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ténicas de fazer pão
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8
O Culto do Po
Sofia Sales
Dissertao apresentada Escola Superior de Educao de Bragana para a obteno do Grau de Mestre em Animao Artstica
Orientado por Professor Doutor Lus Manuel Leito Canotilho
Bragana 2010
10
AGRADECIMENTO
Na dissertao de mestrado, apesar do processo solitrio a que qualquer investigador/escritor
est destinado, rene contributos de vrias pessoas.
Desde o incio do mestrado, contei com a confiana e o apoio de inmeras pessoas e
Instituies onde pesquisei. Sem aqueles contributos, esta dissertao no teria sido possvel.
Ao Professor Doutor Lus Manuel Leito Canotilho, orientador da dissertao, agradeo o apoio,
a partilha do saber e as valiosas contribuies para o trabalho.
Acima de tudo, obrigada por me continuar a acompanhar nesta jornada e por estimular o meu
interesse pelo conhecimento e pela vida acadmica.
A todos, obrigada pela oportunidade de aprender e contribuir.
Sou muito grata a todos os meus familiares pelo incentivo recebido ao longo destes anos.
Ao meu filho agradeo o sorriso que me dedicou e peo-lhe desculpa pelo tempo passado longe
dele. Aos meus pais todo o apoio dado e o meu bem-haja. Ao meu companheiro de vrios percursos,
Licnio Jorge Pinto Leite obrigado pelo amor, alegria e ateno sem reservas...
O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que contriburam para a
concretizao desta dissertao, estimulando-me intelectual e emocionalmente.
I
11
RESUMO
A origem e a evoluo do po acompanham a Histria da Humanidade. A localizao de indcios
do nascimento da Humanidade a mesma dos vestgios da presena de cereais que foram dando
lugar s diferentes formas conhecidas do po, alimento base de diferentes civilizaes.
As grandes civilizaes antigas, egpcia, grega e romana, tiveram neste alimento um centro do
seu desenvolvimento. Durante a Idade Mdia foi, por vezes, o nico alimento dos povos. Tambm
assumiu diferentes papis, econmicos, polticos e ideolgicos, em diversos momentos da Histria da
Humanidade, desde a Revoluo Francesa at I Guerra Mundial.
Os diferentes processos pelos quais se passa at se chegar ao alimento servem de linha
orientadora desta investigao: o cultivo e as diferentes caractersticas dos mais diversos cereais
utilizados, de forma mais ou menos frequente ao longo da Histria, as tcnicas de moagem e as
tradies populares e mitolgicas que acompanham essa etapa da confeco e o processo de
cozedura, tal como o significado ou a arquitectura dos fornos, em especial os de lenha.
Para alm disso de enorme relevncia, seno mesmo primordial nesta investigao, abordar
as questes ligadas ao simbolismo do po. Os aspectos ligados sacralidade e profanidade
constituem bases muito bem assentes na cultura judaico-crist que marcam a nossa civilizao
ocidental. O significado simblico do po bastante vasto e o seu campo semntico envolve conceitos
muito variados, como a sexualidade e a fecundidade, a religio e as tradies populares ou os mitos e
conhecimentos mais ou menos cientficos.
Os rituais que resultam dessa actividade simblica so apresentados nesta investigao
relativamente ao espao geogrfico portugus do Nordeste Transmontano. O culto do po e as festas
desta regio so exemplificados atravs de trs casos especficos: Festa de So Gonalo em Outeiro
(Bragana), Festa do Charolo e do Ramo em Rio Frio e Festa do Bitrr em Soutelo (Bragana). Para
alm disso objectivo promover a preservao destas tradies populares, atravs da memria e da
experimentao das mesmas, de modo a potenciar as caractersticas especficas de determinadas
populaes e territrios. O papel das crianas neste objectivo ser muito importante e, para isso, so
apresentadas algumas actividades realizadas com crianas do 1 Ciclo do Ensino Bsico.
II
12
ABSTRACT
The origin and evolution of the bread are close of the Mankind History. The evidence location of
the birth of humanity is the same as evidence of the cereals that were giving rise to the different known
forms of bread, staple food of various civilizations.
The great ancient civilizations, Egyptian, Greek and Roman, had this food as the center of their
development. During the Middle Ages it was, sometimes, the only food of the people. And since the
French Revolution until the Bolshevik Revolution, through the First World War, bread assumed
economic, political and ideological roles.
The various processes by which bread passes until it reaches to food, serve as a guideline to this
research: the cultivation and the different characteristics of many different cereals used, more or less
frequent throughout history, the techniques of grinding and traditions and popular mythology that
accompany this stage of cooking process, such as the meaning of the architecture of the furnaces,
especially firewood.
Furthermore, it is of enormous importance, if not paramount in this research, addressing issues
related to the symbolism of bread. The aspects of the sacredness and profanity bases are very firm on
the Judeo-Christian culture that marks our Western civilization. The symbolic meaning of the bread is
quite wide and its semantic field involves very different concepts, such as sexuality and fertility, religion,
popular traditions and myths and scientific knowledge.
The rituals that result from this symbolic activity are presented in this investigation from the
geographic area of northeastern Portuguese (Trs-os-Montes). The cult of bread and the festivals of this
region are exemplified by three specific cases : Feast of St. Gonalo (Festa de So Gonalo) in Outeiro,
Feast of the Charolais and the Branch (Festa do Charolo e do Ramo) in Rio Frio and Festival of Bitorro
(Festa do Bitrr) in Soutelo. Furthermore objective is to promote the preservation of these folk
traditions, through memory and the trial thereof, in order to enhance the specific characteristics of
certain population and territories. The role of children in this objective will be very important and,
therefore, presents some activities with children in primary education are presented.
III
13
LISTA DAS ILUSTRAES
Ilustrao 1- Jeric e a Palestina actualmente......................................................................................................................... 11
Ilustrao 2 - Exemplo romanizado de uma charrua (exemplar exposto no Museu Etnogrfico Frmista Palencia,
Espanha) ............................................................................................................................................................................. 13
Ilustrao 3 - As cheias no Nilo .................................................................................................................................................. 14
Ilustrao 4 - Encenao da confeco de po no Egipto (Associao Brasileira da Indstria da Panificao).......... 15
Ilustrao 5 - Esttua da deusa Demter na Grcia ................................................................................................................ 16
Ilustrao 6 - A organizao de um campo senhorial da Idade Mdia (Miniatura de Pol de Limbourg) ......................... 19
Ilustrao 7 - A marcha das mulheres parisienses sobre Versailles, no dia 5 de Outubro de 1789 ................................ 21
Ilustrao 8 - Antoine-Augustin Parmentier (pintura de Franois Dumont) ........................................................................ 22
Ilustrao 9 - Mapa de fome na Europa em 1918, por Hoover ............................................................................................... 24
Ilustrao 10 - Utenslios agrcolas pr-histricos ................................................................................................................. 26
Ilustrao 11 - Espiga de Trigo ................................................................................................................................................... 28
Ilustrao 12 - Receita de broa de trigo .................................................................................................................................... 29
Ilustrao 13 - Espiga de Centeio .............................................................................................................................................. 30
Ilustrao 14 - Receita de po de centeio caseiro ................................................................................................................... 31
Ilustrao 15 - Espiga de milho .................................................................................................................................................. 31
Ilustrao 16 - Receita de broa de milho ................................................................................................................................... 32
Ilustrao 17 - Espiga de aveia ................................................................................................................................................... 33
Ilustrao 18 - Receita de po de aveia ..................................................................................................................................... 34
Ilustrao 19 - Espiga de cevada................................................................................................................................................ 34
Ilustrao 20 - Receita de po fino de cevada.......................................................................................................................... 35
Ilustrao 21 - Espiga de arroz ................................................................................................................................................... 36
Ilustrao 22 - Receita de po de arroz ..................................................................................................................................... 37
Ilustrao 23 - Moinho de poste ................................................................................................................................................. 39
Ilustrao 24 - Moinho de torre25 ................................................................................................................................................ 39
Ilustrao 25 - Moinho giratrio25 ............................................................................................................................................... 40
Ilustrao 26 - Moinho de armao25 ......................................................................................................................................... 40
Ilustrao 27 - Monho de rodzio ............................................................................................................................................... 41
Ilustrao 28 - Esquema de um moinho com o rodete submerso (Ciudad Virtual de Antropologia y Arqueologia) .... 42
Ilustrao 29 - Moinho de mar .................................................................................................................................................. 43
Ilustrao 30 - Roda de azenha .................................................................................................................................................. 44
Ilustrao 31 - Fermento ou Saccharomyces cerevisae ......................................................................................................... 45
Ilustrao 32 - Vnus de Willendorf (exposta no Museu de Histria Natural de Viena) .................................................... 48
Ilustrao 33 - Pintura de Jean Franois Millet ........................................................................................................................ 50
Ilustrao 34 - "O conto do padeiro e do diabo", por Ricardo Barros (capa de Jacob, 2003) .......................................... 51
IV
14
Ilustrao 35 - A ltima ceia, por Leonardo DaVinci ............................................................................................................... 52
Ilustrao 36 - Situao geogrfica dos concelhos do Nordeste Transmontano............................................................... 57
Ilustrao 37 - Vista area do Castelo de Mogadouro ............................................................................................................ 59
Ilustrao 38 - Traje de um "chocalheiro" ................................................................................................................................ 61
Ilustrao 39 - Carnaval transmontano ..................................................................................................................................... 63
Ilustrao 40 - O charolo em Outeiro ......................................................................................................................................... 65
Ilustrao 41-Esquema da Dana da Pandorcada ................................................................................................................... 67
Ilustrao 42 - Rosca circular de Rio Frio ................................................................................................................................. 68
