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O Corpo na construção de uma identidade visual Cíntia Guimarães Santos Sousa – [email protected] Orientador: Prof. Dr. Márcio Pizarro Noronha /UFG Mestranda em Cultura Visual – Faculdade de Artes Visuais/UFG Professora Substituta no Departamento de Artes Plásticas. 2000 a 2002/ UFU Especialista em Arte e Ensino de Arte. 1996 a 1998/ UFU Graduada em Ed. Artística Habilidade em Artes Plásticas. 1993/ UFU Relato de Pesquisa

O Corpo na construção de uma identidade visual · Professora Substituta no Departamento de Artes Plásticas. 2000 a 2002/ UFU Especialista em Arte e Ensino de Arte. 1996 a 1998

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O Corpo na construção de uma identidade visual

Cíntia Guimarães Santos Sousa – [email protected] Orientador: Prof. Dr. Márcio Pizarro Noronha /UFG

Mestranda em Cultura Visual – Faculdade de Artes Visuais/UFG

Professora Substituta no Departamento de Artes Plásticas. 2000 a 2002/ UFU Especialista em Arte e Ensino de Arte. 1996 a 1998/ UFU

Graduada em Ed. Artística Habilidade em Artes Plásticas. 1993/ UFU

Relato de Pesquisa

RESUMO

O resumo trata de um projeto de pesquisa do programa de Mestrado em Cultura Visual na

linha de pesquisa em poéticas visuais. A pesquisa é o estudo do corpo como um suporte

plástico/visual para a construção de uma instalação, a qual envolve a participação do público,

assim como as questões teóricas e poéticas instigadas pela prática.

O corpo como suporte plástico trata das representações que serão criadas através de

registros fotográficos e audiovisuais a partir de corpos em movimento, ou seja, de dançarinos. O

corpo visual é pensado nos modos de apreensão artística dos fenômenos que atingem ou que são

produzidos no e pelo corpo, os limites, a transgressividade da corporeidade, a sinestesia, a dor, a

organicidade.

O conceito que envolve este trabalho é o labirinto, por se tratar de uma instalação, na qual

o espaço habitado não tem a necessidade de ter a forma de um labirinto, mas sim a idéia de ser

labiríntico, labirintado. O espaço da instalação propõe sensações no ato do percurso, propondo

situações relacionais, entre pessoas ou mesmo entre obra e espectador. A instalação só se

completara com a participação do outro, que neste caso é o visitante. Será necessário percorrer

todo o percurso proposto pela montagem para se (re) encontrar. Faço referência às idéias de

espaços abertos e de convívios com os labirintos de Hélio Oiticica que não são feitos para as

pessoas se perderem, mas para ali se acharem, se encontrarem consigo mesmas e também com os

outros.

O Corpo na construção de uma identidade visual

A pesquisa nas poéticas visuais do corpo e sua representação vem sendo desenvolvidas

desde os anos 90 através do estudo de diversas técnicas e suportes plásticos; no campo da pintura,

desenho e gravura (xilogravura e gravura em metal), tendo passagem pelo xerox até chegar à

fotografia e mais recentemente as imagens digitas.

O foco dessa pesquisa visual sempre foi o corpo, no princípio da pesquisa o elemento que

marcava as representações era o pé, então comecei xerocar(fotocopiar)1 os pés das pessoas que

tinham uma ligação com o meu dia-a-dia, por exemplo: minha mãe, minha filha, meu esposo,

amigos e até alunos2. Levava as pessoas até uma máquina de fotocopiadora e as colocavam em

cima para fazer a cópia da parte cima dos pés. A partir daí construí uma composição de acordo

com as características das pessoas. Neste caso o pé ajudava a pensar o corpo, que tipo de corpo

era aquele? De Homem(s)? De Mulher (es)? De Criança(s)?

Podemos associar o elemento pé a determinados eventos cristãos, como é o caso da

cerimonia lava-pés, um ritual dos cristãos na Semana Santa: o Padre lava os pés dos fiéis

simbolizando a ação em que Jesus lavou os pés dos discípulos. Associamos também a figura do

pé, a sacrifícios e rituais que muitas pessoas, provavelmente cristãs, realizam com o próprio

corpo: ao subirem de joelhos nas escadarias de igrejas, carregarem cruzes no ombro, fazerem

peregrinações descalço de um lugar até uma cidade que tenha um santuário religioso.

