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1 O desempenho dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental em situações multiplicativas Jéssica Maria Oliveira de Luna 1 GD 1 Educação Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental Resumo Este artigo tem como objetivo analisar o resultado de um teste diagnóstico voltado para o campo multiplicativo, aplicado em alunos do 4º ano de escolaridade. O presente trabalho faz parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento no mestrado acadêmico que visa a elaborar uma formação continuada de professores tendo como base a Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, com a finalidade de promover estratégias docentes que venham tornar o processo de aprendizagem mais acessível e motivador aos estudantes. A metodologia adotada consistiu na aplicação de um teste diagnóstico em 43 estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública da baixada fluminense, e a abordagem foi de caráter qualitativo. Os dados coletados e analisados tornam-se importantes para responder a seguinte questão levantada na pesquisa: “Quais as competências que os estudantes dos 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental dispõem para resolver problemas pertencentes ao campo conceitual multiplicativo?”. A fundamentação teórica está em torno do estudo da Teoria dos Campos Conceituais, que afirma que para entender a construção de um determinado conhecimento, é necessário usufruir das suas características específicas, analisando o conceito de seu domínio. Para Vergnaud (1990), é uma teoria cognitivista que está embasada no estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas. Os resultados mostraram que os discentes desvendaram em suas resoluções, estratégias usadas nos seus cotidianos ao usarem variáveis pictóricas que foram empregadas simultaneamente com as variáveis numéricas, possibilitando o desdobramento das situações oferecidas e que facilitarão o aprendizado de situações de proporção simples muitos para muitos. Palavras-chave: teoria dos campos conceituais; campo multiplicativo; variáveis. 1. Introdução Este trabalho tem como objetivo analisar o resultado de um teste diagnóstico voltado para o campo multiplicativo aplicado em alunos de 4º ano de escolaridade. Foi impulsionado pela vivência dentro da escola em especial, percebendo os baixos rendimentos dos alunos em Matemática e a angústia dos professores em relação ao ensino da ciência. Além disso, vale destacar o baixo desempenho no último Ideb (2013) que é calculado por meio das avaliações da Prova Brasil e do fluxo escolar (taxa de aprovação). O município obteve 4,3 e não alcançou a meta estabelecida, que era de 4,4. Vale salientar os anos anteriores: 4,2 (2011 meta 4,1); 3,7 (2009 meta 3,7); 3,6 (2007 meta 3,4). Verificamos que houve um pequeno progresso, porém é de suma importância problematizar para entender o porquê do rendimento desses alunos não alcançar o objetivo no último processo. Essas questões possivelmente envolvem fatores culturais e afetivos que vão ao encontro dos aspectos cognitivos. Daí, a importância de diagnosticar e investigar o professor no tocante às suas crenças e concepções sobre o ensino das estruturas 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, [email protected], orientadora: Prof .ª Dr.ª Gabriela dos Santos Barbosa

O desempenho dos alunos dos anos iniciais do Ensino ... · A metodologia adotada consistiu na aplicação de um teste diagnóstico em 43 estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental,

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O desempenho dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental em situações

multiplicativas

Jéssica Maria Oliveira de Luna1

GD 1 – Educação Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar o resultado de um teste diagnóstico voltado para o campo

multiplicativo, aplicado em alunos do 4º ano de escolaridade. O presente trabalho faz parte de um projeto de

pesquisa em desenvolvimento no mestrado acadêmico que visa a elaborar uma formação continuada de

professores tendo como base a Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, com a finalidade de promover

estratégias docentes que venham tornar o processo de aprendizagem mais acessível e motivador aos

estudantes. A metodologia adotada consistiu na aplicação de um teste diagnóstico em 43 estudantes do 4º ano

do Ensino Fundamental, de uma escola pública da baixada fluminense, e a abordagem foi de caráter

qualitativo. Os dados coletados e analisados tornam-se importantes para responder a seguinte questão

levantada na pesquisa: “Quais as competências que os estudantes dos 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental

dispõem para resolver problemas pertencentes ao campo conceitual multiplicativo?”. A fundamentação

teórica está em torno do estudo da Teoria dos Campos Conceituais, que afirma que para entender a

construção de um determinado conhecimento, é necessário usufruir das suas características específicas,

analisando o conceito de seu domínio. Para Vergnaud (1990), é uma teoria cognitivista que está embasada no

estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas. Os resultados mostraram que os

discentes desvendaram em suas resoluções, estratégias usadas nos seus cotidianos ao usarem variáveis

pictóricas que foram empregadas simultaneamente com as variáveis numéricas, possibilitando o

desdobramento das situações oferecidas e que facilitarão o aprendizado de situações de proporção simples –

muitos para muitos.

