deixa querida – Falou Sra. Luna por trás de mim com a mão sobre meu ombro. – Ele

precisa pensar e você também.

- Sra. Luna eu não sei o que esta acontecendo comigo. – Sentei- me na escada

apoiando a cabeça sobre os braços cruzados em cima do joelho.

- Ah querida, você sabe, só não aceita. – Ela se sentou ao meu lado nos degraus.

Levantei minha cabeça olhando para ela angustiada. Ela segurou o colar de Leo que

balançava no meu pescoço brilhando com a luz da lua.

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- Tenho que admitir que não sou indiferente a Aragorn. Porque então algo dentro de

mim grita ainda por Leo? E me diz que não viverei sem ele? – Fiquei com raiva de mim mesma

- Estou me tornando uma leviana.

- Não vulgarize seus sentimentos. O amor nunca é leviano, nem seus atos.

- Eu queria contar a verdade para Aragorn, não acho justo o que estou fazendo a ele.

- Então conte – Disse-me tranquilamente.

- A Senhora tem razão ao dizer que tenho medo de se eu contar, ele se afaste de mim

ou fique com raiva ou me deixe sozinha.

- Dê a ele o direto de escolha. – Ela me encarava – Se o amor dele for tão forte como

eu penso que seja, ele vai fazer a escolha certa. E vai te ajudar na sua escolha também.

- Não sei, acho melhor eu não falar nada. Daqui a alguns dias estarei na montanha

Mayata e passarei o portal sozinha e ele vai para sua ilha e tudo será esquecido.

- Não acho que o que se deixa para traz sem ser resolvido como se deve, seja

esquecido.

- Não tenho muitas opções - Disse a ela me colocando de pé apoiando-me no

corrimão.

O destino sempre nos dá oportunidade de resolvermos nossos problemas e quando não

aproveitamos o que ele nos dá ele acaba arrumando um jeitinho, digamos, diferente para

resolver. Mas nada fica inacabado. Ou esquecido.

- Leo precisa de mim.

- E Aragorn também – Ela falava olhando para as grandes rochas distantes a nossa

frente.

- Já que o destino, como você diz, resolve tudo, porque permitiu que eu conhecesse

Aragorn? Ele não sabe o que vim fazer aqui?

- Claro que sabe. Você pensa que teria chegado até aqui sem Aragorn?

Suspirei irritada.

- Melissa, todas as pessoas que entram em nossa vida fazem parte de um quebra-

cabeças que nos ajudam a montar nossa história. Jeziel, Aragorn e até mesmo eu, estamos como

peças em sua vida e somente depois dele todo montado é que saberá realmente para onde o

destino esta te levando.

Estava tão irritada comigo mesma e com tudo ao meu redor. Todo mundo parecia

culpado aos meus olhos agora. Porque Leo tinha que ter caído na armadilha de Raika? Porque

Ernest morreu? Porque Aragorn não foi embora para sua ilha me deixado seguir sozinha?

Porque Sra. Luna ficava me falando essas coisas? Porque as coisas complicaram tanto para mim

desde que cheguei aqui, será que a vida toda pensei ser alguém que não era? Quem é a

verdadeira Melissa? A de lá, certinha e tímida ou a daqui, Instável e confusa? Não estava me

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reconhecendo. E o que estava sentindo era confuso demais para se ter uma única opinião, ou

para se confiar em destino.

Depois que Sra. Luna entrou ainda fiquei na varanda esperando por Aragorn. Não

poderia dormir sem falar com ele. Doía pensar que ele estivesse com raiva de mim. Eu teria que

acertar as coisas. Conversar. Mas não iria contar a verdade, não agora. Eu não estava preparada

para vê-lo decepcionado comigo. E nem vê-lo magoado. Eu já o tinha magoado o suficiente por

hoje. Mas já tinha me decidido que antes do portal eu contaria tudo e lhe pediria mais um tempo

para que eu pudesse avaliar meus sentimentos. Eu poderia fazer isso, claro que sim, um tempo

para me certificar de quem eu gostava realmente.

Pareceu tão mesquinho e infame meu pensamento que senti vergonha de mim.

Após algumas horas meus olhos avistaram Aragorn saindo da escuridão e andando em

minha direção.

- Não foi dormir? – Ele perguntou secamente.

- Estava esperando você. – Respondi.

- Para que? – Perguntou num tom irônico com um sorriso forçado.

- Aragorn... – Falei suplicante.

- Não sei qual o problema com você garota. – Seu sorriso se desmanchou e sua face se

endureceu - Se você não me quer porque não me deixa em paz? E se me quer porque não quebra

essa resistência agora e fica comigo?

- Não é tão simples – Falei angustiada.

- Porque não? - Perguntou irado. Pela primeira vez o vi sem paciência comigo.

Me virei de costas para ele.

- Quem é? – Sua voz era dura.

- O que?! - Me virei o encarando assustada.

- Quem é o homem que esta entre nós dois? – Havia uma fúria encoberta em seus

olhos - Quem ele é, e onde ele esta? É da sua dimensão? Você me fala e eu sumo da sua vida

para sempre agora mesmo.

Seus olhos de ouro estavam em mim esperando a verdade que pelo jeito ele já

suspeitava. Vi que ele estava me pressionando a falar me ameaçando a lhe contar a verdade.

Mas eu sabia olhando para ele que realmente ele iria embora assim que eu lhe contasse o que

realmente havia.

Sra. Luna tinha razão mais uma vez. Eu devia contar-lhe tudo e lhe dar o direito de

escolha. Mas, e se ele escolhesse partir, o que eu faria? Droga, eu não queria que ele se

afastasse.

- Não há ninguém. – Menti descaradamente com a respiração suspensa. Não podia

deixá-lo partir. E me senti péssima.

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Ele suspirou fundo jogando seus cabelos para trás com as mãos. Não sei se ele

realmente acreditou no que disse ou se só aceitou por hora. Sabia que iria me arrepender pelo

que falei. Eu menti para ele me relação à Jeziel? Mas que espécie de pessoa eu estava me

tornando?

- Quando estava andando sozinho pensei em não voltar. – Ele retirou do bolso uma

pedra pequena lapidada em formato quadrado, esverdeada, a chave do portal para sua ilha – A

montanha já não esta tão longe e a Sra. Luna poderia te ajudar de alguma forma. Não consegui

pensar em simplesmente te deixar. Eu sei que se eu ficar vou me machucar ainda mais. Só que

não estou acostumado a desistir do que quero e no momento em minha vida o que mais quero é

você. – Ele guardou a pedra no bolso novamente. - Eu não conseguiria ficar longe, assim como

vejo que você também não quer ficar de mim. Então vou me arriscar um pouco mais, e retirar a

promessa que fiz de não te tocar. Vou lutar por você com todas as armas que eu tiver.

O que eu estava fazendo? Deixaria ele se iludir mais ainda mesmo sabendo que eu não

poderia ficar com ele? Eu tinha que falar agora mesmo... Eu tinha que contar a verdade...

Vamos Melissa deixe de ser uma criança mesquinha. Você não pode enganá-lo desse

jeito. Abra sua boca agora mesmo e conte a verdade. Sua falsa, sua garota mimada... quer tudo

para você... quem você pensa que é?...

Ele se aproximou erguendo meu queixo com a mão enquanto eu me torturava em

pensamentos.

- Enquanto você não me disser para ir embora eu não vou. Enquanto você me quiser

por perto vou estar ao seu lado, e enquanto ainda houver dúvida no seu coração é porque ainda

tenho chance de te conquistar e enquanto eu ver que tenho essa chance de te ter para mim, vou

lutar por isso. Seja contra quem quer que seja, mesmo contra um exército ou mesmo o exército

de seu pai. Se você quiser... Enquanto você quiser, nada vai tirar você de mim Garota. Nada

nem ninguém.

Nunca havia visto ele falar com tanta determinação.

Segurou meu rosto entre suas mãos me fitando.

- Eu quero você para mim, custe o que custar – Ele aproximou seus lábios nos meus

selando-os possessivamente. E entrou para casa de Luna.

Fiquei ali atordoada, sem reação, enquanto o brilho do colar de Leo diminuía a medida

que a lua desaparecia nas nuvens.

Com a mentira que contei a Aragorn tentando evitar um problema arranjei um maior

ainda. Agora ele iria lutar por nós.

No outro dia de manhã Aragorn se despediu de Luna não antes de abastecer a dispensa

dela com mais caças, verduras, legumes e frutas, e se distanciou permitindo que eu me

despedisse dela com mais privacidade.

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Num abraço carinhoso ela se despedia.

- Lembre-se Melissa, quando o coração se confunde e a mente perde a razão quando a

vida se acaba, ainda há algo mais forte que responde por todos eles. É a única coisa que tem a

resposta certa para todas as suas dúvidas.

- Eu não sei o que pode ser mais forte que tudo isso.

- Você vai saber, e sua escolha vem dela. Está impregnado nela.

- Obrigada por tudo Sra. Luna até pelas palavras que não compreendi - Sorri

- Você vai compreender... E depois venha me visitar assim que puder.

- Eu prometo. - E realmente queria poder vê-la novamente. Desde que cheguei a

Andaluz ela foi á pessoa com quem mais me identifiquei.

Capítulo 14

Aragorn e eu continuamos nossa jornada seguindo pelo caminho árido e

irregular a nossa frente. Parando sempre um pouco mais cedo para montar acampamento e para

prosseguir com meu treinamento que agora estava mais leve. Ele preferia que treinássemos

pouco e tivéssemos mais tempo para conversarmos antes de dormir.

Ele continuava me tratando com todo o cuidado mesmo porque meu pé ainda

doía um pouco, mas agora ele não mantinha distância e eu já estava me preocupando com suas

investidas. Ele não disfarçava mais o olhar e me tocava sempre que podia exageradamente e

desnecessariamente só para que o sentisse bem perto.

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Durante a caminhada eu tentava conversar com ele sobre outras coisas que não

fosse nós dois e até sobre garotas que ele havia conhecido. Sobre Lariana, filha de seu amigo

Erzoul. Ele não desconversava e não se sentia desconfortável em me falar delas como se ele

realmente quisesse que eu conhecesse sua vida regressa.

- Lariana foi uma pessoa especial em minha vida, mas acabamos nos tornando

amigos. – Ele falava naturalmente e detalhadamente de seu relacionamento com ela o que me

gerou uma curiosidade.

- Você ficou com ela, Digo... Intimamente? – Perguntei sem querer parecer

intrometida, mas evidentemente curiosa.

- Somos adultos... É natural que isso aconteça – Ele respondeu com a

naturalidade de sempre.

Senti um amargor na boca e um frio no estomago em lembrar o quanto ela é

linda e ele tão... Bem, ele ficou com ela e isso me incomodou.

Ele olhou meu rosto e sorriu.

- Esta com ciúmes? – Ele falava satisfeito.

- Não. - Tentei disfarçar, mas meu tom de voz me entregou.

- Esta sim - Ele sorriu – Mas se isso te serve de consolo, nunca senti por ela o

que sinto por você.

- Se não a amava porque ficou com ela? – Perguntei azeda não mais disfarçando

o ciúme.

- Ora, o amor tem várias faces. Quem disse que não a amei? Só que não foi forte

o suficiente para nos manter juntos.

- Então você confessa que a amou? – falei confusamente aborrecida. Saber que

ele tinha ficado com ela e quem sabe com quantas mais, me deixou profundamente enciumada.

Algo ele viu em meu rosto que o fez parar e se aproximar.

Ele me segurou pela cintura se curvando sobre mim.

– Eu confesso que amo você mais do que amei qualquer outra pessoa.

Eu tentava me esquivar mais o sorriso maroto dele me prendia. E quando eu

pensava que ele ia me beijar ele se afastava me deixando com cara de boba.

Ele estava me mostrando outro lado de sua personalidade. Um lado brincalhão e

sedutor. Mas sem se perder em seu lado forte, cavalheiro e protetor.

À noite nosso acampamento foi montado no alto da montanha.

Olhei para o céu contemplando as estrelas. Um costume adquirido de Aragorn.

Ele tinha tanta intimidade com elas que à medida que a noite avançava parecia que elas

intensificavam seu brilho só para chamar sua atenção. No alto daquela montanha era como se

fizéssemos parte daquele imenso infinito.

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Aragorn se levantou e subiu sobre um galho grosso da árvore atrás de nós

enquanto meu olhar acompanhava sua agilidade.

- Venha – Ele estendeu a mão pra mim.

- O que? Você quer que eu suba aí? – perguntei assustada.

- Quero te mostrar uma coisa.

- Não muito obrigada. Tudo que você tiver para me mostrar prefiro ver daqui

mesmo.

- Anda garota, deixe de ser tão medrosa.

- Não é medo. É que eu conheço bem a lei da gravidade e é bem mais seguro

permanecer com os pés onde eles estão. No chão firme e confiável.

Ele me olhou fixo e determinado.

- Ah não, não olhe pra mim assim. Você não vai me convencer a subir nessa

árvore.

- Se você vier te garanto que não vai se arrepender.

- Duvido muito disso.

- Confia em mim. Eu nunca deixaria que nada te acontecesse.

Ele falou tão amável que acabou me convencendo. Segurei em sua mão e ele me

apoiou a subir. Quando cheguei ao seu lado no galho me agarrei tão firme em seu pescoço que

ele riu um pouco sufocado.

- Você não vai cair Melissa acalme-se.

- Ta... Tá bem... Estou bem... – Eu tentava me convencer.

Ele se soltou do meu aperto e subiu mais um galho me puxando com ele.

Quando eu percebi que a intenção dele era ir até o topo. Fechei os olhos apavorada. Aragorn não

se comoveu com meu desespero e continuou me levando cada vez mais alto.

- Eu não vou cair... Eu não vou cair... Eu não vou cair... – Sussurrei como um

mantra. Arrisquei uma olhadela para baixo fechando os olhos apavorada em seguida - Ai meu

Deus eu vou acabar despencando daqui!

Ele sorriu da minha insegurança.

Quando chegamos ao topo ele me apoiou de costas em seu corpo me

sustentando pela cintura. Os galhos da árvore eram bem largos, mas eu não sentia a segurança

que Aragorn tinha em estar ali.

- Pode abrir os olhos agora.

De vagar com medo de entrar em pânico quando eu visse a altura em que estava

abri meus olhos e me deparei com a paisagem mais perfeita que tinha visto até agora.

Dava pra ver todo vale lá em baixo. As águas do rio que brilhavam iluminadas

pelas pedras de cristais ao fundo, e o balé suave das árvores que se moviam pelo vento faziam

que elas parecessem estar dançando. A luz natural que emanava de todas as coisas de Andaluz

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dava um colorido especial no ar, o que não dava para ser visto da terra. Uma nuvem de luz

pairava como a áurea boreal sobre todo o vale.

Voltei meu rosto para Aragorn maravilhada com a visão.

- Eu disse que você não iria se arrepender. Olhe! – Ele apontou para o céu me

fazendo voltar os olhos para o infinito. E uma estrela cadente riscou o céu de ponta a ponta.

- Faça um pedido. – Falei me virando a ele.

- O Que? – perguntou confuso.

- No meu mundo quando vemos uma estrela cadente fazemos um pedido a ela

para que seja realizado.

- Não me parece que uma estrela que esteja despencando do céu em alta

velocidade, sendo consumida em fogo e que vai desfazer-se em mil pedaços quando se chocar

ao solo possa fazer alguma coisa por mim.

- Aragorn... – resmunguei - Só faça o pedido.

- Então... – Ele fechou os olhos por um instante, mais que foi tempo suficiente

para que eu pudesse admirar seu rosto sereno e encantador sombreado pela noite. Quando

ele abriu seus olhos incandescentes para mim todo seu rosto se iluminou.

- O que pediu? – Perguntei curiosa.

Vi quando seus lábios se moveram delicadamente e seu rosto se aproximou do

meu enquanto sua mão encaixada por baixo do meu rosto aproximava nossos lábios.

Ao respirar fundo senti todo meu corpo tremer e antes que o beijo acontecesse

me virei de costas novamente para escapar de sua investida.

- Estrelas cadentes não realizam desejos. – Falou monótono.

- Aragorn... – Falei sem graça.

- Tudo bem... Quem sabe a próxima.

Voltamos a observar o céu marchetado de estrelas e o vale que parecia

adormecido e tranquilo.

Não quis dar atenção ao que aconteceu, pois ele mesmo havia me dito que

usaria suas armas para me conquistar. Eu é que teria que saber lidar com esses momentos e

burlar suas estratégias.

Descemos novamente para perto da fogueira, e Aragorn estava em silêncio. Não

sabia se ele tinha ficado aborrecido comigo por ter lhe negado o beijo, e então deitei me

enrolando em minha capa para tentar dormir.

Só o estalar do fogo quebrava o silêncio daquela montanha. E passei a pensar no

que eu poderia fazer para que Aragorn desistisse de mim. Cada dia de viajem nos

aproximávamos mais da montanha Mayata e também da nossa despedida.

Não podia deixar que ele alimentasse ainda mais o amor que sentia.

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Eu menti em relação a Jeziel. No momento em que ele me exigiu uma resposta

eu simplesmente não consegui dizer a verdade. E eu estava me odiando por causa disso.

Primeiro por que sentia como se estivesse abrindo mão do amor de Jeziel. E segundo porque eu

sabia que a minha mentira iria magoar, decepcionar e ferir a Aragorn assim que ele soubesse a

verdade. Ele não merecia isso.

Mas e se quando eu chegasse até Jeziel às coisas tivessem mudado... Se meu

coração tiver mudado, meu sentimento por ele tiver mudado? Nesses últimos dias eu o sentia

tão distante. Aragorn estava tão mais perto. Tão mais presente. Jeziel era uma lembrança no

passado maculada por todo um tempo de sofrimento que passei por tê-lo perdido. Mesmo que

hoje eu soubesse que tudo não passou de uma trama maligna de Raika, não apagou todos os

momentos de dor que eu tive que viver. E o primeiro beijo que Aragorn me deu tinha tanto

amor, parecia ter a força capaz de me imunizar contra qualquer dor. Seria verdade?

Aragorn se moveu levantando-se. Fiquei observando ele caminhar até a beira da

montanha e fitar o horizonte. Vê-lo tão calado me deixou angustiada. Sabia que o motivo do

seu silêncio era eu. Ele estava sofrendo. Fiquei imaginando que por ele me amar, devia ser duro

me ter sempre por perto e longe ao mesmo tempo. Mas eu não tinha o que fazer. Sabia que se

me levantasse e fosse até ele, poderia dar uma impressão errada. E isso não seria bom nem pra

mim nem para ele.

Na manhã seguinte quando o sol resplandeceu sobre a montanha, abri meus

olhos para mais um dia de jornada. Me desanimei a me lembrar que ainda faltavam muitos e

muitos dias e noites até chegar ao meu destino. A ilha Mayata ficava no outro extremo de

Andaluz, e nós não tínhamos avançado nem a metade.

Quando me virei procurando por Aragorn não o vi em lugar algum da

montanha. Me levantei e caminhei ao redor do nosso acampamento mas não o encontrei.

- Aragorn?! - Gritei seu nome sem ter resposta.

Dei uma volta pelo acampamento chamando por ele e nada.

O tempo foi passando e Aragorn não aparecia. Comecei a me preocupar em que

ele estivesse tão chateado comigo que resolveu então partir para sua ilha.

Sentei-me no chão triste e apreensiva e meu coração começou a se angustiar.

Me senti tão vazia e sozinha naquele momento.

Eu estava certa em pensar que não conseguiria deixar Aragorn partir. Pelo jeito ele

havia partido chateado com o que fiz ontem, e agora eu começava a me desesperar e não só com

o meu destino numa viagem sozinha, também por pensar que não iria mais vê-lo. Com certeza

ele percebeu que era uma perda de tempo ficar comigo já que eu só iria o fazia sofrer.

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Mas era melhor assim. – tentei me convencer - Um soluço magoado quis

romper meu peito e quando pensei que iria começar a chorar, Aragorn surgiu a minha frente

sem imaginar que teria me deixado tão ansiosa.

Quando olhei para ele com os olhos mareados ele colocou no rosto uma

expressão de surpresa.

Ele se abaixou se colocando a minha frente. Se aproximou com as mão em

consolo e pousou em meu rosto.

- O que Foi? Porque esta com essa cara?

- Você... Eu não sabia onde você estava... Pensei que tivesse me deixado. –

solucei sentida.

- Por que chegou a essa conclusão? – falou carinhosamente.

- Porque pensei que estivesse chateado comigo por ontem.

Me olhou de forma indecifrável.

- Você ainda não entendeu não é? Eu não vou embora. Não antes de você disser

que eu deva.

Sorri aliviada limpando os olhos com as costas da mão. Eu podia ver nos olhos

dele que era verdade.

- Aonde você foi?

- Conferir se esse mapa estava correto. - Ele abriu o mapa a minha frente. - Aqui

diz que no pé dessa montanha esta situada uma vila e estava planejando que nós pudéssemos

passar por ela.

- Não seria melhor continuarmos viajando pela floresta?

- Acho que esses próximos dias poderão ser bem cansativos para você.

Principalmente porque seu pé ainda não esta totalmente bom e se continuarmos pela floresta

vamos ter que subir e descer muitas montanhas. E de lá nós podemos pegar uma embarcação

que nos leve até o vale de Gaya. São cinco dias pela água o que nos poupara uma semana de

caminhada.

- Que saudade do meu mundo! – Exclamei já pensando nos dias cansativos que

me aguardavam.

- Porque essa saudade repentina agora?

As viagens lá são bem mais fáceis. Agente pega um avião e “Vupt” chegamos a

qualquer lugar.

- Não sei o que seria um avião mais se eu pudesse usar um portal com você, sem

a preocupação de Cordomad nos encontrar, já estaríamos em Mayata.

Concordei com Aragorn. Com certeza os portais daqui eram bem mais rápidos

que os aviões de lá.

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Descemos a montanha rumo à vila e conseguimos chegar até ela no começo da

tarde. Quando chegamos a baia, fomos informados que uma embarcação já havia partido e a

próxima partiria somente em dois dias. Aragorn ainda tentou negociar com o homem dono da

embarcação que apesar de ficar interessado na quantia em dinheiro que Aragorn oferecera não

cedeu.

- Meu jovem, essa quantia que me oferece daria para comprar meu barco, mas

são ordens do rei Cordomad. Só de dois em dois dias podemos levar passageiros para outras

localidades pelas águas. Medidas de segurança.

- Gostaria muito que repensasse na proposta. Estamos com pressa de chegar ao

vale de Gaya. – Falou Aragorn tentando negociar.

- Se esta com tanta pressa porque não utilizam um portal? Essa embarcação é

bem lenta para quem esta com pressa e serve mais de passeio do que de meio de transporte. A

não ser que vocês estejam tentando escapar das tropas de Cordomad que rastreiam cada portal

aberto e identificam cada um que passam por eles. Vocês não são fugitivos, são? – Falou o

homem desconfiado.

Aragorn sorriu providencialmente lançando seu braço sobre meus ombros.

- Claro que não. Somos recém casados. – arregalei meus olhos surpresa para

Aragorn - E estamos querendo iniciar nossa lua de mel o mais rápido possível, e um passeio

pelas águas do rio Destor, seria muito romântico. Sempre foi o sonho de Melissa. Não é mesmo

querida?- ele falou olhando para mim e o dono da embarcação também.

Sem poder contestar, o Máximo que pude fazer foi esticar meu tradicional

sorriso pela cara enquanto o homem nos cumprimentava entusiasmado, nos abraçando como

velhos amigos.

- Meus parabéns. – Ele nos dizia empolgado. – E você meu rapaz... Quanta sorte

teve em conquistar o coração de tão bela jovem.

- Foi mesmo uma grande sorte ela ter vindo para minha vida. – Aragorn falou

me encarando.

- E você minha jovem, também é uma garota de sorte. Pelo brilho que vejo no

olhar dele, creio que não haveria nada nesse mundo que ele não fizesse pra te fazer muito feliz.

Sem graça eu estava com tal comentário e sem graça fiquei. O que eu poderia

fazer, desmentir Aragorn?

- Então, não tem mesmo como o senhor nos ajudar? – Aragorn tentou mais uma

vez.

- Infelizmente não meu caro, mas posso providenciar a melhor hospedagem para

que essa noite seja especial para vocês. Minha irmã é a dona da melhor da cidade. Os

comerciantes e até os governadores de Andaluz se hospedam lá. Hoje mesmo terá uma grande

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apresentação no salão de eventos. Um cantor foi convidado para entreter os hóspedes. Vocês

podem ficar lá esses dois dias e depois terei o maior prazer em levá-los até o vale de Gaya.

Aragorn me olhou querendo avaliar minha decisão. Dei de ombros. Afinal era

esperar pela embarcação ou voltar para a floresta e enfrentar montanhas e mais montanhas.

- Então vamos ficar na hospedaria da sua irmã. – Aragorn concordou.

- Ótimo – Exclamou o homem – Sei que vocês se divertirão muito.

O homem que se chamava Dumbar nos acompanhou até nos deixar na

hospedaria de sua irmã. Uma senhora bem interessante. Eu não sabia qual era a media de vida

do povo de Andaluz, mas ela me pareceu ter uns cento e tantos anos pela sua fisionomia. Seu

cabelo amarrado num coque no mínimo desafiador, lançava várias camadas de cabelo em forma

decrescente rumo ao infinito.

Ao me olhar ela conciliou um sorriso simpático com um comprimento de

parabéns pelo meu “recente casamento”. E não só ela, mas todos os funcionários e até alguns

hóspedes passavam e nos cumprimentavam me deixando pouco a vontade em ter que sustentar a

mentira de Aragorn. Ele no entanto estava bem a vontade. Ou ele mentia melhor que eu, ou

estava satisfeito por sua mentira dar a ele mais uma oportunidade de me abraçar

desnecessariamente só para manter a farsa que ele mesmo montou.

O quarto que nos foi oferecido era reservado exatamente para momentos em que

os amantes queriam privacidade e intimidade. Muito luxuoso e requintadamente decorado. Uma

única cama de casal que estava centralizada no quarto decorada com seda vermelha e várias

almofadas brancas, rosas perfumadas espalhadas pelo quarto em vasos de cristais e o piso era

todo revestido com peles macias e claras de animais. Um quarto feito para uma inesquecível lua

de mel. E aquele ambiente estava me deixando ansiosa e Aragorn percebeu.

- Não se preocupe. Eu só falei que éramos recém casados para acabar com a

especulação de Dumbar. Se ele continuasse desconfiado iria acabar nos denunciando aos

soldados de Cordomad que por não ter nos encontrado na floresta devem estar revirando cada

vila a sua procura.

Respirei fundo tentando controlar a ansiedade.

- Tudo bem. – Respondi. Eu já estava acostumada a estar sozinha com Aragorn

em vários lugares inusitados e a diferença agora eram os olhares dos outros em nós. E o que eles

estariam pensando que poderia estar acontecendo dentro daquele quarto. Isso era o que estava

me deixando incomodada.

- Vou providenciar algumas roupas para nós podermos assistir a apresentação

do cantor essa noite. Já que temos que ficar aqui, acho que você vai gostar.

Quando ele saiu me deixando sozinha no quarto, passei meus olhos mais uma

vez por todo aquele ambiente e pensei jamais ter estado em um quarto tão bonito. Toda a

mobília era de tanto bom gosto que impressionava. Mamãe que era experiente em quartos de

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hotéis com certeza chegaria a mesma conclusão que eu. Dificilmente se encontraria um quarto

de hotel ainda que cinco estrelas em nosso mundo que tivesse tanta beleza. Eu estava me

sentindo perdida e até com receio de tocar na mobília. Tinha estado entre árvores, encostas de

montanhas, dormido entre raízes e caverna... Aquele lugar mais parecia um palácio dos contos

de fadas e eu me sentia a Cinderela depois do badalar da meia noite.

Quando Aragorn voltou trazendo uma muda de roupas novas para mim, lhe

agradeci, mais não deu para esconder que eu estava com saudades do meu velho tênis All Star e

meu jeans batido.

- Não gostou da roupa que te trouxe?

- Não é isso. É só que as roupas daqui parecem sempre tão formais, eu queria

poder vestir algo mais parecido comigo, como o que eu usava em minha dimensão.

- Não sei o que você vestia em sua dimensão, mas quando vi esse vestido achei

a sua cara.

Olhei mais uma vez para o vestido lilás em seda que Aragorn me trouxe

tentando me ver dentro dele. Aragorn tinha um jeito especial de me ver. Mais uma vez ele

escolhia uma roupa para mim, e nas outras ocasiões ele me escolheu vestidos em tecidos

delicados de cores suaves e em cortes perfeitos. E acertava em cheio o meu tamanho.

Quando a noite chegou, eu e Aragorn descemos elegantemente vestidos para o

salão das apresentações e Aragorn estava divinamente vestido num traje preto como um Conde

dos tempos antigos. O que me fez pensar que era um desperdício ele estar se embrenhando em

florestas às escondidas privando Andaluz de vê-lo daquela maneira. E me fez pensar também

que eu entendia muito bem porque Lariana tinha se apaixonado por ele.

Havia uma mesa reservada a nós, “o casal da noite” que era a primeira de frente

ao palco.

Quando o cantor alto de cabelos castanho claro e de olhos acinzentados subiu ao

palco iniciando suas canções todos os demais convidados estavam deslumbrados com o seu

desempenho. Eu não me impressionei tanto. Pra mim a voz de Aragorn era mais bonita. Talvez

ele devesse pensar na carreira de artista já que um homem com a voz tão simples fazia tanto

sucesso, com certeza ele faria muito mais.

- Não esta se agradando da apresentação querida? – Me perguntou a dona da

hospedaria ao se sentar conosco a mesa. Ela estava fazendo um passeio de mesa em mesa de

seus convidados e tinha chegado nossa vez.

- Não... Esta muito agradável.

- Agradável? Não é bem isso que eu gostaria de ouvir. – Aragorn continuava a

prestar atenção ao cantor sem dar atenção a senhora da hospedaria - Weimar é um dos melhores

cantores de Andaluz. Todos o adoram, por isso mandei trazê-lo de tão longe para cantar aqui

esta noite.

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Um riso quase debochado escorregou de minha boca sem que eu percebesse.

- Você conhece um melhor?! – Ela perguntou curiosa diante da minha

indiferença ao cantor.

- É que acho que Aragorn canta melhor que ele. – Falei sinceramente.

A mulher sorriu.

- Claro. Para uma mulher apaixonada tudo que seu amado faz é sempre melhor

e perfeito.

Com o que ela disse Aragorn tirou sua atenção do cantor e voltou-se para nós.

Eu me senti congelada na cadeira. Ela pensava que éramos casados, era natural

tirar a conclusão de que eu estava apaixonada. Mesmo assim senti-me estranha.

- Gostaria muito de ouvi-lo cantar. – A mulher dirigiu-se a Aragorn que

expressou surpresa.

Ele balançou a cabeça negativamente.

- Ah, vamos! Sei que sua amada vai ficar feliz em te ver cantar já que ela não

gostou muito do cantor que eu trouxe, e faço questão que todos meus hospedes fiquem

satisfeitos com tudo que proporciono e vejo que ela só ficara satisfeita se te ouvir cantar esta

noite.

Aragorn olhou repreensivamente para mim. Com certeza não gostou que eu

tivesse contado que ele cantava.

- Não será possível, desculpe.

- Não vou aceitar um não como resposta.

Ao ver o desconforto de Aragorn fiquei empolgada em pensar que poderia

descontar o fato dele ter dito para todos que éramos recém casados. E com um brilho de

vingança nos olhos o incentivei.

- Gostaria mesmo de te ver cantando... Benzinho. – Sorri malvadamente para

ele.

Ele entendeu o que eu estava fazendo.

- Então esta resolvido – Disse a mulher animadamente – vou providenciar para

que se apresente especialmente para sua Melissa esta noite.

A mulher se levantou e eu satisfeita que a minha vingança tivesse dado certo,

tentava reprimir um riso. Aragorn me olhava insistentemente. Acho que ele queria falar uma

porção de coisas mal humoradas para mim, mas manteve-se calado.

Depois da apresentação do cantor Weimar, a dona da hospedagem apareceu no

palco.

- Essa noite, teremos também mais uma apresentação especial. – Ela falava de

forma solene - Um jovem casal que esta entre nós nessa noite, comemora o início de uma vida à

dois cheia de paixão. E o jovem Aragorn nos presenteara com sua bela voz com uma canção que

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ele dedicara especialmente a sua amada. E para que todos os outros casais apaixonados possam

também se deliciar nas asas da paixão vamos receber em nosso palco o jovem Aragorn.

Ela estendeu a mão rumo a nossa mesa apontando para Aragorn que me olhou

de soslaio. Quando uma explosão de palmas encheu todo o ambiente Aragorn se viu obrigado a

se levantar e andou até o palco.

Já no palco ele não me pareceu nenhum pouco constrangido. Se chegou até os

músicos que estavam ao fundo e os instruiu. No centro do palco debaixo das luzes que eram

direcionadas a ele, estava perfeitamente a vontade e parecia mesmo um artista. Ouvi alguns

murmúrios atrás de mim de algumas mulheres evidentemente encantadas com a presença

imponente de Aragorn.

Quando os instrumentistas começaram a tocar, Aragorn entoou uma canção

desconhecida para mim, não era a que eu estava acostumada a ouvir, mais era perfeita em sua

voz. E com uma letra igualmente perfeita.

No decorrer da canção as mulheres atrás de mim suspiravam, a senhora da

hospedaria estava sentada ao meu lado com os olhos marejando de lágrimas, alguns casais se

abraçando se beijando embalados pelo romantismo da canção e Aragorn encheu todo aquele

ambiente com sua voz perfeita.

Eu também já estava me sentindo envolvida pela canção. E em pensar que

apesar de estar diante de dezenas de pessoas o admirando, era para mim que ele cantava, me deu

uma pontada de vaidade.

Do palco ele olhava para mim e seus olhos de ouro nos meus me fascinaram.

Aragorn estava especialmente atraente e a letra da sua canção mexeu comigo. Por mais que eu

me esforçasse para ficar indiferente, não estava conseguindo, e ele percebeu. Estendeu a mão

para mim do palco enquanto os instrumentistas solavam a canção, esperando que eu me juntasse

a ele.

- Vai querida! Ele esta te chamando. - A mulher falava me erguendo da cadeira.

Constrangida fui andando motivada pelas pessoas que falando emocionadas me

mandavam ir de encontro a Aragorn.

Quando me aproximei e segurei em sua mão ele me fez subir e ficar ao seu lado

enquanto ele cantava. A canção era bonita, mas vê-lo cantar tão próximo e com seus olhos tão

intensos em mim gerou outra conotação.

Meu coração reagiu acelerado. As pessoas agora estavam caladas nos

observando. Aragorn ergueu uma mão acariciando meu rosto, e eu estava ali vidrada como

espectadora vendo-o cantar pra mim. Quando sua canção encerrou e somente os músicos ainda

tocavam os últimos acordes, Aragorn se aproximou e delicadamente afastou meus cabelos do

rosto e ternamente me beijou enquanto aplausos entusiasmados acompanhavam o desfecho da

música. O mundo sumiu sob meus pés.

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Quando abri meus olhos novamente, Aragorn me olhava com tanta veneração

que foi difícil me lembrar que não estávamos sozinhos.

Segurando-me pela mão e debaixo de mais aplausos ele me guiou de volta a

nossa mesa e eu me sentei meio catatônica na cadeira.

- Foi lindo... Perfeito... Você tinha razão minha querida - exclamou perplexa a

dona da hospedaria - Aragorn canta divinamente bem. Todos adoraram. Que talento... E que

amor...

Ela saiu me deixando paralisada em minha cadeira enquanto Aragorn se sentava

ao meu lado.

Algumas mulheres vieram cumprimentá-lo e também a mim por ter a sorte de

ter alguém tão apaixonado e amável comigo. Em algumas pude sentir a pontada de inveja que

sentiram. Muita delas, quem sabe a maioria, melhor dizendo... Todas elas queriam estar em meu

lugar. E eu me sentia sem forças, queria era estar bem longe dali para não sucumbir ao amor

dele.

Eu não podia deixar Aragorn continuar tentar me conquistar nem deixar que ele

ficasse me beijando toda hora. Da próxima vez que ele tentasse teria que evitá-lo, ou ele

continuaria nutrindo esperanças.

De volta ao quarto eu me sentia além de cansada, muito sem graça por causa do

beijo que Aragorn me dera.

Ele como sempre fazia quando percebia que eu estava constrangida, não tocou

no assunto.

Se acomodou num grande sofá ao lado da enorme cama e fechou os olhos. Eu

sabia que ele não estava dormindo, talvez só um ato deixando claro que ele não iria invadir mais

meu espaço por hoje.

Me troquei e deitei na cama para dormir, e por um bom tempo incomodada na

cama me virei de um lado para o outro várias vezes, mas dessa vez não queria pedir a Aragorn

que cantasse para mim. Estava me sentindo sensível demais a ele para me arriscar a viajar em

sua canção.

Numa das vezes que me virei para o lado onde ele estava deitado, vi que ele

ainda permanecia de olhos fechados. Sereno como sempre.

Me detive observando seu rosto e o admirando quase que sem perceber. Como

se meu olhar o chamasse ele abriu os olhos diretamente nos meus e por segundos ele sustentou

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meu olhar. Sorri a ele um sorriso amigável e disfarçado e me virei para o outro lado cobrindo

minha cabeça.

- Boa noite Melissa. – Me falou de forma natural.

- Boa noite. – Respondi tentando imitar sua naturalidade. Claro que não

consegui. E mesmo me sentindo sufocada pela coberta sobre minha cabeça não me atrevi tirá-la

temendo que minha reação ao vê-lo novamente me traísse e me fizesse cometer um ato

impensado.

No outro dia Aragorn e eu permanecemos no quarto. Nossa alimentação era

entregue no quarto e ninguém achou estranho ficarmos ali o dia todo já que supostamente

estávamos em “lua de mel”.

O clima entre nós estava estranho.

Entre nós não... Aragorn sempre permanecia tão seguro de tudo ao seu redor

como sempre. Eu é que ficava com uma sensação estranha de estar sendo estrangulada sempre

que algo como o que aconteceu na noite passada acontecia entre nós. Eu que ficava me

culpando, me recriminando e tentando me convencer que o que aconteceu não devia ter

acontecido e tentava me convencer que era errado. Aragorn sem saber nada disso só estava

cumprindo com o que havia falado. Não desistiria de mim e iria lutar para me conquistar. Como

impedi-lo?

- Tem certeza que não quer dar uma volta pela vila? Serão cinco dias pelas

águas a partir de amanhã quando entrarmos naquela embarcação e acho que você vai se sentir

entediada. – Falou Aragorn quando anoiteceu.

- Prefiro mesmo ficar aqui e, se conseguir, quero dormir cedo.

- Quer que eu te ajude a dormir cedo?

- Não precisa. Estou me sentindo mesmo cansada. Acho que não será difícil

dormir.

- Se importa então se eu sair um pouco?

Não gostei da idéia que me sombreou por segundos a cabeça de que em algum

lugar que eu não estivesse com ele alguma das lindíssimas mulheres de Andaluz pudesse ter a

oportunidade de se insinuar.

- Aonde vai?- Perguntei possessiva.

O sorriso maroto dele reapareceu em seu rosto. Ele adorava quando eu agia

assim.

- Só vou dar uma volta, estou me sentindo enferrujando aqui dentro.

- Tudo bem então – Falei conformada. Afinal, que espécie de pensamento era

esse?

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Quando Aragorn saiu peguei minha mochila buscando pela coroa. Da última

vez que a usei nada aconteceu como Ernest temia e eu podia aproveitar e tentar entrar em

contato com Jeziel. Com certeza se o visse muitas das minhas dúvidas em relação ao que eu

estava sentindo cairiam por terra.

Ao colocar a coroa sobre minha cabeça, tentei mais uma vez sem sucesso

encontrar Jeziel.

- Ernest me disse que a coroa era capaz de me mostrar o que eu mais queria ver.

