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Página 1 04.08.2013 ISSN: 2236-8221 Edição n. 50, Novembro de 2015 Vitória da Conquista, Bahia. O corpo é discurso A voz, o pensamento, o homem... o corpo. A discursividade mais uma vez está presente em O Corpo é Discurso. Em uma ciranda de cores e texturas, a pluralidade do corpo vai tomando forma. O homem que já está em dúvida quanto ao que está acontecendo, fica ainda mais perdido, não entende onde o dono da voz quer chegar. E o corpo? Em um con- tínuo, a saúde mental e suas medicalizações aparecem para silenciar a voz. Mas, o corpo grita sua voz. Daí, a memória retoma seu percurso histórico em meio a infinitas condi- ções de existências. Um corpo black bloc. Dando as mãos na ciranda, aparece Foucault com seus posicionamentos sobre o sujeito e seus discursos. Com muito corpo. E, ainda, tem livro sobre vertentes do insólito ficcional. Venham bailar com a gente! ISSN: 2236-8221 EXPEDIENTE DE O CORPO É DISCURSO Editores Nilton Milanez (LABEDISCO/CNPq/UESB) Ricardo Amaral (PPGMLS/FAPESB) Vilmar Prata (PPGMLS/FAPESB) Organizador George Lima (PPGLIN/CAPES) Joanne Nahla (IC-CNPq) Matheus Vieira (IC-CNPq) Revisão Samene Batista (PPGMLS/CAPES) Tyrone Chaves (PPGLIN/CAPES) Vinícius Reis (PPGMLS/LABEDISCO) Diagramador Ítalo Alberto Secretária Géssica Soares Editoração eletrônica (MARCA DE FANTASIA) Henrique Magalhães Jornal de popularização científica Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco Contato: [email protected]

O corpo é Discurso – Nº 50

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Page 1: O corpo é Discurso – Nº 50

O Corpo

Página 1

04.08.2013

ISSN: 2236-8221

Edição n. 50, Novembro de 2015 Vitória da Conquista, Bahia.

O corpo é discurso

A voz, o pensamento, o homem... o corpo. A discursividade mais uma vez está presente

em O Corpo é Discurso. Em uma ciranda de cores e texturas, a pluralidade do corpo vai

tomando forma. O homem que já está em dúvida quanto ao que está acontecendo, fica

ainda mais perdido, não entende onde o dono da voz quer chegar. E o corpo? Em um con-

tínuo, a saúde mental e suas medicalizações aparecem para silenciar a voz. Mas, o corpo

grita sua voz. Daí, a memória retoma seu percurso histórico em meio a infinitas condi-

ções de existências. Um corpo black bloc. Dando as mãos na ciranda, aparece Foucault

com seus posicionamentos sobre o sujeito e seus discursos. Com muito corpo. E, ainda,

tem livro sobre vertentes do insólito ficcional. Venham bailar com a gente!

ISSN: 2236-8221

EXPEDIENTE DE

O CORPO É DISCURSO

Editores

Nilton Milanez

(LABEDISCO/CNPq/UESB)

Ricardo Amaral

(PPGMLS/FAPESB)

Vilmar Prata

(PPGMLS/FAPESB)

Organizador

George Lima

(PPGLIN/CAPES)

Joanne Nahla

(IC-CNPq)

Matheus Vieira

(IC-CNPq)

Revisão

Samene Batista

(PPGMLS/CAPES)

Tyrone Chaves

(PPGLIN/CAPES)

Vinícius Reis

(PPGMLS/LABEDISCO)

Diagramador

Ítalo Alberto

Secretária

Géssica Soares

Editoração eletrônica

(MARCA DE FANTASIA)

Henrique Magalhães

Jornal de popularização científica

Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco Contato: [email protected]

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Renato Lima é graduado em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFRJ. Para saber mais sobre o autor e

suas produções, acesse também o site Pockets - Histórias de Bolso ou a página de Facebook Pocketscomics.

Page 3: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 3 O Corpo

LABORATÓRIO DE ESTUDOS DISCURSIVOS FOUCAULTIANOS

LEDIF – UFU

Bruno Franceschini

Karina Luiza de Freitas Assunção

Criado em 2009, o Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos (LEDIF) é um grupo de pesquisa do Instituto de Letras e Linguística

da Universidade Federal de Uberlândia (ILEEL - UFU), cadastrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq, e suas pesquisas têm por

orientação teórica os estudos em Análise do Discurso em perspectiva foucaultiana. Sob a supervisão do Prof. Dr. Cleudemar Alves Fer-

nandes, líder do grupo, os pesquisadores do LEDIF, discentes do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFU (PPGEL-

UFU), utilizam-se do instrumental teórico-metodológico proposto pelo filósofo francês Michel Foucault para a realização de suas pesqui-

sas com a finalidade de demonstrar a importância do pensamento foucaultiano para o campo dos estudos linguísticos, mais especifica-

mente para os estudos discursivos. Os trabalhos em desenvolvimento estão divididos em três vertentes, a saber: a) Estudos teóricos

sobre o discurso e o sujeito a partir da arquegenealogia e da ética/estética da existência foucaultianas; b) Discurso, histór ia, memória

e constituição de sujeitos na produção artístico-literária; c) Estudos sobre sujeito discursivo, subjetividade e construções identitárias.

Para além desses eixos de trabalho, o grupo procura evidenciar os estudos de Foucault no campo disciplinar da Análise de Discurso por

meio de leituras deste autor, bem como de outros teóricos da área, para que seja possível a utilização dos conceitos discutidos nos

diferentes objetos das pesquisas em desenvolvimento, sendo que as pesquisas têm corpora distintos, tais como: objetos científ icos,

imagéticos, literários e midiáticos. Para que seja possível a compreensão do pensamento foucaultiano e as pesquisas sejam desenvolvi-

das, as últimas obras lidas pelo grupo foram: A Hermenêutica do Sujeito (2004), História da Sexualidade (2007, 2007a, 1985), Deci-

frar o Corpo – Pensar com Foucault (2013) e A

Vontade de Saber (2014). O LEDIF também

realiza desde 2014 colóquios abertos à comuni-

dade acadêmica de modo a divulgar os traba-

lhos em andamento bem como promover a dis-

cussão dos estudos foucaultianos. Dentre os

eventos já realizados, as temáticas foram as

seguintes: Perspectivas Arqueológicas; Pers-

pectivas Genealógicas: sujeito, poder e discurso

e, por fim, Arte, Literatura e Mídia.