Ilustrao 43 - Ramo de rosquilha do "Bitrr" de Soutelo................................................................................................... 70
LISTA DAS TABELAS
Tabela 1 - Finalidade e Objectivos do Projecto Pedaggico
Tabela 2 - Descrio da Actividade 1
Tabela 3 - Descrio da Actividade 2
Tabela 4 - Descrio da Actividade 3
Tabela 5 - Descrio da Actividade 4
V
15
NDICE
INTRODUO .........................................................................................................................................8
METODOLOGIA .......................................................................................................................................9
1. ORIGEM E EVOLUO DO PO ...................................................................................................... 10
1.1. O PO E A FUNDAO DA HUMANIDADE .............................................................................................. 11
1.2. EGIPTO, GRCIA E ROMA: EVOLUO, CULTO E USO DO PO .............................................................. 13
1.3. A FOME (DE PO) NA IDADE MDIA ..................................................................................................... 18
1.4. O PO NA REVOLUO FRANCESA ..................................................................................................... 20
1.5. O PO NO INCIO DO SCULO XX. ....................................................................................................... 23
2 - A ERA DOS GROS. ........................................................................................................................ 25
3 - A FARINHA ....................................................................................................................................... 28
O TRIGO .................................................................................................................................................. 28
O CENTEIO ............................................................................................................................................... 30
O MILHO .................................................................................................................................................. 31
A AVEIA ................................................................................................................................................... 33
A CEVADA ................................................................................................................................................ 34
O ARROZ ................................................................................................................................................. 36
3.1 - MOINHOS DE VENTO. ......................................................................................................................... 38
3.2 - MOINHOS DE GUA. .......................................................................................................................... 40
MOINHOS DE RODZIO ............................................................................................................................... 41
MOINHOS DE RODETE SUBMERSO .............................................................................................................. 42
MOINHOS DE MAR ................................................................................................................................... 43
AZENHAS ................................................................................................................................................. 44
3.3 - A DESCOBERTA DO FERMENTO. ......................................................................................................... 45
4 - O SAGRADO E O PROFANO. .......................................................................................................... 47
4.1. SIMBOLOGIA DO PO ......................................................................................................................... 47
4.2. A ARQUITECTURA DOS FORNOS .......................................................................................................... 49
4.3. O PO E O CRISTIANISMO ................................................................................................................... 50
4.4. O PO NA COMUNIDADE JUDAICA ....................................................................................................... 53
4.5. O CULTO DO PO NA REGIO DE TRS-OS-MONTES.............................................................................. 53
VI
16
4.5.1. ORAES E CANES AO PO ......................................................................................................... 54
5 - RITUAIS DE PO .............................................................................................................................. 57
6 - AS FESTAS E O CULTO DO PO. ................................................................................................... 62
RITOS DE PO NA FESTA DE SO GONALO, EM OUTEIRO ........................................................................... 64
AS FESTAS DO CHAROLO E DO RAMO, DE RIO FRIO ..................................................................................... 67
O BITRR DE SOUTELO........................................................................................................................... 70
7. INTEGRAO DO CULTO DO PO NO 1 CICLO ............................................................................ 72
7.1. O VALOR DO PATRIMNIO E DAS CULTURAS POPULARES ....................................................................... 72
7.1.1. O PAPEL DA ESCOLA NA VALORIZAO DO PATRIMNIO DE UMA REGIO ............................................... 72
7.1.2. CONSTRUO DE EXPERINCIAS DE APRENDIZAGEM .......................................................................... 72
7.2. PROJECTO PEDAGGICO.................................................................................................................... 73
7.2.1. ALUNOS PARTICIPANTES .................................................................................................................. 73
7.2.2. PROFESSORES PARTICIPANTES ........................................................................................................ 73
7.2.3. PROJECTO PEDAGGICO: PLANIFICAO E ACTIVIDADES ................................................................... 73
CONCLUSO......................................................................................................................................... 76
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 78
ANEXOS ................................................................................................................................................ 80
VII
8
INTRODUO
Neste estudo sobre o culto do po pretende-se elaborar uma anlise histrica da evoluo deste
alimento a par da evoluo da humanidade. Na realidade, qualquer estudo que procure perceber os
smbolos do po e a ligao deste com a vida mundana ou espiritual do homem, ver-se-ia quase que
forado a realizar, ao mesmo tempo, uma sntese da Histria da Humanidade.
O nascimento do po est associado ao nascimento da civilizao, j que a produo intencional
dos cereais que o podem constituir tem incio no momento em que o homem decide se sedentarizar. O
decorrer dos factos que se seguem acontece a um ritmo muito semelhante entre a evoluo da
humanidade e das tcnicas de cultivo e colheita dos cereais e da confeco do po. Alis, aps a
consulta de uma vasta bibliografia dedicada ao tema, uma dvida reside: qual factor influiu mais no
outro? Ter sido a evoluo da civilizao que promoveu o desenvolvimento de tcnicas de confeco
deste alimento? Ou foi antes a aquisio dessas tcnicas que trouxeram consequncias que tiveram
um importante peso na Histria da Humanidade e nas vicissitudes da civilizao, desde os seus
primrdios at aos nossos dias?
Outro aspecto importante que abordado neste estudo, compreende as simbologias atribudas
ao po. Sagrado e / ou profano, este alimento figura central em inmeras cerimnias antes e depois
de Cristo. Simboliza fertilidade e apresentou, e ainda hoje tem essa conotao em alguns rituais,
imagens ou formas nitidamente sexuais e a sua ostentao sinnimo de posio social ou de poder.
Ainda o smbolo do povo, do trabalho e do labor em contacto directo com a me natureza. Estes
aparentes paradoxos so apresentados neste estudo atravs da descrio de algumas festas em que
se faz o culto do po, nomeadamente no Nordeste transmontano.
Ao longo das linhas que se seguem, pretende-se entender a histria do culto do po, sob uma
perspectiva de filosofia da histria do homem. D-se valor ao patrimnio, concreto e abstracto, da
cultura e da tradio popular e faz-se a apologia, pelo conhecimento, da sabedoria que povo sabe e
transmite atravs das diferentes celebraes que dinamiza.
9
METODOLOGIA
Na elaborao do trabalho foi utilizada uma linguagem clara e objectiva, seguindo uma
metodologia descritiva, para facilitar a sua leitura e compreenso. A metodologia descritiva inicia-se
com a recolha e apresentao dos dados. Esta recolha deve ser antecedida e permanentemente
acompanhada de reflexes, que abordem a pertinncia desses dados. Nesta fase deve ser igualmente
feita uma averiguao sobre se o estudo apresenta necessidade de recorrer a dados qualitativos ou
quantitativos, ou mesmo a ambos.
Os dados devem ser alvo de uma descrio, clara e rigorosa, pelo que exigida uma anlise
sistemtica dos mesmos.
Ao longo da pesquisa, cujo objecto de estudo a prtica do culto do po associada evoluo
da humanidade, e aps a recolha de informaes, procede-se interpretao dos dados e apresentam-
se as ilaes e concluses que dessa interpretao decorrem. importante perceber que impossvel
interpretar, sem proceder apreciao, classificao e seleco dos dados. Na realidade, este
processo implica a perda de alguma objectividade, mas, por outro lado, impregna o estudo de
inteligibilidade.
A partir do momento em que feita uma interpretao de dados ou informaes, a formao
ideolgica, cientfica e cultural do investigador impe-se no decurso do estudo. Este vai dar uma maior
ou menor valorizao de carcter histrico, sociolgico ou econmico de acordo com as
particularidades que o definem como pessoa e investigador.
As variveis podem ser dependentes e independentes. Neste estudo a varivel independente o
valor simblico que o po tem, como alimento e resultado de um trabalho intimamente ligado ao que a
Natureza oferece. Enquanto que a varivel dependente consiste nas diferentes relaes que este
alimento vai proporcionando durante a histria e de que forma este alimento e todos os utenslios e
objectos do seu campo semntico estiveram ligados evoluo da sociedade. A prtica de cultos e
rituais do po acrescentam outra varivel dependente, que consiste na definio ou situao do po
como objecto nos campos simblicos do sagrado ou do profano, ou de uma simbiose dos dois campos.
As concluses que vo sendo apresentadas, revestem-se de caractersticas descritivas e
explicativas, sendo formuladas da forma mais clara e concisa possvel. No deixam, contudo, de referir
e traduzir para o texto toda e qualquer ilao que possa derivar da anlise efectuada e revele alguma
importncia relevante para o objecto de estudo.
10
1. ORIGEM E EVOLUO DO PO
Num gro de trigo habita
Alma infinita.
Alma latente, incerta, obscura,
Mas que geme, que ri, que sonha que murmura
Ramalho Ortigo (Carvalho, 2003)
A origem do fabrico intencional e repetido do po data da mesma altura em que o Homem se
sedentarizou e conseguiu dominar a agricultura, dispondo, assim, das matrias-primas que lhe
permitiram passar a confeccionar esse alimento (Jacob, 2003). No importando para esta dissertao
uma detalhada exposio e anlise da Histria da Humanidade e, principalmente, da sua origem, no
deixa de ser relevante entender a ligao dessa evoluo com a do alimento em estudo.
A progressiva passagem do Homem primitivo de caador para pastor e, ainda mais
gradualmente, para agricultor assinala, num intervalo de datas extremamente amplo, em especial se
nos regermos pelo rigor cientfico que caracteriza a sociedade actual, a origem do fabrico intencional do
po ter entre nove a doze mil anos. Foi, sem dvida, a par da criao e do aperfeioamento das
tcnicas de fecundao da terra e de cultivo que o po foi evoluindo ao longo da histria da
Humanidade.
Durante este captulo veremos como o po acompanhou a Humanidade na fundao do Homem
primitivo; moldou civilizaes e foi utenslio poltico e religioso nos Mundos da Antiguidade; subsistiu e
fez subsistir nos sculos de fome da Idade Mdia; foi arma na Revoluo Francesa; ajudou a terminar
com o conflito da I Guerra Mundial e fundou a revoluo bolchevique.
Ainda sem aprofundar o significado espiritual e religioso do po, aspecto que deixaremos para
um outro captulo mais adiante, procuraremos, ento, conhecer estas diferentes dimenses do po:
desde a sua evoluo como alimento e alteraes e progressos na sua confeco, at s diferentes
bandeiras que este alimento carregou durante a Histria da Humanidade.