Será que não ando conseguindo ver Jeziel porque esse desejo mudou em mim? Será que vê-lo

não é mais tão importante? – Falei em voz alta conversando comigo mesma.

Impossível – Pensei – Eu sei que ainda o amo. Eu sinto que ainda o amo. Se

algo tivesse mudado eu saberia... Não saberia?

- Talvez essa porcaria esteja com defeito. – Falei de implicância com a coroa.

Vou fazer um teste – Pensei.

- Onde esta Aragorn? – Perguntei a coroa que automaticamente me abriu a visão

de Aragorn recostado numa cerca branca olhando as estrelas. Eu podia vê-lo nitidamente e

percebi seus olhos distantes.

Fiquei o observando por alguns minutos e apesar de seu semblante sempre

sereno eu sabia que ele estava perturbado com alguma coisa.

- Queria saber o que ele esta pensando. – Sussurrei desatentamente. Mesmo sem

ser uma ordem a coroa abriu a mente de Aragorn a mim rompendo suas barreiras e pude ouvir

seus pensamentos.

Garota... você sempre tão perto e tão longe ao mesmo tempo... Ah Melissa,

como eu vou chegar ao seu coração?...

Ao perceber que eram os pensamentos dele que eu estava ouvindo me senti uma

invasora. Imediatamente retirei a coroa da cabeça certa de que nela não havia defeito. Irritada

enfiei ela novamente na mochila.

Senti-me tão mal por ter invadido a privacidade de Aragorn, mas me senti feliz,

tão incontrolavelmente feliz em saber que ele estava pensando em mim...

Mais uma vez me aborreci com meus próprios pensamentos e sentimentos, e me

deitei para me obrigar a dormir.

Naquele quarto, perfumado pelas flores, horas depois que as luzes se apagaram

a porta se abriu cuidadosamente. Eu pude ver Aragorn entrar tentando não me acordar, mas

meus olhos estavam abertos e meu coração velava esperando que ele chegasse.

Quando ele entrou pela porta me sentei na cama e ele se surpreendeu por eu

ainda estar acordada, mas não disse nada.

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Eu ainda não tinha conseguido esquecer que tinha invadido seus pensamentos e

descoberto que eles me pertenciam. Talvez pelo fato da mente dele ser a primeira que eu

consegui ver, não sei... Mas eu tinha que confessar; ver por mim mesma quanto ele pensava em

mim e com tanto carinho, mexeu comigo.

Quando se aproximou do sofá aonde ele iria dormir eu me pus de pé e andei até

ele. Aragorn me olhou surpreso, mas seus olhos estavam radiantes.

Eu lhe sorri e estendi a mão que ele prontamente segurou. Puxei-o pela mão até

ele estar a distância de milímetros de mim.

O mesmo gesto que ele havia feito ontem a noite no palco de acariciar meu

rosto, afastar minha franja dos olhos e aproximar seus lábios dos meus me beijando com ternura

foi repetido. Só que dessa vez enlacei seu pescoço num abraço me entregando. Eu queria sentir

novamente seu beijo forte e seguro, queria sentir cada célula dele vibrando recostado em meu

corpo, queria de novo o sabor de seus lábios e o calor excitante de suas mãos em mim e ansiava

por mais de seu amor que tanto me cativava e perturbava. Ele soube o que eu queria e não me

privou nenhum segundo dele mesmo se entregando a minha vontade e me tomando com

volúpia. Vibrei em seus braços. Era uma sensação tão nova e poderosa sentir o quanto ele me

desejava. Meu corpo se abandonou entregue a violência dos meus sentidos. Senti minhas pernas

fraquejarem e mesmo assim algo em mim pedia mais de tudo aquilo.

Aragorn passou seus braços fortes por mim me segurando no colo me

carregando até a cama. E quando de uma forma viril ele me deitou sobre ela mantendo meu

corpo sob o dele beijando minha boca, meu queixo, meu pescoço me provocando uma sensação

no mínimo inebriante, comecei a ofegar. Todo meu corpo parecia estar mergulhado num rio de

fogo que ardia sem queimar. Me entreguei calorosamente aos seus braços e mais ainda aos seus

beijos. Não existia mais nada além de seu toque em mim.

Estreitamente ligada a ele senti que não precisava me preocupar com nada mais,

somente me deixar levar pelo êxtase daquele corpo, daqueles braços e de seus lábios, ora

percorrendo minha pele, ora colados nos meus. E no momento em que suas mãos percorreram

meu corpo com ousadia, deixando um lastro de brasas por onde passava, abri meus olhos para

ver os dele. Queria ver o brilho incandescente do ouro de seu olhar. Queria ver o poder de sua

paixão irradiando em fogo... queria ver por mim mesma o amor que ele me oferecia e que eu

estava tão inclinada a receber agora.

Só que me vi sozinha sobre a cama. Com todas aquelas sensações,

inacreditavelmente sentindo o sabor dos lábios de Aragorn nos meus e ainda com meu corpo

ardendo, percebi que era um sonho.

Um sonho... - Pensei aturdida.

Despertei suando, ofegante e pousei a mão sobre o peito tentando abafar o

coração disparado. Transtornada por um sonho.

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Olhei todo o quarto procurando por Aragorn que podia ter me induzido a esse

sonho, mas ele ainda não havia chegado. Ele não tinha nada a ver com isso. Minha mente

sozinha tinha projetado aquele sonho. Talvez motivada pelo ambiente romântico em que eu

estava, ou... ou... - Eu não sabia o que pensar.

Enquanto eu tentava organizar minhas emoções a porta do quarto se abriu

devagar como em meu sonho e Aragorn entrou me olhando surpreso. Por impulso me coloquei

de pé de frente a ele. Todos os meus sentidos ainda estavam em atividade. Numa febril e

desconcertante atividade.

E enquanto ele me olhava esperando saber por que eu havia me levantado da

cama ao vê-lo, eu lutava contra a atração do seu olhar e contra a lembrança do sonho, e contra o

desejo absurdo de me atirar em seus braços.

Meu coração disparado em meu peito tornava minha respiração difícil. Minhas

mãos estavam suando e havia algo em meu rosto que eu não podia saber o que era, mas Aragorn

me olhava com seus olhos de ouro como se esperasse por mim.

Um só passo... eu sabia que se um único passo meu fosse dado em sua direção o

sonho se tornaria em realidade.

Mas resisti, e no mesmo impulso que usei pra levantar, pulei sobre a cama e me

enrolei debaixo da coberta implorando para que ela fosse forte o bastante para me manter presa

ali.

Aragorn mesmo surpreso com minha reação continuou calado. Se deitou em seu

sofá e mesmo que eu estivesse toda enrolada sob as cobertas como dentro de um casulo podia

sentir seus olhos em mim.

Debaixo daquela coberta eu suava e sabia... sabia que ele sabia que a poucos

segundos atrás eu tive que fazer um esforço sobre humano para não ir até ele.

Aragorn estava ganhando terreno... Isso era um absurdo pra mim, mas ele

realmente estava ganhando terreno.

Por toda a noite eu não consegui dormir. Com medo de sonhar com ele

novamente.

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Capítulo 15

De manhã quando nos levantamos o homem Dumbar já estava nos

aguardando para que pudesse nos levar até o vale de Gaya em sua embarcação.

Ele nos acomodou também em uma cabine separada para casais em lua de mel e

como eu não tinha dormido o resto da noite aproveitei a viajem sobre o rio de águas tranquilas

para dormir um pouco enquanto Aragorn fazia companhia a Dumbar e a alguns outros viajantes.

Quando mais tarde me levantei fui procurar por Aragorn no convés.

De longe avistei Aragorn tão envolvido numa conversa animada com vários

homens e mulheres que me detive no meio do caminho para não interferir. Fiquei a observar sua

forma tão natural e como ele conseguia prender a atenção de todos, como os outros sorriam com

seus comentários e como ele sorria espontaneamente dos comentários dos outros.

Como a tarde já estava declinando, o sol refletia uma luz alaranjada sobre as

águas do rio que iluminava a todos de uma forma que os fazia parecer estar sob uma película

fina de luz. Essa luz se destacava ainda mais sobre Aragorn e o ouro de seus olhos ficavam

ainda mais radiantes.

Um dos homens que estavam ao seu lado notou minha presença e falou algo a

ele que o fez olhar diretamente em minha direção. Seu rosto que já estava iluminado por um

sorriso informal me deslumbrou quando a me ver seu sorriso de anjo se destacou. Minha

respiração ficou suspensa por segundos presa por aquele sorriso.

E eu não sei por que, mas tive a impressão que aquele sorriso era só meu. Que

ele não sorria assim para mais ninguém. Só pra mim.

Ele andou até onde eu estava e quando chegou bem perto eu ainda estava presa

por seu olhar. Aragorn arrumou minha franja olhando indefinidamente meu rosto e me puxou

pela mão.

- Venha, você que gosta de estórias engraçadas vai achar bem interessantes

algumas das que eles estão contando.

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Aragorn me conduziu até a roda de pessoas em que ele estava me sentando ao

seu lado. Cada um alternadamente contava alguma coisa que devia ser engraçada, por que todos

riam animadamente, mas devido a minha falta de informações e de familiaridade com algumas

expressões de Andaluz acabava sem entender. Aragorn no entanto sorria bastante, não sei se das

estórias ou da cara de alienada que eu fazia quando todos me olhavam esperando que eu

reagisse a alguma das supostas “piadas”. E como me olhavam. Na verdade os olhares de todos

em mim já estava me aborrecendo tanto homens como as mulheres me olhavam

incansavelmente. Depois de certo tempo já incomodada me levantei na intenção de sair do foco

dos olhos de todos. Aragorn me seguiu.

- O que foi, se cansou de ouvir as estórias?

- Não. O que me cansou foi os olhos de todo mundo em mim. Tô me sentindo

uma aberração. Todos não param de olhar para mim. – Resmunguei.

Ele deu um passo a minha frente me fazendo parar fitando meus olhos

intensamente. Por segundos sustentou meu olhar.

- Você é absurdamente linda. Impossível não querer que os outros não se

deslumbrem com sua presença.

Como não falei nada ele continuou.

- Você tem consciência disso não tem? De quanto seus olhos brilham, de como

seu sorriso cativa, de como cada gesto seu é delicado e atraente... De como a maneira em que

seus lábios se movem enquanto você fala é bela e entorpecente, de como sua voz macia

encanta... E de como a tua simples presença vicia?

Ouvi-lo falar dessa maneira acelerou o ritmo do meu coração.

Aragorn era sedutor, mas a sinceridade em sua voz e em seus olhos a me dizer

tudo aquilo era totalmente verdadeira. Ele não estava me elogiando, não estava me cantando,

estava descrevendo como ele me via. Aquilo me desconcertou.

Aragorn segurou minha mão e levou-a aos lábios num gesto tipicamente

galanteador, e mais uma vez senti uma emoção estranha.

Foi com alívio como nos tempos em que eu estava na pizzaria e o sinal tocava

me tirando de situações difíceis que o senhor Dumbar tocou um sino anunciando que o jantar

seria servido.

Todos seguiram o senhor Dumbar até uma instalação preparada como um

restaurante. Sua embarcação era bem grande e confortável como um luxuoso e enorme iate.

Várias instalações e acomodações como um hotel sobre águas. Na verdade estar ali me fazia

sentir desfrutando de um cruzeiro só que em águas doces. O rio Destor era bem largo, me

lembrava a extensão dos rios da Amazônia que mais parecia um grande mar. E deviam ser bem

profundos também pois as águas se mostravam bem escuras naquele ponto de nossa viagem.

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No jantar mais pessoas sentaram-se conosco em nossa mesa. Duas moças

evidentemente encantadas com Aragorn, mas que se mantinham comportadas por pensar que ele

era meu marido. Pelo menos na minha frente. E um rapaz que devia ter a mesma idade que

Aragorn que me pareceu sentar ali só por causa de uma das moças.

A conversa era informal a mesa e até estava sendo divertida.

Todos combinaram que mais para dentro da noite iriam se reunir no convés para

continuar a conversa e após o jantar cada um foi para seus respectivos interesses.

Aragorn e eu fomos para nossa cabine e como não estávamos andando entre

vales e montanhas eu aproveitaria cada momento para me deitar sobre a cama macia me

lembrando de como é agradável ser civilizada.

Na cabine deitada na cama me dei conta de algo que tinha passado despercebido

antes. Não havia um sofá. Não havia uma poltrona. Só havia a cama de casal onde Aragorn e eu

teríamos que dormir juntos durante cinco dias.

Eu já estava acostumada a estar perto dele. Na verdade ele não dormia muito

distante de mim nos últimos dias na mata. Mas depois do meu sonho de ontem me senti

desconfortável. Fiquei imaginando depois da estória do casamento que ele contou para driblar a

desconfiança de Dumbar, não daria para ir dormir em outra cabine. Poderia levantar suspeitas.

Aragorn de uma forma muito natural despiu sua camisa e se deitou ao meu lado

tranquilamente. Ele também estava acostumado a nossa proximidade. Aquilo não era novidade

para ele. E com a naturalidade que ele deitou na cama se virou para meu lado procurando

conversa.

- Esta gostando da viagem?

- Melhor que caminhar floresta adentro. – Respondi tentando também ser

natural.

- Melhor não se acostumar à facilidade, ainda teremos vários dias para caminhar

pela floresta. Mas é bom te dar um descanso e você recupera de vez esse tornozelo.

- O descanso é bem vindo.

- Ainda dói?

- Bem pouco na verdade. Só se eu pisar em falso.

- Como vocês viajam em sua dimensão?

A conversa superficial de Aragorn me deixou mais a vontade. Passei horas

contando-lhe dos meios de transporte da minha dimensão e ele parecia muito curioso. Não sei o

que ele imaginava quando eu descrevia algo como um carro ou uma moto, mas ele pareceu

bastante interessado no que eu falava. Apesar de meu corpo esta super consciente da presença

dele tão próxima a mim, com a naturalidade dele foi fácil esquecer de meus temores vencer

meus sentidos e depois de um tempo já não me preocupava mais por ele estar ali.

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- Tudo parece tão diferente de Andaluz. Seu pai deve ter ficado muito espantado

quando se viu numa outra dimensão tão diferente do que ele estava acostumado.

- Não sei o que ele achou. Ele voltou para cá antes que eu pudesse conhecê-lo

de verdade. Mas pelo que sei ele não me pareceu ter tido muita dificuldade para se adaptar. Ele

tinha um bom emprego, e se casou com minha mãe, parecia ter uma vida feliz até o dia que

sumiu sem deixar rastro.

- E como sua mãe reagiu?

- Ela era completamente apaixonada por ele. Eu ainda era pequena demais para

me lembrar mais creio que ela deve ter sofrido muito. Mesmo depois de anos ás vezes a pegava

chorando no quarto, escondida de nós. Até hoje acho que ela o ama. Nunca mais conseguiu se

envolver com mais ninguém.

- Você acredita que um amor possa durar toda uma vida? – Me sondou.

Afastei o meu olhar do dele. Me pareceu que ele estava formulando mais uma

de suas perguntas para descobrir algum de meus segredos.

- Não sei. - Eu não seria a pessoa mais indicada para dar essa resposta a

Aragorn. Não diante do que eu havia passado e do que eu estava vivendo agora. - O que você

acha?

- Acho que passamos a vida aprendendo a amar. Amando as pessoas que nos

cercam de formas e intensidades variadas até que no dia em que alguém consegue despertar em

nós a perfeição do amor nos arrebata por inteiro.

- Isso não garante que seja para toda vida. – Falei num sentimento de amargura

por minha mãe e por mim.

- Talvez seu pai amasse a sua mãe muito mais que a ele mesmo para conseguir

deixá-la.

- Ou talvez ele só tivesse outras prioridades e interesses. – Falei por minha mãe

e por mim novamente.

A imagem de Jeziel me abandonando por causa de Raika e de Andaluz me fez

sentir dor e percebi que meu coração ainda não estava curado.

Alguma expressão em meu rosto chamou a atenção de Aragorn.

- Você sempre me diz que não se importa com a partida de seu pai, mas quando

você toca nesse assunto, se perturba. Posso ver a dor e a tristeza em seu rosto.

Fechei meus olhos antes que ele pudesse ver neles que não era por causa de meu

pai que eu sentia dor.

- É por causa dele que você tem medo de me amar? Medo que eu faça a você o

que ele fez a sua mãe?

- Aragorn por favor...

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- Tudo bem... Se você não quer falar nisso. Mas saiba que eu jamais faria algo

assim.

- Jamais acredite num “jamais” saído da boca de um homem. Eles não têm real

dimensão do que essa palavra significa. Por isso a usa sem medida. E quando menos se espera lá

estão eles fazendo tudo que prometeram não fazer. – Me lembrei das vezes que Jeziel me

prometia que “jamais” me abandonaria, e quebrou sua promessa assim que beijou Raika diante

de meus olhos.

- Você deve ter razão. Mas enquanto o homem acredita no que ele prometeu o

“jamais” dele permanece firme.

- Vai defender sua classe agora? – Resmunguei.

- Não. Vou defender a mim mesmo. Eu sou diferente.

- Os homens são todos iguais, em qualquer lugar do universo. Inclusive quando

dizem ser diferentes.

Ele sorriu.

- Essa conversa esta ficando meio chata.

- Também acho.

- Que tal nos encontrarmos com os outros no convés?

- Boa idéia.

Ao subir para o convés notei a noite como estava fria. A embarcação deslizava

tranquilamente sobre as águas escuras e me encantei em ver o reflexo das estrelas no espelho do

rio. Como se estivéssemos navegando no próprio céu.

As pessoas se dividiam em blocos conversando, alguns músicos tocavam

músicas alegres enquanto alguns dançavam. Eu estava recostada no parapeito da embarcação e

Aragorn na proa desligado de tudo admirando suas estrelas. Ele tinha um caso antigo de amor

com elas. Eu sempre tinha a impressão que ele as ouvia, por isso lhes dava tanta atenção. E

quando por algum motivo ele não conversava ou cantava para elas, enciumadas elas brilhavam

ainda mais tentando atraí-lo. Ele também era o céu daquelas estrelas.

Pela primeira vez desde que essa jornada havia começado eu me sentia

realmente segura. Não sei se por estar em meio ás águas tinha a impressão que os soldados de

Cordomad não poderiam me alcançar ali ou se por ver Aragorn tão relaxado e a vontade me

transmitia segurança. Eu me sentia mais num passeio do que numa missão impossível. Num

passeio agradável e em boa companhia.

O povo de Andaluz era um povo cordial em sua maioria, é claro que tive alguns

dissabores com alguns daqui como o homem no bar e os Drevors de Cordomad querendo me

matar. Lariana amiga de Aragorn que tenho certeza, não foi com minha cara, nem eu com a

dela, e com a peste mentirosa da Raika. Mas em compensação teve Erzoul, a família de Naske,

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a Sra. Luna, a dona da hospedaria, o Sr. Dumbar e especialmente Aragorn. Não devia ter pessoa

melhor nessa dimensão que ele. Eu tive muita sorte em encontrá-lo.

Nunca fui boa em relacionamentos em minha dimensão, mas conversar com as

pessoas aqui era tão fácil, e Aragorn então me cativou de uma forma tão mágica. Ele era meu

amigo. A única pessoa que mereceu esse título além dele era Biel meu irmão. Mesmo sabendo

que Aragorn desejava mais que ser meu amigo eu poderia deixar que ele ocupasse a difícil

posição de ser meu melhor amigo. Assim era fácil entender porque eu o admirava tanto. E

comecei a pensar novamente em quanto sentiria sua falta quando chegasse a montanha Mayata e

atravessasse o portal sozinha.

E se eu nunca mais o visse? E quando eu voltasse a minha dimensão? Pensar em

nunca mais vê-lo me dava um frio na alma. Será que eu conseguiria mesmo me afastar dele

quando chegasse a montanha? Talvez não. Mas talvez ele mesmo se afaste de mim quando eu

lhe contar toda a verdade antes de atravessar o portal. Tenho certeza que ele não me perdoara

por ter mentido e por tê-lo usado. Mas eu tentaria fazê-lo acreditar que eu realmente precisava

dele, e que não foi por maldade, foi por desespero. Só tenho a Aragorn nessa dimensão. Mais

ninguém. Ernest morreu e nem Jeziel nem meu pai sabem que estou aqui. Então é só ele que eu

tenho.

Quando voltamos a cabine para nos deitar, muitos ainda ficaram no convés

dançando e conversando. Estava bem animado lá em cima, mais a cama macia e quentinha

estava muito mais atrativa.

Deitei-me enrolando numa coberta felpuda e Aragorn se deitou ao meu lado.

passamos boa parte da noite desfrutando do conforto da cama e fofocando sobre os três que

tinham almoçado conosco e a noite estavam também no convés. Aragorn com seu dom para ver

o que se passa na mente dos outros me passou em primeira mão as dificuldades que o rapaz

estava encontrando para se chegar até a garota. Eu me diverti com aquilo tudo, em toda aquela

conversa. Me senti uma mexeriqueira, mas era bem interessante porque Aragorn fazia tudo ficar

mais engraçado do que devia ser me contando o que se passava na mente dela e na dele.

O tempo passou e nem percebi que devia ter deixado Aragorn falando sozinho e

adormecido. Quando o sol entrou pela escotilha me despertando Aragorn ainda dormia ao meu

lado. Ele já não acordava repentinamente quando eu me movia perto dele enquanto dormia. E

lentamente me levantei da cama para não lhe perturbar o sono. Saí da cabine e me dirigi

descalça para o convés. Pelo jeito devia estar ainda muito cedo. Nenhum dos viajantes estava

ali, somente o Sr. Dumbar coordenava a direção da embarcação. O chão estava frio, uma

sensação bem agradável sob meus pés.

- Bom dia Melissa, vejo que acordou cedo. – Me cumprimentou o Sr. Dumbar.

- Ontem dormi cedo e já me sinto bem descansada.

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- Bem diferente dos meus outros passageiros que foram se deitar quando o sol já

despontava no horizonte.

- Tenho certeza que eles aproveitaram bem a noite em seu convés.

- Claro. As minhas viagens sempre ficam na recordação de quem as faz. Espero

que sejam boas recordações para você e seu amado.

- Com certeza serão.

- Aceita tomar café comigo já que Aragorn ainda dorme?

- Seria uma honra capitão Dumbar.

- Capitão Dumbar... Gostei disso. Todos agora me chamarão de Capitão

Dumbar.

Depois de tomar café com o capitão Dumbar voltei a minha cabine.

Aragorn continuava dormindo tão tranquilamente que antes de me deitar ao seu

lado observei ainda seu rosto. Ele era todo anjo agora que eu o observava com mais cuidado.

Cada traço do seu rosto apesar de ter linhas firmes eram tão bem desenhados, o tom claro de sua

pele de seus cabelos. Seu peito nu tão bem moldado por seus músculos nada exagerado, ele só

era forte naturalmente. Seu ventre desenhado e marcado por algumas cicatrizes de batalhas

vencidas que o deixavam ainda mais atraente. Cada momento eu entendia mais o fascínio que

ele exercia sobre as mulheres que olhavam para ele.

Quando me deitei ao seu lado seu sono estava mais leve e ele acabou

acordando.

- Onde você estava?

- Tomando café com o capitão.

- Com o capitão? – Perguntou confuso.

- Com o capitão Dumbar. – esclareci.

Ele esboçou um sorriso.

- Quer dizer que você deu mais um motivo para Dumbar se orgulhar de si

mesmo.

- Acho que combina com ele.

- Também acho.

- O que vamos fazer hoje?

- Já esta entediada?

- Antes eu só via árvores agora só vejo água, água e mais água.

- Ainda faltam quatro dias.

- Já estou entediada agora.

- Posso te colocar para dormir o resto da viajem.

- E você ficar solto aí para essas mulheres te atacarem? Não querido não ficara

bem para a reputação do nosso casamento. – Brinquei.

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Ele riu.

- A quem você esta se referindo?

- Aquela uma que não tirou os olhos de você desde que embarcamos.

- Não sei de quem você esta falando.

- Ah, deixa de ser cínico. Você sabe melhor do que eu. Aquela que almoçou

conosco outro dia. Com certeza você deve ter visto os pensamentos dela.

- Você é tão ciumenta.

- Toda esposa é.

- Você não é minha esposa de verdade.

- Mas já que você começou com essa estória é melhor entrar no papel. E ai de

você se te ver de conversinhas por ai com ela.

- Nunca gostei de mulher ciumenta.

- Casou comigo porque quis, agora aguenta.

Ele riu sonoramente.

Quando me joguei ao seu lado na cama ele se virou me encarando.

- O que eu posso fazer para acabar com seu tédio?

- Isso é quase impossível.

- O que costumava fazer em sua dimensão quando estava assim?

- Me entupia de bolo de chocolate na frente da minha TV.

- E resolvia?

- Nunca, mas pelo menos tinha um gosto melhor.

- Em Andaluz não tem chocolate nem TV, então teremos que arrumar outra

distração.

- Como o que?

Aragorn fez duas conchas com as mãos e as uniu em alguns segundos. Depois

quando ele as abriu uma estrela de fumaça surgiu de entre suas mãos flutuando no ar vindo até

minha mão. Quando a toquei ela dissipou.

- Que lindo. Como você fez isso?

- Eu já fui um Drevors lembra? Fazer fumaça não é tão difícil para mim.

- Você era como eles... Se transformava como eles?

- Até hoje eu posso se quiser.

- Isso é bem estranho.

- Te incomoda?

- Não sei bem. Me parece obra do mal.

- Um tipo de feitiço que a rainha Erkas lança sobre seus soldados.

Ouvir o nome dela me deu calafrios.

- E porque nunca te vi se transformar?

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- Não quero mais nada que me faça lembrar quem eu fui. Quero uma nova vida.

E quando me transformo sinto como se ainda fizesse parte do esquema deles.

- Mas essa fumaça que você fez é tão branquinha. E a deles é negra.

- Porque eu me libertei da influência de Cordomad. Hoje não há mais nada dele

em mim.

Ele uniu as mãos novamente e formou um animalzinho. E foi me distraindo

criando várias formas.

Depois de um tempo sem perceber que já estávamos a horas dentro da cabine

conversando alguém bateu na porta. Aragorn foi abrir.

- Senhor desculpe incomodá-lo, mas vamos passar por um cardume de Urrels e

o capitão Dumbar solicita a sua ajuda. – Falou um dos outros passageiros.

- O que são Urrels? – perguntei.

- São peixes extremamente grandes, mas não é temporada de Urrels nesse rio. -

Aragorn pegou sua camisa e saiu vestindo.

Eu saí atrás dele para ver do que ele estava falando. Ao passar pela proa, pude

ver no rio um animal que parecia um leão marinho, mas que devia ter o tamanho de uma baleia

fazendo um arco enquanto nadava ao lado da embarcação.

- Aragorn, venha para o leme, eu vou para a proa te dando a direção. Teremos

que passar por esse cardume com cuidado ou eles podem virar o barco. Disse o capitão.

- Mas não é época deles subirem o rio.

- Com certeza não, mas eles devem estar fugindo de alguma tempestade, por

isso estão subindo o rio.

Aragorn foi para o leme e o capitão para a proa. Aragorn guiava a embarcação

na direção que o capitão lhe dava indicando com a mão desviando dos enormes peixes. Cada um

deles era tranquilamente do tamanho do próprio barco. A medida que íamos navegando a

quantidade de peixes aumentava.

- Melissa, quero que você volte para a cabine. Não é seguro você ficar no

convés agora. – Aragorn me ordenou.

Enquanto eu caminhava de volta a cabine, um solavanco de baixo para cima

atingiu o barco, eu me desequilibrei e me apoiei na murada para prosseguir meu caminho.

Menos de dois passos adiante outra pancada fez com que o barco balançasse desgovernado e eu

fui lançada por cima do parapeito para o rio.

Ouvi a voz de Aragorn gritar meu nome e algumas pessoas se apoiando no

parapeito estendendo a mão para mim. Mas um peixe enorme passou por mim me afastando

para longe do barco. Eu tentei nadar de volta mais outro peixe passou por cima de minha cabeça

me fazendo afundar e beber muita água. Ao sentir a pele lisa fria e escorregadia do peixe eu me

assustei ainda mais.

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Quando voltei a superfície para tentar respirar vi que Aragorn havia pulado no

rio e nadava em minha direção. Outros dois peixes passaram lado a lado de mim me fazendo

girar sem direção e me lançando novamente para o fundo do rio. O movimento das águas estava

intenso por causa do cardume e eu não conseguia nadar de volta para cima.

A quantidade de peixes aumentou e eu já estava sendo espremida entre um e

outro, meus braços já não tinham força para nadar e meus pulmões já estavam cheios de água.

Num último fôlego para buscar a superfície impulsionei meu corpo para subir e uma pancada

forte na cabeça provocada por outro peixe me desorientou. Senti que meu corpo ia afundando

sem resistência e sem consciência me deixei levar.

Tudo ficou escuro.

Pelo tempo que minha consciência não me permitiu mensurar tudo estava em

silêncio e depois a voz de Aragorn surgiu distante chamando meu nome. Sentia que sua boca

soprava uma quantidade de ar exagerada pela minha forçando meus pulmões a reagir. Numa

reação involuntária meu pulmão expeliu pela boca e pelo nariz a água que ele tinha absorvido.

Uma tosse que fazia arder todo meu peito veio em seguida e Aragorn me abraçou forte contra

seu peito.

- Você me assustou garota. – Ele falava aliviado.

Quando abri meus olhos estava de volta a embarcação e todos os passageiros

estavam ao meu redor fazendo sombra sobre mim.

- Vamos, vamos... Cada um vai cuidar da sua vida. Ela já esta bem e o cardume

já passou. Não há mais perigo. – Falou o capitão dispersando os curiosos.

Aragorn tirou o cabelo molhado do meu rosto.

- Você esta bem garota? Fala comigo.

Busquei força em minha voz, mas não encontrei. Como percebi que se eu não

respondesse Aragorn ficaria ainda mais angustiado respondi em pensamento.

Estou bem eu acho. Só estou cansada.

Tudo bem, vou te levar pra descansar.

Seus braços passaram por baixo de mim me erguendo do chão e me levando até

a cabine.

Ele me colocou sobre a cama me enrolando numa toalha. Quando abri

novamente meus olhos vi seu rosto aflito em mim.

- Estou bem Aragorn.

- Só vou descansar quando te ver sorrindo de novo.

- Pensei que seria devorada pelos peixes.

- Isso não iria acontecer. Eles se alimentam exclusivamente das plantas que

nascem no fundo do rio. Se algum deles te devorassem teriam uma terrível indigestão.

Meus lábios esboçaram um sorriso fraco.

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- Agora sim vejo que esta melhor.

- Obrigada. Salvou minha vida mais uma vez. – finalmente consegui falar.

- Já esta se tornado um costume.

- Espero que eu possa parar de ter essas experiências. Você já deve estar se

cansando.

- Também espero que não precise te salvar a cada dois dias somente para sua

própria segurança, mas não me canso de cuidar de você.

A ternura na voz e nos olhos dele me deixaram comovida. Ergui minha mão até

seu rosto e me aproximei dele selando carinhosamente seus lábios.

- Mesmo assim obrigada novamente.

- Se essa for sua reação a cada salvamento prefiro então que você sofra algum

tipo de acidente a cada dez minutos. Eu mesmo posso providenciar alguns.

Empurrei seu ombro em protesto, e mesmo com a piada eu sabia que ele tinha

ficado feliz com meu gesto. E ele merecia isso. Por arriscar sua vida pulando naquelas águas

para me salvar.

Me acomodei mais sobre o travesseiro. Estava me sentindo muito cansada e

Aragorn puxou o cobertor para cima de mim para me aquecer. Ele ficou ali sentado ao meu lado

segurando minha mão enquanto eu descansava e assim debaixo de seus cuidados acabei

adormecendo.

Acordei somente no outro dia de manhã e Aragorn estava deitado ao meu lado,

mais não tinha largado minha mão. Quando abri meus olhos e me movi um pouco ele abriu os

seus em seguida. Havia tanto cuidado, tanta devoção naquele olhar que senti como se eu não

merecesse tudo aquilo. E não merecia mesmo.

O amor de Aragorn me comovia, me emocionava, mas também me deixava com

uma sensação de culpa. Não era certo deixar que ele me amasse dessa forma. Eu sabia muito

bem a dor que um amor desses causaria a ele, como o meu amor por Jeziel me causou uma dor

irremediável. Eu iria acabar ferindo Aragorn da mesma forma que Jeziel me feriu. E ele não

merece isso. Assim como eu também não merecia.

- Que bom que despertou. – Aragorn falou aliviado.

- E você não saiu daqui esse tempo todo?

- Só para abrir a porta para o Sr. Dumbar que estava preocupadíssimo com você.

Ele conseguiu vir aqui umas vinte vezes desde ontem.

- Capitão Dumbar, não se esqueça.

Ouvi batidas na porta.

- Vinte e uma.

Aragorn se levantou e foi abrir a porta.

- Como ela esta? – O capitão perguntou da porta.

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- Acabou de despertar.

- Posso vê-la?

O capitão entrou na cabine com os olhos preocupados.

- Minha querida, você nos deu um susto tremendo ontem e depois que dormiu

esse tempo todo, estava realmente preocupado com você.

- Estou bem capitão, obrigada pela sua preocupação.

- A minha tripulação e eu queremos dar uma festa esta noite para

comemorarmos seu salvamento e recuperação.

- Não sei se seria...

- De jeito nenhum eu vou deixar de dar essa festa em sua homenagem. Todos

estávamos muito preocupados, e para espantar esse clima de tristeza vamos ter uma linda festa.

- Não se preocupe capitão, prepare a festa para essa noite, Melissa também vai

comemorar. – Aragorn falou por mim.

- Ótimo, teremos uma festa tipicamente náuticaluziana.

Pelo sorriso de Aragorn me pareceu que não seria uma festa comum.

- O que é uma festa náuticaluziana?

- É uma festa onde os homens ficam de um lado e as mulheres do outro, elas

ficam juntas participando da festa sem aproximar dos homens, enquanto todos bebem e

conversam até que chega o momento da dança onde todas elas dançam com todos os homens do

barco até se encontrar com aquele que lhe agrada. E depois bem... Cada um faz o que achar

melhor.

- Então é uma forma de provocar um encontro.

- Com certeza.

- Bem, vai ser uma experiência nova. - Falei cismada.

Ele me olhou sem que eu conseguisse descrever o que tinha em seu olhar.

Bateram na porta mais uma vez.

Quando Aragorn abriu, uma avalanche de mulheres entrou eufórica pelo quarto.

Aragorn se encostou com os braços para cima na parede enquanto elas me arrancavam da cama.

- Vamos Melissa não temos muito tempo.

A ação delas foi tão rápida que nem tive tempo de reagir, só vi por cima de o

meu ombro Aragorn me dar adeus com um sorriso nos lábios.

- Para onde estão me levando?

- Nós temos que nos arrumar para a festa e logo anoitecera.

Me introduziram numa cabine onde outras garotas nos aguardavam, todas

estavam muito eufóricas e na expectativa de que a festa fosse um sucesso.

Elas se moviam em grupos arrumando umas as outras, e comentando sobre os

rapazes que elas queriam dançar. Era tão tipicamente adolescente a empolgação que acabei me

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animando com elas. Aragorn também estaria lá para me ver e isso dava um tom especial aquilo

tudo.

Participei com elas na arrumação de cada garota, usando um pouco dos meus

conhecimentos em maquiagem e em penteados, elas adoraram as novidades e também

arrumaram meu cabelo e me vestiram um vestido de tecido leve em cor dourado. Era um pouco

revelador nas costas e no decote do busto, mas não estava vulgar. Na verdade me senti mais

bonita naquela roupa. Todas elas estavam lindíssimas também, verdadeiras ninfas do rio.

Quando anoiteceu e todas fomos para o convés, estava ansiosa para ver

Aragorn, o barco tinha todo sido decorado com luzes e flores e todos os homens também

estavam ali num lugar reservado para eles. Procurei por Aragorn que se recostava

tranquilamente no parapeito do barco tão divinamente trajado e atraente que fiquei feliz em não

poder ter que ir até ele.

Com a chegada das mulheres a festa deu início e os homens da lá bebiam e

conversavam no clube do bolinha e nós mulheres também do lado de cá, nos ocupávamos em

nossas conversas.

A festa na verdade era uma vitrine onde cada uma expunha suas qualidades e

seu charme atraindo para si o olhar de algum pretendente. Vez ou outra eu dava uma espiada em

Aragorn que conversava tranquilamente com os outros homens, mas sempre que eu olhava ele

cruzava seu olhar com o meu.

Me sentei um pouco já que a festa iria provavelmente durar a noite toda. Depois

de um bom tempo todos já estavam ansiosos para que a segunda parte da festa iniciasse e a

música começou a tocar. Os homens então saíram de seus lugares e vieram tirar as damas para

dançar. Eu já esperava por Aragorn, mas quando uma mão se estendeu para mim, não era a dele.

Um homem de cabelos negros caídos sobre os olhos me tirou para dançar. Me coloquei de pé a

dançar com ele já que tinha sido instruída a não recusar nenhum convite já que a dança era um

jogo e todos precisavam participar.

Enquanto eu rodava com meu par pelo convés busquei encontrar Aragorn

dançando com alguém, mas não o encontrei. Depois da primeira dança fui convidada por outro

par e também dançamos. Meus olhos não cansavam de procurar por Aragorn que não estava no

convés. Mas eu não podia sair para procurá-lo.

Cinco pares depois, o Capitão Dumbar me tirou para dançar, ele estava bem

animado e feliz.

- Capitão o senhor viu Aragorn?

Ele ergueu seus olhos para cima onde ficava o leme e eu segui seu olhar. Lá

estava Aragorn com o leme nas mãos guiando a embarcação.

- Ele se ofereceu para levar o barco para que eu pudesse dançar com vocês,

afinal ele já tem você, e eu preciso encontrar alguém que queira acompanhar esse navegador.

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O Capitão esticou o olhar para uma das mulheres que estava dançando ao nosso

lado com seu par. Ela também esticou o olhar para ele. E eu fiquei feliz em saber que

provavelmente o capitão poderia encontrar sua companheira já que enquanto nos arrumávamos

na cabine ela esboçou a vontade de ficar com ele.

- Mas vou pedir para que alguém o substitua para que vocês possam dançar

também.

O melhor par de danças foi sem dúvida o capitão. Ele era divertido falador e

dançava bem. E não tirava os olhos da mulher ao lado.

- O senhor devia chamá-la para dançar logo.

- Você acha?

- Ela não tira os olhos de você. E ela vai acabar se cansando se tiver que dançar

com mais meia dúzias de homens te esperando.

- Você tem razão, assim que essa música acabar vou até ela.

Demos mais algumas voltas e quando a música parou ele me cumprimentou e

caminhou até ela sob meu olhar distraído.

Uma mão quente e suave pousou em minha pele nas costas que estavam a

amostra pelo vestido me fazendo arrepiar.

- Agora é minha vez. – Aragorn sussurrou em meu ouvido.

Quando ele me fez girar, e me enlaçou pela cintura, não sei se pela surpresa ou se

pelo toque das suas mãos em minha pele nua, todo meu corpo estremeceu. Quando vi seus olhos

me fitaram e pude sentir que seu corpo também reagiu a mim.

- Você esta linda.

- Você também. – Elogiei com sinceridade ele estava esplêndido com aquela

camisa clara destacando seu peitoral.

- O que esta achando da festa?

- Acho que muita gente vai sair desse barco casado.

Ele riu.

- Esse é o real motivo de cada um deles estarem fazendo essa viajem de barco.

Fora nós dois, nenhum deles tem a necessidade de viajar assim. Essa viajem é uma forma das

pessoas se aproximarem. E começarem uma história de amor.

- Porque não havia me dito antes?

- Não achei necessário.

- Então estamos no barco do amor?

- Pode se dizer que sim.

Sorri. Agora entendi porque todos estavam tão animados.

- Mas cinco dias não é pouco tempo para se conhecerem?

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- Quando atracarmos com certeza os que se apaixonarem não vão desembarcar;

Farão a viajem de volta com o capitão. E os que não tiveram sorte vão esperar a próxima

embarcação.