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Página 4 O Corpo

Realização:

Euzabor (Primeira parte)

Ele abre os olhos turvos lentamente, enxerga galhos secos e negros a sua frente, a paisagem é preenchida

por nuvens escuras e volumosas que revestem o céu deixando fragilmente pequenas frestas onde os raios tímidos

de uma estrela ou astro qualquer insiste em penetrar tentando adentrar um mundo desconhecido e apagado por

um tempo que existiu em outrora. Faz frio, uma leve e sinistra brisa gelada percorre por entre as formações arbó-

reas desprendendo as poucas folhas ressecadas que ainda se mantém agarradas aos galhos sem vida que dançam

ao som de uma música que clama pela morte.

O homem encontra-se deitado em meio ao tapete de folhas e lama, sua cabeça dói e uma súbita lembrança de tem-

pos vorazes lhe atravessa o cérebro quebrando-lhe a carola embriagando-o com o gosto do pecado e do feitiço da

marca amaldiçoada do éden, uma voz suave toma-lhe a mente, seu coração dispara palpitante no mesmo ritmo

musical dos arbustos mirrados.

O ar úmido penetra suas narinas enchendo-lhes o pulmão, depois de um instante, quase que num despertar de um

pesadelo, ele se levanta hesitante, sem forças, o medo sobe-lhe a coluna, assustado, seus olhos chamejantes mo-

vimentam-se furiosos procurando algo, que de alguma forma, possa-lhe trazer a tranquilidade ou que lhe mostre o

que está acontecendo, tudo a sua volta lhe é estranho, não sabe onde está e nem como veio parar ali. Ele respira

fundo, tenta manter a calma ou pelo menos não deixar o desespero ser o guia de suas ações, com a mão direita,

ele passa sobre os olhos enxugando o suor frio e o sangue que reveste o seu rosto. Mais uma vez o homem respira

fundo, seu corpo está pesado, talvez pela armadura metálica que carrega ou alguma outra coisa que não sabia

dizer, mas que o corpo pode claramente sentir, estava claro que estivera em batalha, suas vestes se encontram

sujas, em sua armadura, em meio ao brilho infernal do metal tingido de vermelho, cortes aparecem desenhando

lhe o busto e a lamina de sua espada.

Apesar de todas as pistas, nada lhe parece familiar, era como se ele fosse o personagem de um livro ou texto que

havia sido acabado de ser criado, até então não tinha um passado e nem memória de certas experiências que o

guiassem, que lhe dessem um rumo. Ele observa mais uma vez o ambiente a sua volta, árvores gigantes de cascos

negros e tons acinzentados, possuem um aspecto frio e mórbido, suas raízes se espalham por todos os cantos

abraçando a terra, não se nota uma criatura viva, toda a região está morta, apodrecida, de certo, uma doença in-

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Página 5 O Corpo

Realização:

curável ou praga se estabeleceu e roubou toda a vitalidade do lugar, se é que já fora vivo um dia.

Não tinha qualquer opção nem sabia para onde ir, sendo assim, qualquer iniciativa que tivesse já seria um começo

que o levaria a algum lugar, ele para por um instante, e sem hesitar põe-se a marchar contra o vento.

Depois de um tempo de caminhada, já na saída da floresta morta, ele chega a uma ária vertical encoberta por

plantas negras e espinhosas, mais a frente, logo após o vale de plantas, um lago pantanoso se estende até onde a

visão pode alcançar e ao longe no alto de uma montanha, uma luz branca ilumina todo o pico.

Certo alívio toma-lhe o coração, apesar de desconhecer todo aquele cenário, aquela luz de algum modo lhe havia

dado um objetivo, seu horizonte já havia sido determinado, toda aquela escuridão já não parecia tão assustadora,

apesar do ar seco, sua respiração agora é leve e esperançosa, finalmente um clarão lhe havia devolvido a vida.

Não o fato de ele achar que a luz seria sua saída, afinal esse pensamento era verdadeiro como possibilidade, mas

pelo fato de agora sim ele ter um objetivo, sendo este, o de alcançar aquela luz.

Mais uma vez põe se a caminhar, dessa vez a caminhada é mais árdua, além da exaustão as trepadeiras espinho-

sas ramificam o solo dificultando sua passagem e escondem prováveis perigos, em alguns momentos o homem

para e arranca espinhos encravados nas pernas e nos braços, em outros, ele retroage quando a passagem se tor-

na de impossível acesso, mas sempre seguindo em frente. Um córrego de águas lamacentas, que antes lhe parecia

um obstáculo, torna-se um aliado, pois seu fluxo serpenteia por entre os dentes espinhosos levando-o direto aos

pântanos mais a baixo, mais tempo de caminhada, porém menos dolorida é a jornada. Meio dia fora gasto andando

por entre os espinhos, não se podia ver que ser emanava luz por entre as nuvens, mas tudo havia ficado mais es-

curo e andar já não era uma boa ideia, o homem rapidamente procura pedra e madeira seca, o que não era difícil

encontrar, a escuridão lançava-se sobre o mundo que não se podia denominar até então, o fogo seria necessário

para aquecê-lo e protege-lo da imensidão desconhecida.

A fome grita em seu estomago e o vento frio sopra raivoso em seus ouvidos, o homem já não tem o mesmo ânimo,

olhar o pico iluminado da montanha a sua frente já não lhe dá mais coragem, a desistência o abraça e a solidão é

sua maior companhia, ele se ré encosta entre as poucas gramas que se espalha pelo chão, fecha os olhos lenta-

mente e em seguida adormece esperando que tudo não passe de um pesadelo. No meio da noite o homem se as-

susta e levanta rapidamente, imediatamente ele volta a montar a fogueira que já se encontra em brasa, com o fogo

estabelecido ele saca sua espada, algo o perturba, mesmo dormindo seus instintos se mantinham em alerta, era

sabido que algo estava por perto.

Sons esquisitos veem dos pés da montanha trazidos pelo vento, não se pode dizer exatamente o que pode ser, pois

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Página 6 O Corpo

Realização:

são sons diferentes de tudo o que é conhecido, seja lá o que for, não é algo que o homem já tenha visto. O medo

mais uma vez o domina, seu coração acelera, sua respiração fica mais forte e uma gota de suor lhe escorre pelo

rosto.

- O que é você criatura desconhecida – diz uma voz grave se aproximando lentamente – em toda a minha jornada

não vi nada parecido com tal existência.

O homem se assusta, não imaginava que de repente pudesse existir alguém vivo naquele lugar, ele hesita por um

instante, uma gota amarga e seca lhe desce a garganta, mesmo o medo travando-lhe a boca ele força qualquer

resposta - O que você quer de mim, por que não sai das sombras e me encara de homem para homem?