Encontramos vários registros de promessas e pagamentos de promessas em salas de ex-votos.

Nessa salas podemos encontrar réplicas de pernas, pés, braços e outras partes do corpo feitos de

madeira ou pintados. Esses fragmentos de corpos humanos simbolizam o lugar da cura.

1 O uso do xerox como linguagem surgiu numa oficina de gravura no curso de especialização em Arte e Ensino de Arte realizado na Universidade Federal entre os anos de 1996 a 1998. A partir desta oficina o trabalho com imagens fotocopiadas tomou conta da produção. 2 A partir da inserção no curso de Mestrado em Cultura Visual e das orientações realizadas com o professor da disciplina de Metodologia qualitativa de pesquisa, surgiram novas reflexões diante dos trabalhos desenvolvidos até então. A questão é que os objetos permaneceram os mesmos, mas surgiram novas reflexões sobre as relações as quais eu usava para conseguir as imagens, ou seja, o modo como reunia os grupos para fazerem os xerox dos pés partia de uma relação de convivência entre as pessoas e ou grupos. É o que acontece com esse atual projeto de pesquisa(do Mestrado), irei partir de um grupo(agora específico: artistas) para coletar imagens e produzir um espaço de convívio e convivência. Na verdade já realizava, de certo modo, arte relacional com foco etnográfico, mas não tinha consciência disso.

Em 1998 foi realizada uma exposição nomeada “Peregrinação” - com imagens de xerox

de pés - que contava sobre acontecimentos do passado, referências que marcaram minha vida,

pessoas ligadas ao meu cotidiano. As imagens dos pés criavam visualidades justapostas, os pés

xerocados e recortados eram montados lado a lado, dialogando com fragmentações e repetições

de diversas formas. No espaço da exposição foi montada uma instalação de uma capela, com

fotos de pessoas em procissão à “Nossa Senhora da Abadia” e em algumas dessas fotos

encontrava registros de minha infância na qual me vestia de anjo e ficava descalça para pagar

promessa feita por meus familiares.

O uso do xerox como expressão artística não é recente, a Xerografia um termo muito

utilizado pelos críticos e artistas da época, é uma técnica de reprodução de imagem, que teve um

avanço no Brasil a partir dos anos 70, quando as primeiras companhias multinacionais, uma delas

a XEROX do Brasil S.A., instalaram-se no mercado brasileiro.

A aceitação dessa nova técnica, por parte das instituições, veio a partir da Bienal e de

alguns salões de arte da época, muitas vezes aparecia como técnica mista, pesquisa,

experimentação, proposta ou gravura, e não Xerografia. Com o xerox ficou mais fácil e rápida a

reprodução e a circulação das imagens e dos textos, por

meio dos correios(Arte Postal), que serviam para

propagar esse tipo de arte. Vários artistas começaram a

entrar em contato direto com outros artistas em

diferentes lugares, proporcionando uma produção e uma

troca coletiva, em que um artista tornava-se o

espectador do outro, consequentemente, levantando

discussões a respeito do papel do museu, da arte, da

galeria e do mercado da arte.

Cíntia Guimarães, 1998 Cintia Guimarães, 2000

Neste momento cresciam, cada vez mais, os experimentos com as tecnologias e o xerox

era um dos meios que possibilitava ao artista experimentar formatos, proporções, texturas,

variações de cores, ampliações e reduções de objetos tridimensionais as quais se tornavam

bidimensionais, numa velocidade muito grande, fascinando o artista.

Além dessas possibilidades alguns artistas

começaram a explorar, com muita intensidade, a reprodução

do próprio corpo, fragmentado, repartido, alterado e

desconhecido. O xerox, então, passou a representar um

papel importante; este deixava de ser suporte da obra, para

ser a obra. Hudinilson JR., um dos artistas pioneiros no

Brasil da Arte Xerox e da Arte Postal, utiliza a máquina

fotocopiadora para reproduzir cópias do seu próprio corpo e

afirma que “é importante entender os limites impostos pela

máquina, ampliar seus recursos e dominar seus limites,

para, invertendo algumas relações, fazer com que a

máquina seja veículo e co-autora do trabalho”(1983).

