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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação O CURRICULO E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: a prática curricular e suas implicações na inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais Gláucia do Carmo Xavier Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação

O CURRICULO E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: a prática curricular e suas implicações na inclusão escolar

de alunos com necessidades educacionais especiais

Gláucia do Carmo Xavier

Belo Horizonte 2008

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Gláucia do Carmo Xavier

O CURRICULO E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: a prática curricular e suas implicações na inclusão escolar

de alunos com necessidades educacionais especiais

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Rita Amélia Teixeira Vilela

Belo Horizonte 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Xavier, Gláucia do Carmo

X3c O currículo e a educação inclusiva: a prática curricular e suas implicações na inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais / Gláucia do Carmo Xavier. – Belo Horizonte, 2008.

196f. : il.

Orientadora: Profª Drª. Rita Amélia Teixeira Vilela.

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós Graduação em Educação.

Bibliografia.

1. Currículos. 2. Inclusão escolar. 3. Inclusão em educação. 4. Disciplina escolar. I. Vilela, Rita Amélia Teixeira. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós Graduação em Educação. III.Título.

CDU: 376 Bibliotecária : Simone Ângela Faleiro van Geleuken – CRB 6 /1661

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Gláucia do Carmo Xavier O CURRICULO E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: a prática curricular e suas implicações na inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Escola, Currículo e Conhecimento Escolar da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

Rita Amélia Teixeira Vilela (Orientadora) – PUC Minas

Lucíola Licínio de Castro Paixão Santos - UFMG

Carlos Roberto Jamil Cury – PUC Minas

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Agradecimentos

À minha orientadora, Profª Rita Amélia, que com muita sabedoria e tranqüilidade me guiou, respeitando e apoiando minhas escolhas, fazendo deste caminhar um momento de grandes aprendizagens. Ao meu pai, Glauco, Mônica e ao Anderson pelo eterno apoio e manifestações de orgulho por esta conquista, e especialmente por minha mãe, que dedicou horas do seu tempo fazendo transcrições das gravações das aulas. À escola que me acolheu com carinho e ofereceu seu espaço para minha pesquisa.

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“O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.” Tomaz Tadeu da Silva “A inclusão é um valor constitucional fundamental – não a inclusão que nega a diferença, mas a inclusão que acolhe a diferença; deve-se apreciá-la e celebrá-la.” Gilhool

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RESUMO

Esta dissertação apresenta uma pesquisa realizada em uma escola de Belo Horizonte com o objetivo de investigar de que forma o currículo escolar abarca a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais não vinculadas às deficiências. O estudo de caso foi a metodologia para a realização da pesquisa. Empregou-se como coleta de dados a observação sistemática, questionários com pais e alunos e entrevistas com professores e gestores. O mais evidente é como a escola reflete a situação real do debate sobre inclusão: imprecisão do próprio conceito e dificuldades de se identificar que tipo de aluno demanda atendimento educativo diferenciado. Os resultados mostram que um currículo inflexível e a falta de ação escolar gerenciadora do atendimento de alunos que manifestam diferenças também podem contribuir para a exclusão escolar, além de revelar que a indisciplina é um fator relevante no impedimento de ações pedagógicas efetivamente diferenciadas de alunos que têm um tempo diferenciado para a aprendizagem. É necessária uma formação sobre o tema para os gestores, professores, pais e toda a comunidade escolar. Palavras-chave: Currículo escolar; escola inclusiva; necessidades educacionais especiais; indisciplina.

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ABSTRACT

This dissertation presents a research realized in a school located in Belo Horizonte with the purpose to investigate in which way the schooling curriculum treats the theme inclusion of students with special necessities at school but not necessary linked with deficiencies. The methodology used to make this research was the study case. The collect the facts a sistemactic observation, a questionnaire with parents and students and also interviews with teachers and directors were needed. The most evident is how the schools deal with the real situation of the inclusion: the own concept is not clear and there are difficulties to identify what kind of student needs a special attention at school. The results shows that a rigid curriculum and lack of attention from the a schools authorities who should maintain and give that special treatment to those students also contribuit with exclusion at school. Other important fact is the indiscipline that troubles effective special pedagogic actions to students who have different needs of learning. More research and orientations are needs to parents, teachers, directors and all schooling community. Key words: Curriculum; inclusion at school; special schooling necessities; indiscipline.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Alunos com necessidades educacionais especiais– Pais - 4ª série ..............128

TABELA 2 Alunos com necessidades educacionais especiais– Pais - 5ª série ..............129

TABELA 3 Presença na sala dos alunos com NEE– Pais - 4ª série ..............................130

TABELA 4 Presença na sala dos alunos com NEE– Pais - 5ª série............................... 131

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LISTA DE ABREVIATURAS

Ed. – Edição

P. – Página

Profª - Professora

Org. – Organizador

LISTA DE SIGLAS

CEB – Comissão de Entidades de Base

CNE – Conselho Nacional de Educação

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação e Cultura

NEE – Necessidades Educacionais Especiais

NSE – Nova Sociologia da Educação

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PNEE – Pessoa com Necessidade Educacional Especial

SEESP – Secretaria de Educação Especial

TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11

2. O CURRÍCULO .......................................................................................................17 2.1. Histórico e conceitos ..............................................................................................17 2.2. Currículo, poder e controle social ........................................................................29 2.3 Currículo prescrito X currículo real ....................................................................36 2. 4 Futuros do currículo e currículos do futuro: currículo e construção de identidades............................................................... ......................................................39 2.4.1 Perspectivas de inclusão no currículo .................................................................46

3. AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E A ESCOLA INCLUSIVA.................................................................................................................. 51 3.1. A inclusão e o processo histórico.......................................................................... 51 3.2. As necessidades educacionais especiais e a legislação referente à inclusão nas escolas regulares ...........................................................................................................59 3.3. A escola inclusiva ..................................................................................................68 3.4. O outro lado da inclusão ......................................................................................72 3.5. De que inclusão se fala? Que inclusão se pratica?..............................................75

4. APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS: CURRÍCULO E INCLUSÃO X CURRÍCULO E EXCLUSÃO ...........................................................77 4.1. A escola ..................................................................................................................78 4.2. A observação .........................................................................................................84 4.3. Fatos e falas relevantes ..........................................................................................87 4.3.1. Um panorama da 5ª série .....................................................................................88 4.3.2. Um panorama da 4ª série ..................................................................................111 4.3.3. Comentários sobre os registros..........................................................................123 4.4.Questionários ........................................................................................................124 4.4.1. Questionários dos alunos.................................................................................125 4.4.2. Questionários dos pais........................................................................................127 4.5.Entrevistas .............................................................................................................135

5. CONCLUSÃO .......................................................................................................148 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................155 APÊNDICES ...............................................................................................................162 ANEXOS ......................................................................................................................183

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1. INTRODUÇÃO

“Os pensadores mais admiráveis não separam seu trabalho de suas vidas. Encaram ambos

demasiado a sério para permitir tal dissociação, e desejam usar cada uma dessas coisas para

o enriquecimento da outra.”

Paulo de Salles Oliveira

“Não se faz ciência sem esforço, perseverança e obstinação.”

Antônio Joaquim Severino

Vivenciando a realidade de uma cidadã, professora e aluna diabética, a pesquisadora

interessou-se pelo assunto da inclusão na escola. Ao cursar a primeira especialização em

Psicopedagogia teve o primeiro contato com o termo PNEE (Portador de Necessidade

Educacional Especial) e interligou sua vivência aos estudos. A monografia dessa

especialização tratou sobre o aluno diabético, como PNEE, e as relações que a escola mantém

com as necessidades e especificidades que esse aluno apresenta e que são refletidas na escola,

daí o conceito “necessidades educacionais especiais”.

Esse é o tema pesquisado nesta dissertação, dando continuidade aos estudos, que

foram realizados em 2005, como monografia da especialização em Psicopedagogia

Institucional1, sobre os alunos com necessidades educacionais especiais; não especificamente

sobre as pessoas com deficiências.

As necessidades educacionais especiais (NEE) não têm associação direta com a

deficiência. Com isso, pode-se concluir que os alunos com deficiência são pessoas com

necessidades educacionais especiais, porém nem todas as pessoas com necessidades

educacionais especiais apresentam deficiência. Pelo que se evidenciou na pesquisa, o termo é

transvestido, ora de grande amplitude, ora de dimensões particulares ou relativo a situações

sócio-culturais, ou a questões de ordem física, cognitiva ou psicológica.

1 XAVIER, G. A formação da escola pública no atendimento do aluno portador de necessidades

educativas especiais: em especial o diabético. 2005. 95f. Monografia (Especialização em Psicopedagogia

Institucional)_ Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro.

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Com o intuito de aprofundar o tema e investigar a inclusão e exclusão nas escolas

regulares, essa pesquisa foi almejada e planejada, porém, com um enfoque diferente. Para

continuar o trabalho com a inclusão e levando em conta a riqueza de detalhes e descobertas

que uma pesquisa de mestrado pode oferecer; a inclusão foi, nesta pesquisa, analisada e

investigada juntamente com o currículo escolar.

Sabendo da importância e influência que o currículo tem diante do processo

educacional e frente à aprendizagem dos alunos, a questão de pesquisa girou em torno das

implicações que o currículo e a prática escolar podem ter no processo educacional de alunos

com NEE.2

Uma vez que o levantamento da situação já foi feito, na primeira pesquisa, pôde-se

partir do pressuposto de que a escola, muitas vezes, exclui seus alunos com NEE, mesmo que

de forma sutil e não intencional. Nesse segundo momento, o objetivo foi o entendimento de

como se dá esse processo dentro da sala de aula, em escolas, onde, aparentemente, não há

sujeitos assim definidos e verificar de que forma o currículo escolar abarca a inclusão dos

alunos com NEE. Isso porque, de modo geral, apenas alunos com deficiências são

considerados como alunos com NEE, conforme constatou o trabalho anterior.

É importante ressaltar que a discussão curricular atual, ao fortalecer a necessidade de

entendimento na escola, das questões da relação inclusão X exclusão, favorece o esforço na

proposição e implementação de políticas curriculares de inclusão. Entretanto, como se

evidencia na pesquisa realizada (XAVIER, 2005), muitos alunos com NEE não têm suas

diferenças consideradas e, por conseguinte, estão sendo excluídos e desconsiderados de um

atendimento diferenciado; esse processo extrapola as questões culturais, econômicas e

políticas.

Diante do discurso oficial que destaca que a escola deve ser uma escola inclusiva,

algumas das perguntas foram: como isso se materializa dentro de uma escola específica?

Como a proposta curricular da escola considera essa questão? De que maneira a escola, nas

suas práticas, realiza ou não o projeto de inclusão?

Embora a proposta de inclusão seja importante e fundamental, nem sempre tem saído

do plano formal. Uma prova disso é o currículo escolar, que é fechado em uma prescritividade

única e embutido de relações de poder, como se pode entender melhor no capítulo 2 deste

trabalho.

2 Diferentemente da situação buscada na monografia.

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Esta dissertação objetivou descortinar pretensões, possibilidades e resultados de

práticas curriculares voltadas para uma situação atual da escola, pois quando se trata de

seleção de conteúdos escolares e definição de práticas pedagógicas para os diferentes grupos

que devem ser enquadrados no processo de escolarização, põem-se em jogo interesses,

exercita-se o poder, determinam-se rumos políticos, culturais e ideológicos, quando na

maioria das vezes “(...)o interesse da maioria ‘é o que interessa’ e onde minorias são, tantas

vezes, simplesmente ignoradas.” (COSTA, Marisa, 2001, p.168). Isso se aplica para além da

seleção de conteúdos, porque práticas, atitudes, rotinas e as relações estabelecidas na sala de

aula, também expressam relações de poder. Ao ignorar minorias e diferenças, as relações de

poder vão se cristalizando e o educando que não se identifica ou tem dificuldades de

acompanhar um currículo fechado, inflexível e rígido, muitas vezes se vê à margem do

processo educativo. Por isso o currículo é um elemento revelador das questões investigadas.

De acordo com Moreira (2004), ao discutir o campo de estudos curriculares no Brasil,

as escolas adotam programas curriculares oficiais, buscando um planejamento, muitas vezes,

sem uma compreensão reflexiva, tornando a educação um processo acrítico e

conseqüentemente, dessa maneira, muitos currículos são planejados levando em conta uma

homogeneidade dos alunos, que concretamente não é real.

Relacionar, portanto, o tema currículo, inclusão, exclusão, aluno com NEE,

atendimento diferenciado e diferenças foi algo complexo, porém importante para os avanços

necessários no que se refere à inclusão escolar. Daí, justificou-se a pesquisa tendo como

questão a ser investigada: de que forma o currículo escolar prescrito e o currículo real

abarcam ou não a inclusão dos alunos com NEE? No caso desta pesquisa, o que interessou

foi, também, desvendar que tipo de visibilidade o aluno com NEE tem dentro da escola e da

sala de aula, e como a escola e o professor lidam com ele.

Para que esta pesquisa se tornasse real, foi necessário um conjunto de ações e a

utilização de uma abordagem metodológica que permitiu compreender a realidade da prática

cotidiana de turmas do Ensino Fundamental I. A opção metodológica foi pela abordagem

qualitativa, pois, segundo Bogdan e Birklen (1994), ela é mais apropriada para a investigação

de temas e questões sobre as quais se sabe ainda muito pouco. O tema NEE se enquadra nessa

situação. Para tanto, o estudo de caso mostrou-se a abordagem metodológica mais adequada

para a realização desta pesquisa.

Além disso, a escolha dessa abordagem justificou-se por querer “entender um caso

particular levando em conta seu contexto” (ANDRÉ, 1995, p. 51), como também por desejar

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“conhecer profundamente essa instância particular em sua complexidade e totalidade”

(ANDRÉ, 1995, p. 52) e por estar mais “interessado naquilo que está ocorrendo e no como

está ocorrendo do que nos seus resultados” (ANDRÉ, 1995, p. 52) .

Segundo Coulon (1995), algumas das características fundamentais do estudo de caso

é a observação do campo e dos atores em ação e a descrição detalhada dessa observação. Já

para André (1995), além da observação sistematizada, julga-se necessário a entrevista

intensiva, a preocupação com as experiências dos atores e o mundo que os cerca, a

aproximação do pesquisador com o campo e a seleção de uma determinada unidade (pessoa,

programa, instituição, grupo social) para sua compreensão.

Nos estudos de caso, o pesquisador realiza tanto o trabalho de campo como o trabalho

de análise, que se apresentam como partes integrantes de um mesmo processo, além de

considerar importante todos os dados da realidade.

Partindo desses eixos, a pesquisa buscou construir uma descrição densa da prática

curricular e suas implicações frente ao processo educativo de alunos com NEE, em uma

unidade escolar.

Além da observação aprofundada das relações estabelecidas em sala de aula, com

descrição densa sobre tudo que foi visualizado e observado, foram utilizados também estudos

bibliográficos que trataram da relação currículo e poder, exclusão e inclusão, NEE,

indisciplina e outros, para ampliar a discussão do tema. Cita-se ainda a análise dos

documentos da escola relativos à proposta curricular e planos de trabalho pedagógico,

entrevistas com professores e gestores da escola, questionários aplicados aos pais e alunos e,

por fim, o procedimento que sistematizou e registrou com tamanha fidelidade a realidade

observada em sala, que foram as gravações de cada aula observada e de cada entrevista feita.

O foco do trabalho de campo foram turmas de Ensino Fundamental I, que tivessem

uma professora regente, de forma que as observações, que ocorreram durante quatro meses,

pudessem ser analisadas de maneira mais concreta. Isso levando em conta que a professora

regente tem uma liberdade maior quanto à administração do plano de ensino e do tempo

escolar, e um contato mais intenso com os alunos que, consequentemente, leva a uma relação

mais ativa, tornando difícil a fuga de questões que surgem a todo instante em sala de aula.

O termo PNEE, tratado até agora como tal, teve sua designação através de documentos

como: Política Nacional de Educação Especial (SEESP/MEC/1994), Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDBEN, Lei n.9.394/96) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação Especial (MEC/2001) e está registrado no Dicionário do Professor, documento

elaborado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (p. 36), tendo sua

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nomenclatura oficialmente consagrada até que seja destituída pela hegemonia de uma nova

concepção3.

Apesar de a nomenclatura estar legalmente correta e oficializada4, há muitos debates

sobre este conceito. Primeiro porque sugere uma estigmatização da pessoa devido à palavra

portador, que pode dar a impressão de que a pessoa pode tirar ou colocar estas necessidades a

qualquer momento.

Uma outra impropriedade dessas expressões é que, em ambas, o termo “portador” parece inadequado. Necessidades não se portam, como objetos; necessidades são experimentadas e manifestam-se. Há que ter olhos para vê-las; vontade e condição de satisfazê-las. (FERREIRA & GUIMARAES, 2003, p. 30).

Durante a pesquisa será utilizada a sigla PNEE como Pessoa com Necessidade

Educacional Especial ou o termo aluno com (NEE) Necessidades Educacionais Especiais,

evitando assim o termo “portador” e conseqüentemente conflitos sobre o termo ideal a ser

utilizado.

A pesquisa evidenciou também outros elementos dessa situação, de forma especial a

própria ambigüidade da terminologia, ora muito abrangente, referindo-se a toda e qualquer

diferença; ora de forma restrita, abarcando os grupos com diferenças apenas culturais e de

outra ordem social (raça, gênero e sexo, como exemplo) ou apenas enquadrados na categoria

“deficiências” físicas e de ordem cognitiva (deficientes mentais, Síndrome de Down e etc).

Observando a ordem capitular desta dissertação, o capítulo dois traz definições do que

pode vir a ser um currículo escolar e um breve histórico sobre o termo. As questões históricas

foram tratadas de maneira sintética e objetiva, já que não foi objetivo do trabalho aprofundar

nessas questões, mas sim situá-las. A segunda parte do capítulo dois aborda os temas mais

inerentes ao currículo: as questões de poder, a dicotomia entre currículo prescrito e currículo

real e os desafios do currículo na contemporaneidade.

O capítulo três discute com profundidade as facetas da inclusão, sua ambigüidade, já

que existem muitos argumentos contra e a favor; o seu processo histórico, tão importante para

a compreensão das questões atuais; a legislação referente à inclusão escolar nas escolas

regulares, conceitos e o debate tão necessário sobre escola inclusiva.

No quarto capítulo, tem-se a apresentação sistematizada da situação evidenciada na

escola pesquisada. É nessa unidade da pesquisa que a escola e as observações foram

3 O capítulo 3 deste trabalho traz conceitos e a legislação referente à inclusão escolar, de forma mais aprofundada. 4 Esses conceitos serão tratados no capítulo 3, tópico 3.2.

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comentadas e detalhadas; além de conter a discussão sobre as entrevistas e os questionários

aplicados. Pode-se dizer que esse capítulo é o verdadeiro corpo do trabalho, pois nele são

revelados e analisados os fatos, acontecimentos, relações, inclusões e exclusões.

É sob forma de conclusão que as considerações finais são registradas. Tudo o que foi

aprendido nesse período sobre o currículo, seja ele prescrito ou real; a inclusão, seja ela

prescrita ou real; a indisciplina e as relações na escola são postas como registro das

aprendizagens e como indicadores de questões em aberto no campo educacional que

demandam outras pesquisas.

É certo que esta pesquisa não aborda tudo sobre os temas currículo e NEE, no entanto,

espera-se que ela convide o leitor a mergulhar nessas questões tão atuais e necessárias,

procurando ser um suporte básico para a discussão do assunto.

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2. O CURRÍCULO: HISTÓRIA, CONCEITOS E SITUAÇÃO ATUAL

“Insistir numa definição abrangente de currículo poder-se-á tornar extemporâneo e negativo, dado que, apesar da recente emergência do currículo como campo de estudos e como conhecimento especializado, ainda não existe um acordo totalmente generalizado sobre o que verdadeiramente significa.” José Augusto Pacheco

O termo currículo vem do latim currere (correr). Existem ainda os substantivos cursus

(carreira, corrida) e curriculum, que, de maneira conotativa, significam “carreira”. Dessa

forma, surgem expressões como cursus forensis (carreira do foro), cursus honorum (carreira

das honras). O termo cursus, que era mais comum, passou a ser usado a partir dos séculos

XIV e XV no português, francês e inglês. Mais tarde surge a expressão curriculum nessas

línguas.

Segundo Hamilton (1992), apenas mais tarde surgiu a expressão curriculum no

contexto da escola. Ele apresenta comprovações de que o termo apareceu em 16335 como

ordenamento do que se ensina e se aprende na escola.

O campo do currículo como estudo sistematizado dos saberes escolares e da

organização da escola se configuram na primeira metade do século XX.

2.1. Histórico e conceitos

Na primeira metade do século XX, pode-se citar como referência ao tema o livro The

curriculum, de Bobbitt, em 1918; a publicação do 26º Anuário da National Society for the

Study of Education; a conferência sobre teoria curricular na Universidade de Chicago, em

1947, com o intuito de delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino; e a

publicação, em 1949, do livro ‘Princípios Básicos de Currículo e Ensino’ (Basic Principles of

curriculum and instruction), escrito por Ralph Tyler. No entanto, foi o livro de Bobbitt que se

tornou um marco nos estudos do currículo como um campo especializado de estudos. A partir

desse momento, buscou-se responder questões importantes relativas ao currículo e à

educação, como: quais os objetivos da educação? O que se devia ensinar: habilidades como

5 A fonte mais antiga de curriculum é localizada nos registros da Universidade de Glasgow.

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escrever, ler e contar ou habilidades práticas para a profissionalização? Dever-se-ia dar

prioridade ao saber acadêmico ou em experiências subjetivas? As crianças deviam ser

ajustadas ao sistema social, tal como era, ou se devia prepará-las para transformar esse

sistema social?

O primeiro artigo de Ralph W. Tyler, apresentado em 1949, defendia para a escola o

“sistema de pagamento por produção” a ser aplicado para organizar de forma eficiente o

trabalho na escola, numa livre e franca associação com a organização fabril taylorista. Assim,

o modelo burocrático para o planejamento do currículo surgiu de modo inusitado, os

administradores de escolas tomaram como modelo seus colegas de indústria e se orgulhavam

do fato de adaptar o vocabulário e as técnicas aí empregadas à administração escolar.

(GOODSON, 1995).

Assim, foi John Franklin Bobbitt o homem que deu forma à área de currículo visando

à eficiência. Seu primeiro princípio na área da educação foi: usar toda a área da escola durante

todo o tempo disponível. O segundo princípio foi reduzir o número de trabalhadores, obtendo

de cada um o máximo de sua eficiência. Já o terceiro princípio compreendia na eliminação de

gastos supérfluos e o quarto se referia ao treinamento das pessoas dentro da escola.

(GOODSON, 1995).

Educar o indivíduo segundo suas potencialidades, já que esse princípio garantiria

melhor rendimento ou maior produtividade do sistema escolar, e, por conseguinte, maior

produtividade na idade adulta, no trabalho certo, no lugar certo, passou a ser a base para a

diversificação do currículo e o elaborador de currículos deveria ser primeiro um analista da

natureza humana e dos negócios humanos.

O planejamento do currículo baseava em encontrar o que as pessoas deviam fazer e

como fazer. Dessa forma, a criança em idade escolar se tornou algo a ser moldado e

manipulado de modo que se encaixasse em seu papel social determinado, para isso havia

muitos tipos de currículos destinados a diferentes grupos da população. Havia currículos

diversos: clássico, científico, geral, comercial, de estenografia, de secretariado, artes

domésticas, agricultura, impressão, eletricidade, mecânica, marcenaria, desenho,

automobilismo e carpintaria.

De acordo com Bobbitt, a educação tinha como finalidade a fase adulta e não a idade

infantil, o objetivo era preparar as pessoas para a idade produtiva e não para os 20 anos de

infância e juventude. Nesse contexto, Bobbitt propunha que a escola funcionasse como uma

empresa. Para ele, o sistema educacional deveria especificar precisamente os objetivos e os

métodos para alcançar, com precisão, esses objetivos almejados. Esse modelo educacional

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estava altamente ligado à economia e podia-se dizer que a palavra chave era “eficiência”. Para

Bobbitt, o currículo é todo o leque de experiências vividas na escola visando o desdobramento

das capacidades do indivíduo, e o modelo de organização e administração escolar deveriam

ser espelhados ao modelo industrial de Frederick Taylor. Nessa perspectiva, o currículo era

simplesmente uma mecânica e deveria seguir padrões.

Um exemplo dado pelo próprio Bobbitt é esclarecedor. Numa oitava série, ilustra ele, algumas crianças realizam adições “a um ritmo de 35 combinações por minuto”, enquanto outras, “ao lado, adicionam a um ritmo médio de 105 combinações por minuto”. Para Bobbitt, o estabelecimento de um padrão permitiria acabar com essa variação. (SILVA, 2005, p. 24).

Esse modelo de currículo encontrou apoio mais tarde no livro de Tyler, ‘Princípios

Básicos de Currículo e Ensino’ (1978)6. O autor centrava as questões de currículo na

organização e desenvolvimento do que deveria ser feito na escola. O currículo também

continuava sendo uma questão puramente técnica. Para Tyler, o currículo se resumia em

quatro critérios: 1- os objetivos que a escola deveria atingir, 2- que experiências seriam feitas

para que os objetivos fossem atingidos, 3- como organizar essas experiências, de forma

eficiente e 4- como garantir que os objetivos estariam sendo alcançados. (TYLER, 1978).

Nessa perspectiva, assim como na empresa havia a linha de produção, a divisão do

trabalho (intelectual, manual), o trabalhador que executava funções sem tomar parte das

decisões, o conhecimento em pedaços e segmentado; nas escolas havia carteiras enfileiradas,

a divisão do planejamento e da execução, as notas como prêmio para a produtividade, a

memorização, a cópia e o especialista com o conhecimento disciplinar. A racionalização da

atividade industrial transferiu-se para a escola. Nesse modelo, dever-se-ia produzir o homem

certo para lugar certo e a palavra de ordem era “produzir” o máximo possível. Até mesmo os

espaços escolares deveriam ser aproveitados ao máximo, pois na racionalidade fabril o erro

era o desperdício. O currículo nasce com o objetivo de preparar o homem para o trabalho e

não para a formação da autonomia; nesse sistema, o homem deveria sair da escola

qualificado, competente e eficiente; nada mais, o que explicitou um dos mais importantes

representantes do campo no inicio dos anos 50.

“Este pequeno livro procura desenvolver uma base racional para considerar, analisar e

interpretar o currículo e o programa de ensino de uma instituição educacional.” (TYLER,

1978, p. 1). Escreveu o autor ao apresentar sua obra, que permaneceu décadas como

6 Data da edição brasileira. O livro de Tyler foi publicado em 1950.

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referência. Além dessa racionalidade para abordar a educação, Tyler também desconsidera

questões culturais e sociais:

A partir da década de 60 o currículo toma nova forma, a busca pelos objetivos

educacionais vai perdendo lugar para questionamentos que colocavam em xeque o

pensamento e a estrutura educacional até então.

Como já é sabido, a década de 60 foi marcada por grandes transformações e

mudanças, podem-se citar os protestos contra a guerra do Vietnã, os protestos estudantis, o

movimento feminista, a liberação sexual, no Brasil as lutas contra a ditadura militar. E assim

como em outros setores, o currículo começa e passar por mudanças, inaugurando-se numa

fase de questionamento do que a escola de fato realizava, ligando-se, portanto, aos problemas

sociais e questões culturais.

Na Inglaterra, o período dos anos 60 e 70 também foi marcado por importantes

mudanças sociais e culturais, bem como por grandes transformações no interior da escola.

Iniciou-se, então, um debate sobre a natureza dos conteúdos cognitivos e culturais suscetíveis

de serem incorporados aos programas escolares e sobre a diferenciação possível desses

conteúdos em função das diferentes categorias de público a qual o ensino se dirige.

(FORQUIN, 1993).

No final dos anos sessenta e início de setenta, alguns problemas no âmbito da

educação também vieram à tona nos Estados Unidos da América: o fracasso da educação de

filhos de negros e imigrantes, questões sobre a organização social e transmissão do

conhecimento e as relações de poder envolvidas nesse processo. Conseqüentemente, o campo

da Sociologia da Educação alargou-se ultrapassando o foco da análise de estatísticas escolares

e teorização funcionalista sobre as possibilidades de que a educação planejada e orientada

poderia alterar situações sociais, assim se acabou por identificar com a sociologia crítica da

escola e com o conhecimento escolar.

Nem toda a Sociologia da Educação se limitava aos estudos de desigualdade entre

grupos sociais, mas não deixava de ser verdade que a desigualdade de acesso à educação, seus

mecanismos geradores e seus efeitos sobre os processos de estratificação social, a partir da

década de sessenta, ocupava um lugar de destaque na Sociologia da Educação. (FORQUIN,

1995) “A Sociologia da Educação assumiu assim, uma função desmistificadora,

problematizando categorias como currículo, conhecimento, inteligência, habilidade, ensino,

metodologia e avaliação.” (MOREIRA, 1990, p.75).

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A questão da seleção dos conteúdos de ensino e de sua incorporação nos programas

institucionalizados permaneceu por muito tempo um ponto cego para a Sociologia da

Educação. Foram através de amplas enquetes sobre os fluxos de escolarização e das relações

entre estes fluxos e certas características estruturais da sociedade que a Sociologia da

Educação conquistou, a partir dos anos 60, sua “carta de nobreza” científica e, pela realização

de uma descrição metódica dos conhecimentos escolares e das salas de aula, que essa ciência

encontrou caminhos privilegiados para o seu desenvolvimento, renovação e colaboração à

educação. (FORQUIN, 1993).

Foi nesse contexto dos estudos sociológicos de situações e processos inerentes à vida

escolar que surgiram, no campo da Sociologia da Educação, alguns estudos e contribuições

que acabam por modelar uma “sociologia do currículo”. Sociologia essa, que passa a se

dedicar ao conhecimento escolar, mostrando que esse por sua vez, não é neutro, pois ele

carrega consigo relações de poder. E sobre essas relações de poder dentro das instituições de

ensino, desenvolve-se nos anos 70, na Inglaterra, a NSE (Nova Sociologia da Educação), uma

nova reflexão sociológica.

A Nova Sociologia da Educação (NSE), iniciada por Michael Young, na Inglaterra, nos primeiros anos da década de setenta, constitui-se na primeira corrente sociológica voltada para a discussão do currículo. O grande marco de seu surgimento foi a obra Knowledge and control: new directions for the Sociology of Education, editada por Young (1971), na qual encontramos alguns artigos hoje considerados clássicos. (MOREIRA, 1990, p.72).

A NSE foi associada tanto à crítica do currículo acadêmico como forma de dominação

quanto ao apoio das formas não-hierárquicas de pedagogia, ao aprendizado centrado no

estudante, em vez de centrado nas matérias, e à derrubada das barreiras entre o saber escolar e

o não-escolar. (YOUNG, 2000).

O cerne da NSE é a análise dos processos de seleção e organização dos conhecimentos

veiculados pela escola. As hipóteses que norteiam o trabalho se voltam para a investigação da

relação entre poder, ideologia, controle social e a forma como os conhecimentos são

selecionados, organizados e tratados pela escola. A NSE tem como pressuposto que os

conteúdos escolares, expressos nos livros didáticos, guias curriculares ou outros materiais

pedagógicos e na prática escolar contribuem para a manutenção das desigualdades sociais.

Dessa forma, a NSE definiu-se como uma forma de investigação crítica, mais concentrada nos

processos do que em resultados e estatísticas escolares.

Foi o livro Knowledge and control: new directions for the Sociology of Education,

publicado por Michael Young, em 1971, que marcou o início de uma nova abordagem

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sociológica, a “Nova Sociologia da Educação” (NSE). Michael Young fica reconhecido como

o líder desse “movimento”, que reunia também outros autores, ligados à Universidade de

Londres e que, mesmo fora da Inglaterra, tiveram artigos publicados no livro; como Pierre

Bourdieu, que enfatizava a legitimação de culturas dominantes pela escola. Outro

representante inglês da NSE é Basil Bernstein, que defendia a idéia de que o currículo é um

dos mecanismos que viabilizam a realização do controle social dos comportamentos

individuais.

A grande diferença entre a NSE e as tendências até então dominantes era que a

Sociologia da Educação se concentrava nos resultados de testes escolares, sucesso ou fracasso

escolar, classe social, renda e situação familiar, deixando de problematizar o que ocorria

dentro desses processos, como se o dado obtido fosse imutável. Já a NSE se preocupou em

questionar a natureza do conhecimento escolar, o papel do currículo na produção das

desigualdades e o processamento das pessoas e não apenas do conhecimento. “Enquanto a

tradição anterior enfatizava relações macroestruturais, a NSE focalizou contextos

interacionais e seus conteúdos, discutindo o que era transmitido nas escolas e examinando a

base social do conhecimento escolar”. (MOREIRA, 1990, p.75).

Uma das maiores contribuições da NSE foi fazer do processo de seleção e exclusão

dos conhecimentos escolares o tópico central da discussão da Sociologia da Educação. A idéia

de que os processos de seleção e de organização dos saberes incluíam relações de poder

presentes na sociedade foi um marco diferencial .

Assim, a NSE tinha como questões básicas de pesquisa a desigualdade educacional, a

prioridade dada ao currículo como tópico da Sociologia da Educação e a ênfase dada aos

professores e aos educadores de professores como agentes de mudança progressista. Ela se

concentrou no currículo escolar na busca de uma explicação para o fracasso escolar da classe

operária. Via-se que os aspectos seletivos do currículo eram fatores determinantes de uma

distribuição desigual da educação e, também, devido às disciplinas hierárquicas e a

desvalorização do saber não escolar, a NSE entendia o currículo como instrumento de poder

para a exclusão da classe social. (YOUNG, 2000).

Young criticou, na introdução do livro Knowledge and control, a tendência de aceitar

como definitivo as categorias curriculares e os índices de fracasso escolar. O desafio da NSE

era então colocar essas questões “em jogo”, desnaturalizá-las e mostrar seu caráter social e

histórico. Para a NSE, segundo Young, o importante não é saber qual conhecimento é mais

importante que o outro, mas como essa seleção era feita.

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A NSE, no breve programa traçado por Young na introdução do livro Knowledge and control, deveria começar por ver o conhecimento escolar e o currículo existentes como invenções sociais, como o resultado de um processo envolvendo conflitos e disputas em torno de quais conhecimentos deviam fazer parte do currículo, [...] e quais os valores e os interesses sociais envolvidos nesse processo seletivo. (SILVA, 2005, p.67).

De forma geral, a NSE buscou investigar as ligações entre a seleção, organização e

distribuição dos saberes escolares e a distribuição dos recursos econômicos, focando as

relações de poder envolvidas nesse processo.

De acordo com Young, o ideal para uma escola democrática seria um currículo menos

estratificado, não-hierárquico, com maior interação entre aluno e professor e uma avaliação

mais justa. Para ele, o currículo hierarquizado é decorrente da divisão do trabalho, dessa

forma, um currículo que valorizasse as mais diversas culturas e conhecimentos incluiria a

diversidade de alunos acolhidos pelas escolas e, a partir dessa mudança de paradigma, outras

mudanças mais significativas poderiam ser vistas na sociedade como um todo. Young sugere

que se abandone a dicotomização acadêmico X vocacional, propondo novas mudanças e

novos currículos, mais centrados na cultura do aluno, organizado a partir de experiências;

contudo reconhece a importância das disciplinas para a sistematização da aprendizagem. Para

ele, não basta aumentar o acesso à educação, é preciso avaliar que tipo de educação se deve

dar mais acesso. (MOREIRA, 1990).

A partir de 1976, Young inicia um novo estágio de pensamento e modifica a imagem

que tem do professor como transformador da sociedade. Ele passa então a sugerir que os

professores progressistas, juntamente com outros setores da sociedade, e não mais sozinhos,

lutem para a construção de uma ordem social mais justa. Nesse novo estágio, Young

reconhece que o saber acadêmico contraria interesses das camadas populares. Depois passou a

ver que currículo acadêmico nem sempre oferece esse papel. Dessa forma, supera-se o caráter

pessimista das teorias da reprodução, como também da crença demais otimista no poder da

educação, enfatizadas no início da NSE.

A relação educação-sociedade é, então, reexaminada pelos dois autores (Young e Whitty), que rejeitam, nesse momento, tanto a visão de que a educação determina a sociedade, como a visão de que a sociedade determina a educação. (MOREIRA, 1990, p.79).

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No entanto, Young também recebeu críticas em seu trabalho. O fato de ele não

oferecer uma discussão mais profunda sobre a sociedade, que é lugar onde a escola se situa; o

fato de ignorar a questão do trabalho e do processo de produção e ignorar o papel do Estado

na participação da seleção dos saberes é questionado. Há bastantes evidências sobre os seus

ideais de currículo, mas faltam indicações mais precisas em sua obra sobre que tipo de

sociedade e programa político ele quer desenvolver. (MOREIRA,1990).

Com isso, a NSE teve uma vida breve, por um lado, por suas limitações teóricas e, por

outro, devido às mudanças nas circunstâncias políticas e econômicas mais amplas.

O prestígio e a influência da NSE, que tinham sido excepcionalmente grandes até o início da década de oitenta, diminuiu bastante a partir daí. Por um lado, o programa mais “forte” de uma “pura” sociologia do currículo cedeu lugar a perspectivas mais ecléticas que misturavam análises sociológicas com teorizações mais propriamente pedagógicas. Por outro, a teorização crítica da educação que nesse momento se concentrava em torno da NSE iria se dissolver numa variedade de perspectivas analíticas e teóricas: feminismo; estudos sobre gênero, raça e etnia; estudos culturais; pós-modernismo; pós-estruturalismo. Além disso, o contexto social de reforma educacional e de democratização da educação que tinha constituído a inspiração da NSE transformava-se radicalmente, com o triunfo das políticas neoliberais de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e de Margareth Thatcher, na Inglaterra. (SILVA, 2005, p.70).

Assim, a NSE “fez uma carreira curta enquanto corrente de pensamento autônoma”

(FORQUIN, 1995, p.190), em grande parte, devido às diversas referências teóricas e, em parte

incompatíveis, levando assim, a um relativismo muito intenso, o que desvalorizou a teoria. No

entanto, ela permanece hoje tão importante, como há 26 anos, já que ainda se debate e

pesquisa as relações de poder na seleção e distribuição dos conteúdos e saberes escolares.

Ainda é atual e necessária a tendência de “levantar alguns problemas fundamentais que foram

âmago da questão do que é a educação.” (YOUNG, 2000, p. 72).

Com a contribuição da NSE,

os currículos hoje não são mais vistos como mecanicamente definidos pelos que detêm o poder; apesar de incorporarem valores e interesses dominantes, representam os resultados de lutas específicas por autoridade cultural, por liderança intelectual e moral da sociedade. (MOREIRA, 1990, p. 81).

A NSE fornece uma interessante contribuição para o entendimento do passado, do

presente (e por que não do futuro?) da educação contemporânea. Ela pode esclarecer vários

aspectos da realidade, sobretudo aos planejadores dos currículos e oferecer mais condições de

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reflexão nos momentos de seleção de conteúdos e desejos de uma educação mais justa e

solidária.

Como pôde ser visto, A NSE foi realmente um divisor entre uma visão mais ingênua e

tradicional do currículo e uma visão mais crítica. A partir daí, surgem conceitos diferenciados

de currículo, porém conceitos que se interagem, se penetram e se completam.

Para a visão técnica de Bobbitt e Tyler, o currículo significa o conjunto de todas as

experiências planificadas na escola, relacionando-se a aprendizagem a planos de instrução que

predeterminam os resultados. Já para uma visão mais crítica, o currículo pode ser definido

como um projeto que resulta não só do plano das intenções, bem como o plano da sua

realização no centro de uma organização específica. (PACHECO, 2005).

Para Nóvoa, “ele deve ser visto como parte dos jogos de interesses que definem o

trabalho acadêmico e os processos de legitimação das diversas correntes científicas”

(NÓVOA, 1999, p. 14). Nessa mesma perspectiva, Costa (2001) define o currículo como

lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder multicultural, lugar de escolhas,

inclusões e exclusões, produto de uma ‘lógica clandestina’, que nem sempre é a expressão da

vontade de um sujeito, mas imposição do próprio ato discursivo.

Carvalho (MARIA, 2005), em dissertação de mestrado pela PUC-MG, com bases nas

idéias de Forquin (1993) declara que um currículo é a significação particular de uma escola

visando estabelecer contatos diretos com a cultura, promovendo possibilidades de acesso de

seus alunos ao conhecimento. Carvalho ainda reforça esse conceito assumido por ela,

demonstrando como outros autores também o entenderam:

Currículo é um campo de trabalho, que tem todo um conjunto de práticas sociais; é um

espaço onde se definem coisas, onde vão ocorrendo ações, ou seja, onde vai

acontecendo o próprio currículo. (ELIZABETH MACEDO apud CARVALHO, 2005,

p.107).7

O currículo é um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente

reconstruído. Este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas o

estético, o ético e o político. (MICHAEL APLLE apud CARVALHO, 2005, p.107)8.

O currículo é entendido e trabalhado como o conjunto de aprendizagens vivenciadas

pelos alunos, planejadas ou não pela escola, dentro ou fora da aula e da escola, mas

7 MACEDO, Elizabeth et al.Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2002. 8 APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

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sob a responsabilidade desta, ao longo de sua trajetória escolar. (CORINTA

GERALDI apud CARVALHO, 2005, p.107).9

O currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de construção

de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender

e construir o mundo. (ALICE CASIMIRO LOPES apud CARVALHO, 2005,

p.107).10

De acordo com o afirmado no texto dos PCN, em 1997, até dezembro de 1996 o

ensino esteve legalmente estruturado nos termos previstos pela Lei Federal n. 5.692, de 11 de

agosto de 1971 e um dos objetivos do currículo até então era:

(...) proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 14).

Semelhante orientação, de âmbito nacional, é oferecida pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº

9394/96, determina a construção dos currículos, no Ensino Fundamental e Médio, tendo como

o seu atual objetivo “(...) assegurar a todos a formação comum indispensável para o exercício

da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.”

(PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 15). Trazendo ainda em seu

complemento:

(...) o currículo, tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da língua portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política, enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Também são áreas obrigatórias o ensino da Arte e da Educação Física (...) O ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna passa a se constituir um componente curricular obrigatório (...) Quanto ao ensino religioso, (...) é de matrícula facultativa, respeitadas as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 16).

9 GERALDI, Corinta Maria Grisolia. Continuidade e ruptura na construção do objeto de estudo: o currículo em ação. In: A produção do ensino e da pesqsuisa em educação – estudo sobre o trabalho docente no curso de pedagogia. Tese de Doutoramento. FE/Unicamp/SP, 1993. 10 LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro: UERJ, 1999.

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Como uma novidade até então, os PCN indicaram a necessidade do tratamento das

questões sociais na escola, porém sem restringi-las em uma única área. Dessa forma “as

problemáticas sociais são integradas na proposta educacional dos Parâmetros Curriculares

Nacionais como Temas Transversais.” (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS,

1997, p. 64).