- Homem? O que é homem criatura? Estou entre as sombras, seus olhos não me enxergam e mesmo assim me

aplica tal adjetivo se assim o é?

O homem, que antes se encontrava com medo, agora se vê em dúvida, não entende o que a voz quer dizer, vendo-

se pressionado, lança qualquer resposta tentando um diálogo mais compreensivo – Suponho que, como eu, você

tenha braços, pernas e vários outros membros que assim o caracteriza como homem?

A voz se cala um instante, depois de um tempo ouve-se a resposta – Então isso é o homem? Então me responda

criatura homem e se eu arrancar as minhas pernas, ainda sim você diria que sou homem?

O homem que já está em dúvida quanto ao que está acontecendo, fica ainda mais perdido, não entende aonde o

dono da voz quer chegar, ele teme tentar fazer algo e isso o levar a uma situação critica, afinal, a voz o vê e sabe

exatamente onde ele está, é mais sábio é continuar com o diálogo, pelo menos até o momento certo de atacar.

- Se arrancasse suas pernas, bem... – o homem para e pensa em uma resposta, depois de um tempo ele responde

– você continuaria sendo homem, pois, você fala e claramente percebe-se que também é dotado de raciocínio,

isso o caracteriza como homem.

Tudo fica em silencio, um minuto se passa e nem uma contra resposta, mais uma vez o homem engole seco, teria

aquilo sido algo de sua cabeça ou realmente estivera conversando com alguém? Ele embainha a espada, não é se-

guro continuar ali, ele apaga a fogueira e continua a andar em direção a montanha luminosa.

CÁSSIO BRITO BONFIM: Graduando do curso de licen-

ciatura em filosofia na UESB, blogueiro, mangaká e

instrutor de artes (desenho e pintura).

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Página 7 O Corpo

Vinicius Lemos Reis: Como foi

e como está sendo inscrita a sua tra-

jetória pela saúde mental e pelos atra-

vessamentos da loucura?

Antônio Moura: Ao longo dos

anos 80 do século passado, a minha in-

serção na saúde mental se fazia em dois

eixos de trabalho: um, o das práticas da

sociedade civil, incluindo-se o Movimento

da Renovação Médica, a Associação Psi-

quiátrica da Bahia, o Sindicato dos Médi-

cos, o Movimento da Luta Antimanicomial,

entre outros. O segundo eixo refere-se à

pesquisa teórico-clínica com autores da

chamada anti-psiquiatria dos anos 60/70

(Basaglia, Cooper, Laing, Szasz,) e pensa-

dores como Foucault, Sartre, Freud, Hus-

serl, Nietzsche, Deleuze-Guattari, o grupo

“Plataforma” da Argentina e tantos mais.

O essencial a reter desses dois eixos é o

conteúdo fortemente político então pre-

sente nas discussões. Hoje, nas entra-

nhas do século XXI, “está sendo inscrita”

minha trajetória com grandes dificulda-

des, tanto a nível clínico quanto político-

existencial. A chamada luta antimanicomi-

al foi até certo ponto cooptada e

“torcida” pelos poderes hegemônicos,

incluindo-se a própria psiquiatria com o

seu positivismo neuromaníaco, e o momen-

to histórico brasileiro de extrema desmo-

bilização da sociedade civil. De toda sorte,

o conceito de loucura como experiência-

limite, tal como Foucault nos ensinou, per-

manece como o sentido do não-sentido, de

onde e por onde são possíveis conexões

rizomáticas (Deleuze-Guattari) entre sabe-

res e práticas heterogêneas. Os dois eixos

citados (o social e o clínico) se confluem

da produção “trágica” da ação. Como diria

o Deleuze, ações múltiplas de resistência à

servidão consentida.

Vinicius Lemos Reis: Podemos

pensar em uma concepção multifatorial,

com intensidades diversas, para a gê-

nese dos quadros nosológicos em saúde

mental?

Antônio Moura: A gênese dos

quadros nosológicos, ou, para dizer em

termos médicos, a etiopatogenia dos

transtornos mentais remeteria, hoje, a

uma concepção transfatorial, ou seja, à

produção de um não-lugar onde os territó-

rios epistemológicos das disciplinas te-

nham as suas fronteiras dissolvidas. Isto

significa, sobretudo, aprender a pensar a

multiplicidade como o próprio real do

evento dito patológico. Onde? Quando?

Como? Por que? Para que? São perguntas

inscritas num olhar que busca fugir à

linearidade causa-efeito (mecanicismo da

psiquiatria oficial) em prol da criação do

sentido. Este se constitui de linhas exis-

tenciais entremeadas: o acontecimento.

Assim, a origem dos quadros nosológicos

não se achará num ponto fixo (qual uma

lesão cerebral, por exemplo), mas na mis-

tura de linhas de potência e não-potência

que constituem o sofrimento mental, lem-

brando que o sofrimento mental é um

produto social. O paciente que diz ser

Maomé estará “sofrendo”? Desde o tempo

de estudante, ouvia nas aulas o professor

dizer que a etiologia em psiquiatria é

sempre multifatorial. Na prática clínica,

contudo, constatei outras coisas... O tra-

balho transfatorial considera, pois, as

causas do “transtorno mental” como fato-

res atuais e daí colados, aliados à inven-

ção de terapêuticas. Dito de outro modo, a

causa e o tratamento estão implicados

num meio que é o social, por sua vez só

acionado, deflagrado, impulsionado, de-

sencadeado como desejo. Só existe o de-

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Página 8 O Corpo

sejo e o social e nada mais (Deleuze-

Guattari).

Vinicius Lemos Reis: A subje-

tividade pode afetar na constituição do

sujeito em sofrimento psíquico e como

pode auxiliar nas propostas de trata-

mento para esses sujeitos?

Antônio Moura: Prefiro usar o

conceito de “modos de subjetivação”

porque tal operação prático-teórica des-

cola a subjetividade do eu, do indivíduo,

da consciência, do cérebro, do organismo

físico-químico e até mesmo do sujeito

que acaba por se individualizar. Sabemos,

desde Foucault, que o indivíduo é um

“produto do poder”. Desse modo, o traba-

lho em saúde mental, numa “proposta da

diferença”, considera as subjetividades

como modos de produção subjetiva, não

só do paciente, mas dos técnicos e de

todos aqueles que estão implicados na

tarefa. São ações dificílimas de empreen-

der, tal o aprisionamento racional levado

a cabo pelas agências de controle social.