Continuamos dançando e passei a observar os casais que bailavam ao nosso

redor. Vendo alguns, já podia notar quem seriam passageiros do capitão Dumbar na viajem de

volta. Outros, no entanto, ainda estavam a procura de seu par no barco do amor.

Um rapaz passou por nós me olhando e pelo jeito ele estava esperando que a

música acabasse para substituir meu par.

- Se importa de passar o resto da noite dançando comigo? – Aragorn propôs,

- Não. Porque essa pergunta?

- Sei que tem outros querendo a oportunidade de dançar com você.

- Esse é o jogo não é? – Brinquei.

- Não gostei de ver você em outros braços. – Ele me apertou ainda mais

possessivamente e meu corpo enrijeceu com medo do seu toque que estava me causando novas

sensações.

- Eu só estava participando da brincadeira, e você não estava aqui para dançar

comigo. – Me afastei um pouco de seus braços.

- Sabe o que não entendo? Você é tão minha quando esta longe de mim. Eu vi

seu olhar me procurar quando subiu ao convés, vi você me procurando enquanto dançava. Sei

que sente minha falta quando me afasto por alguns minutos de você, e sei o quanto me espera

chegar, mas quando estou assim, próximo, você fica forçando uma barreira entre nós.

Me soltei de seus braços e andei rumo a popa me segurando no parapeito vendo

as águas tranquilas iluminadas pelas luzes do barco. Eu precisava respirar um ar puro que não

tivesse impregnado com a atmosfera inebriante de Aragorn.

Aragorn me alcançou e se aproximou mais de mim de forma intimativa.

- Não fuja... Olhe para mim Melissa.

- Não... Por favor. – Eu estava me sentindo sensível demais para encarar seus

olhos.

- Olhe-me, quero ver seus olhos agora. Porque eles não mentem, e sei através

deles o que você nega que esta sentindo.

Senti que não poderia ceder ao pedido dele. Mantive meus olhos no chão

balançando negativamente minha cabeça, mas ele não se deu por vencido.

- Olhe para mim Melissa.

A sua voz veio de forma doce mais tão autoritária que não pude mais impedir

que meus olhos encontrassem os dele.

Por um instante de nosso olhar tudo ao nosso redor pareceu desaparecer,

somente o ouro dos olhos de Aragorn iluminava o universo.

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- É disso que estou falando. Quanto tempo ainda vai negar... Quanto tempo

ainda vai me fazer esperar e sofrer por te querer? Por quanto tempo ainda vai me privar de tê-la

em meus braços?

Eu não tinha essas respostas. Não sabia quanto tempo mais eu poderia resistir,

mas ia continuar enquanto pudesse. Mas ficava bem difícil... muito difícil mesmo quando ele

me olhava assim.

Aragorn com seus olhos firmes nos meus, encaixou suas mãos em meus cabelos

se aproximando para me beijar. Minhas mãos pousaram em seu peito para impedi-lo, e ele não

insistiu, apenas me soltou e num rompante de fúria se virou esmurrando o parapeito do barco

num grande estrondo.

Saí andando para longe de Aragorn enquanto ele debruçava aborrecido sobre a

murada.

Passei pelas pessoas que ainda dançavam e corri para minha cabine. Me lancei sobre a

cama desconsolada e chorei compulsivamente. A gama de sentimentos que estavam me

invadindo me deixou nervosa e vulnerável. Eu tinha que recarregar minhas certezas e meus

impulsos.

- Eu amo Jeziel... Amo o meu Leo... É por ele que estou aqui. – Eu falava

baixinho me recordando o motivo da minha viajem enquanto as lágrimas percorriam meu rosto.

Peguei a coroa em minha mochila e ao colocá-la sobre a cabeça, clamei pela

visão de Jeziel.

- Meu Leo, onde você esta? Preciso te ver... Preciso de você, do seu amor... Por

favor apareça a mim.

A coroa não me mostrava nada. E o choro se tornava ainda mais sentido.

Retirei-a e a guardei novamente.

Quando a porta da cabine se abriu e Aragorn entrou, escondi meu rosto entre os

travesseiros me virando de costas para ele.

Ele se sentou a beira da cama, e pousou a mão sobre meu ombro.

- Eu não tenho o direito de te fazer chorar. Me desculpe.

A voz dele sempre tão doce comigo carregava um extra de angustia. E saber que

ele estava sofrendo por minha causa me deixava louca.

Como não disse nada ele continuou.

- É só que cada dia que nos aproximamos da montanha Mayata, sinto que tenho

pouco tempo para conquistar seu coração. Penso que se chegarmos até lá você ira partir sem

mim e... eu não posso te perder.

Retirei meu rosto dos travesseiros e o fitei.

- Aragorn não insista nisso. Eu não posso corresponder ao que espera de mim

- Não pode ou tem medo?

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- Você é meu amigo, o único amigo que tenho aqui, a única pessoa que confio,

e... não posso te amar.

- E você então esta me mantendo por perto só para chegar a montanha Mayata.

E depois vai partir sem mim?

- Não. Você esta me ajudando e é verdade que não conseguiria sem você, mas

não estou te usando se é isso que esta insinuando. Eu poderia ter vindo só. Como era meu plano

quando partiu me deixando na casa de Thiouryna.

- Você não estaria viva agora se eu não tivesse ido atrás de você. Eu tentei ir

embora, tentei esquecer que você tinha caído como uma estrela em minha vida, mais eu já

estava apaixonado. Desde o primeiro momento em que te vi quis ter você para mim. Me

apaixonei por você Melissa no primeiro instante em que coloquei meus olhos em você. E eu

lutei contra esse sentimento. Lutei contra essa paixão assim como você esta lutando agora. Só

que minhas forças foram vencidas pelo desejo de ter você comigo. E vou esperar até que suas

forças de lutar contra o meu amor também se acabe.

- Eu preciso de você Aragorn. Preciso da sua ajuda da sua amizade do seu

carinho. Me faz tão bem estar ao seu lado. Me sinto tão segura, tão protegida, e quero te ver

bem, te ver feliz, você merece toda a felicidade do mundo pela pessoa maravilhosa que você é.

E não quero te magoar, te ferir ou te ver sofrendo. Mas por favor, não me peça mais do que isso.

Meu coração esta trancado para qualquer outro tipo de sentimento.

- Seu coração esta trancado agora. Mas eu vou achar a chave desse seu coração.

Aragorn me olhou serenamente e se levantou da cama. Ele não teria mais nada a

falar a mim que eu já não soubesse.

- Vou voltar para a festa. Não quer vir comigo?

Eu sabia que ele só iria me deixar sozinha na cabine porque ainda estava

chateado.

- Depois eu vou.

Após Aragorn sair e fechar a porta atrás de si, repassei mentalmente toda nossa

conversa e percebi que as coisas estavam se complicando mais entre nós. Ele não iria mesmo

desistir até conseguir alcançar meu coração. Mas meu coração já tem dono. Assim pelo menos

eu penso. E foi só por isso ainda que eu não perdi a batalha para o amor dele. Cada dia que se

passa fica mais difícil, mas também estamos mais próximos dessa viajem chegar ao fim. Ele

tinha razão. Quando chegar a montanha Mayata eu iria me despedir dele para sempre e sei que

depois de lhe contar a verdade ele iria me odiar, mas eu devia a verdade a ele. E com certeza

uma pessoa tão maravilhosa como Aragorn encontraria alguém que pudesse lhe dar o amor que

ele merece. O amor que não posso dar. E que o faça feliz.

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Fiquei imersa em meus pensamentos e não me animei a voltar a festa. Aragorn

devia estar dançando com alguma garota e isso faria bem a ele. Várias garotas o olhavam com

cobiça, quem sabe alguma delas lhe despertasse algum interesse. Essa idéia não me era

confortável, mas assim ele podia me esquecer.

Acabei adormecendo e acordando somente na manhã seguinte percebendo que

Aragorn não tinha dormido na cabine.

Isso não era um bom sinal. Ele devia estar chateado comigo e mesmo que ele

tenha me dito que não iria desistir, era capaz que ele se cansasse de mim e durante a noite na

festa viu que seria uma perda de tempo continuar investindo na Melissa estranha, e cheia de

segredos. A festa estava animada e várias garotas lindas disponíveis e bem menos complicadas

que eu e...

E se meu desejo tivesse se realizado? – pensei angustiada - E se realmente ele

encontrou alguém interessante e resolveu passar a noite com ela?

Meu coração se apertou e me lembrei que não tinha o direito de sentir ciúmes. Era o

que eu queria... Que ele encontrasse alguém. E é o que deve ter acontecido. Afinal estávamos no

barco do amor.

Depois de ficar quase maluca pensando nas possibilidades de comportamento

das garotas com Aragorn no convés, ou quem sabe em alguma cabine, me levantei e ponderei se

devia ir atrás dele ou não. Afinal ele era descompromissado, lindo de morrer, não era

propriedade minha e ele realmente merecia alguém que lhe desse o devido valor.

Mas, por mais que eu pensasse assim não conseguia realmente me convencer, e

acabei me lembrando que nós estávamos ali naquela embarcação encenando de casal

apaixonado, então eu... euzinha aqui tinha todo o direito de saber aonde meu suposto marido

tinha passado a noite.

Saí da cabine ainda com a roupa de ontem e procurei pelo convés onde alguns

sapatos haviam sido esquecidos algumas peças de roupa também estavam espalhadas pelo chão,

algumas garrafas de bebida e alguns homens jaziam bêbados deitados em pontos variados pelo

convés.

Avaliei que o restante da festa sem mim foi bem mais animada. E que Aragorn

também devia ter aproveitado muito mais. E que eu não tinha o direito de lhe cobrar nada e que

seria melhor eu voltar para a cabine e fazer de conta que ainda estava dormindo. Quando ele

voltasse não ia perguntar nada... não ia querer saber de nada do que ele fez a noite, ou com

quem... ele era responsável por seus atos e eu ficaria aliviada em saber que ele me tirou da

cabeça.

Um frio angustiado me surpreendeu no estomago.

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Droga! Quem eu estou querendo enganar? - assumi meu ciúmes – mas eu vou

matar Aragorn quando ele aparecer... ah se vou! - Resmunguei em pensamento completamente

aborrecida. Já caminhando de volta a minha cabine para preparar minha espada ou quem sabe

alguma erva venenosa e socar na boca dele.

Dei alguns passos desiludidos e arrastados de volta e me lembrei do capitão

Dumbar ao leme. Resolvi lhe acenar um bom dia já que o meu começara péssimo e quando

olhei para leme procurando pelo capitão, Aragorn estava lá com suas mãos firmes guiando a

embarcação.

Um suspiro de alívio saiu involuntariamente pelos meus lábios. Toda aquela

angustia sumiu imediatamente. Com certeza Aragorn tinha substituído o capitão para que ele

pudesse ter mais da companhia de seu par de ontem na festa. E ele mesmo não tinha ficado com

ninguém.

Me senti egoísta. Mas não pude evitar o prazer de vê-lo ali sozinho.

Ele fez sinal para que eu me juntasse a ele. Subi as escadas e me aproximei.

- Esta mais calma essa manhã?

- Estou. – Respondi me perguntando se eu conseguiria lhe dar essa mesma

resposta se não o tivesse encontrado sozinho no leme.

- Só mais essa noite, e estaremos em terra firme.

- Estou ansiosa para voltar a dormir debaixo das árvores novamente. – Brinquei.

- Você dorme bem melhor debaixo de uma árvore do que em uma cama.

- Porque diz isso? – Falei intrigada.

- Na cama você fica muito agitada. Rola a noite inteira chuta e bate com os

braços como se estivesse lutando.

- Mentira. – Me defendi. - É por isso que não quis dormir comigo hoje?

- É difícil dormir ao seu lado com você me acotovelando a noite inteira.

Dei um tapa em seu ombro.

- Você esta inventando.

- E ronca também. Alto.

- Não ronco não. – Falei constrangida. Será que era verdade?

Ele sorriu se divertindo.

- Diga que você esta inventando isso, eu não rolo a noite inteira na cama.

- Tá, isso eu inventei.

- Eu sabia.

- Mas você ronca.

- Mentira... – Saí andando para deixá-lo, mas ele segurou meu braço.

- Estou brincando. Eu só queria quebrar o clima que ficou de ontem a noite.

Apesar de achar sua carinha de choro linda, prefiro te ver sorrindo.

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- Você é irritante.

O sorriso de anjo maroto que eu aprendi a amar estava de volta em seu rosto.

Isso era sinal de que ele estava bem. E isso me deixou feliz. E eu tinha que assumir. Estava feliz

também por ele ainda estar só.

Ele me colocou para segurar o leme e ao meu lado ia me contando o que eu

havia perdido da festa de ontem. Me contou também que o capitão havia se dado muito bem. A

mulher que ele estava interessado já estava a um bom tempo tentando se aproximar dele, mas

como ele nunca tinha tempo por ter que cuidar do barco, nunca surgia uma oportunidade. E com

a presença de Aragorn e com a capacidade dele de guiar a embarcação o capitão pode

finalmente encontrar sua cara metade. O rapaz que tinha almoçado conosco noutro dia também

tinha conseguido ficar com a garota que ele queria e vários outros casais tinham se formado

naquela noite.

- É realmente um barco do amor. – Exclamei.

Por todo o resto do dia fiz companhia a Aragorn no leme até que o capitão

aparecesse feliz da vida com sua companheira ao seu lado.

O barco parecia ser só nosso. Ninguém saiu de suas cabines e os que dormiram

apagados no convés por causa da bebida iam se levantando um a um e cambaleantes andavam

até suas cabines. Quando voltamos para a nossa já estava escuro e essa seria nossa última noite

no barco.

De manhã atracaríamos no porto do vale de Gaya e prosseguiríamos nossa

jornada por terra. O que era um pouco mais cansativo e perigoso, mas eu já estava acostumada.

Deitei-me cedo para dormir e aproveitar mais um pouco do conforto de uma

cama quentinha e macia o que provavelmente levaria dias até encontrar outra novamente.

Aragorn voltou a fazer companhia ao capitão Dumbar e quando amanheceu nem

sei se ele dormiu na cabine, mas já estava de pé com tudo preparado para desembarcarmos.

Horas depois atracamos no porto do vale. Nos despedimos do capitão e somente

alguns poucos passageiros desceram conosco. Eles iriam embarcar no próximo barco, mas nós

iríamos continuar nossa viajem por terra seca.

O vale era um lugar mágico. Toda a vegetação, toda a sua extensão era

iluminada pelos raios do sol que tinham um brilho especial naquele lugar. A visão do vale era

como uma pintura viva. Cada planta parecia ter sido milimetricamente projetada como um

enorme jardim arquitetado. O brilho daquele lugar me lembrou a minha primeira impressão que

tive ao chegar a Andaluz, quando cheguei à colina do rei. E serviu também para me lembrar o

que eu estava fazendo neste lugar.

Aragorn e eu seguimos margeando o rio rumo ao norte. Meu coração bateu

acelerado quando nós demos nossos primeiros passos. Faltava muito pouco para que eu pudesse

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atingir meu objetivo. Agora faltava bem pouco para chegarmos a montanha Mayata. Meu

coração acelerado me lembrava que agora estava mais perto do que jamais estive de Jeziel.

Faltava muito pouco para um possível reencontro.

Mesmo que eu não soubesse o que seria quando esse momento chegasse, meu

coração estava ansioso e me gerava expectativas.

Eu estava particularmente feliz por ter vencido tantos obstáculos e chegado até

ali. Feras, Drevors, montanhas e rios, e meu maior adversário... Eu mesma com meus

sentimentos abstratos e confusamente perturbadores.

Capítulo 16

Nessa noite procuramos um abrigo, a noite era extremamente fria como no

deserto. Entre rochas nos protegendo do vento e com o céu estrelado sobre nossas cabeças.

Aragorn já não se sentava do outro lado da fogueira como antes. Ele agora

ficava sempre ao meu lado. E eu tentava me distrair brincando com umas pedrinhas no chão.

Aragorn sem cerimônia pegou uma mecha do meu cabelo e a levou até seu rosto

para sentir o perfume. Aquilo foi parecido demais com o que Leo costumava fazer, o que me

deixou pouco a vontade.

Mas pensar na proximidade da ilha Mayata me dava a sensação de que tudo

estava para terminar. Alívio e angustia misturavam-se dentro de mim. Aragorn estava perto

agora de mim, mais alguns dias de viajem e o adeus então seria inevitável.

- Me conte sobre sua casa, você não sente falta? – Ele falou me tirando de meus

pensamentos.

- Sinto falta da minha mãe e de meu irmão.

- De ninguém mais? - Ele ainda tentava descobrir mais sobre mim com suas

perguntas “melhor formuladas”.

- Não tem mais ninguém que me interesse lá.

- Nem amigos?

- Não.

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- O que você fazia lá?

- Nada.

- Nada? – Ele pareceu desapontado.

- Ao que parece, toda minha vida por lá foi esperar o dia para vir para Andaluz.

- O que você tem para fazer aqui?

- Vai ficar me interrogando agora? – Desconversei.

- Suas respostas são sempre superficiais mesmo.

- Aragorn, quero te dar uma coisa – Mudei o rumo da conversa de propósito.

Puxei minha mochila mais para perto e peguei os braceletes que meu pai havia deixado e estendi

a ele.

- Vai me dar os braceletes do antigo general da guarda real? – Ele falou

cismado. - Não quero um presente de despedida.

- Não é um presente de despedida. Recomendação de meu pai para que eu desse

a quem estivesse me ajudando na viajem. E nesse caso é você.

Ele os pegou nas mãos.

- Eu não estou aqui para te ajudar... Não mais... Agora estou fazendo a viajem

com você.

- É para você. – Insisti – Meu pai disse na carta que tem poderes especiais.

- Como o que? – Perguntou desconfiado.

- Não sei te dizer, mas acho que deve intensificar os seus dons.

- Que ótimo agora vou poder te colocar para dormir em dois minutos ao invés

de cinco. – Ironizou.

- Pare de brincadeira – Peguei os braceletes e coloquei em seus pulsos. – E

então, esta sentindo alguma coisa?

Ele me olhou curioso.

- Era pra sentir?

- Sei lá, você que é o Andaluziano.

- Até agora nada. – Ele girava os braços diante dos olhos examinando os

braceletes.

- Faça alguma coisa. – Sugeri.

- Como o que?

- Sei lá, faça um exercício com a espada – Se os braceletes funcionassem como

a coroa era capaz que Aragorn percebesse uma considerável melhora.

Aragorn se levantou e com sua espada simulou uma luta imaginaria e enquanto

dançava em sua coreografia eu o observava boquiaberta em ver tanta destreza e agilidade.

- Quer aproveitar e treinar um pouco comigo? – Me perguntou quando percebeu

meu interesse.

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Eu me levantei e desembainhei minha espada. Ele já tinha me dado várias aulas

e segundo ele mesmo eu estava ficando muito boa.

- Tudo bem, se você quer apanhar? – Falei brincando.

- Até parece que vou apanhar de uma baixinha como você.

Eu comecei atacando nos métodos que ele havia me ensinado. Entre defesas e

ataques eu realmente estava muito bem e me surpreendia com meus acertos. Aragorn era

implacável e não facilitava para mim. Eu por minha vez não desistia de derrotá-lo o que fazia

com que ele se empolgasse mais.

De certo ponto de nosso treinamento ele abriu seu sorriso maroto, e de uma

batalha passou a ser uma brincadeira pessoal onde ele com a espada cortou sem encostar em

mim o cordão que prendia minha capa sobre meus ombros e ela caiu ao chão. Eu parti para a

defesa, mesmo assim noutro golpe ele fez uma fissura da barra da saia do meu vestido até meu

quadril. Ele acabaria me despindo se eu não fizesse nada.

Quando eu abaixava a espada para dizer que queria parar com a brincadeira ele

me atacava me obrigando a defesa e num desses ataques ele cortou uma mexa de meus cabelos

pegando-a no ar antes que pudesse cair ao chão. Ele levou a mexa em sua mão até seu rosto

cheirando-a. Eu fiquei como sempre fico quando estou assustada, parada e calada. Passei a mão

nos cabelos sentindo falta da mecha cortada. Num piscar de olhos ele girou sua espada contra a

minha me desarmado e devagar veio se aproximando.

Senti um medo estranho. Não era medo, era adrenalina, e ansiedade, assustada

com o novo olhar que Aragorn lançava sobre mim obstruindo minha paz de espírito. Enquanto

ele caminhava uma luz dourada começou a irradiar de sua pele. Sua luz me encantou, não o

tinha visto daquela forma ainda e ele era todo ouro agora.

Seu sorriso se desmanchou num olhar ousado e sedutor. Para mim

constrangedor. Se alguém pudesse literalmente devorar outra pessoa com os olhos, era o que ele

estava fazendo.

Dei dois passos para trás tentando me afastar desse novo Aragorn atrevido, o

que não adiantou. Ele estendeu as mãos para mim e sem nenhuma resistência fui atraída a ele

como a um imã. Em segundos meu corpo se chocou com o dele. Com nossa proximidade sua

luz brilhou mais forte e seus olhos faiscaram em brasas olhando para mim. Eu estava fascinada

e desconcertada, mas não havia nada que eu pudesse fazer.

- Se eu fosse um inimigo, você não teria nenhuma chance. - Falou numa voz

sedutora e rouca me segurando pela cintura enquanto eu tentava manter minha respiração

uniforme. - Essa mecha de cabelo poderia ter sido seu pescoço. Vai ter que fazer melhor do que

isso Melissa.

A voz dele, seu jeito de me segurar... Era algo novo que sentia. Ninguém jamais

me pegou tão dono de mim dessa maneira ou com tanto apelo. Nem Jeziel.

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Aragorn me olhou com os olhos ardentes sondando minhas reações esperando

ver em mim algo que o fizesse parar ou prosseguir, enquanto ele me olhava seu sorriso envolto

numa áurea dourada voltou a ser o sorriso maroto de homem com jeito de moleque que eu já

estava acostumada. Seu brilho foi esvanecendo e ele me largou em pé se sentando no chão

cravando sua espada no solo e deixando seu corpo cair deitado. Ele cruzou os braços sob sua

cabeça olhando as estrelas como sempre.

- Você tem razão esses braceletes dão uma precisão incrível no uso da espada. –

Ele falou divertido mudando de propósito o clima entre nós. – Posso cortar uma linha da sua

roupa sem te ferir.

Eu ainda estava regulando minha respiração.

- Tinha que ser eu a cobaia? – resmunguei tentando disfarçar minha surpresa

por ele ter me soltado.

- Não estou vendo mais ninguém aqui. Eu precisava testar.

- Eu só tenho essa roupa sabia? – Falei agora irritada vendo o estrago que ele

tinha feito.

- Ficou bem melhor assim. - Ele pousou seus olhos em meu novo decote. -

Tinha muito tempo que minha luz não brilhava por vontade própria.

- Você acha que foram os braceletes?- Perguntei curiosa com os poderes do

bracelete enquanto dava um jeito em minha roupa.

- Claro que não. A luz não tem nada a ver com o bracelete.

- Então o que a fez brilhar? – Perguntei curiosa.

E pelo olhar que ele me deu dos pés a cabeça, delineando cada uma das minhas

curvas, ruborizei, então preferi não prosseguir no assunto.

Mais um dia de viajem e chegamos a beira de um rio largo e de correnteza

- Vamos nadar? – Sugeriu Aragorn.

- Quer que nademos nessa correnteza? - Falei temerosa me lembrando da

última vez que entrei nas águas de um rio.

- Não é tão difícil como parece, e o rio é estreito e da para atravessarmos

tranquilamente. – Ele tentava me animar.

- Para um salmão acredito que não seja difícil. – Brinquei. Não achei que ele

soubesse o que era um salmão.

- É isso ou mais um dia de viajem até um povoado a oeste daqui.

- Então vamos para o oeste. - Não estava disposta a enfrentar um rio a nado.

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Andamos por todo o dia as margens do rio.

Aragorn pescou com a lança e nos preparou um delicioso peixe para o almoço

em seguida voltamos a caminhar.

Aragorn sempre atencioso e muito próximo de mim. Por um bom pedaço de

nossa caminhada andamos de mãos dadas como um casal, mas estava começando a me

preocupar com isso. Aragorn estava realmente cumprindo sua promessa de lutar por nós.

Algumas vezes tentei soltar de sua mão, mas ele sempre a prendia. Ele não estava sendo

inconveniente... De maneira nenhuma. Ele era extremamente agradável mesmo com seu jogo de

sedução e suas investidas discretas. O fato é que estava preocupada em dar mais esperanças a

ele sabendo que não poderíamos ficar juntos. Sabendo que em pouco eu iria me despedir e me

preocupava em como ele iria se sentir.

A noite acampamos na beira do rio que nos serviu de paisagem por todo o dia.

Eu estava tão cansada de caminhar debaixo do sol escaldante que logo peguei no sono.

No meio da noite acordei e Aragorn não estava ao meu lado. Me levantei a sua

procura e o avistei mergulhando no rio. Andei em sua direção e quando ele percebeu minha

presença saiu da água e veio ao meu encontro.

Eu esquadrinhava cada músculo do seu corpo despido enquanto ele andava. Era

hipnotizante. Só percebi que estava de boca aberta quando Aragorn com a mão levantou meu

queixo fazendo meus dentes baterem uns nos outros. Ele reprimiu um sorriso para não me

deixar sem graça. Passou por mim e foi para nosso acampamento. Eu também voltei e me sentei

novamente em meu lugar.

Ele estava testando os poderes do bracelete e manejava sua espada no ar

redimensionando seus movimentos. A coreografia que ele fazia concentrado a minha frente o

deixava mais másculo. E seus músculos se contraindo em seus movimentos demonstravam sua

força.

Aragorn a minha frente era uma visão dos deuses. Eu tentava não olhá-lo, mas

meus olhos se recusavam a desviar daquela visão. Ele estava perfeito demais iluminado pela luz

sépia da fogueira e seu peito nu era provocante. Quando ele me olhava eu disfarçava sempre

atrasada e ele percebia meu olhar.

Aragorn numa dessas minhas disfarçadas me pegou pelo ombro me fazendo

levantar colada em seu corpo. Minha respiração falhou e meu coração disparou, eu estava

consciente de mais da presença e do corpo dele para me arriscar deixar que ele se colocasse tão

colado em mim assim.

Quando seus olhos de ouro encontraram os meus ele se curvou para me beijar,

mas eu virei o rosto. Ele tentou novamente e eu novamente recusei. Eu sabia que ele me olhava

embora eu estivesse de olhos fechados. Não queria, não podia vê-lo tão perto de mim, talvez eu

não resistisse.

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Aragorn ainda segurava meus braços tão forte que senti que iria ganhar um

hematoma. Ele estava nervoso, podia sentir pela sua respiração. Ele aguardava que eu abrisse os

olhos e como não o fiz ele me largou de repente me fazendo cambalear para traz. Reclamando

irado.

- Estou perdendo meu tempo.

Passei as mãos onde ele havia me segurado com força observando enquanto ele

se deitava para dormir, dessa vez do outro lado da fogueira.

Não quis falar nada. Já que ele estava nervoso era melhor deixá-lo em paz.

Agradeci aos céus a impaciência dele comigo, pois se ele tivesse insistido um

pouco mais... E também era bom que ele percebesse que não devia mesmo nutrir nenhum tipo

de esperança comigo. Era melhor para nós dois.

Deitei-me enrolando na capa e dormi pesadamente.

No outro dia de manhã ele estava de muito mau humor, dava para ver em sua

face.

Continuamos nosso trajeto pelas margens do rio e Aragorn apesar de caminhar

ao meu lado, estava bem distante. Não dirigiu uma só palavra a mim por toda a manhã.

Incomodada quebrei o silêncio.

- Esta com raiva de mim Aragorn?

Ele não respondeu.

- Porque eu não quis te beijar? – Insisti.

Ele parou na minha frente com os olhos intimidadores.

- Não quis mesmo?! – Ele bramiu – Eu tenho certeza que você queria.

- Eu nunca disse que queria que você me agarrasse. – Falei na defensiva.

- Também nunca disse que não. Podemos acrescentar a lista das coisas que você

não me diz.

- Porque acha que eu queria te beijar? Se acha tão irresistível assim? – Falei

irritada. Quem ele pensa que é?

- Eu vejo que você me quer, e que me deseja tanto quanto eu te desejo. Só que

se esconde de seus sentimentos. Você quer se entregar a mim, eu sei disso.

A voz dele carregava uma certeza tão absoluta que fez meu corpo tremer.

- E como você pode saber uma coisa dessas?

- O calor da sua pele me confirma isso. Mesmo estando longe posso sentir seu

desejo.

- Você esta me confundindo com essas garotas que estiveram com você se

atirando aos seus pés. Eu não sou uma delas – Falei desdenhando.

- Elas pelo menos tinham algo que você não tem... Certeza do que querem.

- Eu sei o que quero.

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- Ah não sabe não... Se soubesse já tinha tomado sua decisão.

- Eu sei sim – Resmunguei como uma criança de oito anos.

- Sabe? Então porque não me diz? – Ele se aproximava e eu ia perdendo o

fôlego.

- Não tenho nada pra te dizer.

- Tem sim... – ele afirmou.

- Você se acha não é mesmo Aragorn? - Falei querendo afastá-lo, mas enquanto

ele se aproximava e eu caminhava para trás tinha que reconhecer que o que eu disse era uma

idiotice.

- Porque não me diz de uma vez.

- O senhor irresistível quer que eu diga que quero você?! É isso?!

Ele sorriu do meu comentário.

- Quero que diga o que sente quando estou perto de você.

- Ora... nada... Não seja convencido.

- Nada? Então porque esta se afastando de mim?

Eu continuava caminhando de costas enquanto ele se aproximava. E parei.

- Porque você esta invadindo meu espaço.

Ele não se importou com o que eu disse, e continuou se aproximando.

O céu já estava nublado a algum tempo, e algumas gotas de chuva começaram a

cair sobre nós.

- Garota... só quero que você pare de lutar contra nós dois.

A chuva agora já caía mais forte e ele não parecia nem sequer ter notado que

estava chovendo.

- Pare com isso por favor... – supliquei.

- Com o que? O que estou fazendo?

- Esta me... me... – eu não tinha o que dizer a ele. Ele realmente além de estar

andando na minha direção não estava fazendo nada. Eu é que estava... vulnerável, altamente

sensível a presença dele, confusa e nervosa.

- Melissa... – meu nome na voz dele soou como música – você é tão teimosa...

A chuva já tinha nos molhado por inteiros, mas eu não conseguia sentir frio.

Minha pele queimava e minha luz... eu sentia que minha extinta luz azul queria brilhar

intensamente. Mas a mantive presa dentro do meu peito junto com todos os sentimentos e

emoções que eu julgava não serem corretos.

- O que eu preciso fazer Aragorn pra você me deixar em paz?! – falei irritada

subindo a voz para ser ouvida em meio a chuva.

- Você sabe o que tem que fazer. Mas duvido que o faça.

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É... ele já havia me dito. Ele me deixaria em paz assim que eu lhe dissesse com

todas as letras que não o queria. Eu conseguiria fazer isso?

O olhar dele em mim me disse que ele estava vencendo.

A pressão dele me deixou surpresa, e parei de fugir.

Era difícil resistir á presença dele. Aragorn estava certo, ele iria me vencer ali

mesmo, vencer minhas resistências e derrubar as barreiras que eu tinha levantado para me

manter afastada dele.

Cada passo dele em minha direção eu sentia meu muro ruir. Eu vi pelo olhar

dele que ele sabia que tinha conseguido. Eu não aguentaria mais resistir, era evidente demais em

mim o que estava sentindo. Ele iria conseguir e eu sabia que se me entregasse agora não teria

mais volta.

Quando a centímetros de mim ele se encurvou para me beijar eu coloquei as

duas mãos em seu peito.

- Não – Falei com a voz falhando.

Ele tentou de novo.

- Aragorn - Protestei empurrando-o.

- Diz que não me quer, diz que não me deseja e que quer me ver longe.

Seus olhos se cerraram olhando os meus. Ele iria usar essa estratégia para eu

ceder. Ele tinha certeza que eu não conseguiria lhe dizer isso.

- Por favor Aragorn... não faça isso comigo.

- Só quero que você assuma de uma vez o que esta em seu coração.

Olhei para ele atordoada. Quando ele percebeu minha oscilação segurou meu

braço e me puxou para si enfiando seu rosto em meus cabelos.

- Não – Gritei empurrando – sua proximidade fez minhas pernas bambearem.

Só mais um pouco e eu me entregaria.

- Então diz que não me quer. É o que quero ouvir de você. - Agora ele falou

irritado. – porque se você não me disser Melissa, agora mesmo eu vou tomá-la em meus braços.

O que eu deveria fazer? Droga, eu estava encurralada. Aragorn estava me

pressionando. Pelo jeito ele tinha finalmente chegado a seu limite e não iria sair dali sem uma

resposta definitiva. E eu também estava no meu limite, mas não poderia de forma alguma ceder.

Ele selou meus lábios com os seus exigentes. Cumprindo a promessa de que iria

me tomar em seus braços se eu não lhe dissesse que não.

Mais uma vez escapei de seus lábios, e ele me olhou determinado.

- Você não vai se livrar tão facilmente de mim assim.

A chuva continuava tão insistente como Aragorn sobre mim.

- Aragorn...você não entende...

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- Então me explica – seu tom de voz aumentou. Ele estava perdendo a

paciência.

- Nós não podemos... eu não... você não... – eu estava completamente

perturbada. Como era difícil deixar as palavras certas e verdadeiras saírem por meus lábios e

contar de uma vez o que precisava ser dito para acabar finalmente com essa tortura a ele...e a

mim.

Voluntariamente ele se afastou me olhando.

- Então me diz – Falou exacerbado – Quer se livrar de mim? Me diz agora.

- Não quero... – Eu não ia falar isso.

- Não quer o que? Fala garota!

Ele me pressionava e quando viu minha fraqueza se aproximou novamente me

beijando, explorando meus lábios, meu rosto, meu pescoço me fazendo oscilar e chegar próximo

a me render. Senti meu sangue ferver, ao seu toque, cada parte sensível de meu corpo respondeu

ao apelo de Aragorn como se tivessem vontade própria.

Eu não sabia mais onde buscar força.

- Aragorn por favor pare – tentei falar com autoridade, mas minha voz saiu

fraca o suficiente para ele não se sentir ameaçado.

- Vai ter que fazer melhor do que isso. Me convença.

Tentei mais uma vez empurrá-lo. Eu tinha sido forte até ali teria que resistir

mais um pouco.

- Não Aragorn. Me solte... – Eu ainda tentava afastá-lo, mas nada em mim

queria me ajudar a resistir.

- Porque quer que eu te solte? Me diga. Tenha coragem uma vez e me diga o

que realmente você quer. Diga que não me quer... Só assim você se livrará de mim.

Esse era o jogo dele. E se eu não jogasse pelas regras que ele impôs, com

certeza seria um jogo perdido, para mim.

Busquei dentro de mim a força que ainda me restava para conseguir me livrar

daquela situação. Eu poderia me arrepender, mas ultimamente tudo que eu fazia era digno de

arrependimento.

- Não quero você – Mesmo usando toda minha força minha voz soou falsa até

para mim mesma. Mas ele aceitou. Soltou-me bruscamente se endireitando.

Eu me surpreendi quando ele se afastou. No fundo eu não acreditava que ele me

largasse. Ou talvez não queria.

- Ótimo. – Ele falou secamente – Não foi tão difícil, foi?

Ele tentou disfarçar, mas eu vi a decepção e a tristeza em seus olhos.

- Ótimo! – Rinchei com raiva por ele ter me forçado a magoá-lo.

E sim... eu o magoei. Profundamente dessa vez.

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Ele voltou a andar sem dizer uma só palavra. A chuva continuou e eu caminhei

pelo mesmo caminho que Aragorn mantendo distancia. E eu apesar da dor que sentia em saber

que ele iria me deixar assim que pudesse, tentava me convencer de que assim seria melhor para

todos.

Aragorn adiantou seu passo. Não quis mais ficar ao meu lado. Ele não me

olhava, eu não conseguia ver o seu rosto, e a forma como ele estava agindo me trouxe uma

enorme tristeza.

A chuva tinha deixado agora só lama sob nossos pés.

Chegamos ao pequeno povoado diferente dos que eu tinha visto até agora. Não

era tão organizado nem tão bonito quanto os outros. As pessoas continuavam olhando para nós

com curiosidade.

Aragorn perguntou a um vendedor com gaiolas de aves vivas aonde poderíamos

encontrar um lugar para passar a noite e o homem nos indicou uma pequena e quase

desmoronada pousada do outro lado da rua.

Lá Aragorn pediu dois quartos. Ou porque ele não sentiu que houvesse perigo

em me deixar sozinha naquele lugar ou porque ele estava querendo deixar bem claro que nossa

amizade e intimidade haviam acabado.

Fui para meu quarto sozinha, triste em ver que Aragorn tinha realmente ficado

desta vez chateado comigo. Não podia tirar a razão dele. Mais dois dias estaríamos na montanha

Mayata e ele poderia partir e esquecer de mim. Poderia encontrar uma pessoa que o merecesse e

o fizesse feliz. E eu teria que me concentrar em encontrar meu pai e resgatar Jeziel.

Também estava com saudades de casa e quanto mais rápido eu terminasse tudo

que vim fazer aqui poderia voltar para mamãe e para Biel. Não iria ficar aqui, não mesmo. Não

queria ser rainha nem nada disso. Eu só tinha vindo até aqui por Leo, mas depois de tantos

acontecimentos e de tantos sentimentos era melhor eu ir embora assim que o resgatasse. Não

seria uma boa rainha para Andaluz nem uma boa companheira para Jeziel. Aquela estória de

amor único e eterno que ele havia me contado era uma bobeira romântica, boa para contos de

fada, mais a realidade era diferente. Ele mesmo provou disso quando ficou com Raika. O mundo

que ele pintou para mim não existe. E a Andaluz que ele tanto ama também não.

Já estava cansada de estar ali sozinha e já que Aragorn não se importou com

isso, não precisava me preocupar. Mesmo eu em minha pouca experiência avaliei que naquela

vila decadente não havia perigo algum.

Resolvi dar uma volta. Já que Aragorn estava me ignorando deliberadamente...

que fosse, mas eu precisava de alguma coisa para me distrair antes que ficasse maluca sozinha

neste quarto.

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Acabei entrando numa espécie de taberna. Músicas danças e um ar de

sensualidade regado pela bebida. Não era um lugar que eu entraria normalmente ou que meu

irmão ou minha mãe permitiria que eu entrasse. Mas tudo na minha vida estava tão diferente

mesmo que uma coisa a mais não faria diferença.

Um homem alto de barba rala me encarou na entrada. Passei por ele sem dar

importância. Me sentei numa mesa esperando ser servida e de lá avistei Aragorn. E não estava

sozinho.

Uma mulher com roupas decotadas e muito atraente estava com ele. Ele pareceu

estar cortejando ela que parecia muito interessada. Ele não se afastou quando me viu. Ao

contrário. Ele ficava cochichando coisas ao ouvido dela fazendo-a rir e se mostrando bem

animado e sedutor. Como se eu não existisse.

Trinquei os dentes de raiva. Estava revoltada com o que via. Não era ele que

disse me amar? Que tipo de amor é esse?

Fútil, falso, ordinário, dissimulado – Pensei alto demais e ele pareceu ter

ouvido meus pensamentos ou talvez fosse meu olhar o fuzilando.

Me olhou cheio de razões como se não tivesse que me dar satisfações.

Que raiva – Olhei para o outro lado ainda sentindo o amargo na minha boca

causado pelo ciúme que estava sentindo de Aragorn.

Vez ou outra meus olhos me traiam e me flagrava olhando Aragorn com aquela

mulher insinuante. Passei um bom tempo ali me convencendo que ele podia fazer o que

quisesse. E passei mais outro bom tempo tentando me esquecer que ele existia. Tentei

frustradamente não olhar de novo para Aragorn, mas eu sentia tanta raiva por ele estar fazendo

aquilo comigo que queria confirmar com meus olhos novamente se era real, que ele estava

realmente na minha frente com outra mulher.

