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Brasília a. 37 n. 146 abr./jun. 2000 61 Prólogo To share or not to share, this is the problem1 . Com essa frase o célebre interna- cionalista iniciava sua obra, evidenciando claramente a grande questão que sempre envolveu as atuações conjuntas entre empresas ou empresários. Esse aspecto adquire ainda mais importância quando se trata das joint ventures. O século XX testemunhou o maior desenvolvimento experimentado pelo homem, muitas mudanças remoldaram a face do mundo e a habilidade imaginativa do ser humano alcançou limites nunca antes sonhados. A tão falada “aldeia global” é caracterizada pela grande apro- ximação de pessoas de todas as partes do mundo. Há facilidade de movimentação, transporte de cargas e passageiros, comu- nicação em tempo real e uma busca desen- freada pela tecnologia. Com essa possibili- dade de rápida troca de informações e imensa melhoria na malha de transportes, abriram-se mercados antes restritos a investidores distantes em virtude da falta de conhecimentos sobre os mesmos ou o alto custo, e perigo, de movimentação de O contrato internacional de joint venture Carlos Maria Gambaro Carlos Maria Gambaro é Bacharel em Direito, mestrando em Direito Internacional pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e bolsista FAPESP. Prólogo 1. Conceito de joint venture. 2. As origens do instituto. 3. Espécies de joint ventures. 4. A formação. 5. Contratação. 6. A saída de um co-venturer. 7. O órgão de gestão e controle. 8. A joint venture no Mercosul. 9. Conclusões. Sumário

O contrato internacional de joint venture · 2014. 10. 13. · venture, materializada a partir do contrato internacional de ‘joint venture’, não se preocuparam em estabelecer

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  • Brasília a. 37 n. 146 abr./jun. 2000 61

    Prólogo“To share or not to share, this is the

    problem”1. Com essa frase o célebre interna-cionalista iniciava sua obra, evidenciandoclaramente a grande questão que sempreenvolveu as atuações conjuntas entreempresas ou empresários. Esse aspectoadquire ainda mais importância quando setrata das joint ventures.

    O século XX testemunhou o maiordesenvolvimento experimentado pelohomem, muitas mudanças remoldaram aface do mundo e a habilidade imaginativado ser humano alcançou limites nuncaantes sonhados. A tão falada “aldeiaglobal” é caracterizada pela grande apro-ximação de pessoas de todas as partes domundo. Há facilidade de movimentação,transporte de cargas e passageiros, comu-nicação em tempo real e uma busca desen-freada pela tecnologia. Com essa possibili-dade de rápida troca de informações eimensa melhoria na malha de transportes,abriram-se mercados antes restritos ainvestidores distantes em virtude da faltade conhecimentos sobre os mesmos ou oalto custo, e perigo, de movimentação de

    O contrato internacional de joint venture

    Carlos Maria Gambaro

    Carlos Maria Gambaro é Bacharel emDireito, mestrando em Direito Internacionalpela Universidade Estadual Paulista (Unesp) ebolsista FAPESP.

    Prólogo 1. Conceito de joint venture. 2. Asorigens do instituto. 3. Espécies de joint ventures.4. A formação. 5. Contratação. 6. A saída de umco-venturer. 7. O órgão de gestão e controle. 8. Ajoint venture no Mercosul. 9. Conclusões.

    Sumário

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    produtos ou tecnologias. Em suma, assimcomo foram aproximadas as pessoas doglobo, os capitais e os empresários tambémo foram, passando estes a atuar além de seupaís ou região. Para tanto, procuraramrealizar associações com outros empre-sários, estrangeiros ou nacionais, de modoa concretizar os empreendimentos para osquais não dispunham de condições seatuando isoladamente.

    A globalização abriu as portas domercado mundial a todos os empresáriosque quisessem participar do comérciointernacional, mas estabeleceu restriçõesdas mais severas em relação à qualidadedos produtos a serem inseridos nessemercado. De nada adianta o empresáriopossuir capital excedente se ele não investirem bens ou serviços “de ponta”, queutilizem tecnologias avançadas e emconstante desenvolvimento. A demandapara tais produtos é cada vez maior,trazendo mais riquezas e prestígio aos quedetêm a tecnologia para sua fabricação.

    A joint venture vem resolver satisfato-riamente essa questão, propiciando aosempresários locais, que dispõem de verbase de um mercado ávido por consumirprodutos tecnologicamente superiores, apossibilidade de acesso à tecnologia,fornecida por outra empresa, detentora doknow-how da fabricação desse produto einteressada em expandir sua área deatuação, aproveitando-se de comodidadese facilidades que a co-venturer local podeoferecer.

    Para o estudo que se pretende empre-ender, não basta somente quantificar,qualificar e sistematizar as informaçõesconcernentes ao tema em vista, pois ele édecorrente do desenvolvimento econômi-co, político e social do mundo, mesmo queseus reflexos sejam mais palpáveis empaíses de economia forte. Isto é, a jointventure, como quase tudo o que existe nocampo jurídico-econômico, não nasceu dosestudos doutrinários ou filosóficos deoperadores do Direito. Ela é fruto da

    necessidade, mãe de todas as invenções, dese criar um mecanismo dinâmico e alta-mente flexibilizável, capaz de atender àsmais novas exigências do comércio regionale mundial, que surgem e se desenvolvemde forma assombrosa, bem como possibi-litar empreendimentos conjuntos e promo-ver a aproximação de empresas, antesafastadas, entre outros motivos, pelasdiferentes legislações nacionais.

    Como se pode observar pela leituradesta breve introdução, os criadores da jointventure, materializada a partir do contratointernacional de ‘joint venture’ , não sepreocuparam em estabelecer as basesdidáticas ou doutrinárias da instituição,apenas desejavam ter uma ferramentacapaz de resolver as novas questões que selhes apresentavam à medida que passavama atuar no mercado mundial.

    1. Conceito de joint ventureNascida para resolver questões de

    ordem prática, não tendo surgido, portanto,como produto de estudos pragmáticos, ajoint venture não possui um conceitodefinitivo e absoluto2. “Surgiu nos EstadosUnidos para ludibriar a proibição de queuma sociedade anônima fosse sócia de umasociedade de outro tipo, de responsabi-lidade ilimitada ou limitada”3.

    Trata-se de uma modalidade institu-cional recente, carecendo os estudiosos deexperiência. Na verdade, a tentativa deestabelecer um conceito preciso do que sejaa joint venture coube inicialmente à juris-prudência dos países da common-law. Dessaforma, a literatura juscomercialista atribuià expressão joint venture um significadoamplo, englobando todas as formas decolaboração empresarial internacional, semobservar a extrema vagueza das definições.

    Diante da inexistência de um conceitosatisfatório, os tribunais e doutrinadoresnorte-americanos passaram a defini-la pormeio de um “teste”, no qual, partindo docaso concreto, procuram identificar oselementos ditos caracterizadores de uma

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    joint venture4. São determinados uma sériede requisitos, alguns necessários, outrosfacultativos. Se presentes tais requisitos, ojurista pode afirmar, com alguma dose decerteza, que o caso em estudo é uma jointventure; caso esses requisitos não se façampresentes, não seria uma joint venture.

    Contudo, mesmo a impossibilidade deconceituar perfeitamente o instituto nãoimpediu os autores e tribunais norte-americanos de tentarem defini-la, conformese observa na obra do prof. Luis OlavoBaptista5: “uma combinação especial deduas ou mais pessoas que, em sua operaçãocomercial específica, buscam lucro, semqualquer sociedade (partnership) ou firma(corporate designation)”6. Uma outra defini-ção: “uma associação de duas ou maispessoas para produzir uma única empresacomercial (business enterprise) de fins lucra-tivos” 7. Ou ainda: “uma associação depessoas para conduzir uma empresalucrativa (business enterprise ) para cujaconsecução combinam a sua propriedade,dinheiro, bens, técnicas e conhecimento:cada participante é um mandatário dosdemais e cada um tem o controle dos meiosempregados para obter o fim comum”8.

    A prof.ª Maristela Basso9 considera que“as joint ventures são mecanismos decooperação entre empresas, que não têmforma específica, tendo em vista sua origeme seu caráter contratual: possuem naturezaassociativa (partilha de meios e riscos),podendo apresentar objetivos e duraçãolimitados ou ilimitados”.

    Uma definição interessante foi dada porFrederick Pearce:

    “uma joint venture é um acordocomercial no qual duas ou maispartes empreendem uma atividadeeconômica específica conjunta. Istonão significa que você venderá meusprodutos e eu pagarei uma comissão,tampouco significa que você com-prará meus produtos e os venderáaos seus clientes com lucro. Aspalavras importantes são: empreen-

    dendo atividade econômica conjunta-mente. É como um açougueiro e umpadeiro unindo-se para vendercachorros-quentes, o açougueiroprovendo as salsichas, e o padeiro ospães, e eles repartem os lucros” 10(grifo nosso).

    Luiz Olavo Baptista e Aníbal SierraltaRíos, na excepcional obra Aspectos Jurídicosdel Comercio Internacional11, trazem o enten-dimento de Gaspar Caballero Sierra12, queentende ser a joint venture

    “uma associação de duas ou maispessoas para realizar uma empresaisolada que implica um determinadorisco (venture), para o qual perseguemunidas um benefício, contudo semcriar sociedade ou corporação algu-ma, e para isto se combinam proprie-dades, capitais, trabalho, conheci-mento etc. No joint venture cadamembro atua como dono e comoagente dos demais membros, e porconseguinte a promessa de um equi-vale à promessa de todos. O execu-tado por um membro se entendeexecutado por todos e se presumeautorizado para realizar as atividadespróprias do joint venture. Todos osmembros assumem as perdas se-gundo a proporção convencionada,e suas obrigações se encontram limi-tadas à duração do próprio jointventure. Entre os membros se estabe-lece uma relação de mútua confiançae boa-fé, e enquanto a organização seencontre vigente não poderão reali-zar por sua própria conta aquelasatividades e atos próprios do jointventure, pois se assim procederemdeverão reintegrar ao fundo [daassociação] o que tiverem obtido demaneira particular”13.

    Na seqüência, os autores apresentam a suaprópria definição de joint venture:

    “é a associação de duas ou maispessoas naturais ou morais que sevinculam com o objetivo de realizar

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    uma atividade econômica específica,podendo aportar a tais propósitosativos tangíveis ou intangíveis quedeverão ser explorados unicamentevisando o objetivo específico docontrato ou em um lapso determi-nado. A essência deste contrato é oobjetivo comum das partes, quelimita sua ação, motivo pelo qual agestão do negócio involucrará umaação solidária sem que aquilo que fordecidido por um deles possa sercontradito pelo outro, se foi realizadoem cumprimento aos claros objetivosdeterminados no contrato. É, portan-to, um negócio onde a ação é deter-minada por dois ou mais empreen-dedores, sem o ânimo de formar umasociedade”14.