Algo se passa na economia dos afetos

(desejo) que torna o trabalho em saúde

mental atrelado às Formas estáveis vi-

gentes. Temos a própria instituição

“saúde mental” que não é mais que a

medicina estabelecendo e demarcando

seu território de saber, ao qual o pacien-

te e seus acompanhantes tem que se

adaptar. Ao inverso, uma prática da dife-

rença implica na criação de novas formas

de sensibilidade, intuição, percepção, sen-

sação e num desmoronamento das cren-

ças básicas em relação à loucura. Ao paci-

ente, o desejo é agenciado segundo cone-

xões em que até o fármaco pode “dar cer-

to”, desde que critérios ético-estéticos

configurem territórios de subjetivação

sequer sonhados pela racionalidade vigi-

lante e controladora.

Vinicius Lemos Reis: Como os

tratamentos em saúde mental, em es-

pecial a terapia medicamentosa, pode

se tornar um aprisionamento do sujeito,

e não um alívio, revelando um biopoder

sobre as subjetividades?

Antônio Moura: Os psicofárma-

cos constituem uma peça essencial do

agenciamento psiquiátrico instituído. Sen-

do assim, em geral eles são mortificações

do desejo, ou mais precisamente, produto-

res de subjetividades serializadas, padro-

nizadas, normatizadas. No entanto, não

são um “mal em si”, tampouco são uma

“essência”, exatamente por se instituírem

como um dispositivo prático, entre outros.

Caso eles sejam utilizados em conexões

com outros recursos terapêuticos (muitos

a serem inventados) podem ser úteis, sim,

notadamente em psicopatologias graves,

quando há situações de grande risco para

o paciente e/ou outros e em situações

clínicas complexas. Contudo, esta não é a

realidade mais comum, sendo os remédios

químicos, como dito acima, mortificações

do desejo, mormente em quadros não

graves (neuróticos) quando o paciente

costuma substituir seus sintomas por

uma dependência abjeta aos anti-

depressivos, ansiolíticos, sedativos,

hipnóticos, estabilizadores do humor,

neurolépticos em doses pequenas, enfim,

uma invalidação legalizada de suas potên-

cias, tudo isso louvado como a melhor das

soluções possíveis. Desse modo, o concei-

to de “biopoder” expressa o corpo institu-

ído como organismo consumidor da quí-

mica que “naturalmente” lhe falta. Ao

psiquiatra que quer fazer algo pelo paci-

ente e não só farmacologizá-lo, toda essa

realidade já chega pronta, definida, for-

matada, à qual ele deve se dobrar se qui-

ser continuar sendo psiquiatra. Este é um

ponto crucial de inflexão da minha prática

clínica. Ser psiquiatra sem ser psiquiatra.

Um paradoxo que escapa à racionalidade

médica. Mas, ao mesmo tempo, uma es-

tratégia de combate camuflada ao estilo

do agente duplo.

Vinicius Lemos Reis: Como

pensar os modos impostos pelo funcio-

namento da engrenagem social atual

em contraponto aos possíveis modos

de reinvenção de si e modos de existir

singulares, dentro da esfera da saúde

mental?

Antônio Moura: A engrenagem

social é uma engrenagem subjetiva. Sendo

assim, pensar os modos de funcionamento

Page 9: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 9 O Corpo

do controle em saúde mental é pensar a

reinvenção da Clínica psicopatológica.

Parece-me que o território da clínica (o

Encontro com o paciente) é por excelên-

cia trabalhado na conjugação de linhas de

controle que não estão ao alcance da

consciência, mas ao contrário, produzem

a consciência com o lugar da polaridade

alienação/desalienação, conceituação

inteiramente obsoleta, mas ainda fazendo

parte das crenças vigentes num cristia-

nismo oculto nas dobras da alma. De

todos nós. Já pensei e já me perguntaram

por que continuo psiquiatra, ou se sou

psiquiatra por que critico tanto a psiquia-

tria, ou, baseado no título do livro “Trair a

psiquiatria”, com quem a traí? Sobre

continuar psiquiatra, creio já ter respon-

dido no item anterior, ao falar da estraté-

gia do disfarce ou da potência do falso

como potência da arte.Quanto a “criticar”

a psiquiatria, duas respostas em uma. É

exatamente por ser psiquiatra que critico

e não ser psiquiatra esvaziaria o teor da

implicação político-institucional. A outra

questão (segunda resposta em uma) é

que busco cada vez menos criticar a psi-

quiatria, de resto uma ação (a crítica, bem

entendido, regida pelo universo da repre-

sentação) e sim de fazer a psiquiatria de

outro modo, ou de outros modos.Já a ter-

ceira pergunta,quanto à traição, e com

quem traí, digo que traí e continuo traindo

a psiquiatria com muita gente, uma série

tão extensa quanto impossível de relatar

aqui.

Vinicius Lemos Reis: O que o(s) corpo

(s) dos louco(s) (em uma concepção

ampla de loucura e quadros nosológicos

dispostos para a saúde mental, e não

somente, os indivíduos classificados

como psicóticos) enunciam? E dizem

sobre si?

Antônio Moura: Os corpos loucos dizem

não dizendo (conforme a razão), pois ex-

pressam singularizações existenciais in-

classificáveis. Fiquei sabendo com Foucault

que a loucura foi transformada e cadas-

trada como Doença no século XIX. Daí tal-

vez se possa inferir que hoje a psiquiatria

precisa mais do doente que o contrário. O

que os corpos enunciam são os gritos do

desejo agenciado nas circunstâncias da

vida social. Neste sentido, a prática clínica

em saúde mental só terá acesso a esses

corpos na medida em que encarne em si

mesmo a experiência do sem-sentido.

Questão prática: sob tais condições, o

Encontro com o paciente passa a ser o

encontro do técnico consigo mesmo, com

o corpo das intensidades que vêm de fora,

que chegam do Fora, entendendo esse

fora como o Coletivo em seus fluxos dese-

jantes, indeterminados e sempre atuais.

Ora pois, o desejo está no mundo, o desejo

é o Mundo, mesmo que se acredite em

outro mundo ou que se professe trans-

cendências astutas e melancólicas.Tais

assertivas podem parecer abstratas, mas

creio que ainda não são suficientemente

abstratas, pelo menos para fazer uma

psiquiatria cujo modelo de intervenção

prático seja a esquizofrenia, não como

entidade clínica (que aliás, não existe)

mas como processo desejante irreversí-

vel, ou seja, um devir.

VINICIUS LEMOS REIS : Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e

Sociedade (UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Vitória da Conquista) . Possui

graduação em Psicologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Pesquisador/Colaborador do

Labedisco/CNPq - Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo. Currículo Lattes: Clique Aqui!

ANTÔNIO MOURA : Psiquiatra do CAPS II/Vitória da Conquista-Ba (Centro de Atenção

Psicossocial) e autor do blog “O cérebro MENTE”.