A transversalidade pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso das relações interpessoais e sociais escolares com as questões que estão envolvidas nos temas, a fim de que haja uma coerência entre os valores experimentados na vivência que a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com tais valores. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 64).

Vê-se que é um avanço a construção dos PCN, levando em conta a abertura do tema e

a flexibilidade apresentada, uma vez que são levadas em consideração: adaptações da

Secretaria ou da escola,a proposta da estruturação escolar por ciclos, tornando possível a

distribuição de conteúdos de forma mais adequada à natureza do processo de aprendizagem; a

valorização das diversas culturas regionais e religiosas, reconhecendo a diversidade cultural

brasileira.

Contudo, Macedo (1998) faz críticas aos PCN e aos seus Temas Transversais. Ela

expõe vários questionamentos em relação à reafirmação que o documento faz às disciplinas

clássicas deixando lacunas sobre esses temas. Também questiona o limite das disciplinas

clássicas e tradicionais a ponto de ter que ser criado Temas Transversais, ou seja, as

disciplinas tradicionais não se mostram suficientes para abordar todas as áreas do

conhecimento. Questiona ainda a forma de apresentação dos Temas Transversais pelo

documento, quando ele não explica de forma clara como eles serão trabalhados, já que devem

ser integrados e perpassados em todas as disciplinas; critica a base dos PCN, assentada em

autores conteudistas e, por fim, questiona o lugar de importância das disciplinas e dos Temas

Transversais, uma vez que os temas importantes da vida em sociedade são tratados fora das

disciplinas clássicas.

Para entender essa proposta do MEC, julgamos ser fundamental problematizar algumas questões: a idéia de currículo disciplinar, sua suposta incapacidade de dar conta da realidade pluridimensional, a necessidade de criação de mecanismos integradores das diferentes disciplinas ou a própria superação desse tipo de estruturação curricular. (MACEDO, 2002, p.45).

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Qualquer tentativa de definir e precisar o currículo converte-se numa tarefa árdua e

conflituosa. Porém, pode-se concluir que, se de um lado abordam-se participação social,

política e construção de conteúdos e, por outro lado, abordam-se cultura, valores e

identidades; um currículo é uma construção histórica social e com isso depende de inúmeros

interesses e condições.

Se o currículo não é somente um plano, mas um todo organizado em função de

propósitos educativos e de saberes, atitudes, crenças e valores (PACHECO, 2005), ou se é a

expressão da função socializadora da escola (GIMENO SACRISTÁN, 1998), não há como

decidir, pois ele depende do contexto em que se situa e das pessoas que nele intervêm e, além

das intenções existem os interesses e as forças que se movem à sua volta.

Apesar da polissemia do termo e dos vários sentidos e significados que o currículo

pode ter no sistema escolar, o currículo é um instrumento de formação e, assim como uma

moeda, tem duas faces; uma das intenções e das relações de poder, e a outra da naturalidade

das coisas, como um resultado acrítico das ações cotidianas.

Portanto, o caminho percorrido até aqui direciona a uma atitude em que a prioridade

sobre o tema deixa de ser a definição do currículo e passa a ser a compreensão das suas

intenções. Dessa forma, algumas questões vêm à tona: o que se deve ensinar? Quem deve

controlar a seleção e distribuição do conhecimento? O que deve ser considerado como

conhecimento? Como medir a importância de um conhecimento em detrimento de outro?

Como o controle do conhecimento é ligado ao poder de uns e não de outros? Como se pode

colocar o conhecimento curricular ao alcance dos alunos?

A prioridade é no momento, não o consenso do significado de currículo, mas como e

por quem ele é organizado. É possível considerar como currículo os programas escolares, os

planos de curso, as disciplinas, seus conteúdos; tudo o que é supostamente aprendido e

ensinado, como valores, atitudes, relações interpessoais, mesmo que de maneira inconsciente.

E é justamente a falta da consciência com que muitos ensinamentos são transmitidos que

reforça a análise do currículo. A transmissão de qualquer saber pode ser inconsciente, mas

sempre intencional, pois as intenções são muitas vezes inerentes às pessoas, já que cada um

leva consigo uma bagagem adquirida ao longo da vida, referente às aprendizagens formais e

informais. Nessa bagagem, estão presentes os valores, os costumes, a cultura e as crenças de

cada um. Nesse sentido, não há ação sem intenção, e conseqüentemente, não há currículo

ingênuo.

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2.2. Currículo, poder e controle social

A história do currículo está diretamente ligada ao controle social. Sabe-se que o

currículo não é algo neutro e sem intenções, mas um instrumento de controle da sociedade e

confirmação das hierarquias sociais. A escola, portanto, é um desses lugares de ensino de

valores culturais e econômicos compartilhados por todos para garantir um controle e

uniformidade de classes. “As escolas não foram necessariamente construídas para ampliar ou

preservar o capital cultural de classes ou comunidades que não fossem as dos segmentos mais

poderosos da população”. (APPLE, 2002, p. 101).

O currículo, portanto, revela as relações de poder e escolhas, pois ao se fazer uma

seleção do que deve ser ensinado e transmitido, exercita-se o poder, conteúdos, valores e

crenças são escolhidos em detrimento de outros. Ao fazer a escolha, inclusões e exclusões são

feitas objetivando muitas vezes um controle social. O que deve ser ensinado? Para quem e

para quê? Com qual objetivo um conteúdo ou valor é transmitido no lugar de outro? Enquanto

o currículo é instrumento de seleção cultural, ele exercita controle social. (FORQUIN, 1993).

O conhecimento que chegava às escolas desde o século XIX e que chega até mesmo

hoje não é aleatório, mas sim escolhido conforme uma série de fatores e princípios visando ao

comportamento das pessoas, comportamento esse desigual, correspondendo às condições

desiguais de grupos sociais, produzidas estruturalmente. Determinadas estruturas econômicas

e políticas educacionais contribuem para essa prática da desigualdade em que o conhecimento

adquirido na escola não seja ameaçador para o domínio de poucos.

Essa forma de controle é transmitida tanto pelas disciplinas e conteúdos, como por

comportamentos do dia-a-dia, valores, regras e ações rotineiras. As escolas não apenas

controlam as pessoas, elas também ajudam a controlar o significado. Pelo fato de

preservarem e distribuírem o que se percebem como “conhecimento legítimo” – o

conhecimento que “todos devemos ter” (APPLE, 2002, p. 103) -, as escolas conferem

legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos. “Uma disciplina é tanto um

campo de estudo quanto um sistema de controle; aqui controle refere-se tanto ao controle

sobre os saberes quanto ao controle sobre os próprios corpos, em sua mais concreta

materialidade” (VEIGA-NETO, 2001, p. 236).

A história da educação na sociedade norte americana exemplifica como o objetivo de

controlar os saberes da sociedade foi reafirmado. A partir do momento em que houve um

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aumento da população e conseqüentemente o aumento de problemas sociais, além do aumento

de imigrantes nos Estados Unidos; na segunda metade do século XIX, a escola foi vista como

a solução desses problemas, pois através dela, poderia ser conquistada uma uniformidade de

mentes e comportamentos e, conseqüentemente, a continuidade do controle e homogeneidade

de condutas sociais consideradas adequadas à mentalidade e ao padrão de vida social

almejados.

No início do século XX, os imigrantes eram realmente uma ameaça aos valores da

sociedade, pois eles poderiam impor um novo funcionamento social, já que tinham tradições

políticas culturais e religiosas diferentes. Para lidar com essa nova ameaça, os intelectuais

uniram-se a um movimento crescente que fazia restrições à imigração. Contudo, para ter

efeito à imigração já concretizada, perceberam a importância da influência da escola como

protagonista no controle social, através de inculcação de padrões de comportamento, idéias e

ideais. Dessa forma, o currículo poderia restabelecer o que estava sendo perdido. (APPLE,

2002).

De acordo com Apple (2002), Finney (1922), um dos primeiros sociólogos da

educação nos Estados Unidos da América, insistia que a classe média era a mais afetada. Era

afetada pela classe mais abastada, de capitalistas industriais e pela classe baixa, já que havia,

com a imigração, muita mão-de-obra barata. Para fazer com que o problema se resolvesse era

necessário uma conduta harmônica e homogênea entre a população. Assim, a escola é posta

como protagonista nesta tarefa: fazer com que as pessoas pensem da mesma forma, tenham os

mesmos valores e não se tornem problemas ou ameaças futuras na desterritorização do poder.

O currículo escolar poderia criar um consenso de valores que representasse a meta de suas

políticas econômicas e sociais. Uma dessas respostas para a época seria o ensino médio

universal.

A característica principal do currículo para o período é que os indivíduos deveriam ser

preparados conforme sua inteligência e capacidade para exercer funções sociais na vida

adulta. Os teóricos do currículo acreditavam que deveria existir uma educação para a

liderança e outra para os que eram chamados de “acompanhamento”, ou seja, tinham uma

inteligência menor. Dessa forma, os que detinham maior inteligência deviam ser educados

para liderar a nação e os outros para aceitar crenças e ordens, concordando ou não com elas.

“Como Finney (1928) dizia: em vez de tentarem ensinar simplórios a pensar por si mesmos,

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os lideres intelectuais devem pensar por eles, repetir os resultados pela memorização em suas

sinapses”. (FINNEY apud APPLE, 2002, p. 115).11

Embora falassem em diferenciar o currículo por capacidade de inteligência, tanto

Bobbitt (1971) quanto Snedden (1922), dois importantes teóricos do currículo nessa fase,

sugeriram que a diferenciação poderia ser também por classe social e de etnia. Dessa forma, o

homem inteligente certamente seria encontrado na classe social mais favorecida. Assim

“controlando-se e diferenciando-se os currículos escolares, as pessoas e as classes também

poderiam ser controladas e diferenciadas.” (APPLE, 2002, p. 116).

Na primeira metade do século XX, a área de currículo dedicou-se ao planejamento de

programas de ensino. Predominava a busca ao método eficiente de elaboração do currículo e

uma falta de reflexão sobre a maneira de perceber a escola, não se questionava quais saberes e

a origem dos saberes que seriam transmitidos nas escolas e o que isso significaria para a

sociedade.

Como foi tratado no tópico anterior, a tendência de planejar a escola para torná-la

produtiva, respondia também a essa outra dimensão. O tipo de escola e o que se ensinava nela,

para conseguir eficiência, deveria ser adequada à pessoa: seu suposto potencial cognitivo e

sua classe social.

O terceiro quartel do século XX consolidou, em alguns setores de educação essa

tendência, reforçando formas de conseguir eficiência de sistema escolar, mas produziu

também vertentes críticas à escola, como as Teorias de Reprodução e a crítica ao currículo

dentro da Nova Sociologia da Educação. A partir dos anos 80, desenvolve-se e consolida a

tendência que ainda predomina o desvendamento do que ocorre na escola.

Hoje, um dos problemas a serem enfrentados é compreender a forma como os

conhecimentos e tradições dominantes reforçam a desigualdade e reproduzem os sistemas de

dominação. É preciso saber que a escola não é somente uma ferramenta para a reprodução.

Primeiro porque os alunos não são passivos a tal ponto em que tudo o que escutam e

aprendem se torne verdade absoluta. Segundo, porque há contradições dentro da própria

escola, quando, por exemplo, ela deve formar cidadãos críticos, mas esses mesmos cidadãos,

quando críticos podem desafiar questões sociais. (APPLE, 2002).

Outro fator importante é conscientizar-se de que instituições como a escola, mesmo

com sua grande dependência estrutural da ordem política e econômica instalada na sociedade,

11 FINNEY, Ross. Causes and cures for de social unrest: an appeal to de middle class. New York, Macmillan, 1922, (167-72).

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têm um grau relativo de autonomia. As escolas exercem funções vitais de reprodução, porém

essas funções não são impostas, elas acontecem como um “pano de fundo”. O que Apple

questiona é: como, concretamente, este conhecimento oficial representa os interesses

dominantes e como a escola os representa levando a acreditar que são verdades

incontestáveis?

De acordo com Apple (1989) as escolas certamente reafirmam valores e

conhecimentos ideológicos, a escola, além de ser um lugar de reprodução, é um lugar de

produção do conhecimento. Ela produz um conhecimento necessário para expandir mercados,

controlar o trabalho e a pessoas. Esse saber é utilizado para servir aos interesses das classes

dominantes da sociedade. Como ele mesmo afirma, “embora tudo isso pareça demasiado

abstrato, as suas raízes estavam e estão em algo muito mais concreto.” (APPLE, 1989, p. 38).

A reprodução é obtida pela aceitação das ideologias hegemônicas como pelas

resistências. As resistências podem ser entendidas como processos de contestações

contraditórios, em que, por vezes, ao se opor a uma cultura dominante, cria-se outra cultura,

que pode ser vista como inferior e assim, reafirmar a ideologia dominante. A ideologia não é

algo livremente transversal, ela é antes de tudo, vinculada ao Estado. Este mesmo Estado é

local de conflito entre classes, gênero e raça, por isso ele tenta “forçar” as pessoas a pensar de

forma semelhante. Relacionado a isso, estão os interesses econômicos, a educação (o que é

ensinado nas escolas), entre outros. Este pensar hegemônico tem como um dos objetivos a

diminuição dos conflitos, mas, no discurso, ele é visto como um dos responsáveis por agir em

favor do interesse de todos.

Nessa perspectiva, a ideologia serve os interesses das classes dominantes. É nesse

sentido que Althusser (1970) afirma que as instituições (família, igreja, escola) são aparelhos

ideológicos e repressivos do Estado.

Na perspectiva de Althusser, a função social da ideologia consiste em garantir as

ligações que relacionam os indivíduos com as suas tarefas. A ideologia pode ser pensada

como sendo um programa, porém vai mais além. Ela significa que existe sempre uma

dimensão ideológica em todas as ações sociais. Pode-se entender por ideologia as formas de

existência social e de exercícios das lutas sociais no domínio dos processos sociais de

produção de significados, assim como meio para designar as relações de poder ou as práticas

que socialmente contribuem para a formação de crenças e rituais, isto é, um sistema de

representações coletivamente compartilhado.

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Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. (BOURDIEU, 1998, p.53).

Nesse sentido de entendimento da escola, o currículo é um projeto cultural, social e

político. Ele está construído em bases ideológicas, mergulhado no sistema de idéias, valores,

atitudes e crenças compartilhadas por um grupo de pessoas com um peso significativo em sua

criação e elaboração.

Assim o currículo deve ser entendido “como um instrumento de poder que diferencia e

legitima socialmente através de estruturação do conhecimento escolar por disciplinas.”

(PACHECO, 2005, p.59-60). E ainda, nenhum currículo é elaborado no vazio, nem tão pouco

se organiza de forma arbitrária, tudo é pensado e programado visando a um determinado

objetivo dentro de uma lógica e de uma cultura. Assim o currículo pode ser entendido como

“a seleção cultural estruturada sob condições psicopedagógicas dessa cultura que se oferece

como projeto para a instituição escolar.” ( GIMENO SACRISTÁN, 1998, p. 42).

Estudos no campo da Sociologia da Educação mostram que a educação faz seleções no

interior da cultura e reelabora conteúdos e saberes com o intuito de torná-los transmissíveis à

‘clientela escolar’. Contudo, no interior dessa cultura, a escola acaba por trabalhar com uma

parcela pequena de experiências humanas previamente determinadas. Com isso, os

conhecimentos, valores, experiências, atitudes e conteúdos passam a constituir uma versão

autorizada, legitimada, verdadeira e única da cultura.

Isso significa que a cultura de diversos grupos sociais fica marginalizada do processo de escolarização e, mais do que isso, é vista como algo a ser eliminado pela escola, devendo ser substituída pela cultura hegemônica, que está presente em todas as esferas do sistema de ensino. De fato, a escola assumiu historicamente o papel de homogeneização e assimilação cultural. (MOREIRA, 2006, p.36).

Segundo Lopes (1997), os pesquisadores do currículo parecem estar de acordo em

relação ao fato de a cultura ser o conteúdo primordial do processo educativo e de que o

currículo é o instrumento de perpetuação dessa cultura. Dessa forma, através do currículo,

como parte do processo educacional, a cultura é mantida. O que importa, no entanto, é qual

conceito de cultura e qual cultura vem sendo perpetuada a partir de então.

Em uma visão tradicional de currículo, a cultura de uma sociedade é homogênea,

universal e única. Nessa perspectiva, não há do que se problematizar, nem visualizar conflitos

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no processo educacional. Já numa visão crítica de currículo, ele é percebido como um terreno

conflituoso e de criação simbólica, em que os conhecimentos são construídos e desconstruídos

a todo o momento. Portanto, nessa perspectiva, o currículo, segundo Forquin (1993), pode ser

definido como um conjunto de saberes, crenças e valores no interior de uma determinada

cultura. Assim, a educação e o currículo são agentes ativos de construção de sentidos, de

saberes e acima de tudo, de sujeitos; já que os sujeitos, no processo educativo são formados, e

para essa formação, eles são mergulhados em determinados valores culturais de uma dada

sociedade.

A teoria crítica de currículo leva a pensar em novas questões como, por exemplo, que

os conhecimentos e a cultura são considerados importantes, a ponto de serem escolhidos em

detrimento de outros. Com isso, a teoria crítica faz do campo curricular um terreno de

embates e cria novos problemas a serem examinados.

Em uma sociedade como a que vivemos, dividida em classes e em dicotomias,

percebe-se diferentes culturas existentes como: cultura erudita e cultura popular. Nessa

realidade, a cultura erudita é tida como a cultura dominante e superior à cultura popular, já

que a cultura popular é vista como uma cultura operária e a cultura erudita como uma cultura

burguesa. “É uma cultura aristocrática e, sobretudo, uma relação aristocrática com essa

cultura, que o sistema de ensino transmite e exige.” (BOURDIEU, 1998, p.55). “...o sistema

escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura.” ( BOURDIEU,

1998, p.53).

A cultura erudita é retratada como uma cultura que tem mais valor, reafirmando a idéia

de que as elites possuem o que há de melhor em uma sociedade e a cultura popular,

corresponde a uma cultura produzida pelo povo, cotidianamente.

No entanto, é importante ressaltar que uma cultura de classe dominante, ou seja, a

cultura burguesa não é sempre opressora e nem a cultura popular é sempre libertadora. Há

cultura popular, do senso comum, que muitas vezes oprime e cria preconceitos, como é o caso

de se achar que o índio é preguiçoso. Com isso, é possível perceber que há momentos em que

determinada cultura liberta e oprime, seja ela erudita ou popular. Portanto, nem sempre a

cultura burguesa será a dominante e nem sempre a cultura operária será a dominada.

O que se precisa debater então, não é qual cultura é dominante ou dominada, já que

esses papéis podem ser trocados a cada momento, mas sim, que afirmação está sendo definida

como verdade absoluta e por qual razão isso acontece. É preciso descortinar o processo que

faz de alguns conceitos e culturas únicas, verdadeiras e válidas.

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A cultura escolar é também responsável pela formação dos indivíduos, pois confere a

eles uma bagagem de conhecimentos que os faz agir e pensar de uma determinada forma, e a

relação que o indivíduo tem com seus conhecimentos, suas tradições, crenças, valores, cultura

e verdades está diretamente relacionada com o modo como ele a adquiriu. “Ou seja, a relação

que um indivíduo mantém com sua cultura depende, fundamentalmente, das condições nas

quais ele a adquiriu. Isso inclui a natureza propriamente dita desses conteúdos, bem como o

modo de aquisição dos mesmos.” (LOPES, 1997, p. 105).

É nesse sentido que a ação pedagógica escolar tem um papel preponderante, pois é na

escola, que muitas vezes o indivíduo aprende e consolida seus valores. É preciso entender,

portanto, como e por que a escola escolhe alguns saberes e conhecimentos e exclui outros.

O entendimento desse processo de seleção nos permite conceber que o conhecimento escolar não se trata apenas da reconstrução de conhecimentos científicos/ eruditos. Trata-se de um conjunto de conhecimentos múltiplos, de origens diversas, fruto de construções diversas. Conjunto esse que é transmitido como se fosse o que há de mais fundamental na cultura humana. (LOPES, 1997, p.106).

Lopes chama a atenção sobre como a escola “repassa” seus saberes escolhidos como

melhores e mais significativos. É necessário mais cautela ao observar, analisar e compreender

o que e como os livros didáticos ilustram e omitem certos saberes. A ação dos professores

também precisa ser examinada e observada com mais atenção, pois quando eles se esforçam

para explicar certos conteúdos de uma maneira mais objetiva e simples para seus alunos,

novas construções e significações são feitas, o que às vezes pode significar novos conceitos.

Sendo assim, é preciso que muitas pesquisas continuem sendo feitas com o intuito de

esclarecer como os conhecimentos são escolhidos e se esses conhecimentos passam uma idéia

de verdade absoluta em relação à cultura de que fazem parte: erudita ou popular e que,

sobretudo, não há hierarquias quando o assunto é cultura, mas sim uma diversidade; e esse é o

papel da escola “admitir uma diversidade de conhecimentos sem hierarquizações absolutas”

para fazer da escola “um campo de expressão dos embates entre diferentes saberes.” (LOPES,

1997, p. 110).

De acordo com Forquin (1993), a escola seleciona saberes de uma cultura e

reorganiza-os num novo contexto, produzindo modalidades próprias para o âmbito escolar,

configurando como uma cultura escolar original. Para ele, esse é o objetivo maior da

educação, reproduzir culturas existentes, como sendo legítimas. Sabendo que a cultura não é

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imutável, mas apresenta formas e aparências variadas, ela é interpretada diferentemente por

cada indivíduo, de forma que se faz parecer um movimento de construção de sujeitos ativos,

quando na verdade o que se tem é uma reprodução de saberes e culturas.

Educar, ensinar é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que deles se neutra, que ele os incorpore à sua substância, que ele construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles. Ora tal projeto repousa necessariamente, num momento ou noutro, sobre uma concepção seletiva e normativa da cultura. (FORQUIN, 1993, p. 168).

Conclui-se que o currículo é instrumento de exercício de poder e controle social, pelo

fato de legitimar determinados conhecimentos, ainda que esses conhecimentos sejam

contestados e nem sempre ingenuinamente aceitos. O desafio da escola, portanto, é estar

atenta ao que é perpassado e transmitido, mesmo que de forma velada e implícita. “...o

pensamento pedagógico contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão

da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas educativas, sob pena de

cair na superficialidade.” (FORQUIN, 1993, p. 10).

2.3 Currículo prescrito X currículo real

Não há como pensar nas formas veladas e implícitas de praticar a seleção e

transmissão cultural na escola sem considerar o currículo real e oculto presentes nas salas de

aula. Sabe-se que os currículos prescritos podem ser entendidos como os planos curriculares,

os programas, os conteúdos, objetivos, competências, atividades, avaliações e orientações, e

que eles se apresentam através de manuais, documentos, livros de texto, projetos político-

pedagógicos, leis, parâmetros curriculares e etc. Já o currículo oculto é constituído por todos

aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial e explícito,

contribuem de forma implícita e velada para as aprendizagens sociais. (PACHECO, 2005).

O desenvolvimento do currículo inicia-se por uma proposta formal e documentada

denominada currículo prescrito, currículo oficial ou currículo escrito. Esse currículo é

construído em instâncias de Administração central ou nos contextos escolares por suas

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equipes pedagógicas com ou sem participação dos professores. Os textos curriculares

oriundos de uma Administração central são documentos que veiculam o discurso oficial do

Estado, já os produzidos nos contextos escolares são representados por escolas e especialistas

de ensino. Dessa forma, havendo políticas centralizadas em alguns aspectos (Estado) e

descentralizadas em outros (decisões escolares), existem estruturas de poder e redes informais

de decisões e práticas discursivas que intervêm de modo ativo na decisão e construção

curricular.

Assim, o currículo é construído pela luta de diferentes fronteiras que delimitam terrenos de participação e âmbitos de decisão. Não se poderá, contudo, aceitar que o currículo seja a expressão de uma única lógica, na medida em que as lógicas de Estado, de mercado, do actor e cultural são peças de um puzzle, que adquire sentido pelas fronteiras conquistadas em momentos diferentes. (PACHECO, 2005, p.111).

Por conseguinte, tem-se o currículo real ou currículo em ação como aquele que se

refere ao contexto de ensino e corresponde a um currículo operacional, ou seja, ao currículo

que acontece verdadeiramente na realidade da sala de aula, aula após aula, dia após dia. O

oficial indica o que está determinado no plano formal e o real denota o que se faz na prática e

que é vivenciado por alunos e professores no cotidiano da escola.

Nem sempre o currículo realizado corresponde ao oficial e explícito, ele faz parte da

ampla gama de experiências de formação dos sujeitos. O currículo oculto está presente no

currículo real e significa o que está escondido, latente, tácito, implícito e contém aquilo que os

alunos aprendem com a experiência social da escola. Sobre esse currículo oculto, podem-se

identificar quatro características principais: expectativas não oficiais, resultados de

aprendizagens não previstas, mensagens implícitas presentes na estrutura escolar e

intervenção dos alunos. (PACHECO, 2005).

Assim, entende-se por currículo real a aceitação de diferentes interpretações do texto

curricular, quando os autores dos manuais e professores fazem sua própria interpretação do

programa, moldando os conteúdos e criando novas situações de ensino, embutidos também de

decisões ideológicas. O currículo oculto é tudo aquilo que está presente nesse processo, que

os alunos também realizam no âmbito da educação.

Para uma visão crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente

atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem crianças e jovens a se

ajustarem “de forma mais conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento

consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista.”

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(SILVA, 2005, p. 79). Em outras palavras, o currículo oculto ensina, geralmente, as formas de

submissão, conformismo, individualismo e aceitação da fragmentação social, de forma que

crianças de classes menos favorecidas aprendam atitudes próprias de um papel de

subordinação. Em contra partida, crianças de classes abastadas aprendem maneiras de

dominação a traços sociais relacionados à posição de ordem.

O currículo oculto, encontrado no currículo real ensina através de rituais, regras,

regulamentos e normas as diversas divisões e categorizações como diferenças entre o mais e

menos capaz, meninos e meninas, currículo acadêmico e currículo profissional. Assim, as

questões de gênero, raça, sexualidade, como ser homem ou mulher, como ser heterossexual ou

homossexual, como manifestar ou identificar uma determinada raça, etnia, diferença,

necessidades especiais, entre outras, são aprendidas no currículo oculto.

Não basta simplesmente conceituar as diversas esferas de currículo, é preciso ir além,

compreender quais são os elementos que, no ambiente escolar, contribuem para essas

aprendizagens. É preciso investigar como a organização e os usos do tempo e do espaço

ensinam certos comportamentos sociais. É necessário descortinar as relações entre professores

e alunos, entre a administração e alunos e entre os próprios alunos, ou seja, é imprescindível

desocultar o currículo oculto.

É importante ressaltar que os estudos sobre o currículo oculto cumpriram um

importante papel para o entendimento do que acontecia dentro das salas de aula, descrevendo

processos sociais que moldam as subjetividades e os conhecimentos e processos ‘invisíveis’.

O desafio agora é entender como as relações são construídas e através de quais meios esses

tipos de comportamentos podem ser desvelados, favorecendo a uma educação menos

articulada negativamente e mais aberta ao debate claro e transparente de questões sociais. As

discussões de gêneros, raça, divisões sociais e outras precisam é ser debatidas claramente

dentro das paredes da escola e não transmitidas de maneira implícita de acordo com uma dada

cultura tida como verdadeira. É para essa empreitada que são importantes os estudos e

pesquisas que procuram desvendar essas relações dentro da escola, acompanhando

experiências concretas de escolarização, procurando desvendar como o currículo, em todas as

suas dimensões (o oficial, o real e o oculto), se materializa na escola. (SALGADO e VILELA,

2006).

Levando em conta o papel regulador da escola e do currículo, o currículo real e com

ele o oculto, tornam-se palco principal para a efetivação do controle social, já que a

manutenção dos privilégios de grupos dominantes e a cultura dita como verdadeira encontra

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no currículo oculto seu terreno para a sua concretização e efetivação. Mas, o currículo real

abre também o espaço e as possibilidades de entrada na sala de aula de experiências

significativas para os alunos, que povoam seu mundo real e, com os alunos, adentram a

escola.

Ainda que acentuando, em suas primeiras teorizações, o papel reprodutor da escola e do currículo, a idéia do currículo oculto vem a ampliar-se e passa a significar não só o terreno por excelência de controle social, mas também o espaço no qual se travam lutas ideológicas e políticas, passível, portanto, de abrigar intervenções que visem a mudanças sociais. (MOREIRA, 2006. p.14).

Desvendar o currículo oculto é também criar possibilidades de mudar o processo de

inculcação inerente à educação reprodutora, é buscar outras práticas menos controladoras e

mais formativas. “Um espaço rigidamente organizado da sala de aula tradicional ensina certas

coisas; o espaço frouxamente estruturado da sala de aula mais aberta ensina outro tipo de

coisas.” (SILVA, 2005, p. 79).

Desocultar o currículo oculto implica em torná-lo menos eficaz, ou mesmo deixar de

ter seus efeitos simplesmente pelo fato de ser oculto. “Tornar-se consciente do currículo

oculto significa, de alguma forma, desarmá-lo.” (SILVA, 2005, p.80).

2. 4 Futuros do currículo e currículos do futuro: currículo e construção de identidades

O currículo foi visto até então relacionado ao poder, ao controle social e à seleção e

transmissão de cultura. No entanto, a cultura transmitida pelo currículo até aqui sempre foi

uma cultura tida como dominante, superior e verdadeira, excluindo assim outras culturas,

além de não tratá-las como diferentes, sem hierarquias; mas sim como se houvesse uma

cultura melhor do que a outra. As teorias críticas, que surgiram conjuntamente com a NSE

tiveram um papel relevante para desmascarar as formas curriculares de alienação dos sujeitos.

Para as teorias críticas, alguns temas foram preponderantes como: reprodução cultural e

social, poder, capitalismo, classe social, currículo oculto e resistências. Como já foi dito, a

construção do currículo no último quartel do século XX foi associada ao questionamento e a

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problematizações de forma a reconhecer os modos pelos quais os espaços estavam

impregnados por questões de poder.

Sendo o currículo relacionado a tudo isso, conclui-se que ele é um instrumento

poderoso na construção das identidades. Por outro lado, a sociedade, como um todo, também

vive um período em que as identidades estão sendo debatidas e questionadas. Dessa forma,

esse debate adentrou o campo do currículo e este passou a ser entendido como um território

de construção de identidades.

(...) o pós-modernismo assinala uma mudança em direção a um conjunto de condições sociais que estão reconstituindo os mapas social, cultural e geográfico do mundo e produzindo, ao mesmo tempo, novas formas de crítica cultural. Analisam-se as questões de significado, identidade e política sob novo prisma (...). Dentre tais objetos inclui-se o currículo, passível de ser concebido e interpretado como um todo significativo, como um texto, como um instrumento privilegiado de construção de identidades e subjetividades. ( MOREIRA, 2006, p. 15).

Com esse novo paradigma social, surgem as teorias pós-críticas e nelas a identidade, a

alteridade, a diferença, a subjetividade, a significação e o discurso. A cultura, o

multiculturalismo e as questões de gênero, raça, etnia e sexualidade tomam conta desse novo

espaço de debates e questionamentos em diferentes espaços sociais, dentre eles, a escola e o

currículo.

O que se questiona no momento é a idéia de que o currículo precisa dar voz às culturas

que foram sistematicamente excluídas pela escola e vistas como inferiores, como a cultura

indígena, negra, infanto-juvenil, rural, de classes trabalhadoras e todas as culturas negadas até

então. Essa nova posição frente às diferenças culturais afirma a necessidade de um currículo

multicultural, favorecendo assim a expressão das culturas silenciadas pela escola, favorecendo

a cultura do aluno e criando uma convivência democrática dos diferentes grupos culturais.

(SANTOMÉ, 1998), (SANTOS e PARAÍSO, 1996).

A influência do pensamento pós-moderno tem se acentuado nos últimos anos no

discurso curricular contemporâneo, tanto no Brasil, como em outros países. Assim, algumas

características do pós-modernismo começam a se apropriar dos textos curriculares. O

abandono das metanarrativas, a descrença em uma consciência unitária, homogênea e

centrada; a rejeição de idéias utópicas, a preocupação com a linguagem e a subjetividade e a

celebração da diferença inauguram uma nova tendência do debate sobre o papel do currículo,

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abrindo novas possibilidades de entendimento do jogo de exercício e controle do poder, que

até então dominaram o campo. (MOREIRA, 2006).

No debate pós-crítico do currículo, o ponto de partida é que nas salas de aula nem

todas as vozes são igualmente válidas, daí a defesa de que o diálogo entre as diferenças

precisa ser incentivado. Entretanto, o diálogo não é voltado para acordos e conformidades,

mas sim para a compreensão e o respeito às diferenças, de forma que elas sejam mantidas e

não eliminadas.

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em

declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui

visto como um sujeito unificado. As identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é,

deslocadas ou fragmentadas, conseqüentemente, a opinião dentro da comunidade sociológica

está ainda profundamente dividida quanto a esses assuntos, pois as tendências são recentes e

ambíguas. O próprio conceito “identidade” é complexo, muito pouco desenvolvido e muito

pouco compreendido na ciência social contemporânea. (HALL, 2005).

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformado as sociedades modernas

desde o final do século XX. Estas transformações estão mudando as identidades pessoais,

abalando a idéia que se tem das pessoas como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido

de si”, estável é chamada de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo

deslocamento de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos, constitui uma

“crise de identidade” para o indivíduo. Um outro aspecto desta questão da identidade está

relacionado à “globalização” e seu impacto sobre a identidade cultural.

Segundo Hall (2005), a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa

escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e

organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em

experiência, mais interconectado. Implica um movimento de distanciamento de idéia

sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado.

Sente-se que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um

determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande

distância. Observa-se a separação entre espaço e lugar. O “lugar” é específico, concreto,

conhecido, familiar, delimitado. Os lugares permanecem fixos; é neles que se criam “raízes”.

Entretanto, o espaço pode ser “cruzado” num piscar de olhos – por avião a jato, por fax ou por

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satélite. Harvey (1989)12 chama isso de “destruição do espaço através do tempo”. (HALL,

2005).

A tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos cultuais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural. (HALL, 2005, p. 73-74).

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e

imagens pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de

comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas –

desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar

livremente”. É-se confrontado por uma gama de diferentes identidades, dentre as quais parece

possível fazer uma escolha. As diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a

identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global,

em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser

traduzidas. Este fenômeno é conhecido com “homogeneização cultural”.

A homogeneização cultural é o grito angustiado daqueles que estão convencidos de

que a globalização ameaça solapar as identidades e a “unidade” das culturas nacionais.

Entretanto, como visão do futuro das identidades num mundo pós-moderno, este quadro, da

forma como é colocado, é muito simplista, exagerado e unilateral. Ao lado da tendência em

direção à homogeneização global, há também numa fascinação com a diferença e com a

mercantilização da etnia e da “alteridade”. Há, juntamente com o impacto do “global”, num

novo interesse pelo “local”. Parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as

identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas

identificações “globais” e novas identificações “locais”. (HALL, 2005).

O argumento sobre a homogeneização global das identidades é que a globalização é

muito desigualmente distribuída ao redor do globo. Uma vez que a direção do fluxo é

desequilibrada, e que continuam a existir relações desiguais de poder cultural entre “o

Ocidente” e “o Resto”. Pode parecer que a globalização – embora seja, por definição, algo

que afeta o globo inteiro – seja essencialmente um fenômeno ocidental.

Entretanto, imersos a esse movimento globalizante, as conseqüências aparecem, Hall

(2005) cita três conseqüências da globalização, isto é, a homogeneização das identidades

globais: reafirmação das identidades locais; existência de uma própria “geometria de poder” e 12 HARVEY, David. The condition of Pos-Modernity. Oxford: Oxford University Press, 1989.

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retenção de alguns aspectos da dominação global ocidental. Talvez o exemplo mais real do

terceiro aspecto seja o fenômeno da migração.

Portanto, vê-se que a globalização é um fator importante para a descentração e, ao

mesmo tempo, construção das identidades pós-modernas. E que ela não irá, como muitas

vezes se imagina, destruir raízes culturais.

A importância desse processo para a educação, é que a globalização criou, a partir de

então, a luta no campo educacional e inclui a abertura de espaços para que as culturas dos

grupos excluídos do currículo escolar tenham condições de se tornar representadas,

possibilitando o tão desejado diálogo entre as diferenças. (MOREIRA, 2003), (SANTOMÉ,

1998), (LOPES, 1999).

Essas diferenças culturais, no entanto, são relacionadas às relações de poder. Isso, pois

as minorias, sejam em relação à etnia, sexualidade, cor, gênero, religião, situação econômica,

idade, linguagem e etc, têm sido demonstradas com inferioridade perante outras formas de

identidade.

Vê-se necessário, portanto, uma política da diferença, e não de igualdade, como há

muito tempo já foi defendida. Política da diferença, pois aceitando as diferenças, deixa-se de

achar que há somente um modelo para cada categoria, e, dessa forma, as diferenças serão

aceitas e respeitadas verdadeiramente.

Segundo Moreira (2002), é o multiculturalismo que indica o caráter plural das

sociedades ocidentais contemporâneas. Isso porque a cultura tem adquirido importância

crescente nos fenômenos sociais atuais e faz-se cada vez mais necessário um reconhecimento

das diversidades culturais, ou seja, das diversas identidades culturais existentes, fortalecidas

pelo fenômeno da globalização. A perspectiva hoje é para o reconhecimento da

multiculturalidade como constituinte da vida social, como o é também a necessidade do

desenvolvimento de relações sociais e inter-culturais.

Agora, numa perspectiva intercultural não basta reconhecer a diferença, é preciso estabelecer uma relação, a inter-relação entre pessoas de culturas diferentes para justamente permitir um entendimento recíproco, de tal forma que essa relação implique um desafio à reelaboração de cada um. (MOREIRA, 2002, p.7).

É preciso reconhecer também que não há uma monocultura escolar, ou seja, os alunos

não devem ser compreendidos como sujeitos de uma única cultura. Para isso, a lógica do

heterossexualismo, do masculino, católico, cristão, branco e do eurocêntrismo precisa ser

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desafiada. É função do multiculturalismo levar ao reconhecimento das identidades dos grupos,

principalmente àquelas compreendidas como inferiores.

Algo reforçador nesse embate é o diálogo. O diálogo como instrumento de ensino e de

mediação entre as diferenças e criador de consensos culturais e cognitivos. Com o diálogo,

não se trata de chegar a um acordo, ou a uma única leitura ou resposta, mas trata de um ponto

de partida para o debate, a abertura de espaço para diferentes vozes e produção de diferenças.

“O diálogo propicia compreensões parciais, ainda que não o acordo, em meio às diferenças”

(MOREIRA, 2002, p.14).

Tem-se assistido a debates em torno da necessidade de reconhecimento das múltiplas

etnias, culturas, preferências sexuais, linguagens e outros determinantes presentes nas

sociedades contemporâneas. Ao mesmo tempo, a radicalização de grupos étnicos e culturais

marginalizados economicamente tem desembocado, não raro, em conflitos armados de

proporções gigantescas. Em meio a essas tensões, ganha força o multiculturalismo – como

movimento teórico e político que busca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos

campos do saber, incluindo não só a educação como também outras áreas. (CANEN, 2002).

O multiculturalismo busca respostas plurais para incorporar a diversidade cultural e o

desafio a preconceitos, procura pensar caminhos que possam construir uma ciência mais

aberta a vozes de grupos culturais e étnicos plurais.

O campo do currículo, hoje, desconfia de discursos que se apresentem como

meramente técnicos, buscando perceber neles vozes autorizadas e vozes silenciadas. Cobram-

se da educação e do currículo, medidas para a formação de cidadãos abertos ao mundo,

tolerantes e democráticos. “O que caracteriza propriamente os seres humanos não é uma

similaridade, mas a própria diferença.” (MOREIRA, 2002, p.14).

Ainda que o determinante de classes sociais permaneça na análise curricular, a

necessidade de se compreender o currículo como uma seleção cultural impregnada por uma

visão de mundo branca, masculina, heterossexual e eurocêntrica passa a ser central em

estudos curriculares, que buscam pensar em currículos alternativos, multiculturais. No

entanto, os sentidos diversos de multiculturalismo precisam ser analisados, de forma que

práticas curriculares que se pretendam multiculturais não acabem por perpetuar a construção

de diferenças e dos preconceitos que tanto desejam combater. Tem-se como exemplo: o

multiculturalismo reparador, que tenta reparar injustiças passadas; o folclorismo, que reduz o

multiculturalismo à valorização de crenças e costumes; o reducionismo identitário, que

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reforça as diferenças dentro das diferenças e a guetização cultural, que é o grupo que estuda

seus próprios padrões culturais. (LOPES, 2004).

Alguns caminhos possíveis se apresentam para a construção de práticas curriculares

multiculturais: dinâmicas de sensibilização de identidades, a compreensão de identidade como

construção, sempre provisória; a associação de discursos de diferentes campos, para efeitos

anti-racistas e antidiscriminatórios e a avaliação diagnóstica/multicultural que implica no

acompanhamento contínuo das atividades desenvolvidas no currículo em ação.

Não se pode ignorar a verdadeira função do ensino. No trabalho de formação de

pessoas solidárias, ativas e críticas, é necessário estar atento aos conteúdos culturais, assim

como estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação. Educar é ação ética e política e o êxito

de intervenções educacionais está relacionado a um compromisso consciente e cuidadoso com

a comunidade a que se pretende trabalhar. (SANTOMÉ, 1998).

Os caminhos possíveis, sugeridos acima, estão longe dos currículos que deformam ou

tratam de forma superficial as comunidades marginalizadas e silenciadas, chamados por

Santomé (1998) de “currículo de turistas”, cujas temáticas são citadas esporadicamente e

contempladas de uma perspectiva distante, como algo que não tem a ver com cada uma das

pessoas na sala de aula. Alguns exemplos desse tipo de currículo são: a) a trivialização,

quando grupos são tratados de forma banal, lembrados apenas por seus folclores, comidas

típicas, rituais festivos, vestimentas e etc; b) a recordação, é quando se faz uso de objetos e

fatos isolados para registrar lembranças de determinado grupo, como por exemplo, uma única

boneca negra, recordando valores; c) “o dia de”, acontece quando instituições escolares

enfrentam a diversidade comemorando datas simbólicas, como o Dia do Índio, em que muitas

escolas pintam os rostos dos alunos na tentativa de representá-los; d) a estereotipia, como ato

para perpetuar situações de opressão e marginalização; e) a tergiversação, que significa o

ocultamento e a deformação de histórias e origens, na tentativa de justificar tais preconceitos,

como inferioridade genética, maldade inata e outros.

Esse tipo de filtro nas escolas, usado para selecionar apenas fragmentos da realidade,

contribui para negar e ocultar verdadeiras realidades e, com efeito, não ajuda meninos e

meninas a compreender o mundo que os rodeia. “Doutrinar é impedir o surgimento de

determinadas realidades que possam transformar-se [sic] em objeto de análise e reflexão.”