    O advogado Jayme Vita Roso entendeque

    “a joint venture é sempre uma asso-ciação de pessoas, físicas e/ou jurí-dicas, que se engajam, num negócioparticular, visando lucro, onde existauma verdadeira comunidade deinteresse, onde se repartam os lucrose os prejuízos, com possível direitode controle de uma das partes, tudopreviamente ajustado em contratoescrito”15.

    Um conceito literal poderia ser formu-lado: formada pela conjugação das palavrasjoint (articulação, junção, ligação, encaixe),e venture (risco, aventura)16, essas empresassão associações de duas ou mais empresas,que se vinculam com o objetivo de realizaruma atividade econômica específica,investindo capitais (“equity”), ou não (“nonequity”), que somente poderão ser utiliza-dos para esse fim comum. Para tal, ocorrea criação de uma entidade juridicamenteautônoma, com personalidade distinta dade seus fundadores (“corporate”), ou não(“non corporate”), em que as empresasprimitivas repartem os riscos e as decisõessão tomadas em conjunto.

    A palavra joint venture não possui umatradução para o português, tampouco

    existe aqui um instituto semelhante a essetipo de associação, de forma que a formu-lação de um conceito no Brasil é ainda maiscomplicada do que em outros países, que,por possuírem institutos parecidos à jointventure, tentaram identificá-la com aquelesjá existentes no ordenamento jurídicointerno. Mas, como veremos adiante, taltentativa de analogia também não conse-guiu resultados satisfatórios, pois a jointventure possui um caráter inovador, distan-ciando-se das formas de associação eregulação de interesses então tipificados.

    Diante da impossibilidade de determi-nar uma definição precisa o suficiente parao instituto da joint venture, parece que omelhor caminho, senão o único17 , paratipificá-las é atentar-se para os elementosque a caracterizam e, por meio da observa-ção nos casos concretos, verificar se estesse fazem ou não presentes. Além disso,utilizando-se esse processo será tambémfacilitado o exame do instituto do ponto devista comparativo, sendo menos tormen-tosa sua qualificação.

    2. As origens do institutoApesar de já existirem referências ao

    instituto da joint venture em julgadosdatados de 180818, os autores remontam osinícios deste, como é entendido atualmente,à segunda metade do século XIX e iníciodo século XX, quando as decisões dostribunais norte-americanos passaram aindicar uma tendência rumo à identifica-ção dos elementos que caracterizariam asrelações de joint venture. Pode-se indicar,entre outros, como precedentes “Bruce v.Hastings”, vt. 380 (1868); “Ross v. Willet”,27 N.Y., Supp., 785,786 (Ist. Dept. 1895);“Lobsitz v. E.Lissberger Co.”, 156 N.Y.,Supp. 556 (Ist. Dept. (1915); “Reid v.Shaffer”, 196 N.Y. Supp. 553, 561 (6 th Cir.1918); “Columbian Laundry v. Henken”,196 N.Y. Supp. 523, 525 (1 st Dept. 1922);“Finney v. Terrel”, 276 S.W. 340 (Tex. Civ.App., 1925)19.

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    No início, os juízes e estudiosos foramtentados a tipificar o contrato de jointventure, procurando adaptá-lo aos contra-tos associativos então existentes nosordenamentos jurídicos. Dessa forma, asjoint ventures foram comparadas às partner-ships do direito norte-americano, às filiaiscomuns, às sociedades de fato, às socie-dades por ações, ao consórcio (com ativi-dade externa), ou ainda a outras formasassociativas européias como a société enparticipation ou os groupements d’interêtéconomique, franceses.

    O prof. Luiz Olavo Baptista20 afirma,com propriedade, que as joint venturesdesenvolveram-se a partir das partnershipsdo direito anglo-saxão.

    “Segundo Mechem21 , a lei inglesanunca reconheceu a joint adventurecomo uma relação independente,mas freqüentemente referiu-se a elacomo uma particularized partnership,às vezes uma special partnership. Paraele, à luz dos casos ingleses, poder-se-ia conceituar a joint venture dodireito americano como uma partner-ship cujo objetivo fosse a realizaçãode um único negócio, ao invés darealização de muitas transações comoé o caso das partnerships”.

    Surgidas como instrumento alternativo,destinado a satisfazer as exigências eco-nômicas não englobadas entre aquelasdisciplinadas pela legislação das partner-ships, as joint ventures, contudo, perderam,nos anos 50, parcialmente sua importânciapara os operadores econômicos, diante datendência da jurisprudência de reconduzi-las às partnerships aplicando-lhes inte-gralmente o regime legal.

    A despeito dos traços em comum dasduas formas associativas22, tanto os estu-diosos como os tribunais norte-americanospassaram, cada vez mais, a vislumbrardiferenças nas essências dessas duasformas associativas e, com o passar dotempo, foram individualizando, cada vezmais, a joint venture a ponto de alcançar ototal desvencilhamento uma da outra23.

    Em “West Caldwell v. Bourough ofCaldwell”, a jurisprudência norte-america-na, seguindo opinião de Willinston 24 ,decidiu que os elementos essenciais de umajoint venture são: a) uma contribuição pelaspartes em dinheiro, bens, esforços, conheci-mentos, técnicas, ou outro valor econômico,para uma ação conjunta; b) um interessepatrimonial conjunto no objeto do empre-endimento; c) um direito ao controle mútuoou à gestão da empresa; d) expectativa delucro, ou a presença da adventure (aven-tura), como se diz; e) o direito de participarnos lucros; e f) usualmente a limitação doobjetivo a um simples empreendimento ouempresa ad hoc.

    3. Espécies de joint venturesApesar de não existir consenso acerca

    da definição do que venha a ser a jointventure25 , pode-se separá-la em diversostipos, segundo determinadas característicaspeculiares à criação e funcionamento daempresa.

    3.1. Joint venture nacional e internacionalA joint venture nacional é aquela consti-

    tuída por sócios de mesma nacionalidade.Como esses podem ser pessoas físicas oujurídicas, há que se verificar a nacionali-dade do co-venturer, pessoa física, ou o quedispõem as respectivas legislações internasdos países onde estejam situados, no casode pessoas jurídicas.

    A joint venture internacional é aquela naqual os co-venturers possuem nacionalidadedistinta.

    Tal diferenciação pode parecer simplese óbvia à primeira vista, contudo, a práticainternacional pode criar situações um tantoinusitadas que causam dúvidas quanto aesse tipo de classificação. Vejamos ahipótese em que dois sujeitos de mesmanacionalidade e residentes em paísesdistintos celebrem um contrato de jointventure. Nesse caso, apesar de o contratode joint venture ser internacional, teremosuma joint venture nacional, uma vez que a

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    classificação se baseia apenas no critérionacionalidade das partes. Por outro lado,se dois sujeitos de nacionalidades diversas,residindo em um mesmo país, celebraremum simples contrato de associação, quepode ser considerado joint venture, teremosuma joint venture internacional.

    3.2. Equity e non equity joint ventureA denominada equity joint venture é a

    empresa formada com a participaçãofinanceira de todas as partes. Isto é, osco-venturers associam capitais.

    Na non equity joint venture, alguma (oualgumas) das partes não contribui comcapital para a empresa.

    3.3. Corporate e non corporatejoint venture

    Na corporate joint venture, o contratoprevê a criação de uma pessoa jurídicadistinta dos contratantes.

    Também chamadas de joint venturescontratuais, nas non corporate joint ventures,a associação não dá nascimento a umaterceira empresa.

    Geralmente, as corporate joint venturessão utilizadas quando o empreendimentoa ser realizado requer grande volume decapitais, se o período de associação é muitolongo, ou o produto ou serviço a serexplorado demanda equipamentos oulocais (plantas) específicos, complexos, nãoencontrados com facilidade. Dessa manei-ra, será a finalidade da associação quedeterminará o tipo de joint venture a serescolhido, já que, em alguns casos, a criaçãode uma terceira empresa não é somenterecomendável senão necessária.

    Essa terceira empresa é autônoma, possuitodas as características legais exigidas porlei para o seu funcionamento, segundo omodelo escolhido pelos co-venturers (Ltda.,S.A. etc.). Contudo, não se pode considerá-la isoladamente, pois ela nada mais é queum meio para que os sócios – físicos oujurídicos – exerçam a atividade em conjun-to, estabelecida no contrato de joint venture.

    Em outras palavras, o acordo fundamentaldo empreendimento conjunto é o contratode joint venture. É lá que estão depositadasas vontades e objetivos dos sócios, quepodem ser criar ou aumentar a capacidadede suas empresas (co-venturers ), adquirirnovos mercados para os produtos dasempresas-mães , usar tecnologia desen-volvida ou adquirida pelas empresas-mães,angariar mão-de-obra para as empresas-mães etc. A empresa criada a partir daassociação dos co-venturers, em geral,servirá somente enquanto durar o empre-endimento objeto do contrato de jointventure e para dar-lhe efetiva execução.Uma característica que ressalta esse aspectode subordinação da terceira empresa estáem que os co-venturers, ao celebrarem ocontrato de joint venture, determinam, entreoutros aspectos, o modelo legal de socie-dade a ser adotado, os direitos de partici-pação que caberão a cada um dos sócios,os direitos de voto nas deliberações sociais,a prerrogativa de cada co-venturer deindicar o ocupante dos cargos administra-tivos na empresa a ser criada, a política dedistribuição de lucros e gerenciamento daempresa, e preferência dos co-venturers n ocaso de transferência de participação daempresa a terceiros.

    Não se trata, portanto, de mera subsi-diária ou filial, pois, inicialmente, é formadada associação de empresas distintas e seuúnico objetivo é garantir a operatividadedo contrato celebrado entre elas.

    3.4. Joint venture transitória e permanenteCaracterística atualmente relegada a

    segundo plano, o período estabelecido paraa execução do contrato de joint venturepermite diferenciar entre joint venturestransitórias – que possuem funcionalidadeatrelada ao tempo estritamente necessáriopara concluir o objetivo do contrato – e jointventures permanentes, que, apesar detambém atreladas ao contrato, em virtudeda espécie de empreendimento se tornamfuncionais por tempo indeterminado.

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    Como exemplo de joint venture transi-tória podemos citar a sociedade em contade participação e o consórcio. Por outrolado, um exemplo de joint venture perma-nente é a filial comum internacional.