11
1.1. O Po e a Fundao da Humanidade
O cultivo dos cereais que permitem a confeco do po no decorreu de uma aco propositada
e premeditada do Homem, que ter observado e analisado o comportamento das sementes e ter
percebido como se processava o seu cultivo. Aconteceu, antes, atravs de casualidades e
coincidncias que, essas sim, foram observadas e constituram-se em experincias que derivaram em
conhecimento.
Esse cultivo, necessrio para confeco do po e seus derivados teve o seu incio na colheita
dos cereais selvagens, que o Homem foi percebendo que podia comer. No entanto, essa percepo s
acontece quando os pequenos grupos de indivduos, que at a formavam o que se pode chamar de
comunidades, se sedentarizam e passam a explorar as potencialidades da regio em que se fixam.
Foram descobertos vestgios de uma comunidade humana que caava e colhia cereal que
rondar os 10 000 anos a.C. em Jeric, uma antiga cidade da Palestina, muito prxima de Jerusalm,
situada nas margens do rio Jordo (ver ilustrao 1). Nesta estao foram encontrados gros de trigo e
de centeio tostados. A colheita destes gros ter sido feita inicialmente mo e mais tarde com recurso
a pedras talhadas em forma de foice, um trabalho que era realizado por mulheres (Jacob, 2003).
Ilustrao 1- Jeric e a Palestina actualmente1
As margens dos rios revelaram-se locais sobejamente utilizados para a plantao de cereais
uma vez que os agricultores aproveitavam as inundaes para fazerem as sementeiras. Rios como o
1Fonte:http://4.bp.blogspot.com/_vyrtTA2gDVs/TEV-HOi0gVI/AAAAAAAAAKU/-FwtCGFkvjM/s1600/mapa-
cidades_ocupadas_270.gif
12
Nilo e o Eufrates, sitos na rea bero da civilizao humana, so smbolos de fecundidade do cereal,
tendo sido descobertas, nestas zonas ou em reas similares, vestgios da cultura de cereais. At cerca
de 4000 a.C. as variedades que se cultivavam no mostravam muitos melhoramentos em relao s
espcies selvagens, com uma ou outra excepo. Nomeadamente em Jeric, onde os vestgios das
plantaes l encontradas mostram indicaes de variedades melhoradas de trigo e centeio. O domnio
das tcnicas de irrigao veio proporcionar esses melhoramentos e intensificou a cultura do trigo e do
centeio, mesmo em reas que ficavam relativamente longe das sementes selvagens originais que lhes
deram origem.
depois destes conhecimentos que o Homem se fortalece, porque no depende unicamente da
caa para a sua sobrevivncia. Armazena os cereais, aperfeioa a agricultura, aumenta
demograficamente e faz nascer a noo de sociedade, uma vez que com uma maior esperana de
vida, passam a existir mais pessoas, com idades e funes diferentes que se relacionam, estratificando
e hierarquizando a rede de relacionamentos sociais que constituem o embrio da civilizao.
O cereal, inicialmente ingerido como alimento na sua forma original, cru, tostado ou mesmo
cozinhado, vai passar mais tarde a ser modo, dando origem farinha. Esta torna-se a base da nutrio
pelas muitas aplicaes que teve na alimentao dos diferentes povos da Histria da Humanidade,
como veremos nos seguintes pontos deste captulo.
Para alm disso, os cereais e o po esto na origem das vias de comunicao, importante marco
do nascimento da civilizao. Quando as comunidades se tornam sedentrias e se desenvolvem,
aproveitam as potencialidades da regio em que esto fixadas, o que vai dar origem criao de
diferentes alimentos em diferentes reas. A necessidade de afirmao de umas comunidades perante
as outras e a vontade da aquisio do conhecimento e do poder que dele pode derivar, fez sentir no
Homem um desejo de comunicar. Essa comunicao necessitava de um caminho que se foi abrindo e
deu lugar s trocas comerciais. As primeiras vias comerciais serviram para trocar alguma espcie de
cereal por outra, alguma carne por peixe, ou ambos por sementes (Pinto, Couto e Neves, 1993)
Certa tambm a relao ntima dos cereais, primeiro selvagens, com o aparecimento e
crescente desenvolvimento da agricultura e das tcnicas que a aperfeioaram.
O acto de fecundao da terra para a germinao das diferentes espcies cerealferas tem uma
relao histrica com a mulher. Especulando sobre as tradies seculares que colocavam o homem em
ocupaes como a caa, a disponibilidade da mulher para a agricultura ter-lhe- permitido descobri-la,
como teoriza Jacob (2003). Com o progressivo desenvolvimento da agricultura o homem vai poder ter
os animais perto do local onde vive, domesticando-os e no necessitando de se ausentar e perigar em
aventurosas e, por vezes, longnquas caadas. E com os animais ao seu servio, da enxada charrua
foi um pequeno salto.
Com alguma importncia para o desenvolvimento do tema interessa, ainda, atentar que o
processo de aquisio das tcnicas agrcolas foi desenvolvido com o nascimento e aperfeioamento de
um utenslio em especial: a charrua.
Nenhuma outra inveno se compara com aquela [a charrua]. As invenes da corrente
elctrica, dos carros elctricos ou dos avies no tiveram a mesma consequncia explosiva, nem
chegaram a espalhar-se por todo o planeta com a fora transformadora daquele instrumento. O uso da
charrua, do qual nunca saberemos exactamente onde foi descoberto, cobre o mundo, da Irlanda at
13
frica do Norte e da Europa at ndia e China. Em stios onde nunca penetraram outras
transformaes tcnicas, a charrua, contudo, surgiu. (Jacob, 2003).
Ilustrao 2 - Exemplo romanizado de uma charrua (exemplar exposto no Museu Etnogrfico Frmista Palencia,
Espanha)2
Na verdade, o recurso a este utenslio permitiu a intensificao do cultivo, principalmente junto a
algum rio, de modo a aproveitar a gua, primeiro das inundaes e depois a partir de processos de
irrigao.
1.2. Egipto, Grcia e Roma: Evoluo, Culto e Uso do
Po
As trs grandes civilizaes do Mundo Antigo, egpcia, grega e romana, representam as
principais aquisies da Humanidade. A sua histria acompanhou a evoluo do po e este teve um
papel cimeiro no decorrer destas civilizaes. Na civilizao egpcia ocorreram as principais
transformaes que acrescentaram variedades ao cultivo e colheita dos cereais e confeco do po;
os Gregos, sem grandes condies naturais para o cultivo dos cereais revestiram-no de um valor
emocional e deificaram-no; e os Romanos entenderam o seu valor e aproveitaram-no como utenslio
poltico.
O Nilo dota o Egipto das melhores condies para o cultivo dos cereais. No que o Egipto seja,
na sua totalidade, uma regio com caractersticas propcias para a agricultura, limitando essas
condies s margens do Nilo. A exactido no calendrio da progresso, das inundaes e da
2 Fonte:http://www.pueblos-espana.org/castilla+y+leon/palencia/fromista/Arado+romano,+Museo+etnogr%E1fico
14
regresso das guas deste rio davam as melhores condies para a agricultura: era possvel semear
os cereais, esperar pela gua e recolher o fruto do trabalho quando o rio baixasse o caudal. Foi esta
preciso que permitiu o florescimento da civilizao egpcia: a abundncia era uma constante. Na
ilustrao que se segue podemos observar o sistema de aproveitamento das cheias no rio Nilo para a
agricultura.
Ilustrao 3 - As cheias no Nilo3
A exacta previso das vontades do Nilo, dotou o pensamento egpcio de um clculo que
aplicou ao trabalho: todos os campos arveis eram cultivados e onde a gua no chegava foram
construdos canais para a irrigao. No Baixo Egipto havia canais e no Alto Egipto, barragens que
retinham a gua.
Mas a grande inovao dos Egpcios para a histria do po est ligada utilizao do forno.
Enquanto que, at aqui, outros povos coziam os gros em caldos ou tostavam-nos no fogo ou em
pedras aquecidas, o povo do Egipto descobriu que se o gro modo ficasse algum tempo num espao
quente formava uma espcie de levedura que aplicada novamente a essa farinha a fazia crescer,
tornando-a fofa e bastante agradvel ao paladar (Jacob, 2003).
3 fonte: http://www.francodigi.com/Historia/actividades/nilo/egipto_ficha2.htm
15
Ilustrao 4 - Encenao da confeco de po no Egipto (Associao Brasileira da Indstria da Panificao)4
A partir do domnio das tcnicas de confeco e cozedura o po no Egipto tornou-se o alimento
principal da refeio. Ainda hoje, os ancios egpcios comem os legumes, o peixe ou a carne dentro do
po. As camadas mais pobres da populao viviam apenas de po e recusar po a um mendigo era
visto como um enorme pecado e o salrio de um trabalhador era pago em pes.
A Grcia, por sua vez, no estava dotada das mesmas caractersticas naturais que fizeram do
Egipto, sedeado nas margens do Nilo, um apogeu da agricultura. As especificidades dos terrenos
gregos estavam bastante longe de reunir as condies para uma produo agrcola satisfatria: Por
muito que o clima mediterrnico fosse ameno e favorvel agricultura, a verdade que os terrenos
eram maus. Terrenos calcrios cobertos por uma fina camada de hmus pobre em argila. Demasiado
fina para reter a gua e to pouco abundante (Jacob, 2003). Por conseguinte a produo de cereais
era insuficiente e a cidade de Atenas era obrigada a importar mais de um milho de medidas de cereal,
o que constitua uma tera parte da totalidade que consumia.
A forte relao dos gregos com o mar, em conjunto com a necessidade de trazer cereal para o
seu territrio, fizera com que a sua economia se orientasse para o comrcio de importao de cereais.