(SANTOMÉ, 1998, p. 151).

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É preciso envolver os alunos em debates sobre a construção do conhecimento, as

interpretações conflituosas e ambíguas. Quando isso acontecer e quando os alunos

compreenderem como os conhecimentos são elaborados e difundidos, será possível uma

revisão dos conhecimentos e culturas que circulam em vários contextos.

Por fim, as pesquisas indicam que o projeto multicultural é possível e que o

multiculturalismo requer criticidade em relação aos discursos, além de desejar que se trabalhe

com o plural, o diverso, nas dinâmicas de sala de aula e nas traduções de diretrizes

curriculares para o currículo em ação. Estar atento a essa análise e reflexão pode ser uma boa

maneira de participar dessa luta política por uma sociedade mais inclusiva.

2.4.1 Perspectivas de inclusão no currículo

Com o multiculturalismo, tornou-se logo necessário abordar outras desigualdades,

ultrapassando as diferenças de classe social. Através dele, as questões de gênero, raça e

sexualidade vieram à tona no âmbito educacional. Segundo Silva (2005), o termo gênero

refere-se aos aspectos socialmente construídos do processo de identificação sexual. A crítica

em relação ao gênero surge com a indagação de que certas disciplinas e materiais didáticos

eram considerados masculinizados, enquanto outros naturalmente feminilizados. Até mesmo a

postura de professores era diferenciada às meninas e meninos, assim como alguns conteúdos,

exigência de comportamentos e determinação de futuras carreiras.

Um livro didático que sistematicamente apresentasse as mulheres como enfermeiras e os homens como médicos, por exemplo, estava claramente contribuindo para reforçar esse estereótipo e, consequentemente, dificultando que as mulheres chegassem às faculdades de Medicina. (SILVA, 2005, p.92).

A intenção não é que haja uma inversão, mas um equilíbrio entre experiências

masculinas e femininas, abrindo portas na escola, desde cedo, para comportamentos e

oportunidades desarmadas sexualmente, de forma que não haja cores, esportes, disciplinas,

leituras e aprendizagens divididas por sexo ou gênero. Além de práticas mais desmascaradas e

menos rígidas quanto ao embate entre os sexos é importante que surjam questões para se

compreender como a visão e o comportamento masculino são formados e mantidos na escola

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e na sociedade como um todo. Necessita-se conhecer como o currículo produz a

masculinidade e como a formação masculina está ligada à posição privilegiada de poder que

os homens apresentam na sociedade.

Assim como se despertou a questão do gênero no âmbito escolar, as dinâmicas sobre

raça e etnia também se tornaram alvo para a questão curricular. A primeira questão se baseou

ao consistente fracasso de estudantes pertencentes a grupos éticos e raciais minoritários. No

entanto, sobre os termos raça e etnia há ainda muitas divergências entre seus conceitos.

Levando em conta as dificuldades de distinção entre um termo e outro, nesse trabalho eles

serão usados de forma equivalente.

Voltando à história, já se observa as relações de poder estreitamente ligadas à raça,

quando o homem branco europeu simbolizava o poder frente aos colonizados. No caso da raça

e etnia, o que se questiona não é a exclusão dessas vozes na escola, já que é comum haver

comemorações e referências a outras raças e etnias em documentos curriculares e materiais

didáticos. A problemática se encontra na forma como essas vozes são abordadas: como mitos,

de forma estereotipada, folclórica, exótica e deformada, anulando as possibilidades de reação

desses grupos e firmando o privilégio das identidades dominantes.

É possível detectar manifestações de racismo em livros-textos, principalmente quando

se descreve e qualifica as invasões coloniais, a escravidão, a exploração e o domínio,

caracterizando esses povos como bárbaros ou primitivos. É comum encontrar também

abundantes ações como a conversão religiosa desses povos e o silêncio aos seus direitos

perdidos e suas características comunitárias. Com tal deformidade de dados presentes em

documentos escolares é fácil encontrar leitores culpando membros desses povos até mesmo os

tratando de maneira hostil. (SANTOMÉ, 1998).

Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente, as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. A questão da raça e da etnia não é simplesmente um ‘tema transversal”: ela é uma questão central de conhecimento, poder e identidade. (SILVA, 2005, p.102).

Santomé (1998) lembra ainda a cultura homossexual, e ressalta que ela não é uma

questão individual, mas social, pois é associada às relações humanas e dessa forma também

precisa ter seu espaço na escola. Há uma tendência a transformar esses grupos em bodes

expiatórios para todo tipo de mal social, como a AIDS; além de serem identificados com

drogas e marginalidade. Admitir a existência da homossexualidade na escola é imprescindível

para que alunos que convivam com casais homossexuais e que sexualmente optaram por uma

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identidade homossexual não se sintam estranhos e marginalizados. É importante enfraquecer

o conceito de desvio ou doença em relação ao homossexualismo, já superada através da

negação do estado de desenvolvimento das pesquisas médicas e sociológicas.

Nesse novo contexto educacional, devem-se analisar as conexões entre currículo e

multiculturalismo, mas sem separar as questões culturais das questões de poder. Isso porque

as diferenças não podem ter uma relação hierárquica. “Não é possível estabelecer nenhum

critério transcendente pelo qual uma determinada cultura pode ser julgada superior a outra.”

(SILVA, 2005, p. 86). Nessa nova visão, os diferentes grupos culturais se tornariam igualados

por uma comum humanidade. Lembrando, porém, que comum humanidade não é uma

pedagogia que simplesmente estimule uma atitude de respeito ou tolerância, pois isso

significaria um estímulo a uma abordagem terapêutica e de piedade quanto à diferença do

outro, reforçando ainda mais a resistência às diferenças. “Apesar do seu impulso

aparentemente generoso, a idéia de tolerância, implica também uma certa superioridade por

parte de quem mostra tolerância.” (SILVA, 2005, p. 88).

As relações de poder se fortificam ainda mais quando se trata de diferenças e

multiculturalismo, pois só há como perceber a diferença se comparando com o outro. A

identidade é sempre uma relação, só se define uma identidade em comparação a uma não

identidade, ou seja, a definição da identidade está diretamente ligada a identidade do outro. Se

há o diferente é porque também há um ‘não-diferente’, com isso surge uma hierarquia entre

‘não-diferentes’ e diferentes. “Não se pode ser “diferente” de forma absoluta; é-se diferente

relativamente a uma outra coisa, considerada precisamente como “não-diferente”. Mas essa

“outra coisa” (...), o “não-diferente”, também só faz sentido, só existe, na “relação de

diferença” que se opõe ao “diferente.” (SILVA, 2005, p. 87).

A proposta para o currículo multicultural não se trata de adicionar identidades

diferentes, mas de buscar caminhos para lidar com as questões históricas e políticas que as

tornaram excluídas.

Além das identidades abordadas anteriormente, existem muitas outras silenciadas pela

escola. Pode-se citar a cultura infantil e juvenil, com o desconhecimento dos deveres e

direitos desse grupo, e a visão paradisíaca que se tem da infância, cegando os olhos para as

infâncias mais “reais” como a infância pobre, a criança que sofre violência física, moral e

sexual. As crianças vítimas do tráfico de órgãos e de drogas, além da desvalorização da

cultura jovem na escola, como o rap, o rock n’ roll, o grafite, os videoclipes e etc.

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Os alunos devem adquirir consciência destas tristes realidades e comprometer-se com essa infância maltratada, na medida de suas possibilidades e forças. Uma forma de preparar as novas gerações para a vida a para “sobreviver” é informando-as claramente sobre as peculiaridades do mundo no qual vivam. (SANTOMÉ, 1998, p. 134-135).

Podem ser citadas, ainda, como culturas excluídas do discurso escolar a classe

trabalhadora e o mundo das pessoas pobres. A pobreza é o resultado de políticas e modelos de

economia e não fruto de decisões individuais. O fenômeno da pobreza precisa ser tratado não

na ótica da caridade, mas com intervenções nas esferas econômicas e sociais buscando as

circunstâncias que as produzem. “As reflexões sobre as condições de vida dos distintos

grupos de trabalhadores e trabalhadoras, seus êxitos e modos de obtê-los e, em suma, sua

cultura, é algo que geralmente tampouco consta nas tarefas escolares.” (SANTOMÉ, 1998, p.

142).

O mundo rural e ribeirinho costuma ser apresentado pelos livros didáticos como uma

vida no reino da natureza, sem dificuldades, onde as pessoas lidam sempre com a agricultura e

pesca, e ainda como “uma roça”, em que nada de importante acontece, sugerindo uma

realidade inferior à da vida urbana. A distorção desses contextos é comum assim como das

pessoas que vivem do mar. A realidade da vida rural e da vida litorânea não aparece nos

livros. Não é comum debater sobre as dificuldades inerentes à agricultura, os altos custos da

criação, os desastres causados por variações climáticas, as pragas que atacam plantações

inteiras, a falta de rede de esgoto e água tratada, as deficiências nas telecomunicações, assim

como a vida dos pesadores em alto mar, as dificuldades e os benefícios da pesca.

Tais posturas de silenciamento nos conteúdos escolares são comuns também quando

se trata das pessoas com deficiência, dos idosos, das vozes do Terceiro Mundo e dos alunos

com necessidades educacionais especiais, entre outros.

Com freqüência, os povos do Terceiro Mundo são vistos como selvagens, exóticos,

sensuais, sem grandes problemas cotidianos e incapazes de produzir conhecimento científico.

O grupo dos idosos tem tido uma atenção nos últimos anos, ainda que pequena, devido

ao crescimento desse grupo, afetando assim as economias dos países, fazendo-os tornar uma

grande massa de consumidores. Dessa forma, de um lado os idosos tornam-se problemas para

o caixa dos Estados e de outro criam e resgatam um mercado próprio para esse setor,

possibilitando crescimento econômico. Mas por sua vez, essas relações de rentabilidade e as

condições de vida desse grupo ainda são omitidas pelo currículo.

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Em muitos casos as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência são contempladas como merecedoras de intervenções e caridade. A palavra justiça, direito, etc., raramente aparecem nas linhas de argumentação básica em uma sociedade classista que ainda continua tratando de ocultar e segregar este grupo de pessoas, pois não estão de acordo com seus parâmetros de produtividades dominantes. (SANTOMÉ, 1998, p. 146).

É notória a importância desse debate sobre as diferenças no campo do currículo, na

atualidade. Entretanto, essa é ainda uma dimensão parcial. Essa ampliação de perspectiva para

o debate, acerca da função social da escola na direção da educação multicultural, tem

implicações no debate acerca de educação inclusiva. Esse debate, ao ter colocado para a

escola o desafio de reconhecer a existência de identidades diferenciadas, particulares, cria as

possibilidades e a exigência de experiências escolares que possam não apenas tolerar, mas

reconhecer as demandas específicas daquelas pessoas que apresentam situações que lhes são

inalienáveis.

O que se observa é que o debate no campo do currículo na atualidade, ao se remeter à

inclusão, demonstra uma perspectiva centrada no tratamento das diferenças culturais (SILVA,

2004), (SILVA, 2005), (VEIGA-NETO, 2001), (PACHECO, 2005) ou com ênfases na

deficiência (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2002), (CARVALHO, Rosita

2006), (GUIMARAES, 2002), (MANTOAN, 1997). O debate amplo, envolvendo outras

diferenças, não só vinculadas às deficiências, às dificuldades de aprendizagens e às questões

de gênero e raça, é periférico. A discussão ainda é limitada e não é fácil encontrar bibliografia

que tratem de forma clara, direta e ampla tantas outras diferenças existentes e que vão além

das perspectivas citadas acima.

De modo que, ao entender que o currículo abarca diferenças, o debate é limitado, e,

por vezes, multiconceitual e ambíguo. Ao mesmo tempo que se debate diferenças, não se

aprofunda em questões pertinentes e necessárias.

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3. AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E A ESCOLA INCLUSIVA

“Não existiu antes de nós alguém que experimentou um Brasil democrático para nos ensinar o que é democracia. Estamos tentando construir algo que não existiu antes de nós. Nosso país tem quinhentos anos de história de negação da democracia. O máximo que a nossa geração pode fazer é preparar a geração que vai construí-la e, no bojo desse processo de construção, está a educação inclusiva”.

Agamenon José Siqueira

No capítulo anterior se discutiu como o campo do currículo entende as diferenças na

escola e como defende um processo de inclusão das diferenças culturais para que a escola se

torne justa. Neste capítulo, o tema necessidades educacionais especiais (NEE) será abordado,

procurando explicitar as questões entre a inclusão dos alunos com NEE e a escola regular na

atualidade. De um modo geral, o conceito de educação inclusiva é abordado, inicialmente, na

sua forma abrangente.

A discussão que será desenvolvida pretende desvendar as particularidades existentes

dentro do debate da questão, no Brasil.

3.1. A inclusão e o processo histórico

Levantando o histórico da educação no Brasil, constata-se que anteriormente ao século

XX todos os portadores de necessidades educacionais especiais eram excluídos das escolas,

ora isentados da freqüência à escola devido à uma suposta incapacidade, ora confinados em

instituições consideradasadequadas às suas limitações. Na história da humanidade, os

indivíduos com deficiência eram vistos como “doentes” e incapazes e sempre estiveram em

situação de maior desvantagem, ocupando no imaginário coletivo a posição de alvos da

caridade popular e da assistência social e não de sujeitos de direitos sociais, entre os quais se

inclui o direito à educação.

As raízes históricas e culturais acerca do fenômeno da deficiência, sempre foram marcadas por forte rejeição, discriminação e preconceito. A literatura da Roma Antiga relata que as crianças com deficiência, nascidas até o princípio da era cristã, eram afogadas por serem consideradas anormais ou débeis. Na Grécia antiga, Platão relata em seu livro “A República” que as crianças mal constituídas ou

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deficientes eram sacrificadas ou escondidas pelo poder público. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2002, p. 7).

O documento da Secretaria de Educação Especial13 (2002) lembra também que na

Idade Média, os deficientes mentais, os loucos e os criminosos eram considerados, muitas

vezes, possuídos pelo demônio. Aos cegos e surdos eram atribuídos dons e poderes

sobrenaturais, assim, a crença oscilava entre a culpa e a expiação de pecados no pensamento

dos filósofos. Já a neurologia afirma que as pessoas que apresentavam convulsões tinham suas

cabeças perfuradas, na esperança de que os espíritos maus se desapropriassem do corpo do

indivíduo. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2002).

Essas situações geravam ambivalência de sentimentos e atitudes que iam da extrema

rejeição, piedade, comiseração e super proteção, surgindo assim, hospitais, prisões e abrigos,

além de ações de cunho social e religioso. No entanto, esses locais estavam voltados para o

controle do que para alguma aprendizagem, seria uma espécie de controle dos indesejáveis. A

idéia de que essas pessoas poderiam ser reajustadas em ambientes segregados, alijadas do

resto da sociedade, fortaleceram os estigmas e a rejeição.

Entre 1900 e 1930, disseminou-se generalizadamente a idéia de que as pessoas com deficiência tinham tendências criminosas e eram a mais séria ameaça à civilização, devido a sua composição genética. Esta percepção foi acrescentada à disposição de muitos educadores e do público em geral para permitir a segregação e outras práticas, tais como a esterilização. (STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 38).14

Segundo Mazzota (2001), no Brasil, somente no final dos anos cinqüenta começaram

a surgir iniciativas oficiais de âmbito nacional voltadas para a educação de pessoas com

deficiência. E conclui: “A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas portadoras

de deficiência é muito recente em nossa sociedade.” (MAZZOTA, 2001, p.15).

Espelhando também nessa época, a situação geral, em diferentes sociedades, da pessoa

com deficiência continuava, até o início do século XX, com um tratamento de pessoa doente.

No século XX, surgiram as classes ou escolas especiais que até a década de 70 eram os

lugares abertos a esse público específico. Este tipo de educação recebeu o nome de “educação

especial”, onde as atividades da educação eram desenvolvidas em salas ou escolas separadas. 13 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL : estratégias e orientações para a educação de alunos com dificuldades acentuadas de aprendizagem associadas às condutas típicas. Brasília,2002. 14 Os autores William Stainback e Susan Stainback são doutores e professores do College of Education University of Norther Iowa Cedar Falls, nos Estados Unidos e referência , no Brasil, na literatura sobre inclusão escolar.

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Nos anos 90, o movimento da inclusão propõe um único sistema educacional de qualidade

para todos, sendo o alunado composto por estudantes com ou sem deficiência ou outros tipos

de condição atípica. Esta concepção foi consolidada no Brasil de forma legal na Lei nº

9.394/9615- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em que a modalidade

de educação escolar deve ser oferecida preferencialmente16 na rede regular; e confirmada com

a Resolução nº 2, de 11/09/0117, do Conselho Nacional de Educação, que explicita que a

educação especial é uma modalidade que visa complementar os serviços educacionais

comuns.

A idéia da lei é que as pessoas com necessidades especiais recebam uma educação

complementar de acordo com seu quadro particular de necessidade: se se precisa de

atendimento especializado, esse deve ser assegurado paralelamente à jornada escolar regular

Sassaki (2003) aponta o caminho para que uma escola comum se torne inclusiva,

dizendo que ela deve se reestruturar para atender à diversidade do novo alunado, sendo este

visualizado não só em termos de necessidades especiais decorrentes de deficiência física,

mental, visual, auditiva ou múltipla, como também aquelas resultantes de outras condições

atípicas; em termos de estilos e habilidades de aprendizagem dos alunos e em todos os outros

requisitos do princípio da inclusão, conforme estabelecidos no documento ‘A Declaração de

Salamanca’ e o ‘Plano de Ação para a Educação de Necessidades Especiais’ pois, todas as

pessoas devem ser incluídas.

A Declaração de Salamanca (Espanha), datada de 10 de junho de 1994, registra o que

os representantes dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) postularam

acerca da educação inclusiva. Conforme discutido, as escolas regulares são os meios mais

eficazes para criar comunidades acolhedoras, a fim de que se construa uma sociedade

inclusiva, alcançando a educação para todos.

Ao longo do processo de transição do total isolamento dos portadores de necessidades

especiais em asilos, passando à existência das classes especiais na fase denominada de

15 A educação especial é a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. 16 Mais adiante será debatido a nomenclatura “preferencialmente”. 17 (...) a educação especial é uma modalidade da educação escolar, entendida como processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais, em todas as etapas e modalidades da educação básica. (art. 3º)

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integração à existência da escola inclusiva, paradigmas tiveram que ser quebrados incluindo a

visão de que à escola caberia a função de tratamento:

A educação das pessoas com deficiência física, mental e sensorial esteve um grande período da história sob a responsabilidade dos profissionais da área médica. Ainda hoje, é comum os profissionais da educação sentirem-se sem condições de atuar com estes educandos sem a presença e orientação dos profissionais médicos, psicólogos, terapeutas. Em muitas instituições especializadas, são estes profissionais que comandam todo o processo escolar, como se a educação especializada fosse mais um processo de tratamento do que um processo educacional. (PINTO, 2000, p. 235).

Portanto, foi deixado um desafio à escola: a inclusão, que constitui em eliminar

devidamente o caráter segregacionista, de modo que se trabalhe as diversidades na tentativa

de construir um novo processo ensino-aprendizagem em que se inclua todos aqueles que dele,

por direito são sujeitos.

A visão de Mantoan (1997), acerca da proposta assumida pela nova LDB e sua

repercussão, é de que a implementação de ciclos seja uma solução justa embora ainda não

esteja sendo devidamente compreendida pelos professores e pais por ser uma novidade e por

estar sendo distorcida e mal aplicada nas redes de ensino. Acredita-se que, ao eliminar a

seriação e a reprovação nas passagens de um ano para outro, estar-se-ia dando mais tempo

para que os alunos aprendam, e assim será possível adequar o processo de aprendizagem ao

ritmo e às condições de desenvolvimento de cada aprendiz, um dos princípios da escola de

qualidade para todos. Portanto, a escola não deveria ser formatada com um processo em que

as crianças “passem sem aprender”, que passem a freqüentar os ciclos seguintes sem o devido

desenvolvimento das habilidades previstas para o ciclo anterior. A estrutura de ciclos foi

pensada para atender à criança e não para resolver estatísticas de retenção e repetência.

Infelizmente, em muitas escolas, isso se tem confirmado como tendência. (GLÓRIA, 2002).

Quanto à avaliação escolar na escola inclusiva, diz-se que nessa nova visão se abre

uma gama de situações relevantes e significativas para a vida cotidiana do aluno, das quais

são extraídos dados relevantes para uma avaliação de aprendizagem. Segue-se ainda um

princípio de nunca comparar os alunos entre si, mas sempre comparar os resultados atuais

com os respectivos desempenhos anteriores de cada um. Assim, a avaliação da aprendizagem

pode servir menos para mostrar as falhas do aluno e mais para mostrar em que o ensino

precisa melhorar; em que o professor precisa mudar suas abordagens educativas e em que a

escola deve se reestruturar melhor. (SASSAKI, 2003).

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Guimarães (2002) discute as adaptações escolares que devem ser efetuadas na escola

inclusiva, redimensionando toda uma visão sobre a quem caberia todo o conjunto de ações

que devem ocorrer no interior desta nova escola, antes, delegado ao próprio aluno que deveria

estar se adaptando à mesma. Agora, a escola é quem deve modificar seu funcionamento para

atender às particularidades do seu alunado, buscando respostas individuais para as

necessidades especiais e culturais de cada um através de uma ação pedagógica centrada no

aluno.

A escola deve assegurar aos alunos uma educação de qualidade, mediante currículos

apropriados, mudanças organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos financeiros

com pessoal qualificado e avanços tecnológicos, além de parcerias com a comunidade. Desta

forma, o modelo institucional é que deve se adaptar às necessidades dos alunos e não o

inverso. Isso só será possível num modelo que veja seus alunos como tendo diferentes

interesses e capacidades.

Sem conhecer os seus alunos e os que estão à sua margem, não é possível à escola elaborar um currículo que reflita o meio social e cultural em que se insere. A integração entre áreas do conhecimento e a concepção transversal das novas propostas de organização curricular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber. (MANTOAN, 2001, p.114).

O que se observou até agora foi que muitas pessoas com deficiência evadiram das

escolas, na forma como lhes foram apresentadas. Não seria então a evasão escolar ocasionada

como conseqüência de uma política educativa que não está voltada para atingir a todos,

gerando a desistência dos que não se adaptam ao modelo? Assim a culpa recai sobre as

próprias vítimas. Ao entender que se deve empenhar pelo desenvolvimento da sociedade, no

sentido de que se transfiram os problemas dos encargos dos indivíduos para a esfera do

planejamento social, compreende-se que as escolas devem garantir a permanência das

crianças, renovando e ampliando sua filosofia, propostas e práticas curriculares.

As portas escolares são abertas diariamente propiciando interação social.

Justamente nesta convivência é que se darão as trocas de conhecimento que serão absorvidas

por cada um deles a seu tempo e de acordo com a sua demanda. “A aprendizagem só é

possível em interação com os outros, cabendo, portanto à escola promover atividades

cooperativas, rejeitando qualquer forma de segregação.” (GUIMARÃES, 2002, p.53).

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A meta nacional, ao longo do século XX, era que todas as crianças estivessem

matriculadas na escola. Está clara a importância da vida escolar no período da infância. Se o

aluno com necessidades especiais for privado desse ambiente e do convívio social, obtem-se o

mesmo resultado que qualquer outra criança submetida às mesmas condições apresentaria: a

sua estagnação. Se ao contrário, o convívio social for estimulado, verificam-se grandes

avanços no seu quadro, proporcionando-lhe maior independência social e, portanto, uma

condição de vida melhor. É importante ressaltar que a universalização do acesso à escola é um

desafio que já está praticamente vencido.

A luta que mobilizou os educadores brasileiros ao longo do século passado, na qual destaco Anísio Teixeira como um símbolo, foi pela universalização do acesso à escola. Esta está praticamente vencida. Hoje já podemos dizer que quase a totalidade das crianças brasileiras tem vaga na escola. A luta do século que se inicia, é pelo direito de permanecer na escola, o direito de não ser excluído do processo educacional. (GUIMARÃES, 2002, p.10-11)

A escola desempenha um papel fundamental na promoção dessas condições, pois a

inclusão social implica na conquista do espaço social a partir de interações que se estabelecem

no interior dos grupos sociais, numa participação real das pessoas como membros ativos e

produtivos da sociedade. Portanto, sua importância consiste tanto no que se refere à formação

dessas pessoas através da apropriação do saber, quanto na criação de um espaço que ofereça

um maior fortalecimento e o enriquecimento da identidade sócio-cultural, em que, direitos da

pessoa com deficiência e de todos os cidadãos sejam realmente cumpridos como um direito

constitucional.

O reconhecimento do Estado sobre a importância da inclusão, gerou uma participação

ativa nessa luta. Costa (JULIANA, 2000) analisa os tempos em que cabia ao próprio portador

de necessidades especiais buscar se integrar na sociedade: “...um movimento no qual o ônus é

unilateral, ou seja, o sujeito portador de deficiência caminha sozinho para sua adaptação em

sociedade. Trata-se, aqui, de integração e não de inclusão.” (COSTA, Juliana, 2000, p.51).

O dicionário Silveira Bueno (1985) pode aqui enriquecer a discussão sobre o papel da

escola. Assim ele define a palavra “integrar” como reunir, incorporar, tornar parte integrante,

tornar inteiro, e “incluir” como sinônimo de compreender, abranger, inserir, fazer parte.

Tomando a idéia trazida pelo dicionário, que ao definir integrar, sugere a idéia de “tornar

inteiro”, só é possível tornar inteiro aquilo que é visto como faltoso. Porém, o aluno, às vezes,

é encarado como aquele que precisa ser restituído de algo que perdeu. Sendo o aluno com

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necessidades especiais visto por esse prisma, verifica-se que, por trás desse pensamento ainda

presente na sociedade, está a noção de adaptação do indivíduo à sociedade para que ele se

encaixe dentro do padrão.

No modelo da inclusão, a escola deve saber quando responder às demandas do aluno,

saber também deixar que o próprio aluno demande, e possa, desenvolvendo a sua

criatividade, buscar respostas aos seus interesses e dúvidas, sendo assim verdadeiramente

compreendido. Não há necessidade de que as minorias percam suas características mais

peculiares para se tornarem parecidas e se assemelharem a uma virtual maioria, mas, de um

processo inverso: a aceitação da diferença como mais um exemplo da diversidade humana,

para a construção de um verdadeiro processo educativo.

O aprendizado escolar dito normal é medido pela faixa etária e seriação, e é por este

prisma que se dividem os programas curriculares, porém se sabe que a criança com

necessidades educacionais especiais, por vezes, desenvolve habilidades em um período maior

de tempo.

As boas práticas pedagógicas são apropriadas a todos os alunos, uma vez que todos os alunos têm aspectos fortes e estilos de aprendizagem individuais. Isso se aplica a alunos com necessidades educativas especiais e aos outros. Cada vez há uma maior evidência de que não necessitam de um número significativo de estratégias pedagógicas distintas. Podem precisar de mais tempo, de mais prática ou de uma abordagem com variações individualizadas, mas não de uma estratégia explicitamente diferente da que é utilizada com os outros alunos. (PORTER, 1997, p.45).

“Incluir não é negar as diferenças, mas desvendá-las no processo social, como

diferentes do padrão, compreendendo esse padrão como uma referência construída pelos

homens nas relações sociais.” (COSTA, Juliana, 2000, p.54) Para ela, ao definir uma criança

com NEE, não em função da patologia, mas em relação com os meios de aquisição escolar

próprios à sua idade, permite então afirmar que, o problema de aprendizagem nasce do

fracasso escolar, ficando a responsabilidade sobre a criança e não para a escola. Assim,

evidenciou-se o papel que a escola desempenha de reveladora social das diferenças. Mas,

sabendo que todo comportamento tem um sentido na história de um sujeito, essa diferença é o

reconhecimento dificultoso e aleatório de duas demandas: a do sujeito social e a do social em

si. Logo, proporcionar que a criança atribua um sentido à sua diferença, já pode facilitar ao

sujeito sua inclusão.

Analisando assim o processo histórico, pode-se verificar que o isolamento das pessoas

diagnosticadas como pessoa com deficiência foi muitas vezes pautado por justificativas

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legais, como também, pelas autoridades médicas. Sabe-se que os testes psicológicos foram

amplamente utilizados desempenhando um papel muito importante no processo de exclusão

escolar. Não é o caso de se renunciar às medidas psicométricas nem às classificações

nosológicas, mas devolver à criança com dificuldade, sua dignidade de aprendiz do saber. O

diagnóstico deve ser usado, portanto, não para rotular esta criança ou ainda para servir como

uma barreira insuperável que traça um destino derradeiro, mas sim, sendo reconhecido o

acometimento, possibilitar que a escola planeje a melhor forma de incluí-lo no modelo

institucional.

Os temores da inclusão não devem ser tomados como limites intransponíveis, mas

como desafios para novas propostas de soluções. “O constante desequilíbrio nas trocas entre

os alunos e a permanente reorganização do conhecimento, constituem o meio adequado para

que o aluno avance na construção de idéias, sentimentos e valores.” (MANTOAN, 2001,

p.59).

Guimarães resume bem o que se viu até aqui:

Historicamente, o aluno com, necessidades educacionais especiais tem sido alvo de discriminação social, sendo-lhe negados direitos básicos necessários à sua cidadania. Faz-se necessário ampliar a discussão coletiva na busca de alternativas, considerando as dificuldades, potencialidades, direitos e deveres desses cidadãos.(...) A qualidade da educação resulta de respostas educativas aos objetivos individuais e necessidades de cada aluno, numa perspectiva de prepará-lo para o exercício da cidadania e sua inserção no mercado de trabalho, os quais constituem a finalidade da educação (GUIMARÃES, 2002, p.38).

Como pôde ser visto, no âmbito da educação inclusiva, evidencia-se a questão da

pessoa com deficiência e as diversas manifestações das necessidades especiais, porém,

ainda vinculadas às limitações físicas, sensoriais e cognitivas. A literatura que aborda a

história do movimento de inclusão se mostra limitada quando se refere às várias diferenças

existentes na sala de aula. Dessa forma, a fala de Guimarães (2002) sobre a ampliação do

debate e a busca de novas alternativas se faz relevante.

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3.2. As necessidades educacionais especiais e a legislação referente à inclusão nas escolas

regulares

Como se colocou anteriormente, a história da inclusão é diretamente associada à

deficiência. Isso coloca em questão que as pessoas com necessidades educacionais especiais

eram vistas como pessoas com deficiências e, consequentemente excluídas, aumentando a

parcela dos que eram privados do processo educativo. Tanto na literatura da história da

inclusão como na literatura da inclusão na atualidade se percebe um vazio no aprofundamento

do que possa ser incluído no conceito de necessidade educacional especial, sem

necessariamente ser concebido como deficiência. As referências de inclusão ainda estão muito

acorrentadas ao sentido da deficiência, faltando ainda a transposição do sentido da inclusão

para as diversas diferenças que se manifestam na escola, inclusive as abordadas no debate no

campo do currículo.

O portador de necessidades educativas especiais, de acordo com as Diretrizes

Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº2) é aquele

que durante o processo educacional, por tempo limitado ou ilimitado, apresenta:

dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares (as relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências e as não vinculadas a uma causa orgânica específica), dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, e altas habilidades ou superdotação, grande facilidade de aprendizagem que leve estes alunos a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (art. 5º, incisos I, II, III). Além das necessidades educacionais especiais, a nova escola leva em consideração “a identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, como base para a constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências” (art. 4°, inciso II).

Segundo esses documentos oficiais, não é o aluno com NEE que deve se adequar à

escola, mas sim a escola que deve se adequar a ele. Seja qual for a limitação, que dificulte o

acompanhamento das atividades curriculares, essa é considerada uma necessidade educativa

especial. De acordo com o conceito acima, desmistificou-se o conceito de que um aluno com

NEE, para ser considerado como tal, precisa ter uma deficiência física ou mental. Muitas

limitações existentes não se encaixam com um perfil de dificuldade física ou sensorial e,

mesmo assim, são consideradas necessidades educativas especiais.

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O quadro que coloca alunos em situação de dificuldades de aprendizagem é amplo: há

déficit de atenção, transtornos emocionais temporários, e, a isso se acrescem uma outra gama

de situações que recomendam atenção diferenciada. Podemos citar um aluno epiléptico, ou

gago, ou diabético e outras limitações ou doenças; eles não apresentam deficiência física, nem

sensorial e nem dificuldades para aprender pelo fato de ter essas limitações, mas apresentam

necessidades educativas especiais, pois necessitam de acompanhamento diferenciado. E até

mesmo um aluno, que por um período limitado tem sua perna engessada, torna-se uma pessoa

com necessidades educacionais especiais (PNEE), pois necessitará de um acompanhamento

diferenciado; nesse caso, a escola precisará se adequar às necessidades desse aluno, seja um

olhar mais cuidadoso nos horários de recreio e intervalo, seja no trajeto até à sala pelas

escadas e outros.

Para alguns autores, a terminologia NEE é adotada para distinguir os indivíduos em

suas singularidades, temporárias ou não. Portanto, inclui todos que apresentam limitações

físicas, motoras, sensoriais, cognitivas, lingüísticas, condutas desviantes, altas habilidades,

síndromes e diferenças de outras naturezas.

...devemos levar em conta a diferença e a variedade de pessoas e opiniões (...) assumindo que as pessoas são diferentes e a sociedade é formada pelo conjunto dessas pessoas. Essas diferenças garantem a sua individualidade e todos os envolvidos devem ser levados em conta, estabelecendo tratamentos sem distinção de qualquer natureza (etnia, ideologia, religião, raça/cor, sexo/gênero, origem social, deficiência, posição econômica, condição de saúde, idade, nacionalidade, naturalidade, etc). (GUIMARÃES, 2002, p. 22).

Na percepção de Guimarães (2002), os alunos que muitas vezes não são lembrados

pela literatura ou pelas leis e decretos, mas são vistos com freqüência na prática escolar

devem ter atenção especial na escola. Sua compreensão da inclusão extrapola, portanto, a

condição de limitação orgânica ou física e se aproxima da concepção defendida no campo do

currículo: incluir as pessoas, com todas as suas singularidades. Mas, na maior parte da

literatura, assim como na prática escolar, é raro um aluno cigano ou artista de circo ser

caracterizado como aluno com NEE. Num levantamento realizado pela autora desta

dissertação sobre crianças artistas de circo como PNEE18, ela registrou dificuldades e

preconceitos vividos por essas crianças. Em uma entrevista feita com a mãe de uma criança

do Circo Estoril, em passagem por Belo Horizonte, esta relata que em um ano seu filho

18 Pesquisa ainda em andamento, com o objetivo de descortinar as possíveis exclusões vividas por crianças artistas de circo.

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passou por quarenta escolas, devido à rotatividade da atividade circense; já em entrevista com

uma outra mãe do Circo Imperial, também em passagem por Belo Horizonte, esta relatou a

dificuldade na aceitação de muitas escolas em matricular crianças circenses. Por vezes é

necessário a intervenção do sindicato dos artistas de circo. Outro ponto quanto à escolarização

desses alunos é a não distribuição dos livros didáticos pela escola que, segundo a mãe, o

recado vindo da escola por sua filha é de que as pessoas do circo não devolvem os livros; com

isso as crianças ficam privadas de uma série de atividades, incluindo também as tarefas de

casa. Assim, uma situação evidente de atendimento especial, a criança é simplesmente posta à

margem do processo regular de ensino.

Um outro exemplo dessa situação foi evidenciado na monografia de especialização19,

também da autora desta dissertação, que investigou a situação de alunos diabéticos.

Primeiramente, a pesquisa comprovou que grande parte das escolas indica como PNEE

apenas os alunos com deficiência física, mental, visual e auditiva, o superdotado, o mudo e o

autista. O diabético, que foi o foco da pesquisa, foi um dos perfis sub-representados pelas

escolas na indicação de quem eram os seus alunos considerados PNEE. De acordo com os

dados levantados, confirma-se, entretanto, que o diabético é um perfil habitual de crianças

matriculadas nas escolas e mesmo com suas necessidades devido à doença, que é crônica,

grave e incurável, não é reconhecido como um aluno que mereça um olhar especial.

Nessa pesquisa, a pesquisadora lidou com duas informações que possibilitaram essa

conclusão. Primeiro, a indicação da escola sobre a existência de alunos diabéticos. Em

segundo lugar, o tipo de aluno com NEE existentes na escola e que tipo de diferença ela

considera como NEE.

Quando as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica

(Resolução CNE/CEB nº2) conceitua o portador de necessidades educacionais especiais como

aquele que apresenta dificuldades no acompanhamento das atividades curriculares sejam elas

as relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências e as não vinculadas a uma

causa orgânica específica, é possível dizer que perfis como o do cigano, o do artista de circo,

o do diabético e outros tantos se encaixam como PNEE, considerando o entendimento dado

por Guimarães (2002). Não há dúvidas: as escolas precisam adaptar-se aos alunos e não o inverso. Crianças, adolescentes e também os adultos não podem mais continuar sendo

19 XAVIER, G. A formação da escola pública no atendimento do aluno portador de necessidades educativas especiais: em especial o diabético. 2005. 95f. Monografia (Especialização em Psicopedagogia Institucional)_ Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro. Pesquisa realizada em todas as escolas municipais da Regional Pampulha de Belo Horizonte.

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sacrificados e levando uma vida de baixa qualidade por causa da nossa incapacidade de responder aos estilos de aprendizagem e às múltiplas inteligências de cada um deles. (SASSAKI in GUIMARÃES, 2002, p. 24).

Ainda assim fica a angústia das lacunas e generalizações apresentadas em leis como o

“preferencialmente” da LDB/96 e o “no que for possível” da LDB/61. A utilização dessas

nomenclaturas oferece margens a vários entendimentos, o que consequentemente pode gerar

dúvidas e até mesmo exclusões.

O’Regan (2007) no ‘Sobrevivendo e vencendo com necessidades educacionais

especiais’ lista e explica um leque de perfis, alguns também conceituados como transtornos e

deficiências, porém outros não: alunos com dificuldades nas interações sociais, pouca

concentração, baixo auto-estima, hiperatividade, dificuldades de leitura, escrita, ortografia ou

manipulação de números, memória curta, baixa percepção espacial (dislexia, discalculia e

dispraxia encaixam-se nos 6 últimos perfis); dificuldades com o tom a e qualidade da voz,

gagueira, atrasos no desenvolvimento, crianças superdotadas e também deficiências como

paralisia cerebral, doenças cardíacas, hidrocefalia e outras. Embora também ampliada, a

concepção desse autor não é a mesma que a de Guimarães. O autor não aborda questões de

ordem cultural.

Mas a PNEE pode ser considerada em um segmento que representa uma minoria na

sociedade, a partir do momento em que a sociedade exclui sua condição de diferente e o

reconhecimento de que necessita de atendimentos especiais. Assim, como a PNEE necessita

de atenção e acompanhamento diferenciado na escola, ela automaticamente necessita de

acompanhamento diferenciado na sociedade, até porque:

“historicamente, o aluno com necessidades educacionais especiais tem sido alvo de discriminação social, sendo-lhe negados direitos básicos necessários à sua cidadania. Faz-se necessário ampliar a discussão coletiva na busca de alternativas, considerando as dificuldades, potencialidades, direitos e deveres desses cidadãos.” (GUIMARÃES, 2002, p.38).

Apesar dessa ambigüidade, a expressão necessidades especiais tornou-se bastante

conhecida no meio acadêmico, no sistema escolar, nos discursos oficiais e mesmo no senso

comum, desde que a expressão excepcionais foi substituída por necessidades educacionais

especiais, ratificada internacionalmente na Declaração de Salamanca. A tendência atual é

empregar termos menos estigmatizantes, mais gentis e menos carregados emocionalmente, em

substituição aos mais antigos, que adquiriram conotações de desamparo e desesperança.

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No Brasil, em 1986, o MEC já adotava tal designação, que passou a figurar como portadores de necessidades educacionais especiais – PNEE na Política Nacional de Educação Especial (SEESP/MEC/1994), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei n. 9.394/96) e, finalmente, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial (MEC/2001). Portanto, a nomenclatura está oficialmente consagrada até que seja destituída pela hegemonia de uma nova concepção. (DICIONÁRIO DO PROFESSOR, 2001, p. 36).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação especial

(SEESP/MEC/01), essa expressão pode ser utilizada para referir-se a um leque de

manifestações, de natureza orgânica ou não, de caráter temporário ou permanente, cujas

conseqüências incidem no processo educacional. “Mas as ressalvas e sutilezas continuam,

pois o termo “portadores de” caiu na armadilha do léxico que aprisiona o sujeito ao

desconforto de portar ou carregar deficiências, necessidades ou direitos.”(DICIONÁRIO DO

PROFESSOR, 2001, p. 37).

Todo esse discurso abarca a questão da diferença, da igualdade e da desigualdade.

“Mas afinal, todos são iguais ou são diferentes? As pessoas querem ser iguais ou querem ser

diferentes?”(FERREIRA e GUIMARÃES, 2003, p. 35).

Durante um longo tempo, a resposta a essa pergunta seria simples: todos queriam ser

iguais e exigiam ser tratados iguais. Porém, a partir da década de 70, após uma nova

atmosfera cultural e ideológica, “as novas diferenças” começaram a se impor, tanto no âmbito

coletivo quanto no aspecto individual. Assim, hoje, a palavra de ordem é “respeito” e

consideração às diferenças. É preciso, viver a igualdade na diferença e fazer com que ela deva

ser considerada e reconhecida como legítima fonte de direitos específicos. “Em vez de

exigirem mais equidade entre os seres humanos e lutarem por mais igualdade, de insistirem na

demanda de cidadania igual para todos, essas minorias querem respeito e o direito a ser

diferentes”. (FERREIRA e GUIMARÃES, 2003, p. 35).

O movimento atual de inclusão escolar visa reverter o percurso de exclusão de

qualquer natureza e ampliar as possibilidades de inserção de crianças, jovens e adultos em

escolas regulares. O movimento mundial por uma educação para todos vem se fortalecendo,

sobretudo, a partir das últimas décadas. Uma decorrência desse movimento é a aprovação e

ratificação de recomendações e princípios proclamados, internacionalmente, em convenções,

conferências e documentos dos quais o Brasil é signatário. Lembrando também que são um

dos deveres básicos do Estado Democrático transmitir a todos os cidadãos, informações

honestas e transparentes sobre seus direitos e a forma de como garanti-los na prática.

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Em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos vem assegurar o direito de todos à

Educação pública e gratuita, oportunidades sociais iguais para todos contribuindo para a

criação dos serviços de educação especial e classes especiais em escolas públicas do Brasil.