    3.5. Filial comum internacional“A filial comum é uma sociedade

    cujo capital é detido por duas ou maisempresas independentes (chamadasempresas-mães) e cuja direção eco-nômica é exercida por elas conjun-tamente, qualquer que seja o quantumdas suas participações no capitalsocial… na filial comum o controleestável é exercido conjuntamente porduas ou mais empresas independen-tes, às vezes concorrentes em outrossetores econômicos e geográficos, ecuja cooperação pode, algumas ve-zes, também ser limitada no curso dotempo”26 .

    Observa-se que a filial comum interna-cional é uma modalidade de corporate jointventure, tendo como característica básica apeculiaridade das partes que, atuantes emum mesmo ramo empresarial (participemou não do mesmo grupo de empresas),unem forças para estabelecer um centro denegociação e atividades em um mercado noqual estas sentem não ter forças paracompetir isoladamente. No mais, essa filialsegue em tudo a terceira empresa citadaquando discorremos acerca da corporatejoint venture.

    Finalmente, cabe ressaltar que AndreaAstolfi faz uma curiosa distinção entre doistipos de joint ventures, levando em consi-deração a situação econômica e política dospaíses dos contratantes. Dessa maneira,teríamos que

    “enquanto nos países de economiaavançada o recurso a esta forma decolaboração industrial [joint venture]está essencialmente motivado pelaoportunidade de realizar concentra-ções por coordenação, nos países emvias de desenvolvimento seu empre-

    go está freqüentemente imposto pelaidentificação de um aspecto de con-vergência entre a necessidade dosempresários ocidentais de acercar-sea novos mercados e de garantir oaprovisionamento de matérias-pri-mas essenciais, e a vontade políticados países em vias de desenvolvi-mento de manter uma parcial dispo-nibilidade dos recursos nacionais,obviando, ao mesmo tempo, o pró-prio atraso tecnológico e gerencial”.

    Dessa maneira, continua,“é possível, em uma primeira apro-ximação, diferenciar a relação de jointventure de caráter voluntário, cujaestipulação está motivada, de modoexclusivo, por precisas oportuni-dades econômicas, daquelas queindicaremos como necessárias en-quanto representam o único instru-mento jurídico do qual os operado-res estrangeiros se podem valer paraoperar em certos mercados” (grifosnossos)27.

    4. A formaçãoUm dos momentos cruciais para a

    futura criação e bom funcionamento deuma joint venture é a fase preliminar ou fasede formação. É nesse momento que oempresário, em face da realidade de suaempresa, decide buscar um outro empre-sário para, conjuntamente, executarem oempreendimento. Aqui é o momento detomar as decisões corretas para plantar asemente que germinará na associação.

    Entre as várias questões a serem consi-deradas pelo empreendedor, as maisimportantes são:

    a) inicialmente o empresário deveproceder a uma pesquisa de sua própriaempresa e verificar as condições em que elase encontra para depois decidir se é viávele interessante ao seu negócio a associaçãocom um estrangeiro;

    b) deve o empresário determinar quaissão exatamente os objetivos a serem

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    alcançados com a união, bem como asmotivações que levam a empresa a unir-seà outra;

    c) qual o melhor meio de alcançar essesobjetivos;

    d) qual o melhor parceiro para a asso-ciação.

    Trataremos desses temas separadamente.

    4.1. Situação da própria empresaAs empresas que decidem buscar uma

    associação com uma outra não podem fazê-lo sem antes determinarem meticulo-samente quais as suas reais condiçõesdentro do mercado, e mesmo qual o quadroatual em relação à sua parte física (plantas,fábricas etc.), institucional, política empre-sarial e capitais.

    Os empresários devem ater-se a todasas variáveis do empreendimento.

    “As empresas norte-americanas eas dos países industrializados estãopreocupadas não somente na forma-ção e desenvolvimento desta figuracomercial [joint venture] senão tam-bém no manejo e o impacto a longoprazo. Para ajudar a entender esseprocesso, é necessário compreenderque as empresas que resolvem asso-ciar-se, para operar no mercadodoméstico ou para sair ao exterior,segundo os diversos propósitos queas anima, fazem uma prévia ava-liação interna com base em trêscritérios específicos: seus objetivosestratégicos (para atuar no país ou noexterior); as motivações concretas; eas expectativas de negócios (paraproduzir ou abrir e desenvolvermercados)”28 .

    Não é recomendável, portanto, aventu-rar-se em uma empreitada conjunta,principalmente se for de caráter interna-cional, sem conhecer-se, a si próprio,primeiro, pois estar-se-á dando um passomuito sério, que traz consigo uma série deresponsabilidades. Em outras palavras,dever-se-á considerar a possibilidade de

    atuação isolada, verificando-se objetivos,motivações, recursos, gastos, custos epotenciais de sucesso, dentre outros, antesde se pensar em uma associação.

    4.2. Objetivos e motivaçõesOs objetivos variam de acordo com a

    empresa e empreendimento em questão.Portanto, o empresário deve ficar muitoatento às características do negócio em quepretende participar, analisando se ele seadapta às suas expectativas, interesses eempresa.

    Ao iniciar a negociação para a futuraconstituição da associação, o empresáriodeve saber precisamente quais os finscolimados por ele nessa união e, maisimportante ainda, deverá informar cla-ramente a outra parte a respeito deles, istoé, terá de agir pautado no princípio da boa-fé, princípio que, no Direito InternacionalPrivado, caracteriza-se pelo dever demútua informação de tudo aquilo que seapresente relevante nos negócios.

    No âmbito das joint ventures, esse deverde agir com boa-fé, informando os objetivosperseguidos pelas partes, deve ser seguidoà risca, pois poderá não haver suficientecoalizão de interesses para a formação daassociação29, ou ainda para evitar-se queinteresses conflitantes, não palpáveis noinício, sejam percebidos em estágio avan-çado da cooperação, vindo a abalar oempreendimento conjunto 30, o que, emambos os casos, pode determinar o fim daunião, com perdas para ambos co-venturers.

    As motivações para a união empresarialque geralmente impulsionam os empre-sários a constituírem uma joint venture são:

    a) imagem;b) transferência de tecnologia;c) penetração em novos mercados;d) pressões do país anfitrião;e) facilidades fiscais e tributárias ofere-

    cidas pelo país anfitrião;f) controle dos recursos e das matérias-

    primas;g) repartição dos riscos do empreen-

    dimento;

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    h) legislação antimonopolista;i) facilidade na aquisição e uso de mão-

    de-obra.

    4.3. Escolha do melhor meio paraatingir os objetivos

    “As opções estratégicas de uma empre-sa interessada no comércio internacionalvão desde utilizar uma trading company,estabelecer um escritório de vendas além-mar, estabelecer concessionárias, subsidi-árias ou formar uma joint venture”31.

    Como se vê, são muitos os meios de seatuar no cenário internacional. A questãoda escolha do melhor modo de aventurar-se em uma empreitada externa remonta aosproblemas de delimitar os objetivos e asmotivações. Cada um dos modelos acimase apresenta recomendável a um tipoespecífico de negócio, mas, em algunscasos, diversos modelos respondem satis-fatoriamente a diversos empreendimentos.Tudo dependerá do caso concreto, porém,nunca é demais recordar que a joint ventureé mais utilizada quando o negócio envolvetransferência de tecnologia.

    Uma vez definida a joint venture comomeio de atuação, as partes deverão aindadeterminar se se tratará de uma corporateou non corporate; equity ou non equity. E, nocaso de as partes optarem pela corporate,faltará estabelecer qual o modelo descritono ordenamento jurídico interno quemelhor se adapta às finalidades do contratode joint venture.

    4.4. Escolha do parceiro adequadoÉ praticamente impossível encontrar-se

    um parceiro ideal para constituição de umajoint venture. Desse modo, a busca pelaoutra parte do negócio deve ser bastanteminuciosa e razoável.

    O conhecimento do mercado em queestá inserida a empresa com a qual se estápretendendo contratar, bem como suasituação dentro deste, é fundamental nasobservações preliminares que determi-narão se aquela possui as característicasnecessárias para a união.

    Deve-se ter em mente que nenhuma daspartes dispõe de capacidade física, eco-nômica ou tecnológica para enfrentar oempreendimento isoladamente. Por outrolado, cada uma das partes conta comrecursos que devem ser investidos emproveito do negócio comum. Assim sendo,deve haver uma complementaridade entreas contribuições das partes, ou seja, umaparte deve possuir aquilo que falta à outra.

    Não basta, contudo, que as partesconcordem com as finalidades da união eque juntas reúnam o necessário paraconseguir seus objetivos, é necessáriotambém conhecer a pessoa ou empresa coma qual se está negociando. Deve-se procurarinformações a respeito do histórico negocialda parte, para evitar-se contratar comalguém desonesto ou faltoso. A esserespeito, a prof.ª Maristela Basso32 traçaalguns aspectos que podem auxiliar os co-venturers no momento de definição doparceiro:

    a) “o sucesso em acordos de coope-ração ou joint ventures presentes epassados, ou seja, a experiência jáobtida em atividades desenvolvidasem conjunto: foi ou tem sido bom? Épossível, viável e conveniente?;b) a compatibilidade no relaciona-mento com um parceiro concorrente;c) a similaridade nas estruturasadministrativa e operacional dasempresas dos co-ventures (centrali-zada, descentralizada);d) o tipo de organização das empre-sas, utilizando-se de critérios geográ-ficos, funcionais, etc (sic);e) as estratégias de marketing e detransporte, bem como a filosofia detratamento a clientes;f) as políticas de controle de manufa-tura, de recursos e de qualidade;g) a filosofia de condução de questõesfinanceiras e sua observância;h) a compatibilidade do tipo depropriedade (empresa pública, pri-vada, mista);

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    i) a política trabalhista (de contra-tação, treinamento e demissão defuncionários), bem como a conduçãodas relações de trabalho”.

    Continuando a enumeração, a autorapassa a descrever as características objetivasque interessariam na escolha do parceiro:

    a) “os que exercem a mesma ativi-dade, mesmo que concorrentes,identificando-se, por fim, o distri-buidor mais forte dos seus produtos,ou aquele que melhor incrementaráa produção, trazendo tecnologia maisavançada e clientela permanente oumais freqüente;b) todos aqueles que operam nomesmo setor, ainda que não concor-rentes, como clientes e fornecedores,identificando-se o ramo de negócioscom recursos e habilidades comple-mentares para desenvolver determi-nados produtos ou tecnologias,falando-se em cooperação vertical;c) aqueles que são realmente comple-mentares, procedendo-se a umapesquisa horizontal”.

    Um empresário que já atua no comérciointernacional possui mais chances de serchamado à constituição de uma empresaconjunta do que aquele que ainda não seaventurou fora do território de seu país.Isso porque aquele que tem a experiênciainternacional sem mácula é melhor vistopelos outros empresários que sabem que oprimeiro é um profissional respeitável econhece o funcionamento do mercadointernacional. Isso, porém, não significa queo negociante nacional não tenha chances deser chamado a participar de uma jointventure, pois, dependendo dos objetivos –adentrar em novos mercados por exemplo–, ele será essencial para o sucesso doempreendimento.