S a partir do sculo VI a.C., com a tomada de poder por parte de Slon e potenciao dos
agricultores, atravs do perdo de dvidas que estes tinham perante os proprietrios dos terrenos e a
ascenso de partidos polticos compostos por trabalhadores rurais, que os gregos passaram a
desenvolver o seu esprito de cultivo. A partir desta altura, o indivduo que trabalhasse a terra era visto
quase como um sacerdote e o trabalho que at ento era visto como vergonhoso, por tornar o homem
escravo do esforo e do suor, passou a enobrecer quem o praticava (Jacob, 2003).
A expresso o culto do po faz todo o sentido na civilizao grega. Demter, uma deusa toda
poderosa, que dava ensinamentos sobre o domnio das tcnicas da agricultura e no tinha qualquer
ligao a artes guerreiras, salvara o povo ateniense na batalha da Maratona.
4 fonte: http://abip.org.br/artigos_internas.aspx?cod=4
16
Ilustrao 5 - Esttua da deusa Demter na Grcia5
A referncia a esta deusa traz uma outra reflexo que liga o cultivo dos campos mais uma vez ao
sexo feminino. Numa sociedade que vivia uma democracia que no considerava seu cidado a mulher,
no deixa de ser interessante que a figura mitolgica ligada agricultura fosse uma deusa e no um
deus. Muito possivelmente, e a razo com mais lgica apresentada pelos estudiosos do tema, esta
nomeao segue um processo sequencial histrico que interliga os conceitos de fertilidade, de semear
e de gestao. Como uma mulher gera um filho acolhendo a semente do homem, a terra recebe a
semente e procede sua germinao.
O culto de Demter generalizou-se por toda a Grcia e surgiram vrios santurios dedicados
deusa dos cereais e do po que, segundo Plato, se transformou, igualmente, em legisladora e
protectora da vida sedentria.
Outro fenmeno que deifica o culto do po pelo povo grego, prende-se com a forma como se
tratava o cereal. Desde o processo de semear at ceifa, o trabalho era duro e feito base da fora
dos braos dos homens. Depois a debulha era feita pelos bois que pisavam o cereal. A moagem, esta
j feita por maioritariamente mulheres, era tambm uma tarefa bastante pesada (Jacob, 2003). Ou seja,
o cereal era como que um mrtir do homem. Era esmagado, queimado, modo para que o indivduo
saciasse o seu desejo de se alimentar E como, na generalidade das religies, os mrtires so vistos
como heris, esta viso acrescenta uma conscincia aos povos, praticamente universal, que
transforma os sacrificados em deuses ou semideuses.
No Imprio Romano, mais do que analisar o culto ou a evoluo de algumas tcnicas agrcolas
ou de confeco do po, interessa atentar na ideia central de que a apologia da agricultura era feita
pelo prprio Estado. No que se deva desvalorizar o culto de sis e mesmo da deusa grega Demter,
ou a existncia de uma deusa dos fornos: Fornax! Tambm no esquecemos que, aqui surgiram os
moinhos mecnicos, em substituio dos manuais. No entanto, a facilitao ou no das ferramentas e
dos diferentes meios de criao dos cereais e do po guiou a poltica romana, condicionando e
5 Fonte: http://after-lifee.blogspot.com/2010/04/demeter.html
17
hierarquizando, por exemplo, a necessidade e a importncia das conquistas de determinadas zonas.
Ou seja, em Roma observou-se o valor poltico do po. Seno vejamos.
Os soldados que se destacavam na batalha, quando regressavam das campanhas pelo Imprio
recebiam terras e transformavam-se em camponeses que faziam amanhar o solo. Outra forma de
distribuio dos terrenos consistia em arrend-los a indivduos mais ricos, fornecendo, desta forma
parte do financiamento do Estado. Esta linha de pensamento e aco poltica acabou por representar
um importante factor para o declnio do Imprio: ao permitir e incentivar os grandes latifndios,
propriedades dos mais abastados, aniquilava toda e qualquer hiptese de sobrevivncia do pequeno
campons. Este ltimo, ao no ter forma de concorrer com os grandes senhores, que possuam
escravos, mais e melhores arados e os animais que necessitavam para auxiliar no trabalho humano,
no viu outra soluo que no a de colocar-se ao servio dos latifundirios. Assim, acabava por ter que
se radicar nas cidades e viver com o fantasma da angstia de lhe terem retirado as condies de
sobrevivncia, obrigando-o a subjugar-se aos interesses dos socialmente superiores (Pinto, Couto e
Neves, 1993)
Atravs desta ideia apercebemo-nos, imediatamente, do valor poltico da agricultura em Roma. E
para acentuar essa teoria, importa referir que a expanso do Imprio Romano para a Pennsula Ibrica
ficou a dever-se escassez de produtos cerealferos em Roma. Esta zona da Hispnia era rica na
cultura do trigo, essencialmente nos vales dos rios. Outro plo de expanso do Imprio realizado por
razes ligadas necessidade de cereais foi constitudo pelo Norte de frica, que em conjunto com os
cereais provindos da Pennsula Ibrica constituam dois teros do cereal consumido em Roma. Na
zona norte do continente africano as terras foram intensamente cultivadas e, por ordem de Jlio Csar,
tiveram um importante suporte poltico que se prendeu com a criao de vrias cidades. Nestas, as
condies de vida situavam-se num muito bom nvel de bem-estar.
Tambm nestas zonas do Imprio, as razes do declnio prendem-se com o desprezo dos
camponeses por parte dos rgos de poder. Os camponeses, no conseguiam se sustentar com o
cultivo das prprias terras: perto de 50 a.C. metade do solo arvel do Norte de frica estava nas mos
de apenas seis famlias romanas e s cerca de dois mil camponeses cultivavam a seu prprio terreno.
Jacob (2003) apresenta muito bem a situao que se vivia no Imprio muito prximo do incio da nossa
era: A partir de dada altura os camponeses tinham passado condio de arrendatrios nas suas
antigas terras. Os pequenos arrendatrios eram explorados pelos maiores e os grandes arrendatrios
prestavam contas a algum senador romano, quando no ao milionrio que se encontrava cabea do
Estado, o prprio Imperador.
Assim vista, a histria de Roma acaba por ver as razes do seu declnio pelo aproveitamento
indevido do valor que o alimento por excelncia, o po, tem para a populao. Em Marx, clebre a
afirmao de que a revoluo nasce quando h fome. Em Roma, o lema Po e Circo para o povo teve
sucesso at quando este percebeu que os mais ricos da estrutura social no permitiam que existisse
uma distribuio minimamente democrtica das possibilidades de riqueza (Pinto, Couto e Neves,
1993). Se de hoje estivssemos a falar, podamos dizer que, no programa poltico dos responsveis
governativos romanos, no foi dada a devida ateno aos empreendimentos econmicos ou comerciais
das pequenas e mdias empresas!
18
1.3. A Fome (de Po) na Idade Mdia
A Idade Mdia representa, como sobejamente reconhecido, um perodo da histria da
Humanidade em que no se verificaram significativos avanos globais da sociedade, que permitissem
alguma melhoria das condies bsicas de vida. Prova desta estagnao a dbil e irregular
demografia durante este perodo: alguma crescimento populacional nos sculos VII e VIII, crise e
estagnao entre os sculos X e XI e uma recuperao crescente aps este perodo (Pinto, Couto e
Neves, 1993). Nesta longa noite de dez sculos a sociedade adoptou uma rgida estratificao, que
colocava uma muito pequena minoria no topo da estrutura e uma massa enorme de populao na
base, com menos direitos, menos condies de vida e em servio dos mais poderosos. Referimo-nos,
obviamente, s classes altas da nobreza e do clero e classe mais pobre, o povo.
estagnao tcnica e tecnolgica que se verificou nesta altura, e falamos de cerca de 500 d.C.
a 1400 ou 1500, ou em termos de marcos, desde o fim do Imprio Romano at ao despoletar do
Renascimento e dos Descobrimentos, observamos que os plos sociais se situaram numa posio em
que tiveram um relativo crescimento do nmero de populao superior evoluo da sociedade,
propriamente dita.
Este factor, populao a mais do que os meios de subsistncia permitiam sustentar, em algumas
situaes e locais, trouxe uma consequncia que acaba tambm por ser a causa da ausncia evolutiva:
no se conseguia produzir alimento suficiente para toda a populao. Aqui falamos, unicamente, da
classe popular, uma vez que a nobreza e o clero estavam dotados de muito mais do que o necessrio
para sobreviver.
A falta de evoluo de tcnicas agrcolas, que ser o que importa analisar para esta reflexo,
obrigava o homem a ser escravo do trabalho para se alimentar. Se juntarmos a este importante factor a
obrigao que o trabalhador rural tinha de pagar, em gneros que cultivava, a renda da terra que
trabalhava e ainda uma outra parte ao Rei que levava mais de metade, e a melhor metade, do fruto do
seu esforo, vemos facilmente que o ser humano no reunia as condies bsicas para viver e,
portanto, a dificuldade em evoluir (Pinto, Couto e Neves, 1993)
No entanto, nos tempos da Idade Mdia, nem sempre se verificou esta subjugao do servo.
Inicialmente, o proprietrio era obrigado a alimentar bem o trabalhador das suas terras: na antiga
Inglaterra a traduo do proprietrio significava o homem que distribui o po e a sua esposa era a
mulher que amassava o po. A ampliao das conquistas dos imprios germnicos e de outros a
partir do ano de 900 e 1000 transformaram a explorao agrcola em grandes empresas, com nmero
crescente de servos e sem grandes preocupaes com o seu bem-estar. A explorao agrcola estava
organizada em senhorios (ver ilustrao 6), enormes propriedades pertencentes classe nobre, onde
os servos trabalhavam a terra em troca dos bens mnimos para a sua sobrevivncia e da sua famlia.
19
Ilustrao 6 - A organizao de um campo senhorial da Idade Mdia (Miniatura de Pol de Limbourg)6
A situao de fome, ou da necessidade de um trabalho extremo para conseguir alimentar as
suas famlias, fazia com que o servo nada mais fizesse do que trabalhar, da manh noite, a terra,
para dela conseguir tirar algum proveito, depois de pagas as contribuies ao Rei e ao proprietrio. A
vida era muito dura e s sobreviviam os mais fortes. O po era o alimento por excelncia das classes
mais pobres e, ainda assim, estas comiam o po mais escuro e duro, uma vez que os cereais que
faziam um po mais branco, fofo e saboroso estavam destinados s classes altas.