Mais adiante, surge a política Nacional de Educação, LDB nº 4021/61 com a recomendação

de integrar no sistema geral de ensino a educação de excepcionais, como eram chamadas as

pessoas com necessidades educacionais especiais. Nesse documento, a educação especial foi

colocada no Titulo X, arts. nº 88 e 8920, separadamente da educação geral, tida até então como

“normal”. No entanto, de forma contraditória, a educação especial deveria, no que fosse

possível, enquadrar-se no sistema geral da educação. Entretanto, o Estado não atribuía a si

nenhuma responsabilidade e não mencionava seu dever, ficando restrito apenas a um direito

de todos. É bom lembrar que antes desse panorama em que a educação especial foi destacada

na legislação brasileira; no século XIX, a escolaridade elementar não era obrigatória para

crianças não vacinadas, com doenças contagiosas, escravos, a população residente num

espaço geográfico longe da escola e, menores de 5 anos e maiores de 15. (Não

obrigatoriedade da educação, 21-)

Nesse sentido, a educação como direito e sua efetivação em práticas sociais converte-se em instrumento de luta pela redução progressiva das desigualdades e extinção das discriminações e possibilita uma aproximação pacifica entre os povos do mundo. (CURY, 2005, p. 22).

Apenas a partir de 1980 se iniciou um reconhecimento legal do direito à diferença.

Pode-se citar a Constituição Federal de 1988, que veio incorporar em seu preâmbulo, entre

outros princípios, o de assegurar ao Brasil uma sociedade mais pluralista, ressaltando o artigo

206, do capítulo voltado para a educação, que se refere aos currículos como documentos que

devem respeitar os valores culturais, artísticos, nacionais e regionais.

A década de 90 iniciou com a aceitação política da Proposta de Educação para Todos,

produzida em Jomtien, Tailândia, na Conferência Mundial da Unesco. Nesse contexto, em

1994, realizou-se a Conferência Mundial de Educação Especial que deu origem a Declaração

de Salamanca, que propõe a escola inclusiva, isto é, uma escola aberta às diferenças, na qual

crianças, jovens e adultos devem aprender juntos, independentemente de suas características,

20 Art. 88 - A educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral da educação a fim de integrá-los na sociedade.

Art. 89 – Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação, e relativa à educação de excepcionais receberá tratamento especial mediante bolsa de estudo, empréstimos e subvenções.

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origens, condições físicas, sensoriais, intelectuais, lingüísticas ou emocionais, econômicas ou

socioculturais.

A Declaração de Salamanca é um importante instrumento para a consolidação da

inclusão escolar, ela representa um marco diferencial no movimento da escola inclusiva, até

mesmo porque foi elaborada com a participação de 88 governos e 25 organizações

internacionais. Ainda assim, vale lembrar que mesmo a Declaração expondo que todos devem

ser incluídos, independente das diferenças, ela reforça as deficiências como desafio da

educação.

“O princípio que orienta esta Estrutura é o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados.” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 1). (...) legislação deveria reconhecer o princípio de igualdade de oportunidade para crianças, jovens e adultos com deficiências na educação primária, secundária e terciária, sempre que possível em ambientes integrados. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 7).

Ainda que várias diferenças sejam lembradas, a deficiência mostra ser o foco da

inclusão escolar. Na introdução dessa declaração, há trechos que evidenciam o

direcionamento da inclusão escolar para as pessoas com deficiência: “...os Estados assegurem

que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional.” e

“...organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à educação.”

Pode-se perceber que a Declaração de Salamanca é importante para o debate da inclusão,

porém também trata as diversas necessidades educacionais especiais de forma periférica.

No contexto desta Estrutura, o termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 3).

Posteriormente, um encontro ibero-americano resultou na Convenção da Guatemala,

que aboliu toda forma de discriminação, na sociedade e na escola. O documento resultante

dessa Convenção foi aprovado pelo Congresso Nacional e incorporado à legislação brasileira,

em 2001, por meio do Decreto Presidencial nº 3956 de 8/10/2001.

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Ao assumir tal compromisso, o Brasil também se determinou à profunda

transformação do sistema educacional brasileiro, de forma a poder acolher todos,

indiscriminadamente, com qualidade e igualdade de condições.

No final da década de 90, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394, de 20

de dezembro de 1996, foi a primeira lei no campo educacional no Brasil a dedicar um capítulo

exclusivo à Educação Especial, reafirmando a necessidade e a importância da matrícula das

crianças com necessidades especiais na escola comum e o rompimento com o modelo

assistencial e terapêutico operante, até então, no que diz respeito ao tratamento dispensado a

educandos com deficiências e necessidades educativas especiais.

De acordo com o artigo 59 da LDBEN, os sistemas de ensino devem assegurar aos

educandos com necessidades especiais: currículos, métodos e técnicas, recursos educativos e

organização específica para atender às suas necessidades, criação de classes específicas

somente quando não for possível a integração desses alunos às classes comuns do ensino

regular, promover especialização adequada aos professores de classes especiais e de classes

regulares que atenderão, também, alunos com necessidades especiais e estender a esses alunos

todos os benefícios sociais suplementares, adotados para os alunos de ensino regular.

A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, em 2002 produziu um

documento que recebeu o nome de ‘Estratégias e Orientações para a Educação de Alunos com

Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem Associadas às Condutas Típicas’, nele há um

tópico sobre o atendimento aos alunos com NEEs em classes comuns. Cita-se que é

necessário que a escola preveja: professores capacitados, e quando necessário, professor

especializado; distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais em diferentes

classes, de modo a se beneficiarem das diferenças e que ampliem positivamente as

experiências de todos os alunos, considerando os princípios da educação para a diversidade;

flexibilizações e adaptações curriculares, que considerem o significado prático e instrumental

dos conteúdos básicos; metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados, bem como

processos de avaliação contextualizada que envolvem todas as variáveis intrínsecas ao

processo ensino e aprendizagem. E ainda: serviços de apoio pedagógicos especializados,

sejam em classes comuns; avaliação pedagógica processual para a identificação das

necessidades educacionais especiais e indicação dos apoios pedagógicos adequados;

temporalidade flexível do ano letivo, de forma que o aluno possa concluir em tempo maior o

currículo previsto para a série ou etapa escolar na qual está inserido, quando necessário;

condições para a reflexão, ação e elaboração teórica da educação inclusiva na prática

pedagógica, colaborando com instituições de ensino superior e pesquisa; uma rede de apoio

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inter-institucional que envolva profissionais das áreas de saúde, assistência social e de

trabalho, por meio de convênios com organizações públicas ou privadas, para garantir o

sucesso da aprendizagem e a sustentabilidade do processo inclusivo mediante o trabalho da

equipe escolar com a participação da família e da comunidade.

Como idéias para o professor, o documento sugere: desenvolver a capacidade de

observação de modo a perceber com clareza os indicadores de um comportamento

inadaptado; estruturar o ambiente para envolver e motivar os alunos, envolvendo alunos para

serem auxiliares do dia e fazendo serviços de monitoria, de forma que sejam colaboradores e

co-responsáveis pelas atividades desenvolvidas em sala e uma avaliação funcional com pais,

estudantes e outros profissionais, para os quais serão questionados os aspectos de ambiente

físico, interações sociais, ambiente educacional e fatores não acadêmicos.

O documento traz também passos para o planejamento de um programa de inclusão,

como: identificação dos membros necessários da equipe educacional, identificação das

habilidades, competências e das necessidades educacionais especiais do aluno; identificação

do suportes e serviços necessários, análise descritiva do programa educacional desse alunado,

identificação e descrição de prováveis classes onde ele possa melhor se beneficiar,

desenvolvimento de um programa de atividades que contemple o período de adaptação,

estabelecimento do sistema de apoio necessário, oferta de apoio técnico ao desenvolvimento

do programa, capacitação dos professores quanto às necessidades educacionais em sala de

aula, envolvimento contínuo dos pais no programa escolar e acompanhamento do progresso

do aluno e sua modificação, sempre que necessário.

Para o estado de Minas Gerais, tem-se como importante passo para a inclusão escolar

o 2º Fórum Mineiro de Educação, realizado nos meses de junho a outubro de 2001, com o

objetivo de traçar metas para a educação do Estado até 2012, denominando-se Plano Decenal.

Algumas dessas metas são: equidade na educação, igualdade nas condições de acesso e

permanência na escola, educação para a diversidade, respeito às diferenças individuais das

crianças e garantia de cuidados essenciais ao desenvolvimento de sua identidade, inclusão em

cinco anos, de 80% dos portadores de necessidades especiais no ensino regular; concessão de

programas de aceleração aos superdotados, desenvolvimento de programas de ensino e

pesquisa para a educação escolar indígena, ações para estimular e manter as escolas família

agrícola, em zonas rurais; e, entre outros, elevar os investimentos em educação de 25% para

35% da receita resultante de impostos.

É importante lembrar que muito embora o artigo 5º, inciso I da Constituição da

República de 1988 cite que todos são iguais perante a lei, a melhor interpretação jurídica

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doutrinária e dos Tribunais Superiores é que se devem tratar os desiguais na medida das suas

desigualdades, a fim de equilibrar as diferenças existentes. Porém, ainda assim, a existência

de leis que amparem a diferença não quer dizer, automaticamente, que ela aconteça

verdadeiramente na realidade.

A igualdade de direitos proclamada em documentos oficiais não gera por si só a igualdade de oportunidades e de condições. Se -como diz Aristóteles – o justo é o que é conforme à lei e a igualdade, então, o governo da lei e a igualdade perante a lei representam uma proteção fundamental contra o arbítrio do governo dos homens. (CURY, 2005, p. 74).

Mais uma vez, evidencia-se a direção do debate de inclusão para o foco das

deficiências. No entanto, considera-se importante ratificar que quando os documentos se

referem à equidade na educação, igualdade nas condições de acesso e permanência na escola,

educação para a diversidade, respeito às diferenças individuais das crianças e garantia de

cuidados essenciais ao desenvolvimento de sua identidade, consequentemente, eles incluem

todas as categorias de NEE, abarcando todas as situações de minorias e diferenças.

3.3. A escola inclusiva

Como foi assinalado, não há uma conceituação única para a educação inclusiva.

Entretanto, o debate colocado permite concluir que a inclusão não visa apenas à inserção do

aluno ou o acesso à escola, mas sim a inserção escolar de forma completa e sistemática, não

deixando ninguém no exterior do ensino regular, desde o início da idade definida como

“escolar”. É essa perspectiva que defende o campo curricular no movimento de “direito às

diferenças”, como também aqueles que amparam a educação de PNEE.

A escola inclusiva implica, portanto, em uma mudança de perspectiva educacional,

pois abarca não só os alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender,

mas todos os demais, atendendo a todas as diferenças e necessidades individuais de um

alunado que reflete a diversidade humana presente numa sociedade plural. Assim, fala-se de

uma escola para todos.

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Se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para a educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças. Chegamos a um impasse: para reformar a instituição, temos de reformar as mentes, mas não há como reformar as mentes sem uma previa reforma das instituições. (MANTOAN, 2006, p.16-17).

A escola inclusiva desconstrói o sistema atual de significação escolar excludente,

normativo e elitista, marcado até então no Brasil pelo fracasso, evasão, privações constantes e

baixa auto-estima resultantes das exclusões escolar e social. Mas a inclusão é produto de uma

educação democrática e transgressora e o aluno de uma escola inclusiva não é um aluno de

uma identidade fixada em modelos ideais, dentro de uma ordem dicotômica de bonito e feio,

normal e anormal, produtivo e improdutivo, forte e fraco, útil e inútil ou igual e diferente. É

um aluno que é sujeito, que pertence a diferentes culturas, que apresenta diferenças sociais,

econômicas, raciais, físicas, mas que não os inferiorizam. “Há diferenças e há igualdades –

nem tudo deve ser igual, assim como nem tudo deve se diferente. É preciso que tenhamos o

direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos

iguais quando a diferença nos inferioriza.” (MANTOAN, 2006, p. 24-25), (SANTOS, 1995).

Numa escola inclusiva, a educação deve contemplar os objetivos individuais de cada

aluno, contrariamente à proposta tradicional segundo a qual todos devem atingir os mesmos

objetivos. Isso pressupõe uma ressignificação da escola para que ela ofereça respostas

educativas de qualidade para todos. É um novo paradigma de pensamento e de ação, pois o

que antes cabia ao aluno se adequar a escola, agora é ela quem deve modificar seu

funcionamento para atender ao pluralismo de seu alunado. O ideal de uma escola inclusiva é

uma sociedade em que a diversidade seja considerada um atributo de particularidade e não

uma exceção.

Não é difícil constatar que a escola está cristalizada e institucionalizada para lidar

apenas com a homogeneidade. Trabalhar com o igual é mais fácil e simples, pois os desafios

são sempre os mesmos e as formas de resolvê-los também é a mesma. Com um alunado sem

diferenças dentro da escola não se corre riscos e não se coloca em xeque suas práticas,

valores, hábitos e verdades. Mas a partir do momento que a escola resolve e precisa ser

inclusiva, é necessário repensar suas práticas, a formação de seus educadores, modificando as

abordagens de ensino para satisfazer as necessidades deles.

Pode parecer utópica a idéia da escola inclusiva, mas não é, porque também não é

utópica e nem irreal as diferenças dos alunos. Os alunos são reais, de carne e osso, assim

como suas diferenças, portanto a escola também precisa ser real onde caibam todos os alunos

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e não só os que se encaixam em padrões e modelos estereotipados. O olhar sobre o fracasso

escolar e suas possíveis causas precisa voltar para dentro das escolas e suas práticas. Até

então, essa questão estava sempre ligada aos alunos. Uma escola inclusiva pressupõe uma

série de mudanças: flexibilidade no uso do tempo, do espaço e das formas de agrupamento,

revisão das estratégias educacionais e os fundamentos que as sustentam, avaliação crítica dos

resultados do seu fazer pedagógico, assumindo responsavelmente e fazendo correções da

prática, quando necessário.

Para a implementação de uma escola inclusiva e o primeiro passo nessa nova esfera,

algumas questões precisam ser levantadas pela escola: O que existe hoje para apoiar a

educação inclusiva? Quais são as atuais barreiras e soluções relativas a sua implementação? O

que a escola pretende fazer na preparação de seus educadores? Como os alunos serão

incluídos? Qual é o papel da família? De que precisa a escola e o professor para o

desenvolvimento educacional dos seus alunos? Quem são os alunos atendidos pela escola?

Que tipo de necessidade cada aluno apresenta? (GUIMARÃES, 2002).

Sabe-se que a escola inclusiva ainda sofre resistência por vários grupos: pais,

professores, gestores e os próprios alunos. Usam-se argumentos como: “esses alunos aqui

conosco vão nos desviar do nosso propósito real e destruir nossa rotina”. Isso porque esses

alunos são os gagos, epiléticos, ciganos, explorados sexualmente, hiperativos, diabéticos,

artistas de circo, pobres, de outras religiões, desnutridos, superdotados, homossexuais, sem

apoio da família, com déficit de atenção e muitos outros que estão sendo alijados do sistema

escolar regular. “Se desejamos uma sociedade inclusiva em que todas as pessoas sejam

consideradas com direitos iguais, a segregação nas escolas não pode ser justificada.”

(STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 433).

A segregação vem sendo praticada há séculos, e há atitudes, leis, política e estruturas educacionais entrincheiradas que trabalham contra a inclusão incondicional de todos os alunos. Além disso, devido ao fato de um segundo sistema de educação (isto é, a educação “especial”) ter funcionado durante tanto tempo, muitas escolas infelizmente não sabem, no momento, como planejar e modificar os currículos e os programas de ensino para satisfazer às diferentes necessidades dos alunos. (...) Entretanto, o objetivo se deter escolas inclusivas onde todos estejam inseridos e tenham amigos e onde sejam utilizados programas e apoios educacionais adequados é importante demais para não se aceitar o desafio. (STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 434-435).

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Para se construir uma escola inclusiva não há regras e nem receitas, cada escola é uma

e recebe alunos diferentes umas das outras. Cada escola precisa construir com sua equipe um

projeto e pensar novas posturas frente à diversidade. Como se viu no item 3.2 deste trabalho, a

política de inclusão é algo recente em nossa sociedade, ainda não se tem muitos modelos e

práticas de inclusão. O mais importante no momento é saber que a largada já foi dada e que

não há tempo a perder. O debate existe e as práticas precisam ser reconstruídas.

Um dos maiores desafios da escola inclusiva é a formação dos educadores, tantos os

professores quanto os gestores foram formados e preparados para um único modelo de aluno,

e, além disso, um modelo idealizado, em padrão estereotipado para reger a busca e produção

do homogêneo. E com isso “muitos professores acostumam-se a usar uma abordagem

“tamanho único”, para o ensino” (STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 81), não só os

professores, mas os gestores também. O debate da formação do professor inclusivo também é

recente. Questiona-se que os professores não estão preparados para escola inclusiva, mas

quando estarão? O que os farão ‘prontos’ para a inclusão? Uma especialização? Um curso de

extensão? O que diferencia um professor inclusivo de um não inclusivo? Por que se espera

tanto essa formação que pode não se ter dessa forma tão ‘quadradinha’? É possível se ter

currículos para formação de professores inclusivos? Quem está pronto para construir esses

currículos, então?

Tem se questionado quanto a essa formação tão almejada. Em setembro de 2007, no

IX Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores21, pesquisadores e educadores

de grande importância no cenário brasileiro de educação inclusiva como Anna Augusta

Sampaio de Oliveira22 e Maria Teresa Eglér Mantoan23, debateram a formação do professor

para a educação inclusiva. Nesse seminário, ficou evidente que a formação do professor

precisa ser realmente reestruturada. Mantoan argumentou que “os casos que a escola regular

não dão conta, não quer dizer que a escola especial também daria”. (Informação verbal)24 Isso

revela que aquele professor especial e herói, com características únicas, que não tem dúvidas

e incertezas, que as pessoas esperam para a educação inclusiva não existe na realidade.

21 IX Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores – A articulação dos saberes na sociedade atual: o papel do educador e sua formação – Águas de Lindóia – SP – 2 a 5 de setembro de 2007. 22 Atualmente é Professora Assistente Doutora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: educação inclusiva, educação especial, necessidades educacionais especiais, deficiência intelectual, políticas públicas e formação de professores. 23 Pedagoga, doutora em Educação, professora da faculdade de Educação da Universidade de Campinas – UNICAMP- coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – UNICAMP, autora de vários livros e artigos na área da inclusão. 24 Dados da palestra no IX Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores- 04/09/07.

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Outro debate semelhante aconteceu no V Colóquio de Pesquisa em Educação, em

outubro de 200725. O debate sobre a formação dos professores girou em torno de uma

formação específica para cada diferença ou uma formação genérica de inclusão e, a partir do

surgimento das diferenças em sala de aula o professor se aprofundaria no assunto. Vê-se que

as dúvidas são maiores que as certezas, porém, vê-se que o debate está em jogo e que precisa

continuar.

Mesmo com essas dificuldades, a construção da escola inclusiva precisa ser feita já.

Como foi dito, não há argumentos concisos que convençam a não construção da inclusão. É

preciso respeitar as diferenças, aceitar o outro como é e “se realmente queremos que alguém

faça parte das nossas vidas, faremos o que for preciso para receber bem essa pessoa e

acomodar suas necessidades” ( FOREST apud STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 250).

Mantoan (2006) define bem o que não é inclusão: “quando há uma classe de inclusão,

quando há uma escola de inclusão, quando há uma professora de inclusão, quando há as

crianças de inclusão”, (MANTOAN, 2006, p.42), ou seja, quando há segregação, não há

inclusão. E mais, quando os livros didáticos são usados como ferramenta exclusiva da

orientação do currículo, quando se serve de matrizes para que todos os alunos preencham ao

mesmo tempo, as mesmas perguntas, com as mesmas respostas; quando os projetos são

desvinculados das experiências e do interesse dos alunos, quando se considera a prova final

decisiva na avaliação do rendimento escolar dos alunos e outros, é também prova de que não

houve inclusão.

Ensinar significa atender às diferenças dos alunos, mas sem diferenciar o ensino para cada um, o que depende, entre outras condições, de se abandonar um ensino transmissivo e adotar uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, integradora, que se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária, individualizada e hierárquica do saber. (MANTOAN, 2006, p. 49).

3.4. O outro lado da inclusão

Apesar da idéia e da proposta de inclusão não serem passíveis de resistência, tendo em

vista o momento social, ela merece um olhar crítico em relação à sua origem e significado,

25 V Colóquio de Pesquisa em Educação – A Pesquisa no Mestrado em Educação – PUC-Minas – Belo Horizonte

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assim como foi feito com o currículo a partir da década de 70. Da mesma forma que o

currículo foi desvelado e teve um olhar mais crítico quanto à sua ingenuidade e naturalidade,

a proposta de inclusão escolar também merece um foco nesse sentido. Até mesmo para que

sua construção seja eficaz, sem rótulos e sem inocência.

Já se sabe que a inclusão pode ser benéfica para que os estudantes com NEE tenham

acesso a uma gama bem mais ampla de papéis sociais; percam o medo e o preconceito em

relação ao diferente, desenvolvam a cooperação e a tolerância; adquiram senso de

responsabilidade e melhorem o rendimento escolar; e sejam melhores preparados para a vida

adulta porque desde cedo assimilam que as pessoas, as famílias e os espaços sociais não são

homogêneos e que as diferenças são enriquecedoras para o ser humano. Além disso, também

podem ser citadas ações como: aceitação e celebração das diferenças sociais; valorização de

cada pessoa (o direito de pertencer); convivência dentro da diversidade humana, ou seja, igual

importância às minorias; aprendizagem através da cooperação (solidariedade humanitária); e

cidadania com qualidade de vida.

No entanto, há o outro lado da inclusão em que ela pode ser vista como espaço de

poder, poder para o controle e a regulação social. De forma que, a partir do momento em que

o “excluído” se torna “incluído”, ele perde características singulares de sua diferença para se

homogeneizar ao todo.

Seria uma política de “Incluir para normalizar: estratégias de poder.”(LUNARDI, 21-).

Dessa forma, a inclusão precisa ser vista também como uma estratégia de poder para a

normalização. De forma que, com a educação regular e todos os alunos sendo atendidos por

ela, tem-se uma massa mais uniforme e sem “diferenças”, já que todos foram incluídos num

único sistema educacional. Não que essa atitude questione a inclusão de todos os alunos, mas

questiona o que pode estar por trás de uma suposta integração, que é o agrupamento, não

sendo, portanto, uma verdadeira inclusão.

O olhar crítico precisa ser em relação da inclusão como forma de normalização, pois,

com uma intenção de se incluir para normalizar e igualar, domina-se e regula-se toda uma

massa que antes era caracterizada por suas diferenças. O que é mais sério do que o controle do

grupo, é o controle de cada um, ou seja, o autogoverno. Com a inclusão, ou uma suposta

inclusão, o sujeito se torna mais um dentro do “todos”, se autogovernando a todo o momento

para não ser diferente e continuar “sendo incluído”.

A inclusão enquanto processo de normalização é uma forma de dominação, de controle e de governo. Governo que não é só dos outros, mas governo de si. Ou seja, a inclusão não controla somente a população, o próprio excluído/incluído se

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autogoverna. Para Foucault, a questão do governo está fortemente imbricada com a questão do autogoverno. (LUNARDI, 21-).

Portanto, aquilo que deve ser posto em discussão não é o caráter binário das políticas

de inclusão/exclusão, mas os argumentos, as condições de possibilidades que fundamentam

essas políticas, como também quais os significados e representações que se produzem e

reproduzem nessas propostas. Assim, a inclusão deve ser concebida nos seus contornos

teóricos e práticos para permitir uma visão crítica dessa prática social e não somente de seu

discurso que, gradualmente, está se tornando hegemônico.

A metáfora do pastor pode ser utilizada para entender o processo de inclusão/exclusão, pois ambos já se consolidam sem o controle e a vigilância do Estado, isto é, o rebanho não necessita mais do controle, do olhar vigilante do pastor, pois tanto o sujeito quanto a população já estão regulados por esse olhar dentro de si. Eles não necessitam mais do olhar cuidadoso do pastor, já o incorporaram tanto na sua forma individualizante (cada um) quanto totalizante (população). Nesse contexto, o próprio excluído é pastor de si, ou seja, ele mesmo se controla, se regula, através dos processos de subjetivação. (LUNARDI, 21-).

Sobre a inclusão é necessário pensá-la, desnudá-la em todos os seus sentidos.

Certamente não é possível perceber todos os sentidos que essa expressão contém. Mas,

cooperativamente, pode-se reconstruí-la com base nas práticas, re-significando-as

permanentemente. Aí sim, tem-se a Educação transformadora, formadora de cidadãos livres,

conscientes e incluídos socialmente, como é justo e desejável.

Pensando no outro lado da inclusão e em seu descortinamento, não é só o controle

social que pode significar o outro lado da moeda, mas a contenção de gastos, por parte do

governo também é um fator que incentiva à inclusão. Com o fim das escolas especiais e com

os alunos no sistema regular de ensino, tem-se claro que há uma diminuição dos gastos, uma

vez que a educação especial demanda gastos especiais e atendimento de especialistas. Muitas

vezes, alunos, alguns com deficiência, precisam de um suporte educacional, além do horário

previsto no sistema regular e que, por vezes, com o fim das escolas especiais esse suporte nem

sempre tem acontecido.

Até onde a inclusão não pode ser vista como contenção de gastos e dessa forma tão

incentivada pelos poderes públicos?

A inclusão não é, e não deve se tornar, uma maneira conveniente de justificar cortes orçamentários que podem pôr em risco a provisão de serviços essenciais. (...) Em outras palavras, o principal objetivo do ensino inclusivo não é economizar dinheiro: é servir adequadamente a todos os alunos. (STAINBACK e STAINBACK, 2006, p. 30).

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Urge outros olhares para a inclusão, até porque não somente a regulação social, como

a diminuição de gastos, mas também a onda de modismo, quanto ao termo e a prática da

inclusão podem ser denominados como ‘outro lado da moeda’. Há um movimento em que

todos devem ser inclusivos e todas as escolas também devem ser inclusivas, porém na maioria

das vezes o discurso não é reflexo da realidade. Com uma tendência grande a um discurso

vazio de inclusão, em que para ser politicamente correto todos incluem; a verdadeira inclusão

pode ser prejudicada. Pois qualquer movimento e qualquer atitude é grandiosamente

valorizada como forma de incluir, resultando na minimização da inclusão verdadeira.

“Transformou-se em verdadeiro modismo e lugar comum falar/defender e pregar a inclusão.”

(FERREIRA, 21-) Portanto, incluir é preciso, mas manter os olhos abertos para qual inclusão

tem acontecido também se faz necessário.

3.5. De que inclusão se fala? Que inclusão se pratica?

Chegando ao término de uma visão teórica sobre os temas currículo e educação

inclusiva, que foram discutidos nos capítulos 2 e 3, tem-se um parâmetro global da situação

atual. Ao conhecer perspectivas, tendências, conceitos e históricos de cada assunto, pode-se

observar que ambos os temas são abrangentes e complexos e, por vezes, genéricos.

Falando de currículo e inclusão, as discussões e literaturas mostram alguns espaços em

aberto quando o debate se faz de maneira periférica. Ora os conceitos e perspectivas são

abrangentes, ora limitados.

O debate de currículo hoje tem girado em torno da multiculturalidade e das várias

identidades que precisam ser debatidas e respeitadas na escola. Isso é relevante e inédito, uma

vez que até então esse olhar não se fazia tão presente para o âmbito curricular. Mesmo assim,

há lacunas e esse é o novo debate proposto neste tópico. Ainda que os estudos curriculares

debatam sobre questões relativas às diferenças, identidades, gênero, raça, sexualidade,

existem outros perfis que não se apresentam de forma clara nesse discurso. O que se vê é uma

ampla discussão curricular com enfoque na cultura e, consequentemente, nas diferenças. No

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entanto, “outras diferenças”, que não são somente de âmbito cultural têm sido abordadas de

maneira superficial.

Passando para o contexto da inclusão, não parece muito diferente o que se nota a

respeito. A tendência ainda é relacionar a inclusão escolar com a deficiência. É comum

encontrar autores, educadores e material que discutam a inclusão escolar, porém não é

freqüente que esse debate amplie os limites que abordam a deficiência. Encontram-se na

literatura artigos e livros com o título necessidades educacionais especiais e, por vezes, esses

materiais abordam as múltiplas diferenças do alunado, contudo, os temas que comumente são

aprofundados estão relacionados com a deficiência. Dessa forma, também se observa na área

da inclusão uma lacuna. As NEE não relacionadas às deficiências, com freqüência, são

debatidas de forma periférica e pouco sólida, dando a falsa impressão de que NEE tem,

sempre, ligação direta com a deficiência.

No início deste capítulo, pôde-se ver que muitas podem ser as NEE dos alunos e que

nem todas estão relacionadas às questões culturais, cognitivas, físicas, de raça, gênero e outras

já citadas neste trabalho, como é o exemplo do diabético. Nesse sentido, pode-se dizer que há

ambigüidade no tratamento das questões curriculares e inclusivas e que, por vezes, o conceito

é ampliado, porém tratado de forma superficial, na sua maioria, ele é restrito àqueles que

apresentam déficits de ordem física e cognitiva.

Observando essa ambigüidade existente nas literaturas sobre currículo e inclusão

escolar, a pesquisa buscou também verificar como essa situação acontece numa escola real.

Levando em conta que as literaturas que abordam o currículo e a inclusão apresentam lacunas,

conceitos genéricos e ambigüidades, vê-se que se torna importante conhecer como a escola

lida com essa conjuntura.

Dessa forma, a pesquisa faz os seguintes questionamentos: como pode ocorrer na

prática uma inclusão que, ainda na teoria, por vezes se mostra difusa? O que o currículo

prescrito e o real abordam e abarcam? De que inclusão fala a escola? Que inclusão ela se

propõe a fazer e qual ela faz? Quais são os limites da escola?

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4. APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS: CURRÍCULO E

INCLUSÃO X CURRÍCULO E EXCLUSÃO

“Pode-se dizer que as pesquisas que se ocupam com o cotidiano escolar em muito têm contribuído para o entendimento do que se passa no interior das escolas, demonstrando a necessidade de novas perspectivas de atuação, tanto por parte dos professores em sala de aula quanto dos psicólogos, supervisores pedagógicos e outros profissionais que se envolvem com a questão da escolarização. Assim, interessa-se pelos processos educacionais, em detrimento de seus produtos.”

Maria Elisa Caputo Ferreira Este capítulo se destina a tratar a pesquisa realizada que foi iniciada em 16 de maio de

2007, a partir da autorização da escola para sua realização em seu interior. Como já foi dito,

ela teve como objetivo investigar as práticas curriculares em turmas do Ensino Fundamental I,

onde geralmente se tem uma professora regente presente em maior tempo na sala de aula,

verificando de que forma o currículo da escola abarca e lida com a inclusão de alunos com

NEE.

A escolha da escola foi determinada através de quatro fatores: primeiramente,

relacionado à inclusão, já que a escola é vista pela comunidade como inclusiva, e matricula

alunos com notórias diferenças culturais, físicas e também alunos com determinadas

deficiências. Em segundo lugar, de acordo com o currículo, a escola tem um histórico que

abrange mudanças curriculares desde a sua fundação; no início era conhecida como uma

escola bastante alternativa curricularmente, apesar de hoje manter um currículo mais comum.

Em terceiro lugar, a abertura da escola para o trabalho de pesquisadores e, por fim, a

localidade da escola, levando em conta a proximidade da residência da pesquisadora, visto

que era necessário, em média, três dias de observações semanais.

As turmas foram escolhidas juntamente com a supervisora da escola. Isso foi feito

após um encontro da pesquisadora, das professoras da linha de pesquisa do Mestrado com a

diretora pedagógica, que havia sido indicada pelo diretor para avaliar o interesse do trabalho e

as possibilidades da instituição. O objetivo era estar em uma turma sem, necessariamente,

prever os alunos com NEE presentes nela, ou seja, já que a pesquisa não se trata de alunos

com deficiências e, já que é comum encontrar diversas NEE nas salas comuns, de escolas

comuns, a intenção foi observar turmas e, a partir da observação, encontrar ou não alunos com

NEE presentes nela. A opção por duas turmas e não uma somente foi pensada levando em

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conta que, em duas turmas seriam mais abrangentes: a metodologia, as práticas, as relações

interpessoais e a possibilidade de encontrar alunos com NEE. Dessa forma, evitaria a

possibilidade de relacionar as práticas inclusivas e curriculares somente com um determinado

perfil de professora e turma.

4.3. A escola

A escola pesquisada não terá nesta pesquisa seu nome, de seus professores e alunos

citados, portanto serão criados nomes fictícios para tudo e todos. Nessa ocasião, a escola será

chamada de EDU, já que a pesquisa é sobre educação.

Trata-se de uma escola particular, fundada em 1987. Ela surgiu de uma colônia de

férias, com cerca de 30 crianças, em um espaço que parecia um galpão abandonado dentro de

um sítio. Para tal, foi criada uma Associação de Pais que seria responsável pela gestão da

escola. Assim, com o dinheiro das matrículas, em 1988, foi possível reformar o galpão e

adaptá-lo para funcionar como escola. As janelas eram vãos abertos, o palco de teatro era uma

velha carroceria de caminhão e as mesas foram construídas com material abandonado desse

galpão.

Porém com as dificuldades que foram surgindo, os associados se sentiram

desmotivados e com isso, o atual diretor, George, resolveu dar continuidade ao projeto, assim

Edu fechou o seu primeiro ano com 68 alunos.

Em 1989, a escola abraçou as teorias construtivistas, baseadas em Emília Ferreiro e

Ana Teberosk, já que era um modelo educacional que estava em sintonia com as propostas

dessa nova escola. Daí, a idéia de uma escola alternativa, com mais liberdade para as crianças

e com a negação radical de todos os modelos e padrões tradicionais se instaurou. Uma outra

característica da escola foi a valorização da cultura. Freqüentar museus, teatros, montar

exposições de arte na escola e implantar no seu currículo, desde o início, as aulas de teatro e

artes confirmavam esse perfil cultural. Nesse ano foi criado o uniforme para a Edu, uma

camiseta apenas.

Em 1990, com 167 alunos, em 11 turmas foi iniciado o Ensino Fundamental I. A

escola optou por não adotar nenhum livro didático, pois os considerava ultrapassados para o

trabalho construtivista. Em 92, implantou-se o Ensino Fundamental II, também sem adoção de

livros didáticos, para dar mais liberdade ao professor para criar e planejar. No final desse ano,

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a escola contava com 232 alunos. Em 94, implantou-se o Ensino Médio e a escola contava

com 432 alunos. Esse ano foi um ano de atritos e polêmicas entre os pais, em torno dos

ajustes da mensalidade; com essa dificuldade, no ano seguinte, a escola perdeu muitos alunos

ficando com 272.

Para reerguer a instituição e voltar a ter o crescimento tido até então, a escola optou

por mudanças, passou a adotar livros didáticos, construiu um novo prédio e formatou o

Ensino Médio com forte orientação para o vestibular, mas sem perder a dimensão de currículo

ampliado. Para isso, no currículo do Ensino Médio, nesse momento, foram implantados

Cursos Optativos. Eram aulas de artes, filosofia e esportes. Mudou-se toda a equipe de

professores do Ensino Médio e foi feita uma parceria com um pré-vestibular, de forma que os

alunos teriam aulas em tempo integral. Mudanças também ocorreram de 5ª a 8ª séries, que

também passou a adotar livros didáticos. A partir daí a escola se expandiu, a idéia de construir

uma Rede de ensino tomou forma.

Em 2002, a escola já tinha 4 unidades e 956 alunos. Em 2003 a escola revisou suas

práticas e propostas, afastando-se do Construtivismo. Em 2004, o currículo do Ensino

Fundamental I ganhou aulas de Ética e o Fundamental II recebeu um outro foco, mais pautado

nas exigências de mais estudo. Em 2005, a escola passou a funcionar em horário integral para

seus alunos e foi inserida na grade curricular a aula de Práticas de Laboratório. Nesse ano, a

escola passou a ficar aberta aos sábados para os alunos, oferecendo sala de informática,

quadras, piscina, cantina e outros. O currículo em 2006 ganhou a disciplina de Redação e,

para o Ensino Médio, a grade de Optativos passou a fazer parte do currículo oficial. Houve

também a implantação da Escola de Música, com sala acústica.

Observa-se nessa curta história de 20 anos, comemorados no ano em que essa pesquisa

foi feita, que a participação dos pais era realmente efetiva. A cada mudança na escola, tinha-

se a participação deles. Tanto na criação da Associação como na construção do novo prédio,

cujo projeto foi feito por pais arquitetos; na exposição de arte no Shopping Del Rey, em 99,

organizada por um pai artista plástico; quanto na concretização de Rede de Ensino, tendo

irmãs e mães de alunos como sócias, assim como na criação da biblioteca que foi planejada e

implantada por uma mãe biblioteconomista.

Hoje, a escola conta com prédios bem equipados, muitos funcionários, 4 unidades,

todas em Belo Horizonte e mais de 1.200 alunos matriculados.

Quanto aos documentos oficiais, na Proposta Pedagógica da escola se encontra a

Missão: “Atender às necessidades da sociedade contemporânea, oferecendo uma educação de

qualidade comprometida com a aquisição de habilidades, competências e valores necessários

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à formação de cidadãos preparados para compreender e atuar, positivamente em seu entorno

social.” Os Valores baseiam-se na “formação moral e ética e a valorização da individualidade

dos alunos”. No corpo do documento, lê-se “sempre visando a integridade e o respeito ao

próximo”, à construção de pessoas que sejam “capazes de respeitar o modo de pensar e agir

de outras pessoas e de outras culturas. Este é o perfil do cidadão que propomos ajudar a

formar”. Hoje a Edu “se apóia numa proposta educacional pautada na conciliação dos valores

tradicionais do ensino”, além de ser “sempre compromissada com a qualidade.” (Grifos da

autora).

Os trechos acima podem ser encontrados no site da instituição, em sua apresentação. A

consulta do Projeto Político-Pedagógico foi feita na escola, durante o tempo da pesquisa, pois

não foi autorizado por ela xerocar ou levar para casa nem o Projeto, nem o Regimento. Outra

dificuldade da pesquisa foi avaliar a versão atualizada do Projeto e do Regimento, já que a

secretária informou que a versão de 2007 estava na Secretaria de Educação sendo avaliada.

Portanto foram vistos os documentos que datavam de 2002.

Pôde-se destacar no 6º parágrafo da página 1 do Projeto Político-Pedagógico que: na

Edu, “o aluno encontra um ambiente favorável para se formar sujeito de sua aprendizagem,

sendo capaz de ter uma percepção global do que busca, de antecipar-se e organizar-se; de

estar aberto a propostas dos outros de ser autônomo, de saber respeitar as diferenças e de ser

criativo na busca de soluções para novos desafios.” E no 7º parágrafo: “O aluno terá todas as

oportunidades para desenvolver suas potencialidades”. (Grifos da autora).

Nos documentos acessíveis, revela-se uma proposta inclusiva de escola que tem como

objetivo formar pessoas que respeitem as diferenças. Isso permite afirmar como primeira

evidência da pesquisa, que o currículo da Edu aponta uma concepção de inclusão bem

ampliada: uma escola aberta a todos, independente de qualquer especificidade e uma escola

que declara como seu objetivo: educar pessoas para viverem com e na diversidade.

Entretanto, a organização do currículo26, que traz os conteúdos, pontuação distribuída

por bimestre e o desenvolvimento completo de aulas, assim como as datas de provas, pontos

distribuídos em cada questão e o modo como deve ser feita a correção pelo professor aponta

contradições. Aparenta ser uma organização muito fechada para ser capaz de favorecer o

trabalho com a diversidade. O que se destaca desses documentos é a formalidade com que os

conteúdos são tratados. Nesses programas há os objetivos, os conteúdos, quantas aulas são

26 Ver anexo 1.

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programadas para cada conteúdo, o desenvolvimento completo da aula, descrito em cada ação

do professor naquele espaço de tempo e os materiais que devem ser utilizados.

Nas páginas do documento, pode-se observar como o trabalho é milimetricamente

planejado e inflexível, principalmente quando se leva em conta que este planejamento deve

ser seguido por todas as quatro unidades da Rede.

Desde já, fica evidente uma contradição entre os ideais da escola e o seu currículo

prescrito, pois se indaga que, para atender as necessidades individuais dos alunos, como

pretende a escola, não é possível um único programa, tão fechado, para todas as crianças, sem

levar em conta a individualidade de cada uma.27

Nota-se que a escola anuncia uma proposta pedagógica voltada para a inclusão e um

currículo ampliado, quando oferece as aulas de Teatro dentro da grade curricular e uma

programação cultural diversificada, voltada para as artes e experiências culturais. Porém,

contradiz com uma proposta de educação inclusiva ao delimitar tempos e espaços para cada

tópico do currículo prescrito.

Faz-se necessário também assinalar como essas atividades curriculares diferenciadas

estão separadas do plano curricular formal, como se houvesse um currículo adicional para

essas atividades, à parte e um currículo para as atividades voltadas para os conteúdos das

disciplinas, de maneira que, um apresenta um formato mais leve e acolhedor e outro mais

rígido. Assim, indaga-se a efetivação do que é proposto no currículo prescrito.

Para exemplificar essa formalidade e rigidez no currículo, o planejamento a seguir é da

5ª serie /9, referente ao 2º bimestre de 2007 e tem como título: Brasil –Paisagens Naturais e

Ação Humana.

27 Comentários sobre essa prática serão vistos nas entrevistas feitas com diretores e professores no tópico 4.5.

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4.4. A observação

A observação foi o principal instrumento de busca de dados. Ela se iniciou no dia 29

de maio de 2007 e finalizou no dia 02 de outubro desse mesmo ano, somando mais de 4 meses

de observação, com uma média de 3 vezes por semana.

As turmas observadas foram uma 4ª e uma 5ª série/928, ou seja, as turmas equivalem às

antigas 3ª e 4ª séries. A 5ª série é composta por 16 alunos e sua professora regente é a Rosa e

a 4ª, por 23 alunos, tendo como professora regente a Sandra.

Para evitar interferência de interpretações pessoais da pesquisadora foi utilizado um

gravador digital, com a autorização da escola e seus respectivos professores. O gravador

ficava na gola da blusa dos professores, registrando assim a fala de todos com autenticidade.

Além do gravador, tinham-se as anotações da pesquisadora a todo o momento. Fatos que não

podiam ser registrados através de sons, como comportamentos e determinadas ações, eram

registrados por escrito, no momento da observação. Aconteceu algumas vezes de, após

conversas informais com professores, se fazer necessário anotar observações fora do ambiente

de pesquisa. Quanto às gravações, após as mesmas, era feita a transcrição de cada aula

gravada por uma terceira pessoa e, por conseguinte a digitação dessas transcrições, também

feita por uma outra pessoa.

Foram observadas e gravadas, ainda, aulas de Educação Física, Inglês, Teatro e Artes

com professores especializados29 e as aulas dadas pelas professoras regentes: Português,

Matemática, Ciências, Geo/História, Redação e Ética.