Page 10: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 10 O Corpo

No campo dos estudos do texto

e do discurso, a presença do texto ima-

gético tem, ao longo dos anos, avançado

em meio à tradição do trabalho com o

texto verbal. Na perspectiva de fomentar

a discussão sobre a leitura de textos

imagéticos, propomos, para este paper,

analisar um enunciado imagético retirado

da página dos Black Blocs, no site de re-

lacionamentos Facebook (https://

www.facebook.com/pages/Black-Bloc-

Brasil/353035154737576).

Esse grupo ganhou destaque na

mídia brasileira quando das manifesta-

ções que ocorreram no Brasil no mês de

junho de 2013, apesar de já se apresenta-

rem organizados em outros países há

alguns anos em diversos protestos de

ordem anti-capitalista. Ressaltamos que

esse movimento é de base anarquista,

cuja ideologia reside em uma forma de

organização política sem que haja gover-

no em uma perspectiva hierárquica.

A respeito das imagens em dis-

cussão, nosso objetivo é levantar refle-

xões com base na teoria proposta por

Jacques Derrida (2012) acerca dos regi-

mes de visibilidade e de enunciabilidade, da

cegueira constitutiva e das relações de

memória e arquivo presentes nestes enun-

ciados com vistas a interpretar e descre-

ver os processos que fazem falar e que

silenciam os discursos nestas imagens.

Desse modo, esses componentes,

quando em conjunto, podem ser produto-

res de sentidos, uma vez que as práticas

de leitura estão em consonância com o

exercício de uma prática discursiva em

determinada função enunciativa:

Daí sua condição de existência per-mitir afirmar que os sentidos cir-

cunscritos nesse gênero imagético apresentem-se tanto no plano da

visibilidade quanto no plano da invi-

sibilidade; serem desvelados como (re)criação e transformação da

realidade, e, dependendo das articu-lações que se encontram em jogo,

portar um discurso que evidencia determinados aspectos ou elemen-

tos e omite outros considerados irrelevantes aos efeitos de sentido

pretendidos. (TASSO, 2005, p. 149)

O trabalho com a fotografia é

caracterizado pela oportunidade de regis-

trar um determinado momento e reproduzi

-lo inúmeras vezes no futuro. Dessa forma,

“a fotografia será espelho do real se os

sentidos forem estabelecidos por meio da

semelhança existente entre a imagem e

seu referente, o discurso será o da mime-

se.” (TASSO, 2005, p. 140)

Para a realização efetiva do

gesto de descrição e de interpretação da

materialidade imagética, seja no plano da

visibilidade, bem como na invisibilidade, o

analista precisa convocar, além dos co-

nhecimentos técnicos acerca do trabalho

com a imagem, os aspectos relativos às

regras de formação do enunciado em

questão, uma vez que o texto imagético,

semelhante ao texto verbal, também se

vale de estratégias e mecanismos discur-

“O trabalho com a fo-

tografia é caracteriza-do pela oportunidade de registrar um deter-minado momento e re-

produzi-lo inúmeras

vezes no futuro. ”

Page 11: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 11 O Corpo

sivos, linguísticos e técnicos para produ-

zirem sentidos acerca de um determina-

do objeto.

Assim, ao tomarmos enquanto

objeto a série de imagens dos Black

blocs, pensamos, num primeiro momento,

na instância do acontecimento, na experi-

ência de emergência do enunciado. Como

expõe Derrida (2012, p. 70) “um aconteci-

mento é o que vem; a vinda do outro co-

mo acontecimento só é um acontecimen-

to digno desse nome, isto é, um aconteci-

mento disruptivo, inaugural, singular, na

medida em que precisamente não o ve-

mos vir”.

A singularidade do aconteci-

mento do enunciado a seguir pode ser

descrito considerando as condições de

possibilidade e de emergência de tal dese-

nho.

Este enunciado foi posto em cir-

culação no dia 28 de junho de 2013, exatos

oito dias após as grandes manifestações

populares nas ruas ocorridas no Brasil no

referido mês. No entanto, faremos, antece-

dendo às análises do trabalho, algumas

considerações acerca do espaço facebook,

no qual se encontram as imagens do Black

Bloc Brasil. Por certo, essa imagem nos

serve como fragmentos de memória para

dar forma a um quadro mais amplo e exte-

rior, invisível ao nosso olhar. O próprio

Derrida (2012, p. 164) nos indica essa dire-

ção:

[...] nuca falo da pintura, justamen-

te, isto é, da cor, da mancha de cor, mas do que vem em torno: o dese-

nho, mas também as bordas, a mol-dura; aquilo que encontra-se no

exterior do desenho, vem de algum modo preencher ou determinar o

que está dentro; o que inscreve o desenho numa superfície, que o

transborda ou, no mercado da pintu-

ra, do desenho, o que o inscreve em especulações que são tanto as do

mercado do desenho quanto especu-

lações teóricas, discursos.

As relações de memória estabe-

lecidas na leitura desta imagem evocam a

bandeira do Brasil e o movimento anar-

quista, cujos símbolos, cores e dizeres

sobredeterminam o texto primeiro. Num

gesto de descrição deste enunciado, ob-

servamos que, quanto ao verbal, a frase

“Ordem e Progresso”, da bandeira brasi-

leira, está ligeiramente apagada e no can-

to superior direito há a inscrição, a deno-

minação do grupo “Black Blocs”. Para

além disso, há, ainda, sobre a bandeira, o

símbolo do Anarquismo. Naquilo que diz

respeito às cores, ocorre o apagamento

do verde, azul e amarelo, constituintes da

bandeira brasileira, em detrimento ao

vermelho e preto, cores-símbolo dos

anarquistas.

Pensamos, deste modo, que

ocorre, neste texto imagético, uma rela-

ção de paráfrase-polissemia, uma vez que

há a retomada do texto primeiro – a ban-

deira do Brasil – e o caráter polissêmico

deste texto se dá quando da ressignifica-

ção, da reatualização dos elementos com-

ponentes da imagem.

Nesse sentido, a noção de rastro

faz-se operante porque, segundo Derrida

“Naquilo que diz res-

peito às cores, ocorre o apagamento do ver-

de, azul e amarelo, constituintes da ban-

deira brasileira, em de-trimento ao vermelho e preto, cores-símbolo

dos anarquistas.”

“Por certo, essa ima-

gem nos serve como fragmentos de memó-

ria para dar forma a um quadro mais am-plo e exterior, invisí-

vel ao nosso olhar.”