Um sintoma muito bvio da fome que existia na Idade Mdia foi a frequncia de pestes e
infeces que dizimavam populaes desnutridas e fisicamente desprotegidas. A mais famosa foi a
Peste Negra, que chegou Europa, vinda do Oriente, no sculo XIV e dizimou mais de 10% da
populao (Pinto, Couto e Neves, 1993)
6 Fonte: PINTO, A.; COUTO, C. & NEVES, P. (1993) Temas de Histria. Porto Editora, Porto, p.190.
20
1.4. O Po na Revoluo Francesa
A fome a me de todas as revolues. E, no caso da revoluo francesa que ditou um enorme
conjunto de mudanas polticas, econmicas e, acima de tudo, culturais na sociedade europeia, no
deixa de ser uma afirmao com uma validade total. Mas como se chegou a uma situao de fome,
depois dos avanos que surgiram na poca renascentista?
Ao florescimento dos Estados e do desenvolvimento social que decorreu do Renascimento
sucedeu-se uma etapa de ostentao, em especial dos reis e da vida da corte. Os Estados eram
meramente gastadores, e gastavam uma riqueza que provinha do trabalho das classes mais baixas,
principalmente dos que tinham a sua lide nos campos. Pelas seguintes linhas, observamos uma
interessante descrio da situao que viviam os franceses, no final do sculo XVII, no reinado de Lus
XIV, Le Roi Soleil:
os camponeses devoravam urtigas e carcaas de animais em decomposio. Encontravam-se
crianas e mulheres mortas beira dos prados, com a boca cheia de ervas venenosas. Pelos
cemitrios andavam os loucos a comer carne dos cadveres () Por volta de 1715 tinha desaparecido
um tero da populao, seis milhes de pessoas. (Jacob, 2003)
A fome e a misria estavam impregnadas na plebe ao mesmo tempo que a realeza,
acompanhada dos seus nobres e clericais vivia grande e francesa. Daqui vem esta expresso que
significa viver desafogadamente e com o maior esplendor e ostentao possvel. As classes populares,
trabalhadores rurais, artesos, vendedores, gente que acabava por vaguear nas cidades, em busca de
alguma fonte de subsistncia, viam os seus poucos bens a serem confiscados e o fruto do seu trabalho
a ser maioritariamente absorvido pelos impostos. A Frana vivia uma enorme represso, ou era mesmo
uma grande priso para os seus habitantes, que se viam despojados dos seus direitos. O absolutismo
do Estado tudo controlava.
A revoluo precisou de po, e primeiro da falta dele e de educao. Referimo-nos aqui
educao, antes de abordar a temtica principal dos cereais e do po, uma vez que nesta altura,
finais do sculo XVII que surge, pela primeira vez no mundo, uma escola grtis e, logo a partir das suas
fundaes, direccionada e vocacionada para os mais pobres, os filhos dos camponeses e artesos. As
crianas dos estratos mais ricos tinham j acesso educao, ou por professores ou por escolas para
nobres. Esta escola universal foi protagonizada por Jean La Salle, tambm ele um membro do Clero, e
oferecia aos seus alunos os saberes bsicos da escrita e da leitura, a componente prtica de uma
profisso, formao crist e regras de postura e atitudes na sociedade. Como bvio, esta iniciativa foi
alvo, por parte do Estado, em funo dos interesses dos mais ricos, de vrias tentativas de destruio.
No entanto, acabou por se expandir por toda a Frana e ultrapassou mesmo as suas fronteiras. Ainda
hoje, existem milhares de centros educativos La Salle por todo o mundo.
Ora, um povo com fome e com alguma capacidade de pensamento e sabedoria pelas iniciativas
educativas que surgiram nesta altura, foram a base para que, em 1789, se originasse a Revoluo
Francesa.
21
Ilustrao 7 - A marcha das mulheres parisienses sobre Versailles, no dia 5 de Outubro de 17897
A populao comeou por pensar porque razo os camponeses eram tratados daquela forma e
no eram incentivados a produzir mais cereais, permitindo o Estado que o trabalhador pudesse viver do
seu trabalho e at mesmo contrair riqueza. Este interesse que comeou a surgir pela produo de
cereais, incentivou as actividades econmicas que lhe esto interligadas e, desde ao cultivo da
semente at produo do po, surgiram algumas inovaes. Uma que importa referir, pertence ao
campo da moagem e trouxe o moinho com uma dupla m que no esmagava demasiadamente o gro
e permitia, assim, que a farinha no se misturasse com o farelo. A importncia dos moinhos ganhava
um novo alento e, a sua cincia procurava com se tirasse o melhor partido possvel do cereal, j que o
farelo no digerido. E o po com grande quantidade de farelo pode enganar o estmago
momentaneamente, mas no alimenta. (Balland, 2008).
Um importante investigador da nutrio alimentar nos finais do sculo XVIII foi Antoine-Augustin
Parmentier (1737 1813). Para alm das contribuies para a nutrio humana o seu trabalho foi
distinguido na sade e na higiene pblica. Foi ele o responsvel pela primeira campanha de vacinao
da varicela em Frana. No campo da alimentao foi um pioneiro na extraco de acar de beterraba,
estudou mtodos de conservao de alimentos, incluindo os de refrigerao e fundou uma escola de
panificao. O trabalho de Parmentier (ilustrao 8) no teve o mesmo reconhecimento que o teve
7 Fonte: JACOB, H. E. (2003) 6000 anos de po. Antgona, Lisboa, p.386
22
aps a sua morte, no entanto as suas ideias foram fazendo crescer na populao o sentimento e a
vontade de se revoltarem para terem direitos de cidadania.
Ilustrao 8 - Antoine-Augustin Parmentier (pintura de Franois Dumont)8
No entanto a tomada da Bastilha no resolveu, por si s, o problema da falta de po. Os cereais
no apareceram assim que o povo se revoltou. Alis, nos meses que se seguiram a situao de fome,
da falta de cereais e de po agravou-se e, consequentemente, os episdios de revoltas, pilhagens,
assassnios brutais e demais atrocidades aplicadas a figuras de autoridade repetiram-se. Estas
percebiam que, enquanto o problema do po no fosse resolvido o pas no estaria em condies de
governabilidade. As iniciativas de incentivo agricultura e comrcio de cereais foram surgindo, as
primeiras foram infrutferas, mas, com o passar dos tempos, o fim da guerra e a desmobilizao da
revoluo permitiram aos soldados que voltassem terra para a trabalhar (Jacob, 2003).
Se o po teve efeito directo e a falta dele foi causa da revoluo, os ideais da liberdade e da
igualdade que dela resultaram tiveram, igualmente, consequncia na distribuio dos cereais. Se
anteriormente o po mais claro era para as classes mais altas e o po mais escuro para a plebe, o
primeiro resultante do trigo e o segundo do centeio, depois da revoluo o trigo foi universalizado e, em
8 Fonte: http://www.artexpertswebsite.com/pages/artists/dumont.php
23
alguns pases como a Blgica ou a Holanda, o centeio passou a ser usado apenas para as raes de
gado.
1.5. O Po no Incio do Sculo XX.
O incio do sculo passado foi marcado por bastante instabilidade poltica, com muitas alteraes
de regime e pelas duas guerras mundiais que ocuparam, primeiro, a Europa e, depois o Mundo. Que
papel teve o po nestas vicissitudes que marcam a histria mundial? A resposta a esta questo passa
por diferentes fases: se, mais uma vez, a fome e a falta de po teve importante peso para o surgimento
do segundo grande conflito mundial, na I Grande Guerra, o cereal foi primeiro sustento e depois arma
para negociar o final do conflito.
A partir do final da primeira dcada do sculo, a Alemanha promoveu uma crescente procura dos
cereais, em especial russos. Inicialmente, esta medida foi vista como uma inteno de os alemes
aumentarem a produo de cerveja. No entanto, quando, em Agosto de 1914, a cavalaria alem
invadiu a Rssia percebeu-se que os cereais que importara tiveram outro propsito que no o aumento
da produo de cerveja. Serviram, antes, para alimentar e preparar animais e soldados para o rigor das
batalhas.
No entanto, o plano alemo, como sabido, no correu como tinham planeado. A guerra que
previram curta, acabou por se estender por quatro anos e os depsitos de cereais que haviam
importado no seriam suficientes para todo este tempo. A situao que se verificou foi, ento, da falta
de cereais e de consequente fome.
Primeiro, porque quem importa um bem porque no o tem dentro das suas fronteiras e, logo,
bastou impedir que chegassem Alemanha cereais para o fabrico de po. Depois, porque a mo-de-
obra masculina estava ocupada a combater, o que deixava o importante labor de alimentar o pas para
uma mo-de-obra feminina e infantil, sem capacidade fsica para tal.
curioso notar que, no ano que a Alemanha inicia a I Grande Guerra, a sua produo de cereais
tinha sido superior a outros Estados que lhe fariam frente durante o conflito. Ou seja, fica uma ideia que
se esta nao decide ter uma poltica de pacificao e expanso interna, poderia, atravs do
crescimento econmico a que estaria sujeita, ter alcanado, de uma outra forma, o desejado domnio
mundial que ansiou e lutou durante os conflitos.
No deixa de ser interessante verificar que a soluo que os alemes procuraram para este
problema assentava na cincia. Surgiu a ideia de que seria possvel fabricar po sem cereais. Com o
objectivo de fornecer 2000 calorias dirias e 60 gramas de protena necessria para a sobrevivncia,
foram muitas as experincias de modo a poder substituir o cereal em falta para poder fabricar po.
Tentou-se produzir po com restos de palha, usaram-se juncos, juntaram-se lquenes da Islndia na
massa do po, adicionou-se sangue de animais, tratou-se quimicamente a serradura, entre outras
experimentaes.