    A melhor forma de encontrar o parceiromais compatível é por meio de pesquisasem diversas fontes ou cadastros de empre-sas, entre os quais podemos destacar:

    a) internet: atualmente a rede mundialde computadores é o meio mais simples e

    prático de conseguir informações a respeitode empresas, empreendimentos e áreas deatuação destas, bem como quais são seusplanos futuros. A pesquisa pode serrealizada por meio dos vários sites de busca,pois praticamente todas as grandes empre-sas possuem home pages;

    b) câmaras de comércio: elas geralmentepossuem um banco de dados a respeito deempresas de sua região ou do mundointeiro, que permite o contato entre empre-sas distantes, mas com mesmos interesses.O melhor exemplo de como essas câmaraspodem auxiliar as partes na procura doparceiro está no trabalho desenvolvido pelaCâmara Internacional de Comércio, situadaem Paris, a qual, por meio do Global BusinessExchange33 – programa que visa facilitar abusca de parceiros internacionais –, podeser acessada via internet;

    c) autoridades públicas: existem Muni-cípios que, procurando atrair empresas eindústrias para seu território, buscamparceiros para a formação de joint ventures,oferecendo desde terrenos para a implan-tação da unidade produtora até isençõesfiscais. Os Estados também possuemagências de desenvolvimento em que épossível encontrar oportunidades denegócios e parceiros comerciais. Mesmo aUnião mantém tais agências de desenvol-vimento de modo a atrair empresários ecanalizar investimentos em diferentesregiões do país, facilitando financiamentoe fornecendo capitais, como acontece como BNDES;

    d) revistas e catálogos especializados emcomércio internacional: essas publicaçõestrazem, nos moldes dos conhecidos “clas-sificados”, informações e oportunidadespara iniciar um novo negócio ou encontrarum parceiro adequado. É uma ótima formade iniciar uma pesquisa, encontrandosócios em potencial, com os quais, posterior-mente, dever-se-á manter maiores contatos;

    e) consulados, escritórios comerciais eescritórios de advocacia internacional: nasembaixadas e consulados, poder-se-áencontrar informações acerca dos empre-

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    sários nacionais do país representado poraqueles que tenham interesse em investirno exterior. Os escritórios comerciais e deadvocacia internacional são também boasfontes de informações, pois, trabalhando erepresentando clientes na área interna-cional, eles terão informações recentes eaprofundadas das atividades exercidaspor eles, podendo servir também comointermediários;

    f) feiras e convenções: são importantescentros de aglutinação de empresários, emque são geralmente apresentadas as inova-ções produzidas pelas empresas, consti-tuindo-se em pólos negociais.

    Existem ainda muitos outros meios dese chegar até o parceiro adequado, tudodependerá da facilidade do empresário ementrar em contato com estes trading points,bem como do tipo de negócio que sepretende realizar ou a área econômico-comercial em que se pretenda atuar.

    5. ContrataçãoUma vez definidos os parâmetros e

    resolvidas as questões preliminares apre-sentadas – isto é, uma vez esclarecidas asfinalidades da união, estabelecida a moti-vação que leva à associação, escolhido oparceiro, determinado o tipo de joint ventureque será organizada e escolhido o país ondeeventualmente será implantada a empresa– e que fazem parte do processo de nego-ciação, inicia-se novo passo em direção àcelebração do contrato internacional dejoint venture e constituição da associação, éa fase da contratação. Aqui se deverá for-malizar o contrato, escrevê-lo, determinarsuas cláusulas, enfim, negociar seus termos.

    Novos problemas surgem nessa novaetapa. A questão da legislação aplicável,bem como o idioma utilizado no contratosão os que mais geram controvérsias.

    Sem nos determos em consideraçõesmais aprofundadas, temos que na sistemá-tica mundial existem três modos de deter-minar a lei aplicável a um contrato:

    a) lex loci celebrationes (ou lex locicontractus): pela qual a lei que regerá o

    contrato será aquela do lugar da celebraçãodo contrato;

    b) lex loci executiones: a lei que regerá ocontrato será a do lugar da execução domesmo;

    c) lex voluntatis: as partes podem definira lei aplicável34.

    As partes deverão chegar a um consensoa respeito da lei que será aplicada aocontrato. Geralmente se usa a autonomiada vontade (lex voluntatis) para a escolhadesta. Esse momento de escolha é deextrema importância, uma vez que aspartes devem ter em conta que cadalegislação possui institutos e expressõesque lhe são peculiares, podendo significaroutra coisa ou até mesmo inexistir em outroordenamento jurídico. Procurando evitartal problema, o redator do contrato deverárealizar um trabalho comparativo, compre-endendo diferentes legislações e hipóteses,para que seu texto mantenha-se uno,íntegro e válido em qualquer situação elugar, produzindo os efeitos desejadospelas partes. Dessa forma, o mais recomen-dável é que sejam previstas no própriocontrato as soluções para as mais diversassituações que se possam apresentar comoameaçadoras ao mesmo, deixando longe dejuízes ou árbitros a sorte do contrato e daspartes.

    Além do problema textual e institu-cional das diferentes legislações, o redatordo contrato deverá levar em consideraçãoque cada país tem suas próprias leis,costumes, jurisprudências e procedi-mentos. Pode parecer óbvia a assertivaacima mas a verdade é que cada país possuiuma história, uma cultura, valores dife-rentes que moldaram seus ordenamentosjurídicos internos, de forma que algunspaíses tipificam certas condutas comocrime, sendo que para outros tais ativi-dades são lícitas. Os costumes podem serparecidos em certa região, mas em ummundo globalizado as transações se dãoalém dos oceanos, de forma que umcostume sedimentado em um lugar pode

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    nada significar noutro. O entendimentojurisprudencial também varia de acordocom o sistema jurídico adotado e com oscasos levados a julgamento, e o entendi-mento dado pelos tribunais a um caso emum país pode ser distinto ou desconhecidoem outro. Por tais motivos a consulta a umadvogado especialista na lei escolhida éimprescindível, uma vez que somente eleserá capaz de indicar as nuanças legais,bem como as tendências doutrinárias ejurisprudenciais. O contato entre as partes,os advogados destas, o redator do contratoe os advogados consultores a respeito dalegislação adotada para o contrato (desdeque os próprios advogados das partes nãosejam especialistas nesta), é de fundamentalimportância, pois cada um tem um pontode vista distinto e, conseqüentemente,diferentes questões a serem esclarecidassobre a legislação e os procedimentosnecessários para levar a termo o contrato.

    Não bastassem as dificuldades já apre-sentadas, temos ainda a questão do idiomado contrato. Tratando-se de um documentode caráter internacional, o contrato deveráser inteligível para ambas as partes, demodo que, se estas possuírem idiomasdistintos, o acordo deverá ser escrito emmais de uma língua. Essa multiplicidadeidiomática traz consigo questões a respeitoda interpretação e até mesmo da compre-ensão do texto contratual, uma vez que alíngua de um povo é reflexo de sua história,usos, costumes e valores, de forma que osconceitos existentes em determinadoidioma somente neste têm seu significadopreciso e completo. O redator do contratodeverá observar que os documentos,escritos nas diversas línguas dos contra-tantes, mantenham a maior similitudepossível, já que é praticamente impossívelescrever-se exatamente igual em doisidiomas distintos. Ambas as partes devemsaber claramente quais são as implicaçõesdas cláusulas, e, para tal, a tradução temde ser muito precisa.

    A despeito das várias línguas às quaispode, eventualmente, ser necessário tra-

    duzir um contrato, existe um idioma oficialdo mesmo. Ele servirá para que se façaminterpretações a respeito das cláusulas, domesmo modo que será nesse idioma queum tribunal arbitral apreciará a questão queeventualmente lhe seja levada. Tal idiomaoficial é determinado pelas partes nacláusula que indica a língua de interpre-tação do contrato – choice of language clause.É imprescindível, portanto, que o redatordo acordo não cometa erros na tradução apartir da língua oficial, uma vez que a partepoderá argumentar em seu favor que estaou aquela cláusula tem uma redaçãodistinta em seu idioma, significando coisadiversa do que consta no documento oficial.

    5.1. O acordo-base

    O acordo-base é “uma espécie de Carta-Magna que inclui os pontos essenciais quenão merecem discussão”35. Tal comparaçãodos eminentes estudiosos é de grandefelicidade, realmente o acordo-base é apedra fundamental de onde se constróiuma joint venture. Contudo, é óbvio queaquilo que foi estabelecido nesse acordopode ser modificado, assim como umaConstituição também pode sofrer mudan-ças, e que a expressão “pontos essenciaisque não merecem discussão” faz referên-cias às cláusulas basilares do contrato, queforam discutidas intensamente no momen-to da negociação.

    Nesse acordo, deverão constar basi-camente cláusulas relativas a identificaçãodas partes, seus direitos e deveres, línguaoficial do contrato, sistema de solução decontrovérsias, data de entrada em vigor docontrato, possibilidades e procedimentospara alteração dos contratos (acordo-basee satélites) e as características básicas doempreendimento:

    a) natureza, objeto, pretensões e estra-tégias da joint venture;

    b) tipo de joint venture a ser criada(corporate ou contratual);

    c) estipulação do valor do investimento(capital social), bem como a contribuiçãode cada uma das partes no negócio (equity

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    ou non-equity), e a forma como será feito oinvestimento individual (moeda, maqui-nário, tecnologia etc.); dever-se-á verificartambém o tratamento dado pelo paísanfitrião ao capital estrangeiro;

    d) definição dos direitos dos quotistas(iguais ou não): determina-se o esquema depoder (quem terá voz ativa na administra-ção), normas de auditoria e fiscalização,tipo de administração (assembléia, con-selho, diretoria), bem como a quem caberáa escolha dos membros desta;

    e) havendo necessidade de financia-mento: qual o tipo mais adequado aoprojeto, e qual dos co-venturers será respon-sável por obtê-lo;

    f) caso se opte por uma corporate: ondese localizará a planta da empresa, qual seráo tipo societário escolhido (Ltda, S/A etc.)que melhor se adapte às finalidades donegócio;

    g) quais serão os modos de exploraçãoe produção;

    h) a política empresarial em relação àescolha e tratamento do trabalhador(haverá necessidade ou não de treinamentoe especialização?);

    i) formas de distribuição dos produtose dos lucros;

    j) referência aos contratos-satélites: senecessários, quais serão celebrados (tecno-logia, fornecimento, licenciamento demarcas e patentes etc.);

    k) acordos de segredo (tecnologia,indústria e comércio);

    l) possibilidade de cessão do contrato;m) tempo de duração da joint venture

    (temporária ou permanente).O restante será determinado nos acor-

    dos-satélites, os quais estarão atrelados eserão interpretados a partir do que forestabelecido no primeiro.