Arte Postal

Arte Xerox

Hudinilson Jr. Xerocando seu próprio corpo, 1983

Hudinilson Jr. NNaarrcciissssee..11998833

Esse breve histórico da Arte Xerox contextualiza os caminhos da produção aqui relatada,

e também a troca de experiências com outros artistas e o referencial histórico são de suma

importância para esta pesquisa no campo das Artes Visuais.

Em meados do ano de 1999 tive a oportunidade de conhecer uma pessoa que enriqueceu

mais uma vez meu trabalho. Aproximei-me dela por causa de seu nome Maria Pé No Chão.

Novamente a figura do pé marcava o trabalho.

Maria Pé No Chão - nome dado a ela por familiares e amigos - é conhecida em toda a

cidade de Monte Alegre de Minas/MG; mais por seu apelido do que pelo seu nome verdadeiro.

Dona Maria Pé No Chão nunca calçou sapato e tem uma vida como qualquer outra mulher, além

de ser aposentada, cria seus netos e leva uma vida marcada por conflitos, desencontros,

diferenças e preconceitos. E desde sua infância aprendeu com seu pai a não dar valor as coisas

materiais. Sempre viveu em casa simples, com pouco dinheiro, mas sempre trabalhando muito

em casa ou empregos arranjados por amigos.

Mulher, esposa, mãe, trabalhadora e que carrega consigo o preconceito das pessoas por

não calçar sapato, é considerada uma estranha em nossa sociedade e nem por isso essas coisas lhe

afetam, leva sua vida como qualquer outra pessoa. Anda por toda a cidade quase todos os dias,

pela manhã sai de casa e só retorna ao entardecer, conversa com todos na rua, é amiga das

No decorrer da pesquisa os estudos e as

experimentações foram tomando uma dimensão que

só a figura do pé não dava conta das inquietações em

relação às representações e os questionamentos do

corpo. Sendo assim vários elementos começaram a

surgir para estabelecer diálogos com os pés, por

exemplo: perucas, bicos de mamadeiras, pente,

óculos...enfim elementos, que também eram

xerocados e que fortificavam a presença de um corpo

fragmentado por objetos que marcavam a presença e

ao mesmo tempo a ausência do corpo. Cíntia Guimarães. 2001

crianças, adultos e velhos, fala o que pensa e faz o que quer. Por mais que encontre obstáculos em

sua caminhada ela, os enfrenta e sempre transmite muita alegria e confiança em viver.

Maria Pé No Chão faz parte da história da cidade e traz consigo a memória visual de um

universo rural e de um pequeno centro urbano, e ainda constrói um sistema próprio de

entendimento do mundo. Rubem César Fernandes e Carlos Rodrigues Brandão foram

pesquisadores que descreveram este universo do mundo rural, suas procissões, seu sistema de

símbolos, de festas, de ritos.

Em virtude desse encontro, no mesmo ano que a conheci, produzi um vídeo com suas

imagens, para uma exposição coletiva chamada “O que somos”?, o vídeo questionava: “Quem

somos? Como somos? Como é nosso dia? Como andamos?

Desde então produzi vários estudos com o uso de fotos e relatos dessa mulher e assim

aproximei-me dela cada vez mais e pude perceber o quanto a sua história de vida é marcada por

caminhos que diferem, e ao mesmo tempo se assemelham aos caminhos percorridos pela minha

pesquisa, e consequentemente minha história de vida.

Partes desse universo da Maria Pé No Chão fica registrado nas fotografias e gravações de

áudio, andamos e conversamos pelas ruas e ao mesmo tempo fazemos os registros. Ela não gosta

de ficar num mesmo local por muito tempo, gosta de ver a cidade, conversar com as pessoas, dar

risadas, fazer graça com as crianças, no entanto, é muito difícil gravar suas falas e fotografa-la,

porque sempre tem outras pessoas querendo andar ou conversar com ela.