O que certo que nada substituiu o verdadeiro valor nutritivo que resulta dos cereais, tanto
para a alimentao directa do homem como para as raes dos animais. A nica soluo seria a de
24
terminar a guerra e permitir que os cereais fossem cultivados, os animais alimentados e se matasse a
fome a milhes de pessoas. O mapa da fome na Europa, no final da I Guerra Mundial era assombroso
(ver ilustrao 9). Se tal fosse feito ter-se-ia evitado, logo partida os milhes de vidas que se
perderam na guerra e depois a tragdia da II Guerra Mundial. A situao de fome em que ficou o povo
alemo, mesmo depois de terminada a I Guerra, fez crescer um sentimento de revolta, do qual nasce
Hitler e tudo o resto, conhecido de todos, que da derivou.
Ilustrao 9 - Mapa de fome na Europa em 1918, por Hoover9
9 Fonte: JACOB, H. E. (2003) 6000 anos de po. Antgona, Lisboa, p478
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2 - A ERA DOS GROS.
Com quantos gros de trigo um po se fez?
Dez mil talvez?
Dez mil almas, dez mil calvrios e agonias,
Todos os dias.
Ramalho Ortigo Ramalho Ortigo (Carvalho, 2003)
O sedentarismo do homem primitivo dotou-o da habilidade de organizar a sua capacidade
alimentar, uma vez que passou a armazenar alimentos durante mais tempo. Referimo-nos, como ser
bvio, ao armazenamento dos cereais, inicialmente selvagens, que afastou a necessidade da procura
diria de alimentos. Procura que derivava, essencialmente da caa, que representava, por sua vez, um
enorme perigo para o homem e era um importante factor de mortandade. Esta habilidade retirou,
tambm, peso s calamidades naturais que traziam fome e, consequentemente a morte e a diminuio
da espcie humana, como os fogos que afastavam os animais ou os Invernos rigorosos que gelavam
ou afogavam os escassos resultados da pastorcia e da tnue agricultura.
Poder-se- dizer, por conseguinte, que o incio da Era dos Gros, atravs do seu
armazenamento, constitui um marco assinalvel, se no essencial, para a evoluo da espcie
humana:
Os silos, que nesta altura se resumiam a simples buracos naturais, ou escavados nas rochas
onde se deitava o cereal protegido por palha ou encerrado em jarras de barro, poderiam, no futuro,
fornecer alimento suficiente para acudir s primeiras necessidades ou, bem racionados, fornecer
mantimentos durante largos perodos do ano. (Cruz, 1996)
Desta forma, a populao sentia-se mais segura, com mais alimento e de melhor qualidade,
factores que influam directamente no seu crescimento. No entanto, esse mesmo crescimento que
acontecia por no existirem perodos de fome e carncia, levava por vezes existncia da prpria
fome: a existncia de populao a mais do que as reservas permitiam alimentar, fazia acontecer que
estas se esvaziassem rapidamente e a fome voltava. A soluo para este problema cclico foi
aparecendo com o crescente domnio da agricultura, o que permitia um melhor clculo e racionamento
tanto da produo como do armazenamento dos cereais.
26
Este novo valor que os cereais representavam para a espcie humana no substituiu a caa. O
homem continuou a caar e a pastorear, mas o racionamento destes gros deu-lhe mais segurana,
por permitir-lhe gerir adequadamente e de forma mais organizada a sua vida. Para alm disso, outro
factor-causa do crescimento demogrfico foi a melhor capacidade fsica que derivava da melhor
alimentao, o que acabou por trazer ao caador maior habilidade, mais fora e resistncia para a sua
exigente tarefa.
Esta Era dos Gros traz, com a alterao demogrfica que provoca, uma evoluo social, pelas
modificaes que acarreta. Nascem mais crianas e morrem menos pessoas e o aumento da
esperana de vida traz novos relacionamentos que at agora no ocorriam: passam a existir membros
da comunidade mais velhos, o que deriva numa estratificao social e em hierarquias.
Para alm disso, e mais importante para a evoluo do Homem, passa a existir um maior
conhecimento global. Se as pessoas vivem mais tempo, acabam por ter mais experincias e a
aumentar a sua sabedoria. Por outro lado, os mais velhos, dotados dessa sabedoria, tm ainda a
oportunidade de a transmitir aos mais novos. O homem passa a estar dotado de memria, de cultura.
Sendo assim, so bastante curiosas as concluses que se podero tirar da analogia da palavra
cultura, que tanto aponta significados para o desenvolvimento da Humanidade como para o
crescimento das diversas sementes, como refere Saramago (1996): no ser por acaso que assim se
chama tambm o acto de trabalhar a terra para o nascimento dos cereais. Nasceram, ao mesmo
tempo, a cultura dos povos e a cultura das plantas..
No haver muitas dvidas de que os cereais trouxeram as condies para o nascimento e o
desenvolvimento da civilizao humana. Se no vejamos, para os cultivar, o Homem necessitou de
aperfeioar as suas tcnicas agrcolas, adquirindo, transmitindo e fazendo evoluir conhecimentos de
mbito metalrgico ou cermico, para a criao de ferramentas de trabalho e utenslios de reserva e
armazenamento. Veja-se a figura abaixo.
Ilustrao 10 - Utenslios agrcolas pr-histricos10 11
10 Fonte: http://www.mapc.com.br/cultura/tecnologia.html
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Por outro lado, as trocas comerciais tiveram a sua gnese tambm em ligao com este capital:
se uma comunidade tinha as melhores condies, naturais ou tcnicas, para o cultivo de determinado
cereal, poderia no as ter para outro, o que proporcionou as condies para se realizarem os primeiros
negcios da espcie humana. Podemos ainda acrescentar que daqui tambm nasceram as primeiras
vias comerciais, necessrias para essas trocas de bens.
Neste captulo, importa ainda referir que, provavelmente o cultivo dos cereais ter nascido de
coincidncias e casualidades. No ter sido o Homem a perceber que poderia colocar esta semente e
ela daria os seus frutos, mas antes dever ter acontecido que, aquando da colheita dos gros
selvagens, alguns foram caindo fora da zona de onde cresciam e a forma crescendo novos campos
cerealferos. No entanto, o rigor cientfico no pode ser aplicado nestas afirmaes. O que se pode
presumir que, no cultivo dos cereais existir uma forte relao com o sexo feminino. Provavelmente a
apanha dos cereais, inicialmente selvagens, seria feito pelas mulheres, uma vez que os homens se
dedicavam essencialmente caa, o que explica, a tradicional ligao da fecundidade feminina ao
desabrochar das sementes.
Os gros, como componente da alimentao do Homem, eram ingeridos, enquanto semente, no
seu estado cru ou tostados, depois de serem queimados, ainda nas espigas, para os fazer sair. O facto
de estarem torrados facilitava a sua mastigao e fazia prolongar o seu tempo de conservao. Com a
utilizao de utenslios cermicos e a confeco de caldos, os gros eram tambm colocados nesses
caldos para cozerem. Mais tarde, com o aparecimento dos moinhos, o Homem vai esmagar os gros e
transform-los em farinha.
11 Estas ferramentas agrcolas primitivas datam do ano 6000 a.C. O machado (abaixo) servia para abrir clareiras, as
foices (esquerda) para colher cereais, uma rocha plana e outra arredondada (centro) serviam para moer gros, e as lminas
de argila perfuradas (acima direita) provavelmente serviam para ventilar os fornos onde se fazia o po.
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3 - A FARINHA
Com quem tiver moinho a andar no te ponhas a soalhar!
Provrbio popular portugus Ramalho Ortigo (Carvalho, 2003)
O principal ingrediente do po , como bvio a farinha, que resulta da moagem de vrias
substncias, nomeadamente os cereais. Para perceber a passagem do gro a farinha, preciso no
esquecer que o uso do cereal para a confeco do po ocorre depois da confeco de papas, uma vez
que o processo de moagem precisou de se desenvolver. A inveno dos moinhos manuais primitivos
representou um dos primeiros passos para que o Homem dispusesse dos ingredientes necessrios
para a confeco do po: a farinha, com a adio de gua subjugada ao fogo.
O primeiro processo de moagem praticado pelo homem resultou da frico de um pedao de
madeira ou de pedra com uma extremidade arredondada contra uma superfcie cncava, com encaixe
entre uma pea e outra, permitindo a colocao do material a ser modo entre uma e outra, falamos
obviamente do almofariz.
A farinha pode resultar de diferentes cereais: trigo, centeio, milho, aveia, cevada, arroz e outros.
Cada um destes tem caractersticas diferentes e particularidades na confeco da farinha e do po,
bem como percursos histricos distintos.
O trigo
Ilustrao 11 - Espiga de Trigo12
12 Fonte: http://www.cceseb.ipbeja.pt/ecos/agrup/alun_actividades_eventos_vid.htm
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Para Cruz (1996) o trigo , de longe, o mais importante cereal para a fabricao da farinha de
po em todo o mundo. O seu cultivo ter mais de 8000 anos, ter surgido nas margens do rio Eufrates,
actual Iraque, e deu origem a muitas espcies. Os mais comuns so o trigo candeal, o trigo estival, o
trigo espelta ou o trigo duro.
Nas zonas mais amenas do globo, como o Norte de frica ou o Mdio Oriente a sua colheita
decorre entre Maro e Abril, enquanto que nas zonas mais frias, a sua ceifa acontece a partir final de
Junho e incios de Julho, j no Vero. Actualmente, graas aos avanos cientficos que trouxeram
seleces e cruzamentos, apuraram-se espcies possveis de serem cultivadas a 4000 metros de
altitude ou em plancies frias. Do Alasca Escandinvia e da Argentina Sibria, a sua colheita vai
desde Janeiro no hemisfrio austral at Novembro ou Dezembro nos pases tropicais. Estas
particularidades fazem com que este cereal tenha uma rea de cultivo superior a 240 milhes de
hectares e estima-se que sejam produzidas mais de um milho de toneladas por dia e os principais
produtores mundiais so os Estados Unidos da Amrica, a China, a ndia, a Rssia e a Ucrnia. Na
Europa, a Frana tem um lugar de destaque e no hemisfrio sul a Austrlia, a frica do Sul e a
Argentina so grandes exportadores.