    5.1.1. As cláusulas mais comunsdo acordo-base

    Observamos que a contratação de umacordo-base, pedra angular de uma jointventure, assemelha-se a uma Carta-Magna,pois é dele que defluem as diretrizes e

    orientações norteadoras do funcionamentode todo o empreendimento. Toda a orga-nização da joint venture deverá ter comorepositório o acordo-base, e tudo aquilo queo contrarie deverá ser extirpado da empre-sa. Isso vale tanto para os acordos-satélitescomo para uma eventual “empresa-filha”,fruto de um contrato de corporate jointventure.

    Passemos agora a estudar as cláusulasque obrigatoriamente deverão estar presen-tes em um acordo-base, sob pena denulidade ou ineficácia deste.

    I – Cláusula de qualificação das partesComo todo contrato, no contrato inter-

    nacional de joint venture a primeira dispo-sição deve ser relacionada à qualificaçãodas partes. Como os participantes dessetipo de empreendimento são geralmentepessoas jurídicas, é mister definir-se suasede, lugar de constituição, por conse-qüência, sua nacionalidade, bem comoquais são seus representantes.

    Por meio dessa cláusula, determina-se,além da nacionalidade da parte, muitoimportante nos casos de conflito de leis eem relação à lei aplicável às pessoasjurídicas, se o tipo societário e sua formade funcionamento condizem com o orde-namento jurídico de seu suposto país, ouseja, se a empresa foi formada e atuaobedecendo às leis nacionais, ou se estáagindo fraudulentamente. Outro ponto degrande relevância é saber-se exatamentequem faz parte do órgão diretivo e repre-sentativo da pessoa jurídica e até onde vãoos poderes de representação individual ecoletiva.

    II – Cláusula de intençõesEssa cláusula deixa claro o acordo de

    vontades das partes. Ela se refere aospropósitos e intenções que estimulam aspartes a celebrar o contrato de joint venture.

    Aqui se esclarecem os motivos e finali-dades às quais as partes procuram alcançarfazendo a associação. Essa cláusula podeser escrita da seguinte maneira: a finalidade

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    do presente acordo é…; ou ainda: o empreen-dimento comum de ‘¥’ e ‘€’ tem como escopoestabelecer as bases para a criação e operação deuma joint venture, obtendo as aprovaçõesgovernamentais necessárias para sua implan-tação no país____.

    III – Cláusula de objetoNessa cláusula, as partes determinam

    qual será o tipo de operação, produção ouserviço que será fruto da união e consti-tuição da empresa. É diferente da cláusulaanterior, pois aquela determina o animusdos contratantes, isto é, quais foram osmotivos e intenções que os levaram a unir-se, enquanto esta define o ramo de atuaçãodo empreendimento conjunto.

    Vejamos um exemplo hipotético:O projeto conjunto de ‘& AIRSPACE ’ e

    ‘£ PLATAFORMAS’ constitui-se a criação deum centro de lançamentos de foguetesespaciais cargueiros modelo ___ de trêsestágios, fornecidos e desenvolvidos por‘& AIRSPACE ’, a partir de um conjunto deplataformas marítimas criadas, desen-volvidas e conservadas por ‘£ PLATAFOR-MAS’, sob a designação OceanLaunch36.

    No exemplo acima, a motivação poderiaser desenvolver uma alternativa barata esegura aos centros de lançamentos terres-tres, procurando suprir a grande procura,por parte de empresas, por veículosespaciais capazes de colocar em órbitasatélites de comunicação etc.

    IV – Direitos e deveres das partesA cláusula que define os direitos e as

    obrigações de cada co-venturer será tãodiversa quanto for diferente a joint ventureem questão. Contudo, algumas estipula-ções estão sempre presentes nos acordos-bases e destas podemos citar:

    a) disposição de não competição entreos sócios com a joint venture por eles criada,nem desta para com os primeiros: é umaestipulação óbvia, já que é inimaginável queparceiros criem um ente que lhes faça frenteno mercado. A finalidade da união sempreserá a de adentrar em um novo mercado

    ou setor econômico-produtivo, ou melho-rar os produtos das empresas-mães ou adistribuição destes, nunca aumentar acompetição. Essa cláusula pode gerarproblemas relacionados à legislação anti-trust se esta for rígida no país onde seformar a joint venture, o que pode acarretarsua nulidade;

    b) disposições a respeito da divisão doslucros, participação na administração,controle de contas, direito de voto e deescolher a forma (assembléia, conselho,diretoria) e os integrantes da administra-ção, definição dos direitos dos quotistas(iguais ou não), normas de auditoria efiscalização;

    c) aspectos fiscais e cambiais nos orde-namentos jurídicos nacionais dos sócios,bem como no do país anfitrião, em face dasdiferentes legislações e tratamentos dadosao capital estrangeiro, repatriação decapitais, remessas de lucros ao exterior etc.;

    d) em sendo necessário financiamento,a qual das partes caberá obtê-lo e sob quaiscondições;

    e) direito de preferência no caso devenda da participação por parte de um dossócios. É fundamental que exista talpreferência de compra por parte dosdemais sócios da joint venture no caso deque um deles resolva deixar a união, pois ajoint venture é uma associação em que ointuitu personae é imprescindível, tanto que,no momento da busca pelo parceiro ade-quado, as partes promovem uma minu-ciosa pesquisa para chegar ao potencial co-venturer, e não se poderia suportar que,após busca tão detalhada, qualquer pessoaalheia ao contrato pudesse adquirir, emigualdade de condições, direitos relativosao empreendimento;

    f) lealdade: em uma joint venture, osfatores da boa-fé e lealdade são extre-mamente importantes37. Não significa que,pela simples positivação de uma regramoral, as partes passarão a agir de modohonesto e cavalheiro, mas isso demonstraa importância que o agir seguindo os usos

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    e costumes do comércio internacional, bemcomo o respeito pela posição e figura dosócio são fundamentais para o sucesso doempreendimento.

    V – Cláusula de lei aplicávelJá vimos que as partes deverão estabe-

    lecer uma lei para reger seu contrato, emvirtude da potencialidade de utilização demais de uma norma. Pois bem, após teremescolhido tal lei – ou tratado ou convençãointernacional, ou costume internacional, oulex mercatoria –, deverão exarar essa escolhada seguinte maneira: as partes ‘€’ e ‘Ð’ esta-belecem a lei ‘δ’ para reger o presente contrato .VI – Cláusula de solução de conflitos

    Diante da complexidade existente emacordos e contratos de joint venture, é fácilimaginar que possam surgir divergênciase disputas relacionadas às mais diferentesquestões que implicam a operatividade dajoint venture, indo desde diferenças cultu-rais, ideológicas e até religiosas das partesaté problemas na redação dos contratos nasdiversas línguas nacionais dos co-venturers.

    Dessa maneira, em face da inexistênciade um ordenamento jurídico internacional,as partes, no próprio contrato, deverãoestabelecer a maneira como os conflitos queeventualmente surjam serão resolvidos.

    A primeira maneira de compor osconflitos é a conciliação. É também a maneiramais simples e barata, na qual as partes,geralmente por meio de um mediador,chegam a um acordo, cada uma cedendo umpouco, em benefício do empreendimento.

    Geralmente o mediador – pessoa, ougrupo de pessoas –, de confiança de ambasas partes, sugere um caminho para o fimdo conflito e, as próprias partes decidemse o aceitam do modo proposto, ou fazemalgumas modificações antes de conciliar-se. As vantagens dessa forma de resolverdivergências são claras: é altamente sigi-losa; barata; simplificada; as próprias partesresolvem seus dilemas, evitando-se queuma divergência leve sócios a tornarem-sedemandantes, que procuram derrotar o

    outro, fazendo prevalecer seu ponto devista. Isso pode ser desastroso para aassociação.

    Ao lado da conciliação, temos que as par-tes podem escolher entre a cláusula de foroou de arbitragem, para solução de conflitos.Estudemos cada uma separadamente.

    A cláusula de foro implica a escolha deum ordenamento jurídico interno de umpaís que será competente para conhecer ejulgar as divergências contratuais. Dessamaneira, as partes colocarão nas mãos dejuízes e tribunais de um país a sorte docontrato e da empresa comum.

    Tal forma de solução de conflitos émuito pouco usada no cenário interna-cional, menos ainda em se tratando de jointventures. Os motivos são simples: o empre-endimento não pode ficar suspenso,aguardando a solução final dada pelostribunais, pois sabe-se que, em virtude dogrande número de recursos existentes e daprópria morosidade da Justiça, mesmo empaíses avançados, tal solução demorarámais de um ano; os ordenamentos jurídicosinternos podem não contemplar as insti-tuições e instrumentos utilizados noempreendimento em virtude de sua novi-dade; os juízes podem não estar preparadospara julgar as operações realizadas na jointventure nem as questões suscitadas, emvirtude de sua alta complexidade; podemexistir pontos no contrato que as partesjulguem mais conveniente mantê-los sobsigilo – novas tecnologias, marcas, patentes,processos, know-how etc. – ou mesmooperações e atos ilícitos.

    A cláusula de arbitragem se apresentamais desejável, exatamente pelos mesmosmotivos citados acima que postulam contraa escolha de foro: a arbitragem é sigilosa;ela é especializada, rápida, neutra; nãoretira totalmente das mãos das partes oselementos que interferirão na decisãofinal, uma vez que cabe a elas escolheremos árbitros, delimitar-lhes o campo deatuação, bem como os poderes e meios dedecisão38. O único real inconveniente rela-

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    cionado à arbitragem é o fato de ela serextremamente cara39 .

    Além de servir para resolver conflitos,a arbitragem pode ser utilizada para dirimirdúvidas entre os co-venturers, em virtudeda grande evolução experimentada poresse tipo contratual e do dinamismo docomércio internacional, que a cada diaincorpora novos costumes, procedimentose denominações.

    As partes podem escrever suas própriascláusulas de arbitragem, ou seguir osmodelos oferecidos pelos organismosinternacionais. Entre as organizações queoferecem serviços de conciliação e arbitra-gem, podemos destacar a United NationsCommission on International Trade Law(Uncitral), cuja cláusula de arbitragemmodelo dispõe:

    Qualquer disputa, controvérsia oureclamação resultante ou relacionada aeste contrato, ou a transgressão, resolu-ção ou invalidade resultante disso, seráresolvida por meio de arbitragem emconformidade com as Regras de Arbitra-gem da Uncitral, tal como se encontremem vigor40.