Um fato marcante e relevante captado na observação girou em torno da indisciplina de

uma das turmas. A indisciplina, até então, não tinha sido pensada como elemento de análise

para a pesquisa. No entanto, desde o primeiro dia de observação foi o que mais marcou. A

indisciplina, na turma da 5ª série, por vezes, chegou a ficar em primeiro lugar nas anotações e

registros. Ela foi tão relevante na pesquisa, chegando a interferir nos tópicos inclusão e

currículo. Portanto, perpassou todo o estudo sendo, em alguns momentos, determinante de

situações de exclusões na sala; em outros, a causa da dificuldade de se seguir, com sucesso, o

currículo oficial da série. Além disso, a indisciplina presente na turma levou ao

questionamento das metodologias utilizadas e a postura da professora regente, já que era

28 Agora, 9 anos de Ensino Fundamental em Minas Gerais. 29 Estes também ficavam com o gravador.

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notória uma indisciplina maior nas aulas desta professora regente, em comparação aos

professores especializados e à outra professora.

Essa situação vai ao encontro a estudos sobre problemas escolares que dão destaque ao

fator indisciplina. “...os atos tidos como indisciplinados deixaram de ser encarados como

eventos esporádicos e particulares no cotidiano das escolas brasileiras’. (AQUINO, 2003, p.

8).

Como perfil de cada turma, pode-se dizer que a 5ª série se mostrou agitada e inquieta.

Os alunos, em sua maioria, circulavam pela sala ou faziam outras atividades durante a aula.

Era comum ver alunos sentados de costas para a professora, desenhando e folheando outros

objetos. O tom de voz dos alunos da 5ª série era excessivamente alto. Diariamente, os alunos

faziam atividades em grupos e essas atividades, na maioria das vezes, incentivavam a

indisciplina, já que os alunos faziam muitas coisas, mas dificilmente as tarefas programadas.

Observava-se também um relacionamento conflituoso entre os alunos dessa turma, havia

muitos grupinhos e era comum presenciar alunos sendo excluídos de grupos de trabalho por

colegas. Outra atitude comum nessa turma era a saída dos alunos da sala para ir ao banheiro e

beber água com muita freqüência e, por vezes, sem a autorização da professora. Percebia-se

que devido ao barulho e à bagunça o ambiente, apesar de livre, não era propício para a

aprendizagem escolar, pois não eram comuns, na sala de aula, momentos de silêncio e

concentração necessários à efetivação de atividades de aprendizagem.

Quanto à postura da professora Rosa, da 5ª série, observava-se que ela cedia muito

tempo para a realização de atividades simples, tais como dois horários para responder aos

exercícios de uma página do livro e que não era comum chamar a atenção dos alunos, como

se o comportamento deles fosse algo muito comum, fazendo parte da dinâmica da aula.

Quando Rosa chamava a atenção dos alunos, era comum ela contar até cinco ou dizer Chiiii!!!

No entanto, esse procedimento era feito várias vezes sem resultado. Uma prática muito

comum de Rosa era procurar dar atenção individualizada a alguns alunos, deixando o resto

soltos e barulhentos tanto nas aulas, como em explicações de matérias, quanto nas provas.

Rosa introduzia sua fala para a turma, no geral, e posteriormente ia de mesa em mesa, ou de

grupo em grupo oferecendo ajuda e dando explicações sobre a matéria ou a atividade. Nesses

momentos, grande parte dos alunos andava pela sala, falava alto e se dedicava a outros

afazeres, não relacionados à atividade proposta.

Ela se mostrava muito organizada com as tarefas e planejamentos. Tudo era anotado e

registrado. Rosa se mostrava muito satisfeita em trabalhar na Edu e fazia questão de afirmar

isso, sempre que possível, contando boas notícias de acontecimentos da escola ou afirmando

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boas características da Edu. Ao falar sobre a escola ela sempre se referia como “nós”. Por

exemplo: “Aqui nós planejamos tudo com muita antecedência.”

Rosa é novata na escola. Ela era professora somente da 5ª série do turno da manhã,

porém devido a problemas de saúde da professora do turno da tarde, Rosa a substituiria até

meados de junho. No entanto, de licença em licença da colega de trabalho, ela tornou-se

definitivamente a professora regente da turma da tarde. Era comum, na sala dos professores,

as colegas se referirem à Rosa como uma heroína, por vezes diziam: “Você vai direto para o

céu!”, se referindo ao comportamento difícil dos alunos tanto da manhã, quanto da tarde.

A turma da 4ª série era uma turma maior, também agitada, porém bem menos do que a

5ª. Os alunos participavam das aulas com comentários, casos e respondendo questões de

tarefas feitas. Nessa turma também se percebia grupinhos e lideranças. Na 4ª série destacam-

se dois alunos, a Sílvia, aluna que falava bastante durante as aulas, era uma líder na turma e

nos grupinhos, ela convencia facilmente as pessoas do que queria, tanto alunos como

professores; e o André, um aluno que tinha dificuldades de atenção, de concentração e de

aprendizagem, por vezes demonstrava um comportamento ríspido, se opondo a colegas e

professores. A 4ª série, com freqüência, era organizada em filas, apesar de também trabalhar

em grupo, algumas vezes. Os alunos não tinham o hábito de sair e levantar da carteira com

freqüência, pois logo havia a intervenção da professora.

A professora Sandra, da 4ª série, é também novata como Rosa. Ela evidenciava um

comportamento ora divertido, ora rígido. Fazia brincadeiras e comentários durante as aulas,

mas não permitia aos alunos se movimentarem na sala sem um motivo que justificasse esse

comportamento. Assim que algum aluno levantava ou conversava paralelamente, ela

perguntava o que estava havendo. Todas as suas correções eram registradas no quadro e fazia

questão da participação dos alunos nas respostas. Em problemas matemáticos era comum

perguntar como o aluno chegou àquele resultado. Tudo era muito dinâmico na 4ª série, dava a

sensação de que o tempo sempre era pouco para a quantidade de tarefas a fazer. Acabava uma

correção, iniciava uma explicação, ou uma atividade, e assim as aulas se seguiam. Quando

havia conversa na sala da turma toda, no geral, ela apagava as luzes, assim os alunos

percebiam que algo havia acontecido de diferente. Ela só acendia as luzes quando todos

ficavam em silêncio novamente.

Dentre os professores especializados, a professora de Inglês e o professor de Teatro

merecem uma atenção maior. Nas duas turmas, a professora de Inglês se mostrava bastante

rígida e brava, a todo tempo chamava a atenção dos alunos, por vezes se mostrava rude com

eles na forma de tratamento. Sua feição era sempre séria na sala de aula, apesar de parecer ser

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uma pessoa descontraída em outros ambientes, como a sala de professores. Suas aulas, que

foram assistidas, eram expositivas e tinham como principal instrumento o livro e a apostila.

Sobre o professor de Teatro, percebia-se que era bastante querido entre os alunos. De

toda a equipe de docentes da 4ª e 5ª séries, ele era o professor mais antigo na escola. Segundo

ele, trabalha na Edu há 20 anos. Suas aulas eram de fato diferentes com atividades que

exercitavam e estimulavam a coordenação motora, rapidez de raciocínio, criatividade e

socialização. Sua postura também era diferenciada dos outros professores. Ele nunca alterou a

voz com os alunos, durante o tempo de observação, nem mesmo tinha perfil de um professor

“bravo”, porém mostrava bastante autoridade e conseguia facilmente com que a turma se

concentrasse em suas atividades. Para chamar a atenção dos alunos ele costumava olhar ou

retirar da mão do aluno o instrumento utilizado no momento. Quando o aluno voltasse a ficar

“quieto”, ele devolvia o que tinha tomado, mas sem dizer uma palavra. Em suas aulas

utilizava instrumentos como CDs, latinhas e outros objetos. As aulas ocorriam em uma sala

especializada, ampla com mesas, cadeiras, objetos diversos e espelhos para as atividades de

Teatro e Artes.

Já no deslocamento da sala de aula para a sala própria para essas aulas, era notório a

modificação no comportamento dos alunos da 5ª série. Antes, com a professora regente,

agitados e inquietos e, com o outro professor, centrados e obedientes.

No próximo tópico serão registradas, com maior riqueza de detalhes, situações que

sustentem os comentários acima.

4.3. Fatos e falas relevantes

Há um caderno inteiro de observações das aulas, além de mais de 200 horas de aulas

gravadas e transcritas, apesar de, por um engano ao manusear o gravador digital, mais de 40

horas terem sido perdidas e apagadas.

Após transcritas as aulas, foi feita uma exaustiva leitura do texto, destacando-se a

seleção de fatos e falas relevantes, que abordassem a inclusão/exclusão, o currículo

oculto/real e a indisciplina, com o objetivo de direcionar e objetivar o trabalho. Foram esses

mesmos elementos que foram buscados no caderno de campo, destacando-se a procura

daqueles que esclareciam ou complementavam as informações obtidas nas gravações.

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Com o intuito de organizar melhor essa procura, esse trabalho foi feito para cada

turma. Cada destaque foi alternado com os comentários e observações. Todas as transcrições e

observações, retiradas do caderno da pesquisadora, foram registradas em espaço simples.

Como se sabe, a rotina de uma sala de aula, principalmente quando os alunos são

crianças que variam de 8 a 11 anos, é bastante dinâmica, portanto é comum, em alguns

trechos ler frases sem nexo ou que não completam a frase anterior. Isso acontece porque o

gravador capta as falas em uma determinada altura (da voz); por vezes uma criança diz algo

em um tom mais baixo que o gravador não captou e outra responde num tom mais alto, de

forma que na gravação permaneça apenas uma fala.

Além disso, na linguagem oral, é comum a interrupção de frases de acordo com

mudanças e corte na própria argumentação.

Outro registro importante para o entendimento do material é que, por vezes, através

das transcrições, não é possível imaginar como está o ambiente da sala. Por isso foram

importantes os registros da pesquisadora, feitas no momento da aula. Dessa forma foi possível

enriquecer a transcrição e auxiliar no entendimento do leitor. Nas passagens tomadas para

sustentar a argumentação, no corpo desta dissertação, sempre que houver um trecho que

mereça ser destacado, ele estará em negrito.

4.3.1. Um panorama da 5ª série

No dia 29 de maio (Aula de Português), primeiro dia de observação, a aula assistida

foi na 5ª série. O horário de início das aulas no turno da tarde é 13h10min, porém a aula

começou às 13h25min. A professora colocou a rotina no quadro e o para casa do dia, e assim

fez nos dias que se sucederam. Ao chegar à sala, foi observado que havia uma TV, 8 quadros

de arte, 2 murais, o armário, 2 ventiladores e 9 lâmpadas. A mesa da professora é fixa na

parede e de granito e havia um pequeno tablado na “área do professor”, a sala era ampla e

espaçosa.

A primeira atividade desse dia foi construir uma crônica individualmente. Abaixo se lê

as observações feitas no momento.

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Enquanto a professora acompanha a atividade, uma aluna lê revistas em quadrinhos abaixo da mesa.

Turma agitada, falam juntos ao mesmo tempo, quando a aula começou, todos participaram. Uns iam nas carteiras dos outros.

A mesma aluna que leu revistas não fez a crônica e coloria a página da agenda durante as atividades. Todos falavam alto e gritavam. Muito tempo depois, o aluno Paulo ainda não tinha começado a tarefa.

Atos é um aluno que se assenta no canto, não fez o para casa, nem corrigiu em sala. A professora perguntou por que não fez.

Enquanto eles faziam a crônica a professora dava visto nos para casas. Paulo - O que é crônica? A professora foi até a mesa e Dialogou com ele. “Fizemos muitas atividades sobre

isso. É um texto engraçado e que pode acontecer na realidade”. A impressão que me deu é que Rosa não chamava muita a atenção dos alunos,

como se a desordem fosse algo natural, mas acredito que ela se incomodava com a barulheira, tanto é que ao ir embora ela reafirmou como a turma é agitada.

No dia seguinte, 30/05 a primeira atividade foi um filme sobre a história do Brasil. Abaixo a

observação do dia. (Não houve registro sobre o título do filme)

P(professora)-“Silêncio”. A(aluno/a) - “Eu não estou entendendo nada!” A- “Professora, demora quanto tempo esse filme?” A turma estava dividida em grupos de 4, 3 e 2. A aluna Maria Luiza sentou-se sozinha, os grupos conversavam entre si (principalmente a aluna Carla, com aparelho nos dentes). Durante o filme, Gustavo ficou em pé indo e voltando com cadernos e mochilas. Raquel também andava bastante e conversava muito durante o filme. Alguns lanchavam e uma aluna comia pipoca com seu grupo. Um dos alunos lia o folheto do MC´Donalds. Muitos alunos continuavam levantando e indo até o armário. O grupo de Carla até os 23 minutos de filme não prestava atenção nele. Maria Luiza - “Oh gente, fala baixo!” Aos 30 minutos de filme o grupo de Carla pediu para mudar de lugar, pois não conseguia ver o filme, com ele foram vários outros atrás. Maria Luiza - “Dá pra parar de falar, por favor?” Um dos alunos que foram para o fundo se virou de costas com a cadeira e ficou conversando com os colegas. A professora chamava a atenção várias vezes e dizia - “Olha lá o escravo fugindo!” “Olha que lindo a pintura!” Maria Luiza - “Ih Carla, fala baixo!” Ontem, a professora havia dito sobre Maria Luiza, falou que era uma excelente aluna e que ajudava os demais. P – “Carla e Roberta!” Carla - “Tem muita gente conversando, porque que a gente não pode conversar?” Um filme sobre Tiradentes começou e a turma continuou conversando e andando pela sala, principalmente Gustavo. Durante o 2º filme, por vários momentos, eu não escutava o som do filme, pois havia muita conversa.

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Carla - “Oh, professora tá muito chato!” P - “Olha lá, eles que pintaram! Os índios!” Carla - “Êh, acabou!!” P – “Essa aqui é uma parte do filme!” Anita – “Um!!!” P – “Só estou rebobinando!” Anita – “A é é é !” P - “Alguém trouxe o dinheiro da excursão?” Anita – “Já paguei!”

Nesse primeiro dia, já se percebia uma sala sem uma ordem instalada, diferentemente

de outras salas de aulas. Os alunos além de muito inquietos e falantes, não respeitavam a fala

da professora, o clima era de indisciplina.

A autoridade docente na atualidade exige sustentação contínua por meio de práticas que reinaugurem sem cessar, não se tratando de algo de véspera. (...) daí então, a impossibilidade de se conceber a disciplina como uma reação espontânea ou um dever natural do alunado. Disso decorre que os pilares da autoridade docente precisam ser refundados continuamente no convívio escolar cotidiano. (AQUINO, 2003, p. 55).

Dia 30/05 - Aula de Educação Física – Professor Rodrigo

O professor ensaiou quadrilha uma vez, em seguida fez um jogo de futebol com meninas e meninos juntos. O time A jogou o 1º tempo e em seguida o time B. Depois os times A e B jogaram os 2º tempos.

Gustavo parece ser um aluno muito agitado. Durante o filme ele foi o aluno que mais andou pela sala. Na Educação Física o professor Rodrigo disse que era a primeira vez que as meninas jogavam futebol junto com os meninos. Com isso, ele aproveitou a oportunidade e colocou o Gustavo com as meninas, pois ele tem menos habilidade para o futebol e é muito desatento, segundo o professor. Na 1ª série ele fez escolinha com o professor e não jogava bem.

Desde o início da observação, Gustavo foi notado como um aluno com NEE, porém

ele não tinha diagnóstico e não era tratado como tal.

Dia 31/05 - Aula de Inglês – Professora Cláudia

Quando cheguei a aula já havia começado, toda turma estava em silêncio, fazendo atividade. As carteiras estavam enfileiradas uma atrás das outras.

Atos estava conversando e a professora perguntou: - Atos está dando conta? Está dando conta de fazer? Gustavo em pé, andando pela sala.

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A professora passou por algumas carteiras, acompanhando de perto os alunos. (...)

A- Professora! P- O que Maria Luiza? Tudo? Tudo? Tudo? Do livro e da apostila? A- Pronto. A- Me empresta um lápis? P- Aqui ó! Ela esta a jogar futebol, o que está faltando aqui? A- Não é... P- É só atenção. P- Isso. Não a não play soccer. Jogando isso. P- Oh, Gustavo você não trouxe o material? Vai ficar conversando e atrapalhando quem está trabalhando? A- Isso é legal! (...) P- Vou colocar um esparadrapo na sua boca, daqui a pouco! A- Não, esparadrapo machuca. P- Que graça vai ter eu colocar esparadrapo e machucar? A- Não tem nada de graça. P- Pois é, não tem graça. A- Pois é. Não tem nada de graça o que você falou, né professora? P- Professora ri. A- Parece que a apostila tá imitando o livro. A- Oh, professora! P- Fala Breno, não escutei. A- Tá igual. (...) P- Oh, Gustavo, por favor! O gente presta atenção aqui oh, Carla. Papagaria pára de falar. A- Papagaria, igual pobre na chuva. P- O gente! Senta lá! O Breno da licença? Deixa eu falar aqui. P- Oh gente, presta atenção, eu só tenho 4 minutos eu vou ter que explicar. A- Só uma frase. P- O Gustavo pela milionésima vez, você não trouxe o material, você não participa das minhas aulas já é a 3ª semana... dá um tempo! A- Marrom. P- Olha aqui eu vou ter que explicar de uma vez agora a atividade é de para casa porque não vai dar tempo de corrigir isso hoje não, ainda porque eu tenho que subir, olha só. A- Pode ir.

É possível observar que Maria Luiza é uma aluna que faz tudo rápido, na aula anterior

sobre o filme da história do Brasil, somente ela assistia e ainda chamava a atenção dos colegas

que a atrapalhavam. Mais adiante, na votação da turma e em uma explicação de matéria é

possível observar a atenção diferenciada destinada à essa aluna, que a professora informou ser

a melhor da classe.

Gustavo é um aluno que desde o primeiro dia chamou atenção da pesquisadora. Ele

realmente tinha dificuldades para se concentrar nas atividades e é interessante saber que há 3

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semanas ele não trazia o material de Inglês. Algumas semanas depois o material de Gustavo

foi encontrado no Achados e Perdidos da escola. Lá, realmente estava todo o seu material,

inclusive de outras matérias.

Nesse dia, também se pode perceber como a turma tem um perfil irônico. É comum

eles responderem aos professores de maneira irônica e debochada.

O trecho abaixo foi o final da aula de Inglês com a chegada da professora Rosa. Nesse

momento, percebe-se a fala dos alunos com desprezo. Em seguida, há uma transcrição mais

longa, no entanto uma das mais importantes, pois nesse dia a Rosa aplicou uma Prova de

História.

P (Inglês) – Fala com ela que pode entrar. Vem cá Rosa, pode entrar! A- Ah, não... não. P- Você já ouviu falar que quem desenha quer comprar? A- Já sim! P- Já né, pois é essa turma adora fazer isso. Aquilo que eu falei semana passada, quanto mais vocês rejeitam, falam mal, mais vocês amam, adoram, querem estar perto. P- Riu, o Felipe é, que adora falar mal de mim, mas esse menino é doido comigo. A- Nossa Senhora te adoro demais (deboche). Neste trecho observa-se que os alunos não pareciam estar satisfeitos com a vinda da

professora Rosa, ainda assim é difícil afirmar, já que eles se mostravam debochados em

muitos momentos.

A partir daqui, chega a professora Rosa. A- Nossa avaliação de história? P- Oi meu amor? A- Meu pai falou se você pode adiar a prova? P- Não pode adiar a prova. A- Para o mês que vem! A- Tem prova agora? A- Não. A- Você colou? A- Eu fiz,legal. A- Ni (todos falando ao mesmo tempo). A- Você copiou isso de mim? A- Raquel (outra professora). P- 1,2,3,4 quem quiser ir ao banheiro e beber água pode ir agora porque depois eu não vou deixar não. A- Vou beber água. P- Sem correr e sem bagunça. Nossa senhora, na hora de fazer prova dá tanta vontade de fazer xixi? A- Não é xixi, é beber água.

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P- Vamos arrumar as cadeiras direitinho vamos lá. Eu não quero nenhuma mochila aqui, vamos colocar lá no cantinho. A- O quê? P- Vamos guardar as mochilas devagar. Vamos organizar a salinha, lápis e borracha, somente em cima da mesa, guardar agenda e estojo. Gustavo, você vai na excursão amanhã?Você vai Lucas? Porque você não vai? A- Não gosto de ônibus. P- É tão gostoso, você vai perder! A- Eu sei. A- Minha mãe não deixou. P- Aproveita. Porque não deixou Gustavo? A- Porque eu estava passando mal. P- Você estava passando mal? A excursão é amanhã, não entendi não. (...) P- Não tô entendendo nada. Oh moçada, vamos guardar as mochilas lá atrás da sala, na parede, vamos encostar, eu quero mais organização nessa sala, tá muito desorganizada. A- I... i... P- Vamos lá. A- Não pode ficar no chão? P- Somente lápis e borracha em cima da mesa. Oi! A- Professora eu vou olhar aqui. P- Meu anjo eu vou dar prova, depois você olha. A- Eu não olhei a prova. P- Eu nem distribui. A- O boletim ele nem olhou. A- Tarde demais professora. P- Ai ai. Aqui de quem é isso aqui? Pode guardar isso, não é cola não é? A- Deixe eu ver. A- Não. P- Eu tô pedindo pra todo mundo colocar as mochilas lá no cantinho tá? Para organizar mais a salinha, vocês estão chegando e jogando a mochila em vez de guardar, vamos guardar as mochilas lá no finalzinho, Atos, isso. A- Bertinho. A- É seu? A- É meu. É meu. (...) P- Clara é sua? Guarda lá trás. Rafaela guarda a mochila.Todo mundo já guardou o material? Eu quero as mochilas lá atrás. Arnaldo, de quem é essa mochila jogada? A- Professora. P- Então vamos encostar. Atos guarda sua mochila. Oh! A- Oh! P- É assim que estraga as coisas.Quem está sentando aqui? A- É o Gustavo. P- Oh Felipe, guarda sua mochila lá trás por favor.Valeu.Guardou Laura, guardou ali guardou? A- Bruna. P- Bruna agenda. (...) P- Guarda aqui no Márcio Henrique. Vamos lá gente, guarda 1,2,3,4. A- 4.

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P- Vamos lá Felipe e Lucas! A- Lucas. P- 4 e 5. A- Galo! P- Atos. Márcio, Felipe guardou? Pronto Lucas guardou o material? A- Lucas, minha borracha! P- Oh, Raquel! A- Nossa! P- Tô esperando silêncio para começar a prova. A- É a última tentativa, de quem é a borracha? A- É na parede, não é na madeira não. A- Quem vai? A- Eu. A- Quem não vai na excursão? P- Vão guardar o material. Em cima da mesa somente lápis e borracha. Atos guardou? Carla estou te esperando! Roberta, Raquel guarda o material, vai guardar? A- A minha folha. P- Raquel. A- Borracha. A- Meu irmão não deu colgate. A- A menina tá com febre verde. P- Raquel guardou o material, Gustavo guardou? Será que vou ter que guardar o material para vocês? A- Professora! A- Nossa isso aqui é... P- Guarda! Senta direito. P- Vocês não querem utilizar o horário do recreio também? A- Não! P- Então vamos começar a prova antes do recreio. A- É! P- A prova é hoje, a excursão é uma complementação, tá? A- A prova é hoje e a excursão é amanhã. P- Ainda tem um trabalho valendo 10, né? A- Tem um trabalho, ah é! P- Isso, posso entregar Raquel? A- Até que dia? P- Segunda. A- Tchau... Tchau... P- Qual é a postura de prova? Vamos lá Lucas. P- A primeira coisa que vocês vão fazer gente, preste atenção primeira orientação é colocar o nome a data e ler a prova. A- Lucas. P- Você vai ver a hora de ter postura de prova daqui a pouco. A- Aqui minha postura de prova. (deboche) A- Deixe eu ver (bagunça) Alunos de outra sala chegam com um cartaz.30

30 Alunos da 1ª série/9 faziam uma campanha, na escola, contra o esperdício da água.

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A- A gente queria mostrar esse cartaz. P- Pode mostrar então, oh gente! Silêncio! O respeito! Pode falar! Espere ai! A- É pra não deixar desperdiçar água e também não usar mangueira para lavar é usar vassoura e balde de água. É, fala Mateus! E 1 minuto com o chuveiro ligado gastamos 10 litros de água. P- O quê?!!! A- Espere aí. A- É que a água pura deve ser incolor, que não tem cor. Inodora que não tem cheiro e... P- Falou tchau obrigada! Felipe agora chega. A- Ele falou colgate total. P- Vocês gostariam que vocês fossem apresentar um trabalho na sala deles e eles fizessem isso com vocês? A- Não. P- Não, eu tenho certeza que não! Oh Carla, menos! A- Eu tenho certeza que se eu chegasse lá e falasse... P- Silêncio, parou, guarda. A- Professora eu sou bonito (deboche). P- Pronto, Luiz olha para frente! Raquel coloca o nome primeiro. A- Nome de caneta por favor. (...) P- Eu não gostaria de estar lá na Liliane reclamando de algum de vocês, por causa de postura de prova! A- Rindo. P- Chega, agora a brincadeira acabou! (silêncio na sala) A- Rindo baixo. P- Senta lá, eu não convidei ninguém para sair do local, é só levantar o dedo. Pois é, você não estudou não, sabe, sim quando você tiver dificuldade numa questão passa para outra, depois volta nela tá? Ou deixa em branco. A- Eu pus aqui, caiu professora. Silêncio na sala. A partir desse momento, Rosa começa a passar de mesa em mesa. A- Aonde tem no livro de história? P- Nos 2 capítulos. P- Onde ele morava? (conversando baixo com 1 aluno). A- Professora tem que decorar nome da pessoa? P- Você vai explicar o que você entendeu! Você traduz é isso mesmo. A- Professora vem cá. P- Só um minutinho, isso não é meu. A- Identifique o fato histórico. P- Você lê aqui. É para você conceituar em qual período. A- Tem que colocar o período? P- Você vai dar sua opinião em relação com esta gramática. A- Não entendi. P- O que você não entendeu? A- Posso beber água? P- Vai lá. A- Posso ir no banheiro? A- Professora! P- Só um minutinho.

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P- Você vai falar sobre bóia fria, cana de açúcar e meio ambiente. Você explica o que você souber. A- Pergunta baixo não dá para ouvir. P- Porque acontecia esse fato? A- Porque isso acontecia, ela era escrava, é para considerar. A- Como assim? P- Esse contexto você concorda com a mãe? A- Como assim? A- Não concordo. P- Você tem que dar uma justificativa porque não concorda. A- Não entendi essa daqui. P- Um de cada vez. Você vai conceituar. A- O que é conceituar? P- O que você entendeu, a sua interpretação. A- Eu posso pôr o que entendi? P- Conceitue o fato histórico. A- O que é conceituar? P- Qual questão? É a sua opinião! Você leu? A- Li. A- A mãe falou para ela você esta livre, então vira menino de rua. P- Opinião sua. A- Os portugueses queriam nadar mais rápido. P- Motivos abaixo pode ser 1, podem ser 2. Conversando com a pesquisadora. P- A prova é puxada, vou te dar uma para você, né? Isso é mais um problema de memória. Eles não tem que fazer em cima desse passado, presente. A opinião é deles, a gente puxa mais o que eles sabem. A- O que é latifúndio?31 P- Monocultura significa uma cultura, plantar a cana de açúcar você lembra que não podia plantar outra coisa? A- O que é sátira? P- É humor. A- Se eu concordo? P- Se você concorda explique o porquê, se não concorda explica o porquê. Conversando com a pesquisadora. P- Numa questão aberta eu tenho que entender o que eles entenderam. Eu tenho que avaliar a interpretação deles dentro de sala de aula. A- Vou escrever sobre eles? P- Só sobre um deles. Gente na 6ª questão procure ler o texto. A- O texto não ajuda em nada! A- Ajuda sim!

31 De acordo com o registro parece ser uma resposta errada da professora à pergunta feita pelo aluno. No entanto, não há como saber ao certo, já que o gravador estava com a professora e registrava tudo o que ela falava e nem tudo de todos os alunos. Ela poderia estar dando a informação a um outro aluno, cuja pergunta não foi gravada.

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É preciso observar como a prova é aplicada em um ambiente de muita conversa e

como, mesmo em prova, ela vai de mesa em mesa, ela mesma dá respostas às perguntas dos

alunos. O deboche dos alunos também é nítido na próxima aula, assim como a dificuldade que

Rosa tem para fazer com que os alunos fiquem em silêncio para aplicar a prova. Ela leva

muito tempo pra conseguir entregar a avaliação, devido à desordem.

Rosa comenta que “eu tenho que entender o que eles entenderam”. Essa observação

remete a outras: Será que independente da resposta ela precisa entendê-la? O aluno não é

levado a coordenar suas idéias e respostas na prova?

(...) a construção da autoridade docente na contemporaneidade exigirá um esforço redobrado. Mais ainda: ela se construirá paulatina e artesanalmente, à medida que os agentes escolares se dispuserem laboriosamente a tal. Por essa razão, as ações/reações escolares que se pretenderem democráticas deverão ser reinauguradas sem cessar. (AQUINO, 20003, p. 59)

Gustavo tem muita dificuldade de se concentrar e desde o momento que Rosa chegou em sala, no segundo horário, ele se distrai em uma página da agenda. Ele desenha algo e mostra para os colegas. Eles riem. Ele desenha mais e mostra novamente.

Três alunos de outra turma (menores) chegaram e apresentaram um cartaz sobre a importância de não desperdiçar água.

Mesmo depois da apresentação dos alunos, Gustavo ainda mostra a agenda para todos os colegas, levanta para mostrar.

A prova de História foi entregue e Gustavo continua desenhando na agenda. Enquanto os alunos fazem a prova, Gustavo manda sua blusa de frio para cima, levanta, põe a prova debaixo da mesa, pede material para um colega. - E se eu tiver dificuldade? - Passe para outra questão, depois volta nela! - E se continuar? - Deixa em branco. - Então toma, professora!32 A professora passa de mesa em mesa tirando dúvidas, muitos ficam com os dedos levantados por apresentar, dúvidas. Quando bateu o sinal para o recreio Gustavo saiu sem fazer a prova. Sobre a prova de Gustavo, a professora disse à pesquisadora que depois chamou

Gustavo e ele fez a prova. Porém é nítida a desorganização e a falta de autoridade da

professora. Antes de aplicar a prova, quando Rosa perguntou quem gostaria de beber água e ir

ao banheiro, todos os alunos saíram juntos e correndo, por isso ela diz: “Sem correr e sem

bagunça. Nossa senhora, na hora de fazer prova dá tanta vontade de fazer xixi?” Outra

questão que merece muita atenção é que quando todos saíram para is ao banheiro, ela 32 Porém o aluno não entregou a prova.

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organizou a mesa de cada um, o que pode ser visto de duas maneiras: falta de estímulo à

autonomia ou prever a dificuldade que seria de conseguir fazer com que os próprios alunos

arrumassem suas carteiras.

Dia 18/06 - Aula de Matemática – Professora Rosa

Mais uma vez a sala estava uma bagunça. Havia 4 grupos em sala, porém todos falavam ao mesmo tempo. A professora perguntou ao Márcio sobre o trabalho de História. Ele olhou para ela e fez uma expressão de quem não estava entendendo nada. Gustavo, nesse momento puxava Raquel pelo pé, arrastando-a pelo chão da sala. Em seguida, os dois conversaram e riam e ela, sem tênis colocava o pé perto do nariz de Gustavo. Eles riam muito. A aula acabou e começou a de Educação Física. Na aula de Educação Física o professor ensaiou quadrilha. Após o recreio, os alunos demoraram muito a voltar para sala, porém alguns anda não tinham terminado as atividades. A professora passou de mesa em mesa dando visto, enquanto isso os alunos conversavam e brincavam com álbum de figurinhas.

Agora são 16h40min, desde as 13h10min os alunos estão fazendo atividades da apostila de Matemática. Eles sentam-se em grupos, não estão concentrados, nem mesmo fazendo a atividade, um ou outro faz alguma coisa, mas no geral a conversa, a gritaria e a bagunça tomam conta.

A impressão que tenho é que os alunos ficam sozinhos fazendo as atividades. A professora fica na frente, em pé, olhando para os alunos, de braços cruzados, mas não os orienta, ou explica, ou mesmo corrige com eles para ir tirando as dúvidas. Há uma gritaria geral. O aluno Márcio é agitado, porém é muito mais escandaloso. Ele fala alto, grita ao conversar, mas a professora não lhe chama atenção. Márcio, nesse momento pulou de frente para a parede com as duas mãos abertas e fez um barulho, voltou, deitou a cabeça na mesa e ria bastante. A cada minuto que a professora dá para terminar a atividade, nada é feito.

É comum nas aulas de Rosa o excesso de tempo para atividades que demandam um

tempo menor do que era dado a elas. Dessa forma, é comum vê-los conversando e fazendo

outras atividades. O tempo em sala de aula não demonstrava ser bem aproveitado.

Dia 18/06 - Aula de Educação Física – Professor Rodrigo

Nessa aula, o professor continua ensaiando a quadrilha para a Festa Junina da escola e

Márcio, que é um aluno com o diagnóstico de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade)33 deixa o professor impaciente com seu comportamento. No entanto, os

alunos, de forma geral, se comprometem com a aula e ela transcorre de forma tranqüila, como

se pode ver na fala do próprio professor.

33 Entregue à escola pelos pais.

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A-Eu dou um tapa na cara dele. A-Márcio! A-Eu vou voar. Eu vou voar. A-Professor! Professor! A culpa não é minha É sempre dos meu irmãos. Meu irmão chega assim eu dou um tapa na cara dele. (...) P-Quandos os dois não querem? A-Eu quero professor! Eu quero! (...) P-Roda no centro, roda, roda. Olha a coroa de espinho! Descoroou! Olha a coroa de flores! Rodou para o lado contrário! Descoroou! Voltou para a grande roda. Parou os dois com a discussão! Olha o caminho da roça. Vai todo mundo pra coordenação. Tá acabando, olha a chuva! É mentira! O gente dá um grito na hora da chuva. Olha a chuva. (...) P-É mentira! Não tá dando certo, Márcio, é só você que está avacalhando. Se você quer chamar atenção conseguiu já. (...) P-Terminou. Vira para o lado de cá. Passeio na cidade, dá mais uma volta. Laura! Laura! Olha a despedida, não ultrapassa o meio, despede dá a volta, dá a volta. A-A gente sai é pra ali, né professor?. P-Aqui vai ter um potinho. Oh gente, é no risco preto aqui, oh gente eu parei aqui na outra aula para reclamar. Hoje eu parei aqui para elogiar, eu falei 200 mil vezes menos. Teve umas brincadeiras aí, mas deu tudo certo eu acho. Se continuar assim, quarta feira é o último ensaio, sexta feira eu vou pedir para ensaiar de novo, vou ver se a professora deixa. É sábado a dança. Hoje foi ótimo, hoje eu achei que foi ótimo. Em comparação com a aula passada foi mil vezes melhor.

Dia 28/06 - Aula de Inglês – Professora Cláudia

Os alunos fizeram uma atividade do livro, porém no meio da aula foi distribuída uma folha de auto-avaliação34. A professora recolheu as avaliações um tempo depois, porém Gustavo ainda não tinha terminado. Na aula de Inglês a turma também é muito solta, eles estavam em silêncio quando cheguei, mas após a auto-avaliação começaram a comportar como de costume. A professora não corrigiu a atividade e pediu que continuassem em casa. Márcio começou a cair da mesa e Raquel deu a volta ao redor das carteiras arrastando a cadeira, sentada nela e arrastando o livro de Inglês embaixo dos pés.

Observa-se mais uma demonstração de indisciplina na sala, dessa vez, na aula de

Inglês. E, novamente, Gustavo não conseguindo concluir suas avaliações.

Dia 28/06 - Aula de Português – Professora Rosa

34 Ver anexo 2.

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A professora Rosa conta inúmeras vezes até 5 e faz chiii!!! pedindo silêncio. Porém nada é suficiente, ela realmente deixa os alunos livres demais. Eles sentam onde querem e com quem desejam. Sentam-se sozinhos, em duplas, trios, de frente, lado ou costas para o quadro e para a professora. O tempo dado para atividades simples e fáceis é de 2 ou 3 horários. Hoje, por exemplo, a professora está desde às 14h corrigindo o para casa de Português e fazendo as páginas 19 e 20 da apostila do projeto CVC (Os criminosos vieram para o chá). Neste momento são 16h40min. É tempo demais para tão pouca atividade. Ela pede em quase todas as aulas para que eles se sentem em duplas e grupos, como a turma já é bastante agitada, tudo facilita para que haja indisciplina: alunos agitados assentados em grupos, tempo ocioso (já que é dado muito tempo para pouco atividade) pouca autoridade da professora (o que é diferente de autoritarismo), já que ela fica muito tempo calada observando os alunos, mas sem solucionar o problema da indisciplina excessiva. Dessa forma inicia-se o ciclo novamente, ela conta até 5 ou faz chiiii!!! mas o comportamento dos alunos não se difere.Hoje estou bastante ansiosa para assistir a uma explicação e revisão de Matemática. No início da tarde ela disse que faria uma nova explicação de fração e tiraria todas as dúvidas. Enquanto ela fazia a revisão, uma aluna se arrastava pelo chão do armário até seu lugar. Quatro alunos não haviam aberto o caderno. Márcio gesticulava e conversava bastante. Atos sentava para o lado. Ela escreveu no quadro: 1. Escreva a fração correspondente em sua forma mais simples. a) 40% b) 25% c) 50% d) 20% e) 73% Enquanto a professora resolvia a letra A, muitos prestaram atenção. Porém ela sempre repete a mesma atitude: deixa que eles trabalhem sozinhos demais. Percebo que é necessário deixá-los mais separados uns dos outros e por mais vezes, ela deveria fazer as atividades juntos com os alunos. Assim eles concentrariam mais. Quando ela dá uma atividade para que eles façam sozinhos, muitas vezes o que acontece é ela ir até a mesa de algum, dar atenção especial e o restante da turma fica conversando ou fazendo outras coisas. Dia 05/07 - Aula de Inglês – Professora Cláudia

A professora iniciou a aula fazendo uma revisão da matéria, era dia de avaliação. A turma permaneceu em silêncio enquanto faziam a prova. Ao terminarem, a professora começou a corrigi-las em sua mesa e ia chamando cada aluno para ver a correção de sua própria avaliação. A prova realmente estava simples, mesmo assim o tempo dado aos aluno para faze-la foi menos de 10 minutos. P-Cloudy? Cloudy? A-Chuvoso! P-No! A-Nublado. P-Exatamente! Sunny? A-Ensolarado! Sol! Sol!

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P-Rainy? A-Chovendo! P-Chuvoso. Cuidado para não misturar as estações de tempo. Spring? O que é spring gente? A-Primavera. P-Oh turma dos bem educados, vamos cooperar? Roberta, por favor! Oh Márcio! Arreda para trás um pouquinho para o Gustavo arredar e dar sossego! (...) A-Que dia é hoje? P-Hoje são 05 do 07. Olha aqui! Prestem atenção, lembrando que eu não tolero conversar na prova. Se eu tiver que marcar a prova de vocês uma vez, ao invés de valer 10 vai valer 5. Na segunda vez já é 0. Isso pra não dar zero de uma vez. Todos colocaram nome e data? A-Não. P-Laura eu não vou ficar esperando você pegar canetinha brilhante para colocar nome na prova não! Questão 1, eu coloquei aí as ilustrações, vocês vão numerá-las de acordo com a legenda lá em baixo. Prestem atenção em quais parentes que pertence àquela figura. Na questão 2 a figura é a mesma para todos. Quero respostas completas em todas as frases. Não é para fazer agora Atos! Eu coloquei todas as ações que vocês vão precisar. Só fiz uma coisa. Dá licença Lucas! Essa vai ser a última prova que eu coloco esses quadradinhos lembrando ações, lembrando as coisas. No 3º e 4º bimestre eu sugiro que vocês acompanhem mais as aulas sem brincadeiras. Porque se eu fizesse essa prova do jeito que tem que ser vocês não dariam conta. Sabe porque? Nem todo mundo lembra da estrutura, nem todo mundo escreve da forma certa e vocês sabem que eu já tiro ponto com palavra escrita errada, então prestem atenção! Eu quero frases completas, com a ação correta. Questão 3 e 4. Dá licença Carla! Dá licença Márcio! Tem que colocar o nome das clothes. A última questão: completar com a palavra correta. Aproveitem essa prova fácil é a última. A-Nossa, que que é isso! A-Tá muito fácil! A-Que paia! P-Silêncio agora tá! Pronto posso recolher? A-Nossa!!! P-Hum tá fácil a prova? Daqui no máximo 15 minutos todo mundo já vai ter acabado, só que eu vou recolher em ordem alfabética e quero que todo mundo confira antes de entregar. Porque depois que entregar chega um e fala: deixa eu ver? Não dá? (menos de 1 minuto depois).Só para eu ter uma idéia, levanta a mão quem não acabou. Posso recolher?1,2,3 todos colocaram nome e data?-Tudo bem Renan? A-Jóia! P-Quem tá conversando aí, por quê? Nessa aula, percebe-se melhor como Cláudia, por vezes, é ríspida com os alunos.

Além disso, com essa aula surgem questionamentos: Por que os alunos não dariam conta de

fazer uma avaliação, como ela mesma diz, da forma como deveria ser feita? As avaliações de

Inglês não cobram o que deveriam? Poder-se-ia dizer que os conteúdos de Inglês estão aquém

do que é esperado? O currículo real está de acordo com o currículo proposto?

Dia 09/07 - Aula de Geografia – Professora Rosa

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A professora Rosa de 13h10min às 13h50min ficou conferindo quem entregou o trabalho de Geografia. Em alguns casos, os alunos não haviam entregado. O trabalho vale 10 pontos e alguns alunos não sabiam onde estava o trabalho ou disseram que não fizeram. Pela 1º vez a professora me pediu para desligar o gravador, pois gostaria de chamar atenção dos alunos. Nesse momento ela pediu que se organizassem em filas e ficassem calados, pois já eram maduros. Nesse momento com o tom de voz alterado. Assim que começou a correção do PC, ela ligou o gravador. A prof. Alcione corrigiu o para casa e em seguida, colocou no quadro algumas perguntas sobre os Jogos Pan-Americanos. Enquanto ela copiava no quadro, a turma, como sempre, conversava e andava pela sala para conversar uns com os outros. O que percebo como grande problema de indisciplina na turma é : - Quando Rosa chama a atenção de um aluno, ela não espera que ele melhore o que está fazendo para parar de chamar atenção. Ela chama a atenção, o aluno continua fazendo o que estava e rapidamente ela faz outra coisa. Com isso, o aluno que ela chamou a atenção continua conversando e andando. - Ela dá muito tempo para atividades que exigem pouco tempo. As três perguntas abaixo foram copiadas em 25 minutos. Será que era preciso 25 minutos para copiar 3 perguntas tão simples? - Ela é muito “boazinha”. Fala delicadamente. Projeto Atualidade Os jogos Pan- Americanos - Roteiro 1. O que é jogos [sic] Pan- Americanos, quando surgiu? 2. Quando iniciará os jogos? 3. – História Às 14h30min os alunos chegaram à sala de informática para pesquisar sobre as perguntas acima. Alguns conversavam bastante, mas a maioria fazia com compromisso. As 14h45min todos foram para a aula de Educação Física, lá eles jogaram vôlei, os times eram divididos por sexo. No 1ª momento, os meninos jogaram entre si e no 2º momento as meninas jogaram.