As condies ideais para o cultivo do trigo exigem uma boa drenagem do solo e para o bom
amadurecimento dos gros deve haver bastante sol e uma temperatura do ar entre os 22 e os 24 C.
Em termos da sua composio bsica destaca-se a riqueza em vitaminas E e B, a abundncia de
carbo-hidratos (amido), protenas (em especial, glten), fibras e sais minerais. Da farinha de trigo
resultam os pequenos pes de fabrico industrial, presentes no dia-a-dia actual e que so apelidados de
vrios nomes, de acordo com a regio: papos-secos, carcaas, po espanhol, brandeiras, entre outros.
Ilustrao 12 - Receita de broa de trigo13
13 Fonte: http://www.gastronomias.com/receitas
Broa de Trigo
Ingredientes:
500g de farinha de trigo fina
10g de fermento de padeiro
1 colher de banha
10g de sal
3dl de gua
Preparao:
Misture a farinha com o sal e junte-lhe a banha, trabalhando-a com a ponta dos dedos para a incorporar na
massa. Adicione o fermento desfeito num pouco de gua, que deve estar amornada, e misture. Sempre
amassando a farinha, v juntando mais gua at obter uma massa suave, elstica e bem homognea. Molde
em bola e ponha numa tigela ou num alguidar, previamente untado com um pouco mais de banha e
polvilhado de farinha.
30
O centeio
Ilustrao 13 - Espiga de Centeio14
Este cereal ter surgido mais tarde do que o trigo, provavelmente na Idade do Bronze, entre os
anos 3000 e 3500 a.C., com origem nas montanhas perto do Mar Mediterrneo. A sua utilizao, para
alm do fabrico de po, estende-se alimentao do gado ao fabrico de bebidas alcolicas, como
cerveja, usque e aguardente. Pelo facto de ter uma grande resistncia ao frio e de no ser muito
exigente no que respeita qualidade dos solos em que semeado, o centeio viu a sua contribuio
para o fabrico do po ser muito considerada. Numa altura em que as diferentes variedades de trigo no
estavam to bem aperfeioadas de modo a resistir a climas mais frios como esto actualmente, ou pela
razo histrica de que o po mais branco e mais saboroso seria para os senhores da terra, o centeio
era maioritariamente utilizado pelas populaes. Os seus principais produtores mundiais so a Rssia,
a Polnia e a Ucrnia. Numa segunda linha esto pases como a Espanha, Alemanha ou China. Em
Portugal, as zonas da Beira Interior e de Trs-os-Montes tem vastos campos de cultivo de centeio.
Por estar associado s classes mais pobres, o centeio viu-se preso a alguma fama menos
positiva. A esta situao poder estar associado o facto deste cereal ser muitas vezes atacado por um
fungo, a cravagem. A doena que o fungo provoca hoje facilmente controlada, mas numa altura em
que no existia uma cincia mdica eficaz, as classes mais pobres eram muitas vezes afectadas por
este mal, j que subsistia na sua alimentao o po de centeio. De nome cientfico Claviceps purprea,
a cravagem tem vrios nomes populares: corno do centeio, gro de corvo, cornicho, dento, centeio
negro esporo do centeio.
A composio alimentar e o valor do centeio so muito similares s do trigo. No entanto, uma
vez que as suas farinhas so mais escuras do origem a um po acastanhado e mais pesado. Odiados
por alguns, mas venerados por outros existe uma panplia de pes possveis de se fazer com a farinha
de centeio: po cabreiro (com queijo), po de cerveja, po de azeite, entre outras receitas.
14 Fonte: http://bp3.blogger.com/_HKR2O4gcwl4/R0StOz3K2iI/AAAAAAAAAgg/UgzRtdrFDIU/s1600-h/Centeio.jpg
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Ilustrao 14 - Receita de po de centeio caseiro15
O milho
Ilustrao 15 - Espiga de milho16
O milho o terceiro cereal mais cultivado no mundo, depois do trigo e do arroz. Chegou
Europa h meio sculo vindo do continente americano e depressa dominou a cozinha do po. Nas
investigaes sobre as civilizaes Maia e Azteca encontraram referncias e vestgios que indicam que
15 Fonte: http://www.moo.pt /receitas
16 Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_wLceRuQV4bk/SQntrpD8vsI/AAAAAAAAAN8/aSLQQCopsHA/s1600-h/milho.jpg
Po de Centeio Caseiro
Ingredientes:
500 gr de centeio
1 kg de farinha de trigo
1 xcara(s) (ch) de leite
2 copo(s) de gua morna(s)
1 colher(es) (sopa) de sal
1 colher(es) (sopa) de manteiga
1 colher(es) (ch) de acar Unio
2 tablete(s) de fermento biolgico fresco
Preparao:
Dissolva o fermento no leite morno junte o acar e deixe levedar por 20 minutos. Adicione os demais
ingredientes intercalando com a gua morna at sentir, que a massa desgrude das mos. Coloque a massa
numa tigela e cubra com plstico, deixe crescer por uma 1 hora. Torne a sovar bem a massa (de preferncia
apenas com as palmas das mos para a massa no grudar), divida-a em duas partes e coloque em duas
assadeiras tipo po de forma bem untada.
Deixe crescer at dobrar de volume, pincele com gua fria e leve ao forno quente (pr-aquecido) por
uma 1 hora aproximadamente.
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o cultivo deste cereal ter mais de 4000 anos. Em Portugal, em especial no Litoral Norte, so vastos e
muitos os campos de cultivo de milho, uma vez que as condies ideais para o seu cultivo devem
reunir um clima ameno e hmido. Nesta zona portuguesa muito famosa broa de milho.
Os grandes produtores mundiais deste cereal so os Estados Unidos da Amrica, o Mxico, a
Itlia, a Frana, a China, a Argentina e o Brasil. Portugal, sua dimenso, tem, tambm um lugar de
destaque na sua produo. Em termos de composio alimentar, este cereal mais pobre que o trigo e
o centeio em glten, mas mais rico em amido, exigindo que, para o fabrico de po base deste cereal,
sejam necessrias algumas farinhas provenientes de outros cereais. muito rico em vitamina A e sais
minerais, mas a falta de vitamina B faz com que, em quem tenha uma alimentao muito exclusiva dos
derivados de milho, se manifeste uma doena com o nome de pelagra17, caracterizada por uma pele
escamosa e seca.
A utilizao culinria da farinha de milho ampla: para alm do fabrico de po, usa-se em
papas, no espessamento de molhos (como fcula), na confeco de bolachas e pes no levedados e
de muitos doces. O gro inteiro ou com alguma preparao d origem aos flocos de milho (cornflakes),
a bebidas alcolicas (usque americano e bourbon) e s famosas pipocas. Tambm possvel ser
comido enquanto no completou o processo de amadurecimento, cozido ou assado em brasas.
Ilustrao 16 - Receita de broa de milho18
17 Pelagra - s. f. (fr. pellagre; ing. pellagra). Doena devida a uma carncia de vitamina PP (V. nicotinamida), observada nas populaes que se alimentam habitualmente com milho ou outros cereais pobres nesta vitamina. Traduz-se por placas vermelhas eczematiformes da pele das partes descobertas, inflamao da mucosa bucal e da lngua, gastrenterites e perturbaes nervosas (astenia, insnia, cefaleias, etc.). Sin. de avitaminose PP. (adj.: pelagroso.)
Fonte: Climepsi Editores [www.climepsi.pt]
18 Fonte: http://www.gastronomias.com/receitas
Broa de Milho
Ingredientes:
2 kgs. de farinha de milho (amarela);1 kg de farinha de trigo;30 grs. de fermento de padeiro;150 grs. de
crescente (massa levedada da broa anterior); gua q.b.
Preparao:
Peneira-se a farinha de milho para um alguidar. Adiciona-se a farinha de trigo e mistura-se tudo. Aquece-se
gua numa panela. Amasse a farinha, adicionando a gua quente. Junta-se o crescente e o fermento de
padeiro. Amassa-se tudo, de modo a massa ficar com uma consistncia mdia. Tapa-se o alguidar com um
pano e um cobertor de l. Coloca-se num local de temperatura amena e sem correntes de ar, para a massa
levedar. Aquece-se o forno de lenha. Quando o forno estiver bem quente puxam-se as brasas para a boca do
forno. Traz-se o alguidar com a massa lveda para junto do forno e comea-se a tender a broa para um
tabuleiro previamente polvilhada com farinha. Coloca-se a broa no forno com o auxlio de uma p polvilhada
com farinha, a fim de cozer, tendo o cuidado de comear do fundo para a boca. Tapa-se a boca do forno. Vai-
se verificando se a broa no est a ficar queimada e, se necessrio abre-se um pouco a porta do forno. No fim
de cozida, retira-se do forno e coloca-se no mesmo alguidar que serviu para amassar e deixa-se arrefecer.
Deve-se reservar um pouco de massa lveda para servir de crescente na vez seguinte. Essa massa colocada
no alguidar que serviu para amassar, que se tapa e guarda em local fresco.
33
A aveia
Ilustrao 17 - Espiga de aveia19
A origem da aveia ter tido lugar durante a era do neoltico, h 8000 anos, e ter derivado da
gramnea bravia que crescia como erva daninha nas culturas de trigo no Ocidente do continente
europeu. As condies para o seu cultivo no apresentam grandes exigncias: suporta o duro clima do
frio no Norte europeu e cresce em terras cidas, saibrosas e pouco frteis.
A sua composio alimentar similar do milho, verificando-se a mesma situao no que diz
respeito sua culinria: a carncia de glten obriga a presena de farinha de outros cereais.