    Outra organização de renome interna-cional quando se fala em conciliação earbitragem, a International Chamber ofCommerce (ICC), também possui suacláusula modelo:

    Toda disputa resultante ou ligadaao presente contrato será finalmenteresolvida sob as Regras de Arbitragemda Câmara de Comércio Internacional,por um ou mais árbitros designados deacordo com tais Regras41.

    Contudo, ambas as organizações reco-nhecem a incompletude de suas cláusulasmodelos, recomendando às partes que asadotam a inclusão de outros elementos42 .Fica, nessa cláusula, englobada a disposiçãoa respeito da língua oficial do contrato, quedeverá prevalecer em casos de interpre-tação e solução de litígios.

    Vale a pena lembrar que é recomen-dável que, antes da cláusula de arbitragemou de foro, seja estabelecido o procedimen-

    to conciliatório, como forma de resolver asdivergências, pelas múltiplas vantagensque ele oferece em face dos dois primeiros.

    VII – Cláusula de hardshipExistem contratos no âmbito interna-

    cional, entre eles os de joint venture, cujoprojeto demanda tempo considerável deexecução, de forma que eles ficam expostosa adversidades jamais experimentadas poracordos de curta duração. Podemos citarcomo exemplos de contratos de longaduração: contratos de fornecimento, trans-ferência de tecnologia, contratos financeiros,de construção civil, de exploração de jazidasminerais, de exploração aeroespacial, deprestação de serviços etc. Pois bem, essescontratos, e conseqüentemente, os empre-endimentos neles representados, nãopodem ser obrigados a permanecer válidosem nome do pacta sund servanda , se aconjuntura na qual eles foram celebradossofreu grandes modificações, o que setraduz em grandes perdas para as partes,levando, em última análise, à total destrui-ção contratual, é necessário que existamatualizações (os grifos denotam os negóciosem que mais se utilizam as joint ventures,vemos pois a importância dessa cláusulapara o objeto em estudo).

    Para resolver essas questões, os estu-diosos criaram meios para proceder àmodificação contratual quando um eventomuda radicalmente a essência dos elemen-tos que existiam quando da confecção doacordo; são as chamadas cláusulas exonera-tórias da responsabilidade. Surgiram então ascláusulas de força maior (force majeure) e ade hardship.

    Antes de tratarmos da cláusula dapenúria ou hardship, é conveniente traçar-mos algumas considerações a respeito dacláusula de força maior, também ligada aeventos futuros, incertos e imprevisíveis.

    Conhecida na doutrina brasileira por“caso fortuito ou força maior”, as cláusulasde force majeure “são aquelas que, grossomodo, possibilitam a suspensão ou, emcaso extremo, a resolução de contrato, comexoneração da responsabilidade do deve-

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    dor pela mora e inadimplemento, frente àimpossibilidade temporária ou definitivado cumprimento de suas obrigações”43.

    Essas cláusulas funcionam sob umbinômio hipótese e regime, isto é, a pri-meira descreve um acontecimento quepossa ser considerado como força maior edesencadeia o funcionamento do disposi-tivo contratual, provocando os efeitosdefinidos no regime. Isto é, se ocorrer umfato que leva à total desnaturação do objetocontratual ou torna a execução extre-mamente difícil (hipótese), o contrato prevêsua própria extinção sem responsabilidadespara ambas as partes (regime). Por outrolado, se o evento é transitório ou dificulta aexecução do contrato por apenas determi-nado lapso (hipótese), o contrato prevê asuspensão das atividades até que tal eventohaja cessado (regime). Como se vê, é umarelação de causa e conseqüência.

    Geralmente os eventos que são caracte-rizados como sendo hábeis para provocaro funcionamento do regime contratual(caso fortuito/força maior) são eventosnaturais – enchentes, terremotos, geadas,furacões, erupções etc. –, fatos do príncipe– proibição de importações/exportações,proibição de remessas de divisas, proibiçãode entrada de capital estrangeiro, naciona-lizações e desapropriações etc. –, fatos atri-buídos a terceiro não identificável – guer-ras, vandalismo, greves, revoluções etc.

    Nesses casos, os fatores de imprevisibi-lidade, inevitabilidade, irresistibilidade eimpossibilidade (não é necessário quetodos esses elementos estejam presentes aomesmo tempo no fato real ou na cláusulacontratual, pois um fato pode ser previsível,contudo, em virtude de sua intensidade, serirresistível, acarretando a resolução docontrato 44) são elevados à categoria dehipótese, desde que escritos no contrato, eresponsáveis pela atuação da segundaparte da cláusula, o regime.

    Alguns exemplos de cláusula de forçamaior:

    No presente contrato, força maiorsignifica qualquer evento alheio ao

    controle das partes, o qual venha aimpedir ou retardar o seu adimplemento .

    Em caso de superveniência de fato ouevento independente e alheio à vontadedas partes que impossibilite a execuçãototal ou parcial do presente contrato, poruma ou ambas as partes, o mesmo seentenderá extinto ou suspenso, conformea gravidade do impedimento .

    Os casos de força maior são (enumera-se os eventos), bem como tudo o que forassim considerado mediante arbitragem.

    Se qualquer das partes for impedidade cumprir com suas obrigações contra-tuais em virtude de (enumerar os casos),ou qualquer outro evento imprevisível,irresistível e alheio à vontade da parte eao qual esta não tenha dado causa,entendido, de comum acordo pelas partescomo sendo de força maior, por até 1 (um)ano o contrato se reputará suspenso nesseperíodo, caso a impossibilidade dure maisdo que esse período o contrato seráconsiderado extinto .

    “Se comprador ou vendedor fo-rem impedidos ou retardados nocumprimento ou observância dequalquer uma de suas obrigações,que a cada um compete conformeconvencionado, em razão de fenô-menos da natureza, guerra, bloqueio,insurreição, mobilização, desordemviolenta, guerra civil, greve, locauteinterrupção prolongada de transpor-te rodoviário, ferroviário ou fluvial,comprometendo suas atividadesrelacionadas com a execução destecontrato, ou quaisquer outras causasfora de seu controle, as quais peloexercício da devida diligência nãoteria podido evitar ou contornar…”45.

    As cláusulas de hardship, por sua vez,“prevêem a renegociação pelas partesdos termos contratuais, quando aexecução houver se tornado inútil oudemasiado onerosa para uma delas,em vista das modificações imprevis-tas de circunstâncias.

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    … estas têm seu conteúdo inspiradonas teorias da cláusula rebus sicstantibus…”46 .

    A cláusula de hardship se assemelhamuito à de força maior, ambas possuemestrutura parecida, funcionando no binô-mio hipótese/regime, porém, a hipótese nocaso da hardship está mais ligada a umacircunstância (enquanto a força maior falaem evento) qualificada por suas conse-qüências. Contudo, a diferença maismarcante, e que torna a hardship muito maisinteressante do que a force majeure, é que,enquanto esta prevê a suspensão ouextinção do contrato, aquela postula pelarenegociação do acordo, adaptando-o even-tualmente às novas realidades existentes.

    Utilizamos a palavra eventualmente naassertiva acima pois existem dois tipos decláusula de hardship:

    a) o primeiro tipo dispõe que as partes,em face das grandes modificações conjun-turais da realidade em que foi celebrado ocontrato, deverão reunir-se ou designar asformas e processos pelos quais se fará arenegociação buscando o mantenimento doempreendimento;

    b) o outro tipo prevê que as partes, emdeterminado lapso, reunir-se-ão paraavaliar a situação contratual, optando porrenegociar algum ponto ou reafirmar o quefora pactuado inicialmente47.

    Um bom exemplo de cláusula de hard-ship, também citado por Maristela Basso,pode ser retirado da obra de Luiz OlavoBaptista e Aníbal Sierralta Ríos:

    “As partes estão conscientes deque este acordo constitui uma baserazoável e equitativa para sua coope-ração.

    Caso durante a vigência desteAcordo a situação geral e/ou osdados sobre os quais as partes sebasearam se modifiquem em propor-ções tais que uma ou outra dasencontra dificuldades sérias e impre-visíveis, elas se consultarão e deverãofazer prova de compreensão mútuatendo em vista proceder aos ajusta-

    mentos que pareçam necessários emrazão das circunstâncias que nãoeram razoavelmente previsíveis àdata da assinatura deste Acordo, eque afetem o seu caráter equilibrado.

    A parte que estimar que as condi-ções estabelecidas no parágrafoacima ocorreram, notificará à outraparte por carta registrada, com avisode recepção, precisando a data e anatureza do ou dos eventos quederem origem à mudança alegada,mencionando o montante do prejuízofinanceiro atual ou a ocorrer e fa-zendo uma proposta para remediaressa mudança. Qualquer notificaçãoenviada 12 (doze) meses após a datada ocorrência do evento alegado pelaparte não terá nenhum efeito”48.

    VIII – Cláusula de localização de plantaImprescindível em se tratando de

    corporate joint ventures, nessa cláusula aspartes determinam onde será criada aunidade produtora ou prestadora deserviços fruto do contrato, bem como se oterreno utilizado será comprado ou locado,se será adquirido mais terreno do que oprojeto inicial requer, para futura expan-sões, quais deverão ser as característicasgeológicas do local, se o lugar escolhidodeverá abrigar mina ou poço artesiano/semi-artesiano e qual a parte que se encar-regará de adquiri-lo.

    IX – Cláusula de definição técnica e viabilidadedo projeto

    As partes, nessa cláusula, comprome-tem-se a estudar, desenvolver, definir edetalhar o projeto e os processos neces-sários e que serão realizados pela jointventure.

    O empreendimento comum está defini-do no acordo-base de forma global, numavisão macroscópica, mas, para o realfuncionamento da empresa, técnicas emétodos, desde os mais simples aos maiscomplexos, devem ser estudados visandointegrá-los, permitindo a operabilidadefática da empresa. Uma joint venture criada

  • Brasília a. 37 n. 146 abr./jun. 2000 79

    para a exploração de minérios será descritadessa forma no acordo-base, contudo, paraque ela entre em funcionamento, todos osequipamentos de segurança dos operários,os transportes dos mesmos, o maquináriopesado utilizado na extração, o tipo deexplosivo a ser empregado, os tipos demedições que se farão necessárias bemcomo os equipamentos que as realizarão, aquem caberá prover os alimentos para ostrabalhadores, os encarregados da limpezados locais de trabalho, transporte, marketingetc. devem ser meticulosamente definidos.A presente cláusula não os especifica, masestabelece a obrigatoriedade dessa deter-minação que, em sua maioria, caberá aosacordos-satélites.