Percebe-se que, pelo menos nesse dia, a indisciplina incomodou a professora e que ela

teve receio de chamar a atenção dos alunos com o gravador ligado. Será que o uso do

gravador, na pesquisa, reforçou a indisciplina da turma, com a hipótese de que Rosa tinha

receio de ser gravada repreendendo os alunos?

Abaixo, mais um trecho de demonstração de deboche dos alunos.

Dia 10/07– Aula de Português - Professora Rosa

P-Vamos fechar, Gustavo Chiii! Escuta aqui uma coisa, nós vamos convidar uma salinha para o nosso chá na sexta, tá? Vai ter refrigerante, biscoito, bolinho tá? Nós vamos mandar o bilhetinho ta ok? A-(muita conversa ao mesmo tempo).

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A-Vamos chamar os meninos do maternal, eles comem pouco!

Dia 13/07– Conversa (não planejada) com a professora– Aula de Matemática - Professora

Rosa

Foi possível uma conversa com a professora quando ela cedeu o horário para que os

alunos brincassem com uns jogos que trouxeram. Nesse dia, iam finalizar um projeto. Os

alunos trouxeram lanches que colocaram na mesa da professora. Enquanto eles brincavam,

alguns do lado de fora da sala, a Rosa pôde conversar com a pesquisadora sobre alunos com

NEE. Quando a conversa estava para iniciar:

P-Renan até agora não teve briga. A-Escola. A-A gente tá queimando folhinha, pode? P-Queimando??? A-É. P-Não brinca com isso!! A-Um só professora, não faz fogo, só queima a folha. P-Não pode fazer isso! A-Tá bom professora, come aí. P-Se cada um come um negócio, na hora da festa não tem nada. A-Pode não, pegar folha? P-Se pegar fogo aí, como é que eu faço?... Eu estava com problema na turma da manhã de meninos que vieram da 4ª série um cutucavam o outro. Aqui eles brigam mais é de boca a boca. Os alunos estavam fora de sala queimando folhas das árvores, mais uma demonstração

de falta de limites e autoridade da professora que, apesar de ter ficado surpresa, não teve

nenhuma outra atitude.

Como houve uma discussão entre dois alunos, a conversa iniciou-se com outro enfoque: Pesquisadora-O que você faz? P-Eu separo a briga, converso com um e com outro. Nós estávamos trabalhando identidade, autonomia, então é colocar autonomia. É conversar com o aluno porque está brigando, conversar com os dois juntos, então ali eles têm que conciliar a briga, você não pode tomar partido tá, porque daqui a pouquinho eles estão se abraçando, né? Agora briga dentro da sala de aula, a mãe e o pai têm que ficar cientes. Pesquisadora -Quais as dificuldades do Robson e Márcio? P-Tomam remédio, Ritalina, eu tenho sete de manhã, o Robson era um. O efeito é feito a tarde, ele tá mais calmo, de manhã era muito agitado. Ele é muito falador, você põe na cadeira, de vez em quando ele sai, mas ele fica, o Robson não dá conta do corpo e nem

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da fala, ele fala alto e atrapalha, ele não deve dar conta de acompanhar o grupo. Ele é muito manipulador. Ele chega pra menina e fala: olha ele tá falando mal de você, aí você vem tirar satisfação comigo. Ele fala: não falei isso não. Com os meninos ele adorava fazer isso, aí era aquela briga dentro de sala. Quando os meninos perceberam isso, teve um dia desses, o pai do Glauber tava lá fora, aí o Robson chegou e caçou briga, o pai veio aqui dentro da escola atrás do Robson, bravo. O Robson foi pra coordenadora, o pai pediu pra sair. Depois o pai arrependeu, não pode tomar partido. Pai e mãe têm que ter muito zelo. Pesquisadora -Vocês pensavam eu alguma estratégia pra ele e pro Márcio? P-Na realidade, o Márcio tá perturbando muito e a proposta da Mércia (professora que saiu de licença). Pesquisadora -A Mércia era a professora? P-Era, a Liliane a coordenadora, a Márcia pediu o seguinte, tomasse cuidado com ele, o Igor. Pesquisadora -O Igor é de manhã, mesmo perfil dos meninos? P-É agitado. Só que não deu certo, eu tinha muito mais meninos, eu tinha 23 ela tinha 15. A Anita era minha também. Você já viu que ele trabalhou muito em grupo, em turma, essa é a questão de trabalhar a dificuldade. Pesquisadora -Você acha que melhora? P-Tem o próprio jeito de pensar a linguagem parecida, ajuda sim. Nesse momento, começou uma briga entre Robson e Márcio, no fundo da sala. Não foi possível entender porque a briga começou, mas parece que Robson queria contar algo faria Márcio se chatear. P-O que ele assistiu? A-Assistiu. P-Oh Robson!!. A-Professora, você não vai dar aula não? P-São jogos, a Regina vai liberar a sala. Robson vem cá, por favor, você gostaria que fizesse assim com você? A-Eu não ia contar não, é brincadeira! P-O Robson tá contando tudo? A conversa continua. P-O Pedro não identificava com ninguém, aí a Liliane começou a fazer dinâmica em grupo e comentando a questão já melhorou muito, hoje o Márcio Henrique tem vários amigos, e agora o Robson já melhorou muito à tarde.A prova de História, o Gustavo enrolou e não fez nada, foi pro recreio eu fui atrás. Pesquisadora -E ele fez depois? P-Faz, faz. Pesquisadora -Quem você acha que é o caso mais desatento? P-Bruna é espertinha. A-Professora, peça uma bola pra nós? P-Já pedi.Quando o aluno dá problema novo, vai no histórico dele, a escola digita tudo, tudo que você leva ela digita. O caso do Israel é igual ao Gustavo, só que o Israel tem problema, ele já operou várias vezes a perna, eu já comentei que às vezes ele fica irritado porque sente dor, inclusive ele vai operar no final do ano, ele toma remédio e presta atenção nas aulas. Eu peço a ele pra responder alguma coisa, o para casa ele responde, corrige, mas às vezes ele não quer saber de fazer nada. A minha estratégia que

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passei pra Flavinha (supervisora do turno da manhã), ele tá brilhando. Os meninos estavam isolando ele também, porque não faz as atividades, comecei a fazer grupo com ele, ele fazia sozinho, o Robson também fazia sozinho, a Raquel também, porque ninguém queria ele, agora ele tá enturmando no grupo. O Israel eu falei, o Israel foi precisando de ajuda e nós vamos ajudá-lo, ele não presta atenção, não tem motivação porque ele fica sozinho, aí eu fui lá e conversei com o Israel você é o melhor, é inteligente a partir de hoje você vai sentar com o Paulo, os dois começaram a fazer trabalhos juntos. O Paulo é muito consciente ele, é justo.

Com essa conversa, vê-se que há alunos excluídos na turma e outro, no turno da

manhã, como exemplo de NEE com tempo limitado. A outra curiosidade é: em 23 alunos, na

manhã, sete tomam Ritalina com diagnóstico de TDAH. Será que eles já chegaram à escola

assim ou foram indicados por ela? Desde quando? Seria essa porcentagem normal para uma

turma pequena?

Dia 07/08 - Aula de Geografia – Professora Rosa

A professora Rosa fez uma votação para eleger 2 representantes de turma. Em seguida cada aluno falou o que poderia ser feito para que a turma melhorasse. Eles falaram: menos palavrão e apelidos, mais respeito e educação, não gritar, não falar alto e etc. Percebo que a professora Rosa e a coordenadora Liliane têm boa vontade em intervir na falta de disciplina da turma, mas algo não dá certo e a turma não apresenta avanço. Em seguida, a professora pediu para que abrissem o livro de História na página 104 para corrigirem o Para Casa, no entanto, a gritaria começou. Neste momento o aluno Robson (aluno novato que veio da turma da manhã, assim como Márcio, também, tem o diagnóstico de TDAH e faz uso de Ritalina) questionou que uma aluna não estava fazendo algo correto, porem gritou para dizer o que queria, com isso a professora chamou atenção de Robson. Então ele se exaltou e disse que a professora não vê nada de ninguém, somente o que ele faz de errado e disse ainda que o que a Liliane estava tentando na turma não dará certo e nada adiantaria. A aluna Raquel ao ouvir Robson, confirmou o que ele disse. P-Sua vez, Robson! A-Bruna! P-Não, o Felipe, não é sua vez de falar! A-Bruna tem H no final? P-O Robson, menos tá! A-Professora, deixa eu votar P-Não, já passou a sua vez. Só um minutinho, cadê a postura Felipe? A-Maria. P-Você Lucas! A-Bruna! P-Você Larissa! A-Bruna. A-Risos. A- (Muita gritaria)

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(...) P-O que você está fazendo aqui na frente? A-Ui!!! P-Você Márcio Henrique, você votou na Maria. A-Gritaria. A-Você fica quieto aí. P-Agora seu voto está em branco. Dá licença Márcio Henrique, dá licença! Não, não vale, Felipe, não adianta. Márcio Henrique você é um menino que sabe, é responsável e tem reflexão, sabe fazer reflexão. A-Tá vendo! P-Então você é capaz de decidir um menino e uma menina, escolher. A-Dá linceça. A-Bertinho e Anita. P-Oh Breno, vira pra frente. A-Bertinho mais Maria Luiza. A-Ôh Felipe, ninguém está votado em você, porque você se acha. (...) P-1,2,3,4,5. Atos, todo mundo tem direito de votar em quem quiser, ninguém precisa, imagina eu votar lá, você sabe no dia de votar. A-Sabia! P-Não pode, ninguém vendendo voto na porta. A-Tem direito! P-É proibido. A-Quem quer comprar voto de mim? (deboche) (...) P-Oh, Carla! Oh Atos, Felipe, Gustavo da licença! Gustavo dá licença um pouquinho. Pode falar Maria Luiza. Breno da postura da sala, diante das rodinhas, ontem mesmo a Liliane veio aqui na sala e fez uma rodinha, o que que você observou? O que está faltando melhorar? Postura, educação. A-Cala a boca! A-Educação. P-Educação e respeito, coloca aí Maria Luiza. (...) P-Felipe pode falar. A-Diminuir a conversa. P-Diminuir não, parar né? Só isso Felipe? Gustavo. A_Nao sei. P-Robson. A-Parar com esses apelidos mamãe sou gay. P-Põe aí, Maria Luiza apelidos. A-Manivela. A-Nariz de tucano. P-Não precisa citar exemplo. A-Parar com apelidos desagradáveis. A-Prestar atenção nas aulas. Há um esforço da supervisão e da professora em solucionar as questões sobre

disciplina e relacionamentos na turma, porém até o final das observações não houve

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conquistas notórias. Ou seja, a forma como a escola tem tratado esses comportamentos ainda

não é suficiente para solucioná-los.

Dia 14/08 - Aula de Teatro – Professor Caio

P-Vamos lá então! Pra sala de informática passar o texto. P-Aqui, ô vocês três, aqui outro computador ó! A-Caio eu cheguei primeiro do que ele. P-Vamos rápido se demorar não dá! Aqui ó, ali ó. Pode começar então. Começou? A-Não, tira não! P-Não tô tirando não, meu amigo, tô colocando um em cada computador, qual que é a bronca? Ah, que isso! Gustavo pode começar. É pra falar, lê bem alto para todo mundo ouvir. Oh gente, nós vamos fazer uma abertura que é como se tivesse no teatro, lê alto. A-Todo mundo em silêncio! P-Começou! [Neste momento, a turma lê, cada um a sua fala de uma peça de teatro, aqueles que, por vezes, liam alguma palavra errada, o professor não fazia nenhuma intervenção. O professor de Teatro se mostra rígido, sem ser grosseiro com os alunos. Dessa forma,

consegue um ambiente propício para o ensaio da peça de teatro.

Dia 14/08– Conversa entre pesquisadora e professora – Aula de Matemática - Professora

Rosa

A seguir, um trecho da conversa com a pesquisadora iniciada de maneira espontânea, e

logo em seguida, a professora Rosa introduz um novo conteúdo. É importante observar o que

ela fala sobre a importância do livro para a construção do currículo e como as provas são

confeccionadas para todas as séries da Rede.

Após a conversa ela introduz uma matéria nova, porém de forma muito rápida e

sintética e depois, como de costume, passa de mesa em mesa individualmente tirando as

dúvidas.

As falas abaixo são todas da professora Rosa com a pesquisadora.

P-Todo esse planejamento tem que tá combinado com o livro didático. Português e Matemática tá aí. Ta faltando a Ética. Agora esse bimestre já mudou tudo. Como eu sou novata eu fico com esse aqui. Porque você tem que ter alguma coisa de garantia. P-Ali Robson, o Lucas, Pedro, Felipe, senta, por favor. P-Eu fiz do bimestre todo, encaixei todas as aulas, porque o calendário deles já marcaram as provas, então você tem que acompanhar o livro tem que bater com a avaliação, pode terminar antes? Pode? A prova que você faz, todas vão fazer, aí a Graça

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vai puxar, vai selecionar, assim a questão que a outra fez, que a Rosa fez é uma prova só. Quando você for aplicar essa prova é o nosso questionamento. (...) Nós temos que seguir o livro, é um grande monitoramento. Aqui terminou e eu vou lançando as aulas. Isso aqui são minhas aulas que estão na grade de monitoramento. Eu faço isso por semana. Aqui eu já fiz todas as aulas de História, Geografia, já fiz algumas de Português, algumas de Matemática já estão no planejamento. Então não mudei não. Isso aqui é que vai constar no nosso diário de classe encaixado, meu diário de classe é dessa grossura! O livro de leitura deles que é o projeto vai ser O escaravelho do diabo. O meu diário de classe tá falando quantas aulas tem que ter o conteúdo, o meu planejamento tá na secretaria. Esse bimestre eu não dou mais 60 aulas de Matemática, dou 40, nós vamos terminar o livro, no 4° bimestre nós vamos fazer só revisão. Consta no diário de classe todas as informações que a Edu passa para o professor e lá fala provas, quantidades de provas, como que é lançado essas notas. É dividido Português, quantas aulas eu vou ter. Aqui eu escrevo o conteúdo e o para casa que eu dei. E nós temos referente o livro didático porque os alunos têm referente o livro didático, se eu extrapolar eu tenho que dá o material dos alunos. Na prova é só o livro didático, foi questionado isso, eu coloco toda matéria que eu vou dar. Elas (supervisoras) estão lançando matéria, faltam, elas olham o livro, olham as aulas que os professores deram, conferem tudo. Então o meu e o da Mércia estão lá. A Graça tem tudo no computador dela. E ali que é a nossa base. Agora para os alunos: P-Prontinho gente vamos começar. A-Não. Não. P-Quem terminou? A atividade de História eu vou deixar pra corrigir. Oh Atos depois, porque a Liliane tomou uma aula nossa senão, não vai dar pra eu cumprir a parte de Português também, e de Matemática antes de vocês começarem. Breno, quando começarem o exercício de Matemática eu quero fazer um questionamento com vocês aqui no quadro, prestando atenção. Nós vamos estar trabalhando com circunferência. Márcio Henrique, presta atenção aqui, vocês não tem dúvidas depois. Espera! Oh, quem já viu uma esfera? Como é uma esfera? A-É uma bola. A- Uma bolinha. A-É um círculo que não é perfeito. A-É oval. P-Não, Maria Luiza porque você mencionou uma bola de futebol? A-Porque a bola de futebol é redonda como uma esfera. P-Alguém mais? Quem mais? Mais um exemplo. Márcio Henrique um exemplo. Aqui na sala existe alguma esfera? A-Não. P-Não, ela não é tão redonda assim. Não, não é não, porque Maria Luiza citou a bola de futebol? O Atos citou uma bolinha de gude. Márcio Henrique, tô percebendo, dá licença. Presta atenção! Atos mencionou que a bolinha de gude é uma esfera. A-Roda de carro. P-Não, roda de carro não é uma esfera. A-A roda de carro não, não é? P-Esfera é um sólido? A-É. A-Rolimã. P-Isso rolimã. E aí, a esfera eu sei que ela é sólida e o círculo?

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A-O círculo é uma região plana. P-Vão ver, aqui na sala tem um círculo? P-Relógio, não ele faz um movimento, então beleza, tá, o círculo é só sólido igual à esfera. A-Não. A-Não. P-O formato é diferente agora. A-A pilastra. P-A tá cilindro e círculo, tem diferença entre figuras planas. Agora é uma circunferência. O que, que é uma circunferência? A-É um negócio, o círculo é um contorno. P-Quais são os objetos aqui na sala que podem falar que é uma circunferência? A roda da bicicleta é uma circunferência. A-É. P-Um bambolê? A-É. P-A circunferência do relógio, a parte cinza. A-O anel. P-Vocês viram isso? Vocês viram que existe, Atos! Vocês viram que existem diferenças entre círculo, circunferência e esfera? A-Existe. P-Existe não existe? Alguma dúvida ficou uma dúvida? A-Não. P-Então vocês vão fazer pra mim o exercício da páginas 186 e 187, dúvida gente, levanta o dedo que eu vou na mesa explicar totalmente pra tirar as dúvidas.

Pode-se notar que a explicação de um novo conteúdo foi muito rápida e logo já

ficaram em grupos fazendo exercícios por muito tempo, com a professora dando um auxílio

individual para alguns É importante ressaltar que o auxílio individual dado por Rosa é uma

excelente estratégia para a inclusão de alunos, que precisem realmente de atenção

individualizada. Este comportamento é louvável, o problema, porém não está na atenção

individual, mas sim no caos que a sala de aula se torna, enquanto essa atenção é dada. Um

aluno ganha a atenção para si, porém o restante da turma anda pela sala e conversa bastante.

Abaixo segue o trecho da atenção individual da professora Rosa para alguns alunos,

após a explicação da matéria.

P-Não, isso é diâmetro e raio sempre aqui. A-Sempre no grande. P-E pegar no meio que é no ângulo. Quanto tá marcando? A-130. P-130 graus não, tá errado, é no pequeno tá? Direção, só vamos aprender certinho. Aqui tá o ângulo, pega o transferidor, tá vendo o risquinho? Você encaixa no ângulo, quanto deu? A-90 graus. P-Todo ângulo reto ele tem 90 graus. Então vamos pegar esse ângulo aqui. A-110.

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P-110. Olha aqui, pegou aqui no ângulo, todo ângulo reto tem 90 graus, aumentou, ele tem mais de 90° né, tem 110. Vamos pegar o menor. Vamos sentar os dois!!Que falta de respeito Felipe, faz o favor! Tá escutando Felipe? Eu não gostei, você me desrespeitou. Ai é comigo Felipe. Felipe faz o que você tem que fazer, não preocupe com os outros. Como você explicaria uma circunferência? Vamos lá Maria Luiza, deu para entender? A-Deu. P-Alguém tem dúvida quanto o conteúdo do transferidor? Trabalha com transferidor. A-Professora, como você sabe se são 90°? P-Me dá o transferidor. A-Tá em casa. P-O que Atos? Tem tanta coisa, tem prata, tem um círculo, é moeda o que mais.Você que não veio na aula, aqui é um ângulo reto, toda vez que eu fecho o ângulo eu formo. A-Um ângulo agudo. P-Toda vez que eu... Raquel!! A-O que é diâmetro? P-Diâmentro é uma reta em qualquer ponto do círculo e corta o raio, não, ele vai de qualquer parte do círculo até o centro. Tá prontinho. Aqui é um ângulo reto 90º quando você fecha é agudo, quando é agudo, a numeração dos ângulos é abaixo de 90º e quando eu aumento o ângulo ele é um ângulo obtuso, a numeração vai aumentar ou diminuir? A-Maior. P-Maior. É quando ele fica reto quanto ele mede? 90 + 90. A-180°. P-Me dá um rascunho, esse livro é seu? Vou fazer vários tamanhos. Presta atenção Fernanda, vai assentar! A-Cala boca. A-Não tô gritando. A-Tá entendi, entendi. P-Vocês tem dúvida ainda pra manusear o transferidor?

Dia 21/08– Aula de Teatro – Professor Caio

Durante o ensaio da peça, Gustavo conversa e se distrai com Bruna, então o professor Caio pegou Gustavo pela mão e colocou-o em outra cadeira. Sem dizer nada. Pedro fez uma leitura lenta e sem entonação de sua fala, então ao terminar, o professor pediu que fosse para casa e... (uma aluna disse “aprendam a ler”), porém o professor disse que o recado era pra todos e que deveriam ler o texto em casa. Após o recreio, a professora Rosa levou 25 minutos para conseguir iniciar sua aula, devido à indisciplina dos alunos. Neste trecho e nos dois abaixo abaixo, há demonstrações de como Rosa sente

dificuldades em fazer com que a turma se concentre nas atividades, além de, em alguns

momentos, não ser respeitada quanto ao pedido do aluno para sair da sala.

Dia 24/08– Aula de Matemática - Professora Rosa

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Os alunos estavam assentados em trios e duplas e fazendo os exercícios das páginas 229 a 231 de Matemática. A turma estava tranqüila, fazendo a atividade. Enquanto a professora corrigia a atividade, a aluna Raquel ajoelhou na cadeira, colocou a palma das mãos no chão e ficou com a cabeça para baixo e, dessa forma, com a força dos braços, Raquel arrastava sua cadeira para frente e para trás. Ainda assim, percebo que hoje a professora está mais enérgica e conseguindo controlar melhor a indisciplina da turma. Dois alunos estavam debaixo da mesa da professora durante a correção do para casa de Ciências, ela perguntou a eles se gostariam que ela pegasse suas agendas.

Dia 30/08– Professora Rosa

A – Pode ir ao banheiro? P – Não. (Porém o aluno foi assim mesmo) A – Hoje vai ter muito para casa professora? A – Planejamento da 5ª série de manhã, Redação, 7 e 8, Matemática primeira aula, Ciências, filme. Terceira e quarta aula. Terça-feira, 28 do 08, Matemática, primeira aula. (aluno lendo o planejamneto da professora na mesa dela) A – Professora, o Robson já voltou, posso ir? P – 1, 2, 3, 4 e 5 . Vamos assentar que eu tenho um trabalho pra entregar pra vocês. Anotem na agenda pra mim rapidinho.

4.3.2. Um panorama da 4ª série

Observa-se que a 4ª série tem um perfil diferente da 5ª. A 4ª série mostrou-se uma

turma bem participativa e mais tranqüila, em relação à disciplina. Os alunos gostavam de

falar, contar casos, responder em voz alta e ir ao quadro, nesses momentos, apesar da sala

parecer agitada, todos se concentravam em uma mesma tarefa.

A professora Sandra parece ser uma professora bastante enérgica, ela não permitia

conversas, que não fossem sobre a aula e, a qualquer sinal de distração, de algum aluno, ela

logo intervinha. Exigia a participação de todos e não deixava um minuto livre. Todo tempo

era aproveitado. Mais adiante há comentários de Sandra sobre isso.

O trecho abaixo registrado é longo, porém demonstra bem o cotidiano dessa turma.

Dia 18/06 - Aula de Matemática – Professora Sandra

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P-Vamos para a segunda figura. Quantos tem de cada lado? Cada quadradinho é um cm. 2 aqui, 2 aqui e 2 aqui. A-Professora! (...) P-4 então são 4cm². Um momentinho! Marina, qual a sua dúvida? A-Um monte. P-Um monte? Então vamos por parte. Medida do lado? Ah, tá bom, espera aí! 1,2,3,4. Façam isso rápido. A-Professora, deixa eu falar de novo? A-Professora! P-Deixa a Marina falar de novo! A-Aí professora, porque aqui o primeiro é quatro, é para ser o primeiro? P-Não filhinha, o perímetro é 1 mais 1 mais 1, é a soma dos lados. (...) A-Vou beber água. Pode? P-Pode. (...) P-Como nós vamos fazer para calcular cada lado? A-Com a régua? P-Medir com a régua, nós vamos pegar a régua e medir. A-Não. P-Oh Sílvia! Clara concorda? Sílvia concorda? Façam aí rapidinho. A-14,14,14. P-Agora vocês podem fazer.Vocês vão desenhar, vocês vão desenhar um jardim que é representação. A-A representação (deboche). P-É um losango de 14 mts. Aí vocês vão escolher uma medida. A-Eu vou colocar 2. P-Ah boquinha! Você não concentra no exercício, tem gente falando demais. A-Gente, faz assim. A-Vamos fazer o desenho. P- Sílvia pára de falar. Na verdade A era só para fazer o desenho. Marina você vai levantar a mão, vai ouvir tudo. Tá combinado Marina? A-Professora, eu tô desenhando. P-Seja rápido, Marina, você não entendeu? Carlos, Cíntia e Marcelo. A-Olha o meu desenho. P-Guto aqui são dois, olha bem, cada picolé vale quanto? Cada pauzinho de picolé vale quanto? Continua Guto, olha bem cada palito não é de 3 cms, vale quanto? David ao trabalho. Você já calculou? Pode fazer, tá? Leia de novo o probleminha porque você não leu. Não, você não leu, tenho certeza que não. Sílvia entendeu porque deu 21? Quem tá certo, Sílvia ou Cíntia? 1X3? A-3.1X1 cms ou palito? É evidente. É cm mesmo. Cada palito vale quanto? P- 7cms de comprimento, turminha, então vamos lá! (...) P-Como vamos colocar isso na prática, comprimento com o ou com u? Primeiro da fila. A-O. A-Calma professora. P-A 16 vocês vão fazer sozinhos. Vão fazer sozinhos a próxima etapa. A-Cadê a borracha?

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Sala em silêncio, algum tempo depois. P-Vamos lá gente. A-Não, não. P-Terminam rápido. Pronto David? A-Não. P-Pronto Fernando, alguma dúvida? Vitório? A-Não. P-Tá bom, vou dar mais uns minutinhos (sala silenciosa).Pode abreviar, não tem importância não. Manoel vai lá e chama Sílvia, fala pra ela voltar.Vitório lê pra nós a questão 3. (...) P-Resolva sozinho a questão 1 a 2 não (longo silêncio). Anda Sílvia (após um silêncio).Vamos lá! A-Espera aí! (silêncio) P-Dá quanto? A-36. (...) P-Gente, pra calcular a área o que tenho que colocar? A-Professora. P-Cm o que? A-Quadrado cm. P-Na pergunta eu pedi a resposta em cm. Duas falando como é que eu vou ouvir? A-Tem outra forma de calcular a área. P-Não tem quadradinho, aí dentro você vai aplicar uma fórmula aí, o exercício da apostila que não foi feito, vocês vão levar para casa. A-Professora qual é a resposta da área? A-Deixa eu falar? P-Perímetro. Gabriele, ali Gabriele. Bom, então agora vocês podem guardar a apostila. A-Professora, eu não fiz esse não. A-Eu fiz diferente, professora, eu coloquei 2X2. P-Ok.Ok. Nesse momento, os alunos foram assistir a uma peça de teatro, no pátio. P- Quem escreveu essa peça, os Saltimbancos, foi Chico Buarque. Chico Buarque que escreveu essa peça Saltimbancos, quem estiver com o sol no rosto sai do sol. Sabe quem vai apresentar essa peça para nós? A-Não. Eu. P-É o grupo de teatro de pais aqui da Edu. A-Cíntia. P-Começou, turma, silêncio. Começou, começou o teatro. Percebo que a Edu é uma escola que valoriza muito a cultura. Não é comum uma escola ter grupo de teatro de pais. Assim que a peça terminou , a professora voltou para a sala, porém são reuniu a turma. Os alunos vieram aos poucos depois. Não houve comentários sobre a peça, a professora perguntou quem gostou e pediu para que pegassem o texto. Então começou o

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debate sobre o texto:“José Peralta que, quando arava, tocava flauta”35 e na hora do debate, eram os mesmos alunos que falavam, faziam seus comentários e contavam casos. O debate girava em torno de ajudas, esmolas, mendigos, humildade. A professora comentou que nem sempre os pobres e mendigos são humildes e que a humildade não está em uma única classe social. Os alunos contaram muitos casos.

Todos disseram a frase “O plantio é livre, a colheita é obrigatória”.

Na aula lida, pôde-se observar também como os pais são presentes, nesse dia o grupo

de teatro dos pais de alunos, apresentaram uma peça para o Ensino Fundamental I e a

Educação Infantil.

A próxima aula é de Educação Física, o professor estava tendo muitas dificuldades em

conseguir ensaiar a quadrilha. Nessa turma a dança ia ser em trios e, ao final do ensaio, que

não obteve sucesso, a turma começou a dizer que não iria à festa.

Outra observação sobre a quadrilha e o currículo, é que a quadrilha, às vezes,

demonstra ser um item do currículo que, em alguns momentos, tanto para o professor, quanto

para o aluno não é prazeroso e muitas vezes não tem sentido.

Dia 25/06 - Aula de Educação Física – Professor Rodrigo

P-Os dois. Você pega na mão do André, todos para o mesmo lado. A-Não vou pegar não. P-São dois, faz uma corrente um pra lá e outro pra cá. A-E um pega na mão do outro. P-Mão pra fora. É assim você dá a mão pro Manoel. Dá a mão pro Vitório. Solta a mão, dá a mão pra ela. Entendeu? Entendeu aqui? Oh, pronto Davi? É o contrário, o contrário, outra mão, pronto, é a outra mão. Olha todas as meninas estão no centro aí? Sílvia! Sílvia! Vamos Sílvia! A-Ela não quer pegar na mão. (...) P-O gente eu tô preocupado, a dança de vocês é mais difícil porque é de trio. A-Então vamos. Pode ser de country? P-Vamos direto pro carrossel. Vai melhorar. A-O Paulo puxou meu cabelo. P-Clara, cadê ela? A-Ela tá chorando, falou que não quer. P-Porque? Cadê a Clara? A-Vou chamar. P-A Clara acha que estou por conta dela. A-Ah, eu queria uma brincadeira mais legal! 35 Ver anexo 3.

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A-Tudo. A-Sílvia tá lá. P-E a Clara? E a Clara? A-Quer que eu vou lá? A-A Clara tá chorando. A-Verdade. P-Faz a fila na sombra aqui, oh. Fila na sombra meninas, fila na sombra! Fila na sombra!Segunda da fila. Sílvia fila na sombra. A-Fila na sombra. P-Ricardo e Fernando já estão aqui. Vou falar rápido. Vou pular a parte que está certo e passar para que está tentando fazer na sombra, mas vocês têm que ajudar pra ser na sombra. Pode entrar, estou esperando só vocês. Vamos para sombra! Eu vi que o sol está atrapalhando. Pegou o braço do seu trio. A-Do meu primo? P-Pegou o braço do seu trio ou da sua dupla. 1,2 se não prestar atenção em mim vai ficar mais chato do que já está. Mas eu sei, é porque estamos no sol. (...)

A-Nossa, que trem chato! (...)

P-Exemplo, eu vi você fazendo. Então vocês têm que concentrar na dança se não, não sai. Não sai se não concentrar. Hoje aqui acabou nossa aula e o que nos fizemos? A-Nada, nada. P-Nada. A-Começou alguém fazendo gracinha. P-Quantos passos nós fizemos? Só esse, nós paramos nesse. O túnel é super difícil, faltou o túnel, faltou também o caracol. O caracol nem preocupa mais, o caracol vocês sabem. O Caracol vocês sabem. Agora o túnel, o túnel tava confuso. A quadrilha ficou pequena, eu tenho que pôr mais passos, eu vou pôr o carrossel e acabou. Esse carrossel ficou fácil, eu vou fazer ele. A-Professor. Hoje ficou difícil também porque faltou gente. (...) A-Ficou muito bagunçado. P-Agora, quarta feira nós temos que acabar com isso de qualquer jeito. Aí, na outra semana pode jogar, quarta feira gente, nosso horário é o. A-Primeiro. P-Primeiro? A-É. P-Pode começar até mais cedo. Podemos descer, ensaiar e depois jogar. A-É. P-Se der certo o ensaio... Eu acho que quando vocês põem na cabeça que vão jogar, vocês ensaiam melhor. Vocês hoje iam jogar mas ninguém pensou nisso. É bom andar rápido pra jogar. (...) P-Vamos quarta série, todo mundo tem que chegar junto. Vamos embora! Vamos embora que eu tenho outra aula. A-Professor eu acho que eu não vou vim não. P-Não, você não tem compromisso não? A-Eu não vou vir na quadrilha.

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A-Eu tenho compromisso com a quadrilha (deboche) P-Compromisso!! A-Eu tenho compromisso de ir no cinema. (deboche) A-Eu tenho um aniversario pra ir. P-Oh gente, (comentando com Sandra) você acredita que tem gente dizendo que não vai dançar mais?

Quanto aos ensaios de quadrilha, observa-se que apesar de fazer parte do currículo da

escola, nem todos os alunos gostam e, por vezes, o professor demonstra dificuldades em

seguir o que foi proposto, já que nem sempre é uma atividade interessante para os alunos.

Dia 25/06 - Aula de Português – Professora Sandra

P-Folheto serve pra quê? A-Divulgar. P-Alertar a população sobre algo, informar a população. Marina menos, por favor, né! Seu Léo, a resposta tem que ser clara. Vitório!. A-(lendo baixo) P-Fala Fernando!Luciano, olha bem, uma notícia também transmite informação. Ela divulga algo que aconteceu. Carlos, olha aqui folheto serve para...Explique com suas palavras agora lê de novo. Luciano, vamos lá! Lembra, Luciano. Nós comentamos isso na quarta-feira, essa raiva é doença, tá dizendo aqui que um animalzinho com hidrofobia, mesmo sendo mansinho... ele corre o risco de ficar perigoso com essa doença, fica feroz e fica agressivo. Se você colocar que ficou uma fera você esta repetindo a frase, não está dando explicação. A-Professora, posso falar? P-Ricardo, leia o que você pensa sobre isso, é para explicar com suas palavras. Quero ouvir agora uma pessoa que não falou nada da atividade hoje. Sílvia! (alunos riem). Agora é a vez da Brenda, Carlos falou uma coisa interessante, a imagem complementa o texto e ajuda a compreender o cartaz. Uma pessoa que não sabe lê, a imagem ajuda a compreender. Bom a última questão. A-Professora eu quero ler o meu. (...) P-Gente eu tenho que chamar atenção para a ortografia, tem gente usando substantivo próprio com letra minúscula, Belo Horizonte escrevam sem acentuação, sem vírgula, sem ponto, olha isso não é para estar acontecendo mais, e o 3º ponto: a estética. Não põe margem, letra toda garrachada, tudo que vocês vão fazer na vida tem que importar com isso, não é uma letra bordada com carro alegórico, mas tem que preocupar com a beleza e uso da régua. Alguns de vocês estão de parabéns, tiveram cuidado com a ortografia, com a estética do trabalho e, aliás tem gente que está fazendo de qualquer jeito, vale ponto. Vamos para próxima página.

Dia 02/07 - Aula de Português – Professora Sandra

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Eu observo que a professora Sandra tem um bom domínio de turma e os alunos participam bastante das aulas: respondem, vão ao quadro, fazem atividades individuais no caderno ou livro, se concentram e fazem concentrados. A professora cobra silêncio, postura ao sentar na cadeira. Não permite que os alunos se levantem sem motivos ou falem de outros assuntos durante a aula. Ela registra resposta no quadro e anda pela sala. Os alunos ficam sentados em fila . Após o recreio, a turma da 4º série fez a prova de Português. A sala estava em silêncio e cada um fazia sua atividade individualmente. Às vezes, um ou outro ia até a carteira da professora e perguntava algo. Observei que uma das perguntas que muitos faziam era. Qual era o tempo (duração) dos fatos ocorridos? – nº 8, letra c- Passado algum tempo, ela explicou a pergunta.

Ontem 02/07, quando estava indo embora, a prof.ª Angélica me disse algumas coisas importantes sobre o currículo da escola. Ela falou que se a escola fosse dela, não usaria tantas apostilas. Para usá-las ela tem que correr com as apostilas trimestrais e as unidades do livro. Ela acha que como há muitos conteúdos e pouco tempo, tudo é muito fragmentado, aos pedaços. Ela disse que não gostava desse jeito de ela trabalhar, quando trabalhava em outra escola, lá ela não agia assim.

Dia 05/07 - Aula de Inglês – Professora Cláudia

A professora entregou as provas e explicou como fazê-la. Exigiu as carteiras enfileiradas e foi bem rígida e objetiva como sempre. Assim que os alunos iniciariam a prova, 3 alunos levantaram – e foram até a mesa da professora, porém assim que chegaram à mesa, voltaram. Percebo que a professora de Inglês é muito rígida brava e por vezes, ríspida com os alunos. Ela sabe que tem esse comportamento, pois, há 2 dias atrás, eu estava subindo as escadas da escola e presenciei a professora de outra série dizendo a ela que estava em uma reunião com uma mãe e a mãe questionou que ela é muito brava. A prof. da outra série disse que justificou à mãe que uma professora de Inglês só dá aula uma vez por semana e, se ela não for enérgica, a aula não rende. Outras informações assinalam que no dia-a-dia ela é uma pessoa mais descontraída, porém em sala ela é realmente muito brava com os alunos. O que mais realça sua bravura é seu tom de voz. Ela não grita com os alunos, mas sua fala é ríspida e metódica.

Dia 06/07 - Aula de Artes – Professora Dina

A professora fez a auto avaliação com os alunos. Na aula dela, os alunos fizeram também a auto avaliação de teatro. Professora falou para André: “o senhor chega atrasado em todas as minhas aulas, não pode reclamar”. (André chega atrasado pois fica terminando a atividade de sala que os colegas já fizeram) Cláudio também chegou atrasado e a professora disse: “Eh, Cláudio, toda aula heim!”. P- Pra dar tempo de tanta coisa, vocês vão ter que colaborar. Olha só, uma coisa...eu adorei esse novo modelo de auto avaliação. (...) Vocês vão fazer a minha e a de Teatro juntas

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porque é uma disciplina que tem as regras um pouco diferentes das outras matérias da escola. (...0h Gabi, que tal esse pé sair da cadeira agora, né? Isso é falta de educação. Gabi, cravo e canela, presta atenção! Oh, aqui e aqui, sabe por que ficou torto? Por que você está sentada tortinha. Muito bem, esse trabalho esta fácil demais até agora. A- Tá mesmo! (...) P- Ué, José, não tô te entendendo! A- Ele é sempre assim! P- Não, não tem sempre assim não! A- Ele pode mudar! P- É, a pessoa tem sempre que buscar melhorar, né! André, sossega!(...) André, você vai pegar a sua folha. A- Não! Não! P- Eu cansei, falta de educação! Levanta, tô brincando não! Pode sentar aqui e fazer seu trabalho! A – Eu já fiz! P- Ótimo! Sem platéia de circo, tá bom, José? Você é o próximo, tá? Se não respeitar as pessoas, com licença da minha aula! Observa-se que o currículo é transmitido aos alunos de forma diferenciada. Até mesmo

a professora evidencia uma diferença entre as disciplinas de Teatro e Artes e as demais.

Quanto ao aluno André, vê-se que sempre chega atrasado, pois não consegue

acompanhar a turma. Depois atrapalha a aula da professora. Será que esse caso não deveria

ser repensado? Por que ele não acompanha os colegas? Nada será feito em relação a isso?

Dia 10/07 - Aula de Português – Professora Sandra

A-Tem mais nada pra fazer...tem mais nada pra fazer! A -Ah! Sílvia... P- Chega pra cá, senta direito, pega o outro caderno! A- Professora, não é a quatro não? P- Eu mandei guardar o caderno? Você pode muito bem esperar um pouquinho. Por você ter acabado não quer dizer que a sala toda acabou. Você pode muito bem aguardar no seu cantinho em silêncio. Ou então pega um livro e vai ler. Não tem que ficar fazendo fuzuê, não! Daqui a pouco começa a sala toda a perguntar. (...) P- Quem acabou pode guardar o caderno. A- Aí ela resolve dar mais! P- Quem já acabou pode pegar o caderno de Português e pegar aqueles argumentos que vocês escreveram para defender seu ponto de vista.

A professora Sandra é bem ativa e falante. Ela estimula a participação de todos os alunos, mesmo que, às vezes, dê preferência à aluna Sílvia, assim como outros professores. Essa mesma aluna é uma das mais falantes, inquietas e que não espera a sua vez para falar e se manifestar. A Sílvia agita a aula e a turma, a professora chama a atenção, briga com ela, coloca-a para fazer atividade nas mesinhas de fora da sala,

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porém rapidamente ela já dá uma atenção maior a Sílvia e sua turminha (Celma, Camila, Marina). Sandra parece um pouco mais nervosa e cansada do que no mês passado. Não sei se é porque estamos no final do semestre, ou se o jeito dela é esse, e não era tão manifestado no início da observação. Porém, com todo esse nervosismo o nível de aula e explicação da matéria, da atenção dada às atividades e aos alunos não diminuiu. O nervosismo maior de Sandra é percebido quando ela, no meio de explicação e correções, pára várias vezes para chamar a atenção dos alunos. Enquanto eu estava escrevendo estas observações uma aluna foi até a porta, pois seu pai estava do lado de fora. Quando a aluna voltou, a professora parou a aula e questionou a aluna se a professora havia permitido a sua saída; como a resposta foi não, a Sandra disse à aluna para nunca mais fazer isso novamente. Outro fato, nesse meio tempo, foi do aluno André, como ele não fez o para casa, a professora parou a aula e pediu para ele que fosse até a supervisora Liliane e falar que ele estava abrindo mão da aula de Ciências. As aulas de Sandra rendem muito, muitas atividades são feitas em um dia, ela dá várias atividades, corrige muitos deveres, corrige com a participação dos alunos, pede para que eles respondam tudo. Na hora de escolher ajudantes, por vezes ela escolhe os alunos pela cor da blusa, já que na Edu o uniforme pode ser adquirido em cores variadas. Ela não admite nenhum momento inútil em sala, cada minuto tem que ser aproveitado, também não admite nenhuma conversa paralela, ou aluno fora da carteira sem motivo. Assim também como não permite aos alunos saírem para ir ao banheiro e beber água com freqüência. Nos momentos de explicar os conteúdos ela gesticula bastante, faz trejeitos e muda o tom de voz. Dia 10/07 - Aula de Ciências – Professora Sandra

Aula de Ciências: atividade de folha sobre animais: anfíbios, peixes, mamíferos, répteis e etc. Correção do para casa no quadro Um fato interessante ocorreu: a aluna Bárbara leu uma atividade de Ciências e na hora de responder uma questão, a aluna se negou. A professora disse: “A Sandra já falou que aqui na sala não tem isso não, de não querer responder. A não ser que você me dê uma explicação para isso”. Então a aluna disse que estava com vergonha. Com isso, a professora a perguntou se a vergonha dela ia e voltava. “Porque tem dia que tem vergonha e outro dia não?” “Sua vergonha está aqui hoje, é?”. A-Então, fessora, onde o André foi? P-Vão trabalhando! Porque você está vindo aqui toda hora? Grupo, ela está fazendo o trabalho sozinha? A-Não. P-Ali, tô desconfiada mesmo. Pessoal, o grupo da Gabi quer saber o que é comercial? Fala André! A-Onde vende produtos de conjunto de lojas? P- É isso mesmo, mas o que Marcel? Você esta em outro planeta Marcelo, é a 4ª vez que eu te falo isso hoje! O que mais turminha? Comércio, o que é comércio? Ricardo! Comércio, gente! Fala, Marcelinho! (...) P-Até agora não entendi Sílvia! E só você escrever duas vezes!