Transcrevo aqui alguns trechos de falas de Maria Pé No Chão (gravadas em setembro de

2002):

“É Maria Pé No Chão com muita honra”, “Quero morrer andando, se Deus quiser” ,

"Quero resolver minhas coisas andando”, ”tem vergonha de mim não tenho vergonha de

ninguém”, “que a vida é doce”, ”se eu sair e morrer documento está no pé”, “no meu tempo que

eu não calcei eu era cigana”, “meu pai me ensinou”, ‘quero resolver a vida com pé no chão até

eu morrer”... muitas risadas...

Essa vontade de viver a alegria em conversar com todos conhecidos ou não, andar pela

cidade sem rumo e sem hora, parar em casa de um amigo almoçar e jogar conversa fora ou

mesmo ajudar nos serviços diários são características de sua trajetória de vida que me fizeram

aproximar dela, talvez pelas afinidades e pela admiração que passei a ter por ela.

Um exemplo de reflexões estéticas no campo das práticas das poéticas visuais envolvendo

referências em histórias de vidas para construir um trabalho de história visual dessas vidas, é a

mostra “Yanomami, o espírito da floresta, no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de

Janeiro, a qual, Raymond Depardon, um dos maiores fotógrafos e cineastas franceses, faz parte

juntamente com mais 12 artistas brasileiros e estrangeiros. Raymond filmou um grupo de

caçadores e um grupo de xamãs. Durante horas, acompanhou o percurso de uns e as sessões de

cura dos outros, esforçando-se para “encontrar seu lugar” neste universo outro – entre floresta e

espíritos: “Os Yanomami sabiam que estavam sendo filmados, mas isso não os fazia mudar nada.

Eu era um visitante de passagem. Fui acolhido, recebido e até mesmo querido. Assim, eles

ofereceram sua imagem a alguém que até esse momento, sequer sabia de sua existência.

Sustentei meu papel de passeiro, eu sou um passeiro”. Assim como no trabalho com a Maria Pé

No Chão, ela é um passeiro das ruas da cidade onde vive, e a artista-pesquisadora outro passeiro

que passou pela vida da mulher Maria.

O entrecruzamento de histórias da pesquisada e da pesquisadora que fortaleceu o trabalho

visual e contribuiu para a própria história da artista-pesquisadora. Os relatos de sua vida e suas

imagens contribuíram para a organização e construção de uma obra relevante para a pesquisa.

Neste sentido foi criada a instalação “Maria Pé No Chão” exposta pela primeira vez em 2002.

Todas essas características justificaram a escolha dessa senhora para a mostra. As marcas

e ações causadas pela própria vida de “Maria Pé No Chão”, remetem a várias Marias sendo elas:

a da rua, do picolé, da padaria, da mãe de Jesus e protetora de um determinado povo, enfim, a

todas as Marias dispersas pelo mundo. Marias marcadas pelas ações do tempo, da esperança, das

angústias, das perdas e da solidão. “Maria Pé No Chão” tem o propósito de fazer as pessoas

refletirem sobre suas próprias marcas provocadas pelo tempo, tanto o cronológico quanto o

sensível, perceptível.

A instalação “Maria Pé No Chão”(foto a cima) foi realizada através da fotografia digital,

em preto e branco, plotada em pvc, em cinco placas medindo 50 x 250 cm cada e com espessura

de 2 milímetros formando um único painel montado no chão. Onde às pessoas puderam circular

ao seu redor ou passar por cima. Pude perceber que os visitantes ao depararem com o painel e

compreenderem a montagem, demonstraram um olhar de desconfiança, alguns olhares curiosos,

como o das crianças e de alguns adultos, fizeram com que estes andassem, brincassem ou às

vezes sentassem sobre as imagens.

A instalação contou com a intervenção sonora da fala de Maria Pé No Chão. Com o

auxílio de um profissional de áudio, foram feitos recortes e pausas, construindo assim uma

montagem sonora.

O áudio da fala de “Maria Pé No Chão” é a história dela, contada pela mesma. Foi

montado através de fragmentos dessa história, pequenos intervalos, recortados em trechos de

falas separados por segundos de silêncio e pausas. Outras pessoas conversam ao mesmo tempo

que Maria.

O som vem de um lugar alto, no canto oposto à entrada da sala. No momento em que o

espectador entra no local percebe que não há nada nas paredes e, depois de alguns instantes, vê

que a obra está no chão. Uma vez dentro da sala, ora o espectador escuta as falas ora não, devido

a utilização das pausas na montagem sonora. Com isso, os visitantes ficam curiosos e começam a

circundar a obra.