    Não se trata, como pode-se pensar, deestabelecer um acordo antes de se verificara possibilidade de sucesso e viabilidade doprojeto. Muitas pesquisas já foram feitasantes de se chegar a esse ponto. A diferençaé que agora, diante do acordo de ambas aspartes em desenvolver o projeto conjunto,deve-se passar a olhá-lo no seu âmbitomicroscópico, detalhando cada peça neces-sária ao bom funcionamento da união49.

    X – Cláusula de administração e gerenciamentoNa presente cláusula, as partes deter-

    minam como será composta a administra-ção da joint venture, definem quais serão osórgãos e mandatários, seus poderes,prerrogativas e funções, bem como a qualco-venturer caberá a escolha destes.

    Os sócios podem ainda optar por criaruma sociedade, ou Companhia Operadora,para administrar a joint venture. Nessescasos, é recomendável a inserção de outracláusula, distinta da que está sob estudo,em que sejam definidas a modalidadesocietária da administradora, sua deno-minação, localização, composição, bemcomo a forma de divisão do capital, açõese controle entre as partes.

    5.2. Os acordos-satélitesO acordo-base serve para definir, em

    traços gerais, o empreendimento como umtodo, restando ainda diversas questões

    para serem negociadas e definidas pelaspartes. Não se trata de erro negocial ou delapso dos contratantes, uma vez que, comovimos, o acordo-base pode ser comparadoa uma Carta Constitucional, em que seassentam os fundamentos de uma nação eas bases genéricas que determinarão comose organizará o Estado a partir daqueledocumento, por meio da legislação infra-constitucional. Pois bem, assim como oprimeiro pode ser comparado à CartaMagna, às leis abaixo dela corresponderiamos acordos-satélites.

    Os acordos-satélites formam uma redede contratos complementares que tratamde aspectos específicos da joint venture, v.g., contrato de tecnologia e sua transfe-rência, compra e comercialização, marcase patentes, licenciamento, fornecimento,entre outros que surgem e se fazemnecessários de caso a caso. No presentetrabalho, limitar-nos-emos apenas aos doisprimeiros.

    “Estes [contratos-satélites] podemser feitos separadamente, formandouma rede de acordos satélites, oufigurarem como anexos do acordo-base. Na primeira hipótese, a estru-tura é mais fácil de ser negociadaporque vai sendo construída paulati-namente, e os contratos são assinadosna medida em que as partes chegama um consenso sobre o seu conteúdo.… Na segunda hipótese, dos anexos,todos devem ser assinados conjun-tamente com o acordo-base. Poroutras palavras, tudo é negociado econcluído conjuntamente”50.

    5.2.1. Acordo de tecnologiaMais difundida entre as práticas que

    utilizam a joint venture, a transferência detecnologia envolve convênios e acordossingulares e em sua maioria complexosligados a questões de licenciamento, know-how, técnicas, treinamento de pessoal, sigilooperacional e tecnológico, penalidades econtrole de qualidades.

  • Revista de Informação Legislativa80

    Sabe-se que hoje em dia a tecnologia e odesenvolvimento de novos produtos são asatividades que mais geram lucros, ao ladoda crescente complexidade dos mesmos.Dessa maneira, é necessário tratar commuita peculiaridade e atenção a todas asquestões referentes a eles, pois um pequenodetalhe pode acarretar uma total inopera-bilidade do sistema utilizado ou incompa-tibilidade entre as tecnologias adquiridas.

    Por outro lado, está a questão dosroyalties. Essa é a forma pela qual se pagapelo ‘uso’ da tecnologia. O contrato deveráconter também disposições a respeito damoeda, lugar, forma e modo de calcular omontante do pagamento.

    5.2.2. Acordo de compra e comercialização Uma operação de joint venture envolve

    muitas e variadas atividades, de modo queas partes devem determinar, o mais preci-samente possível, como será facultado ànova empresa, principalmente no caso dascorporates, funcionar.

    No presente contrato-satélite, os co-venturers devem definir quem serão osfornecedores das matérias-primas e com-ponentes, bem como sob quais margensserão feitas compras; se será dada prefe-rência a determinada empresa de um dossócios, ou a alguma que já mantém umvínculo com uma das partes, ou ainda, sedeverá ser feito um levantamento de preçose serviços para somente então se esco-lherem os fornecedores.

    Do lado da comercialização dos produ-tos provenientes da joint venture, uma sériede questões deverão ser esclarecidas:

    a) âmbito de atuação da joint venture:pode ser que um dos sócios – o estrangeiro –queira delimitar a atuação da união somenteao mercado interno, ou regional, impedindo,assim, que esta se desenvolva globalmente;

    b) uso de marcas e nomes: uma daspartes pode ser detentora de um nome,símbolo, marca, que seja famosa e geradorade confiança a respeito do produto; dever-se-á negociar a utilização, ou não, destapara ‘avalizar’ o produto da joint venture;

    c) treinamento de pessoal: o treina-mento será feito nas unidades produtorasde uma das partes ou não;

    d) “se se utiliza a rede de distribuiçãodo sócio estrangeiro, será necessário definira política de preços e a política de descon-tos. Igualmente a forma e mecanismo deprovimento de informação sobre os mer-cados, assim como sobre os meios decomercialização e materiais de promoção.Se poderia chegar a um acordo no sentidode que o provimento de tais dados tenhaum custo à parte. Também há que delinear-se as formas de treinamento e capacitaçãoem marketing, o que deve incluir visitas deorientação à companhia estrangeira e suasinstalações”51.

    6. A saída de um co-venturerA saída de um sócio pode refletir-se em

    vários problemas, tanto para os demaissócios como para terceiros, e a amplitudedestes estará diretamente ligada à magni-tude do empreendimento do qual o primei-ro fazia parte.

    Existe uma concordância geral de que aindisposição ou perda de interesse porparte de um dos contratantes não pode levaro negócio à ruína, de modo que devem exis-tir rotas alternativas para superar essemomento de crise. O mais interessante, semdúvida, seria que todas as questões arespeito de desentendimentos, conflitos,interesses e duração deles fossem discuti-das, pacificadas e descritas nos contratos,contudo não é isso o que ocorre. As partes,segundo os práticos, temem tratar deassuntos como o fim da associação exata-mente no momento em que eles estão emvias de estabelecê-la, o que pode gerarfuturos descontentamentos e dificuldades.

    Algumas legislações nacionais contem-plam a figura da saída de um acionista,determinando seus direitos e deveres,contudo, em face da especificidade e com-plexidade do tema que tratamos, mostram-se insatisfatórias. Dessa forma, os contra-tos formadores de joint ventures – base e

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    satélites – geralmente possuem estipulaçõesa respeito da retirada de um dos co-venturersbem como do regime de preferência nacessão ou transferência da sua participaçãona união a outro co-venturer ou terceiros.

    Então, do ponto de vista positivo, aquestão estaria solucionada com a con-fecção de uma boa cláusula abrangendotodo o espectro de questões que o evento“saída de um sócio” poderia suscitar,evitando, por exemplo, que um competidorvenha a adquirir os direitos daquele quese afasta. Mais ou menos. Como vimos, nocontrato de joint venture, o intuitu personaeestá fortemente presente, e não qualquerum pode ser parte da joint venture. Isso criamuitas tensões pois o co-venturer, ou co-venturers, que fica na empresa pode nãoaceitar a entrada de determinada pessoa,apesar de ela deter os direitos de partici-pação. Por outro lado, aquele que se retirasabe muito bem o valor de sua parcelaparticipativa e não desejará transferi-la oucedê-la em face da primeira proposta, ouseja, sem que haja concorrência. Logi-camente, a primeira proposta pode até sera mais interessante, contudo, isso somentese verificará confrontando-a com as demais.

    Além da questão acima, temos outroagravante. Observamos que o contrato dejoint venture é um instrumento muitoflexível do comércio internacional, adap-tando-se a uma grande gama de possibili-dades de empreendimentos. Contudo, umavez aplicado a um caso concreto, esseinstrumento se torna especialíssimo, emvirtude do seu alto grau de complexidade,surgindo uma série de limitações. Não sepode comparar o contrato de joint ventureao de, por exemplo, compra e venda demercadorias como aço, petróleo, combus-tíveis etc. Nesses, caso o fornecimento, porqualquer motivo, seja impossível, o com-prador poderá, talvez com mais custos oumargem de lucro menor, buscar o produtoem outro lugar, mantendo o abastecimento.Já na joint venture, isso pode não serpossível, em virtude das atividades par-ticulares que o co-venturer que se retira

    exerce. É o que ocorre no caso de ele ser oprovedor da tecnologia, know-how, possuira malha de distribuição, ser o fabricante dosprodutos consumidos pela joint venture, ouainda o comprador dos produtos desta.

    Outros aspectos ligados à saída de umdos sócios estão relacionados ao controleda empresa. Com a saída, uma sociedademista (partes nacional e internacional)pode-se transformar em empresa estran-geira caso a parte nacional se retire,trazendo problemas à joint venture rema-nescente em virtude de uma legislaçãodiferenciada que estabeleça uma série derestrições à atividade de estrangeiros. Poroutro lado, se o reticente for o estrangeiro,poderá defrontar-se com restrições ebarreiras à repatriação de capitais.

    Caso se trate de joint venture nacionalou regional, principalmente em relação aosblocos econômicos, o problema estará em,eventualmente, conseguir um outro par-ceiro com mesma capacidade tecnológicaou capital e, em não existindo no país oubloco tal parceiro, caso a única saída sejacontratar com um estrangeiro, a jointventure terá de sofrer diversas reformula-ções internas e preencher outros requisitosgovernamentais em virtude da entrada decapitais externos, sendo que, talvez, seja atévedado seu funcionamento pelo ordena-mento jurídico interno.

    7. O órgão de gestão e controleAs joint ventures algumas vezes, para al-

    cançarem seus objetivos e cumprirem suasmissões, necessitam criar uma pessoa jurí-dica específica. Principalmente no caso dascorporate joint ventures, o acordo-base podeprever a criação de um órgão administra-tivo da empresa comum. Esse órgão seriaconstituído sob uma das formas societárias,dotadas de personalidade jurídica, previstaspelo ordenamento jurídico do país anfitrião.

    A questão que os estudiosos levantama respeito desse gestor personificado é queele pode vir a tornar sem efeito o dispostono acordo-base, o qual assumiria “o papel

  • Revista de Informação Legislativa82

    de simples acordo de intenções, que deixariade ter qualquer valor em face à forçanormativa do contrato social ou dosestatutos de uma sociedade anônima,protegidos pelas normas jurídicas e pelavisão conservadora dos tribunais”52.

    Vê-se que principalmente o redator docontrato-base, mas também o encarregadode criar a sociedade gestora devem ter omáximo de cuidados para evitar que asegunda aniquile o primeiro, sobrepondo-se às suas cláusulas, já que esta foi criadaapenas como meio de garantir a efetividadedo pactuado no primeiro.