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A-Não! P-O que Sílvia? A professora Sandra ainda não entendeu o que você está querendo. Qual a sua dúvida, vem cá me explicar! Vamos o que é que está repetindo? A-Qual a atividade rural que tem, que tem na área urbana? É... É.... P-O que, por exemplo, que tem na área rural e tem na área urbana? A-Cana, banana. P-Cana-de-acúçar é urbana? A-É. P-Planta cana-de-açúcar na cidade? Olha não vou ajudar o grupo de vocês não, ah, Sílvia! Eu já falei! Em Belo Horizonte! A-É. P-Na Avenida Augusto de Lima. Chora bastante, Sílvia! O seu grupo deve estar uma beleza! Tá, Sílvia, chora mais, Sílvia, Sílvia, que hora você vai fazer o trabalho. Eu vou dar nota pros três e para você não. Não, André, vai ajudar seu grupo! Porque você está chorando? Tem alguém te batendo tem? Tem alguém te maltratando? A-Não. P-Então, porque você está chorando, fazendo esse escândalo todo, hein, dona Sílvia? Na área urbana a gente produz o quê? Na cidade o álcool é processado?Oh, Carlos, porque você está andando? P-Oh gente, seu grupo já acabou? A-Professora a B não vamos colocar porque é muito grande. P-Tem que colocar tudo, recorta, se você quiser colocar esse esqueminha também pode. A-Professora, é grande Belo Horizonte ou é só Belo Horizonte. P-Grande Belo Horizonte, grande Belo Horizonte Sílvia é a região urbana e rural do

município. A-Nova Lima também faz parte? P-É a grande Belo Horizonte. (...) P-Quem autorizou ir na outra mesa buscar trabalho? Vocês estão proibidos de ficar gritando no grupo do colega. Neste trecho e no que virá, pode ser percebido como as aulas de Sandra são agitadas e

dinâmicas e como ela se comporta com os alunos: rígida e impondo limites.

Dia 02/08 - Aula de Matemática – Professora Sandra

P- Oh gente, vamos guardar a apostila, por favor! A- Professora, eu posso beber água? P- Gente, vamos pegar o livro de Matemática e corrigir o dever. Vamos, vamos, vamos. Livro de Matemática, meu povo! Vamos, Matemática, rapaz! Vamos lá, vamos lá!(...) 5 x 19, dá quanto? 5 x 19, olhem a que vocês estão mais dormindo do que acordados. Tem que acordar aí, faz favor!. Não, não dá resto não, David. Aí não tem resto. André, você está fazendo alguma coisa? A- Tô. (...) P- Doutor Leandro, que brincadeira, hein? Como você fez esse desafio?

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A- Multipliquei 26 por 41. (...)

Dia 02/08 - Aula de Inglês – Professora Cláudia

Uma aluna diz: “Cláudia , você tá num mau-humor hoje!”. A Turma recebeu a apostila de Inglês que será utilizada no 2° semestre. A apostila é

assinada pelo setor de supervisão. As apostilas e atividades são muito bem feitas e esteticamente é ótima. As cópias são bem feitas e as ilustrações são claras e bem nítidas. As apostilas não são xerocadas, elas são reproduzidas em uma gráfica. Na apostila de Inglês há atividades para completar, marcar X, cruzadinha, circular figuras, caça-palavras, ligar palavras e números, escrita de pequenos textos e frases. Há 4 referências bibliográficas na apostila e 29 páginas no total.

Nesta primeira aula do semestre a professora Cláudia fez uma revisão em que cada aluno deveria falar, em Inglês, uma palavra aprendida no semestre passado e, em seguida, deveria soletrar a palavra. A turma demonstrou que sabia os conteúdos e mostrou bom desempenho.

Dia 09/08 - Aula de Teatro – Professor Caio

P- Não, cada um sabe a sua hora. O diretor, tem um diretor aqui na sala que sou eu, os outros são todos atores, então quem pode corrigir, quem pode falar a hora que vai e hora que não vai é o diretor, tá bom? Então vai, vai Julieta, pode começar! (...) P- André, você vai fazer ou não? A- Não! P- Então eu quero que você vá lá agora comunicar a sua professora que você não quer fazer e perguntar pra ela o que ela acha disso, porque aí tem que comunicar com sua mãe também. Nesse trecho, o professor Caio se depara com a não participação do aluno André, o

mesmo da aula de Artes. Ele tem uma atitude coerente, pois não deixa essa situação sem

resolução, porém, nota-se que quem parece resolver as questões das turmas é a professora

regente, independentemente de o problema ter surgido em outra aula. Isso seria o ideal?

Dia 14/08 - Retorno do recreio – Professora Sandra

A -Gente, gente, acorda. P- Lembra que a gente vem conversando sobre as diferenças? Existe alguém no mundo que é igual ao outro? A _ Não! P- Nem os gêmeos idênticos, no fundo, no fundo, eles não são idênticos. Cada um tem seu jeito, seu estilo.

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A_ E tem seus bens morais! P- Isso, a Marina tá chateada, né Marina? Quer falar? Quer falar? Ela tá chateada porque vocês estão caçoando dela.36 Ela não gostou. Quando vocês estiverem com a amiga de vocês, peçam desculpas, tá? Desculpem com ela, porque a gente sabe que vira uma bola de neve. A pessoa fica guardando chateação com ela, depois fica pior pra todo mundo. Então numa oportunidade própria, vocês procurem a Marina e conversem com ela. A- Professora, as pessoas podem desculpar, mas ela não aceita! P- Talvez Sílvia, ela esteja muito magoada, peça em outro momento, talvez ela não dê conta de desculpar agora. É assim, tem hora que as pessoas me pedem desculpas e eu não dou conta de desculpar não! Talvez porque eu esteja muito chateada, né? Não quer dizer que não vai desculpar! Cuidado pra não estragar o armário, desencosta daí, menino! (...) A – Eu não fiz! P- Por que é que o senhor não fez? A- Esqueci! P- Como esqueceu se estava na agenda indicando a página? Vitório, letra A. Você está muito distraído. Fernando eu estou te olhando aí. Vitório! Quem mais não conseguiu? Fernando, Guto, Marcelo, Clara. Então, olha lá! Calma, gente. (...) P- E aí, Vitório, conseguiu se encontrar? E você agora já sabe o que nós estamos falando? E o Luiz, tá tudo bem aí, Luiz? Aqui, a professora Sandra demonstra uma atitude de respeito às diferenças, de uma

forma simples, porém completa. Ela exemplifica e tenta resolver a situação. Em nenhum

momento ela julga as alunas, propondo somente que se entendam, respeitando seus limites.

Dia 20/08 - Aula de Matemática – Professora Sandra

P- Como vou descobrir isso, vamos lá? 291 meninas! A- Calma, professora! P- Eu estou calmíssima. Nossa gente, eu estou calma demais! Essa não é a questão. Às vezes, vocês tumultuam a aula por isso. A_ Posso ler a D, professora? P- Vou pedir o Ricardo que está calado demais! A- Professora, deixa eu falar? A gente divide o 291 por 2. (...) P- Gente, vamos para a 6. Gente, que planeta que essa menina tá? A – Sílvia!! P- Sílvia, eu não entendo Sílvia. Oh Sílvia, você tem que prestar mais atenção. Gente, vamos para a 6. Vocês acham que é qual das quatro operações? (...) A turma que está de rosa e acabou de anotar pode ir ao banheiro! (...) P-Gente agora vamos corrigir o para casa.

36 Não foi possível saber o motivo do problema entre as alunas.

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A-Oh gente, vocês não sabem fazer outra coisa além de falar? A-102 A-Não,não, 98. P-Pag 102, Lucas, rapidinho, aí Lucas. A-A resposta dela tá com introdução melhor que a sua. Ela levou em consideração todas as orientações que eu venho dando a vocês. (...) P-Marina, aproveita e fala a letra B. A palavra está com você. A-Eu não quero! P-Aqui não é eu não quero não, a participação é todo mundo. Mais uma vez, se vê como as aulas são vivas e o tempo ocupado de forma a levar os

alunos a participarem, no entanto, por vezes, Sandra impõe a participação dos alunos, mesmo

contra sua vontade.

4.3.3. Comentários sobre os registros Uma das preocupações da pesquisadora era de haver uma “camuflagem” no

comportamento do professor durante a observação, levando em conta a presença de uma

pesquisadora em sala e de um gravador. Entretanto, como se pôde confirmar, isso não

aconteceu. Desde o início da observação o cotidiano escolar pôde ser investigado com clareza

de acontecimentos e falas.

Por fim, constata-se que há diferenças entre a 4ª e 5ª séries e que essas diferenças estão

tanto nas posturas das professoras quanto na postura dos alunos.

Comprovam-se diferenças entre elas: a metodologia usada por cada professora regente,

o ambiente da turma, o silêncio e concentração ou no barulho e inquietude. Esses fatores,

consequentemente, também interferem na forma de trabalho dos alunos, nas suas condições

de aprendizagem, e, ainda na forma de como o currículo da escola lida com as diferenças, já

que eles estão diretamente ligados ao currículo escolar.

Foi possível afirmar que algumas aulas são dadas rapidamente para que se “dê conta”

do volume de conteúdos e que a indisciplina em excesso atrapalha na qualidade das aulas,

diminuindo a oportunidade de alunos de aprender.

A postura da professora Sandra, da 4ª série, que às vezes era enérgica demais, ainda

assim parece ser mais adequada quando se trata de um mediador que se inquieta com questões

de participação dos alunos e ambiente propício para uma aprendizagem de qualidade. Aulas

ricas de explicações da professora, participação ativa dos alunos, desejo em responder,

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respeito aos colegas e professores não eram comuns na 5ª série, justamente a sala em que a

indisciplina e a falta de autoridade da professora se faziam presentes o tempo todo.

A relação com o campo de conhecimento será marcada pela forte presença docente, tida como fonte externa de controle. Ou seja, os alunos sabem o que deve ou não ser feito, mas quem inicia a ação e supervisiona o cumprimento das regras ainda é o professor. (AQUINO, 2003, p. 71).

É possível afirmar também que a indisciplina excessiva incentiva a falta de respeito a

todos, visto que na 5ª série os apelidos e os conflitos eram mais intensos. Até mesmo o pedido

negado do aluno, pela professora, de ir ao banheiro não foi respeitado.

Discussões em sala, de maneira aberta e amadurecida sobre diferenças foram

evidenciadas na 4ª série. O que na 5ª, conforme os relatos, mesmo com a ajuda da supervisora

Liliane através de rodinhas, dinâmica em grupos e da professora Rosa, com conversas com o

aluno, não se mostraram promissores.

5.4. Questionários Questionários37 foram utilizados para alunos e pais, como uma forma de compreender

o que esse dois grupos pensam da escola, da indisciplina, dos conteúdos, de alunos com NEE

e do cotidiano escolar.

O questionário foi escolhido levando em conta: a) o grande número de alunos e pais,

b) a confiança que as pessoas terão em seu anonimato, sentindo-se mais livres para exprimir

opiniões que temem ver desaprovadas e, c) o fato de o questionário fazer menos pressão para

a resposta imediata. (SELLTIZ, 1995).

Na 4ª série, 22 alunos responderam e na 5ª, 17 alunos preencheram o questionário.

Nesse tópico serão apresentadas as questões mais relevantes, com suas respectivas

análises.38

37 Ver apêndice A e B. 38 O apêndice C retrata as respostas de alunos e pais através de gráficos.

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4.4.1. Questionários dos alunos

Em relação aos conteúdos estudados, é possível perceber, através da primeira

pergunta, que a turma da 5ª série considera ter conteúdos desinteressantes. Dessa forma,

surgem novos questionamentos: seria esse o motivo da indisciplina? Será que o interesse pelo

conteúdo está diretamente ligado à disciplina da turma? Ou ainda, será que a turma da 5ª

série, por ser mais madura, tem mais facilidade em relatar que nem todos os conteúdos podem

ser considerados interessantes? “Temos ainda, outra interessante definição geral: (...) os

problemas de conduta na sala de aula estão entre os alunos e os educadores em uma situação

mútua de conflito, ou entre aqueles que não esperam mais nada um do outro”. (AQUINO,

2002, p. 17).

A pergunta 2 questionou se o aluno gosta de estudar nessa escola e a pergunta 3 se

referia aos motivos de gostar ou não. Todos responderam que gostam de estudar na Edu e os

amigos e o espaço da escola, foram os principais motivos. Deixando para trás as aulas e os

professores.

Sobre os responsáveis pelas dificuldades para aprender, a indisciplina lidera a

indicação. Nessa questão, evidencia-se o único ponto em comum nas duas turmas. Após a

indisciplina da turma, a 4ª série elege a didática da professora e as atividades difíceis do livro

como os responsáveis pelas dificuldades escolares. Já 4 alunos da 5ª série, se consideram

responsáveis pelas dificuldades, além da didática da professora, seguido pela falta de estudo e

dedicação de si mesmo.

A pergunta 5 refere-se a uma auto-avaliação, nessa questão, nenhum aluno, de

nenhuma turma se considera um aluno com dificuldades para aprender. A maioria se

considera mediano e alguns se consideram com facilidade para a aprendizagem.

Em relação ao sentimento de exclusão vivenciado na escola, foco da 6ª questão,

constata-se que há sentimento de exclusão por parte de alguns alunos e que a 5ª série

apresenta mais alunos que se sentem excluídos, mesmo que às vezes. Na 4ª série, mais da

metade da turma se sente incluída.

Enquanto a 4ª série concentra seus excludentes nas meninas e nos grupinhos de

colegas, a 5ª série apresenta alunos que se sentem excluídos por professores, pelos meninos e

até por todos. No entanto, as meninas, na 5ª série, nem foram citadas. A exclusão entre

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colegas já era um fato notório nas transcrições, porém foi confirmada, pelos próprios alunos

nesse momento.

Sobre as atitudes tomadas em relação às dificuldades, os pais saem na frente para

ajudar os filhos a se recuperarem. O mais interessante é a didática das professoras sendo

confirmadas através dos alunos. Na 5ª série, os alunos registram a atenção individualizada da

professora, como o segundo recurso; enquanto a 4ª série confirma sua postura questionadora

durante as aulas e a maneira da professora de atender a todos simultaneamente.

Pergunta 9 - O que você acha que a escola deve fazer para que todos os alunos aprendam e tenham educação de qualidade?

Essa última pergunta do questionário foi aberta com o objetivo de “dar a palavra” ao

aluno, de forma que o principal questionamento da pesquisa não restringisse as respostas

deles, mas dessem-lhes oportunidades de se manifestar com mais liberdade.

Na 4ª série, mais de 7 alunos responderam que tudo já está bom e nada deve ser feito.

Três deles disseram que a escola deveria ter um professor para cada matéria, 4 responderam

que a indisciplina deve diminuir e o restante citou o professor como o grande responsável para

uma educação de qualidade:

“O professor tem que ser ótimo e competente.”

“Eu acho que a escola deve contratar professores mais pacientes.”

“Um professor muito experiente.”

“Eu acho que a explicação deve ser mais óbvia.”

“Ela tem que ter um bom professor, um bom jeito de estudo, amizades.”

Já na 5ª série, vários alunos registraram argumentos ligados à indisciplina como: “A

professora controlar a bagunça” e “Ter mais moral e impor e cobrar as atividades”. Outros

alunos manifestaram que a didática é responsável pela qualidade da educação, como: “Eu

acho que a escola deveria levar os problemas de educação mais a sério. E explicar sempre o

conteúdo para os que não entenderam.” “Ensinar de um modo mais legal.” O restante colocou

respostas variadas: “Marcar uma reunião com os pais e falar pra eles o que é melhor pra

fazer.” “Colocar mais professores na sala de aula.” “Ter livros de todas as matérias, rever os

conteúdos.”

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No geral, para esses alunos, o professor, sua forma de ensinar e o ambiente em que a

aula é ministrada são os principais fatores para uma educação de qualidade. As situações

evidenciadas nos questionários dos alunos dialogam com as transcrições obtidas. Observa-se

que os alunos gostam da escola, mas, por vezes, apresentam dificuldades para aprender e

elegem como fator principal para isso a indisciplina e a didática da professora. Até mesmo

porque eles não se consideram com dificuldades de aprendizagem.

Assim, o cotidiano escolar observado foi retratado no questionário, na 5ª série a

professora oferece atenção individualizada e na 4ª, ela explica novamente o conteúdo para

todos. A 5ª série demonstra se sentir excluída também por adultos, o que não aconteceu na

outra turma, evidenciando uma situação de exclusão escolar.

4.4.2. Questionários dos pais

Os próximos questionamentos demonstrarão a visão dos pais desses alunos, referente

às mesmas questões. Tanto na 4ª, como na 5ª série, somente 9 questionários retornaram com

respostas, portanto, será com base nessas respostas que o debate se dará. Para algumas delas

foram usadas tabelas.

Os pais dos alunos da 4ª série, assim como os da 5ª consideram, quase que em sua

totalidade, os conteúdos interessantes e necessários. Dois pais de alunos da 4ª série

consideraram os conteúdos avançados. Porém alguns pais da 5ª não souberam dizer, e um não

respondeu o que acha dos conteúdos estudados pelo filho. Seria possível afirmar que alguns

pais da 5ª série não acompanham a vida escolar de seus filhos, já que não se posicionaram

quanto a isso?

Sobre a seleção de conteúdos, pode-se afirmar que não há uma informação a respeito

disso para os pais, levando em conta que quase a metade dos pais da 4ª e mais da metade dos

pais da 5ª série não sabem quem seleciona o que o filho vai estudar. Mais uma vez, os pais da

4ª série aparecem mais envolvidos nos assuntos escolares. Os que se manifestaram por escrito

disseram que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) e a equipe pedagógica da escola são

os responsáveis pela escolha dos conteúdos.

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Pergunta 3 – Em sua opinião, quais perfis abaixo podem ser considerados como alunos com NEE? (Marque quantas quiser)

TABELA 1

Alunos com necessidades educacionais especiais – 4ª série

Tipo de necessidade especial Pais entrevistados

Deficiente mental 09

Deficiente auditivo 08

Sem apoio da família 03

Diabético 01

Com dificuldades na fala 05

Hiperativo 06

Educando hospitalizado ou com

problemas de saúde

04

Violentado 04

Deficiente físico 05

Desnutrido 01

Gago 01

Epilético 01

Deficiente visual 07

Tímido 01

Superdotado 03

Com déficit de atenção 04

Com dificuldades de aprendizagem 05

Indisciplinado 00

Homossexual 00

Fonte: Dados da pesquisa

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TABELA 2

Alunos com necessidades educacionais especiais – 5ª série

Tipo de necessidade especial Pais entrevistados

Superdotado 05

Deficiente mental 08

Deficiente auditivo 06

Sem apoio da família 05

Diabético 02

Com dificuldades na fala 06

Hiperativo 07

Educando hospitalizado ou com

problemas de saúde

05

Violentado 04

Deficiente físico 05

Desnutrido 04

Gago 04

Epilético 04

Deficiente visual 06

Tímido 02

Superdotado 05

Com déficit de atenção 07

Com dificuldades de aprendizagem 07

Indisciplinado 03

Homossexual 00

Fonte: Dados da pesquisa

Os perfis com maior indicação entre os pais das duas turmas são os alunos com

deficiências, sejam elas mental, auditiva ou visual e também o aluno hiperativo. Porém quanto

aos outros perfis há variações. Para a 4ª série, superdotado, sem apoio da família, diabético,

desnutrido, gago, epilético e tímido tiveram uma representação mínima, e o aluno

homossexual e indisciplinado não foram considerados, de nenhuma forma como alunos com

NEE. Será que os rótulos e o preconceito, em relação à indisciplina e ao homossexualismo

estimulam a não consideração?

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No entanto, na 5ª série, somente o diabético, o tímido e o indisciplinado não tiveram

uma representação significativa. E, mais uma vez, o homossexual não foi considerado por

ninguém como um aluno que merece uma atenção especial da escola.

Essa questão foi muito importante, pois remete a muitos questionamentos: o que é para

o pai uma necessidade educacional especial? Que tipo de atitude a escola deve ter quando

nomeia “atenção especial”? Que critérios são usados para definir a necessidade educacional

dos perfis citados?

Somente um pai de aluno da 5ª série respondeu: “Todos têm necessidades “especiais”

= individuais”

Esses dados apontam a necessidade de um debate urgente com toda a comunidade

escolar sobre o tema NEE e suas especificidades. Pois, tomando o homossexualismo como

exemplo, já que não foi reconhecido por ninguém como um aluno com NEE, vê-se que é um

dos perfis de aluno que mais sofre atitudes de exclusão nas instituições escolares, já que a

homofobia se tornou comum através da linguagem (insulto, piada, chacota); comum também

no âmbito das pessoas, quando somente os heterossexuais são considerados “normais”. Como

não há leis que defendem os homossexuais de preconceitos, agressões, além de sua

vulnerabilidade dentro de normas e padrões que valorizam o heterocentrismo já interiorizado

nas pessoas, em geral, esse grupo é um bom exemplo dos processos de exclusão a que estão

sujeitas as pessoas que apresentam alguma particularidade que não se enquadra no padrão.

(BRAGA, 2004).

De forma aparente, os 9 pais dos alunos apresentaram pouca restrição ao convívio de

seus filhos com os diferentes. Mesmo assim, essa baixa representação sinaliza algo sobre o

assunto.

Pergunta 4 – Dos perfis abaixo, quais você não gostaria que estivessem presentes na turma de

seu filho(a)?

TABELA 3

Presença na sala de alunos com necessidades educacionais especiais – 4ª série

Tipo de necessidade especial Pais entrevistados

Superdotado 00

Deficiente mental 02

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Deficiente auditivo 00

Sem apoio da família 00

Diabético 00

Com dificuldades na fala 01

Hiperativo 00

Educando hospitalizado ou com

problemas de saúde

00

Violentado 01

Deficiente físico 00

Desnutrido 00

Gago 01

Epilético 00

Deficiente visual 01

Tímido 00

Superdotado 00

Com déficit de atenção 01

Com dificuldades de aprendizagem 01

Indisciplinado 05

Homossexual 00

Fonte: Dados da pesquisa

TABELA 4

Presença na sala de alunos com necessidades educacionais especiais – 5ª série

Tipo de necessidade especial Pais entrevistados

Superdotado 00

Deficiente mental 00

Deficiente auditivo 00

Sem apoio da família 00

Diabético 00

Com dificuldades na fala 00

Hiperativo 00

Educando hospitalizado ou com 01

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problemas de saúde

Violentado 01

Deficiente físico 00

Desnutrido 00

Gago 00

Epilético 00

Deficiente visual 00

Tímido 00

Superdotado 00

Com déficit de atenção 00

Com dificuldades de aprendizagem 00

Indisciplinado 03

Homossexual 00

Fonte: Dados da pesquisa39

É interessante notar que o indisciplinado foi o que recebeu mais indicações de

excluído, justamente o perfil que tem desencadeado outros olhares dessa pesquisa e

justamente o comportamento mais explícito de uma das turmas. Além do indisciplinado, a 5ª

série apontou o aluno hospitalizado ou com problemas de saúde e o aluno violentado.

Os pais da 4ª série se mostraram mais resistentes quanto à inclusão de vários perfis na

sala de seus filhos. Para esses pais, o aluno deficiente mental, com dificuldades na fala,

violentado, gago, com déficit de atenção e com dificuldades de aprendizagem não são bem-

vindos na mesma turma de seus filhos. Lembrando, portanto, que essas respostas foram dadas

por vários pais e não somente um e que há pais que pensam diferente quanto a essa rejeição,

registrando: “Nenhum, sem discriminação”, “Todos podem estar juntos morando em

humanópolis”.

Apesar do pequeno número de respostas, há elementos para mostrar que a inclusão não

pode acontecer só na escola, mas também na sociedade como um todo, principalmente na

família. Será mais difícil trabalhar a inclusão escolar sem os pais e seu entendimento. Por

isso, a escola também precisa envolver a família nessa caminhada.

Sobre a percepção de dificuldades em relação aos próprios filhos, tem-se como

evidência que somente um pai da 5ª série respondeu que seu filho apresenta NEE e justificou:

39 Cada pai poderia marcar quantas indicações quisesse.

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“especial = personalizada= individual. Tem déficit de atenção com hiperatividade, faz uso de

Ritalina”.

Em relação ao processo de inclusão e exclusão escolar, mais da metade dos pais da 4ª

série considera a Edu uma escola inclusiva, não levando em conta apenas a matrícula, mas

toda a prática escolar. Entretanto, os pais da 5ª série não parecem ter esse mesmo pensamento,

pois dois não a consideram uma escola inclusiva e 3 só a consideram em alguns aspectos.

Já não parece mais coincidência o fator indisciplina aparecer tanto como uma questão

da prática escolar, tanto nos relatos de alunos, quanto no relato dos pais. Quando foi

questionado, na 7ª pergunta, o que pode influenciar negativamente a aprendizagem do filho, a

indisciplina foi considerada como o fator que mais prejudica a aprendizagem. Em segundo

lugar, para a 4ª série, como fator negativo da aprendizagem, os pais se dividem entre muito e

pouco para casa e, em seguida, aparece a metodologia do professor. Já para a 5ª série, a

metodologia do professor é apontada como o segundo responsável para a não aprendizagem

dos alunos. Alguns pais citaram: “Formação de professores, falta de apoio do professor, falta

de apoio dos coordenadores”, “Rotatividade dos professores”.

As apostilas da escola também apareceram, mas sem muita repercussão. Os pais da 4ª

série consideram as apostilas eficazes, necessárias e com atividades diversificadas, assim

como os pais da 5ª. Portanto, para os pais, as apostilas adotadas são necessárias,

contradizendo a fala de um aluno que, em uma das transcrições, referiu-as com atividades

repetitivas.

Um pai da 4ª série citou que a presença de alunos com NEE pode atrapalhar a

aprendizagem do filho. Esse dado mais uma vez comprova a necessidade de formação sobre o

tema NEE para os pais.

Para eles, no geral, não há uma única causa para as dificuldades escolares dos filhos,

elas se apresentam em situações adversas, mas para a 4ª série, o aluno e a família são peças

importantes para a causa delas. Na 5ª série, no entanto, os pais ficaram mais divididos, vê-se

que muitas podem ser as causas: escola, família e aluno, de maneira equivalente.

Sobre as atitudes da escola frente às dificuldades dos alunos, mais da metade dos pais

acredita que a escola deve pedir o apoio deles mesmos para estudos autônomos em casa.

Resposta essa, muito curiosa. Será que os pais precisam esperar a escola pedir apoio deles

para ajudar os próprios filhos? Seria essa atitude é comum na Edu? Esses pais têm

acompanhado a vida escolar de seus filhos de forma sistemática ou será que só passam a

apoiá-los nas tarefas quando a escola pede? Quando a escola não se manifesta é sinal de que

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não é preciso a intervenção dos pais? Muitas questões surgem ao ver que os pais esperam que

a escola cobre deles uma postura mais presente.

Para os pais da 4ª série, um atendimento com profissionais fora da escola, monitoria e

avaliação da metodologia utilizada também são necessários. Já para a 5ª, 6 pais acreditam que

uma monitoria oferecida pela escola em outros horários é o que a Edu deveria fazer.

Pôde-se ler também: “Avaliar o caso e sugerir a metodologia a ser utilizada.” “Dar

mais atenção individual em sala de aula e com a correção do para casa.”, entre outros.

Em relação aos alunos que fazem uso de medicamento, de acordo com os dados, há

somente um aluno na 5ª série. O pai registrou que o filho faz uso da Ritalina. Esse é o mesmo

pai que considera seu filho com NEE e que acredita que “Todos podem estar juntos morando

em humanópolis”.

Essa resposta levanta uma hipótese: a inclusão verdadeira só acontece com a

convivência com a diversidade. O pai que se mostrou mais acolhedor tem um filho com NEE,

isso pode indicar que convivendo com a diferença há mais possibilidades de acolhê-la. Mas os

outros pais que listaram perfis que não gostariam, nem mesmo que fossem da mesma turma

de seu filho, provavelmente não devem conviver com crianças com NEE, até porque não

registraram nada sobre isso, ao contrário do pai acima.

Pergunta 12 – Para você, o que a escola, (não somente a Edu, mas todas em geral) deve fazer

para acolher e oferecer educação de qualidade a todos os alunos, inclusive os com NEE?

Assim como no questionário dos alunos, esse também teve uma pergunta aberta, para

que os pais pudessem comentar com mais profundidade o que pensam sobre o tema principal

da pesquisa. Muitos citaram a avaliação das metodologias utilizadas e a capacitação dos

professores. A seguir, algumas respostas:

“Tratar com respeito todos os alunos e jamais considerá-los como apenas mais um número.”

“Se adequar para atender a todos os alunos de maneira a incluir todos, sem discriminação.”

“Ambiente acolhedor, conteúdo relevante e atual, interação com as famílias, interação entre os

alunos.”

”Tratar igualmente os desiguais, lógico levando em conta caso a caso as limitações

individuais.”

“Diminuir as turmas de modo a torná-las mais homogêneas possibilitando uma adaptação do

perfil da turma.”

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A última resposta aborda mais uma questão: se o tempo é de acolher e respeitar as

diferenças, será que se devem ter salas mais homogêneas? A acolhida ao diferente deve-se dar

para que ele se adapte ao padrão da turma?

Com os dados obtidos até então nos questionários, observa-se uma ligação estreita

entre a prática e a teoria, já que as duas apresentam limitações quanto à abrangência de

conceitos. Enquanto a escola se apresenta com um currículo inflexível, em relação aos tempos

escolares, os pais sinalizam desconhecimento sobre o que os filhos estudam e quem faz a

seleção desses conteúdos estudados.

Outra informação relevante nos questionários é sobre a inclusão, observa-se que, como

nas teorias, as NEE estão ligadas à deficiência e que alguns pais, seja por questão de valores

ou desconhecimento sobre o assunto, ainda demonstram preconceito e distanciamento. Isso

faz com que o rótulo de pessoa com deficiência, por vezes, ainda é necessário para uma

consideração em relação às NEE. Fica evidente que a marca e o diagnóstico para um aluno

com NEE ainda se fazem necessários para que sejam reconhecidos como tal.

4.5. Entrevistas

Para a pesquisa foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas40. A entrevista com

professores e diretores da escola foi escolhida como recurso de coleta de informações, devido

à: a) flexibilidade nas respostas, b) possibilidade de observar não só apenas no que o

entrevistado diz, mas como ele diz; c) ser a técnica mais adequada para a revelação de

informação sobre assuntos complexos. (SELLTIZ, 1995).

Tanto nos questionários quanto nas entrevistas a informação é obtida através das perguntas. Estas são muito adequadas para a obtenção de informação sobre o que a pessoa sabe, crê ou espera, sente ou deseja, pretende fazer, faz ou fez, bem como a respeito de suas explicações ou razões para qualquer das coisas precedentes. (SELLTIZ, 1995, p. 273).

As entrevistas foram feitas com a Dalva, diretora pedagógica e o George, diretor

administrativo e proprietário da escola. Foram feitas também com as professoras regentes:

Rosa e Sandra e com o professor de teatro, Caio. Os professores de Artes e Educação Física

40 Ver em apêndice D a estrutura das entrevistas.

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não foram entrevistados devido à falta de compatibilidade de tempo de ambas as partes, pois

não são todos os dias que esses professores estão na Edu.

Como registros da maior perda dessa pesquisa estão as entrevistas feitas com a

supervisora Liliane e com a professora de Inglês, que foram deletadas por engano no gravador

digital. Ainda assim, não houve prejuízos para a pesquisa, já que os dados coletados nas

demais foram suficientes para o objetivo proposto. O professor Caio não se sentiu à vontade

para responder todas as questões, mas se considera, assim mesmo, suas informações.

Este tópico tem importância fundamental para: a) apontar as incoerências da escola,

entre sua proposta a sua prática, e b) apontar e discutir como, na escola, a própria

ambigüidade do debate se faz presente.

Portanto, somam-se cinco entrevistas (Dalva, George, Rosa, Sandra e Caio) e elas

serão expostas de acordo com a relevância das falas.

As duas primeiras perguntas, feitas a todos foram o que sabem e entendem sobre

currículo e inclusão escolar. Já nesse momento, observa-se que há equívocos entre uma fala e

outra. O que se vê é cada sujeito respondendo algo, de acordo com suas experiências até o

momento. Não se faz presente um conceito uniforme entre eles como equipe, mas conceitos

isolados, ora ambíguos, ora superficiais e genéricos, como:

“Bom, currículo é tudo aquilo que você tem como intuito de passar para os seus alunos desde os conteúdos já sistematicamente planejados, elaborados, organizados, desde as suas atitudes nas salas, né?” Dalva “Pensando em currículo eu estou pensando no planejamento com objetivo muito claro do que eu quero atingir dentro de um tanto de tempo.” George

“Currículo é conteúdo, é proposta pedagógica e tem outra coisa, que eu chamo de currículo oculto, que são aquelas coisas, aquelas posturas que não estão explícitas (...)” Sandra

“O currículo escolar são as disciplinas não só Português e Matemática, são determinadas disciplinas que nós vamos ter que desenvolver, não é isso então? Isso é o currículo da escola, né?” Rosa

A partir dessas respostas, percebe-se que tanto Dalva (diretora pedagógica), quanto

Sandra (4ª série) se mostraram mais envolvidas no tema, com comentários mais precisos e de

acordo com a literatura atual. O diretor manteve uma postura mais concisa e administrativa, e

Rosa (5ª série) respondeu de maneira incerta, respondeu perguntando; uma postura de quem

mais parecia querer um apoio na resposta do que alguém que estava realmente seguro do que

dizia.

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As condições para que apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa “dizer alguma coisa” e para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes (...) essas condições, como se vê, são numerosas e importantes. (BRANDÃO apud FOUCAULT, 2004, p. 51).

Fato semelhante ocorreu ao conceituar e debater o que vem a ser inclusão escolar. Ao

mesmo tempo que se tem “Inclusão é você conseguir trabalhar com todas as possibilidades de

aprendente” (Dalva), “... é você oportunizar o maior números de pessoas...” (Sandra),

também se ouve do diretor da escola:

“Uma coisa bastante complicada sim, porque você não tem como lidar com o currículo diferenciado, porque currículos diferenciados; primeiro, operacionalmente, é uma situação muito complicada de ser trabalhada. Como é que você vai fazer a inclusão desse menino? O menino hiperativo não pode ser comparado com o menino que tem paralisia cerebral. Grande parte dessa questão, sim, esbarra numa situação de custo, porque um aluno que é portador de algum tipo de necessidade especial ele vai exigir uma pessoa ao lado dele para seguir aquela grade curricular, quem paga isso? O estado vai bancar? Você tem um problema sério de inclusão, porque o menino não pode desestabilizar a turma, isso não pode acontecer, ninguém pode viabilizar a permanência dele tendo de doar a estabilização, você não pode tirar o direito dos outros em função da individualidade daquele menino. É complicada, ah é! Existe um leque de variações imensa nessa, você pode lidar com o menino com síndrome de down de uma maneira, dependendo das características que ele tem, se é um menino agressivo, já é uma situação muito mais complicada. Eu não acredito que pra uma escola seja possível fazer currículos diferenciados, porque você obrigaria para a professora, ela estará ao mesmo tempo fazendo situações completamente diversas, em alguns momentos isso é possível mas não em mil horas num ano. Sem chance disso acontecer dessa maneira! E ela tem 25 meninos dentro de uma turma, ela vai gastar o que com esse menino que tem necessidade especial? Ela vai ficar metade da aula com esses dois meninos, e os outros 23?” (George)

A posição dada pelo diretor é diferente da posição das professoras e da diretora

pedagógica, demonstrando um distanciamento entre teoria e prática, área pedagógica e área

administrativa. A fala do diretor é interessante, ele diz o que o senso comum retrata: “(...)o

menino não pode desestabilizar a turma (...), você não pode tirar o direito dos outros em

função da individualidade daquele menino.” Ou seja, a diferença atrapalha, desestabiliza,

provoca incômodo e mudança, além de evidenciar para as pessoas as concepções operacionais

como custos e infra-estrutura.

No entanto, o que mais se evidencia nessas falas é a confirmação da imprecisão dos

conceitos dados pela literatura. Há uma confusão e uma incerteza do que vem a ser inclusão

para as pessoas e, principalmente, quem deve ser incluído. Enquanto para alguns a inclusão se

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refere a todos os alunos, para outros a inclusão discutida na atualidade se refere aos alunos

com deficiência.

O que se pode, nesse momento, é descortinar as limitações de conceito nessas áreas. O

que é realmente inclusão? Quem deve ser incluído? Somente as pessoas com deficiência são

consideradas com NEE? Onde está a resposta certa?

Quanto ao comentário do diretor, pode-se dizer que é forte e incisivo, contradizendo o

movimento que se tem feito a favor da inclusão. Assim, quando se remete à literatura que

aborda a inclusão, o que se pode ver é a importância de um olhar “inclusivo” que o diretor

precisa ter, levando em conta sua posição e seu poder de transformação dentro de uma

instituição.

A maneira pela qual os diretores exercem as forças simbólicas e culturais através de suas atitudes e comportamento é particularmente importante quando se exemplificam as ações e as atitudes necessárias para a prevalência de um ambiente inclusivo nas escolas. Primeiramente, o comportamento do diretor é que estabelece o clima pelo qual se resolve que a escola é de todas as crianças. Segundo, o comportamento cooperativo do diretor e dos demais administradores proporciona um modelo para os professores que precisam de ajuda para romper com a prática de “trabalhar sozinhos”. (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p. 137).

E ainda,

O diretor, mais que qualquer outro funcionário do sistema escolar, está em posição de entender e ser sensível ao status e às necessidades dos professores e de outros funcionários de serviço direto para desenvolver as atitudes e as habilidades necessárias para que as práticas inclusivas possam florescer. (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p. 138).

Remetendo mais uma vez aos estudas da Análise do Discurso, observou-se no discurso

do diretor o que se pode chamar de “a citação de autoridade”.

As formações discursivas supõem coletividades de falantes que partilham de um conjunto de enunciados fundadores, os quais constituem verdadeiro tesouro de “sabedoria”. Sem esse tesouro de crenças e verdades, a comunidade não seria o que é. O enunciador desses enunciados intangíveis é um Locutor Superior que garante a validade da enunciação em que o enunciado fundador é citado. O locutor que cita se transforma, diante desses enunciados (...) para garantir a validade de sua enunciação. (CARDOSO, 1999, p. 79).

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Pode-se dizer que há contradiçoes entre o currículo proposto e o currículo real da

escola Edu. A questão colocada é que a proposta pedagógica se distancia da possibilidade de

realização. Há uma dissonância entre o proposto e o real. Observa-se uma proposta de

inclusão, quando na realidade, ela não é efetiva. Propõe-se considerar as diferenças, mas não é

possível ainda, nessa escola, dizer ao certo quais diferenças devem ser consideradas e como se

deve considerar. Será que só o aluno com síndrome de down pode ser considerado com NEE?

Considerar as diferenças é basicamente matriculá-lo e integrá-lo? O que é para a Edu oferecer

currículo diferenciado?

Ao fazer esses questionamentos sobre a prática, torna-se inevitável não os fazer sobre

a teoria: as literaturas exemplificam de forma clara o que é construção de currículo

diferenciado? Há conceitos claros sobre que é inclusão escolar? É possível dizer ao certo

quem deve ser considerado com NEE?

Levando em conta essas ambigüidades, quando se pergunta se a Edu é uma escola

inclusiva, os próprios educadores se contradizem:

“Considero, com algumas limitações ainda, mas considero porque existe a intenção.”(Dalva)

“Não, não a considero embora tenhamos meninos que são portadores de necessidades especiais. Não acho que temos um programa desenvolvido, dependendo do caso nós podemos ou não atender e é possível conviver ou não com esse menino por um certo tempo, também porque na hora que você esbarra no ensino fundamental II... uma 6ª série... que você já passa lidar com aquele universo de professores... você já passa a lidar com o professor muito mais conteudista, a coisa muda completamente. Inviável, não acho a Edu uma escola inclusa de maneira nenhuma, não acho.” (George) “É... aqui acontecem coisas muito interessantes, eu já vi na unidade “X” uma substituição que eu fiz, uma menina com síndrome de down participando da equipe, freqüentando a escola, mas eu não vi um programa específico pra ela, é por isso que eu relativizo a questão da inclusão.” (Sandra) “Com certeza! Nós temos exemplos de vários alunos com dificuldades.” (Caio)

Mais uma vez, há muitas controvérsias. Cada um pensa e fala por si, mas não há uma

identidade da instituição em relação à inclusão e ao currículo, confirmando a idéia de que as

limitações não estão só com gestores, professores, pais e alunos. A limitação ultrapassa os

muros da escola e esbarra na própria teoria.

Além disso, tem-se que refletir entre essa dura declaração do diretor e sua contradição

com os documentos legais. Se por um lado ela nega a possibilidade da escola de concretizar

um trabalho efetivo de inclusão, por outro lado pode revelar a dificuldade de lidar com o

próprio conceito. Será que para a escola, as propostas de pluralidade, tolerância e respeito a

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todos estão focando apenas o plano social e cultural? Embora assuma a nomenclatura atual, de

educação inclusiva, o diretor estaria se referindo à questão específica de alunos com

deficiências físicas e cognitivas?

A fala de Sandra também é muito relevante, ela levanta outra questão sobre a inclusão:

“Pelo que eu sei é um movimento mundial a questão da inclusão, mas eu sinto que a escola não tem sido muito inclusiva com o professor. (...) Eu acho que desburocratizar um pouco, a gente tem muito trabalho burocrático. (...) Eu acho que o professor tinha que distanciar um pouco do papel de tarefeiro.”

E ainda: “Eu acho que quando se trata de educação, de inclusão, jamais devemos

estandardizar, as coisas não podem ser estandardizadas.”As tentativas de Sandra, expostas

nessa entrevista mostram mais uma vez que não há um receituário de inclusão, é preciso

arriscar e tentar mudar. O caminho precisa ser trilhado, ainda não há caminhos prontos. Mas

se sabe que quando se trata de incluir não se pode padronizar. Não é possível ser uma escola

inclusiva e ao mesmo tempo elaborar uma única prova para quatro unidades de uma Rede.

Incluir é individualizar e não estandardizar.

A partir de agora, os registros serão feitos de acordo com cada entrevistador. O que foi

mais relevante em cada entrevista será expresso.

1. Dalva – diretora pedagógica

Como e por quem é construído o currículo da escola?