Page 12: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 12 O Corpo

dos por essas imagens. Seguimos apenas

alguns rastros que nos foram permitidos

a partir do que esses enunciados nos

autorizam a refletir. Fomos conduzidos,

no ato dessa leitura, a fazer um recorte

de interpretação, daquilo que o regime do

arquivo permitiu aparecer e fazer circu-

lar. A cegueira constitutiva encontra-se

também materializada no regime do enun-

ciado, ou seja, daquilo que se encontra no

regime de visibilidade, e o que se mostra

ao campo da invisibilidade, o qual compete

à memória traduzi-la para o visível, bem

como do previsível, já que está arquivado

naquilo que (não) se anulou ao olhar.

REFERÊNCIAS

DERRIDA, J. Pensar em não ver: escritos

sobre as artes do visível (1979-2004).

Ginette, M.; Masó, J. B. (Orgs.). Florianópo-

lis: UFSC, 2012.

TASSO, I. Linguagem não-verbal e produ-

ção de sentidos no cotidiano escolar. In:

SANTOS, A. R.; RITTER, L. C. B. (Org.). Con-

cepções de linguagem e o ensino de

língua portuguesa - v. 18. Maringá:

EDUEM, 2005. p. 129-171.

(2012, p. 79), este conceito “é a própria

existência, em toda a parte onde nada

nela se resume ao presente vivo e onde

cada presente vivo é estruturado como

presente por meio da remissão ao outro

ou à outra coisa, como rastro de alguma

coisa outra, como remissão-a.”. Ou seja,

vemos funcionar discursivamente neste

texto imagético a questão de uma memó-

ria discursiva do que é/era a bandeira do

Brasil e como, tendo em vista as manifes-

tações, a ressignificação desta bandeira

numa operação parafrásica-polissêmica

assumiu uma nova roupagem, produzindo

assim, outros sentidos.

Faz-se presente, também, a

noção de traço diferencial na leitura dis-

cursiva deste enunciado, como nos ensi-

na Derrida (2012, p. 165), este traço “é

aquilo que permite opor o mesmo e o

outro, o outro e outro, e distinguir”. Nes-

sa perspectiva, os traços diferenciais da

imagem em questão são passíveis de

observação quanto às cores, ao apaga-

mento dos dizeres da bandeira e à inscri-

ção do nome do grupo. No entanto, ao

pensarmos nessa relação de oposição

estabelecida com a bandeira primeira,

constatamos que essa operação de dife-

renciação não nos é dada a ver, é algo

exterior à imagem. Como expõe o filósofo,

“e então, o que separa – o intervalo, o

espaçamento – por si mesmo não é nada,

não é nem inteligível, nem sensível, e na

medida em que não é nada, não está pre-

sente, remete sempre a outra coisa e,

consequentemente, não estando presente,

não se dá a ver” (DERRIDA, 2012, p. 166).

Portanto, a apreensão do que não

é visto, a superfície invisível desses traços

diferenciais diz respeito àquilo que Derrida

(2012, p. 172) trata como “uma experiência

do não-ver”, porque o que há neste gesto

de leitura é um enceguecimento, uma leitu-

ra feita a partir de nossas memórias, a

partir de nosso blind spot, daquilo que nos

é permitido ver, uma vez que o campo de

visibilidade é constituído por uma invisibili-

dade. Assim, segundo Derrida (2012, p.

184), “Todo campo do visível é um campo

de invisibilidade e não há oposição entre

visível e invisível. É preciso, pois, que o

olho não veja ou não se veja para ver”.

Assim, ressaltamos que não pretendemos,

nesse estudo, esgotar os sentidos produzi-

“[...] ao pensarmos

nessa relação de opo-sição estabelecida com a bandeira pri-meira, constatamos

que essa operação de diferenciação não nos

é dada a ver, é algo

exterior à imagem.”

Page 13: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 13 O Corpo

O documentário “Foucault na Bahia: a liberdade nunca é demais”, produzido pelo Labedisco,

foi apresentado publicamente pela primeira vez no Colóquio “30 anos com Foucault: Corpo e

Heterotopias”, realizado em dezembro de 2014 na UESB pelo Laboratório de Estudos do Dis-

curso e do Corpo. Acesse clicando na imagem abaixo:

Dica de O Corpo

O filósofo francês Michel Foucault esteve duas vezes em Belém, nos anos de 1973 e 1976. Es-

te documentário faz um inventário de sua segunda visita, quando, a convite de Benedito Nu-

nes proferiu um curso na Universidade Federal do Pará-UFPA. Naquele momento o Brasil

passava pela ditadura militar e a UFPA começava a se organizar às margens do rio Guamá.

Acesse clicando na imagem abaixo:

Page 14: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 14 O Corpo

FERNANDES, Cleudemar Alves. Discurso e sujeito em Michel Foucault. São Paulo: Editora Intermeios, 2012. 106 p.

Esta análise dos discursos sobre a

qual estou pensando se articula com o trabalho efetivo dos histori-

adores.

Michel Foucault ([1970] 2013, p. 53-54)

A análise do discurso assim enten-

dida não desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra à luz do

dia o jogo de rarefação imposta, com um poder fundamental de

afirmação. Rarefação e afirmação, rarefação, enfim, da afirmação e

não generosidade contínua do sentido, e não monarquia do signi-

ficante.

Michel Foucault ([1970] 2013, p. 66)

A obra Discurso e sujeito em

Michel Foucault de autoria do professor

Cleudemar Alves Fernandes, fruto de seu

estágio de pós-doutoramento junto à

UNESP, Universidade Estadual Paulista –

Campus Araraquara, foi publicado pela

editora Intermeios em 2012 e possibilita

um agradável percurso de leitura que

vem, sem dúvidas, preencher uma lacuna

da área no sentido de não apenas orga-

nizar, de modo apropositado, conceitos

(essenciais) dispersos nas diversas

obras desse pensador e operacionalizá-los

na perspectiva da Análise do Discurso

(AD), mas, também, convencer, até o leitor

mais semoto, da posição teórica que assu-

me.

Seu esforço, já apontado na apresentação

da obra, é o de evidenciar a proficuidade

do pensamento do filósofo para o campo

da AD e tomar conceitos dispersos em sua

“inesgotável” produção intelectual como

instrumentos teóricos e metodológicos

propícios para a analítica de diferentes

corpora. Nesse exercício, o autor conse-

gue reunir, em cada capítulo, reflexões em

torno de conceitos que servem de norte

ao desenvolvimento das problematizações

de Foucault, como é o caso da noção de

sujeito, cuja produção, em diferentes épo-

cas e a partir de analíticas distintas, evi-

dencia o funcionamento da exterioridade

em sua constituição.