    Em países onde a figura da joint ventureé pouco conhecida, tanto por motivos legais– civil law – como por motivos econômicos– subdesenvolvimento –, os tribunais e opróprio ordenamento jurídico sempredarão mais valor ao que esteja previsto nalegislação; dessa maneira, ao confrontarem-se institutos nacionais, como os modelossocietários (Ltda., e S/A – mais interes-santes para a atividade administrativa emquestão), e criações estrangeiras (acordo-base da joint venture), eles sempre darãoprimazia aos primeiros, não observando afinalidade procedimental da sua criação. Abem da verdade, é difícil contemplar umpanorama em que uma sociedade vali-damente constituída, seguindo todas asregras legais para sua formação, sejajudicialmente obrigada a modificar seusestatutos ou contrato social em virtude dadivergência entre sua atividade e o contra-tado alhures pelas partes. Os tribunais, aoverificarem os atos constitutivos da socie-dade e verem que ela realmente os segue,pouco, ou nada, oporão à continuidade deseu funcionamento nos moldes atuais,mesmo que se apresente outro acordo, baseda criação da sociedade, do qual aquelesatos discrepem. Isso será problema da parteque não soube pactuar o desejado ou nãoacompanhou com a devida diligência aformação societária, isto é, desde que nãoexistam vícios do consentimento.

    Como se pode observar, esse é outroponto em que existe grande potencialidade

    de surgimento de conflitos, com agravantes,pois aqui estão envolvidos, além dos direi-tos das partes, a legislação nacional do paísanfitrião e direitos de terceiros empregadose envolvidos com as atividades da socie-dade administradora. A saída menos tor-mentosa para resolver uma eventual dife-rença entre o disposto no acordo-base e nosatos da sociedade, que venha causandoprejuízo ao primeiro, e conseqüentementea algum co-venturer, parece ser a arbitragem.Uma vez exarado o laudo arbitral, fariam-se, se necessário, as modificações nos esta-tutos ou contrato social, ressarcindo-se a ter-ceiros por eventuais perdas e danos. O pro-blema é que, dependendo da magnitude dasociedade e das modificações, as indeniza-ções podem ser gigantescas, o que nãoconvém aos co-venturers; contudo, se nãoforem feitas tais mudanças, a joint venturepode estar comprometida. A melhor coisaa se fazer, portanto, é dispensar a maioratenção possível quando da confecção doacordo-base e da sociedade controladora.

    8. A joint venture no MercosulO Mercosul é já uma realidade não

    somente no campo teórico, mas também, eprincipalmente, no plano fático dos paísesque assinaram o Tratado de Assunção. Osreflexos desse acordo já se fazem sentir nosmais diferentes âmbitos da vida dessespaíses: desde grandes cúpulas para discus-são de assuntos de interesse supranacional,até produtos rotulados em dois idiomas,como forma de atingir um mercado maiore em franco crescimento.

    A despeito das ações governamentaisque procuram proteger as indústrias eproduções internas, os estudiosos e mili-tantes do Mercosul vêem um futuropróspero para o bloco sulino, quando seuscomponentes formarão uma só massa,compacta, interna e solidamente estrutura-da. Na verdade, a exemplo da UE (UniãoEuropéia), o Mercado Comum do Sulcaminha para um momento em que deveráescolher entre continuar a se organizar ecrescer, de maneira irretratável, ou dar um

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    passo atrás, determinando o perecimentode todas as etapas de negociação anteriores.

    Para tanto, deve haver antes de maisnada uma coesão interior entre as políticas– de modo a estabelecer passos conjuntos eracionalmente pré-estabelecidos, visandouma aproximação cada vez maior dasnações –, entre as economias – visandodiminuir as discrepâncias dos diferentesmodelos adotados pelos diversos países,fazendo nascer uma “economia comuni-tária” – e entre as empresas – de modo agarantir uma maior troca de informações eprodutos, abastecendo satisfatoriamente osmercados internos e desenvolvendo bensque terão grande procura e competitivi-dade no mercado internacional.

    Poder-se-ia argumentar que os paísescomponentes do Mercosul são classificadosentre os pertencentes ao chamado “TerceiroMundo”, ou quanto mais, que Brasil eArgentina são “países em vias de desen-volvimento” e, portanto, suas empresasnão seriam detentoras de know-how quepudesse ser requisitado para a criação deuma joint venture. Ao contrário, possuindomatérias-primas, somente seriam alvos degrandes empresas estrangeiras, em nadacolaborando para o processo de integração.Tal visão, contudo, é muito obtusa. Ini-cialmente, se acaso uma grande corpora-

    ção estrangeira desejasse constituir parceriacom uma empresa nacional de algum paísdo Mercado Comum do Sul, visandoobtenção de matérias-primas, em contra-prestação deveria transferir a tecnologia, oque de resto seria bom para o mercado sul-americano. Por outro lado, poder-se-iapensar na constituição de uma “jointventure” de três ou mais empresas (porexemplo, uma alemã, uma brasileira e umaargentina), com estabelecimento no Uruguai.

    Porém, na verdade existem empresascom potencial de estabelecer joint venturesde âmbito regional, explorando tecnolo-gias, matérias-primas e abastecendo omercado local. Estas, além de promoverema integração, serão capazes de, no futuro,concorrer no âmbito global.

    Em sua fase atual, o Mercosul ainda nãoatingiu o patamar de Mercado Comum; naverdade, estamos vivendo em uma UniãoAduaneira imperfeita, pois falta um requi-sito para que se complete esse estágio: aadoção da Tarifa Externa Comum53. Con-tudo o espaço econômico e comercialformado pela união dos quatro paísesiniciais mais Chile e Bolívia é assombroso.O Mercosul engloba uma população de221,6 milhões de habitantes, com um PIBde US$ 1.158,0 bilhões no total, e de US$5,2 milhões per capita54.

    0,001.000,002.000,003.000,004.000,005.000,006.000,007.000,008.000,009.000,00

    10.000,00 NAFTAUEMERCOSULASEANAECCANSADCMCCACARICOM

    *AEC – Associação dos Estados do Caribe (Association of Caribbean States – ACS); ASEAN – Associação dasNações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian Nations – ASEAN); CAN – Comunidade Andina ( ComunidadAndina – CAN); CARICOM – Comunidade do Caribe ( Caribbean Community – CARICOM); MCCA – Mercado ComumCentro-Americano (Mercado Comun Centroamericano – MCCA); MERCOSUL – Mercado Comum do Sul (MercadoComun del Sur – MERCOSUR); NAFTA – Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North American FreeTrade Agreement – NAFTA); SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (Southern AfricanDevelopment Community – SADC); UE – União Européia ( European Union – EU).

    Blocos econômicos (PIB – em US$ bilhões)

  • Revista de Informação Legislativa84

    Para investidores estrangeiros, o Mer-cosul simboliza um grande mercado con-sumidor e em franco crescimento. Apesardos recentes abalos sofridos pelas duaseconomias dos dois países chefes do bloco(Brasil e Argentina), o Mercosul é ainda oúnico mercado de alta capacidade consu-

    mitiva que existe, incapaz de abastecer-sede forma satisfatória. O NAFTA possui nosEUA o grande abastecedor, enquanto naUnião Européia os produtos são produ-zidos complementariamente por toda suaextensão. Isto significa que existe um ávidomercado esperando para ser saciado.

    População (em milhões de hab.)55

    0

    5 0

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    450 ASEANNAFTAUEAECMERCOSULSADCCANMCCACARICOM

    Contudo, não caberá apenas às empre-sas associadas promover a integração dosseus respectivos países. Os Estados for-madores do Mercosul, em sua busca daintegração, deverão garantir e fomentara criação de joint ventures entre suas em-presas, de modo a garantir o desen-volvimento e a exploração de tecnologias

    “caseiras”, abastecendo o mercado in-terno, apurando-as para competir emtodo o globo.

    O Mercosul possui uma grande impor-tância na área internacional, notadamentena América do Sul, uma vez que, no âmbitoda ALADI, ele representa 61% do PIB totalda associação.

    Participação na ALADI (PIB – em US$ bilhões)56.

    Outros PaísesMERCOSULCAN

    O destino do bloco sulino ainda éincerto, alguns dizendo que a melhor saídaseria a fusão deste com a UE em virtude dasimilitude do modelo de integração eco-nômica adotado por ambos. Para outros, oMercosul deveria permanecer afastado dosdemais blocos, fazendo sozinho seu jogopolítico e econômico. Há ainda uma terceiraopção, que seria a união ao megablococontinental – ALCA. A criação destegigante já vem sendo discutida há muito

    tempo, sendo que os EUA, maior potênciae interessado na rápida formação do bloco,vem pressionando principalmente ospaíses da América do Sul para sua prontaadesão. Por outro lado, os países doMercosul desejam entrar no ALCA somen-te quando seu Mercado Comum estejasuficientemente estruturado, pois, dessaforma, eles entrariam em conjunto, for-mando um bloco – o segundo maior dasAméricas – e com maior poder de barganha.

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    Participação no ALCA (PIB – em US$ bilhões)57

    MERCOSULNAFTA

    Em verdade, o Mercado Comum do Sulé um terreno próspero para o desenvolvi-mento de joint ventures, tanto externa comointernamente. Para empresas estrangeiras,o Mercosul não constitui, em seu estadoatual, um mercado unificado, pois, até aplena implantação da tarifa externa comume a correspondente unificação das disposi-ções anti-dumping , o comércio com osEstados-Membros estará sujeito às respec-tivas normas internas. Porém, a partir daimplementação destes, uma empresaestrangeira que desejar negociar, nomínimo, em igualdade de condições comas pertencentes aos Países-Membros, eintroduzir nesse grande mercado seusprodutos, deverá optar por uma joint

    venture. Quanto à situação interna corporis,a afinidade substancial do Direito latino-americano proporciona facilidades quantoà formação do acordo-base e respectivossatélites, já que existe uma similitude legis-lativa, consuetudinária 58 , lingüística ehistórica.

    Segundo recente publicação da Simon-sen Associados59, o Mercosul possui duasrealidades: o Mercosul ‘de jure’, isto é, aqueleformalmente criado por meio do Tratadode Assunção, e o Mercosul ‘de facto’, queseria a zona em que realmente se fazemsentir os reflexos da integração econômico-política. Essa região se estenderia desdeSanta Cruz, na Bolívia, até Bahía Blanca, sulda Argentina.

    FONTE: Mercosul – the big emerging market (Makron Books).

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    9. ConclusõesA joint venture é, e será, um dos instru-

    mentos mais utilizados no novo mercadoglobal que surge e se apresenta comocaracterística do