A intenção era provocar uma determinada ação, ou interação do visitante: andar por cima

das imagens, senti-las com os pés, brincar de montar imageticamente as partes do corpo da

“Maria Pé No Chão”, identificando formas, fragmentos, figuras de um corpo, que também podem

ser de vários corpos ou não. Pelo próprio título da obra inferimos que se trata de um único corpo,

de uma mulher, fotografada, fragmentada e remontada, se tornando um outro “corpus no espaço”.

A obra montada no chão pode ser vista de todos os lados. O “corpo” de Maria é

composto de forma fragmentada, numa composição não assimétrica, definindo um espaço cheio

de detalhes do corpo desconstruído e ao mesmo tempo construído pelas formas retangulares

sendo divididos com o espaço externo, a sala e os corpos das pessoas que circulam ou passam por

cima da obra.

A instalação propõe um certo movimento, numa reiteração do corpo de “Maria Pé No

Chão” com os corpos dos espectadores. Ao mesmo tempo em que acontecem interrupções, ou

seja, cortes nas imagens do corpo da mulher, existe também interrupções nas passagens dos

espectadores e no áudio.

Na visita a instalação o espectador entra na história, na vida, na cultura e ainda percorre

caminhos percorridos e vividos pela mulher Maria Pé No Chão. A fala dela é doce, livre, alegre,

Painel da Instalação Maria Pé Chão – vista de frente

colorida e esperançosa. É um vai e vêm de contos, acontecimentos e cotidianidade. A não fala –

as pausas do áudio - dela são pensativas, trazem uma vontade de querer mais por parte dos

visitantes, de saber o que vem depois para conseguir construir a figura de “Maria Pé No Chão”.

O universo de Maria é mostrado nessa obra em preto e branco num espaço limitado,

contrapondo com a realidade vivida por ela, em sua fala percebemos o quanto é colorida suas

histórias, o quanto é envolvente andar por entre suas imagens e escutá-las ao mesmo tempo,

apesar desse espaço – sala – limitado, conseguimos sair dali e entrar numa história descontinua

intrigando-nos a pensar: o que está acontecendo? O que estou fazendo? Por onde tenho que

andar? O que estou escutando? Quem é esse sujeito que fala? É o mesmo das imagens no chão,

um andante, um andarilho “pé-rapado”?

A obra provoca um redirecionamento do olhar, uma postura não contemplativa do

espectador. O olhar não está direcionado em num único ponto e sim percorre todo o espaço da

instalação, juntamente com o caminhar e o corpo do espectador que entra na instalação.

Os corpos dos visitantes se movimentam neste espaço, entre as imagens no chão e o

áudio, por entre pensamentos imagéticos e histórias de uma vida que remete a qualquer outra

vida, de qualquer ser humano. Corpos que se cruzam com outros corpos compondo um espaço,

reconstruindo uma nova composição de imagens, falas e espaço.

O que podemos considerar é que encontramos tanto nas imagens e no som, fragmentos e

recortes, montados numa composição sonora e plástica, resultando num todo que ocupa um

determinado espaço, este visitado pelo público que também faz parte da instalação contribuindo

para as questões aqui levantadas.

Várias pessoas ao saírem da sala onde estava montada a instalação questionava o porque

da Maria não calçar sapato, tinham uma preocupação estética com a beleza feminina. Alguns

visitantes sentiam repulsa ao ver as imagens de pés trincados, pele enrugada, para algumas

pessoas as imagens são agressivas, mas elas se apaixonam pela fala da Maria Pé No Chão e

envolvem-se com a montagem da instalação.

A ocupação de um determinado espaço sempre foi minha preocupação e interesse

juntamente com as questões que envolvem o corpo. O espectador não passivo diante da obra faz

parte de minhas inquietações em relação a arte. Envolver os visitantes em experiências de

sensações, percepções, desafios e questionamentos internos, freqüentemente fizeram parte dos

meus programas de sala de aula, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Superior, nos

quais organizava programas e projetos voltados para as questões do espaço, do corpo e da relação

obra-espectador.

Crianças sobre o painel da Instalação Maria Pé No Chão.

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