Após a Apresentação, no primeiro capítu-

lo, de cariz introdutório e intitulado En-

contro com Foucault no Discurso, o autor

apresenta a justificativa para a escrita de

sua obra: “Em meu percurso da leitura

dessa obra, constatei que muito desse

aporte ainda não figura nas pesquisas em

Análise do Discurso, aspecto que torna

ainda mais profícua a realização deste

estudo” (FERNANDES, 2012, p. 15). De tal

sorte, evidencia a lacuna existente na

área no sentido de reunir conceitos já

operacionalizados por diversos pesquisa-

dores no Brasil, mas que ainda carecem

de uma organização que facilite uma aná-

lise nessa perspectiva, a qual recebe o

nome de “Análise do Discurso foucaultia-

na” (FERNANDES, 2012, p. 20). Após essa

justificativa e algumas considerações

gerais acerca da relação de Foucault com

o sujeito e o discurso, o autor apresenta a

“[...] o autor consegue

reunir, em cada capí-tulo, reflexões em tor-

no de conceitos que servem de norte ao de-

senvolvimento das problematizações de

Foucault, como é o ca-so da noção de sujei-to, cuja produção, em diferentes épocas e a

partir de analíticas dis-tintas, evidencia o

funcionamento da ex-terioridade em sua

constituição.”

Page 15: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 15 O Corpo

noção de discurso para a AD, para em

seguida contrastá-la com as noções de

discurso arroladas nas teses de Foucault.

Nesse batimento, aponta as contribuições

que tais noções, provenientes do pensa-

mento do filósofo, se possibilitam em

pesquisas inscritas na alçada da AD.

O segundo capítulo da obra ora resenha-

da intitula-se O discurso: aspectos teóri-

cos e metodológicos em Foucault e inicia-

se com uma reflexão a respeito da pers-

pectiva histórica adotada pelo filósofo em

sua fase dita arqueológica. Nesse mo-

mento, o autor aponta as críticas de Fou-

cault à história tradicional, vertente esta

que tende a enfatizar apenas os

“grandes” acontecimentos e em que a

singularidade dos eventos “menores” é

desprezada. Nesse ínterim, expõe os

“furos” que tal perspectiva impõe sobre

as formações das ciências e dos objetos

na descontinuidade histórica. Essas ques-

tões servem para apontar a complexida-

de, ou melhor, heterogeneidade da histó-

ria, ótica esta adotada como princípio

para a formação dos discursos e objetos

e que implicam, também, em suas condi-

ções de emergência, a forma-

ção/constituição de sujeitos. Dentro des-

sa perspectiva histórica, o autor segue

revisitando o conceito de enunciado pro-

posto por Foucault em sua Arqueologia e

que se estende também em reflexões

ulteriores. De tal modo, aponta a proficui-

dade de tal conceito para a AD, questão já

levantada por historiadores do discurso,

tal como Jean-Jacques Courtine. O autor

consegue desenhar em cada página deste

capítulo um quadro que evidencia as inú-

meras possibilidades que se instauram

para uma análise arqueológica do discurso

e do sujeito.

Sujeito, Poder e Verdade: discursos e dis-

positivos é o título que abre o terceiro

capítulo. Como se verifica pelo nome, as-

sim como nas diferentes “fases” propostas

por estudiosos da área e também assina-

ladas pelo autor, quer sejam os momentos

ditos arqueológico, genealógico e da éti-

ca/estética da existência, este capítulo

avança a perspectiva do discurso enfati-

zando a problemática das relações de po-

deres e verdades a ele inerentes. Em ou-

tros termos, avança da arqueologia para a

genealogia sem, contudo, desconsiderar as

questões apontadas pelo autor sobre o

sujeito e o discurso em outros períodos. É

preciso assinalar, e isso o autor salienta

muito bem, que a divisão em “fases” é

apenas tomada para cumprir um propósito

didático, o que não implica uma divisão

e/ou separação de uma fase a outra. Tais

questões são pertinentes, pois a despeito

de diferentes aspectos serem tocados por

Foucault em sua analítica de discursos

(epistemes, poder, relação do discurso

com o saber, produção de sujeitos etc.),

percebe-se, na dispersão de suas várias

teses, a possibilidade de reunir conceitos

em torno dos quais gravita o objeto dis-

curso. Assim, as considerações arroladas

por Fernandes acerca do poder (pastoral,

disciplinar, na política, nas relações hu-

manas, diárias, de luta, na relação do

poder com o corpo, com os próprios su-

jeitos, entre outros), servem, sem dúvi-

das, como aporte a ser tomado pelo ana-

l is ta no bat imento descrição-

interpretação de seu objeto.

Assim como as teses de Foucault, cada

capítulo da obra de Fernandes enfoca

diferentes aspectos inerentes ao discurso

e ao sujeito. De tal sorte, no capítulo 4,

Discurso e Produção de subjetividade, o

autor faz referência ao discurso para

demonstrar sua atuação (direta) na pro-

dução de sujeitos, sujeitos sempre em

construção, inacabados, marcados por

incompletude. O sujeito se constitui na

história, e Fernandes recorre a obras

como História da Loucura, Vigiar e Punir e

Hermenêutica do Sujeito para explicitar a

problemática da subjetividade em relação

com o discurso. Cada página nos faz com-

preender que as diferentes possibilidades

apontadas por Foucault acerca da exis-

tência do discurso e de sua construção na

história não se desvinculam das diferen-

tes técnicas que regulam as ações dos

Page 16: O corpo é Discurso – Nº 50

Página 16 O Corpo

sujeitos (sujeitos de linguagem – verbal,

corporal etc.). Em outros termos, o sujei-

to é subjetivado pela exterioridade, “a

subjetividade é compreendida como pro-

duto entre virtualidades produzidas e

resulta de práticas diversas, advindas de

saberes que envolvem uma pluralidade de

discursos” (FERNANDES, 2012, p. 77). Este

capítulo também retoma características

já arroladas anteriormente e prolonga as

discussões sobre o discurso em sua rela-

ção com a verdade, cujas condições

apresentadas são, do mesmo modo, pos-

sibilitadoras da construção de subjetivi-

dades.

Para fechar esta obra, o quinto e último

capítulo versa sobre Discurso e Sujeito

em Foucault: O autor, a história e a me-

mória. Enfocando questões atinentes ao

discurso, já assinaladas anteriormente,

sem contudo mostrar-se repetitivo, o

autor enfatiza a construção do discurso

na história e aponta a relevância da me-

mória neste ínterim: “compreender o

funcionamento da memória discursiva

implica entender o funcionamento do social

e da história como lugares em que os su-

jeitos se inscrevem” (FERNANDES, 2012, p.