Quando me virei, vi ele puxando aquela mulher mais para junto de si

segurando-a de uma forma sensual pelos quadris. Aquilo foi demais. Eu não iria ficar ali vendo

aquela pouca vergonha.

Me levantei da mesa e me dirigi a porta. O homem de barba rala me cercou

tentando uma conversa, falando alguma coisa inteligível. Não sei o que ele viu em meus olhos,

mas fez com que se afastasse me dando passagem.

Voltei para a pousada arrumando minhas coisas. Eu não ficaria ali nem mais um

minuto. Faltavam só dois dias de viajem para que eu chegasse a montanha Mayata. Não

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precisava mais dele. Eu iria embora. Ele que ficasse com quem quisesse. E que me deixasse em

paz pelo resto da minha vida.

Passei as mãos pelo meu rosto e percebi que estava chorando. Limpei meu rosto

irritada e terminei de arrumar tudo para sair.

Eu estava furiosa, mas não sabia com quem afinal. Não era para eu estar desse

jeito. Eu mesma tinha falado para Aragorn que não o queria. O que eu esperava, que ele se

tornasse um eunuco por minha causa?

A porta se abriu atrás de mim.

- O que esta fazendo? - Aragorn falou vendo minha mochila nas costas.

- Estou indo embora – Falei azeda.

- Você não pode sair essa hora da noite sozinha – Falou autoritário.

- Posso sim... Tanto posso que vou.

- Não vai não.

- Você não manda em mim. - Falei birrenta.

- Melissa espere até o amanhecer – Seu tom de voz suavizou.

- Agora esta falando comigo?!... Não perca sua noite, ou melhor seu tempo...

Volte para a sua... Para aquela... – Eu estava possessa - Vá se divertir e me deixe em paz.

- Você esta com ciúmes?- Ele parecia espantado - Mas porque se não me quer?

Você mesmo disse que não me quer.

- Não estou com ciúmes... Estou enojada. - O sangue subia em minha cabeça -

Estou feliz de não ter ficado com você. Você é um calhorda. Conquistador barato.

- Esta feliz? - Ele usou de ironia - Então porque não te vejo sorrindo? Essas

lágrimas são o que, contentamento?

Andei na intenção de atravessar a porta. Mas ele me barrou.

- Porque não me deixa em paz droga?! - Gritei com ele.

- Porque eu te amo! – Gritou.

Aragorn me tomou em seus braços e dessa vez não esperou que eu desse algum

sinal. Me beijou abrasadoramente segurando meus cabelos pela raiz.

Eu não o rejeitei, correspondia ao seu beijo movida pela emoção tão a flor da

pele. A maneira como ele se entregava a mim a maneira como ele me mantinha colada ao seu

corpo era tão inebriante que eu não conseguia parar. Mas eu não podia fazer isso com ele, não

podia deixar que fossemos além dali.

Me afastei dele dando um fim a sua esperança.

- Não Aragorn. Eu não posso.

- Ah Melissa, porque você nega meu amor? - Sua voz se suavizou novamente –

Que tipo de reação é essa se você não me quer? Não consigo entender porque você continua

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dizendo não. Não sou bom o suficiente para você? - Ele especulava - Ou você acha que seu pai

não vai gostar de nos ver juntos por eu ser um ex-soldado de Cordomad?

Eu ri sem humor. Com certeza meu pai não vai gostar disso.

- De onde você tirou essa idéia? Meu pai não manda em mim. Nem conheço ele.

- Falei ainda irritada.

- Como você não me diz nada eu tiro minhas próprias conclusões. Se você não

quer ficar comigo porque quer voltar a sua dimensão quando tudo isso acabar não tem problema

eu vou com você.

Ele me amava e o amor sincero e incondicional dele estava me ferindo.

Eu sou péssima, uma pessoa desprezível. Preciso sair daqui. - Forcei a

passagem por ele tentando enxergar a porta que estava ofuscada pelas minhas lágrimas. Mas ele

ergueu a mão e a porta se fechou. -

- Deixe-me tentar. – Ele falava comigo num tom ainda mais ameno mais ainda

assim desesperado - Não quero que você vá embora. É só o que te peço. Deixe-me tentar

conquistar seu coração. Eu prometo nunca te deixar sozinha e te fazer a pessoa mais feliz do

mundo. Dos dois mundos.

- Não posso – falei aturdida.

- Então me diga de uma vez porque não. – ele suplicou angustiado

- Quando eu te falar a verdade Aragorn, você vai me odiar.

- Eu não posso odiar você. Eu te amo.

- Não fala isso. Não sou digna do seu amor... Não sou digna do amor de

ninguém. – Falei me virando de costas para ele.

- Mas e eu... Sou digno do seu amor?

- Você merece alguém melhor do que eu Aragorn.

- Não importa Melissa, eu te amo assim do jeito que você é.

Abaixei meus olhos com vergonha de mim mesma. Eu tinha planejado contar-lhe a

verdade assim que eu fosse partir, mas percebi que não teria essa coragem.

- Eu só quero você. Do jeito que você é – ele reforçou.

- Não Aragorn, não posso fazer isso com você, não vou mais negar que não

sinto algo por você, mas não é amor, não o amor que espera de mim.

- Eu sei disso, mas posso fazer você me amar se me der uma chance.

- Uma chance... Eu sei que vou te decepcionar e depois você vai querer me

matar. Eu me mataria agora mesmo se tivesse coragem.

- Pare com isso você não pode se culpar de nada.

Ele segurou minha mão por trás e seu toque me aqueceu o coração. Eu

precisava sair agora. E deixá-lo para sempre. Não era justo com ele, eu já tinha sido

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inescrupulosa demais até aqui. Se quisesse sair com o que me restava de dignidade tinha que ser

agora. Não por mim, mas por ele. Ele não merecia alguém como eu. Nem o que eu estava

fazendo.

Dei alguns passos rumo a porta e ele me prendeu pela mão me fazendo girar

para ele.

- Não vou deixar você ir. Não posso ficar sem você. – Seus olhos eram

suplicantes.

Na minha mente ainda estava o desejo de partir. Eu não ficaria ali. Não mesmo.

Não permitiria que Aragorn se envolvesse mais comigo nem que sofresse mais por minha causa.

Se no coração dele minha crise de ciúmes era o início de tudo, no meu era uma despedida. Sei

que quando passasse por aquela porta o machucaria demais. Mas seria a última vez.

Respirei fundo como quem prepara para um mergulho me preparando para

partir. Ele pareceu pressentir que eu não ia ceder a sua súplica e apertou ainda mais sua mão na

minha.

Enquanto olhava para ele em despedida, a porta se abriu atrás de mim. Aragorn

olhou por cima de minha cabeça e num átimo se colocou em minha frente como escudo.

- Ora, ora. Desculpe incomodar o casal de pombinhos, mas estou com um pouco

de pressa e prometo não me demorar.

Reconheci de imediato a voz e me virei atordoada.

- Raika ?! – Falei atônita. Eu não podia acreditar no que meus olhos estavam

vendo.

- Espero não estar atrapalhando nada de muito importante irmãzinha.

Raika estava exatamente como me lembrava dela com seu rostinho de menina,

sua voz de sereia e seus olhos azuis puros e iluminados. Homens de longas capas escuras

estavam a sua retaguarda. E ela com um sorrisinho gentil nos lábios. Era incrível agora que a

conhecia realmente ver como ela mantinha a carinha de anjo sobre uma carcaça de demônio.

Todo o meu corpo tremeu internamente diante dela.

- Surpresa em me ver maninha?

- Como me achou aqui? - Perguntei alarmada.

- A coroa bobinha, quando você a usou em Andaluz para encontrar Jeziel,

encontramos você. Já estávamos esperando que você fizesse contato, e para chegar até aqui foi

só questão de tempo.

Me arrependi de ter desobedecido a ordem de Ernest.

- Mandei alguns de meus amigos antes, mas já que eles não deram conta do

serviço resolvi fazer eu mesma dessa vez.

- Você conhece a princesa Raika?! – Aragorn perguntou confuso.

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- Ah Mel, assim você me magoa. Quer dizer que não contou a seu novo

namorado nossa relação de irmandade. – Sua voz falsa estava me irritando.

- Ele não é meu namorado. E você não é minha irmã – Falei furiosa.

Ela colocou a mão sobre a boca teatralmente simulando espanto.

- Danadinha hem... Então estava só tirando uma casquinha? - Ela andou pelo

quarto andando ao nosso redor tocando no músculo do braço de Aragorn. - Ele é muito bonito

mesmo. Posso experimentar?

- Tire as mãos dele. – Falei irada.

- Ciumenta como sempre... Pensei que depois de Jeziel a essas alturas você

tivesse aprendido a dividir.

- Quem é Jeziel? – Aragorn perguntou.

- Ah... Pelo jeito tem muita coisa que ela não te contou não é mesmo Aragorn. –

Ela levantava o queixo dele com o dedo. – Ele sacudiu a cabeça meio desnorteado.

- Cale a boca! – Gritei.

- Não posso deixá-lo ignorante em relação a você. Ele tem que saber que

espécie de garota você é. Porque saiu de sua casa para outra dimensão para tentar resgatar

Jeziel, aquele que você dizia ser o amor da sua vida e agora esta sozinha com esse aí num quarto

barato de pensão.

Olhei assustada para Aragorn ele continuava a encarar Raika agora com os

olhos de admiração.

- Jeziel é o prometido de Melissa. - Ela fazia beicinho ao falar toda sedutora

para Aragorn - Ele seria o suposto futuro rei de Andaluz. Isso se eu não tivesse dado um jeito

antes – Ela enroscou uma mecha do cabelo de Aragorn em seus dedos enquanto ele parecia estar

sendo seduzido por ela. Eu sabia que ela fazia isso só para me irritar.

- Onde esta Leo?

- Pensei que não iria perguntar. Afinal parece estar tão entretida com esse... –

Ela olhava para Aragorn de cima a baixo maliciosamente. - Quer mesmo saber, ou ele não

importa mais?

Avancei para ela, mas Aragorn me segurou não como para me proteger, mas

para protegê-la. Ele estava seduzido e dominado.

- Quem é Leo? – Aragorn estava perdido entre a razão e a sedução de Raika. E

se esforçava para acompanhar nossa conversa.

- Melissa é uma arrasadora de corações Aragorn. Pelo que vejo tenho uma forte

concorrente aqui em Andaluz - Ela olhou para mim sorridente - Mas como eu disse certa feita,

você nunca vai me vencer. Sou melhor que você em tudo e tenho que te confessar que o seu Leo

também achou. Os meus beijos – Ela passou os dedos nos lábios de Aragorn e ele ofegou -

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Meus carinhos – Aragorn estava se derretendo todo com os feitiços de Raika - Eu não precisava

ficar me guardando já que tinha tantos poderes quanto ele.

Sabe por que ele não te tocava mais intimamente? Porque tinha medo de

prejudicar você e seus poderes já que você não estava preparada e entrava em parafuso sempre

que sentia uma emoção mais forte. Ele preferia evitar. Mas ele tinha seus instintos como

homem... suas vontades e eu podia saciar cada uma delas. – Ela me olhou afetadamente - Não

precisávamos nos preocupar com nada, só em curtir o momento. E, quantos momentos curtimos

juntos. - Ela ria maliciosamente.

- Você o enfeitiçou sua bruxa.

- Mero detalhe... O que importa é que ele estava comigo e não com você. Pena

que acabou. Tudo que é bom dura pouco, não é mesmo? Mas como vejo, posso arrumar outro

brinquedinho para mim. – Ela piscou para Aragorn que sorriu com cara de bobo em resposta

sem nem perceber. – Não posso negar Melissa, você pelo menos tem bom gosto.

- O que quer de mim Raika?

- A coroa. Você sabe bem... Tenho certeza que aquele velho do Ernest te disse

direitinho o que eu queria. Tão bobão... achou mesmo que conseguiu fugir sozinho do

calabouço do castelo. Eu o deixei sair para trazer você até aqui. Era mesmo um retardado. Muito

fácil de enganar.

- Não fale assim dele. Ele esta morto.

- Eu já sei disso. Nada acontece aqui sem que eu saiba. Não foi uma grande

perda afinal. Ele era mesmo um idiota. Não sei por que você se importa, ele nem gostava de

você.

Raika deu uma jogada de cabelo e todos os homens de capa preta, inclusive

Aragorn, vibraram com seu movimento.

- Mas não vim aqui falar daquele imbecil. Vim aqui tratar de negócios com

você. Na verdade pensei que teria que te matar, mas acho que agente pode arrumar outra saída.

Já que seus interesses mudaram. – Raika olhou para Aragorn de uma maneira que envergonharia

uma meretriz. Pensei que ele saltaria sobre ela quando vi seus olhos famintos nela.

- Meus interesses não mudaram.

- Se não mudaram ainda sei que vai mudar depois da minha proposta.

- Não vou fazer nenhum acordo com você. – Brami.

- Claro que vai... – Ela falou mansamente me irritando mais ainda - Onde esta a

coroa?

- Coroa? – Aragorn sacudia a cabeça tentando se livrar das teias de Raika.

- Coitadinho. Estou ficando com pena dele Melissa... Vai me dizer que não

contou a ele que você tem a coroa do reino... Eu conto então – Ela se aproximou dele

novamente e eu percebia que ele ficava tonto e excitado com a proximidade dela.

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- Melissa estava destinada a ser a futura rainha de Andaluz assim que se unisse

com o seu Leo. Isso lógico, antes de eu aparecer e acabar com seus planos. – Ela parecia se

divertir – Pode me agradecer se quiser, pois ela só esta aqui com você porque eu tirei Jeziel

dela. Competir com um príncipe é meio complicado você não acha? Mas facilitei as coisas para

você. Agora ela não vai ser mais nada, porque o reino de Andaluz é meu e de meu pai.

- O Trono pertence ao herdeiro do rei Jeriel e esse é Jeziel. Você sabe que seu

pai matou o pai dele para ficar no trono, mas a profecia vai se cumprir e Leo e eu derrotaremos

você e a corja da sua família e ele se assentara no trono de Andaluz.

- E vocês viverão felizes para sempre, não é Cinderela? – Ela ironizava - Só que

nos contos de fadas tem que ter um príncipe para o final feliz e digamos que sem Jeziel não há

final feliz pra você, nem profecia.

- Sem Jeziel?! – Perguntei confusa com o ácido em sua voz.

- Ah irmãzinha. Sinto em ter que te dar essa noticia tão dura num momento tão

inoportuno, mas infelizmente acho que não tem ninguém apto para fazer isso agora. E como

parte da família, penso que poderei te amparar nesta hora tão trágica – O sarcasmo lúgubre dela

fez meu coração parar.

- Me diga de uma vez onde esta Jeziel.

- Jeziel esta meio... Como posso te dizer para que você entenda melhor... – Ela

piscou os olhos teatralmente - Morto. Sinto muito, mais ele esta mortinho, mortinho.

- O que você disse? – Perguntei atordoada.

- Que o seu Leo não existe mais. Ele esta morto.

A sensação de uma cachoeira de água gelada caindo sobre mim num peso

esmagador me tirou a razão. Não podia ser verdade o que ela me dissera. Leo, meu Leo morto?

Não. Ela estava mentindo. Mas minha alma pensou em sair do meu corpo morrendo mil mortes

com essa notícia e toda dor que alguém possa ser capaz de sentir de uma só vez me atingiu por

completo.

Então era por isso que eu não conseguia mais vê-lo através da coroa? Ele não

estava mais nesse mundo. Não tinha como encontrá-lo.

Olhei para ela em desespero e ela simplesmente deu de ombros indiferente

repetindo a palavra.

- Morto.

Saquei a espada das minhas costas e iria cravar nela, tamanha era a fúria e a dor

que sentia. Os homens de sua retaguarda avançaram contra mim e Aragorn tentou me ajudar,

mas com um olhar de Raika ele sorriu para ela se esquecendo do resto do mundo.

Enquanto eu travava uma batalha de vida e morte com aqueles homens, percebi

que eles não iriam me ferir só estavam impedindo que eu chegasse até Raika que me olhava

com a mesma carinha de anjo sem se importar com a batalha. Um dos homens me desarmou e

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eu lancei mão do meu bastão. Derrubando alguns de meus oponentes me aproximando mais de

Raika.

- Pare Melissa, isso não vai te servir de nada. – Disse ela calmamente.

Enquanto eu olhava para ela um dos homens me imobilizou por trás com meu

próprio bastão. Aragorn me vendo em apuros conseguiu se livrar do transe feito por Raika e

entrou em luta corporal com o homem que me segurava.

Raika olhava para Aragorn se deliciando com sua performance na luta mas deu

ordem ao homem que parasse e ele obedeceu se afastando de Aragorn.

Quando a luta cessou, a dor caiu novamente sobre mim

- Morto – Sussurrei - Não... Meu Leo não... Eu caí de joelhos segurando o

coração que parecia estar sangrando desesperado. Algo começou a queimar dentro do meu peito

e liberar o que estava sentindo. Um vendaval sacudiu todo o quarto fazendo as capas de todos

flutuarem. Coisas voavam para todos os lados. Eu não conseguia respirar, abria a boca para

puxar o ar para dentro, mais o ar entrava como agulhas dilacerando mais meu peito me dizendo

que minha vida tinha acabado.

Sem Jeziel, meu Leo não havia sentido em viver. Minha vida era ele se eu não

tinha mais ele, também não teria mais vida. Eu queria morrer. Eu queria morrer agora mesmo.

Não aceitaria um só minuto sem imaginar Leo vivo com seu sorriso de tirar o fôlego com sua

voz que me encantava e com seu jeito de me tocar, de me beijar, só ele tinha o que me

alimentava a vida. Eu não viveria sem ele.

- Sinto muito, mas você não achou mesmo que eu o deixaria vivo com a

possibilidade dele me tomar o trono, achou? - Falou Raika como se fosse natural o que ela

fizera.

- Você esta mentindo! Eu o vi através da coroa. – Eu segurava meus cabelos em

desespero sacudindo a cabeça tentando acordar desse terrível pesadelo. Eu queria gritar, mas

não tinha forças. Queria acordar, mas não conseguia. Sem perceber já estava orando para que

tudo não passasse de um pesadelo horrível.

Queria voltar ao primeiro dia em que cruzei com Leo a primeira vez na pizzaria.

E desta vez faria tudo diferente.

Aragorn ao ver meu desespero se agachou ao meu lado me amparando, mas a

dor era forte demais para que os braços dele tivessem força para me ajudar.

- Eu vi Leo na sala do rei e falei com ele. Eu disse que estava indo o buscar.

- Isso foi a muito tempo atrás, antes de você se apaixonar por esse bonitinho ai.

Mas veja pelo lado positivo, pelo menos você não terá que explicar a Jeziel o seu romance e não

ficara numa saia justa tendo que escolher entre um e o outro. Se não tiver mais ninguém que te

interesse você pode ficar com esse aí para você. – Raika ainda destilava seu veneno.

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O choro ecoava do mais fundo da minha alma, Raika me olhava fingindo pena e

Aragorn me apertava contra seu peito. Eu pensei que se Chorasse bastante poderia me exaurir

até não sobrar mais nada de mim. Era insuportável a dor. Eu queria a morte.

- Não fique triste. Antes de morrer eu lhe concedi seu último desejo. E sabe o

que ele me pediu? Ele queria ver seu rosto uma última vez. E eu como uma pessoa generosa

que sou concedi sua vontade. E sei que ele deve ter guardado uma boa lembrança de você. Pois

quando abri a visão para ele você estava bem animada numa festa dançando alegremente e

agarradinha com seu novo namorado. Até achei que você estava meio bêbada... Andou bebendo

Melissa?

Eu me lembrei do dia em questão. Ernest ainda estava vivo, ele havia bebido de

mais e nós o deixamos no quarto da pensão. E voltei com Aragorn para a festa. Eu tinha bebido

um pouco e acabei convidando Aragorn para dançar. Naquele dia Raika deu fim a vida de

Jeziel. Isso faz tanto tempo. E só agora fiquei sabendo da sua morte. Se eu soubesse antes já

poderia ter voltado para minha casa e morrido um pouco a cada dia. Mas Ernest ainda estaria

vivo e Aragorn estaria em sua ilha.

- E sabe uma coisa que me surpreendeu? Ele não pareceu ficar com raiva por te

ver em outros braços, era como se ele soubesse que merecia aquilo por ter te deixado. Lógico

que ele não conseguiu esconder a decepção em te ver tão alegre com outro e deixou que uma

lágrima caísse de seus olhos, mas acho que foi só ciúmes.

Meu coração partiu em mil pedacinhos em pensar que eu tinha magoado Leo. E

Raika se divertia em ver meu rosto dilacerado em dor.

Mesmo sabendo que eu sofria ela continuou.

- Sabe que me comoveu quando a última palavra que ele falou antes de morrer

foi seu nome? Como é lindo o amor... – ela olhou para cima de uma forma romanesca.

- Mas enfim – ela continuou - a coroa não tem mais sentido nenhum para você e

podemos fazer uma troca. Eu te deixo partir para seu mundo levando esse homem lindo contigo

se você me der a coroa agora mesmo. Ou posso matar seu novo namorado como fiz com o

antigo e te deixar presa sob tortura até que não aguente mais e me de a coroa. Daí mato você

também. Ou seja, de qualquer forma eu terei a coroa, mas depende de você o jeito que vou

adquiri-la.

- Você nunca terá essa coroa! – Falei com ódio nos olhos.

- Andaluz não significa nada pra você. Volte para sua casa, vá cuidar da sua

vida, aproveite que estou te dando a chance. E só faço isso porque gosto de você, gosto mesmo.

Acho você uma pessoa bem legal.

- Dispenso seus sentimentos – bradei revoltada.

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- Ah, você esta assim por causa de Jeziel? Você nem gostava mais dele, e agora

esta com um bem melhor. Aragorn é muito mais bonito e másculo e forte. Um homem feito. -

Ela insinuou tocar nele.

- Se afaste de mim! – Disse Aragorn bravio.

- Nervosinho. E pelo jeito tão apaixonado quanto Jeziel era por você. Foi uma

boa troca essa sua. Você não vai ficar no prejuízo. Vai continuar tendo alguém para babar em

seus pés como Jeziel fazia.

Raika se aproximou de mim e eu ainda me sentia assombrada em como ela

conseguia manter o semblante tão meigo e um ar tão inocente enquanto falava aquelas palavras.

Era o mesmo que unir a imagem de uma criança feliz ao áudio de uma ameaça mortal de um

psicopata.

- Sabe que no começo quando Jeziel se mostrou arredio comigo eu pensei que

não iria conseguir trazê-lo a Andaluz? Ele era tão certo de que você era a escolhida dele e eu

não podia usar meus poderes abertamente, tinha que envolvê-lo aos poucos, tinha que afastá-lo

de você. O que não estava sendo fácil porque ele queria ficar contigo cada segundo. Mas

naquele dia do parque em que aqueles homens, pobrezinhos, apareceram no meio da mata foi

bem providencial. E olha o segredinho... Eu os provoquei, os seduzi. Eles não iriam fazer nada

comigo, e mesmo que tentassem eu poderia acabar com eles com meu dedo mindinho. Mas

sabia que a mania de herói de Jeziel iria falar mais alta e ele acabaria se envolvendo com uma

garota frágil e indefesa qual ele sempre tivesse que defender.

Não sei como não ri vendo a cara de vocês. Bobos sentimentais. Acreditar que

uma garota como eu estava fragilizada com o ataque?... Sempre se deixando levar pelas

aparências. – Ela se divertia contando os detalhes – Depois foi fácil, depois de tocá-lo aquele dia

a resistência dele se quebrou. O problema é que eu tinha que ir devagar para ninguém perceber o

que eu estava fazendo. Depois daquilo ele realmente achou que estava apaixonado por mim. Eu

me diverti realmente com os joguinhos de sedução. E me diverti ainda mais quando via você

fingindo que não via ele se derretendo todo por minha causa. Sabe quantas noites em que você

estava dormindo tranquilamente em sua caminha ele te deixava sozinha para ir ficar comigo?

Aquela revelação me deixou atônita. E Raika continuava seu relato indiferente a

minha angustia.

- Eu o provocava, eu o atiçava, despejava todo meu charme nele e ele ficava

louco me querendo, mas eu não deixava ele avançar, e pode ter certeza que se eu tivesse

permitido ele teria feito, mas eu queria que você estivesse presente quando ele não suportasse

mais de desejo e me tomasse em seus braços. Então antes de você acordar ele voltava para sua

casa.

Diante do que ela me falava, fiquei completamente incapacitada de poder reagir

de alguma forma. Ela iria me humilhar, desmerecer todo o sentimento que eu tinha por Jeziel.

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- Ele te enganou Mel, te traiu, e você tão bobinha... Se tivesse sido mais esperta

teria evitado. Mas você estava preocupada demais com minha saúde. Eu te agradeço. Você me

ajudou muito a tirar Jeziel do seu caminho.

Ela caminhava pelo quarto tocando o rosto dos homens que a acompanhava

fazendo eles delirarem para me mostrar o poder que ela exercia. Para me mostra exatamente

como ela agia com Jeziel. E continuava seu relato.

- Daí era só acabar com você. E no dia em que fui a sua casa em que você

estava arrasada por causa de Jeziel eu só não te matei porque ele estava te monitorando a

distância. Minha vontade era acabar com você ali mesmo. Mas depois dei um jeito daquele

Drevors idiota destruir você, mas ele incompetente não conseguiu e quase estraga tudo. Mas de

certa forma também foi providencial porque Jeziel havia dito que só voltaríamos a Andaluz

quando soubesse que você estava bem, e com o medo de que outros fossem atrás dele na sua

dimensão te colocando em perigo resolveu vir embora na mesma noite.

Coitado, fiquei com tanta pena dele quando chegamos aqui. Ele estava

desolado. Achando que nunca mais veria você. E eu não consegui ver a carinha dele daquele

jeito. Na mesma noite dei um consolo a ele para que ele te esquecesse e funcionou muito bem. –

Ela olhava maliciosa para mim e seus olhos revelavam de que consolo ela estava falando - E

posso te dizer que depois disso ele teve maravilhosos dias ao meu lado. Só acabou porque ele

não tinha a coroa para me dar. Ele me daria o céu se eu pedisse, mas só queria a coroa e ele

dizia não saber onde estava. Então acabei com a festa prendendo ele e Ernest até me disserem

onde estava a coroa. Depois descobri que estava contigo. E daí facilitei a fuga de Ernest, pois

sabia que ele iria buscar sua ajuda. Imagino que para se redimir por não ter acreditado que fosse

você a futura rainha. E o restante você já sabe. – O tom de voz dela mudou de um tom dócil

para intimidador. - Mas vamos acabar com essa conversa. Vamos Melissa, me de a coroa.

- Nunca! - Falei decidida. Ainda entre lágrimas.

- Eu posso pedir, ou usar de outros métodos.

Raika ergueu as mãos. para mim e antes que alguma coisa acontecesse comigo

Aragorn se atirou em minha frente bloqueando o poder de Raika e se expondo a ele.

Aragorn se contorceu em dor sem Raika colocar as mãos nele. Aragorn gemia

numa tortura invisível, mas que parecia ser letal.

- Da mesma forma que tenho poder para dar o maior prazer aos homens posso

provocar a mais insuportável dor.

- Pare com isso! - Eu segurava Aragorn que tombava para frente.

- Porque se importa seu tolo. Não vê que ela te usou?- Raika bradou - Melissa

não te contou a verdade porque precisava de você para levá-la ate a montanha Mayata. Quando

chegasse a intenção dela era te dispensar e correr para os braços de Jeziel. Você não tem

importância alguma a ela. É só um bom segurança, um protetor. Totalmente dispensável.

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A dor que Raika provocava em Aragorn foi mais forte ele abraçava seu ventre e

gemia angustiado.

- Certo, pare com isso que te dou a coroa! - Me angustiei com a dor de Aragorn.

Ela iria matá-lo.

- Boa menina. - Ela parou o que estava fazendo e Aragorn caiu aos meus pés.

- Você dá a sua palavra que quando te entregar a coroa poderemos partir? – Não

sabia se podia acreditar nela. Lembrei do que Ernest me disse que ela jamais iria me deixar ir

embora, mas tinha que arriscar.

- Claro, só quero a coroa. – Ela confirmou, mas não me passou nenhuma

segurança, só que não havia alternativa ou ela mataria Aragorn.

Puxei a mochila das costas e antes que eu pegasse a coroa Aragorn ainda fraco,

enfiou a mão em seu bolso pegando a pedra esverdeada atirando-a no chão aos pés de Raika e a

pedra se espatifou numa poeira verde criando uma barreira entre nós e ela. Um portal se abril

numa explosão de luz cegando a todos por hora com a intensidade de seu brilho e Aragorn me

puxou para dentro nos fazendo atravessar do quarto da pousada até a ilha Marfim. Vi quando a

poeira esverdeada se unia num pequeno bloco se transformando novamente na pequena pedra

esverdeada voltando para a mão de Aragorn antes que ele caísse desfalecido ao chão.

Tudo aconteceu muito rápido. Olhei para todos os lados assustada, preocupada

se algum dos soldados de Raika tivesse conseguido atravessar atrás de nós, mas vi que

estávamos sozinhos na ilha de Aragorn e me lancei no chão num choro compulsivo e

desesperado até não haver mais lágrimas nem forças em mim.

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Capítulo 17

Amanheceu na ilha, e quando Aragorn voltou a si. Levantou assustado

procurando por mim que estava a alguns metros dele sentada abraçada em minhas pernas com

os olhos fixos em um ponto imaginário esperando que a morte tão merecida me alcançasse

agora mesmo.

Ele se aproximou de vagar. Me olhando da forma que temi por tantos dias, com

os olhos repreensíveis e de dor. Mas agora não importava mais. Nada mais importava. Não

importava se Aragorn estava decepcionado ou com raiva ou me achasse uma vadia. Tudo tinha

perdido o sentido, eu tinha perdido meu Leo para sempre. E me perdido também.

Ele me rodeou, creio que pensando em que palavras usar. Ele agora sabia tudo.

Sabia toda a verdade, sabia por que eu estava em Andaluz. Apesar de não olhar diretamente para

ele podia ver que ele estava surpreso e ao mesmo tempo furioso. Por vezes ele murmurava

algumas sílabas, mas desistia de falar sempre que olhava para mim.

Por fim ele se sentou ao meu lado.

- De certa forma estou mais conformado em saber que meu concorrente era um

príncipe. - Não olhei para ele, mesmo assim ele percebeu que estava sendo idiota. – Me

desculpe Melissa. Eu só estou tentando compreender tudo isso. – Ele respirou fundo - O que

pretende fazer agora?

Eu não estava em condições de responder nenhuma pergunta. Tudo que eu

queria na verdade era acordar desse sombrio pesadelo. Mas o sol que brilhava sobre o mar

cristalino a minha frente, refletindo faíscas de prata nos meus olhos ressecados de tanto chorar,

me relatavam o triste fato de eu estar acordada. Não era um pesadelo. E para minha surpresa a

natureza parecia não pactuar com minha tristeza. O dia estava claro, lindo e iluminado numa

linha de perfeição com a vegetação da ilha. Palmeiras, coqueiros, areia absurdamente branca, e

o verde que predominava atrás de nós. Era uma belíssima ilha agraciada com o capricho da

natureza.

- Venha Melissa – Aragorn se levantou me erguendo pelos ombros e me

amparando por um caminho entre as árvores. Andamos pouco tempo até avistar uma casa no

centro da ilha. Ela era toda feita em pedra de cor marfim e tudo ao seu redor tinha a mesma cor.

As pedras do solo, as flores silvestres, trocos das árvores e até algumas folhagens e arbustos

mantinham a cor.

Dentro da casa a cor marfim também predominava na mobília, nos objetos,

salvo alguns poucos utensílios, tudo era na cor marfim. Dando sentido ao nome da ilha.

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Aragorn me sentou num enorme sofá coberto de peles e saiu por instantes.

Quando voltou trazia nas mãos um copo d'água que me recusei a beber. Não queria nada que

pudesse aliviar meu sofrimento. Ele pareceu entender, pois não insistiu, deixou o copo numa

mesinha ao lado caso eu mudasse de idéia.

Enquanto eu ficava paralisada no mesmo lugar, pensando em cada palavra que

Raika me dissera e me torturando com as lembranças que tinha de Leo comigo, Aragorn se

movimentava pela casa organizando suas coisas. Estava tranquilo. Ele mesmo disse que a ilha

era protegida por magia assim como a colina do rei que Leo havia me presenteado. Ninguém

nos encontraria ali.

Vi quando Aragorn passou por mim acendendo as luzes da casa. Tinha vestido

outras roupas sugerindo que havia tomado um banho.

Já havia anoitecido. Eu tinha passado todo o dia sentada no mesmo lugar e na

mesma posição. Olhei de lado e meu copo de água ainda estava lá. Tentei engolir minha saliva,

mas a boca e a garganta estavam secas de mais. Mais ainda não estava disposta a acabar com

meu sofrimento.

Aragorn se sentou a minha frente. Seus olhos fixos em mim buscavam respostas

a novas perguntas que surgiram com as atuais revelações. Mas ele não falou uma só palavra. Ele

lia em minha mente tudo que buscava saber já que derrubei meu bloqueio assim que chegamos à

ilha. Não era mais necessário. Não precisava esconder mais nada dele nem de ninguém. Por

vezes o via suspirando fundo um pouco incomodado e coincidia de ser exatamente no instante

em que eu tinha alguma lembrança do tempo em que estávamos juntos, Leo e eu. Aragorn ainda

com os olhos fixos em mim se cansou de minhas lembranças e entrou na minha mente com sua

voz forte e autoritária.

- Durma Melissa.

E eu dormi, sem o som da sua voz cantarolando, sem os sonhos bons me

trazendo alívio, somente dormi um sono duro e pesado, mas mesmo assim consciente. Não me

esquecia que tinha perdido meu Leo para sempre.

De manhã quando acordei me sentia estranha e vazia. Um oco, um vácuo dentro

de mim, tão palpável quanto tudo ao meu redor, e me sentia cansada como se tivesse carregado

algo enorme e muito pesado apesar de ter acordado na cama confortável para qual Aragorn me

carregou depois de ter adormecido em seu sofá.

Me sentei na cama tentando me situar sem perder o sabor ainda da dor que

sentia. Olhei uma cadeira ao lado da cama que tinha peças de roupas limpas e femininas com

certeza colocadas ali por Aragorn. Não me interessei em saber aonde ele as tinha encontrado

nem tão pouco me interessei em vesti-las. Andei descalça pela casa e encontrei Aragorn parado

de pé na sala. De costas para mim. Quando notou minha presença se virou me olhando e seus

olhos se estreitaram.

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- Você não esta bem. – Ele falou assustado se aproximando de mim.

Não tinha o que contestar, acho que nunca me senti pior em toda minha vida,

nem mesmo quando Raika beijou Leo na minha frente na fazenda de Maxuel. E olha que eu

pensava que não podia existir dor maior.

Ele se aproximou de mim ajeitando minha franja sobre a testa e erguendo meu

rosto para examiná-lo.

- Seus olhos – Ele falou preocupado – Estão escuros. E sua pele esta meio sem

cor... sem vida. – Ele me arrastou até o sofá e me pôs sentada se agachando em minha frente me

examinando minuciosamente.

A cada segundo que passava me sentia pior. Era como se a vida aos poucos se

exaurisse de mim.

Aragorn tinha ido até outro cômodo e eu sequer percebi. Ele voltou com uma

tigela trazendo uma espécie de sopa. Colocou sobre meu colo para que eu comece. Acompanhei

a tigela com o olhar, mas não tive interesse nela.

- Vamos Melissa você precisa se alimentar. – Ele falou paciente.

Senti que algo quente e úmido rolava em meu rosto. E Aragorn passou seu

polegar enxugando a lágrima que caia involuntariamente.

Olhei para ele me perguntando por que ele ainda estava ali, porque ele ainda se

importava comigo já que sabia toda a verdade que eu tinha escondido dele? O meu amor por

Leo, e ele descobriu da pior forma que, mesmo sem intenção real, eu o estava usando. Natural

seria que ele estivesse com ódio de mim por ter lhe dado alguma esperança. Mas ele estava tão

preocupado como sempre e tão cuidadoso como só ele era comigo. Ele ergueu a colher até

minha boca, mas eu virei o rosto. Não estava sentindo fome nem vontade de comer nem de

viver.

Que minha dor se tornasse tão intensa que me tirasse à vida imerecida.

Aragorn se levantou com a tigela e me deixou sozinha.

As lágrimas continuavam caindo pelo meu rosto. Não me mexia, nem um só

suspiro saía dos meus lábios. Meu rosto paralisado era lavado por uma correnteza de lágrimas.

Quantas horas fiquei ali? Não sei.

No outro dia acordei novamente na cama e durante vários dias essa foi à rotina.

Me sentar no sofá e chorar até adormecer e ser levada nos braços por Aragorn. Ele tentava me

fazer comer ou beber algo, mais me recusava terminantemente.

Meu coração ainda batia em meu peito de teimoso. Sem direção, sem ter um

rumo pra chegar. Estava vivendo na escuridão que Aragorn havia visto em meus olhos. Me

afundando numa cripta pessoal e negra onde não havia mais a luz do amor de Leo para me

guiar. E ali descobri que o amava mais do que pensava ser possível e agora meus sonhos se

perderam. Só me restaram às lembranças.

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Mesmo mortificada pela dor tinha total consciência do dia se arrastando

pavorosamente lento e da noite provocativamente fria. Por vezes acordava no meio da noite e

Aragorn estava sentado na cadeira ao lado da cama me velando.

Noutro dia de manhã sem ter noção de quantos dias eu estava ali, não consegui

cumprir minha rotina de ir até o sofá me colocar como um objeto imóvel e desagradável na sala

de Aragorn. Estava fraca demais para andar e como no horário de costume eu não tinha

chegado à sala Aragorn foi até o quarto. Tentei me levantar, mas acabei caindo e Aragorn me

amparou me segurando mais firme do que o necessário.

- Droga Melissa, você esta se matando! Não vou permitir isso. Cansei de ser

compreensivo, de ser pacifico, não vou deixar que isso aconteça. Chega de se torturar. – ele me

sacudia - Se ele morreu não foi culpa sua. E ele não vai voltar só porque você esta sofrendo.

Acorda, desperta, e aceite a realidade. Ele se foi Melissa, e você não pode fazer nada. E não

pode morrer por causa disso.

Eu estava num estado de choque que apesar das sacudidas frenéticas de Aragorn

não reagia.

Numa fúria irracional Aragorn me pegou nos braços me carregando até a praia,

entrou comigo nas ondas na intenção de que a água fria me despertasse e realmente funcionou.

A primeira onda que atingiu meu corpo foi como um choque gelado me tirando do torpor.

Minha reação foi involuntária, Aragorn me segurava, e com ira me atirei contra

ele socando seu peito com tanta força que meus punhos doíam. Não era dele que estava com

raiva, era de mim. Não era nele que queria bater, era no que tinha me causado tanta dor. Ele não

se afastou enquanto eu o atacava. Deixou que minha raiva acabasse com minhas forças e quando

sem fôlego e com as mãos doendo deixei meus braços caírem do lado do meu corpo, pela

primeira vez olhei para Aragorn o vendo realmente depois de todos esses dias. E seus olhos de

ouro preocupados e aflitos em mim só lembraram-me da pessoa nociva que sou. De como eu

menti para ele e de como eu não merecia todo o cuidado que ele estava dispensando a mim.

Soltei-me de seus braços chorando e corri entrando na mata da ilha. Estava

disposta a sumir da frente dele, estava me sentindo vil, enganadora e envergonhada. Não podia

encará-lo, não depois de tudo, e o pior, minha mente estava desbloqueada desde que tinha

chegado nesta ilha então ele já sabia de tudo muito além do que eu gostaria que ele soubesse. O

medo de ele me deixar sozinha e eu não conseguir chegar até a montanha, foi um dos motivos

pelo qual não lhe contei tudo antes, e não foi o único, usei seu sentimento ao meu favor mesmo

sabendo que poderia magoá-lo. Ele ficou sabendo dos meus planos de atravessar o portal da

montanha só, deixando ele e seu amor para trás.