Palavras-chave: teoria dos campos conceituais; campo multiplicativo; variáveis.

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar o resultado de um teste diagnóstico voltado

para o campo multiplicativo aplicado em alunos de 4º ano de escolaridade. Foi

impulsionado pela vivência dentro da escola em especial, percebendo os baixos

rendimentos dos alunos em Matemática e a angústia dos professores em relação ao ensino

da ciência. Além disso, vale destacar o baixo desempenho no último Ideb (2013) que é

calculado por meio das avaliações da Prova Brasil e do fluxo escolar (taxa de aprovação).

O município obteve 4,3 e não alcançou a meta estabelecida, que era de 4,4. Vale salientar

os anos anteriores: 4,2 (2011 – meta 4,1); 3,7 (2009 – meta 3,7); 3,6 (2007 – meta 3,4).

Verificamos que houve um pequeno progresso, porém é de suma importância

problematizar para entender o porquê do rendimento desses alunos não alcançar o objetivo

no último processo.

Essas questões possivelmente envolvem fatores culturais e afetivos que vão ao

encontro dos aspectos cognitivos. Daí, a importância de diagnosticar e investigar o

professor no tocante às suas crenças e concepções sobre o ensino das estruturas

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, [email protected], orientadora: Prof .ª Dr.ª Gabriela dos

Santos Barbosa

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multiplicativas e o seu ensino, estabelecendo um diálogo entre esse profissional e a

aprendizagem de seu aluno, que dará origem às estratégias e construções de possibilidades

para mediar o campo conceitual multiplicativo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática – PCNs – para o Ensino

Fundamental (1997), na seção Números e Sistema de Numeração, descrevem o possível

raciocínio do aluno, possíveis situações encontradas pelos professores, como um

determinado conceito pode ser trabalhado de variadas formas e como pode reaproveitá-los,

evidenciando sua relação com a Teoria dos Campos Conceituais.

Nesses pressupostos legais, cita-se que os números naturais tem sua utilidade

percebida pelas crianças antes mesmo de chegarem à escola através do conhecimento de

seus números de telefones, de suas casas, dos ônibus, idade, preço, número de calçado.

Desse modo, as atividades de leitura, escrita, comparação e ordenação de notações

numéricas devem tomar como ponto de partida os números que a criança conhece. O

professor propiciará essa oportunidade ao aluno de expor suas hipóteses sobre números e

escritas numéricas, pois elas constituem subsídios para a organização de novas atividades

(p. 65-66).

No trabalho de Magina et al (2013), apresentando uma análise comparativa entre os

prognósticos das professoras e o desempenho dos estudantes em relação a 13 situações do

Campo Conceitual Estruturas Multiplicativas, verificou que as possíveis dificuldades dos

estudantes na resolução das 13 situações propostas abrange quatro categorias, a saber: (I)

dificuldade com a tabuada e erro na operação; (II) leitura e interpretação; (III) situações

pouco ou nunca exploradas em sala de aula; e (IV) erro na escolha a operação adequada. A

reflexão partiu do fato das Estruturas Multiplicativas serem trabalhadas em sala de aula,

geralmente, no final do 3º ano do Ensino Fundamental, momento em que, normalmente, se

exploram situações contemplando as continuidades entre o raciocínio aditivo e

multiplicativo, nas quais a operação de multiplicação é vista como um procedimento mais

rápido e econômico fazer adições com parcelas repetidas.

Essas categorias foram encontradas durante a análise dos problemas resolvidos

pelos estudantes. Daí, a relevância de aplicar um teste diagnóstico com situações

problemas para identificação desses itens citados por Magina.

Nos PCN de Matemática (1997) consta:

O ponto de partida da atividade matemática não é a definição, mas o problema; o

problema não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase mecânica,

uma fórmula ou um processo operatório; aproximações sucessivas ao conceito

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são construídas para resolver certo tipo de problema; num outro momento, o

aluno utiliza o que aprendeu para resolver outros; o aluno não constrói um

conceito em resposta a um problema, mas constrói um campo de conceitos que

tomam sentido num campo de problemas; a resolução de problemas não é uma

atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem,

mas uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em que se

pode apreender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas (1997, p. 43).