96). Portanto, o sujeito produz discursos a

partir de possibilidades históricas e é tam-

bém por meio dessas que se permite com-

preendê-lo. Fernandes também dedica

algumas páginas para tratar do autor,

noção ligada ao conceito de sujeito no que

concerne a uma de suas funções e, do

mesmo modo, muito pertinente para ana-

listas que lidam com o literário como obje-

to discursivo.

Por fim, entre os diversos méritos de

Discurso e sujeito em Michel Foucault,

destacamos o refinamento teórico ímpar, a

clareza de linguagem e, sem dúvidas, o

convencimento a que chegamos ao longo

da trajetória efetuada por Fernandes em

que se vislumbra a presença (des)contínua

do discurso e do sujeito nas densas teses

do filósofo. Além disso, percebe-se uma

recorrência no que tange à exterioridade,

aos discursos em dispersão como fundan-

tes e constitutivos dos sujeitos. O sujeito

é produzido somente a partir de condi-

ções históricas e sociais que o rodeiam, a

partir de discursos outros. Ademais, des-

tacamos que a obra ora referida muito

contribui no sentido de solidificar uma

perspectiva de pesquisas já adotada por

diversos grupos no Brasil , cujos partici-

pantes e líderes possuem notável acervo

de publicações na área, além de estarem

envolvidos na organização de eventos

científicos de relevância internacional.

Portanto, recomendamos essa obra a

acadêmicos de Letras, Filosofia e História,

a estudiosos da linguagem em geral – em

especial àqueles interessados na intrica-

da relação do discurso com a história –,

bem como a todos os pesquisadores ins-

critos na alçada da AD. Em especial a es-

tes últimos, tal leitura é, sem dúvidas,

imprescindível.

WELISSON MARQUES : Pós-doutorando pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Estu-

dos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade

Federal de Uberlândia (PPGEL-UFU). Integrante do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaul-

tianos (LEDIF/UFU). Currículo Lattes: Clique Aqui!

MARIANA NUCCITELLI SIMÕES : Orientanda de iniciação científica (PIVIC/IFTM). Instituto Fede-

ral do Triângulo Mineiro.

Page 17: O corpo é Discurso – Nº 50

Leitura do Livro “Vertentes do Insólito Ficcional – ensaios I”, escrito por Flavio Garcia e Marisa Martins

Gama-Khalil.

Dica de O Corpo

Página 17 O Corpo

“Um dos produtos desse trabalho intenso e in-

cessante é o presente livro, que abre a série

“Vertentes do Insólito Ficcional – ensaios”. Pre-

tende-se, com os volumes que virão a compor a

série que ora se inaugura, oxigenar ainda mais

os estudos do insólito ficcional, em sua mais

ampla dimensão e diversidade, reunindo resul-

tados parciais ou finais de pesquisas realizadas

pelos membros do Grupo de Trabalho ou por

seus orientandos e supervisionandos. Não se

exclui, obviamente, contribuições de pesquisa-

dores externos, sempre que contribuam com a matéria central de unidade, que flutua at-

mosfericamente pelas manifestações do insólito na ficção, em sentido lato.

O “Vertentes do Insólito Ficcional – ensaios I” traz, ao todo, vinte e um trabalhos, que, em

sua maioria, correspondem ao texto integral das apresentações acontecidas durante o

XXIX Encontro Nacional da ANPOLL, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), em Florianópolis, entre 9 e 11 de junho de 2014.”

Clique aqui para baixar o livro!

Page 18: O corpo é Discurso – Nº 50

O corpo é discurso

Conselho Editorial Internacional

Beatriz de Las Heras (Universidad Carlos III de Madrid)

Jean-Jacques Courtine (University of Auckland)

Martha Guadalupe Loza Vazquez (Universidad Autônoma de Guadalajara)

Philippe Dubois (Sorbonne Nouvelle – Paris 3)

Conselho Editorial Nacional

Adilson Ventura da Silva (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Amanda Batista Braga (Universidade Federal da Paraíba)

Anderson de Carvalho Pereira (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Antônio Fernandes Júnior (Universidade federal de Goiás)

Conceição de Maria Belfort de Carvalho (Universidade Federal do Maranhão)

Denise Gabriel Witzel (Universidade Estadual do Centro-Oeste)

Edvania Gomes da Silva (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Elmo José dos Santos (Universidade Federal da Bahia)

Flávia Zanutto (Universidade Estadual de Maringá)

Francisco Paulo da Silva (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)

Ilza do Socorro Galvão Cutrim (Universidade Federal do Maranhão)

Ivânia dos Santos Neves (Universidade Federal do Pará)

Ivone Tavares Lucena (Universidade Federal da Paraíba)

Leda Verdiani Tfouni (Universidade de São Paulo)

Luzmara Curcino Ferreira (Universidade Federal de São Carlos)

Maíra Fernandes Martins Nunes (Universidade Federal de Campina Grande)

Maria do Rosário Gregolin (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)

Maria Regina Baracuhy Leite (Universidade Federal da Paraíba)

Marisa Martins Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia)

Mônica da Silva Cruz (Universidade Federal do Maranhão)

Nádia Regia Maffi Neckel (Universidade do Sul de Santa Catarina)

Nilton Milanez (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Nirvana Ferraz Santos Sampaio (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Paula Chiaretti (Universidade do Vale do Sapucaí)

Pedro Luis Navarro Barbosa (Universidade Estadual de Maringá)

Sandra Márcia Campos Pereira (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)

Simone Hashiguti (Universidade federal de Uberlândia)

Vanice Maria Oliveira Sargentini (Universidade Federal de São Carlos)

Página 18 O Corpo

Page 19: O corpo é Discurso – Nº 50

O Corpo é Discurso

é o primeiro jornal

eletrônico de

popularização

científica da Bahia.

Colaboradores

Popularização da Ciência

A pesquisa científica gera conhecimentos, tecnologias e inovações que benefi-

ciam toda a sociedade. No entanto, muitas pessoas não conseguem compreender a

linguagem utilizada pelos pesquisadores. Neste contexto, a grande mídia e as novas

tecnologias de comunicação cumprem o papel de facilitadores do acesso ao conhe-

cimento científico. Para contribuir com esse processo, em sintonia com o espírito

que anima o Comitê de Assessoramento de Divulgação Científica do CNPq, criamos

esta seção no portal do CNPq. Seja bem-vindo ao nosso espaço de popularização da

ciência e aproveite para conhecer as pesquisas dos cientistas brasileiros e os bene-

fícios provenientes do desenvolvimento científico-tecnológico.