Corri sem rumo caindo algumas vezes olhando para trás me certificando de que

não tinha vindo atrás de mim, e quando me cansei parei para pensar para onde eu estava

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correndo. Era uma ilha e não haveria saída dali sem outro portal. Sentei-me desolada sobre a

raiz exposta de uma enorme árvore até escurecer e a noite fria me pegar.

Aragorn não apareceu, eu sabia que ele não viria, já o conhecia bem o suficiente

para saber que ele me deixaria pensar um pouco sozinha.

Por toda a madrugada que fiquei ali pensei que Aragorn tinha razão. Meu Leo

não existia mais. Eu queria morrer por isso, mas ainda respirava e o coração batia ainda que sem

meu consentimento. E não poderia procurar pela morte já que outras pessoas ainda esperavam

por mim. Eu tinha falhado com Leo, mas ainda tinha minha mãe e Biel. Eu prometi voltar, não

podia fazer como meu pai fizera abandonando a família deixando tanto sofrimento. Eu não

queria causar mais sofrimento à ninguém. Não podia ser tão egoísta assim. Ernest mesmo falou

“se alguma coisa der errado volte para casa”. Será que outra coisa poderia ter dado mais errado

que isso?

Ainda assim estava me sentindo egoísta. Como poderia voltar para casa

deixando tudo aqui como estava?

Andaluz estava nas mãos de tiranos sórdidos e cruéis como Raika e sua família.

Ernest morreu por Andaluz, Leo... Jeziel, morreu por Andaluz, meu pai tinha abandonado sua

família por Andaluz, Raika matou meu Leo pelo poder de Andaluz. Ela tirou o que era mais

preciso para mim por causa deste reino. E eu estava disposta a fazer algo que pudesse fazer

valer a morte dele. Se Leo morreu tentando impedir que seu trono permanecesse nas mãos

desses facínoras eu iria acabar com a festa deles.

Um sentimento de vingança estava substituindo a dor e o desespero do luto.

Eu não iria embora deixando o trono de Jeziel nas mãos de Cordomad e iria

fazer a família maquiavélica de Raika pagar caro pelo que fez ao meu pai a Ernest a família de

Aragorn e a Leo. Assim como eles transformaram minha vida num pesadelo eu seria o pesadelo

deles.

Uma nova motivação dentro de mim para viver e lutar. Iria vingar a morte de

Leo. Se o que Raika temia era perder seu reinado para ele, ela tinha encontrado agora uma coisa

bem pior para enfrentar. Alguém ferida querendo vingança, disposta a vencê-la a qualquer

custo. Raika me tirou Jeziel eu lhe tiraria Andaluz.

O sol já estava quase aparecendo no horizonte quando voltei até a casa da ilha.

Aragorn me esperava sentado numa espreguiçadeira na varanda. Quando me viu aproximando

ele se levantou. Eu parei bem a sua frente.

Parados, ficamos nos olhando até que finalmente encontrei em mim o que falar.

- Eu estou bem agora. – tentei convencê-lo.

Ele me olhou duvidoso.

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Eu sabia que ele estava espantado com minha reação. Em Andaluz desenvolvi

uma forma estranha de enfrentar momentos difíceis em minha vida, como a morte de Ernest, e a

de Leo. Era mais fácil colocar tudo que me aborrecia dentro de uma caixa e escondê-la num

repartimento dentro de minha cabeça onde eu não precisasse ficar olhando toda hora e reagir da

forma que eu pensava ser madura do que ter que enfrentá-los. Já tinha muita coisa guardada lá.

Eu sabia que em algum momento a caixa não suportaria mais tanta pressão e arrebentaria. Mas

no momento ela ainda tinha espaço para guardar mais esse infortúnio.

Diante do olhar preocupado de Aragorn eu continuei falando como se os

acontecimentos dos últimos dias não tivessem me afetado.

- Muito obrigada por cuidar de mim, não só esses dias mais por tudo que você

fez até agora. Obrigada por me tirar das mãos de Raika.

Ele pareceu confuso me ouvindo falar depois de todos esses dias sem ouvir

minha voz. E eu falava com ele coerentemente. Me sentia lúcida e ...estranhamente calma.

- Ela iria te matar assim que você entregasse-lhe a coroa. – Ele respondeu

entrando no meu ritmo.

- Eu sei disso. Por isso tenho mais motivos para te agradecer. Você não

precisava fazer o que fez depois do que eu fiz a você.

Ele me sondou tentando compreender o fio da conversa.

- Você não fez nada a mim Melissa, eu escolhi me arriscar.

- Você não teria feito isso se eu tivesse sido sincera.

- Não podemos ter certeza disso, podemos?

Realmente não. Ele já sabia de tudo e, no entanto, ainda se importava comigo.

- O que vai fazer a partir de agora? Pelo que entendi você veio aqui para salvar

Jeziel. Mas agora ele esta... – Ele se interrompeu. - Bem, não há mais motivos para você ficar

aqui. O que pretende fazer?

- Eu tenho um motivo sim para ficar. – Falei fitando o horizonte.

E de repente toda calma que eu tinha reunido para me manter de pé esvaiu-se.

- E qual seria? – Seus olhos estavam em mim desconfiados novamente.

Ele já me conhecia bem demais para saber que aquela fachada de garota

centrada iria desmoronar em questão de segundos.

- Vou matar Raika e toda sua família ordinária.

Ele me olhou espantado com a fúria em minha voz.

- Quando foi que você deixou de ser uma garota dócil, meiga e indefesa para se

transformar numa exterminadora cruel e sanguinária?

- Não se ganha nada sendo boazinha. – Falei amarga.

- Esse tipo não combina com você.

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- Sou filha de um general... De um guerreiro, esta no meu sangue. E sempre me

disseram que eu tinha que ser mais decidida, sair da defensiva e lutar pelo que quero. É o que

estou fazendo agora. Chega de garotinha indefesa, e tola.

- Quem você é não depende de quem é seu pai nem da sua linhagem ou do que

dizem de você. O que você realmente é vem de dentro de você.

Olhei para ele começando a me enfurecer, ele estava tentando obstruir meus

planos com suas filosofias dispensáveis.

- Não importa, eu posso ser o que eu quiser, e agora eu quero ser a pessoa que

vai mandar aquela bruxa de Raika para o inferno de onde ela jamais devia ter saído.

- Você quer vingança. Não é um sentimento nobre.

- Eu não ando sendo muito nobre em meus sentimentos ultimamente. Você

melhor que ninguém sabe disso.

Eu estava obstinada.

Aragorn olhava para mim como se olha para uma criança birrenta.

- Então me diga como pretende chegar até Raika para matá-la, já que você é só

uma e ela tem um exército preparado contra você. Antes que você possa colocar os olhos nela

você já era. – Ele simulou um corte no pescoço com a mão.

- Você vai me ajudar. – Joguei para ele.

- Eu vou?! – Ele rebateu.

- Você me ajudou até agora – Eu esperava isso dele. Era óbvio.

- Isso antes de saber que estava numa missão impossível- Desabafou.

- Você tem conseguido até agora.

- Eu não vou. – Sua voz e seu rosto se endureceram.

- Esta com medo? – Provoquei.

- É suicídio meu e seu. E eu pretendo completar meus vinte e cinco anos de

idade vivo.

- Eu dou o que você quiser.

- O que eu quero você não pode por em barganha.

- Qualquer coisa... – Não iria aceitar um não como resposta.

- O que você teria para me dar que pudesse me interessar?

- Você ouviu Raika, esse reino é meu por direito. Posso te dar qualquer coisa

que queira. Todas as ilhas de Andaluz se quiser.

- Não. – respondeu decididamente.

- Te faço um ministro de Andaluz... Toda riqueza, qualquer coisa. Te faço

general do exército. Você será o maior comandante de todos os tempos.

- Não quero nada disso. – Ele soletrou determinado.

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- Te dou o trono de Andaluz, Assim que destruirmos todos, Andaluz precisara

de um rei e você será este rei. - Tinha que persuadi-lo.

- E você será minha rainha?

Epa!

- Eu voltarei para meu mundo assim que acabar com eles. - Falei seriamente

para tentar fazê-lo voltar as outras propostas.

- Então sinto muito, mas não há nada que você possa me oferecer que valha a

pena arriscar minha vida ou a sua. – Ele podia ser bem teimoso e irritante quando queria.

- Por favor Aragorn. Você tem que me ajudar – Falei mudando o tom da

conversa para a súplica.

- Não. – Ele estava irredutível - Eu não tenho que te ajudar a se vingar da morte

de alguém que não significa nada para mim. Alguém que cuja vida só me prejudicou.

- Como é? – Que colocação era essa?

- Por causa dele muitos foram mortos lutando para ver esse tal de Jeziel no

trono. Amigos meus que entraram na causa confiando nele, perderam suas posses, suas famílias,

meus pais meus irmãos morreram torturados esperando por ele e agora você quer se matar por

causa dele. Não. Raika na verdade fez um favor para todos. Ele esta bem melhor morto.

Com toda ira lancei minha mão em seu rosto lhe dando um tapa estalado na

face. Ele não tinha o direito de falar daquela maneira. Não do meu Leo.

- Pois fique sabendo que ele esta morto agora por causa de vocês, dessa maldita

Andaluz. - Bradei irada - Estávamos muito bem em meu mundo, mas cada dia ele se preparava

para voltar se preocupando com seu povo aqui. Se ele tivesse ficado comigo estaria vivo e feliz

ao meu lado.

- Você tem certeza? Pelo que vi ele voltou muito bem acompanhado, e segundo

os dados que recebemos ele não fez grande resistência para te deixar.

- Ele me amava. Só me abandonou porque acreditou que Raika fosse à rainha

que lutaria ao lado dele para libertar Andaluz. Ela mentiu dizendo que também era filha de meu

pai. Enganou a todos nós. – Quanto mais detalhes eu dava mais raiva eu sentia - Ele veio por

todos vocês. Pelos que morreram e pelos que ainda esperavam por ele.

- Ele te deixou. – Falou exacerbado - E agora esta morto. Ele era um tolo por

amar mais essa maldita dimensão, como você mesmo diz, do que a você. Não há razão para

querer lutar.

- Ele tinha amor pelo seu povo, por este lugar. Se preocupava em como estavam

sendo tratados por Cordomad e escravizados por ele. Ele era nobre, tinha honra, Coisa que você

não deve nem saber o que é.

- Melhor ser um desonrado vivo que um nobre morto. – Ele faiscou um sorriso

rabugento.

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Não estava acreditando. Esse não era o Aragorn que conhecia. Tão mesquinho.

Onde estava o cavalheirismo que ele havia me mostrado antes?

– O que você vai fazer com toda a honra dele agora? Se ele tivesse sido um

pouco mais esperto estaria vivo e com você. Só que ele não tem mais nem uma coisa nem outra.

Eu no entanto...

Estava assustada com sua nova personalidade. Ele não estava demonstrando

nenhum tipo de compaixão pelo meu luto nem se importando com meus sentimentos.

- Seu patife! – Bradei – Não sei como eu pude...

- O que? - Ele me interrompeu bradando - Se apaixonar por mim?

Tomei fôlego diante da prepotência dele.

- Achar que podia confiar em você! – O corrigi.

Ele deu seu sorriso maroto me dizendo que não era aquilo que eu queria dizer.

- Você confia em mim. E sabe que o que eu disse é verdade e só que esta com a

consciência pesada e agora quer vingar a morte deste Jeziel para desencargo de consciência.

- Você não sabe o que esta falando – Ele estava totalmente enganado. Não era

esse o meu sentimento.

- Se não é, você não precisa de mim. Pode ir atrás do exército do seu pai e

invadir o castelo agora mesmo. Vá e se mate, e mate todos os outros tolos que caírem nessa sua

conversa. Eu. Estou. Fora. - Ele enfatizou cada palavra bem diante do meu rosto.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Lá estava indo embora minhas forças. Eu

estava nervosa e sem argumentos para convencê-lo a me ajudar já que ele estava deixando bem

claro que não iria ceder.

- Você me enganou. – Cruzei os braços no peito como uma criança magoada

virando de costas para que ele não me visse chorando.

- No que te enganei?- O tom de sua voz ficou insegura.

- Você disse que enquanto eu quisesse você por perto você estaria comigo e

nunca me abandonaria e que lutaria por mim. – Me virei para encará-lo.

- Peraí... Isso é jogo sujo! – Ele me olhou irritado - Quando te falei isso estava

preocupado em que você tivesse problemas em ficar comigo por seu pai ser do exército rebelde

e eu ser um ex-soldado de Cordomad, ou qualquer outra coisa neste estilo, eu não sabia que

você amava esse tal de Jeziel. Eu posso lutar com o mundo inteiro Melissa, menos com você. –

Ele se aproximou de mim. - Eu lutaria contra o exército de seu pai, contra o seu mundo, contra

Cordomad para ter você, mas meu oponente não esta aqui fora, esta aí dentro do seu coração.

Não há como vencê-lo.

Ele tinha razão. Seria mais fácil conquistar o mundo... Ou os dois mundos

inteiros do que tirar Leo de dentro de mim.

- Então eu vou sozinha. - Tentei persuadi-lo na marra fazendo manha.

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- Dessa vez eu não vou atrás de você. – Ele sabia que eu estava blefando.

- Por favor, Aragorn, me ajude a derrotar Raika. – Eu tinha que implorar.

- Por causa de Jeziel?- Ironizou.

- Por ele e por todas as maldades que ela cometeu. Sua família esta morta por

causa deles. Podemos vingar todos aqueles que morreram pelas mãos dessa família de facínoras.

- Nada que eu fizer vai mudar a condição de quem já se foi. Eu já me conformei

com isso. Conforme-se também. – Ele não caiu na minha apelação.

Droga, como é que nas histórias e filmes que eu assisti era tão fácil fazer uma

vingança? Bastava uma razão e uma determinação.

- Não vou deixar isso assim. - resmunguei sem querer me dar por vencida.

- Então me de um bom incentivo, que eu posso pensar no seu caso.

Aragorn estava me dando uma brecha para aceitar me ajudar. Ou só estava

testando meus limites e saber o que eu era capaz de fazer para vingar a morte de Leo.

- Você se torna rei no lugar de Cordomad. Nunca pensou em ser rei de

Andaluz? – Eu estava negociando.

- E você se torna minha rainha. – Ele afirmou novamente.

Olhei para ele angustiada. Não tinha espaço em meus pensamentos agora para

aceitar ficar com Aragorn. O amor por Leo havia renascido em mim com tanta força que

qualquer atração ou interesse por ele havia sido sufocado. E o que eu queria era acabar com a

raça de Raika e voltar para minha casa, e esquecer de tudo isso.

- Isso não será possível Aragorn.

- Então não há acordo.

- Como pode fazer isso? Como pode querer trocar meu amor por sua ajuda?

- Eu posso fazer isso, porque sei que você não é totalmente indiferente a mim.

Você pode estar triste agora e magoada e desorientada, mas eu sei o que esta dentro de você, e

sei que quando essa dor passar você vai estar muito melhor e poderemos ter um começo.

- Aragorn, eu não posso fazer isso.

- Estou muito inclinado a aceitar sua proposta se aceitar minhas condições.

- Que condições?

- Se eu entrar nessa guerra com você, conseguir derrotar Cordomad, Erkas e seu

exército, se destruirmos Raika como é sua vontade... Alguém terá que assumir o trono de

Andaluz. Eu faço esse sacrifício. – ironizou – Desde que você se torne minha rainha.

- Agora eu que digo, isso não é seu tipo. Você não esta sendo cavalheiro.

- É como você mesmo disse: Não se ganha nada sendo bonzinho.

Bufei irritada.

- Esquece. – Eu não amo você – Falei com mais cuidado que o necessário para

não magoá-lo.

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- Tudo bem. Eu só preciso que você me dê uma chance, a chance que nunca me

deu para conquistar seu coração. Tanto quanto ele conquistou.

- Não creio que isso seja possível. O amor que sinto por Leo é grande demais.

- Vejo que sim, mas o amor para continuar crescendo tem que ser regado. O

tempo dele já acabou. E eu estarei aqui para cuidar do seu amor.

Sacudi a cabeça freneticamente.

- Não era isso que eu esperava de você.

- E o que era então? Um tolo que fizesse tudo que você quer sem receber nada

em troca?

- Você esta sendo um aproveitador sem escrúpulos. Não pensa na minha dor,

nem no que sinto?

- Não pode me culpar por te amar.

- O amor não é assim.

Ele segurou-me pelos ombros firmemente.

- Eu posso estar sendo inescrupuloso, insensível, posso estar me aproveitando

da situação sim. E daí? Não muda o fato de que eu a amo e posso estar desesperado para fazer

de tudo para te manter ao meu lado. Já pensou nisso? Que o fato de você não estar

reconhecendo minhas atitudes agora é porque não há nada a meu favor? Eu preciso usar o que

tiver ao meu alcance para manter você comigo. Não é isso que os apaixonados fazem?

Havia realmente um clamor em seus olhos.

- Eu não pedi para me amar.

- Também nunca disse que eu não deveria. – Ele me soltou.

- Me perdoe, eu fui uma covarde. – Resolvi assumi minha culpa.

- Covarde? Você foi cruel. Me fez acreditar que eu teria você.

Abaixei meus olhos para o chão de mármore.

Ele se aproximou novamente.

- Me de uma chance, eu posso te fazer feliz. – Ele segurou meu rosto com os

olhos de ouro suplicantes nos meus. Sua mão estava tão fria e úmida em minha pele, como se

todo seu sangue e seu calor o estivesse fazendo suar frio. Ele estava tão afetado e sensível

quanto eu naquela conversa. Seu olhar me deteve por alguns segundos. Ele aproximou mais o

rosto do meu buscando meus lábios mais virei meu rosto antes que ele pudesse tocá-los. Suas

mãos resistiram ainda em meu rosto talvez planejando um beijo forçado e eu estava pronta a

reagir se ele tentasse. Mas seu lado cavalheiro voltou a falar mais alto e Aragorn tirou suas mãos

de mim delicadamente se dando por vencido.

- Agora me diz Melissa, o que vou fazer sem você? - Havia um peso na voz dele

que eu nunca ouvira antes. Um peso de dor de angustia e de verdade. Ele estava mesmo

desesperado.

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Apesar da compaixão que senti, e da culpa, não podia fazer nada. Sei que agi

com crueldade como ele mesmo disse. Não pensei nas consequências, não pensei nele nem em

Leo só em mim. Meu egoísmo não tinha limites. E com ele estava ferindo Aragorn. Como eu

pude pensar em envolvê-lo na minha vingança contra Raika? Eu já não tinha causado estragos

de mais?

Quando levantei meu rosto para ele, ele já não me olhava mais. Estava de costas

para mim fitando o horizonte.

Talvez ele tivesse razão. Já não havia sentido em lutar. Pelo que lutaria, por

uma vingança que me levaria à morte? Colocaria mais vidas na mira dos meus inimigos?

Deixaria mais pessoas morrerem por uma utopia falida? Com qual objetivo? Eu não iria assumir

nenhum trono ali. Não era tão ambiciosa. A coroa? Poderíamos destruí-la ali mesmo e acabar

com os planos de Raika em assumir o controle total de Andaluz. Ela já tinha o suficiente e eu só

queria minha vida de volta.

Toda a minha raiva estava passando eu tentava agora ser racional. E resolvi

vencer minha covardia e fazer o que havia me prometido. Contar-lhe toda a verdade.

- Aragorn me desculpe, pelo que fiz ou pelo que deixei de fazer. Sei que você já

viu tudo em minha mente, mas eu preciso te falar o que eu já devia te dito a muito tempo.

Muita coisa aconteceu em minha vida desde que Leo me deixou. Uma fissura

abriu em meu coração por causa dele. Ele que dizia me amar e que nunca me deixaria e que tudo

que ele queria era me fazer feliz. Deixou todas suas promessas e todo o meu amor para trás.

Eu fiquei tão ferida, tão magoada, juro a você que pensei que iria morrer. Mas

não morri e o tempo se passou e eu esperava desesperadamente que o tempo levasse a dor e

trouxesse o esquecimento. E isso não aconteceu. Cada dia sem meu Leo era uma eternidade no

Hades. Eu tentei sobreviver já que não havia mais vida em mim, e a morte não chegava. Ele era

minha vida que me fora arrancada.

Mesmo com o passar do tempo, não posso dizer que estava bem. Tentava

sobreviver, e nem era mais por mim, era por minha mãe e pelo meu irmão.

Eu acordava escondendo os olhos inchados de tanto chorar na madrugada,

quando acordava sofrendo por ter sonhado com ele. Na verdade eu estava morrendo um pouco a

cada dia. Até que Ernest chegou a minha casa, todo Machucado, me contando o que realmente

tinha acontecido, sobre a estratégia de Raika de tirá-lo de mim para se unir a ele e conseguir a

coroa e o domínio total de Andaluz, de seus feitiços e que ele estava aprisionado por Cordomad

por causa da coroa. Naquele momento eu não pensei em nada. Só queria estar aqui e tentar

salvá-lo. E com esse propósito cheguei aqui.

E você apareceu na minha vida como um herói. Me salvou da morte várias

vezes, me defendeu dos meus inimigos, lutou por mim e desde que te conheci você tem me

acompanhado nos momentos mais difíceis da minha vida. Você é meu céu Aragorn, sempre

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firme e ao alcance de meus olhos. Me dado o ombro quando preciso, me carregado no colo

quando não tenho forças.

Seu sorriso me faz sentir tão bem e com você ao meu lado me sinto segura e

protegida. Você é uma ótima companhia, um cavalheiro, um guerreiro excelente, um mestre

dedicado, me ensinou a usar a espada o arco e flecha me ensinou a lutar. Sem você Aragorn eu

não estaria viva agora.

Não posso negar que é difícil estar ao seu lado e não acabar se apaixonando.

Você é um homem envolvente, atraente. Muito bonito, sexy, charmoso... Tem uma voz linda e

quando canta, me faz sonhar. Mas você já sabe disso. Toda mulher que cruza seu caminho se

apaixona. E ainda que eu tenha me deixado envolver por você, não vai além.

Talvez se tivéssemos nos encontrado em outro tempo, em outro lugar, e se Leo

não existisse em minha vida, você seria a pessoa certa para mim. Mas Leo existe aqui dentro de

mim, ainda que esteja morto agora. E é de uma forma tão forte que supera todos os outros

sentimentos. Deixei minha mãe e meu irmão por causa dele, deixei meu mundo por causa dele.

Abri mão de tudo por causa dele porque sem ele não há nada para mim. Nem no seu mundo

nem no meu, não há nada que tenha valor sem ele.

Olhei para o céu azul brilhante fitando o infinito e continuei.

E eu ainda o amo, mais que tudo. E agora que ele se foi, por mais que eu queira

ser racional e dizer que tudo acabou, e que eu devo seguir minha vida, não vou conseguir me

convencer disso, porque não há mais vida para mim. Não me preocupo mais se vivo ou se

morro. Minha vida se foi com ele.

Me aproximei mais dele e segurei seu rosto para que ele olhasse para mim. Pela

primeira vez eu estava sendo totalmente sincera com ele e queria que ele visse isso em meus

olhos. Carinhosamente mantinha minhas mãos nele e continuei a falar.

- Eu reconheço seu amor por mim, e me constrange o fato de você me amar

tanto sem eu merecer. Se eu pudesse te dar alguma coisa de mim para merecer esse amor eu

daria. Mas não há nada em mim Aragorn. Tudo que era eu se foi com Jeziel. Todo meu eu se foi

com meu Leo.

Finalmente achei que tinha falado tudo que precisava. Suspirei aliviada por ter

conseguido depois de tanto tempo falar a verdade. Um peso havia evaporado do meu ser. Desci

as mãos e ele desviou o olhar do meu.

Aragorn atentamente ouviu cada palavra. Eu sabia que estava ferindo seu

coração, eu já havia previsto isto, que seria duro demais para ele ouvir a verdade da minha boca,

mas seria a última vez.

Por conseguir falar estava agora me sentindo mais leve e mais humana. E até

estava sentindo Aragorn mais perto de mim. A barreira tinha caído, eu podia ser eu mesma com

ele agora. Sem mentiras nem disfarce, nem segredos.

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- Daqui posso te transportar direto para montanha Mayata. É o Máximo que eu

consigo fazer. E de lá você segue sozinha. – Sua voz trazia um pesar – Se é o que você quer, não

vou te impedir. Mas você deve esperar um tempo porque Raika deve estar atrás de você nesse

exato momento. Com todo seu exército.

Estranhei sua passividade repentina, mas um alívio me subiu. Ele não brigou,

não me praguejou, nem me desprezou como eu esperava. Mas percebi que minhas palavras o

deixaram infeliz.

Ele desceu a varanda me deixando ali sozinha e caminhou até a praia. Meu

coração reagiu ao vê-lo triste daquele jeito. E não aguentei. Corri pela areia e ao alcançá-lo

abracei-o pela cintura. Era um abraço de amiga. sei que ele não queria esse tipo de abraço.

Ele permaneceu com seus braços caídos ao lado do corpo e num turbilhão de

emoções comecei a chorar abraçada a ele.

- Não fica com raiva de mim – Falei chorando sem conseguir soltá-lo.

- Não estou com raiva. – Ele passou a mão pelos meus cabelos falando

mansamente – Quem consegue ficar com raiva desse seu jeito? Seus sentimentos são tão

intensos, essa sua maneira tão complicada e perfeita de ser que eu amo. Esse seu Leo teve muita

sorte de ter seu coração.

A maneira carinhosa que ele me falou me consolou.

- Vai continuar meu amigo?

- Não posso. - Ergui minha cabeça procurando seu rosto. Ele enxugou o meu

com o polegar. – Você diz que o que era você se foi com seu Leo. Eu acho que você esta

enganada. Acho que o que foi com ele era a Melissa fraca, covarde e sem vida e disposta a

aceitar tudo que os outros diziam dela. A Melissa que esta aqui é forte decidida, guerreira, e

pronta para conquistar o que quiser. Você não precisa mais de mim.

Ele estava enganado. Mas não poderia pedir que ele permanecesse ao meu lado.

Eu sabia como ele se sentia.

Quando o soltei ele foi rumo ao mar e mergulhou nadando até sumir das minhas

vistas. Me sentei na areia, tentando colocar em ordem meus pensamentos e meus sentimentos.

Aragorn tinha uma forma ímpar de me ver. Ele me via forte, e eu não me sentia forte. Ele me

via decidida e eu sempre cercada de dúvidas. Talvez agente não se vê claramente como os

outros nos vê.

A noite contemplando as estrelas sentados na varanda, Aragorn e eu quase não

falávamos. Minha mente não ficava mais bloqueada para ele e ele devia ver cada um de meus

pensamentos. E apesar da serenidade dele eu podia ver a dor em seus olhos de ouro.

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Capítulo 18

Durante os dias seguintes em que esperávamos um bom momento para que eu

pudesse finalmente ir para a montanha Mayata. Aragorn mantinha meu treinamento. Ele queria

me garantir uma chance de escapar com vida já que eu estava disposta a lutar, mesmo que ele já

tivesse deixado bem claro que não me acompanharia.

Meu luto ainda não tinha acabado. Mas estar segura na ilha Marfim me dava

tempo para pensar e mesmo com Aragorn se mostrando resistente eu estava sempre correndo

para ele procurando consolo. Eu sabia que era duro para ele, mas eu me sentia sozinha e

desamparada, eu precisava desesperadamente do céu que ele era pra mim, dos braços dele, dos

braços de amigo que ele também não queria me dar, mas que acabava cedendo diante da minha

fragilidade emocional. Na maioria das noites eu dormia em seu sofá olhando para ele matar o

tempo modelando uma escultura ou lendo um livro. E depois de adormecida ele me carregava

até a cama e se dirigia para o outro quarto.

Por tantos dias que já estávamos ali, ele jamais tocou no assunto de seus

sentimentos por mim novamente. Ele aceitou minha decisão, e isso era reconfortante. Eu podia

conversar com ele, brincar com ele e contar minhas piadas que ele nunca entendia sem me

preocupar que ele levasse para outro caminho.

Na ilha os dias nunca eram tediosos, sempre tinha algo novo para explorar, e ao

lado de Aragorn estava descobrindo seus outros talentos. Ele era um excelente nadador e

mergulhador. Sempre me deixava preocupada quando entrava no mar e sumia por horas, mas

sempre voltava com algo bonito para enfeitar sua casa. Também era um ótimo cozinheiro. Eu

até que tentei cozinhar algumas vezes, mas meus dotes culinários que já eram uma negação no

meu mundo, ficaram piores diante dos ingredientes totalmente desconhecidos de Andaluz. Mas

pelo menos me deixavam ocupada. Como da vez que quis fazer uma surpresa para Aragorn

enquanto ele nadava, e fui para cozinha preparar o jantar. Cozinhei algumas verduras, que

depois descobri que eram frutas diante da gargalhada gutural que Aragorn deu quando viu a

mesa posta.

- Isso se come cru. – Dizia ele nitidamente se divertindo com minha

atrapalhada.

Mas ao menos me senti bem por vê-lo sorrindo de novo.

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Ao passar dos dias não posso dizer que estava sendo mais fácil, mas pelo menos

era mais suportável a dor. Aragorn já não estava tão arredio comigo e nosso relacionamento

tinha voltado como era antes. A falta de segredos mantinha nossa amizade, e eu estava sendo eu

mesma pela primeira vez ao lado dele e o que me surpreendia é que ele não se mostrava

decepcionado com a Melissa que agora ele estava conhecendo. Ele era o mesmo Aragorn

confiável de sempre, e as semanas foram passando e estar ali com ele era um confortável

descanso.

- Erzoul quer falar comigo – Disse ele de repente numa noite em que estávamos

sentados no quintal da casa.

- Como sabe? – Perguntei curiosa.

- Posso ouvi-lo.

- O que ele quer?

- Saberei quando chegar lá – Ele se levantou e andou rumo a casa.

- Posso ir também? – Pedi.

- Você esta segura aqui.

- Por favor... – choraminguei.

Ele olhou para mim e eu fiz cara de manha. Já sabia que ele nunca me dizia não

se eu usasse essa estratégia.

- Esta bem. Vamos.

Me levantei animada com a possibilidade de ver outra coisa nessa noite além do

infinito céu estrelado.

Passamos pelo portal e chegamos exatamente no meio da sala de Erzoul que nos

esperava com um sorriso. Ele me olhou surpreso, mas manteve o sorriso.

- O que foi meu amigo? Esta precisando de mim? – Perguntou Aragorn

desviando os olhos de Erzoul de mim.

- Na verdade não sou eu. É Lariana que quer te falar. Ela pediu para que eu te

chamasse aqui. Em poucos minutos ela chegara.

- Você sabe o que ela pode quer comigo? – Perguntou Aragorn curioso.

- Se ela me contasse as coisas eu não seria o pai dela.

Aragorn riu.

Erzoul voltou seus olhos para mim novamente.

- É mesmo verdade? - Ele me perguntou.

Olhei para ele sem entender.

- Você realmente é a garota da profecia?

- Ele esta lendo sua mente. – Falou Aragorn diante da minha estranheza.

Havia me esquecido que ela não estava bloqueada. E a fechei na hora. Tarde

demais com certeza, porque ele agora me olhava como se já soubesse tudo.

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- Não se preocupe. – Ele me tranquilizou. – Enquanto for necessário seu

segredo estará guardado comigo.

Lariana entrou pela porta. Ela olhou primeiramente para Aragorn depois para

mim.

- Queria falar comigo? – Falou Aragorn a ela.

- Sim, mas em particular. Podemos dar uma volta?

- Claro – Falou automaticamente. - Erzoul cuide de Melissa para mim?

- Ela esta segura comigo. – Respondeu Erzoul.

Ele me olhou enquanto saía pela porta atrás de Lariana. Eu sabia que Aragorn

não gostava de me deixar sozinha, mesmo que com seu amigo. Ou principalmente com ele.

- Isso é realmente interessantíssimo. – Falou Erzoul assim que a porta se fechou.

– bem que eu desconfiava de algo diferente em você.

- Desculpe não ter contado antes, você foi tão gentil com Ernest e comigo.

- Eu entendo que era um segredo. E deve realmente ser guardado. Você imagina

o quanto Andaluz ficaria em polvorosa se descobrisse sua presença aqui? Os jovens hoje, não

acreditam mais nas antigas profecias, somente os velhos como eu ainda espera o cumprimento

delas e claro, um povo rebelde que vive escondido que dizem, esperando o momento certo para

entrar em ação. Mas que devem ser bem poucos agora. Cordomad perseguiu e exterminou

durante anos todos aqueles que tivessem ligação com o exército rebelde resistentes do rei Jeriel.

Assim como aconteceu com os pais de Aragorn.

Ele me olhou curioso.

- Você veio mesmo de outra dimensão?

- Sim - Respondi prontamente.

- Uma rainha para Andaluz criada em outra dimensão. – Ele falou pensativo –

Como são as coisas por lá?

- Bem diferente daqui. –Falei com certa nostalgia.

- Imagino que seja.

- Quem sabe um dia possa me visitar e ver com seus olhos as diferenças.

- Te visitar? Você não vai ficar em Andaluz para regê-la?

- Não mesmo. - Fui categórica.

- Como não?

- O Príncipe Jeziel morreu. Eu não ficarei aqui sem ele.

Erzoul se calou. Eu não sabia o que ele poderia querer me dizer, mas um

lampejo de decepção fluiu em seus olhos.

- Desculpe Erzoul, mas eu não sou a rainha que Andaluz precisa.

- E vai deixá-la nas mãos de Cordomad?

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- Não. Eu vou acabar com a raça dele e de Raika e toda sua corja. Depois eu

volto para minha casa.

- E quem ficara no trono?

- Já ofereci a Aragorn, mas ele se recusa.

Erzoul deu uma grande e espalhafatosa gargalhada.

- Aragorn, rei?! – Mais risos – Andaluz iria virar de pernas pro ar.

- Eu acho ele muito responsável – Falei em defesa.

Outra gargalhada.

- Só se ele mudou andando com você Melissa, pois se tem uma coisa que ele

nunca foi, é responsável.

- Você esta sendo injusto com ele. Ele foi muito responsável comigo até agora.

- Isso porque ele te ama. Era interesse dele te manter sã e salva.

Eu sorri.

Por mais algumas horas Erzoul me perguntou sobre a forma de cura em minha

dimensão e ficou espantado com as informações e mais espantado ainda em saber que os

curandeiros de lá não eram dotados de dons especiais que lhes dessem vantagens em seus

diagnósticos. Eles teriam que estudar e muito para serem bons médicos. Ele ficou admirado.

A porta se abriu e Aragorn e Lariana entraram. De mãos dadas. Não pude

deixar de notar. Havia um ar de satisfação no rosto dela. Aragorn estava como sempre sereno.

Me olhou vendo algo em meu rosto mas não soltou a mão de Lariana.

- Então, querem jantar agora? – Perguntou Erzoul ao entrar na sala com uma

panela de comida depositando-a sobre a mesa.

- Obrigado Erzoul, mas precisamos ir agora. – Respondeu Aragorn agora se

libertando da mão de Lariana e vindo até a mim. – Vamos Melissa.

Me levantei da cadeira em que estava e me posicionei ao lado dele.

- Você volta logo? – Perguntou Lariana se dirigindo a ele.

- Assim que eu puder – Respondeu. E abriu o portal para que passássemos.

Já na ilha a curiosidade me corroia. Eu queria saber o que ela tinha falado com

ele. Aragorn chegou muito pensativo e mal falou comigo. Nem minhas brincadeiras o tiraram de

seus pensamentos. Mas eu não iria perguntar. Devia ser bem particular. Eles demoraram

bastante tempo. E mesmo que eu perguntasse ele não iria me responder. Minha mente estava

aberta, ele sabia no que eu estava pensando. Se ele não se propôs em me contar é porque não

queria que eu soubesse.

No outro dia de manhã, quando me levantei Aragorn já estava de pé como

sempre e desta vez preparado para sair. Ele estava muito bem vestido e bonito.

- Aonde vamos? – Perguntei.

- Preciso resolver algumas coisas, mas você fica aqui.

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- Tem a ver com o que Lariana te falou ontem?

- Pode ser.

- Vocês estão namorando de novo? – Ao perguntar me arrependi, não queria

saber a resposta. Eu era ciumenta e possessiva ao que se referia a ele. Mas não queria que ele

soubesse.

Ele não me respondeu. Só me olhou indiferentemente com seus olhos de ouro e

andou passando por mim para abrir o portal.

- Vai mesmo me deixar aqui sozinha? – O segui descendo as escadas da varanda

até a areia.

- Este é um lugar seguro.

- Somente contra os Drevors. Mas e se alguma outra coisa me acontecer?

Precisava convencê-lo a não me deixar sozinha.

Ele se virou para mim curioso.

- Como o que?

- Eu posso... me afogar por exemplo.

- Não entre na água.

- Eu posso cair de uma árvore.

- Não suba.

- Eu posso tropeçar em alguma pedra.

- Preste atenção por onde anda.

- Eu posso ser atacada por algum animal.

- Os animais dessa ilha não te farão mal. São muito pequenos.

- Tá, mais o sol pode ficar forte demais e eu ter uma insolação.

- Melissa! – Falou impaciente.

- Não quero ficar sozinha. – Choraminguei.

Cruzei os braços e fiz beicinho. Ele nunca resistia quando eu fazia essa cara.

Mas dessa vez ele estava imune. Me deu as costas e abriu o portal e passou por

ele sem me dar nem tchau.

- Droga – Chutei a areia. - O que eu vou fazer aqui sozinha?

Voltei para dentro da casa totalmente entediada. Deitei no sofá com a cabeça

para baixo e as pernas para cima. Depois me levantei e me arrisquei a mexer na figura que

Aragorn estava esculpindo e desisti logo depois que percebi que estava destruindo seu trabalho.

Minha capacidade artística não tinha melhorado só por que eu estava em outra dimensão.

Saí da sala e fui para seu quarto. Deitei em sua cama e fiquei jogando a almofada para

cima. Cansei daquilo e revirei os baús em seu quarto. Não encontrei nada de interessante.

Encontrei uma camisa dele pendurada num cabide e a vesti por cima da minha roupa. Enfiei os

pés em um par de botas dele que estavam ali, e saí pela casa arrastando-as até a cozinha.

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Mordisquei algumas frutas sem comer nenhuma realmente. Depois me arrastei com as botas de

Aragorn até a varanda. Sentei ali e fiquei olhando as ondas no mar. Aquele lugar era muito

chato sem meu amigo Aragorn por perto.

O dia entediante finalmente passou e a noite chegou e Aragorn não havia

voltado. Me sentei impaciente na sala depois de ter pegado um livro naquela escrita totalmente

desconhecida para mim. E acabei adormecendo no sofá.

- Melissa? – A voz de Aragorn chamando me despertou.

Abri meus olhos sonolenta vendo os seus dourados.

- Você demorou muito. – Resmunguei.

- Posso saber o que faz com minha camisa, e... com minhas botas? – Perguntou

intrigado.

- Eu estava entediada. Não gostei de ficar sozinha aqui.

Ele se ergueu e deu uma espiada em sua escultura e me olhou de soslaio, mas

não reclamou.

- Eu sinto muito, mas amanhã você terá que ficar sozinha de novo.

- Ah não, por favor, me deixe ir com você.

- Você não pode ficar se expondo por aí. Cordomad colocou soldados em cada

vila atrás de você.

- Ele deve estar atrás de você também agora que sabe que esta comigo.

- É, mais eu consigo passar sem ser notado pelas cidades e você não.

- Como não?

- Esqueceu de como as pessoas te olham quando te vêem? Você é bonita demais

para passar despercebida.

- Isso só porque eu sou de outra dimensão. Uma alienígena. – falei aborrecida,

mas gostei do elogio.

- Vá para sua cama. – Ordenou.

- Não quero mais dormir. Perdi o sono. E também fiquei sozinha o dia todo sem

ninguém pra conversar.