Verificou-se que os alunos possuem diversas estratégias que levam à solução

das situações dadas, mas que ainda não é o suficiente para reparar suas dificuldades

presentes em problemas de proporção simples – muitos para muitos. A ausência do

raciocínio multiplicativo pode se tornar um obstáculo para a compreensão de outras

questões que envolvam o campo multiplicativo.

2. Um panorama da aprendizagem da Matemática à luz dos campos conceituais

O quadro teórico faz referência à Teoria dos Campos Conceituais (TCC),

desenvolvida pelo psicólogo Gerárd Vergnaud, que a define da seguinte forma:

A teoria dos campos conceituais é uma teoria cognitivista que visa fornecer um

quadro coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e

da aprendizagem de competências complexas, notadamente das que se revelam

das ciências e das técnicas. (VERGNAUD, 1990 Apud BARBOSA, 2008)

Para Vergnaud (2009), a Matemática dos estudantes diferencia de seus professores,

bem como as representações entre os professores variam bastante, de acordo com suas

visões da Matemática e da sociedade. Os alunos desenvolvem suas competências e atitudes

ao longo do tempo, através de suas experiências com situações diversas, seja dentro ou fora

da escola. Em geral, quando são submetidos a uma nova situação, eles usam o

conhecimento desenvolvido naquelas situações e tentam adaptá-los às novas. O

conhecimento acontece por meio de situações e problemas familiares aos estudantes, o que

implica dizer que a origem do conhecimento é local.

Vergnaud (VERGNAUD, 2013; em entrevista à Revista Nova Escola Disponível

em: <http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/todos-perdem-quando-nao-

usamos-pesquisa-pratica-427238.shtml>. Acesso em: 14 Ago. 2015) enfatiza que é função

do professor identificar o que o aluno traz dessas experiências: aquelas que conseguem

expor explicitamente e aquelas que são usadas corretamente, porém não desenvolvidas,

ainda implícitas. Essa complexidade baseia-se no fato de que os conceitos matemáticos

traçam seus sentidos a partir de uma variedade de situações, e que cada situação

normalmente não pode ser analisada com a ajuda de um único conceito, mas, ao contrário,

ela requer vários deles.

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A Teoria dos Campos Conceituais é, para Vergnaud (2009), um conjunto informal e

heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e processos

de aquisição. O domínio de um campo conceitual não ocorre em dois meses, nem mesmo

em alguns anos. Ao contrário, novos problemas e novas propriedades devem ser estudados

ao longo de vários anos para que o aluno domine em sua totalidade. Acrescenta que um

campo conceitual é um conjunto de situações, cujo domínio progressivo exige uma

variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em estreita

conexão. Nessa perspectiva, a construção de um conceito envolve um trio chamado SIR: O

S é um conjunto de situações, que dá significado ao objeto em questão; o I é um conjunto

de invariantes, que trata as propriedades e procedimentos necessários para definir esse

objeto; e o R um conjunto de representações simbólicas, as quais permitem relacionar o

significado desse objeto com as suas propriedades.

Vergnaud (2009) enfatiza ainda que é a análise das tarefas matemáticas e o estudo

da conduta do aluno, quando confrontado com essas tarefas, que permite ao professor

analisar a competência daquele. Esta por sua vez, pode ser avaliada por três aspectos:

1. Análise do acerto e do erro, sendo considerado competente aquele que acerta;

2. Análise do tipo de estratégia utilizada, podendo ser alguém mais competente que

outro, porque sua resolução foi mais econômica ou mais rápida, ou ainda, mais elegante;

3. Análise da capacidade de escolher o melhor método para resolver um problema

dentro de uma situação popular.

Quanto aos acertos, é interessante que o professor analise os meios que o aluno

utilizou para realizar a tarefa solicitada.

Quanto aos erros, há uma necessidade relevante em analisá-los, pois somente esta

análise permitirá que o professor conheça as dificuldades enfrentadas por seus alunos e os

meios de remediar a situação.

As concepções prévias do aluno têm sido desprezadas em relação às concepções

científicas.

No caso da Matemática, é muito claro que as crianças têm necessidade de

assimilar aquilo que pedimos que elas façam. Por isso, temos de propor situações

nas quais a soma faça sentido, a subtração faça sentido - e isso vale para a

escolha dos dados, não só para as contas. E vale também para o professor. Se ele

vê os alunos errarem sem entender o percurso que estão trilhando, todo o

trabalho se perde, não funciona.