Por um corpo docente que é composto por mim, diretora pedagógica, e pelos professores, pautado nos valores e num documento maior que são os PCN. (...) Só que eu sinto também uma limitação nisso. A dificuldade que tem na escola de ir além do livro didático. (...) No início, a gente não trabalhava o livro didático. Nessa época eu era professora, a gente ia numa linha muito mais de intuição, de prática. Aí, a Edu formatou isso.(...) Quando? Eu posso dizer que foi quando eu assumi essa direção pedagógica, foi quando veio essa proposta elaborada. Em 2001 e 2002 (...), a gente quer algo mais formatado, a gente quer algo mais palpável para o nosso aluno para o pai do aluno. Aí veio o livro didático.(...) Aí, a gente veio de um trabalho totalmente solto, baseado na experiência do professor. Tentamos organizar isso baseado no livro didático e começaram aparecer os furos né? (...) Foi quando eu fui convidada para assumir o cardo de diretora pedagógica. (...)

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Eu falo proposta pedagógica. Porque o PPP envolve a comunidade, que não foi esse o caminho. Então eu chamei as coordenadoras e essas pessoas vieram com a representatividade dos professores e falaram por eles..(...) Hoje não é o livro didático que dita para gente o que a gente quer ensinar. Porém, eu sinto que na prática ele ainda lidera, ele ainda dá as diretrizes, né? Você acha que as apostilas são recortes de livros? (...) Eles não são recortes de livro nenhum. (...) Quando começa a 2ª série, antiga 1ª, a gente começa a usar o livro didático. Na cadeira de Português, a gente não em livro didático, tem uma diversidade enorme de projetos voltados para a literatura. (...) Agora, por exemplo, a apostila de Matemática qual que é o objetivo da apostila de Matemática? Então ela é uma reprodução de possivelmente, outros livros didáticos, tá? Como você vê a disciplina ou a indisciplina na escola? O turno da tarde eu tenho referência sobre disciplina, muito mais a indisciplina causada pela ausência da professora que ficou doente, teve que ficar afastada, a não aceitação dessa professora que veio substituí-la, isso ocasionou uma situação de indisciplina. Como vocês lidam com isso? A direção pedagógica, eu não tenho essa atuação direta com o aluno. É mesmo a coordenação. (...) Como vocês lidam com os alunos com NEE? Todo mundo tem que dar conta de alcançar esse conteúdo até essa data. Quando você vê que alguém tá destoando daquilo e esse alguém não é um percentual grande que fala assim, ele não deu conta, vamos vê a família. Então, no primeiro momento, eu vi, na família tá acontecendo alguma coisa? Em casa? Você foi juntando um tanto de dados que possivelmente te levam juntamente com a família a um encaminhamento desse menino. Como você percebe que o currículo pode abarcar todas essas diferenças? A Edu não dá conta de todas essas diferenças dentro de uma mesma sala como esse currículo. E acho que escola nenhuma dá conta disso, eu falo que isso é uma frustração da escola como um todo, se um professor é comprometido com todos os seus alunos ele sofre muito, porque a organização dos tempos da escola pressupõe uma organização de currículo baseado no conteúdo que tá sendo ensinado. Então, querendo ou não, você tem tempo. Esses tempos, por mais flexíveis que sejam, eles precisam ser superados, eles precisam ser vencidos. Essa flexibilidade do currículo é ...ela não existe de fato, existe uma intenção, né? Dalva mostra-se bastante segura em seu discurso, pode-se ver que o currículo é

elaborado pelas coordenadoras e que a participação dos professores é mínima, pois eles são

representados pelos coordenadores. O livro didático ainda é a base para o currículo da Edu e

somente de 5 a 6 anos até então, o currículo tem sido preparado e tendo da escola uma

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preocupação maior, pois antes disso era um “trabalho totalmente solto, baseado na

experiência do professor”.

Quanto à inclusão, ao mesmo tempo em que Dalva acredita que a escola está

caminhando para se tornar mais inclusiva, ela acredita que quando poucos alunos não dão

conta do currículo, quando é uma parte pequena da turma que “destoa” do restante, a questão

deve ser resolvida fora das paredes da escola, ou seja, eles convocam a família para ver o que

está acontecendo e se é necessário um acompanhamento extra-escolar.

É nesse movimento que se inscreve a lógica ardilosa dos encaminhamentos parapedagógicos a transferência de responsabilidade para outras esferas de especialidade (mormente, a clínica), presumidamente mais aptas no que se refere ao atendimento de um segmento desviante da clientela escolar. (AQUINO, 2003, p. 35).

2.George – diretor administrativo e proprietário da escola

Como diretor como você vê isso? A inclusão é amparada por leis e há um número grande de conteúdos em um período curto para trabalhar tantas coisas. Nesse sentido, como a inclusão pode ser abarcada pela escola?

Virão mudanças. Não será da forma como está, isso é que vai pressionar uma reorganização, viabilizar. Nós estamos com uma situação de um menino que ele tem síndrome de down em uma da unidade, é óbvio que a produção... eu vi agora na feira de livros, os meninos de 4 anos e 5 anos tem a produção de um livro, cada menino escreveu uma página e eu vi a produção do menino, quer dizer, a produção dele é de um menino de 2 anos ou menos, tá? Fez umas bolinhas. É claro que isso cria uma situação de um contraste muito grande, eles vendo todos produzindo isso, é obvio que você não deixa de expor o menino. Vai avançar esse menino ou ele vai ser detido? A solução simplista é: não, nós vamos reter, tá bom? Mas vai chegar uma hora que eu vou ter um menino com 12 anos e 14 anos convivendo com um menino de 7. Isso é impossível! Isso é inviável! Então você fazer o menino repetir não parece que seja essa uma boa solução. Se você conseguisse fazer com que ele conseguisse repetir também o tamanho dele, do desenvolvimento físico, ótimo! Mas não é assim, essa situação ela me aprece completamente inviável. O que pretendemos: vamos avançar com o menino? Ele não vai acompanhar o que está acontecendo. Como é que ele vai fechar agora o processo de alfabetização que é o que se espera se ele ainda está fazendo uma garatuja? Como vai ser? Quem vai fazê-lo avançar? Será a professora regular da sala? Com certeza que não, porque ela vai estar preocupada com a letra cursiva dos meninos, né! Não dá pra ela fazer que o menino saia da garatuja e avance pra começar uma letra. Então a escola, ela pode ser inclusiva no meu entender, muito no caminho da socialização dessa criança, mas ela não será inclusiva na formação dessa criança a não ser que ela possua uma estrutura preparada para isso. Ou seja, se ela tivesse lá dentro uma condição de ter uma pessoa acompanhando esse menino dentro da sala de aula, com uma professora fazendo atividade complementar após o horário, você poderia até caminhar. Agora isso é financeiramente inviável.

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Quem sustenta essa estrutura, o pai desse aluno? Todos os pais vão estar dispostos a bancar isto? Porque não é o pai do aluno, serão os pais dos outros alunos porque a escola particular ela só tem uma fonte de renda que é a mensalidade escolar. Quem vai pagar por todos os pais? Os pais estariam dispostos? É isso. Uma última pergunta que eu gostaria de fazer é em relação à disciplina e indisciplina na escola. Como diretor, como você entende a questão da disciplina e indisciplina? Então, é uma situação complicada, ela é bastante complicada. Muitas crianças... parece que o único local que aprendem isso é dentro da escola. Enxergo isso com muita clareza, então acho que a escola tem que exigir muito mais disciplina, da organização. Eu acho que a escola tem que fazer um trabalho de disciplinação dos pais, porque uma família indisciplinada que você vai ter dentro da escola vai gerar um menino desrespeitoso. Indisciplina não é bagunça, é desrespeito. Um menino que ele é capaz de xingar uma professora, que é capaz de levantar e sair sem tomar conhecimento de quem está ali. Isso não é problema de disciplina é desrespeito total, então acho que a escola tem que ser altamente exigente com a questão disciplinar. (...) Disciplina passa por organização do caderno, por uma letra bem feita, um caderno limpo, mesa limpa na hora do lanche, e isso vai levar uma coisa chamada disciplina, ordem que ele vai necessitar pra ele conviver socialmente, faz parte dessa chamada. E o aluno que é portador de deficiência, que tenha alguma necessidade especial, se ele tem um comportamento de agressividade, de difícil controle, obviamente isso dentro da escola é mais sério ainda, a inclusão desse tipo. Agora ai da escola que não se preocupa hoje!

O discurso do diretor é de alguém que fala o que pensa. E o que ele pensa é que “esse

menino” com síndrome de down que “fez umas bolinhas” é um peso para essa professora que

está preocupada com a letra cursiva de seus alunos. George sugere até que se o

desenvolvimento físico, se o “seu tamanho” também “repetisse”, algo poderia ser melhor.

Novamente, constata-se uma distância entre o proposto e o real. Enquanto o Projeto

Político–Pedagógico propõe que “O aluno terá todas as oportunidades para desenvolver suas

potencialidades”, na realidade dessa escola ele é visto como um problema. Por parte da escola

ainda não parece estar claro se ele deve ser retido ou não e, na prática, não parece haver um

olhar diferenciado para ele, já que a professora precisa se preocupar com o restante da turma

que está à frente nos conteúdos.

O fator econômico surge como outro desafio para a escola, já que é uma escola

privada. Ele questiona: “Todos os pais vão estar dispostos a bancar isto?” Seria possível

afirmar que as questões operacionais de custos e infra-estrutura são uma barreira para a

inclusão? Há uma dificuldade para compreender a proposta de educação inclusiva ou há uma

postura proposital para que ela não aconteça?

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A ambigüidade dos conceitos indica lacunas, como se viu na parte teórica deste

trabalho. Ainda assim, pode-se dizer que as instituições e seus sujeitos têm redobrado poucos

esforços para entendê-la? Há uma limitação somente no conceito ou também na postura e

atitudes dos educadores?

O que se pode dizer até então sobre como o currículo dessa escola abarca a inclusão é

que, na Edu, a minoria parece não ter voz. Se a maioria da turma “deu conta”, como diz

Dalva, a escola recorre à família para saber o que há de errado nela ou com a criança e, se

preciso, indicar acompanhamentos extra-escolares, como se não houvesse a possibilidade de

o motivo da dificuldade para aprender estar na escola.

Por fim, para esse educador, a inclusão não acontecerá por agora, há de se aguardar

uma mudança, pois para essa inclusão, na escola de hoje, ainda, não há espaço, apesar de

haver o desejo: “Agora ai da escola que não se preocupa hoje!”

Não basta preocupar, é preciso agir. Mais do que saber como fazer, é preciso saber o

que é inclusão.

Inclusão não é quando seu filho é incluído no Jardim de Infância, mesmo tendo 11 anos de idade, quando os companheiros de atividades das crianças são as outras crianças e o de seu filho é sempre o professor itinerante/assistente, quando o professor itinerante/assistente vive colado a sua criança o tempo todo na sala de aula da escola comum. (MANTOAN, 2006, p. 43).

Um outro ponto interessante é como a Edu, durante esses anos mudou seu ponto de

vista sobre a disciplina. Uma escola antes vista como “alternativa” e hoje com um pensamento

sobre a disciplina bastante tradicional.

3. Sandra – professora regente da 4ª série Quem constrói o currículo da escola?

Eu recebo pronto, quem define isso é a equipe pedagógica. Como você vê o uso da apostila de Matemática? Você acredita que ela sobrecarrega seu trabalho ou não?

Eu acho que ela é muito relativa porque os livros de exercícios são sempre bem vindos. Fixação, desafios são sempre bem vindos, mas aqui, eles têm uma visão que você não pode mandar a apostila pra casa, porque a apostila pode ter desafios e os desafios têm que ser feitos com o professor. (...)

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O momento da correção é primoroso, tem que dedicar tempo pra você ver como que um pensou, o outro pensou (...). Então eu acho que não pode ser corrigido: a questão 48 é A, questão 40 é B. E, às vezes, eu sou obrigada a fazer isso.

É um desafio tremendo, aí que eu falo pra você, a questão da inclusão ela é relativa, eu ouso, eu tento fazer alguma coisa. Por exemplo, a apostila de Matemática, às vezes eu gasto uma hora e meia, (...) eu faço, correndo o risco de ficar com o meu armário cheio de atividade e ter que prestar conta com isso, eu sei que estou correndo esse risco.

“Os discursos são governados por formações ideológicas”. (ROBIN, 1977, p. 155). E

o que se percebe no discurso de Sandra é que há um embate que pode ser entendido com

clareza após a leitura das entrevistas dos diretores (pedagógico e administrativo). Mesmo que

o professor queira atuar de maneira diferenciada, mesmo que queira incluir certos alunos, a

postura da escola pode não permitir essa abertura. Como ela mesma diz, “aqui tem que ser

rápido, não pode dar tempo a muita coisa não”. Fato que a fala de Dalva confirma.

O que se percebe na Edu é que a inclusão, quando acontece, é feita de maneira

“oculta”, num esforço único do professor e ainda assim, correndo os riscos de ter que “prestar

conta” sobre os tempos escolares gastos com necessidades individuais. O discurso do diretor é

o bastante para essa constatação.

4. Rosa – professora regente da 5ª série

Quem constrói o currículo da escola?

Já vem pronto. Agora, a escolha do livro esse ano foi nós professores que escolhemos, mas o conteúdo elas deram um direcionamento que tipo de conteúdo tem que ser.

Como você vê o uso da apostila de Matemática? Você acredita que ela sobrecarrega seu trabalho ou não?

Ela não sobrecarrega. (...) Olha a apostila de Matemática ela tem a função de puxar o aluno pra série seguinte, então é uma apostila que exige mais raciocínio, que você pode trabalhar em dupla, ou em grupo e aí que eles são socializados, dentro da Matemática um ajuda o outro e a professora pode dar a intervenção ali na hora, individual.

O que se observa desse discurso é a diferença do que pode ser dito e do que deve ser

dito. Os discursos de Rosa são sempre muito tranqüilos e aparentemente “neutros”. O que

dentro da Análise do Discurso pode ser entendido como “Há coisa que posso dizer e há coisas

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que devo dizer, de acordo com o lugar que pertenço. Senão deixa de ser o que é.” (Informação

verbal)41

Dessa forma, entende-se que Rosa acredita na eficiência das apostilas, dando

preferência de trabalhá-las com a turma dividida em grupos e, em seguida, oferecendo-lhes

atenção individualizada.

5. Caio – professor de Teatro

Há quanto tempo você trabalha com Teatro aqui na escola e como você seleciona o que vai ensinar? Tem alguém que te ajuda ou não? Bom eu estou no teatro aqui na Edu vai fazer 20 anos, é uma das primeiras escolas a ter Teatro no currículo regular. (...) Algumas outras escolas têm, mas é Teatro a parte, não é dentro da carga horária.O que a gente tem trabalhado no Teatro é o fator comunicação. E através do teatro (...) fazer com que o aluno se comunique melhor com ele e com o mundo, né? (...) A gente sempre discute, tem uma grade já fechada por bimestre.

E tem algum aluno que você percebe que apresenta mesmo uma dificuldade de aprendizagem? Na 5ª série têm vários, na 4ª série... mais difícil. A 4ª série é uma turma mais predisposta às artes, agora a 5ª série vários alunos têm assim... uma necessidade de acompanhamento diferenciado. Qual a diferença você percebe entre a 4ª e 5ª série?

Completamente diferente as salas, os alunos que eu percebo quanto mais eles vão se aproximando da adolescência, mais eles se fecham pra essa questão artística, pra essa questão do teatro, eles vão ficando mais tímidos mais críticos.

E você já pensou em como o Teatro pode ajudar essas necessidades, esse acompanhamento diferenciado? O teatro ajuda principalmente na parte da concentração, se é um aluno que é tímido ou apático, o teatro também vai fazer com que ele se movimente de alguma forma, seja pela voz, seja pelo corpo. (...) Se no teatro ele começa a praticar o lado dele que ele tem necessidade, que ele tem essas dificuldades, (...) ele vai com certeza melhorar nas outras disciplinas.

41 Frase dita por Hugo Mari, professor de Análise do Discurso do Mestrado em Educação da Puc-MG, aula de 18/09/07.

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O professor de Teatro optou por não responder as duas primeiras perguntas feitas a

todos: o que é currículo e inclusão. No momento da entrevista ele não pareceu seguro em

respondê-las, mas ainda assim, sem conceituá-las, consegue perceber, na prática, como a sua

disciplina pode ser útil para a inclusão.

As avaliações que foram possíveis da realidade da escola apontam situações

importantes para o entendimento do cotidiano escolar, na qual as ações na direção de incluir

devem estar presentes ou ausentes. Percebe-se como é relevante o debate sobre a inclusão,

tendo como grande desafio a prática curricular. Para tanto, apresenta-se o próximo capítulo

com as considerações finais.

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6. CONCLUSÃO

“Traga dúvidas e incertezas, doses de ansiedade, construa e desconstrua hipóteses, pois aí reside a base do pensamento científico do novo século. Um século cansado de verdades, mas sedento de caminhos”.

Cláudia Werneck

A pergunta inicial desta pesquisa foi, de que forma o currículo escolar pode abarcar a

inclusão? Para isso, um estudo de caso foi feito na escola Edu, sendo utilizados: observação

sistemática, questionários e entrevista.

Neste capítulo, tem-se o que pode ser chamado de “possíveis respostas” para as

perguntas feitas até então e o que foi aprendido com a pesquisa.

Sobre o currículo, na parte teórica, viu-se que currículo não é apenas o programa de

conteúdos a ser transmitido aos alunos, mas um conjunto de fatores, incluindo valores,

crenças, cultura, relações e etc. Através dos dados obtidos, a Edu, somente a partir de 2001,

construiu de forma mais sistemática e organizada seu currículo, ainda assim tendo como

estrutura o livro didático e os PCN.

A escola apresenta um histórico em que no seu início, o currículo era algo bem livre,

mas depois de uma reestruturação administrativa, e com a presença de uma diretora

pedagógica, o currículo oficial se fez presente. No entanto, a participação dos professores não

foi ativa. A diretora deixa claro que as coordenadoras representaram a equipe docente, nesse

momento, os pais também não participaram.

O currículo oficial se transformou em um documento muito fechado, pois cada

professor recebe o seu, com instruções de como coordenar e mediar cada aula, passo a passo,

e até mesmo com a distribuição dos pontos de cada atividade, do tempo destinado a cada

conteúdo e orientações de como fazer a correção de atividades avaliativas. Com esse

planejamento, vê-se que os professores têm pouca autonomia para modificar sua prática e

suas possibilidades de alterar os conteúdos, ou mesmo acrescentá-los, são raras.

Nos documentos oficiais, o “carro-chefe” é o livro didático e as apostilas, que são

confeccionadas pela própria escola. Em alguns momentos, percebe-se que essas apostilas são

confeccionadas com recortes de outros livros didáticos, aumentando assim o volume de

tarefas, sem necessariamente aumentar a qualidade de ensino. Isso pode ser constatado, a

partir da fala de alunos e da professora Sandra. Alunos, durante as transcrições, comentaram

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como elas estavam “iguais ao livro” e a professora também comentou como, por vezes, fica

sobrecarregada com as atividades das apostilas, já que demandam tempo para suas correções,

tempo esse, no entanto, não contabilizado no planejamento. De forma que se a professora

dedicar o tempo que é necessário para a correção, ela fica, posteriormente, sobrecarregada

com outras atividades, como ela mesma diz, o armário fica cheio de tarefas.

Com essa sobrecarga de atividades e conteúdos, pode-se prever que para abarcar a

inclusão de diversos alunos, com suas diversas diferenças, já se torna um complicador.

Observa-se, na prática, que a inclusão não é efetiva, já que os planejamentos são

padronizados, assim como as avaliações; ainda que na teoria haja uma conotação de inclusão

quando a escola manifesta em seus documentos uma proposta de educação para o respeito às

diferenças. Não há como respeitar a diferença padronizando atitudes e comportamentos.

O complicador maior visto, nesse período de observação, foi a indisciplina da 5ª série.

Os alunos se mostravam muito desrespeitosos com todos, inclusive com eles próprios. Nessa

mesma turma, estavam presentes dois alunos com diagnóstico de TDAH, usuários do

medicamento Ritalina, e um aluno que, possivelmente pelo fato de não possuir um

diagnóstico trazido pela família, não era visto como tal, por todos os professores. A professora

Rosa, em sua entrevista, conta que ele precisa de um atendimento diferenciado, mas esse

atendimento não foi dado até então.

Devido à indisciplina, os alunos não tinham explicações de conteúdo com bases

sólidas, não foram observados momentos para a socialização de dúvidas, execução de tarefas,

comentários e debates com qualidade. O que se viu foi uma turma desorganizada em que

alunos andavam e faziam outras tantas coisas durante as aulas. E a postura da professora era

passiva frente aos conflitos que surgiam. Alunos riam, conversavam alto, saíam da sala,

desenhavam, por vezes se arrastavam pelo chão42. Isso foi uma demonstração de como a

indisciplina pode dificultar a prática de uma educação mais efetiva.

Com a sala dessa maneira não era possível proporcionar uma aula diferente, não era

possível contar com a participação dos alunos e, conclui-se que, desse modo, os alunos

ficaram prejudicados em sua escolarização. O processo ensino-aprendizagem foi fragmentado

nesse período letivo, pois de um lado, os alunos não tiveram aulas com boas explicações,

tendo muitas vezes, possivelmente, que aprender a matéria sozinhos, ou com uma terceira

pessoa. De outro lado, quando a professora dava assistência individualizada, o aluno podia

42 Ver capítulo 4. 3. 1.

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contar com uma possibilidade de aprendizagem, porém, como o restante da turma mantinha

um ambiente agitado e barulhento, as possibilidades de aprendizagem, também se reduziam.

Nos questionários e na votação ocorrida na 5ª série, a indisciplina foi citada como um dos

fatores que prejudicam a aprendizagem.

Conclui-se, portanto, que a indisciplina pode desfavorecer a aprendizagem dos alunos,

levando a uma atitude excludente, mesmo que de forma velada ou inconsciente. É importante

afirmar que a indisciplina observada não pareceu, em momento algum, instrumento de uma

possível opressão ou forma de enfrentamento à pessoa da professora. O que se via era uma

bagunça, devido à falta de uma postura mais firme dessa professora. Quando os outros

professores tinham uma postura mais firme e de autoridade, os alunos se mantinham

tranqüilos, mas quando o tempo ficava ocioso e ninguém impedia as atitudes desses alunos, a

indisciplina se instaurava. Portanto, muitas vezes, a indisciplina não é o resultado de uma

rebeldia de mando/obediência, ou resposta a uma atitude grosseira ou autoritária de um

professor, mas sim um comportamento indicando a falta da ordem e de um mediador que

proporcione um ambiente tranqüilo e de respeito, quando se reúne uma turma de crianças,

naturalmente inquietas e falantes.

O acúmulo dessas atitudes favoreceu, com o tempo, o desrespeito, os apelidos, as

brincadeiras ofensivas, a entrada e saída da sala sem pedir licença, o não cumprimento das

tarefas e, conseqüentemente, a falta de atenção às falas da professora. E, dessa forma, a

indisciplina se tornou uma barreira para a efetividade de uma produção escolar positiva desses

alunos, nesse período analisado.

Referente aos alunos com NEE encontrados nas duas turmas, o caso mais comum foi o

do aluno com déficit de atenção, dificuldades para se concentrar e os dois casos de TDAH, já

diagnosticados. O que se viu foi uma rotina de aula comum, como em qualquer outra escola,

com alguns poucos momentos de uma atenção diferenciada. O que houve de atitude de

inclusão na Edu, coube à vontade e iniciativa do professor, pois a escola não apresenta

nenhum projeto de inclusão ou plano para o atendimento desses alunos. A cena mais comum

foi a da professora Sandra, a todo o momento em suas aulas, exigindo a atenção e participação

de todos os alunos, que respondiam a seus pedidos, verificando assim, aulas bem dinâmicas,

com alunos pedindo para participar e a professora direcionando esses momentos.

Dessa forma, constata-se que o currículo oficial da escola apresenta um discurso de

inclusão, respeito às diferenças e às individualidades, mas seu currículo real é composto por

ações pontuais dos professores, que pareciam trabalhar sozinhos. A professora da 5ª série,

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durante o tempo da pesquisa, com seu desafio de “controlar” a turma e a professora da 4ª série

com seu desafio de vencer os conteúdos propostos, mas tentando adequá-los ao tempo de cada

aluno; mesmo que essa atitude a prejudicasse, posteriormente, como profissional dessa

instituição, já que o planejamento é fechado.

Abordando a inclusão, mais uma vez o trabalho é solitário, cada um no seu espaço,

tentando fazer o que pode ser feito, dentro de suas limitações. As professoras regentes, cada

uma de sua forma, pareceram criar soluções para suas questões solitárias. Uma, através de

rodinhas e dinâmicas de grupo, com a supervisora tentando atingir seus alunos no que diz

respeito às relações sociais; a outra, com seus casos isolados de alunos com dificuldades de

atenção e para fazer com que eles aprendam.

A supervisora tentando ajudar a professora com seu problema de indisciplina e

desrespeito, o professor de Teatro com suas aulas interessantes e dinâmicas, buscando

desenvolver a autonomia, a concentração e a comunicação; o professor de Educação Física

com suas tentativas de agrupamento na quadra e seu desafio de seguir o currículo prescrito (as

tradicionais quadrilhas, que nem sempre agradam ao professor e aos alunos). A diretora

pedagógica com a intenção (como ela mesma diz na entrevista), mas sem nenhuma ação

concreta, até o momento, ou que pelo menos esteja documentada, e o diretor administrativo

aguardando uma mudança para a educação inclusiva, já que sente dificuldades de praticar a

inclusão proposta até então.

No entanto, a Edu e todas as outras escolas que se encontram em situação semelhante,

que possivelmente são a maioria, esperarão até quando? Essas mudanças chegarão ou esses

gestores é que precisam mudar sua postura e ação? Os alunos que precisam ser incluídos

esperarão até quando? Esses alunos e suas famílias têm tempo a perder?

A Edu e tantas outras Edus estão fragmentadas em sua organização quanto à inclusão,

quanto ao currículo e quanto a vários outros fatores. O discurso de cada membro dessa equipe

é diferente, cada um pensa uma coisa, de acordo com a bagagem que trouxe e a formação que

tem. Enquanto seus sujeitos não se encontrarem e pensarem como uma instituição, a inclusão

não acontecerá de forma significativa e o currículo, tão pragmático como o da Edu, não

abarcará a inclusão. Matricular o aluno com NEE, já ciente que as garatujas dele incomodam

e que ele pode não fazer parte de uma lista de aprovados no vestibular da UFMG, quando

chegar ao Ensino Médio (pois seu crescimento físico não ficará estagnado, como sugeriu o

diretor), não é incluir.

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Como se viu bem no capítulo 2, inclusão não é integração, portanto a Edu não inclui

seus alunos, ela aceita sua matrícula. As ações de inclusão são pontuais e só acontecem

quando vindas de professores e não da escola como um todo. Até mesmo os pais, nos

questionários, reconhecem que a Edu não é inclusiva, é somente às vezes, em alguns aspectos.

A inclusão e os pais é outro tema que merece atenção, se a escola não tem claro, nem

mesmo sobre o conceito de inclusão, como pode a direção tomar a iniciativa de construir

propostas efetivas para tal? E se a escola não tem essa iniciativa, os pais criam seu conceito a

partir de outros meios e outras fontes. Dessa forma, o conceito e os preconceitos dos pais

sobre inclusão escolar acontecem de muitas maneiras, mas sem relacionar à escola, ou seja, os

assuntos escolares são definidos e formados, para os pais, sem ligação com a própria escola.

Sendo assim, o resultado foi o que se viu nos questionários dos pais, muita diversidade nas

respostas quanto às NEE, rótulos e preconceitos: alunos com NEE não sendo reconhecidos e

outros sendo excluídos, pelo fato de os pais não desejarem que estivessem juntos de seus

filhos na mesma sala. Por ironia, o perfil mais indesejado foi o aluno indisciplinado, perfil

esse mais comum, sendo bem provável que o próprio filho tenha o perfil que o pai mais

rejeita.

A partir dos pais, pode-se constatar que a inclusão verdadeira só acontece quando há

convívio e uma boa relação com as diferenças. Por isso a importância das políticas de

inclusão. Pôde-se observar que só o pai que tem um filho com TDAH manifestou estar aberto

para todas as diferenças e aceitar o convívio de seu filho com tantas outras diversidades.

Sendo assim, quanto mais distantes das diversidades, mais distantes da inclusão todos estarão.

Sem conviver bem com as diferenças não é possível aceitá-las.

Com isso, a inclusão fica mais distante ainda: a direção sem perspectivas positivas, os

pais sem formação, os professores agindo sozinhos da maneira pontual e os alunos

convivendo e se formando nesse espaço de pequenas inclusões e muitas exclusões. No futuro,

como se dará a formação desses sujeitos em relação à inclusão social? As suposições não são

positivas.

Edu se diferencia positivamente quando tem em sua grade a disciplina Teatro, mas de

forma negativa, quando apresenta um currículo bastante inflexível. Por isso, a intenção não é

criticar a escola e suas propostas, nem mesmo criticar ou ficar chocado com cada atitude do

professor em sala, até mesmo porque o foco da pesquisa é o currículo e a inclusão e também

porque se sabe que em uma sala de aula os atos a as falas acontecem muito rápido, e às vezes,

de forma impensada. Sabe-se que não se pode aceitar qualquer fala ou atitude e que é preciso

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refletir sobre as ações, mas também é claro que não se deve criticar tudo, pois qualquer um no

lugar dessas pessoas também falharia em muitos aspectos. Se for analisar cada fala e cada

atitude, de cada professor em cada escola, só se teria aspectos negativos, mas é preciso levar

em consideração muitos outros fatores.

Mais uma observação relevante é sobre os diagnósticos de TDAH tão comuns no dia

de hoje. Levando em conta que a pesquisadora também é psicopedagoga clínica e

institucional e professora, ou seja, atua tanto na sala de aula como na clínica, sabe que por

vezes é necessário o encaminhamento de alunos para os atendimentos extra-escolares, e que

há pesquisas que comprovam que 5,29% da população mundial apresentam o diagnóstico de

TDAH, variando de 0,9% a 20% de um lugar para o outro.

Isso quer dizer que não foram feitas críticas em relação ao aluno ser diagnosticado

com TDAH, e é possível que outros também pudessem ser encaminhados para uma avaliação

psicopedagógica; o que se questiona, portanto, é o fato de só ser considerado um aluno que

mereça uma atenção diferenciada da escola, após o diagnóstico ou ainda o fato de se achar

que todo aluno agitado ou que tenha um ritmo de aprendizagem diferenciado tenha TDAH.

Ou seja, os casos não podem ser generalizados e sim analisados individualmente.

Não se tem procuração para falar em nome de todas as escolas, pois seria leviano da

parte da pesquisadora tendo em vista à impossibilidade de análise de todas elas, entretanto, a

visão particular que se tem, em vista da escola analisada foi que um currículo inflexível e

imutável desfavorece as possibilidades de inclusão e que é necessária uma proposta efetiva

por parte da escola. Se realmente se almeja uma educação que visa construir cidadãos ativos,

solidários e democráticos é importante que se trate e se debata as diferenças no currículo.

Porém, não se trata de suplementos no currículo escolar, nem de temas transversais, trata-se

de mudança de postura na e da escola visando a criticidade, a busca por respostas e o direito

de ser diferente. O discurso que todos são iguais deve ser mudado para todos são diferentes, e

essas diferenças precisam ser respeitadas, sejam elas quais forem.

As ações pontuais de inclusão não são eficazes sem uma mudança de postura vinda da

direção e não só a equipe escolar, mas também os pais precisam de formação sobre o tema. A

indisciplina, tão debatida atualmente no âmbito educacional pode ser resultado da falta de

uma postura mais firme e enérgica do professor. Caso não haja autoridade do professor (que

não pode ser confundida com autoritarismo), a indisciplina também se torna um fator para a

baixa qualidade de ensino, e consequentemente, para a exclusão de alunos que demandem um

ritmo diferente de aprendizagem.

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Por fim, observa-se que a escola ainda não tem clareza sobre o que é incluir e quais

sujeitos precisam de uma atenção especial, há incertezas quanto aos conceitos de educação

inclusiva e currículo diferenciado. A partir disso, levanta-se um dado importante: a

abrangência, a ambigüidade e a superficialidade com que esses temas são tratados pela

própria literatura também podem ser fatores que contribuam para a dificuldade de efetivação

de uma verdadeira inclusão na escola.

Finalmente, vale registrar a situação do tema no momento da construção da ficha

catalográfica, presente no verso da folha de rosto desta dissertação, construída com o auxílio

de uma bibliotecária da PUC.

Para sua construção, é necessário selecionar na Biblioteca Nacional um tema já

existente. O fato que chama a atenção é que na Biblioteca Nacional não consta o tema NEE.

Sobre o assunto, têm-se como sugestões: inclusão escolar e inclusão em educação, que foram

escolhidos para a ficha. Assim, as palavras-chave da ficha não são iguais às do resumo.

Em contrapartida, têm-se educação de cegos, surdos, deficientes, educação especial e

outros, também ligados à deficiência. Portanto, vê-se que a limitação e superficialidade dos

conceitos ligados à inclusão escolar também são encontradas e comprovadas nas áreas técnica

e administrativa, levando em conta que o tema não tem sequer referência na Biblioteca

Nacional. È como se ele não existisse.

Com esse fato inesperado, conclui-se que, realmente, as NEE têm seu conceito

limitado e ainda desconhecido por muitos setores e pessoas.

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APÊNDICE A – Questionário dos alunos

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Oi Turma, Acompanhei algumas aulas com vocês desde o mês de maio deste ano devido a minha pesquisa no mestrado da Puc, como vocês já sabem. E, para finalizar este trabalho, peço a todos, por gentileza, que respondam as questões abaixo. Não é necessário escrever seu nome na folha e não há questões certas ou erradas. Você deve, portanto, respondê-las de acordo com o que você pensa e acredita. Obrigada. Gláucia Xavier – out/07

1- Sobre os conteúdos estudados neste ano, você considera-os: ( ) interessantes e necessários ( ) muito fáceis ( ) muito difíceis ( ) desinteressantes

2- Você gosta de estudar nesta escola? ( ) sim ( ) não

3- O que faz você gostar ou não da escola? (Marque quantas quiser) ( ) os amigos ( ) as aulas ( ) os professores ( ) o espaço da escola ( ) outros _____________________________________________________________

4- Quando você tem dificuldade para aprender algum conteúdo, o que ou quem você acha que é o responsável?

( ) você, pois tem dificuldades para aprender muitas coisas ( ) você, pois mesmo não tendo dificuldades para aprender, falta estudo e dedicação ( ) a professora, pois a maneira de ensinar os conteúdos faz com que você, as vezes, não entenda ( ) os livros e as apostilas, pois as atividades são difíceis e complicadas ( ) os pais ou responsáveis, pois não o ajudam no para casa ou quando você tem duvidas ( ) a conversa e a indisciplina da turma ( ) outros _____________________________________________________________

5- Você se considera um(a) aluno(a): ( ) com dificuldade para aprender ( ) mediano ( ) com facilidade para aprender 6- Você se sente excluído na escola?

( ) sim ( ) não ( ) às vezes

7- Se você respondeu sim ou às vezes, por quem você se sente excluído(a)? ( ) pelas colegas - meninas ( ) pelos colegas – meninos ( ) por todos

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( ) por um grupo de colegas ( ) pelos professores ( ) por um(a) professor(a) ( ) outra pessoa. Quem? _________________________________________________ 8 – O que acontece quando você apresenta dificuldade para aprender algum conteúdo? ( ) os pais o ajudam em casa ( ) um professor particular ou outro profissional o ajuda ( ) você tenta aprender sozinho ( ) nada é feito ( ) os colegas o ajudam a entender o conteúdo ( ) a professora explica de novo, na sala ( ) a professora explica de novo só para você. 9- O que você acha que a escola deve fazer para que todos os alunos aprendam e tenham educação de qualidade?

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APÊNDICE B – Questionário dos pais

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APÊNDICE C - Gráficos representativos dos questionários

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Questionários dos alunos

Gráfico 1: Conteúdos estudados no ano – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 2: Satisfação em estudar nessa escola – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 3: Motivos para gostar da escola – 4ª série

0

5

10

15

20

Núm

ero

de a

luno

s

amigosaulasprofs.espaçooutros

0

5

10

15

20

25

Núm

ero

de a

luno

s interessantesmuito fáceismuito difíceisdesinteressantes

0

5

10

15

20

25

Núm

ero

de a

luno

s

simnãoñ respondeu

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Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 4: Responsável pelas dificuldades para aprender – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 5: Auto- avaliação – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

2

4

6

8

10

12

Núm

ero

de a

luno

s

vc: tem difildade com oaprendizadovc: falta estudo e dedicação

prof: sem didática de ensino

livros/apostilas: atividadesdifíceis e complicadaspais: ñ recebem ajuda em casa

conversa e disciplina da turma

outros

ñ responderam

02468

10121416

Núm

ero

de a

luno

s

dificuldades p aprender

mediano

facilidade p aprender

0

5

10

15

Núm

ero

de a

luno

s

simnãoás vezes

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Gráfico 6: Sentimento de exclusão na escola – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 7: Pessoas que provocam sentimento de exclusão – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 8: Atitude tomadas em relação às dificuldades – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 1: Conteúdos estudados no ano – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

2

4

6

8

10

Núm

ero

de a

luno

s

colegas: meninascolegas: meninospor todosgrupo de colegaspor profs.um prof.outra pessoa

02468

10121416

Núm

ero

de a

luno

s

pais: ajudamprof. particularvc tenta sozinhonada é feitocolegas: ajudamprof: explica novamenteprof: explica só p vc

0

5

10

15

Núm

ero

de a

luno

s interessantesmuito fáceismuito difíceisdesinteressantes

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Gráfico 2: Satisfação em estudar nessa escola – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 3: Motivos para gostar da escola – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

02468

101214

Núm

ero

de a

luno

s sempreàs vezesnuncasem resposta

01234567

Núm

ero

de a

luno

s

vc: tem difildade com oaprendizadovc: falta estudo e dedicação

prof: sem didática de ensino

livros/apostilas: atividadesdifíceis e complicadaspais: ñ recebem ajuda em casa

conversa e disciplina da turma

outros

ñ responderam

0

5

10

15

20

Núm

ero

de a

luno

s

simnãoñ respondeu

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173

Gráfico 4: Responsável pelas dificuldades para aprender – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 5: Auto- avaliação – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 6: Sentimento de exclusão na escola – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 7: Pessoas que provocam sentimento de exclusão – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

02468

101214

Núm

ero

de a

luno

s dificuldades p aprender

mediano

facilidade p aprender

0

2

4

6

8

10

Núm

ero

de a

luno

s

simnãoás vezes

0

1

2

3

4

5

6

Núm

ero

de a

luno

s

colegas: meninas

colegas: meninos

por todos

grupo de colegas

por profs.

um prof.

outra pessoa

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Gráfico 8: Atitude tomadas em relação ás dificuldades – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Questionário dos pais

Gráfico 1: Conteúdos estudados no ano – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

02468

10121416

Núm

ero

de a

luno

s

pais: ajudam

prof. particular

vc tenta sozinho

nada é feito

colegas: ajudam

prof: explica novamente

prof: explica só p vc

012345678

Núm

ero

de p

ais

interessantesinadeguados"avançados""fracos"ñ sei dizerñ respondeu

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Gráfico 2: Seleção de conteúdo– 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 3: O filho e a NEE– 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 4: Escola inclusiva – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

2

4

6

8

10

Núm

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de p

ais

sim

não

0

1

2

3

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5

Núm

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de p

ais sim

nãoem alguns aspectos

0

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3

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Núm

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simnão

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Gráfico 5: Influências negativas na aprendizagem – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 6: Apostilas da escola – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 7: Causa das dificuldades escolares – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

2

4

6

8

Núm

ero

de p

ais

eficazes/necessáriasineficazes/desnecessáriaseficazes mais sobrecarregamatividades diversificadasatividades repetitivasñ sabem dizer

00,5

11,5

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4

Núm

ero

de p

ais

escolafamíliaalunosituações adversasñ respondeu

0123456789

Núm

ero

de p

ais

regras rígidas

indisciplina

atividades em grupo

atividades individuais

livros adotados

apostilas

metodologia do prof.

NEE na sala

muito para casa

pouco para casa

outros

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Gráfico 8: Atitude da escola frente às dificuldades – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 9: Uso de medicamento – 4ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

2

4

6

8

10

Núm

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de p

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simnão

0

1

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Núm

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apoio p. estudos em casa

atendimento com prof.Especializados

monitoria em outros hrs

avaliar/modif icar ametodologia

modif icar os conteúdos

outros

0

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Núm

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interessantesinadeguados"avançados""fracos"ñ sei dizerñ respondeu

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Gráfico 1: Conteúdos estudados no ano – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 2: Seleção de conteúdo– 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 3: O filho e a NEE– 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 4: Escola inclusiva – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

012345678

Núm

ero

de p

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simnão

0

0,5

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em alguns aspectos

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Gráfico 5: Influências negativas na aprendizagem – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 6: Apostilas da escola – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 7: Causa das dificuldades escolares – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

0

1

2

3

4

5

Núm

ero

de p

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eficazes/necessáriasineficazes/desnecessáriaseficazes mais sobrecarregamatividades diversificadasatividades repetitivasñ sabem dizer

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escolafamíliaalunosituações adversasñ respondeu

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6N

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sregras rígidasindisciplinaatividades em grupoatividades individuaislivros adotadosapostilasmetodologia do prof.NEE na salamuito para casapouco para casaoutros

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Gráfico 8: Atitude da escola frente às dificuldades – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 9: Uso de medicamento – 5ª série Fonte: Dados da pesquisa

012345678

Núm

ero

de p

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simnão

0

1

2

3

4

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Núm

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apoio p. estudos em casa

atendimento com prof.especializados

monitoria em outros hrs

avaliar/modif icar ametodologia

modif icar os conteúdos

outros

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APÊNDICE D – Estrutura básica das entrevistas

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PERGUNTAS

1- Para você, o que é o currículo escolar?

2- O que você entende por inclusão escolar?

3- Você considera a Edu uma escola inclusiva?

4- Você tem alunos que você julgue ter alguma NEE e precise de uma atenção maior

sua?

5- O que acha do material didático escolhido?

6- Qual seu ponto de vista sobre as apostilas confeccionadas pela escola? Elas

sobrecarregam seu trabalho?

7- Quem escolhe o material didático?

8- Você acha que a falta de disciplina da turma interfere no cumprimento do

planejamento?

9- Selecionam-se os conteúdos primeiro ou o livro didático? Por quê?

10- Qual a necessidade das apostilas, já que tem o livro didático?

11- Quem seleciona os conteúdos do programa?

12- Como você acredita que o currículo pode dar conta das diferenças existentes na sal de

aula?

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ANEXO A – Currículo (alguns exemplos)

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ANEXO B – Auto avaliação do aluno

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ANEXO C – Texto José Peralta – Aula de Ética - 4ª série

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