Ele me olhou impaciente.

- Como foi seu dia? – Perguntei querendo iniciar uma conversa.

- Bom.

- Bom? Só isso?

- O que queria que eu dissesse?

- O que fez, aonde foi com quem falou... Em detalhes.

- Detalhes? – Falou cismado.

- Você foi a casa de Erzoul?

- Passei por lá.

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- E Lariana estava lá?

- Ciumenta. – Ele lançou sobre mim se divertindo.

- Não é ciúmes, - Claro que era, mas eu não iria confirmar isso a ele. - Eu sei

que ela gosta de você e...

- E isso te incomoda. – Me interrompeu.

- Não. Eu só gostaria de ficar sabendo se vocês dois... Bem, se você e ela... Se

estão... Aragorn, você é meu amigo e eu quero poder participar de momentos felizes como esse

na sua vida. – Agora eu estava sendo cínica.

- Momentos felizes? Quer dizer que você ficaria feliz por mim se eu e ela

tivéssemos alguma coisa?

- Claro que ficaria.

- E se eu te falasse que me encontrei com ela hoje e passamos um dia

maravilhoso juntos e que amanhã vamos repetir a dose, e por isso não dá para você vir comigo

porque queremos ficar sozinhos. Você ficaria feliz por mim?

Não. Eu não ficaria feliz.

- Foi isso que fez o dia todo? Ficou com ela?

- Você não parece feliz?! – Ele me deu um olhar irônico.

- Mas você mesmo disse que não davam certo antes. O que mudou agora?

- Melissa vá para cama. – Falou querendo dar um fim no assunto.

- Não estou com sono. – Falei zangada e emburrada.

- Então boa noite – Entrou para seu quarto e fechou a porta.

Eu fiquei olhando para a madeira da porta do quarto dele, revoltada por ele ter

me deixado o dia todo sozinha para se encontrar com Lariana e amanhã iria vê-la novamente.

Por isso ele estava todo arrumadinho essa manhã. Isso não é papel de amigo. Deixar a amiga

sozinha para sair com namorada.

- “Você volta logo?” – Fiz uma imitação patética da voz de Lariana. - Por isso

ela estava tão satisfeita aquele dia. Eles tinham voltado.

Mas também era problema dele se ele queria ficar com aquela garota cabelo de

fogo. Garota sem graça, magricela, parece mais uma tabua de tão seca. Um palito de fósforos

com aquele cabelo vermelho. E a voz irritante parece uma corneta furada. Eu não tinha

gostado dela desde a primeira vez que a vi. Garota chata. Aragorn nem queria dançar com ela

e ela o obrigou. Quem ela pensa que é para ficar com meu amigo? Ele merece alguém muito

melhor que ela. – Bufei - Mas também o que eu tenho com isso? Ele é adulto e faz o que quer.

Não é da minha conta. Ele que fique com ela. Com a cabelo de fogo.

Arranquei as botas e a camisa de mim lançando-as no meio da sala, saí

marchando irritada para meu quarto e bati a porta. Forte. Sentei na cama de braços cruzados e

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emburrada. Peguei o travesseiro e enfiei o rosto nele. Deixei meu corpo cair sobre a cama

tentando conter minha irritação.

Dormi depois de um tempo e de manhã quando me levantei Aragorn já tinha

saído. Prometi para mim mesma que não me deixaria ter um ataque de tédio nem de ciúmes.

Procurei preencher meu dia arrumando as coisas que eu mesma tinha bagunçado

no dia anterior e limpei a casa. Preparei um prato com frutos do mar. E fiz sozinha meu

treinamento de luta. Nadei, passeei pela ilha, colhi alguns frutos e assim o dia passou rápido.

Nos dois dias seguintes era sempre a mesma coisa, Aragorn se levantava cedo,

saía e eu ficava sozinha até de noite quando ele chegava. Eu sempre perguntava como foi seu

dia, e ele sempre desconversava.

Nesta noite quando Aragorn chegou, eu estava sentada na varanda pensando na

vida. E me sentindo triste, não por ele ter passado mais um dia fora, mas por eu ter tido tempo

suficiente para me lembrar de tantas coisas ruins que me aconteceram até aquele dia.

Senti saudades da minha mãe do meu irmão, até dos meus colegas de escola. E

de Jeziel. Estava me sentindo muito só. Ninguém que eu amava estava perto de mim.

Já faziam meses que eu estava naquela ilha, e com Aragorn comigo ocupando

meu dia com caçadas e mergulhos no mar, eu não parava para pensar. Mas agora, eu podia ver o

quanto o destino tinha contribuído para que eu estivesse hoje sozinha.

- Você esta bem? – Aragorn perguntou diante da minha expressão desolada.

Olhei para ele sem nada dizer. Tive a impressão que seu tentasse falar alguma

coisa cairia no choro.

- Quer conversar? - Me perguntou.

Balancei a cabeça negativamente.

- Não quer saber como foi meu dia?

Balancei a cabeça novamente.

Ele se sentou numa espreguiçadeira ao meu lado e ficou me fitando em silêncio.

Meus olhos focavam um ponto cego no chão e meu pensamento me torturava. E

me senti muito infeliz por ter a vida que eu tinha. Me sentia vazia, seca e sem alma. Da mesma

maneira que fiquei depois que meu Leo me deixou.

Eu iria embora agora mesmo para casa se soubesse que tudo isso iria acabar. Ou

entregaria a coroa para Raika hoje mesmo se tivesse garantia de alívio e de paz. Mas era uma

coisa que eu jamais teria. Nem alívio nem paz.

Me levantei sob os olhos atentos de Aragorn e fui para meu quarto. Ali deitei e

me forcei a dormir.

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No meio da madrugada acordei chorando por algum mau sonho que tive, mas

não me lembrava. Um soluço e uma solidão cruel inflamaram meu peito. Tentei me conter ali

deitada , mas a dor era muito forte. E estava com medo de continuar sozinha.

Me levantei da cama e andei até a porta do quarto de Aragorn que estava

fechada. Girei o trinco e estava destrancada. Entrei silenciosamente em seu quarto e o observei

dormindo. Aragorn estava dormindo tranquilamente com o rosto sereno de sempre.

Tentando não fazer muito movimento na cama cheguei o mais perto dele

possível sem despertá-lo, mas ele abriu os olhos, como sempre.

- O que foi Melissa? – perguntou sonolento.

- Quando estava em casa e tinha um pesadelo, acordava assustada, eu corria

para o quarto do meu irmão para dormir com ele.

- E você teve um pesadelo?

- Você nunca mais cantou para mim.

- Desculpe, eu não ando com muita vontade de cantar ultimamente.

- Posso dormir aqui com você?

Ele suspirou fundo me olhando pensativo e após alguns segundos suspendeu sua

coberta para que eu entrasse debaixo. Disposto como sempre a cuidar de mim.

Me acomodei e ele fechou os olhos novamente.

Fiquei olhando seu rosto que era tão reconfortante pela serenidade que

transmitia, mas ainda estava me sentindo só.

Suavemente fui me chegando mais perto. Estava cismada em que ele me

repreendesse, mas estava precisando tanto daquela proximidade e de seu consolo que resolvi

ariscar e, como um animalzinho carente, recostei a cabeça em seu peito. Ele não pareceu

surpreso, nem hesitou a me dar o que eu precisava, como sempre. Delicadamente lançou seu

braço sobre mim e assim pude dormir protegida e segura.

De manhã estava sozinha na cama. Me levantei imaginando que Aragorn já

tivesse saído para seu encontro com Lariana. Mas para minha surpresa ele estava cozinhando.

Ele devia ter me achado deprimida demais para me deixar sozinha. E resolveu

ficar. E eu com certeza estava feliz com isso.

- Quer dar um mergulho? – Me convidou.

Fiquei feliz por ver nossa rotina voltando mesmo que fosse por um só dia.

- Mas você não vai se encontrar com Lariana?

- Você quer dizer, a cabelo de fogo? – Falou divertido.

Era de se esperar que ele tivesse lido meu pensamento. Mas ao invés de ficar

constrangida caí na risada.

- Como você pode pensar uma coisa dessas dela? – Me repreendeu, mas o tom

da sua voz me mostrava que ele não estava se importando nenhum pouco.

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- Desculpe. Eu não queria ofendê-la.

- Como você passou a ser tão possessiva?

- Acho que foi depois de tirarem de mim as coisas e as pessoas que eu mais

amava. – falei deprimida.

- Ninguém me tirou de você.

- Ela tirou. Você agora só vive lá passeando pra cima e para baixo com Lariana.

- Eu não estava com ela. Na verdade nem a vi durante esses dias.

- Mas você falou que...

- Eu só falei aquilo porque você estava me dando nos nervos dizendo que não se

importava.

- Mas eu vi vocês de mãos dadas aquele dia na casa de Erzoul.

- Ela é minha amiga.

- Mas ela é apaixonada por você.

- E isso faz diferença? Você me considera seu amigo e confia em mim mesmo

sabendo o que sinto por você.

- É diferente. Nós nunca ficamos juntos de fato, mas vocês sim.

- Isso não muda nada.

- Não muda pra você. – Falei ranzinza.

- E muda para quem então? Muda pra você o fato de eu ter ficado com ela ou

não?

Me calei. Não queria uma discussão agora. Eu sabia que ele queria mexer com

meus sentimentos e me provar que eu gostava dele mais do que achava.

- Então se você não estava com ela o que estava fazendo?

- Naquele dia na casa de Erzoul Lariana veio me contar que alguns amigos meus

que também tinham desertado do exército de Cordomad estavam precisando de ajuda para se

esconderem, então me propus a ajudá-los a encontrar lugares seguros assim como minha ilha.

- E conseguiu?

- Consegui. Hoje eu iria fechar o último negócio, mas você estava muito triste,

então preferi te fazer companhia já que não poderia te levar.

- E como eles farão agora? Você precisa ir até lá.

- Levantei mais cedo e fui de encontro a eles para lhes dar o dinheiro que eles

precisavam. Eles mesmos fecharam o negócio.

- Você pagou para eles?

- Eles não tinham dinheiro e o que Ernest me deixou, é o suficiente para

comprar metade de Andaluz. Eu não preciso desse dinheiro todo.

- Então você é rico?

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- Graças a Ernest. E eu sempre fiquei pensando o que eu poderia fazer com isso

tudo. É bom poder ajudar os amigos.

- Estou orgulhosa de você.

Falei com sinceridade era bom conhecer esse lado dele e eu também estava

intimamente e secretamente feliz por descobrir que ele não estava com Lariana.

Tomamos nosso café que ele havia preparado.

Por todo o dia Aragorn foi bem atencioso, um bom amigo. E fizemos tudo que

nos deu tempo para fazer naquela ilha cheia de atrativos. A noite tive outro pesadelo sem me

lembrar do que se tratava e corri para cama de Aragorn novamente.

Por mais de uma semana, todas as noites eu acordava chorando sem me lembrar

de nada do meu sonho. Nem Aragorn que podia ver em minha mente conseguia achar em meu

subconsciente o que estava me assombrando toda a noite. Algumas delas eu soluçava a noite

inteira envolvida nos braços de meu amigo sem conseguir dormir, numa tristeza tão profunda

sem saber o que causara.

Aragorn sempre me consolava. Não imaginava de onde ele tirava tanta

paciência comigo. Por várias vezes ele passava a noite sem dormir conversando, tentando me

fazer esquecer o que estava sentindo. Eu sabia que ele estava com sono, e por passar o dia

inteiro comigo ainda não sabia como ele encontrava assunto para me distrair, mas ele nunca,

nem por um segundo parecia estar cansado de mim ou sem vontade de me fazer companhia,

ainda que fosse pela noite inteira. Eu sabia que não podia ter encontrado alguém melhor que ele

nesta fase da minha vida.

Numa daquelas manhãs em que eu acordara angustiada, um desespero me

tomou. Sem saber o que era e o porquê, eu sentia que não dava mais para esperar, não dava mais

para eu ficar ali, mesmo que estivesse segura.

Meses se passaram desde que a primeira vez que eu tinha colocado os pés nessa

dimensão. E tantas coisas aconteceram e nenhuma delas saiu como eu tinha esperado. Ernest

estava morto e Jeziel também. E eu ainda estava ali e não devia ser por nada. Eu queria que o

que tivesse que acontecer comigo acontecesse logo. Eu queria poder voltar para casa. Ou dar

logo um fim nisso tudo.

Minha mãe e meu irmão ainda esperavam por mim, eu tinha que voltar, mas

sabia que se eu fosse embora Raika iria atrás de mim e poderia prejudicar minha família para

conseguir o que queria.

Se realmente a entrega da coroa a fizesse me deixar em paz eu faria. Juro que a

entregaria a ela, mas Ernest tinha razão e Aragorn também. Assim que ela colocasse as mãos na

coroa ela acabaria comigo. Não que a morte agora não fosse bem vinda, mas eu não descansaria

sabendo que dei a ela o que Leo morreu para evitar. Era hora de eu colocar meus planos em

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prática e ir atrás de meu pai. A tantos meses reclusa na ilha, com medo de Raika, Cordomad e

seus soldados. Não estava certo. Eu tinha que continuar minha jornada.

- Preciso ir a montanha Mayata. – Falei a Aragorn quando o encontrei saindo do

mar.

Ele me olhou surpreso. Pelo tempo que estávamos ali e como eu nunca mais

tocara no assunto ele devia ter pensado que eu havia desistido dos meus planos.

- Esquece isso Melissa. Você jamais derrotara Cordomad. – Ele passou por mim

sacudindo os cabelos molhados.

- Eu tenho que tentar.

- Não. Você não tem. – Olhou para mim exasperado - Você pode voltar para sua

casa ou ficar aqui na ilha. Você tem opções Melissa. Não precisa acabar com sua vida.

- Se eu voltar para casa, eles irão atrás de mim. E se eu ficar aqui em sua ilha

me tornarei uma prisioneira deles assim mesmo, pois não poderei sequer dar um passeio fora

daqui.

- Mas você estará segura, viva, e comigo.

- Não posso. Eu preciso partir.

Ele ajeitou os cabelos molhados com a mão. Impaciente.

- Vem comigo?! – Clamei.

- Eu não vou ver você se matando Melissa. Você não tem idéia do que

Cordomad é capaz.

- Mas você tem, e pode me ajudar.

- Não Melissa. Minha opinião não mudou.

- Então cumpra o que me prometeu. Leve-me até a montanha e me atravesse

pelo portal e então você pode ficar livre de mim pra sempre. – falei nervosa.

- Pense bem Melissa, pode ser um caminho sem volta.

Havia dor em seus olhos, mas ele sabia que eu não voltaria atrás.

Olhei para ele triste por saber que não viria comigo, mas determinada a ir até o

fim dessa jornada.

Melancolicamente ele caminhou pelas areias sabendo que a hora da minha

partida havia chegado e ele não poderia fazer nada contra isso. Ele mesmo havia me dito que

quando eu resolvesse ir ele não me impediria.

Andamos de volta a casa e me preparei para partir. Aragorn me levaria através

de seu portal até a montanha Mayata e de lá usaria o portal que meu pai deixou com Thiouryna.

O que me aguardaria depois daquele portal é o que estava me causando um frio

na espinha. Eu não tinha idéia do que teria que enfrentar, e agora sozinha. Um mundo

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desconhecido, não havia instrução nenhuma do que deveria fazer assim que atravessasse o

portal. Para que lado eu deveria ir ou quem procurar.

Aragorn me esperava na porta. Me olhando indescritivelmente. Se ele pudesse

me prender eu sei que faria isso. Mas ele sempre fazia o que eu pedia, ele respeitava minha

vontade. Por mais louca que parecesse.

Enquanto o vi parado na porta, algo invisível aconteceu, pois pude ver a

expressão de Aragorn mudar diante de meus olhos.

- O que foi? - Perguntei assustada. Ele ergueu a mão para que eu o esperasse.

Parecia estar ouvindo alguma coisa.

- O que? – Ele perguntou em voz alta, mas não falava comigo. Seus olhos

fitavam o vazio.

- Aragorn, esta acontecendo alguma coisa?

- Não estou entendendo. – Ele ainda falava em voz alta, mas não era comigo.

Fiquei parada olhando para ele e me pareceu que ele fazia esforço para se

comunicar com alguém.

- Sumiu. – Ele disse olhando para mim.

- O que sumiu?

- A voz... Tinha alguém tentando se comunicar comigo.

- E quem era?

- Não sei, era uma mulher e sua mente estava fraca e distante.

- O que ela disse?

- Ela disse o meu nome e o seu... alguma coisa sobre a coroa e o castelo e... –

Parecia haver mais coisas. Ele não disse. - Não consegui captar direito. Me pareceu que ela

estava sofrendo e fazendo muito esforço para falar comigo. De repente sua voz sumiu.

- O que pode ser?

Aragorn ficou pensativo por um tempo.

- Vamos embora.

- E a voz?- perguntei.

- Deixa para lá, pode ser uma armadilha. Não vou arriscar.

- Arriscar a que? – Ele estava se esquivando.

- Já disse, não deu para entender direito. – Ele desconversou – Vamos nos

apressar. Quero te fazer atravessar o portal o mais rápido possível.

De frente ao mar Aragorn lançou sua pedra verde ao solo e ela se despedaçou

em milhares de partículas de poeira a nossa frente. Aragorn estava preocupado e desembainhou

sua espada antes de segurar minha mão para atravessarmos. Por instinto segurei meu bastão na

outra mão e seguimos através do portal de poeira brilhante, passando da ilha Marfim para a

montanha Mayata.

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Do outro lado as partículas iam se ajuntando novamente no formato da pedra

verde quadrada para as mãos de Aragorn.

Capítulo 19

Tivemos que andar um pouco para chegar ao topo e por todo o caminho

Aragorn andava ao meu lado em silêncio. Eu não podia ler seus pensamentos, mas podia ler em

seus olhos que ele me pedia desesperadamente que eu desistisse disso tudo. Eu não podia.

No topo observei toda Andaluz.

- Chegou a hora. – Falei olhando para os olhos dourados do meu amigo para

confiná-lo a memória. Talvez jamais veria aqueles olhos novamente. Ele parecia olhar para mim

da mesma maneira.

Cheguei até ele o abraçando em despedida e Aragorn me abraçou tão firme que

percebi que se ele pudesse jamais me soltaria novamente.

O dia tão temido por mim havia chegado. Eu teria que me despedir de Aragorn.

Teríamos que dizer adeus e seguirmos nossos destinos. Envolvida em seu abraço não pude

deixar de pensar no que seria de mim sem sua serenidade para me confortar, sem sua paciência

para aguentar minhas crises, sem seu sorriso pra me deixar segura, sem seu olhar compreensivo,

sem seu carinho, sem seu amor que me fazia tão bem. Sem Aragorn o que seria de mim?

Eu não queria soltá-lo. Delicadamente ele se afastou de meu abraço me olhando

ternamente. Ajeitou minha franja, coisa que ele fazia sempre que queria me dizer algo mais não

falava. Mas não precisava, o gesto de carinho dele sempre me falava o que eu já sabia e ele

evitava me falar para não me constranger. Que ele me amava.

Nos afastamos mais um pouco para nos posicionarmos para abrir o portal.

De repente uma nuvem densa e negra surgiu do nada em espiral. Ela se

aproximava. Girei o bastão me defendendo mais não havia nada para acertar. Era só fumaça.

Um círculo negro se formou ao redor de nós.

- Fica perto de mim – Aragorn bradou encostando suas costas na minha. – Eu

conheço isso. Pegue a chave do portal que seu pai lhe deu Melissa, agora. – Ele falava com tanta

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urgência que automaticamente desci a mochila das costas e apanhei as pedras. A coroa na pressa

caiu ao chão. Ao vê-la Aragorn pegou-a do chão e estendendo-a para mim e bradou.

- Coloque-a, você vai precisar dela agora. - Obedeci – Abra o portal Melissa -

Ele estava preocupado.

Outras nuvens negras e densas surgiram ao redor da nuvem de fumaça que nos

circulava e capas foram se formando daquelas nuvens e rostos amedrontadores apareceram nos

encarando ao redor do círculo.

- Melissa abra o portal agora e vá! – Ele gritou.

Uma voz surgiu no meio do círculo bem próximo a nós.

- É sempre bom esperar e jamais desistir.

Um homem surgiu de repente com um sorriso deslumbrante no rosto, ele era

jovem e muito bonito... Não na verdade foi o homem mais belo que vi em toda Andaluz. Havia

sobre ele uma capa vermelha em detalhes dourados, uma camisa preta que deixava seu peito

musculoso nu. Seu rosto devia ter sido esculpido a mão de tão perfeito e seus olhos radiantes

num brilho azul de tirar o fôlego. Aragorn era bonito, mas a beleza daquele desconhecido era

sobrenatural.

Perdi todo o medo ao ver aquele homem. Na verdade fiquei extasiada com sua

presença.

- Cordomad?! – A voz de Aragorn saiu surpresa. Mas não com tanta surpresa

quanto a minha.

- Ele é Cordomad?! – Olhava para ele sem querer acreditar que aquela

encarnação de Adônis era meu inimigo.

- Melissa... Que bom finalmente nos conhecermos. – A voz dele entrava em

meus ouvidos como música.

Ele era o pai de Raika, agora sabia de onde ela tinha puxado aquele jeitinho de

anjo sendo um demônio.

Cordomad andou alguns passos na minha direção e Aragorn saltou na minha

frente a me proteger.

- Afaste-se dela. – Aragorn falou ferozmente entre dentes.

- Aragorn... Meu mais excelente soldado. Desertor... O que fiz para você me

abandonar desse jeito? Você tinha um grande futuro em nosso exército.

- Para ter um futuro você tinha que destruir meu passado e acabar com toda a

minha família?!

- Sua família... Aquilo não foi pessoal Aragorn. Eles estavam contra nosso reino

e minha obrigação é defendê-lo. Como a sua também. Mas se esta chateado por sua família,

você pode construir uma. Saiba que minha filha gostou muito de você quando te conheceu.

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- Não seja ridículo. Jamais me associaria com sua família muito menos com

aquela bruxa da Raika.

- Ah... Não fale assim, você nem a conhece direito. Ela pode ser bem amável

quando quer. É difícil resistir aos encantos de nossa família. Não é mesmo Melissa?

Ele abriu um sorriso para mim me fazendo balançar nas bases.

- Não faça isso com ela. – Aragorn bloqueou meu olhar do de Cordomad. –

Melissa, concentre-se, ele esta tentando te dominar. Use a coroa.

- Ah... A coroa, um objeto tão pequeno e causador de tantos males. - Cordomad

falou.

Me concentrei na coroa bloqueando com mais eficácia a minha mente dos

sortilégios de Cordomad.

- Porque não acabamos com isso logo. Melissa me da a coroa e deixo vocês

partirem.

- Eu vou é acabar com você! – Gritei num tom acima da minha voz e com a

sede de vingança correndo em minhas veias.

- Temperamental... É isso que dá andar em más companhias. – Ele sorriu

olhando para Aragorn – O que aconteceu com aquela menina inocente e sensível que Raika me

mostrou? Uma das coisas que eu mais gostei quando minha filha voltou para casa era de ler em

sua mente as lembranças que ela tinha de você. Tão meiga, tão bobinha, nunca pensei que

existisse realmente alguém assim. Agora te ver assim querendo demonstrar ira... É bonitinho.

Uma birrazinha.

- Você vai ver a birra assim que minha espada cortar seu pescoço. – bradei.

Com essa até Aragorn olhou para mim.

Cordomad deu uma gargalhada espontânea. Subestimando minha coragem e

força.

- Bom apesar de eu gostar muito do meu pescoço, posso deixar que você tente.

Ele andou mais alguns passos em minha direção com os braços estendidos como

se estivesse se rendendo. Eu larguei o bastão e a pedra do portal para desembainhar a espada nas

minhas costas. Segurei-a à minha frente com as duas mão e Cordomad parou bem diante de

mim.

- Vamos lá, pode tentar. – Desafiou.

Lembrei-me das aulas que tive com Aragorn e me lancei num golpe que seria

certeiro se ele não tivesse desviado. Em todos os golpes que usei, de todos ele desviou com

facilidade. Parecia uma sombra.

Eu estava irada, tinha que atingi-lo de qualquer forma. Busquei ajuda na coroa e

minha destreza com a espada automaticamente aumentou, mas era em vão, nem sua capa eu

conseguia tocar. Ele estava se divertindo as minhas custas. E numa explosão de ódio avancei

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para cima dele com toda minha força. Ele segurou minha mão que estava com a espada

erguendo-a para cima fazendo-me aproximar dele a ponto de sentir sua respiração.

– Você fica linda quando esta nervosa – Falou sussurrando em meu ouvido.

Com o toque dele eu perdi o foco e a raiva. Seu toque era excitante e vicioso. Nunca tinha

sentido nada igual.

Sua mão desceu a minha com a espada e colocou encostada na pele de seu

pescoço. Ele mantinha um sorriso malicioso nos lábios e olhando fixo em meus olhos deslizou o

fio da espada em si mesmo. Eu podia sentir sua carne se abrindo pelo corte e olhei incrédula

para seu pescoço. Por onde a espada passava abrindo o corte, no mesmo instante ele se fechava

milagrosamente sem correr uma gota de sangue. Aquilo foi a coisa mais pavorosa que já tinha

visto. Quando a espada acabou de percorrer seu pescoço, ele me olhou satisfeito deixando

minha mão descer.

Assustada dei alguns passos para trás.

– Fica bonita também quando esta assustada. E só para constar. Sua vingança

não vai funcionar contra nenhum de nós, nem Raika nem minha linda esposa Erkas podem ser

feridas por vocês.

Eu fiquei paralisada.

- Bem, como você vê não é tão fácil nos matar. Já no seu caso... – Ele puxou

uma adaga por debaixo de sua capa.

Aragorn correu se jogando entre mim e ele me empurrando contra o chão. Eu

caí bem do lado de meu bastão.

– Deixe-a em paz. – Ele gritou para Cordomad.

Peguei as pedras do portal numa mão e o bastão na outra me pus de pé a tempo

de ver Cordomad cravar a adaga em Aragorn que soltou sua espada e caiu de joelhos no chão.

- Não! - Um grito apavorado surgiu na minha garganta. Corri até Aragorn não

me importando com Cordomad ali tão perto.

Abracei Aragorn tentando sustentar seu corpo que perdia as forças e se lançava

ao chão.

- Prendam-na - Ele falava limpando a adaga na orla da sua capa- Mas não a

machuquem, quero ter uma conversinha particular antes de acabar com tudo. Ela é bem bonita.

– Cordomad lançou a palavra com um sorriso malicioso para aqueles homens de rostos

assustadores que nos cercavam e eles vieram para cima de mim.

Levantei-me com meu bastão me defendendo como podia de cada um deles.

Aragorn estava agora caído ao chão, mas ainda percebi quando ele pegou a chave do portal de

meu pai e estendia a mão, num segundo de folga pude ir até ele.

- Aperte ele contra seu peito na altura do coração – Ele falou com dificuldade –

Ele levara você...

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Antes dele terminar tive que me por de pé para me defender de outros que

tentavam me agarrar.

Aragorn juntou forças se sustentando em sua espada e se colocou de pé lutando

ao meu lado. Ele estava muito fraco mais queria me dar tempo para poder acionar o portal.

- Vá agora! - Ele me entregou a pedra se colocando entre mim e os soldados de

Cordomad. Então percebi o que ele estava fazendo. Ele queria que eu passasse sozinha pelo

portal e o deixasse ali para morrer nas mãos dos Drevors.

- Eu não vou sem você! – Gritei - Como abro esse portal para nós dois?

- Eles irão atrás de você se o abrir de outra forma. – Ele gritava enquanto lutava

com um soldado duas vezes maior que ele. - Vá agora Melissa!

Cordomad havia sumido, com certeza confiou que seus soldados acabariam o

serviço.

O grandalhão que lutava com Aragorn o jogou no chão e ergueu sua espada para

lhe dar o golpe final. Eu não poderia permitir aquilo. Num salto me lancei com o bastão a toda

força posicionado a altura do queixo do gigantesco soldado o fazendo cambalear para trás.

Foi questão de segundos, peguei a pedra e coloquei na altura do meu coração.

Enquanto o homem tentava se recuperar corri até Aragorn e pulei sobre seu corpo. A pedra se

espatifou entre meu peito e o dele numa grande explosão fazendo que todos ao nosso redor

fossem lançados a metros de nós.

Tudo ficou negro de repente e quando a escuridão se foi estávamos deitados

sobre uma relva fina e longe da montanha. O portal havia nos transportado em segurança para o

outro lado.

Rolei de cima do corpo de Aragorn e vi todo o sangue que corria de seu

ferimento.

- Aragorn fala comigo! – Falei angustiada.

Ele gemeu baixinho.

- Não morra, não me deixe.

Ele abriu seus olhos de ouro com dificuldade e tentou esboçar um sorriso.

- Você é muito teimosa. Porque não me obedeceu?

- Eu não ia deixar você lá.

- Não vai fazer diferença. Eu vou...

O interrompi antes de ouvi-lo terminar sua frase.

- Não se atreva a morrer. Você é a primeira vida que salvei. Vou acabar tendo

que fazer terapia por sua causa.

Ele achou graça mais a dor não deixou que ele risse.

Seus olhos foram se fechando devagar e senti que ele estava partindo.

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- Não Aragorn... Por favor – Eu estava desesperada, as lágrimas inundaram

meus olhos – Fica comigo.

- Tudo que eu queria era ficar com você. – falou com voz fraca e arrastada.

- Aragorn... - Eu coloquei sua cabeça sobre minhas pernas dobradas. E um

choro compulsivo desencadeou no meu peito. Ele iria morrer por minha causa.

Ele não me respondia. Sua pele estava ficando fria e sem cor

- Não morra, não morra... Não...

Tocando em seu rosto tive a impressão que ele estava começando a sumir das

minhas mãos. Sua pele estava ficando instável. Ele estaria esvanecendo em minhas mãos?

- Não Aragorn, não faça isso comigo.

E ele ficou inconsciente.

Eu ainda estava com a coroa e não sabia o que fazer. Lembrei de quando Ernest

apareceu quase morto na porta da minha casa e usei o poder da coroa para dar força a ele. Me

concentrei em dar força para Aragorn e que sua ferida fosse curada. Percebi o brilho que a coroa

começou a emanar mais ainda assim Aragorn não reagia. Uma forma de vapor gelado começou

a subir da pele de Aragorn e eu me desesperei mais. Me lembrando do dia que vi Ernest morto

se esvanecendo diante dos meus olhos.

Me concentrei mais no poder da coroa. Essa coroa idiota teria que fazer alguma

coisa que prestasse.

Dentro do meu peito um calor irradiou e o brilho azul que a muito estava

adormecido, rompeu minha pele envolvendo Aragorn se misturando com o brilho da coroa.

Aquela luz que eu nunca tinha visto tão radiante, foi envolvendo Aragorn por inteiro e abafando

o frio e o vapor que vinha dele. A pele dele em minhas mãos ainda estava inconsistente, mas aos

poucos voltou a ter textura que eu já conhecia e o vapor frio desapareceu. Ele ainda estava

inconsciente, mas já respirava, e percebi que de alguma forma meu brilho e o da coroa,

conseguiram impedir que Aragorn me deixasse sozinha nesta dimensão.

Mas ele ainda não estava bem, não respondia aos meus estímulos nem aos meus

chamados e eu começava a me desesperar e me perguntar o que eu poderia fazer. Estava difícil

pensar em algo. Minha cabeça estava meio zonza. Usar dos meus poderes em conjunto com a

coroa acabou minando minha já tão escassa força. Me senti tão fraca que a luz, minha luz,

retrocedeu de uma forma que me causou dor. Só a coroa ainda brilhava.

Fiquei ali com a cabeça de Aragorn em meu colo tentando descobrir o que eu

devia fazer agora.

Aragorn, meu protetor, meu amigo estava ferido e ainda sangrando. Eu

acariciava seu rosto me esforçando para não deixar as lágrimas caírem. Não era hora de choro.

Eu tinha que abandonar o desespero e ter alguma idéia de como ajudar Aragorn.

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Depois de algum tempo, Aragorn ainda fraco finalmente abriu seus olhos para

mim. Ele não conseguiu dizer uma palavra, mas me alegrei em ver que o ouro de seus olhos

ainda estava ali. Pra mim.

E quando depois de todo aquele episódio desesperador, senti o mínimo de paz

por ver que Aragorn não iria morrer, uma voz grave soou atrás de mim.

- Melissa?!

Me levantei num salto segurando meu bastão para defender a mim e a Aragorn

de mais uma investida de Cordomad. Isso não iria acabar nunca? Mas quando olhei o rosto de

quem me chamava o reconheci de imediato. Era o rosto que eu estava acostumada a ver

espalhado em porta-retratos por toda a minha casa. O rosto de meu pai.

Ele me olhou surpreso e seus olhos cintilavam de alegria.

- Estávamos te esperando! – Ele disse com um sorriso nos lábios que me

lembrou o de Biel.

Olhei por cima do ombro dele e um exército com centenas de homens e

mulheres armados vinham marchando silenciosamente descendo uma colina.

General Euri olhou para Aragorn caído na relva.

E rapidamente se agachou ao lado dele.

- Jeziel?... – Ele não devia conhecê-lo depois de tantos anos.

- Não, esse é Aragorn – Esclareci – Cuide dele, por favor, ele esta muito ferido.

O general fez um sinal com a mão e dois homens idênticos vieram apanhar

Aragorn.

- E onde esta o príncipe Jeziel? – Ele perguntou confuso.

Eu tive que engolir um nó que se formou em minha garganta antes de

responder.

- Morto – Ele estava morto.

Alguns homens colocaram Aragorn sobre uma maca e o levaram. Agora eu

poderia ficar despreocupada. Aragorn receberia socorro e ficaria bem.

Enquanto eles se afastavam levando a maca nos braços, Aragorn ainda deu uma

última olhada em mim, para como sempre, saber se comigo estava tudo bem. Forcei meu

tradicional sorriso para que ele ficasse descansado, mas quando eles sumiram das minhas vistas

olhei novamente para o rosto do retrato que tinha ganhado vida a minha frente.

Ele me olhou numa mistura de prazer e incredulidade.

- Eu não entendi direito Melissa, você disse que o príncipe Jeziel esta...

- Sim... - o interrompi - Foi o que eu disse. O príncipe Jeziel esta... Meu Leo

esta morto.

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Dizer aquelas palavras foi como ouvi-las a primeira vez novamente. Uma

lágrima rolou por meu rosto e a dor voltou a rasgar meu peito. Um soluço subia pela minha

garganta e a tristeza me fez fechar os olhos. Braços me envolveram confortadoramente, e por

mais que eu estivesse achando estranho ser abraçada por um homem que só tinha visto em fotos,

me senti acalentada e protegida.

- Minha filhinha... minha princesinha. – Ele falou me envolvendo mais em seus

braços.

Chorei até minhas forças se exaurirem e emocionalmente derrotada,

completamente fraca por ter usado tudo que podia para salvar Aragorn, meu corpo e minha

mente não agüentaram e eu desmaiei.

Capítulo 20

No meio da noite acordei rodeada por almofadas numa cama larga e macia.

Me levantei e andei por aquele quarto cheio de coisas belíssimas. Uma foto de

minha família com o general Euri me segurando no braço ainda bebê. Colocada num porta-

retratos sobre uma cômoda que abri e estava repleta de roupas aparentemente no meu tamanho.

Abri uma porta a minha esquerda e era um closet com roupas e vestidos de

todas as cores todas pereciam ser exatamente do meu número. Aquilo era muito estranho.

Abri a porta do quarto e saí por um corredor com piso em taboa corrida as

paredes também eram em madeira, mas brilhavam tanto quanto um espelho, que me levou a

uma sala ampla com vários moveis e objetos de decoração, e ainda havia fotos da minha família

sobre um aparador de cristal. Aquilo ficava cada momento mais estranho e eu me sentia bem

estranha naquele lugar. Quando cheguei ao segundo ambiente da sala onde o general Euri estava

sentado numa grande poltrona, ele me recebeu com um sorriso. - Caramba... ele sorri igual a

Biel.

- Espero que tenha descansado bem. – Ele falou assim que notou minha

presença. – E espero que tenha gostado do seu quarto. Eu o preparei para você assim que

cheguei aqui.

Não sabia o que dizer. Aquilo tudo era muito estranho. Eu estava de frente ao

meu pai, que eu nem conhecia. O rosto dele era tão familiar, mesmo assim ele era um completo

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estranho. E me falava com tanta naturalidade que me chocou. Como se tivesse passado a vida

inteira ao meu lado.

- General Euri?! – Falei quase que para confirmar que ele era real.

Não sabia bem o porquê, mas todo aquele cenário não estava me fazendo bem.

- Sim minha filha, sou eu mesmo. E estou feliz que tenha chegado. Por muitos

anos espero sua vinda, agora só falta seu irmão e Eliana que em breve estará conosco aqui.

- O que te faz pensar que eles virão ate aqui?! – Falei exacerbada. Realmente eu

não estava me sentindo no meu normal. Ele respirou fundo me olhando. – Você acha que estou

feliz de estar aqui? Eu só vim por causa de Leo, só por ele... Não é por causa desse mundinho

tosco, nem desse exército de covardes, nem por sua causa. Eu vim por causa dele... E já que não

tenho mais motivos para estar aqui vou embora para minha casa e para minha família antes que

mais alguém saia ferido. – Eu estava completamente estressada, emocionalmente abalada e iria

com certeza descontar minha raiva nele.

- Você não pode ir embora. – Ele falou surpreso.

- Posso e vou. Eu ainda tinha a esperança de poder vingar a morte de Leo, e

estava disposta a dar minha vida nessa causa, mais adivinhe... Encontrei com seu arque inimigo

Cordomad e fiquei sabendo que ele não morre. Não posso matá-lo, você não pode, ninguém

pode. Como derrotar um homem que não morre?

- Ele morre sim. A sua alma e de Raika e de Erkas estão presas numa esfera

negra protegida por feitiço. Destruindo a esfera destruímos Cordomad e toda sua tirania.

Me lembrei da esfera que havia visto em visão.

- Só que esta esfera esta num lugar sem portas, sem janelas, protegida por uma

força maligna e pela própria bruxa.

- Você a viu?! – Ele falou espantado.

- Sim, num sonho.

Ele abriu um sorriso.

- Se você a viu é capaz de chegar até ela.

- Como assim?

- Se você entrou lá em visão mesmo que através de um sonho é sinal que existe

um portal para se entrar na sala das almas. Assim podemos destruir todos eles.

- Você só deve estar brincando. Acha mesmo que eu vou lutar por essa sua

causa perdida?

- Foi para isso que você nasceu Melissa. Por essa causa.

- Não. Esta enganado. A sua profecia é uma furada. Nada aconteceu até agora.

Onde esta a estória de que Jeziel lutaria comigo lado a lado?

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Esperei para ver o que ele responderia. Como ele permaneceu calado eu

continuei.

- Ele esta morto general. E eu... vou para casa.

- Reconheço que algo saiu errado. - se pronunciou finalmente - Mas você ainda

esta aqui, não esta? Sinal que ainda há coisas a se fazer.

- Não graças a você. Nem ao seu exército. Onde vocês estavam todas as vezes

que Cordomad me atacou? Onde vocês estavam quando Ernest foi morto para me defender?

Vocês estavam aqui protegidos e descansados enquanto eu e Aragorn corríamos todos os

perigos. Eu não sei nem o que estou fazendo aqui. Eu devia ter ido direto para casa.

- Melissa, os passos que você trilhou para chegar até aqui, tinham que ser feitos

por você somente. Eu não poderia interferir em seu destino.

- Que filosofia bonitinha, só que eu quase morri por causa disso. Ernest e Leo

morreram por causa disso. E Aragorn quase... – Me preocupei com ele e esqueci de todo o resto

– Onde esta Aragorn?

- Ele esta bem, esta descansando agora. Sua ferida foi muito profunda. Não era

para ele estar vivo. Mas tem resistido fortemente.

- Quero vê-lo agora. Me leve até ele.

- Deixe-o descansar.