Medicinalmente, segundo Cruz (1996), esta planta tem atributos notveis, sendo os produtos feitos
com o gro ou com a farinha integral dele resultante, muito alimentcios, completos, reconstituintes, de
fcil digesto, ligeiramente diurticos e laxativos. Estas propriedades devem-se presena de
vitaminas A, B, C e PP, de aminocidos, enzimas, polipptideos, clcio, fsforo, ferro e at de
alcalides. J na antiguidade, da aveia fazia-se uma bebida calmante e diurtica e, acompanhada de
mel, era utilizada para tratar certas maleitas respiratrias (Gatto, 2005).
O seu consumo no se generalizou nos locais e povos onde existiam mais abundante e
facilmente outros gros de cereal, como o trigo, o milho ou o centeio, ou seja no Ocidente europeu. No
entanto, no Norte deste continente existem variadssimas aplicaes da aveia: na Bretanha preparam-
se sopas, papas e doces, do lado ingls e do lado francs, na Alemanha, na zona do Bltico e na
Bielorrssia confeccionam-se sopas e papas de smola. Actualmente, mundial o consumo de flocos
de aveia ao pequeno-almoo.
19 Fonte: http://www.fundacaoms.org.br/page.php?32
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Ilustrao 18 - Receita de po de aveia20
A cevada
Ilustrao 19 - Espiga de cevada21
Da cevada julga-se ter sido a primeira a ser cultivada pelo Homem, com origem numa variedade
que cresce no Sudoeste Asitico. Esta planta tpica das zonas frias e dos planaltos elevados e
apresenta algumas variedades que se distinguem pelo nmero de gros na espiga.
20 Fonte: http://www.moo.pt/receitas/ 21 Fonte: http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/co/p_co112_f1.htm
Po de Aveia
Ingredientes:
500 gr de farinha de trigo
10 gr de sal
20 gr de acar
50 gr de gordura vegetal hidrogenada
5 gr de acar
125 gr de aveia em flocos
20 gr de fermento
300 ml de gua
35 gr de farinha de aveia
Preparao:
Misturar o fermento com o acar. Em seguida, adicionar o resto dos ingredientes at obter uma massa
lisa e enxuta, nunca dura. Dividir a massa em duas ou trs partes e modelar como po de forma. Descansar de
45 a 60 minutos ou quando ver que o po j dobrou de tamanho. Assar em forno 180C.
35
O rpido desenvolvimento que decorre entre a semeadura e a colheita da cevada, apenas 90
dias, fez com que a farinha desta semente tivesse um importante papel num passado relativamente
recente, tendo em conta a histria da humanidade. Chegou mesmo a ser o principal cereal fornecedor
de farinha para o fabrico de po entre os Hebreus, os Gregos e os Romanos. No norte da Europa a sua
importncia foi bastante visvel at meados do sculo XIX, j que o seu rpido crescimento permitia
aproveitar o curto Vero que nesta zona do globo se faz verificar. O seu declnio deveu-se aos
progressos nas variedades de trigo, que o tornaram mais resistente s baixas temperaturas, e ao
desenvolvimento das trocas comerciais a um nvel global.
As suas caractersticas nutritivas so menos apuradas que as do centeio e do trigo, originando
um po escuro e pesado, dada a pouca permanncia de glten, semelhana do milho e da aveia. Por
isso, tal como esses cereais, a farinha de cevada sempre usada em conjunto com outras farinhas.
Tambm foi utilizada para fins medicinais, mas a sua associao mais forte , hoje em dia, feita na
preparao de cervejas e aguardentes. O segredo da sua fermentao remonta a tempos muito
antigos, altura em que no se fazia muita distino entre sopas, cervejas, pes e papas.
Ilustrao 20 - Receita de po fino de cevada22
22 Fonte: CRUZ, M. (1996) Po Nosso Uma Histria do po na sociedade do ocidente europeu. Colares
Editora, Sintra.
Po Fino de Cevada
Ingredientes
350 g de farinha de cevada
150 g de farinha de trigo integral
15 g de fermento de padeiro
0,8 dl de azeite, 2,5 dl de gua
10 g de sal e 10 g de sementes de coentros
Preparao:
Misture ambas as farinhas com o sal, as sementes de coentro previamente esmagadas no almofariz, o
azeite e, se gostar do aroma, umas gotinhas de vinagre. Acrescente o fermento dissolvido num pouco de gua
amornada e v juntando o resto da gua tpida, amassando sempre muito bem at obter uma massa macia,
elstica e bem homognea. Deixe-a fermentar e, depois, divida-a em pores, tantas quantos forem
os pes que queira preparar. Deixe levedar mais uma vez e leve-os a forno quente. Neste po, se
preferir, substitua as sementes de coentro por uma outra umbelfera que aprecie o gosto, como o funcho, a
alcarva, a erva-doce, etc.
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O Arroz
Ilustrao 21 - Espiga de arroz23
O arroz cultivado h mais de 8000 anos na sia Oriental, de onde resulta, ainda hoje, 90% da
sua produo mundial. As condies para o seu cultivo devem reunir um clima ameno e com elevado
grau de humidade. Na Europa, a Itlia, em especial no norte, a sua principal produtora.
As caractersticas deste cereal so abrangentes, uma vez que existem mais de 8000 variedades,
que vo de uma cor branca at ao negro. Ainda assim possvel afirmar que na sua composio
alimentar abunda a fcula e escasseia o glten, obrigando, mais uma vez a associao a outras
farinhas.
A sua utilizao pode compreender papas, massas, bolos e mesmo pes, mas, na nossa
civilizao, o arroz utilizado como guarnio de outros alimentos. No Oriente fazem-se vinhos e
aguardentes, como o famoso sak do Japo.
23 Fonte: http://www.imagenesdominicanas.com/2009/04/el-arroz-nuestro-de-cada-dia.html
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Ilustrao 22 - Receita de po de arroz24
Nenhuma destas farinhas seria possvel sem a existncia dos moinhos. O primeiro moinho ter
sido o conhecido almofariz, ainda hoje utilizado em algumas civilizaes e, nas mais modernizadas,
constitui um recurso em receitas que apologizam algum requinte na sua preparao. A evoluo deste
processo de moagem fez desenvolver as prprias farinhas e capacitou o Homem do poder da melhor
preparao dos seus derivados, j que pde seleccionar as caractersticas do gro que moa que
melhor serviam ao propsito da sua confeco.
S durante os anos que precederam a Revoluo francesa, como vimos anteriormente, uma
poca de escassez do cereal e de fome da populao se verificaram importantes avanos no processo
de moagem. A actividade de moagem servia para separar a farinha do farelo e portanto procurava-se
que este processo fosse o mais profundo possvel. No entanto, esta inteno tinha um efeito contrrio,
j que o gro ficava to desfeito que era impossvel distinguir e separar o farelo pela peneira. Matisser,
um padeiro da cidade francesa de Paris, inventou um moinho de triturao progressiva, em que no se
esmagava em trs fases o gro: o cereal passava primeiro por uma dupla m em que as pedras
estavam afastadas trs milmetros, depois por outra com dois milmetros, depois ainda por uma terceira
com um milmetro apenas de distncia entre as pedras (Lavisse, 1922).
Os vestgios mais antigos deste tipo de utenslios remontam a datas de aproximadamente
10.000 a.C., na Palestina. Contudo, existem registos da sua utilizao em outros locais, tais como no
Egipto, na Prsia, na Grcia e um pouco por toda a Europa, incluindo alguns exemplares do perodo
neoltico em Portugal.
Estes sistemas de triturao do gro continuam a ser utilizados hoje em dia, nomeadamente por
alguns povos de frica. Em Portugal, a sua utilizao encontra-se documentada at dcada de 70,
nas regies de Paredes de Coura e ilhas da Madeira. Tambm existem documentos da sua utilizao
em algumas zonas dos distritos de Vila Real e Viseu, at pocas relativamente recentes.
24 Fonte: http://www.moo.pt/receitas/
Po de Arroz Integral
Ingredientes:
200 g de farinha de arroz integral
300 g de farinha de trigo
15 g de fermento de padeiro
80 g de margarina ou de banha
3 dl de gua
10 g de sal
Preparao:
Misture ambas as farinhas com o sal e a gordura, trabalhando-as com a ponta dos dedos. Junte o
fermento diludo num pouco de gua amornada e v amassando a preparao, enquanto acrescenta mais gua
at obter uma massa firma e homognea. Deixe fermentar dentro de uma tigela coberta. Volte a amassar a
preparao durante uns minutos, tenda pes do tamanho desejado, coloque-os sobre um tabuleiro polvilhado
de farinha, voltando a deixar repousar para uma segunda fermentao. Leve-os ao forno, ento, a cozer.
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Segundo a definio do Dicionrio de Lngua Portuguesa, moinho deriva do latim molino e um
engenho para moer cereais, composto de duas pedras ou ms, accionadas pelo vento, gua ou motor,
colocadas uma sobre a outra.
Na matria da moagem do gro dois tipos de moinhos se destacaram na histria e resistiram
praticamente at aos dias de hoje como principais trituradores de cereais: os moinhos de gua e os
moinhos de vento.
3.1 - Moinhos de Vento.
A primeira referncia escrita sobre moinhos de vento surge no sculo X: os moinhos de vento
Persas. Na Europa, no final do sculo XII aparecem os primeiros moinhos de vento, usados para
bombagem de gua e moagem. A par da revoluo industrial foram surgindo avanos tecnolgicos que
fizeram com que os moinhos de vento cassem em desuso, pois estas tecnologias permitem
rendimentos energticos muito maiores. Recentemente alguns destes moinhos tm vindo a ser
recuperados para habitaes particulares ou como ponto de interesse turstico.25
No entanto, apesar das primeiras referncias de moinhos de vento se situarem perto do ano
1000 da nossa era, o recurso energia elica bem mais antigo. Na navegao martima, o recurso
energia elica para aproveitamento motriz existe h vrios milhares de anos, tendo os antigos egpcios
inventado a embarcao com mastro e vela e ainda o remo. Em Portugal foi o recurso energia elica
que permitiu os Descobrimentos. Os navios portugueses durante os sculos XV a XVII percorreram os
oceanos descobrind