- Você vai me levar ou eu terei que encontrá-lo sozinha? – Falei rispidamente.

Ele caminhou até a porta e segui atrás dele.

- Você tem todo o direito de estar aborrecida comigo Melissa, eu sei como se

sente.

- Não! Não sabe não. – Recalcitrei secamente me virando com o dedo na cara

dele.

Ele passou a minha frente para não discutir e eu o segui pelas ruas.

Caminhamos pela frente de várias casas e por onde íamos às pessoas

cumprimentavam o general e me olhavam com curiosidade. Algumas curvavam suas cabeças

me reverenciando quando eu passava outras batiam suas mãos em punho sobre o peito.

- Eles estão te reverenciando como a futura rainha de Andaluz – Me explicou o

general Euri.

- Então é melhor você dar a boa notícia a eles de que devem procurar uma nova

rainha. Já que eu vou para minha casa. Assim que Aragorn estiver bem. O cargo esta a

disposição.

O general me olhou incrédulo.

Chegamos a uma casinha de madeira não tratada e entramos no cômodo onde

Aragorn estava deitado sobre uma cama improvisada sendo observado por dois jovens e uma

garota um pouco mais nova. Os jovens eram gêmeos idênticos, ambos com os cabelos ruivos no

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mesmo corte arrepiado e o mesmo tom de castanho claro nos olhos, os mesmos que socorreram

Aragorn mais cedo.

Ambos sorriram ao mesmo tempo quando me viram o que me pareceu estar

vendo o reflexo de um espelho. A garota era mais alta que eu. Seu cabelo curto também

arrepiado para todos os lados eram brancos com a raiz preta e seus olhos acompanhavam a cor

da ponta de seus cabelos.

Os três saudaram ao general Euri e me cumprimentaram com mais zelo do que o

necessário. Mas me estenderam a mão como no costume da minha dimensão. Quando eu olhei

admirada a reação deles um dos gêmeos se movimentou para o lado do general.

- Seu pai nos ensinou algumas coisas do seu mundo.

Não quis ser grosseira, mas não estava interessada em seus conhecimentos sobre

minha dimensão. Me aproximei de Aragorn agachando ao lado da sua cama improvisada. Sob o

olhar de todos coloquei a mão em sua testa percebendo que o frio em sua pele já estava quase

desaparecendo. Uma sensação de alívio por ele estar realmente se recuperando me deixou mais

calma. Lancei um braço por cima dele tentando abraçá-lo deitando minha cabeça sobre o peito

dele e vi o olhar de reprovação do general ao meu ato. Mas não dei a mínima, se ele gostou ou

não, se estava com ciúmes ou qualquer outra coisa, Aragorn era meu salvador, eu só estava viva

e livre das garras de Cordomad por causa dele. Ouvi Aragorn gemer baixinho.

- Aragorn?! – Falei seu nome um pouco alto demais e entusiasmada demais ao

vê-lo reagindo.

- Melissa... – Ele respondeu baixinho.

- Sim Aragorn, sou eu.

- Pode... por favor, não... me apertar tanto. você sempre me abraça forte de

mais. – Ele sussurrou segurando outro gemido provocando risos nos gêmeos.

- Me desculpe. – Retirei o braço de cima de seu corpo.

Ele abriu seus olhos de ouro para mim e tive a impressão que nunca fiquei tão

feliz em vê-los. Nem quando ele apareceu do nada me salvando dos soldados de Cordomad,

nem quando eu pensava que iria ter que fazer a viagem até a montanha Mayata sozinha e ele

apareceu no meio da noite na floresta escura. Ele esboçou um sorriso ainda meio fraco, e encheu

de alegria meu coração.

- Garota, garota. Você salvou minha vida, como posso te agradecer?

- Não precisa fazer nada. Só me prometa que não vai morrer nunca e estamos

quites.

Ele tentou sorrir se abraçando, percebi que ele estava sentindo dor.

- Vai ser meio difícil cumprir essa promessa se eu continuar andando com você.

- Esforce-se mais, já que não vai se livrar de mim tão fácil.

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- Bem que eu tenho tentado, não é? - Brincou - Realmente não é fácil me livrar

de você.

Sorri para ele condescendente.

General Euri fez um ruído limpando a garganta chamando nossa atenção.

- Fico feliz que esteja melhor. – Ele falou formal de mais se dirigindo a Aragorn

– e agradeço por ter trago minha filha sã e salva até aqui.

- Eu que agradeço os seus cuidados senhor. – Aragorn respondeu no mesmo tom

de formalidade.

- Melissa você já viu como ele esta, agora é melhor voltarmos para casa e deixar

que ele descanse.

Olhei para o general nervosa.

- Eu não vou a lugar nenhum. Ficarei aqui mesmo com Aragorn.

O queixo do general enrijeceu.

- Você não pode ficar aqui não tem como acomodá-la neste lugar.

- Este lugar é mais do que confortável. - Ele me olhou cético. - Desde que

cheguei a Andaluz tenho dormido em florestas, em cavernas, debaixo de tronco de árvores ao

redor de fogueiras, a beira de rios. Não acho que aqui seja pior que um desses lugares. Este

lugar é um hotel cinco estrelas.

- Melissa... – O general estava começando a ficar nervoso.

Dei um olhar debochado para ele. Os outros que estavam na sala olhavam

espantados para minha rebeldia. E daí?! Eu era a filha e adolescente, tinha todo o direito de ser

rebelde se quisesse. Era bom que o general soubesse que não iria ceder as ordens de um pai que

conheci hoje. Poucas horas de convívio não substitui dezoito anos de ausência.

- Vá com ele. – Aragorn falou num esforço – Olhei para ele contrariada por ele

não ficar do meu lado. – Vá – Ele estendeu a mão organizando minha franja na testa.

Olhei suplicante para ele. Eu não queria mesmo deixá-lo ali.

- Eu vou com você – Ele deu dois toques na minha testa. – Bem aqui.

Me levantei a contra gosto e saí pela porta sem me despedir de ninguém.

O general me alcançou. Senti que ele estava inquieto demais ao meu lado.

Talvez quisesse me dar uma bronca ou me por de castigo, mas ele não tinha autoridade sobre

mim para fazer algo assim. Um homem que comandava um exército com milhares de pessoas

não conseguira a submissão da própria filha? Isso era interessante.

Ele respirou fundo ao meu lado.

- Como estão sua mãe e seu irmão? – Ele tentava uma nova conversa para

manter um diálogo entre nós.

- Bem. – Respondi secamente.

- O que eles disseram quando você disse que viria para cá?

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- Eles não sabem que eu estou aqui.

- E eles pensam que você esta aonde? – Falou preocupado.

- Não faço a mínima idéia.

- Eles devem estar loucos atrás de você.

- Eles superam. Superaram a sua ausência... Superarão a minha.

- Então esse é o problema, esta com raiva de mim porque tive que deixar vocês?

- Não estou com raiva, nem te conheço para poder sentir raiva. – Minhas

palavras falavam uma coisa, mas minha voz demonstrava o contrário.

- Eu não tive escolha. Jamais teria abandonado vocês se houvesse outra

alternativa. Eu precisava proteger vocês. Principalmente você Melissa.

- Agora vai colocar a culpa em mim?! - Bradei parando no meio da rua deserta.

- Não é culpa sua, mas se eu não tivesse partido Cordomad teria te encontrado

muito antes. E quem sabe o que ele teria feito para conseguir a coroa? Ele poderia ter pego seu

irmão, sua mãe. Tê-los torturados para que entregássemos a ele o que ele queria.

Fechei a cara e continuei andando. Mas vendo-o colocar dessa maneira minha

ira diminuiu. Eu também faria qualquer coisa para manter minha família segura.

- Vamos deixar claro uma coisa – Falei rispidamente – Não adianta você vir

querer fazer papel de pai agora, porque eu não vou aceitar. Aprendi a sobreviver sem você,

cresci sem suas ordens e quero que continue assim.

- Eu sou seu pai Melissa, queira você ou não.

- Meu pai esta numa foto pendurada no quarto da minha mãe. Imóvel e bem na

dele. Esse é o único papel de pai que eu aceito.

- Melissa vá com calma – A voz de Aragorn soou em minha mente me fazendo

perder a concentração. – Não estrague tudo entre vocês por causa dessa sua cabeça dura.

Respirei fundo querendo me concentrar.

- Você costuma se intrometer nas conversas alheias? – Pensei irritada, mas

feliz por estar ouvindo ele.

- Não. Só nas suas.

- Eu não pensei que você fosse dessa maneira. - disse o general - Pensei que

tivesse herdado a doçura da sua mãe. – ele parecia bastante surpreso.

- E não era. Saiba que Andaluz tem o poder de mudar as pessoas. Espero não

estar decepcionando demais o papai.

Chegamos à porta da casa do general Euri.

- E eu espero ainda poder ganhar se não o seu amor, ao menos sua confiança. –

Ele falava segurando a maçaneta da porta.

- Só tem uma pessoa que eu confio em toda Andaluz, essa pessoa é Aragorn.

Ele me entende, me aceita do jeito que eu sou cheia de defeitos e fraquezas, não espera que eu

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seja a salvadora do mundo, e não me quer só para resolver seus problemas ou os de Andaluz.

Pelo contrário. Eu só trago problemas a ele e ele continua me ajudando.

- Você prefere confiar num estranho que em seu próprio pai?

- Ele não é um estranho. É meu amigo.

- Seu pai não gosta de mim – Aragorn falou. Já tinha me esquecido que ele

estava conectado comigo.

- Tudo bem Melissa, é melhor irmos dormir. Quem sabe seu humor estará

melhor pela manhã. - Ele abriu a porta da casa para mim e me dirigi pelo corredor para o quarto

que ele dizia ser meu.

Ao fechar a porta me deixei cair de costas sobre a cama estranhando o conforto

sentindo falta da floresta, das fogueiras da ilha...

- Aragorn?

- Estou aqui.

- Como pode estar em minha mente se a estou mantendo bloqueada?

- Há um caminho que você deixa aberto a mim enquanto fecha aos outros.

- Não sabia que algo assim fosse possível.

- Só quando se confia muito em alguém.

Fiquei admirada. Meu subconsciente sabia que podia confiar em Aragorn.

- Quer dizer que você tem livre acesso a minha cabeça agora?

- Não só agora. Desde que chegamos à ilha sua mente nunca mais se fechou a

mim. Mas se te incomoda eu posso...

- Não... – o interrompi - não me incomodo. Não tenho mais nada pra esconder

de você.

- Fico feliz por isso.

- Então porque só agora você entrou em minha mente?- perguntei curiosa.

- Acho que prefiro ouvir sua voz me contando as coisas... ver em seu rosto as

expressões que você faz.

-A minha cara de palhaça. - falei brincalhona colocando na mente a imagem de

um palhaço para ele entender do que eu falava.

Mas ele não estava brincando.

- Não garota. Você sabe que não.

Ele tinha razão. Eu sabia.

Senti que ele ficou descontente com minha brincadeira. Ele não gostava quando

minhas atitudes desmereciam o amor dele por mim. Eu sempre tentava levar na brincadeira seus

olhares e na amizade seus carinhos. Mas eu sabia que, mesmo depois de descobrir toda a

verdade através de Raika, em momento algum ele deixou de me amar. E me tratava como uma

amiga porque eu exigia isso dele. Ele respeitou minha fraqueza e meu luto, entendeu meus

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medos, preservou todo meu espaço e nunca me exigiu nada. E agora estava numa cama se

recuperando de uma quase morte por me salvar da adaga de Cordomad. Ele literalmente

entregou sua vida por mim naquele dia, e graças a Deus que não morreu. E uma prova de amor

dessas... um amor dessa magnitude tinha que ser respeitado.

- Me desculpe, eu só estava brincando.

Ele ficou em silêncio. Eu também.

Depois de um tempo tedioso olhando o céu através da janela, eu seria capaz de

dar qualquer coisa para estar bem longe dali.

Já tinha perdido as contas de quanto tempo estava fora de casa. Dez meses? Um

ano? Eu não sabia. Apesar dos dias aqui serem iguais, com noite e dia, as horas pareciam mais

longas, as semanas mais curtas e os meses não eram de 30 dias. Ainda não conseguia

cronometrar meu tempo passado em Andaluz, Mas a verdade é que parecia uma eternidade.

Principalmente naquele arraial.

- Aragorn?

- Melissa...

- Fica bom logo. Quero ir embora daqui. – Falei aborrecida.

- Descanse, se acalme, e depois decida o que quer fazer. Você nem mesmo sabe

o que quer. Uma hora quer ir, outra quer ficar e lutar. Descubra primeiro o que realmente quer

depois agente resolve isso. Agora durma.

- Não vou conseguir. Estou muito agitada. E você porque ainda não dormiu?

Precisa descansar mais do que eu.

- Estava pensando...

- Em que?

- Eu ouvi novamente aquela voz antes de você chegar aqui. Eu estava dormindo

e ouvi quando ela me chamou.

- Quem pode ser?

- Não faço a mínima idéia, mas ela parece me conhecer e muito bem.

- O que ela disse dessa vez?

- Você não vai gostar de ouvir

- Ela falou de mim?

- Sim, falou que eu não deveria deixá-la ir embora.

- O que?

- Não se preocupe com isso. Ainda acho que seja uma armadilha.

Dei um grande bocejo, estava sentindo meu corpo cansado e todo dolorido.

- Você precisa dormir. – Disse Aragorn também cansado.

- Não sei se conseguirei dormir, estou me sentindo estranha neste lugar.

- Posso cantar para você se quiser.

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Me acomodei mais na cama. A música dele invadiu minha mente e acabei

adormecendo embalada por sua canção.

Durante os dias seguintes eu passava o dia com Aragorn na casa dos gêmeos, e

a noite estava na casa do general Euri. Ainda não tinha me acostumado com ele, e estava

realmente pensando em ir embora assim que Aragorn melhorasse.

A recuperação dele era lenta. Os gêmeos curandeiros não eram tão bons quanto

Erzoul e Aragorn sempre reclamava pelo general não deixar buscá-lo. O general alegava que o

arraial devia permanecer escondido do conhecimento de estranhos.

- Então garota, já decidiu o que vai realmente fazer? – Aragorn me perguntou

enquanto eu estava sentada na beirada da sua cama.

- Só sei que não vou lutar contra Cordomad. Você tinha razão. Ele é invencível.

- Seu pai vai ficar muito decepcionado quando contar isso a ele.

- Minha única preocupação é minha família. Meu irmão e minha mãe. Mas

como eu posso voltar pra casa? Se eu voltar, eles irão atrás de mim.

- Ninguém jamais te encontrara na ilha.

- Mas quanto tempo eu conseguiria ficar ali sem poder sair? Eles estarão sempre

me esperando.

- Podemos dar um jeito nisso.

- Eu não quero viver fugindo Aragorn, e nem vou privar você de ter sua

liberdade e se tornar um fugitivo comigo.

- Eu já sou um fugitivo Melissa. Sou um desertor lembra? Pelo menos terei

companhia. – Ele arrumou minha franja.

Olhei para ele com ternura. Era difícil ser indiferente ao seu jeito carinhoso.

Sempre atento, paciente, e me entendia. E estava disposto a tudo para me ver bem. E me

defendia de todos até do general que vivia forçando uma conversa de guerra comigo.

“Melissa não vai participar disso. Ponha seus soldadinhos para trabalhar.” –

Aragorn disse ao general quando ele queria preparar uma estratégia de invasão ao castelo atrás

da esfera que eu tinha visto. Evidentemente o general ficou roxo de raiva, mas não pode fazer

nada. O general sabia que Aragorn se levantaria contra seu exército inteiro se eles tentassem me

convencer ou me obrigar. E eu ficaria do lado dele.

Passar os dias no arraial estava se tornando cansativos pra mim. Não agüentava

mais a insistência do general em querem que eu treinasse junto de seus soldados, nem da chatice

dele exigindo que eu me dedicasse mais a desenvolver meus dons e aquela conversa de que eu

teria que assumir o trono de Andaluz mesmo sem Jeziel.

Ele afirmava que o que estava determinado a acontecer teria que acontecer

através de mim. Cordomad seria destruído e o reino voltaria aos seus tempos de glória de

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outrora. Ainda que Jeziel não existisse mais, a profecia ainda vivia em mim e nada iria impedir

seus desígnios.

- Você tem razão general. – falei fingindo estar convencida – porque a profecia

não se cumpriria? Afinal aquela que nasceu para ser a rainha de Andaluz esta aqui e viva! Sou

eu!

- Isso mesmo minha querida... – ele falou sentindo como se finalmente eu

tivesse aceitado meu destino. – e nós estamos aqui para te ajudar. Um exército inteiro para lutar

por você... preparado para te colocar no trono. – ele falou empolgado.

- É!- falei no mesmo tom de empolgação dele. - E sabe de uma coisa... toda

rainha tem que ter um rei. E agora que você me convenceu a ser a rainha de Andaluz, vou ver se

Aragorn aceita o cargo de rei de Andaluz ao meu lado. – falei só pra implicar e ver a cara de

espanto e as veias da testa dele latejar de tanta raiva.

O rosto dele mudou de cor, e eu segurei para não cair na gargalhada. Me virei e

saí pela porta rumo a me encontrar com Aragorn antes de ver o general ter um enfarto.

Ele estava louco se por um segundo acreditou realmente que eu iria cair na dele

de ser rainha e tudo mais. Agora eu só queria ficar em Andaluz, única e exclusivamente para

proteger minha família.

Eu teria que me esconder eternamente da família real, e aceitar que talvez nunca

mais visse mamãe e Biel. Teria que começar a pensar em uma outra vida pra mim. Uma vida

numa dimensão distante, mas que manteria os que amo a salvo.

- Quando você fica bom para gente ir embora daqui? Já estou sentindo falta dos

nossos mergulhos na praia. – perguntei a Aragorn sentada a beira de sua cama.

- Vai mesmo comigo para a ilha? – perguntou esperançoso.

- Me deixe pensar mais um pouco. – falei de repente insegura. Sabia o que isso

passaria a significar para mim e o que significava para Aragorn. Eu não poderia em hipótese

alguma magoá-lo novamente. Precisava ter certeza da decisão a tomar porque essa decisão

mudaria a vida de Aragorn, a minha e nossa relação definitivamente.

Sabendo o quanto ele me amava, não seria justo querer forçá-lo a conviver ao

meu lado como amigo, eu seria mais que cruel, seria desumana. Então nesses últimos dias

pensava muito em finalmente aceitar o amor que ele me dedicava. E ele sabia disso. Via em

minha mente, mas não comentava. Estava deixando que eu por mim mesma escolhesse o

destino de nós dois.

- O Tempo que você quiser. - Me falou amavelmente.

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- Você sabe que eu só dou problemas. E as pessoas que andam comigo tendem

a sofrer atentados contra a própria vida. - Falei tentando fazer piada da situação, mas

infelizmente era verdade.

- Eu nunca planejei morrer de velho mesmo. – Brincou. – Pelo menos ao seu

lado não há monotonia.

Eu sorri.

- Agora eu tenho que ir. – Falei – O general fica possesso quando me atraso. Ele

morre de ciúmes por eu passar o dia com você.

- Você teve a quem puxar.

- Esta dizendo que eu sou ciumenta?

-Você é ciumenta. E possessiva. – Completou.

Fechei a cara.

- E você é chato!

Ele sorriu.

- Eu vou embora – Falei emburrada.

- E Birrenta. – Salientou.

Me levantei para sair. Realmente embirrada.

- Antes de ir embora, você pode pegar um copo de água para mim?

- Não. Pegue você. Se já esta forte o bastante para me encher a paciência...

- Pode deixar.

Ele virou a cabeça para um dos gêmeos que estava entretido em alguma espécie

de fórmula medicinal.

- Mako, você pode pedir a sua irmã para me trazer um copo d'água? E me fazer

uma massagem nos ombros também. Estou com um pouco de dor nas costas.

- Não precisa, eu pego seu copo d'água – Falei azeda.

Quando eu lhe entreguei o copo seus olhos dourados me olhavam divertido.

Aquele sorriso de anjo maroto nos lábios me fez perceber que ele estava me provocando.

Rosnei baixinho irritada.

- Você é insuportável.

- E você é ciumenta.

Saí pela porta marchando nervosa. Mas ele tinha razão, eu era mesmo ciumenta.

A convivência com o general não tinha melhorado em nada. Cada dia que eu

passava no arraial, era mais um dia para eu inventar uma forma de deixá-lo maluco apesar de

Aragorn tentar o tempo todo fazer com que eu fosse mais tolerante. O que me deixava mais

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brava já que ainda que o general não dissesse claramente, eu sabia que ele mal tolerava Aragorn

ali, muito menos próximo a mim, e a defesa de Aragorn ao general me deixava contrariada.

- Ele não tem que gostar de mim garota. - Aragorn tentava me convencer

durante um passeio que dávamos a beira da colina. - Fui inimigo dele por muito tempo. Você

entende isso? Ele não esta acostumado a confraternizar com o inimigo.

Não quero você se indispondo com seu pai por minha causa.

- Não é só por você e... sei lá, ainda não me acostumei com essa coisa de pai.

Ele quer controlar meus passos. Até quando estou com você.

- Ele só esta preocupado.

- Preocupado com o que?

- Preocupado em que haja algo entre nós além da amizade, ou que venha haver.

- Essa história de poderem ler os pensamentos um do outro é tão... chata. -

resmunguei. - E você não se aborrece com o que ele pensa de você?

- Ele não esta errado de tudo. Esta?

Parei e me virei para olhá-lo. Desde que chegamos a ilha ele não tinha mais tocado

no assunto de seus sentimentos por mim ainda que eu soubesse que ele ainda me amava. Ele

sempre dizia isso sem palavras quando ajeitava minha franja, mas principalmente depois que

chegamos ao arraial, ele parecia até que estava me vendo com outros olhos.

- Aragorn... eu...

- Só estou falando o que esta evidente para todo mundo Melissa, só você ainda

parece que não vê.

- O que você quer que eu veja Aragorn?

- Veja que eu te amo. E que sou capaz de fazer você feliz.

- O fato não é você me fazer feliz... é você ser feliz comigo. Não sei se eu seria

capaz de fazer isso por você.

- Porque você não deixa eu descobrir isso por mim mesmo. Porque eu ainda

penso que ficar longe de você é que vai me fazer infeliz.

- Não faça isso comigo Aragorn...

- Fazer o que? Te amar? Eu não sei como não te amar garota.

- E se eu te fizer sofrer?

- Você tem pensado muito em nós dois. E eu fiquei quieto até agora, mas eu

preciso que você saiba que nada mudou. Continuo te amando... te esperando. E continuarei aqui

até você se decidir.

Ele se aproximou. Estávamos no alto da colina e longe de tudo e de todos. E

Aragorn me olhava com a ternura e a paixão de sempre.

E ele é tão perfeito. Porque eu simplesmente não conseguia aceitar esse amor?...

porque eu simplesmente não abria a minha boca e dizia sim?

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- Eu amo você Aragorn...

- Eu sei – ele segurou meu rosto. A emoção na voz dele quase me quebrou.

Coloquei minha mãos sobre a dele.

- Mas não como você gostaria.

- Eu também sei disso. - Ele colou sua testa na minha.

- Não posso simplesmente ficar com você sabendo o tanto que você me ama, e

o quanto não conseguirei corresponder.

- Do que você tem medo? - ele ergueu meu rosto para olhar para ele novamente.

- De te magoar mais uma vez.

- É esse seu medo?

- Aragorn... você merece ser feliz.

- Então me faça feliz! Garota... eu só vou ser feliz ao seu lado.

- Meu coração é...

- Eu sei – ele não deixou que eu terminasse – eu sei que seu coração esta ferido,

decepcionado... machucado. Mas se você deixar... se me der uma oportunidade... eu posso... eu

farei de tudo para curar seu coração.

- Eu...

- Melissa, eu penso que seu medo real, não é me fazer sofrer. Você sabe que ao

seu lado serei o homem mais feliz que já existiu. Seu medo é de abrir seu coração e deixar que

outro tome o lugar de Jeziel. Mas eu não quero o lugar dele garota, eu quero conquistar um

espaço meu aí dentro – ele pousou a mão sobre meu peito.

Me afastei e me virei de costas para ele.

- Eu tenho razão, não tenho? Mas Melissa – ele me segurou pelos ombros –

você o amou. Eu entendo isso. E se ele ainda estivesse aqui e viesse reivindicar seu amor e eu

sabendo que isso te faria feliz, eu juro que iria embora e deixaria você para ser feliz com ele.

Mas garota... ele se foi. Ele se foi e nada vai mudar isso. Eu sei da sua dor e respeito isso. Mas

eu... eu Melissa – ele me girou de frente a ele – Eu estou aqui pra você.

- Porque você me ama Aragorn? – perguntei angustiada. Precisava entender o

porque desse amor de Aragorn. Precisava entender o que fazia alguém como ele se apaixonar

por alguém como eu.

Ele sorriu e eu amei aquele sorriso de anjo.

- Porque você é a garota mais perfeitamente complicada que eu conheço.

Porque você é tão possessiva, e ciumenta, porque você é tão frágil e forte ao mesmo tempo,

porque você é mentirosa, teimosa e cheia de segredos, porque você é tão difícil de interpretar,

mesmo agora que posso ler seus pensamentos, porque você é tão cheia de manha e de vontades

e birrenta e porque você é a única garota que consegue me tirar do sério e...

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- Espera aí... - protestei - isso não são qualidades que leva ninguém a amar outra

pessoa... - falei confusa.

- Eu não terminei. – ele disse com os olhos brilhando pra mim. - Esses são seus

defeitos e eu amo cada um deles. Mas te amo também porque você é carinhosa, meiga,

dependente de um abraço, e não tem medo de assumir seus medos e corre para meus braços

quando tem um pesadelo. E é tão sensível, e tem o sorriso mais perfeito que eu já vi, e sua pele

é tão quente e suave e de um perfume doce que me entorpece, e é valente e... tão linda e eu te

desejo tanto minha estrela, que sua ausência chega a doer. E seus lábios... eu preciso deles para

continuar a viver.

Ele passou a ponta de seus dedos em minha boca e se debruçou delicadamente e

me beijou com ternura e desejo.

Não consegui negar. Não depois de ouvir tudo isso.

Ele me amava tanto que a atmosfera ao nosso redor mudava quando ele me

falava do seu amor. Me envolvia e me encantava. E eu amava esse amor, mesmo que eu não

conseguisse corresponder a ele.

Quando ele se afastou de mim delicadamente, eu olhei para ele procurando em

mim um motivo para dizer não. Mas não encontrava. Mas ainda não conseguiria dizer sim. Não

hoje pelo menos.

- Eu espero – ele respondeu a meu pensamento. - Continuarei a ser seu amigo

até que você resolva dizer sim.

- Quanto tempo Aragorn?... quanto tempo ainda terá paciência comigo?

- Por toda minha vida.

- E se eu disser não, vai deixar de ser meu amigo?

- Você só me disse não até agora garota. Alguma vez te deixei na mão?

Não. Mesmo depois de saber a verdade, mesmo depois de ser torturado por

Raika, apunhalado por Cordomad, e estar sendo maltratado pelo general... Ele nunca me deixou.

Lancei meus braços ao redor de sua cintura e o espremi num abraço. Ele ainda

não estava recuperado e gemeu de dor. Eu afrouxei um pouco os braços, mas permanecia ali

colada a ele sentindo suas mãos passear em minhas costas e em meus cabelos.

Me fazia bem ficar perto dele. Me fazia bem seus braços e eu me sentia acolhida,

me sentia amada. E ali comecei a gostar da idéia de ter essa sensação boa pra sempre. De ter

seus braços pra sempre. Essa paz que mesmo em meio a essa guerra eu conseguia sentir emanar

dele. E eu precisava mesmo disso. De paz.

- Melissa! - ouvi a voz do general gritar meu nome me fazendo afastar de

Aragorn.

Ele estava com aquele olhar de repreensão que eu detestava.

- Pois não general? - falei mal humorada.

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- Estava esperando em casa. Você demorou muito. Fiquei preocupado.

- Como vê, não há motivos para preocupação. Estou com Aragorn.

O olhar dele me dizia que era esta mesma a preocupação dele.

- Vamos para casa – ele disse autoritário.

- Sim eu vou, com Aragorn. - falei decidida.

- Ele precisa descansar e você vem comigo. - o general marchou até mim na

intenção de me pegar pelo braço.

Aragorn se posicionou a minha frente.

- Ela vai quando ela quiser ir. - Aragorn falou educadamente, mas senti o tom

mordaz em sua voz.

- Melissa, estou falando com você! - ele resmungou como um pai dominador.

- Eu acho que você ouviu o que Aragorn disse – falei arrogante e altiva sabendo

que Aragorn me defenderia dele se ele tentasse alguma coisa.

- Você não entende...

- Não entendo mesmo. Porque não posso ficar com meu amigo?!

Ele deu uma risadinha sínica como se não acreditasse na palavra amigo. Aquele

risinho me incomodou. E a Aragorn também.

- O que te aborrece general? Porque é tão difícil aceitar que fiquemos juntos? -

Aragorn perguntou como se não tivesse visto uma centena de vezes na mente do general a

resposta, já que o general fazia questão de deixar bem claro que não estava satisfeito com nossa

amizade.

- Minha filha não nasceu pra você. Ela nasceu para ser a rainha de Andaluz, e

você não a deixa aceitar isso.

- Eu? - Aragorn perguntou inocente.

- Olha aqui general! – eu falei pulando a frente de Aragorn que segurou minha

mão. - Eu não vou ser rainha de nada. É melhor se acostumar com isso e procurar outra pra

profecia. Eu tô fora.

- Você não vai conseguir fugir disso Melissa. É seu destino.

- Meu destino eu determino. - ralhei.

- Quanto tempo vai brincar com ele Melissa?! Uma hora... a qualquer momento o

que esta dentro de você vais explodir, e se você não estiver preparada, você não vai aguentar.

Será que você não percebe que eu só estou querendo te proteger?

- Opa! Esse cargo já é meu – disse Aragorn brincalhão.

O general o fuzilou com os olhos.

- Isso mesmo. - eu disse – Aragorn é o meu protetor.

Aborrecido o general se calou. Fuzilou mais um pouco Aragorn com o olhar se

virou nos calcanhares, visivelmente contrariado, e se foi.

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- Ele não vai mesmo com a minha cara. - Aragorn falou. Mas dava pra ver

nitidamente em seu rosto que ele não se importava nem um pouco.

- Ele é tão irritante... - resmunguei.

- Mas em uma coisa ele tem razão.

- Em que?

- Seus dons. Você precisa aprender a usá-los. Você é como uma criança em

relação a eles, e esses poderes que há em nós, quando não os controlamos, eles nos controlam.

- Bobagem. E não me venha você também com essa história de me desenvolver.

Já me basta o general todo dia me enchendo.

- Vai ser bom pra você garota.

- Eu não preciso de dons. Na verdade não os quero. Tenho me virado muito bem

sem eles até agora.

- Não sei se você conseguira se livrar assim tão facilmente.

- Porque não?

- Tanto os meus dons, os seus, ou de qualquer pessoa em Andaluz, aparecem

naturalmente. Enquanto crescemos eles desenvolvem em nós e nos dão força. - ele caminhou e

se sentou numa pedra.

Eu o segui.

- Tá... mas isso acontece com as pessoas daqui. Eu nasci em outra dimensão. Se

lembra? As coisas são diferentes lá. E...

- E é exatamente isso que esta preocupando seu pai.

- Como assim?

- Ele não te disse, mas teme que seu corpo não suporte os poderes de Andaluz.

- Não suporte? Eu vou o que? Explodir?! - falei já angustiada. Me lembrando

muito bem das poucas vezes que meus dons se manifestavam, e que eu realmente perdia o

controle.E das vezes que Jeziel tinha que ministrar força em mim depois de um treino por me

sentir fraca.

- Ei... - ele tentou me acalmar – nada disso vai acontecer. - bateu com as mãos

sobre a grama para que eu me sentasse ao seu lado.

Me deixei cair ali calculando se isso seria possível. Algumas vezes eu senti

mesmo tanto poder, como no dia em que Raika foi a minha casa depois de eu e Jeziel

terminarmos, que pensei que fosse capaz de causar um cataclisma. Mas nada aconteceu. A não

ser toda minha força ir para o espaço e eu me sentir a ponto de desmaiar.

- Você não vai deixar isso acontecer... Não vai deixar eu explodir nem nada

disso, Aragorn. – pedi desesperada.

Ele riu.

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- Que idéia. É claro que você não vai explodir. O universo já tem buracos negros

suficiente.

- O que?! - perguntei sem entender.

- É isso que acontecera se você explodir, minha estrela.

- Ah droga... você esta fazendo piadas com a minha eminente destruição. -

resmunguei.

Ele riu novamente, mas parou quando olhou para minha cara de desolada.

- Vamos fazer o seguinte. Eu prometo que não deixo você explodir, nem nada

disso. Vou ficar de olho em você.

Nos dias seguintes continuei, mesmo sob protesto do general, à acompanhar

Aragorn por pelos passeios pelo arraial. Ele ainda caminhava com dificuldade, mas já estava

ficando mais corado. Nossos passeios eram curtos para que ele não se cansasse demais. E me

lembrava do tempo em que andávamos pela floresta.

E eu sentia falta disso. Sentia falta, por incrível que podia parecer, da nossa vida

de jornada pelos lugares mais inóspitos e de difícil acesso de Andaluz. Sentia falta também da

tranqüilidade da ilha Marfim e de não ter olhos curiosos e ansiosos sobre mim o tempo todo. O

povo do arraial me olhava esperando algo. Eu sabia o que era, o mesmo que o general esperava

de mim. Que eu me tornasse sua rainha. Eu detestava isso.

Aragorn sabendo disso me conduzia sempre a lugares onde podíamos ficar

longe dos olhares ansiosos.

Nesse dia em especial, em que eu sentia falta de muita coisa, sentia falta

também da minha mãe e do meu irmão. E meu coração se apertou ao pensar em como eles

deviam estar preocupados sem noticias minhas e que provavelmente, jamais teriam novamente.

Eu, assim como o general, não poderia entrar em contatos com eles, para sua própria segurança.

Aragorn cansado se sentou recostado no tronco de uma árvore. E eu, que só

tinha ele como refugio e apoio, deitei com a cabeça em seu colo. Suspirando fundo mordendo a

ponta da minha unha me sentindo ansiosa.

Aragorn puxou minha mão da boca.

- Esta aborrecida. – Ele afirmou.

Estou chateada e com saudades da minha família.

- Se eu pudesse fazer alguma coisa.

- É certo não é? Que se eu for até eles Cordomad vai atrás de mim e... só

Deus sabe o que fariam a eles para me obrigar a dar-lhe a coroa.

- Infelizmente, é sim. – ele confirmou.

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- Nunca mais poderei vê-los?

- Não sei essa resposta garota. Só sei que é melhor para eles que você

permaneça aqui. Enquanto você estiver em Andaluz, Cordomad vai reunir forças para encontrá-

la aqui. Ele não vai perder tempo na sua dimensão.

- Eu nunca mais terei paz. Nunca mais terei minha vida de volta.

Ele suspirou me olhando preocupado.

- O que quer que eu faça? – me perguntou.

Era incrível como eu conseguia ver em seus olhos que ele era capaz de fazer

realmente qualquer coisa por mim. Mesmo que eu pedisse para ele destruir Cordomad. Isso se

destruí-lo fosse possível.

- Me leve desse lugar. Quero ir embora daqui.

- Precisamos ficar aqui por enquanto.

- Não gosto desse lugar. Não tem nada pra fazer aqui.

- Você esta viciada em aventura?

- Meus dias em sua ilha eram bem mais animados.

E eram mesmo. Ainda que fosse o lugar em que pranteei a morte de Jeziel e

vivi a maior e mais desesperadora parte do meu luto, ainda assim, a ilha marfim era um lugar

maravilhoso, e a companhia de Aragorn, excelente.

E no meio dessa loucura que estava a minha vida, não havia realmente outro

lugar que me encaixasse a não ser a ilha Marfim e a segurança dos cuidados de Aragorn.

E ele viu meus pensamentos e acompanhou meu raciocínio de que finalmente

aceitei que o melhor que eu tinha a fazer pela minha vida, pela de mamãe e de Biel e por

Aragorn, era aceitar a proposta que ele me fez e tentar um novo começo, uma nova historia.

Agora com ele.

- Já se decidiu?

Olhei para ele e seus olhos ansiosos brilhavam como ouro incandescente

esperando por minha resposta.

Por todo esse tempo eu havia pensado bastante. Claro que eu sabia o que

minha decisão faria a Aragorn e aos seus sentimentos. E aos meus... bom, eu não sabia. Mas já

tinha feito minha escolha.

- Vou ficar com você na ilha. Se você já não tiver se cansado de mim.

Seu sorriso triunfou em seu rosto.

Eu me sentei procurando ver seus olhos mais de perto.

- Mas Aragorn, você sabe que não posso te dar agora o amor que você quer e

que merece. Vai ter que ser paciente comigo.

- O que quero é você comigo. E o amor... quando ele chegar, estarei ao seu

lado para recebê-lo muito bem.

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O abracei carinhosamente.

- Eu não mereço você. – Falei agradecida. – Fica bom logo para irmos

embora.

- Depois dessa resposta minha recuperação será prodigiosa só para poder ficar

logo com você.

Sorri para ele satisfeita por estar fazendo ele feliz, mas vi que o sol já estava

se pondo. Eu teria que ir pra casa do general antes que ele mandasse alguém atrás de mim.

- Preciso ir embora – reclamei.

- Tudo bem. Logo estaremos em casa. E ninguém mais vai colocar horário

para você chegar.

- Tá bom... fácil dizer já que não vou mesmo sair da ilha. – brinquei, mais para

esconder de Aragorn a sensação que me tomou quando ele disse: em casa.

O que seriamos quando voltássemos a ilha? Um casal?

Bem... era o que Aragorn esperava. E eu um dia teria que dizer sim.

Quando cheguei à casa do general ele já estava me esperando impaciente. Ele

não gostava mesmo que eu passasse o dia com Aragorn.

- Como esta Aragorn?

- Se recuperando bem.

- Que bom, logo ele vai poder voltar para casa.

- Esta com pressa que ele vá embora?

O general me olhou ranzinza. Evidente que ele tinha pressa.

- Melissa o que você faz ficando o tempo todo com esse rapaz e tão intima,

não é comportamento de uma rainha.

- Ele é meu amigo. E eu não sou rainha.

- Mas logo será.

- Não... Não serei. - falei revoltada - E se eu fosse você não ficaria tão animado

com a partida de Aragorn, pois assim que ele puder voltar para casa eu vou com ele.

- Você não pode fazer isso. Seu destino é governar Andaluz. Ele gritou.

- Meu destino era Jeziel. – gritei de volta - Mas ele morreu. Não tenho mais

destino. Nem vida... nem nada. O que eu posso fazer agora é tentar não magoar mais ninguém e

manter as pessoas que eu amo a salvo. E fazer as pessoas que me amam felizes.

Dei as costas para o general que me olhava exacerbado e fui para o quarto.

Eu estava nesse momento emocionalmente desequilibrada. Tinha passado uma

tarde tão agradável, mas ou ouvir o general falar de destino, me doeu tão forte ter que

reconhecer que eu não tinha mais o meu.

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Não tinha mais minha vida, minha família, meu amor... meu Leo. Não tinha

mais nada. Só uma estúpida coroa que só servia para colocar a minha vida e a de todos que me

cercavam em perigo, e uma imaginaria ilusão de que algum dia as coisas poderiam mudar e eu

poderia ser feliz. Mas como?

Como alguém pode ser feliz vagando pelo universo seja em que dimensão for,

como uma alma penada, sem esperança, sem alegria, sem destino?

Meu destino? Onde estaria meu destino agora? Morto com Jeziel. Ele sim era

meu destino... Ele era a minha vida. E eu aqui agora, não passo de um espectro.

Deitei-me na cama me sentindo a mais miserável das criaturas vivas e demorei

a pegar no sono.

Era sempre assim. Enquanto eu estava com Aragorn de dia tinha pouco tempo

de pensar e de me aborrecer com minha vida. Eu passava o tempo todo dedicada a recuperação

dele, e ele a me distrair. Mas quando entrava nesse quarto sozinha, acabava dando uma espiada

na caixa de infortúnios dentro da minha cabeça e me lembrava muito bem de tudo que me fez

chegar até aqui. E de todas as coisas que tinham dado erradas. E das próximas que poderiam vir,

pois nem Cordomad, nem Raika esqueceriam de mim.

E eu temia em pensar o que eles poderiam fazer as pessoas que eu amava para

conseguir o que queriam. Mas eu sabia que a única coisa que manteria minha mãe e meu irmão

seguros era a coroa se ela continuasse em meu poder.

Já tinha me decidido a ir com Aragorn para ilha Marfim. Ali eu estaria segura,

longe das garras da família mortal.

Aragorn fazia questão de me ter ao seu lado e eu sabia que o amor o cuidado e a

dedicação dele me fariam bem ainda que não completamente por saber que sentiria falta de

minha mãe de meu irmão, de Jeziel... Mas Aragorn me amava a ponto de entender minhas

tristezas e de esperar que meu coração se cure para eu poder amá-lo como ele espera. Não seria

nenhum esforço dar-lhe a chance que ele tanto queria para alcançar meu coração. Eu iria sim

com Aragorn para ilha. Iria convencê-lo a irmos amanha mesmo embora. Poderíamos, já que ele

estava fraco para passar por um portal, e eu não conseguiria cuidar dele por desconhecer os

recursos médicos daqui, irmos direto para a casa de Erzoul e de lá depois dos cuidados do

curandeiro, que são infinitamente melhores que dos gêmeos, voltarmos para ilha. E eu ficaria

com ele. Ficaria com Aragorn para sempre.

E em meio a esses pensamentos adormeci.

Acordei angustiada no meio da madrugada. Estava chorando. Uma tristeza tão

profunda doía em meu coração e meu Leo era a única coisa que via em minha frente. Como a

imagem de um holograma que não saía dos meus olhos.

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Havia sonhado com ele e via seus olhos tristes. Sua dor, a dor que refletia em

seu olhar me feria porque a dor não era dele somente, era minha também... era nossa. E de

repente percebi que todas as vezes que eu acordava chorando, angustiada e desesperada era com

ele que eu sonhava. Agora eu me lembrava. Me lembrava de cada um dos sonhos. Essa dor

estampada em seu rosto era o que me fazia chorar. Esfreguei meus olhos secando as lágrimas e

espantando a visão.

Era duro demais ver sua imagem e pensar que não passaria de lembranças em

minha mente. Meses se passaram desde que fiquei sabendo de sua morte e cheguei a pensar que

tinha aprendido a suportar, mas não tinha. Ainda estava muito viva em mim a dor. Foi só ver o

rosto dele em meus sonhos como no passado para tudo... toda angustia e desesperança ganharem

uma força extra.

Por ter dessa vez me lembrado dos sonhos a dor rompeu absoluta. Me sentia

sufocada e desconcertantemente desnorteada. Eu olhava aquelas paredes ao meu redor e

pareciam que elas giravam e se estreitavam na intenção de me espremerem. E minha mente

perturbada só conseguia projetar a imagem de Jeziel.

Senti que minha carne começava a tremer junto com cada membro de meu

corpo. Algo no meu peito ia me dilacerando de dentro para fora. Uma dor ainda mais forte que

de quando ouvi Raika dizer que Jeziel havia morrido. E eu não conseguia acreditar que poderia

existir dor maior que aquela. Mas existia. E era essa que eu sentia agora. A dor duplicada em

sentir que Leo não estava somente morto, mas que ele estava fora da minha vida. Para sempre. E

era como se alguém enfiasse a mão em meu peito fazendo um buraco em meu corpo para

arrancar meu coração ainda pulsante e vivo de mim e assim finalmente arrancar tudo que me

sobrava de Jeziel. Eu não poderia suportar isso.

Me esforçando para respirar, tentava engolir um bolo de desespero que

insistia em subir do peito para meus lábios. Senti que a luz de dentro do meu peito buscava uma

forma de se libertar como se também se sentisse sufocada dentro do pequeno espaço ao qual

estava confinada em meu ser, mas doía insuportavelmente. A sensação era de um milhão de

agulhas acidas tentassem sair de mim, então fiz força para controlá-la e extingui-la de volta ao

meu peito antes que eu desmaiasse de dor. E quando finalmente consegui, me sentia além de

fraca, ainda mais angustiada do que antes.

Eu não estava entendendo, me parecia estar sendo comprimida por algo

invisível, mas tão real que me fazia arfar e abrir os lábios para tentar respirar pela boca. Se eu

não gritasse imaginei que iria explodir.

Me lembrei de Aragorn me falando sobre a preocupação do general com meus

dons. Seria isso que estaria acontecendo comigo? Eu estaria sendo dominada pelos meus

poderes? Eu iria agora explodir como uma estrela e formar, como Aragorn brincou; um buraco

negro?

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Não. Isso seria impossível. Nenhum buraco negro seria mais poderoso que o

buraco que havia se formado na minha alma pela falta de Jeziel. E esse buraco já estava em mim

há muito tempo. Não só agora, mas desde que havíamos nos separado. E eu sempre o senti.

Sempre senti esse vazio imenso, mesmo quando brincava, ou sorria. Mesmo quando Aragorn

me cercava de todo cuidado, mesmo quando eu pensava que poderia viver sem Jeziel. Eu na

verdade sempre soube que não havia nada... Nada pra mim sem ele.

E no auge do meu desespero, no ápice da minha dor, falei à frase que esteve

esperando em meus lábios para ser falada desde que o perdi.

- Leo!... Volta para mim!... Eu preciso de você. – Eu falava como se ele

pudesse me ouvir.

A dor não cessou como eu pensei que aconteceria se eu gritasse seu nome.

Um grito irracional rompeu do meu peito. A dor era grande demais, não podia

ser contida. Eu já não conseguia mais sufocar o que estava sentindo.

O general Euri abriu a porta do quarto apavorado.

- O que foi Melissa?! – Ele me olhou angustiado se detendo na porta.

Eu não me importei com ele, não me importei com nada. Gritei mais forte

tentando ser ouvida nos confins do universo.

- Leo! - Gritei entre prantos - Meu Leo... – Jeziel! – Gritei com toda força até

que se acabasse meu fôlego.

O general insinuou se aproximar, ele parecia assustado e sem saber o que fazer.

- Meu Deus... Melissa o que esta acontecendo com você? – ele me perguntou

aflito.

E eu nessa hora só chorava. De dor de desespero, de angustia, atormentada,

precisando desesperadamente de socorro.

Quando finalmente consegui me firmar sobre as pernas, olhei ao meu redor com

as vistas embaçadas pelas lágrimas e desconheci completamente aquele lugar. Ali não... ali não

era meu lugar. Olhei para o general que me olhava sem saber o que fazer, e percebi que ele não

poderia fazer nada pra me ajudar. Eu precisava sair dali. Eu precisava de um lugar que fosse

meu. Que me encaixasse, onde eu me encontrasse.

Saí correndo esbarrando nele quando passei pela porta e disparei pelas ruas. As

lágrimas embaralhavam minhas vistas e a dor no peito queria me fazer parar, mas só tinha um

lugar que eu sabia que iria me trazer conforto para tanta dor e continuei correndo até lá.

Cheguei ofegante na casa onde Aragorn estava se recuperando. Entrei sem

bater pegando de sobressalto os gêmeos que estavam ali, e me atirei sobre a cama improvisada

de Aragorn procurando por seus braços protetores e confiáveis.

Ele acordou assustado, me olhou preocupado, mas me envolveu

carinhosamente afagando meus cabelos. Enfiei meu rosto escondendo-me em seu abraço e

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chorei copiosamente. Ele não me falou para parar, nem me perguntou o que estava acontecendo.

Só manteve seus braços ao redor de mim.

Quando o choro cessou, Aragorn já estava a par do que me ocorrera através de

meus pensamentos.

- Calma garota. Foi só um sonho. Já passou e você esta aqui comigo.

Suas mãos passavam delicadamente em minhas costas para me confortar, mas

a imagem de Leo não saía da minha mente.

No sonho Jeziel estava triste, seus olhos demonstravam dor, era tanta angustia

que via nele que me deixava desesperada. Eu queria que a imagem sumisse de meus olhos e

como se Aragorn tivesse poder para fazer com que o que eu via desaparecesse me agarrei ainda

mais nele.

Algo estava acontecendo comigo além da angustia pelo pesadelo. Comecei a

sentir muito frio, Aragorn me aninhou mais me enrolando em seu cobertor, mas o frio não

passava. Sentia meu queixo bater e a respiração entrecortada passar pelos meus dentes que se

chocavam uns nos outros. Aragorn colocou a mão em meu rosto e ergueu seu corpo virando

meu rosto para ele.

- Melissa?!...

Eu ouvi sua voz, mas estava com frio de mais para responder ou abrir os

olhos.

- Melissa? – Ele tentou novamente – Sua pele esta pegando fogo. – Ele

constatou assustado.

Eu devia estar com febre.

- Chame o pai dela urgentemente – Ele falou com um dos gêmeos que estava

ali.

Num gemido baixo Aragorn se colocou sentado ao meu lado na cama. Me

senti culpada por estar privando ele de seu descanso, mas estava me sentindo mal de mais para

reagir.

- O que esta acontecendo com ela? – Perguntou o outro gêmeo.

- Não sei. Mas nunca vi alguém tão quente assim. – Aragorn respondeu

preocupado. – Prepare um banho frio. Acho que pode ajudar.

Eu não podia vê-lo mais podia sentir seu olhar preocupado sobre mim.

- Melissa! – O general Euri bradou assustado assim que passou pela porta. Ele

colocou a mão sobre minha testa sondando minha temperatura. – É febre – Ele falou assustado.

Eu tinha acertado meu diagnóstico.

- Febre? – Aragorn perguntou confuso.

- É o mesmo princípio de nosso corpo reagir a uma dor ou doença só que ao

invés de esfriar ela esquenta. – Respondeu o general.

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- O que podemos fazer? - Perguntou o gêmeo.

- Encontrar um remédio. – Falou a irmã dos dois.

- O que provocou isso nela? - O outro gêmeo perguntou.

- Ela esta com o emocional abalado, isso também pode provocar febre. – Disse

o general – Ele é muito suscetível as suas emoções.

- Nós vamos ficar especulando enquanto ela arde, ou vamos fazer alguma

coisa? – Falou Aragorn irritado.

- Não sei se em Andaluz terá um remédio para isso.

- O banho esta pronto – Avisou um dos irmãos.

Aragorn se levantou com dificuldade e me pegou em seus braços. Eu não

queria que ele fizesse isso, sabia que ele estava fraco e me carregar só pioraria as coisas.

- O que vai fazer? - Perguntou o general cismado.

- Se ela esta queimando a água pode abater o fogo.

Abri meus olhos para repreendê-lo. Ele estava fazendo muito esforço para me

carregar, e quando olhei seu rosto vi o rosto de Leo.

- Leo?! – Gemi baixinho – Meu Leo?

Mas o Leo que eu via não me respondeu.

- Ela esta delirando. – Disse o general – Depressa!

Senti meu corpo sendo mergulhado com roupa e tudo numa banheira de água

gelada.

Eu estava com muito frio. Não ia suportar ficar ali.

- Meus dentes bateram mais fortes de frio. Eu queria que eles me tirassem dali, mas o

que me restava de força estava indo embora. Senti meu corpo escorregar pela banheira e

Aragorn me sustentou em seu braço.

- Deixa que eu faço isso – O general devia estar achando a atitude de Aragorn íntima

de mais pois na voz dele não havia preocupação e sim ciúmes. Eu queria poder protestar contra

o general, mas minha fala agora tinha se perdido. Aragorn respondeu por mim. Talvez ele

estivesse conseguindo ler meu pensamento.

- Não. Me desculpe, eu cuidei dela até aqui e vou continuar cuidando.

Ouvi o respirar emburrado do general. Aragorn molhou meu rosto e meus cabelos. E

me retirou da água. Fui carregada de volta a cama.

- Arrume roupas secas para ela. – Falou Aragorn enquanto arrancava as minhas peças

molhadas.

- Você vai despi-la? – Protestou o general.

- Quer que a deixe ensopada? Ela tem que se aquecer agora.

- Mas você é...

Aragorn o interrompeu.

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- Não acha que vou me aproveitar dela nesse estado?

- Eu não gosto disso. – o general falou aborrecido.

Aragorn não respondeu, mas eu o conhecia bem de mais para saber que sua expressão

não deve ter sofrido uma só alteração.

- As roupas. – Falou um dos gêmeos.

- Agora me dêem licença, por favor. – Ouvi dois pares de passos caminhando para

porta.

- General, O senhor também. – Os passos pesados e mal humorados do general Euri

foram ouvidos por mim, mesmo do lado de fora da casa ele devia estar quase marchando.

- Melissa, você pode me ouvir? – Eu podia ouvi-lo, cada palavra, mas não conseguia

me mover nem falar. – Vou colocar roupas quentes em você. Você vai ficar boa logo.

Foram as últimas palavras dele que ouvi. Um breu foi invadindo minha mente em

forma crescente e com ele percebi que devia estar sonhando. Ouvi várias vozes apesar de não

conseguir ver nada. E reconheci uma delas de imediato chamando pelo meu nome.

- Mel?!...

- Leo?! - Gritei no meu sonho – Onde você esta?

- Mel, minha vida.

- Leo... – Eu o chamava, ele não parecia me ouvir.

- Minha vida, você é minha vida Melissa... não me deixe, por favor – A voz dele

carregava uma dor contida.

- Eu estou aqui Leo.

E a voz dele desapareceu no ar. Ou melhor, tudo desapareceu.

Durante um longo período, não ouvi mais vozes nem a dele nem a da minha própria

consciência. Tudo era escuro sem ao menos um mínimo lampejo de luz. Mas percebi que eu

tinha ficado dias naquele estado quando a primeira voz que voltei a ouvir foi a de Aragorn.

- Já fazem três dias que ela esta assim. Não da mais para esperar que ela melhore

sozinha. Temos que fazer alguma coisa.

- Não há remédios para ela aqui. – Disse um dos irmãos – Ela não é uma de nós. Não

temos o que fazer.

- Que tipo de curandeiros são vocês? – Perguntou Aragorn irritado.

- O tipo que cuida do povo dessa dimensão. – Responderam eles juntos como um

coral.

- Ela é metade de nós. – Argumentou Aragorn.

- Mas nada do que fizemos até agora parece estar funcionando. - Falou um deles –

talvez um de nós devesse falar com o general para que alguém buscasse no mundo dela o

remédio que ela precisa.

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Ouvi a porta se abrir.

- General! - Os gêmeos falaram juntos novamente.

- Como esta Melissa? – Ele perguntou preocupado.

- Ainda na mesma. - Respondeu Aragorn.

Senti a beira da cama se afundar. Alguém se sentou nela. Uma mão que não me era

familiar passeou pelo meu rosto. Uma mão mais grossa áspera e mais pesada que a de Aragorn.

Percebi que era a mão do general quando ele falou perto de mim.

- E você como esta? – Perguntou o general a Aragorn.

- Estou bem, minha preocupação é ela agora.

- Ele não dormiu general, fica a noite inteira velando Melissa. – Falou um dos gêmeos.

– Daqui a pouco serão dois doentes para cuidarmos.

- Não se preocupem comigo. Se preocupem em encontrar uma cura para Melissa.

- Reaja minha filha, você é forte, você consegue. Você conseguiu até agora. Então

lute. – O general se dirigia a mim.

- Precisamos ir ao mundo dela buscar um remédio. – Aragorn falou decidido.

- O remédio para ela não esta em seu mundo.

- Como é? – Falou Aragorn.

- Não há nenhum remédio que possa ajudá-la. Eu já sei o que esta acontecendo com

Melissa.

- Então me diga! – Falou Aragorn exasperado.

- Ela esta morrendo.

- O que? E você fala isso assim? Que espécie de pai é você? – O general Euri foi

arrancado da beira da cama violentamente. E eu conhecia Aragorn bem de mais para saber que

ele devia ter pegado o general pelo colarinho.

- Calma soldado, você pode se complicar me atacando desse jeito. Só não te ponho em

prisão por causa de Melissa.

Eu estava morrendo? Isso parecia tão ilógico. Certo que eu não podia movimentar meu

corpo, mas minha mente estava funcionando muito bem. Eu os estava ouvindo e podia sentir

também. Eu não podia estar morrendo. Ele estava enganado.

- Tem um curandeiro que eu conheço, e que conhece Melissa também. Erzoul um

amigo meu. Ele é muito bom no que faz, já cuidou de mim várias vezes.

- Temos dois curandeiros aqui. – Falou o general.

- São duas crianças. – Rebateu Aragorn.

- Eles tem o dom, já cuidaram de vários soldados feridos.

- Erzoul tem a experiência que só o tempo concede. – Argumentou.

- Não acho que vá adiantar.

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- Algo tem que adiantar, seja onde for ou o que for eu vou fazer. Mantive ela viva até

hoje. Não vai ser agora que vou desistir dela.

- Suas palavras me comovem, mas não temos o que fazer.

- Porque acha que ela esta morrendo?

- Por causa de seus poderes.

- Explique.

- Meu jovem, eu sei que gosta de Melissa...

- Eu a amo. – Interrompeu.

- Sim, você a ama, mas nada que você faça vai mantê-la ao seu lado. Nem ao meu. –

sua voz estava embargada. - Esperei tanto tempo para ver minha menina, minha filhinha, e

quando a vejo vou perdê-la. Não consegui nem mesmo me entender com ela. – Ele se sentou

novamente ao meu lado. Reconheci desta vez sua mão áspera na minha.

- Você não me disse ainda porque ela esta morrendo.

Ouve um silêncio.

- Eu tentei avisar a ela. Melissa nunca quis me ouvir. Não posso ter absoluta certeza,

mas acho que... – Falou o general sendo interrompido por Aragorn.

- Diga logo de uma vez. – Bradou Aragorn.

- Creio que os dons dela estão tentando romper. Evoluir. Mas para ela não é tão

simples como para nós. Além de ela ser muito teimosa e não aceita-los, ela os reprime, os

rejeita. Os sufoca, e eles tem se acumulado de forma perigosa dentro dela. Melissa tem sofrido

fortes emoções nesses últimos dias. Suas emoções a deixam vulnerável e como você mesmo a

conhece, ela não controla o que sente, ela esconde, mas não os controla. Seus poderes

precisavam se desenvolver para protegê-la assim como nossos dons nos protege, mas ela é

muito frágil pra suportar, e por ela não pertencer ao nosso mundo, por ela ter somente metade

das características de Andaluz, Não há energia suficiente nela para que seus dons encontrem

uma válvula de escape. Melissa tinha que ter levado a sério seus poderes. E como seus dons não

desenvolveram para dar-lhe força, eles estão agindo de forma inversa. Ela esta sendo sugada por

eles. A cada emoção que a magoa, a cada dor ela se torna mais fraca para suportar o poder que

esta nela. Ela precisaria ter força para liberar esse poder e assim não ser sucumbida por ele. Mas

o golpe da morte de Jeziel, foi grande de mais para ela. A enfraqueceu mais. Ela não consegue

superar, e com a dor, a força dela esta se esvaecendo e por isso a mínima alteração em seu

emocional é como um veneno em seu organismo. O sonho que ela teve desencadeou de vez o

processo.

- Isso é ridículo. Ela estava muito bem há alguns dias atrás. Por um bom tempo ela

pranteou a morte dele sim, mas ela já estava bem. Não aceito essa sua teoria. – Aragorn

reclamou.

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- Você sabe que tenho razão Aragorn. Sabe que ela teria que desenvolver seus dons,

mas assim como eu você pensou que teríamos um pouco mais de tempo. Mas me enganei. Os

dons dela são ligados ao seu emocional e depois de tudo que ela passou, estou admirado que ela

tenha agüentado tanto tempo. Com certeza a mania que ela tem de evitar pensar em seus

problemas e abafar suas emoções, tenham contribuído como um escape. Mas essa ultima

emoção... sonhar com Jeziel, foi demais.

- Eu não vou deixar isso acontecer. Melissa não vai morrer. – Aragorn falou

perturbado.

- Eu sinto muito. – Lamentou o general.

- Não, você não sente. Você só se preocupa com Andaluz. Ela é sua filha. Você não

pode simplesmente cruzar os braços.

- Não há o que fazer.

- Se ela precisa de poder para sobreviver eu dou o meu a ela.

- E você ficara sendo metade do que é.

- Não me importo. Eu serei muito menos que metade se perdê-la.

- Você faria qualquer coisa por ela não é mesmo? – Falou admirado.

- Tenho tentado deixar Melissa desde o primeiro dia que a vi. A cada segundo da

minha vida eu quero me afastar dela, mas em cada um dos mesmos segundos eu preciso estar

com ela desesperadamente.

- Ela é sua rainha, ainda que não soubesse é natural sua devoção a ela, principalmente

porque você é um protetor.

- Cordomad é o rei de Andaluz e não tenho a menor devoção por ele. Se pensa que é

por isso que amo Melissa...

- Ele não é rei de fato, ele usurpou o trono assassinando o rei. Ele não tem a realeza

em sua vida, só trevas e malignidade. Por isso ele quer tanto a coroa. Para obrigar o povo de

Andaluz a devotá-lo.

Eu ouvia tudo aquilo sem poder me mover. Suas vozes exasperadas, às vezes

angustiadas e cansadas. Sentia o general ainda segurando minha mão, e apesar de não conseguir

ver sabia que os olhos de ouro de Aragorn estariam aflitos em mim.

- Com licença general.

Senti o general sendo puxado da cama.

- O que vai fazer?

Vou levar Melissa até Erzoul. Ele saberá o que fazer para transferir meus poderes a

ela.

- Aragorn isso é loucura. Ela não é como nós. Pode não reagir como o esperado. E

você vai acabar tão fraco quanto ela ou se matando.

Senti os braços de Aragorn me erguendo da cama.

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- Eu não vou ficar aqui parado.

- Você não esta bem para atravessar o portal. Precisamos encontrar outra solução.

- Talvez ela só precise extravasar esse poder colocar para fora. – Falou um dos

gêmeos.

- E você pode me dizer como ela faria isso no estado em que esta? – Aragorn falou

irritado.

Ele começou a andar comigo em seus braços.

- Aragorn, você não pode sair com Melissa do arraial, Cordomad esta atrás dela.

- Tente me impedir. - Desafiou

- Eu não quero brigar com você.

- Será que você não vê que... – Aragorn interrompeu o que iria falar e parou de

caminhar para a porta.

- O que foi? – Perguntou o general reparando quem sabe na mudança do semblante de

Aragorn.

- Uma voz... Essa voz fala comigo todos os dias eu não sei de quem é e não consigo

saber o que quer. É uma voz de mulher.

- Não consegue vê-la?

- Me parece estar distante demais para eu poder alcançá-la.

- Ou esta sendo bloqueada. – Sugeriu o general.

- Pode ser.

- O que ela diz?

- Sempre fala de Melissa, que eu não devo deixá-la, como se eu precisasse desse

conselho. E ela tenta falar mais alguma coisa, só que eu não consigo entender.

- Tente encontrá-la, tente vê-la, pode ser a ajuda que estamos procurando.

- Ou pode ser uma armadilha para pegar Melissa. Eu não vou arriscar.

- Se fosse Cordomad que estaria atrás de você eles já estariam aqui. Use os braceletes,

Eles podem ajudar.

- General... – Aragorn falou apreensivo.

- Pode ser a salvação para Melissa! – Ele estava esperançoso.

Com essa palavra do general Aragorn voltou e me colocou delicadamente sobre a

cama.

- Eu vou tentar – disse Aragorn – mas se não der certo, eu irei com Melissa até Erzoul

e ninguém vai me impedir.

- Tudo bem – concordou o general.

Não pude ver o que Aragorn fez, mas o silêncio perdurou por algum tempo dentro da

casa. Um clima de tensão estava perceptível no ar.

- E então, esta vendo alguma coisa?

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- Estou vendo o calabouço do castelo, eu conheço bem este lugar já estive lá levando

prisioneiros para Cordomad.

- E o que mais?

- Tem uma pessoa sentada no canto voltada para a parede. É uma mulher de cabelos

longos cacheados e claros.

- O que mais? – o general perguntou ainda mais interessado.

- Não dá para ver mais nada. Ela parece estar chorando.

- Fale com ela, tente ver seu rosto. – O general estava ansioso. – Veja se ela pode te

ouvir.

Mais um tempo de silêncio.

- Ela pode me ouvir. – Falou Aragorn admirado.

- E então?

- Ei vi seu rosto e seus olhos são dourados com os meus, é como se eu estivesse

olhando meus olhos no espelho.

O general deu uma risada alta.

– Eu sei quem é. Pergunte seu nome só para ter certeza.

Mais um tempo de silêncio.

- Ela esta com medo, com muito medo – A voz dele era comovida.

- Fale de mim para ela, diga que estou aqui.

Outro tempo de silêncio.

- Tamala, seu nome é Tamala. Aragorn respondeu ao general. - A visão se foi.

- A profetisa, é mesmo ela. Ela esta viva. Isso é muito bom. – o general falou

empolgado.

- Profetisa? Ela é muito jovem para ser uma profetisa não deve ser cinco a seis anos

mais velha que Melissa.

- Ela é jovem, mas tem o dom desde que nasceu, mesmo criança ela já profetizava.

Ainda pequena foi ela que me encontrou caído no meio da floresta ferido pelos soldados de

Cordomad. Ela profetizou a cerca de Melissa e também abriu o portal para que eu escapasse

para a outra dimensão. Seus dons sempre foram muito desenvolvidos. Por isso, mesmo

aprisionada por Cordomad e seus feitiços ela conseguiu comunicar-se com você. Mas porque

logo você?

- É. Porque eu? – Aragorn perguntou cismado.

- Ela devia ter se comunicado com um de nós. Comigo. Tem alguma coisa ai!- o

general falou intrigado.

- Não quero saber. Só o que me interessa é se ela tem condições de ajudar Melissa.

O que não me pareceu ser muito provável. No momento ela esta precisando de ajuda.

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- Se alguém tem a solução para Melissa esse alguém é ela. Talvez precisemos

ajudá-la primeiro.

- Como?

- Resgatando Tamala da prisão.

- Impossível. Você esta falando do calabouço no castelo de Cordomad? Ninguém

entra lá e ninguém sai de lá.

- Você já esteve lá, sabe como entrar e como sair. – Lembrou o general.

Aragorn deu uma risada irônica.

- Talvez por isso ela contatou você. Por saber que você poderia entrar lá.

- Isso é uma armadilha. Ela pode ter sido corrompida por Cordomad. Nós

conhecemos bem os poderes dele.

- Duvido muito. Isso é a solução para salvarmos minha filha da morte. Melissa não

tem muito tempo. Temos que descobrir se Tamala pode fazer alguma coisa.

- Como ela foi parar lá?

- No dia em que Ernest entrou em contato com ela para salvar a vida de Jeziel na

dimensão de Melissa, a feiticeira Erkas encontrou sua localização. Esperou que ela abrisse o

portal e a prendeu. Enviou em seu lugar sua filha Raika se fazendo passar por uma segunda

herdeira minha para enganar e seduzir Jeziel. O resto da história você já conhece, e desde então

Tamala é feita prisioneira de Cordomad e de Erkas por causa de seus poderes. Erkas planeja

sugar todos os dons de Tamala e se fazer mais forte. Se eles ainda não a mataram é porque

Erkas ainda não conseguiu fazer o que pretendia e devem estar esperando pela coroa de Melissa

para realizar o feito.

- E o que aconteceria se eles conseguissem?

- Os poderes de Erkas se multiplicariam sobrenaturalmente somados aos poderes

sugados de Tamala e da coroa, então ela, Raika e Cordomad dominariam Andaluz eternamente.

Sem nunca mais encontrarem um opositor a altura. Poder total para eles. Por isso é tão

necessário tirarmos ela de lá.

- E Melissa?

- Tamala saberá o que fazer para ajudá-la.

- Eu quero saber agora.

- Talvez aja um paliativo. Tente se comunicar com ela mais uma vez explique a

situação. – Falou general Euri.

Mais uma vez o silêncio tomou a casa com exceção de uma batida incessante de um pé

ansioso no solo esperando por uma reposta.

- Nada. Ela não consegue, esta muito fraca.

- Deixe-a descansar um pouco e tente novamente.

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Eu que precisava descansar agora. Apesar de estar deitada e imóvel sobre a cama, toda

aquela conversa e o clima tenso me deixaram exausta.

Minha mente foi se desligando das vozes ao meu redor que continuavam discutindo

uma forma de resgatar Tamala e mergulhei num sono profundo. Um sonho me trouxe de volta a

consciência.

Num quarto todo espelhado pude ver Jeziel deitado numa espécie de altar de pedra.

Vestido todo de branco tão imóvel quanto eu. Sua pele estava tão sem cor quanto o tinha visto

quando ele estava doente em meu mundo.

Olhei surpresa ao meu redor e via o reflexo do corpo de Jeziel em cada espelho

daquele lugar, mas não via minha imagem. Não havia nada além daquela pedra fria de mármore

onde jazia o corpo de Jeziel naquele lugar.

Caminhei em meu sonho até ele. Olhei com tristeza para seu corpo sem vida e toquei

em seu rosto lindo. Mesmo imóvel ali ele continuava sendo a pessoa mais linda que já vi.

Deslizei minha mão de seu rosto frio até a altura de seu coração na esperança de que

pudesse sentir que ele ainda batia. Mas não havia nenhum sinal de vida.

- Leo... – Sussurrei seu nome com minha mão sobre seu peito silencioso. Novamente a

dor em meu peito pela perda dele tentou me sufocar. E imaginei que se realmente eu estivesse

morrendo, seria bom pra mim. Eu não ia suportar sonhar todos os dias com Jeziel. Era demais. E

muito pior agora que meu sonho me fazia vê-lo morto.

Sem que eu permitisse, as lágrimas começaram a descer por meu rosto. Com a mão

ainda sobre o peito sem vida de Jeziel, comecei a implorar que eu acordasse daquele sonho.

A dor angustiante da luz querendo ter forças para romper em mim quase me fez

desaparecer mais uma vez na escuridão. Mas de repente algo aconteceu.

Debaixo da minha mão um calor começou a surgir. Fiquei espantada e tentei erguer a

mão para ver se aquele calor vinha da minha mão, e antes de conseguir tira-la a mão direita de

Leo segurou a minha sobre seu peito.

Assustada olhei para seu rosto que continuava parado, somente sua mão parecia ter

forças para segurar a minha. Eu estava apavorada, mas era Leo eu não devia temer se ele

segurava minha mão, mesmo que fosse num sonho eu não devia evitar. Pousei a outra mão

sobre a dele e o calor aumentou sobremaneira. Estava quase insuportável, mas a mantive ali.

- A febre esta voltando! – Alguém falou sobressaltado longe de mim.- e mais forte

agora.

- Melissa!? - A voz de Aragorn me chamou apreensivo.

Vozes me circulavam afoitas e preocupadas, eu não via nada além de Leo na minha

frente.

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- Melissa! – Aragorn gritou angustiado. Eu não sabia o que estaria acontecendo

comigo fora do sonho. Eles pareciam apavorados.

- Leo – Eu falei ainda segurando sua mão entre as minhas. O brilho azul de Leo que a

tanto tempo eu não via brilhou entre meus dedos. Minha pele também começou a brilhar e meus

olhos começaram a arder. Eu já tinha tido essa sensação, eu sabia exatamente o que era. E ao

ver que Leo começava a se aquecer busquei dentro de mim mais forças. Concentrei toda minha

energia sobre ele. Eu sentia como se algo em mim estivesse sendo sugado por ele e começava a

me sentir fraca como se ele estivesse levando minha própria vida. A atmosfera ao nosso redor

começou a se transformar o reflexo prateado dos espelhos passaram a ofuscar minha vista se

misturando com o brilho azul que começava a surgir fraco na pele de Jeziel e eu estava ficando

mais fraca. Mal conseguia me manter de pé ao lado da pedra, mas a mão de Jeziel ainda me

segurava.

- Ela esta morrendo! – A voz de um dos gêmeos ecoou num túnel.

Realmente senti meu corpo passar do fogo para o gelo de um segundo para o outro. A

minha luz que agora brilhava fraca era totalmente drenada para dentro do peito de Leo

enfraquecendo em mim e se fortalecendo nele.

Eu estava morrendo. Eu sentia isso. Não entendia o sentido desse sonho, E se pudesse

ainda fazer algo por Leo eu faria, e se tivesse que morrer para isso não me importaria. Eu o

amava demais para querer viver sem ele. E se a parte que restava de mim estivesse sendo

requeria por ele agora eu a entregaria sem resistência. Que fosse dele tudo em mim, pois minha

vida já pertencia a ele. E minha própria alma gritava por isso agora.

- O coração dela esta fraco. – Aragorn falou desesperado.

Eu queria poder dizer a ele que se acalmasse, que eu estava bem. Que a dor estava

passando. E que para onde quer que eu fosse agora eu iria estar bem. Ele não iria me ouvir.

A dor realmente passava à medida que eu enfraquecia ainda mais e minha luz ia

desaparecendo.

Eu estava morrendo.

Aragorn falava meu nome e devia estar comigo em seus braços pois eu ainda ouvia a

voz do general dizendo que ele não poderia me tirar dali.

Eu sabia que Aragorn estava sofrendo e isso começou a me angustiar. Era questão de

minutos para que eu sucumbisse completamente e a voz de Aragorn ecoava naquela sala.

Querendo me fazer recuar.

- Melissa, não faça isso comigo, você não pode morrer. – Me pareceu que ele estivesse

chorando, nunca o vi chorar. – Melissa não se entregue. Fique comigo, volte para mim.

Aragorn me amava. Eu sabia disso. E estava desesperado ao pensar em me perder. Eu

sabia a dor que sentia por ter perdido o homem que eu amava e não gostaria de compartilhar

essa dor com ninguém muito menos com Aragorn que eu também amava.

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Eu tinha sido tão injusta com ele desde o começo. E estava sendo injusta novamente

não querendo viver para estar ao lado dele. Minhas forças se esvairiam de vagar. Eu olhava para

Leo morto e sugando o que me restava de vida e ouvia Aragorn desesperado tentando me salvar.

A dor de Aragorn me perturbou sobre maneira. E de repente não sabia o que fazer. Se

eu tirasse as mãos de Leo agora era provável que me restasse o mínimo de força para voltar

deste sonho.

Eu tinha pouco tempo para escolher entre sucumbir com Leo para o mundo da

eternidade ou voltar para Aragorn e tentar sobreviver.

- Melissa volte... Por favor volte –Aragorn clamava.

No momento em que percebi que essa era à hora da minha escolha, que me faltava

pouco tempo, me lembrei da conversa que tive com a Senhora Luna.

- Sra. Luna, como teve a certeza de qual escolher?

- O amor tem que vencer o amor. O amor tem que vencer a si mesmo. Para se ter o

que é verdadeiro tem que se escolher entre os outros.

- Outros amores falsos?

- Não querida, os amores nunca são falsos. Só mudam de intensidade.

As palavras dela pela primeira vez fizeram sentido para mim. Eu entendia agora o que

ela estava me dizendo.

- Dizer que um amor é verdadeiro ou não é um pouco presunçoso. Mas podemos

escolher entre o que fala mais alto em nossa vida.

Tinha chegado a hora de eu fazer a escolha do que falaria mais alto dentro de mim.

- É um amor diferente que sinto por Aragorn. Não é como o que sinto por Jeziel. Com

Aragorn me sinto protegida, confiante, segura. Mas Jeziel me faz sentir como se minha vida

dependesse dele. Minha alegria, meu respirar, o bater do meu coração anda no compasso do

dele. Jeziel é parte de mim.

- Mas tem outra parte de você que quer o que esta em Aragorn. São sentimentos

diferentes. E tão confusos, e tão fortes...

Eu me lembrava palavra por palavra do que dissera a ela.

- Melissa! – O grito angustiado de Aragorn fez meu coração doer dizendo que eu não

devia deixá-lo. E minha mente me dizia que era estupidez o que eu estava fazendo. Abrindo

mão da minha vida desse jeito por um amor que eu não poderia mais viver com Jeziel.

- ...Você terá que ouvir a voz que falar mais forte em você. – A lembrança da voz de

Sra. Luna me fazia refletir enquanto meu tempo se esgotava.

- Sra. Luna, meu coração fala uma coisa minha razão fala outra. Eu não sei a quem

ouvir.

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- Há algo mais forte que a razão e o coração. Quando ambos parecem não ter

sentido, quando o coração parar de bater, Quem respondera pelos dois? Só aí terá a resposta

certa para todas as escolhas. Ouça além do coração, além da razão.

Eu já sabia qual era a resposta, eu sabia qual a minha escolha auxiliada pela lembrança

das palavras de Sra. Luna.

- Lembre-se Melissa, quando o coração se confunde e a mente perde a razão quando

a vida se acaba, ainda há algo mais forte que responde por todos eles. É a única coisa que tem

a resposta certa para todas as suas dúvidas.

- Eu não sei o que pode ser mais forte que tudo isso.

- Você vai saber, e sua escolha vem dela. Está impregnado nela.

Era da alma que Sra. Luna falava. A alma tem força para viver além da vida e ela tem

a melhor compreensão do que é verdadeiro e forte. A escolha estava impregnada realmente em

minha alma.

Eu amava Leo demais para querer viver sem ele. Como se minha vida fosse pesada

demais para carregar sem ele. Diante de mim estava o conforto e o consolo. O que minha alma

mais queria agora era ser dele por completo. Se entregar por ele. Agora e eternamente.

Então finalmente aceitei meu destino.

- Ela parou de respirar... Melissa!...

O grito de dor de Aragorn foi a última coisa que ouvi antes de ver minha luz e minhas

forças desaparecer completamente.

Uma escuridão e um nada absoluto tomaram todo o meu ser.

...

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No próximo lançamento

Quando tudo parecia ter chegado ao fim, até mesmo a vida de Melissa, o inimaginável

aconteceu.

Melissa encontrou Jeziel através de um portal gerado por seus poderes. Ele não estava

morto. Raika havia mentido.

Ainda era prisioneiro no castelo de Cordomad, e Erkas havia drenado tanto de sua força

que ele mal conseguia se mover.

Melissa depois de ter pranteado seu luto por ele, mal podia acreditar que Jeziel estava

vivo e belo como sempre, bem diante de seus olhos.

O poder que de tão forte estava matando Melissa teve força suficiente para fortalecer

Jeziel e libertá-lo da prisão. Trazê-lo de volta para ela e dar-lhes uma nova chance

juntos.

Mas o poder de Melissa teria que ir além de seus limites. Teria que ser forte o suficiente

a partir de agora para conseguir derrotar Cordomad ou ela perderia Jeziel novamente.

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Prólogo

...Eu ouvia Leo e o general conversando e tudo que eu queria era que tudo fosse

um pesadelo. Eu queria acordar e me ver novamente em meu quarto para mais um dia

de aula tranqüilo e comum e encontrar com meu Leo me esperando na porta de casa

para me levar para a escola. Tudo era tão mais simples.

A mão de Jeziel retirou os cabelos grudados nas lágrimas em meu rosto.

- Não se preocupe. Esta tudo sobre controle. Eu não estou correndo risco Mel.

Verdade. Eu sei o que estou fazendo.

Me sentei na cama e o abracei.

- Não posso te perder. – Falei angustiada. – Não de novo.

- E você não vai... – Ele tentava ver meu rosto - Ei... Não confia em mim? Vai

dar tudo certo. Antes que você perceba estaremos livres de Cordomad e toda sua corja e

poderemos viver cada dia do nosso amor como se fosse eterno. É isso que você quer não

é? - Balancei a cabeça em seu peito. – Então é isso que terá. Eu te darei um conto de

fadas eterno. Um reino, um castelo, um rei, e te Farei a rainha mais feliz do mundo.

- Eu só quero você pra ser feliz.

Destino

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