(VERGNAUD, 2013; em entrevista à Revista Nova Escola. Disponível em:

<http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/todos-perdem-

quando-nao-usamos-pesquisa-pratica-427238.shtml>. Acesso em: 14 Ago. 2015)

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Em sua teoria, Vergnaud divide em Campo das estruturas aditivas e Campo das

estruturas multiplicativas. Aqui, neste trabalho, discutiremos o campo das estruturas

multiplicativas que vão além da ideia de repetição de parcelas repetidas, funcionando como

complemento da adição. Também não se reduz ao raciocínio proporcional, frações ou

razões, algoritmos da multiplicação e da divisão. Para Vergnaud (1990), nas estruturas

multiplicativas ocorre a simultaneidade das situações que abarcam uma ou várias

multiplicações e/ou divisões, inclusive os conceitos e teoremas necessários para

desenvolvê-las.

Com isso, entende-se que o ensino das estruturas multiplicativas é um processo longo

justamente por abranger uma série de conceitos, o que coincide com a análise realizada no

estudo de Magina et al (2013), exposto na introdução deste artigo.

A classificação dos problemas do campo multiplicativo é estabelecida por Vergnaud

(1988) em três tipos:

1) Isomorfismo de medidas - Compreende uma proporção simples e direta entre duas

grandezas x e y. Exemplo: “Sérgio comprou 3 barras de chocolate a R$ 3,50

cada. Quanto ele deve pagar?”

Faz parte desse grupo os problemas que envolvem divisão por cota 2, divisão por

partição3 e o cálculo da quarta proporcional 4.

2) Produtos de medidas - Envolve uma composição cartesiana de duas grandezas x

e y dentro de uma terceira z. Exemplo: problemas referentes a área, volume,

produto cartesiano e outros conceitos físicos.

Os problemas de combinatória estão inclusos nesse grupo.

3) Proporções múltiplas. – Abarca uma grandeza x que é proporcional a duas

grandezas y e z. Exemplo: Problemas de regra de três composta.

Magina, Santos e Merlini (2010), com base em Vergnaud (1983, 1988, 1994),

elaboraram um esquema que são apresentados conforme o quadro a seguir:

2 Divisão por quotas é dada a quantidade inicial que deve ser dividida em quotas preestabelecidas, devendo-

se encontrar o número de vezes em que esta quantidade é dividida. 3 Quando é dada uma quantidade inicial e o número de vezes em que esta quantidade deve ser

distribuída,devendo-se encontrar o tamanho de cada parte. 4 Nesse problema, três termos são conhecidos e um termo é desconhecido.

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Figura 1 – Esquema do Campo Conceitual Multiplicativo

Fonte – MAGINA et al, 2010, p. 6

O esquema mostra que os problemas multiplicativos são classificados em duas

categorias: relações quaternárias e relações ternárias, nas quais cada uma delas possuem

dois eixos. Trataremos neste estudo, especificamente, das relações quaternárias compostas

pelo eixo de proporção simples, dividido nas classes um para muitos e muitos para muitos,

e ternárias pelo eixo de produto de medida na classe de configuração retangular.

Ao falarmos de relações ternárias, dois elementos são enunciados e pede-se o

terceiro. Se tratar de relações quaternárias, identificam-se três elementos enunciados e

pede-se o quarto.

Alguns destaques a considerar, conforme Magina et al (2010):

EIXO DA PROPORÇÃO SIMPLES - Uma simples proporção direta com variáveis

diferentes. Exemplos: objeto e pessoa, tempo e distância, etc. Esse eixo divide-se em duas

classes de situações definidas como:

Correspondência um para muitos – A relação de variáveis é explícita. Exemplo:

“Numa caixa existem 5 bombons. Quantos bombons existirão em 3 caixas?”

Correspondência muitos para muitos – Quando não for possível obter a relação um

para muitos. Exemplo: “Se comprar 3 pipas leva 5 balas, quantas balas ganharei se

comprar 6 pipas?’

EIXO PRODUTO DE MEDIDAS – Envolve situações de configuração retangular e

de análise combinatória.

Configuração retangular – São aquelas situações em que uma variável encontra-se

em eixo vertical e a outra no eixo horizontal, de forma retangular. Exemplo: “Qual a

área de um terreno retangular se sua largura é de 20 m e seu comprimento é de 40

m?”

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3. Metodologia

O estudo apoiou-se nos princípios de pesquisa descritiva, nos quais o pesquisador

tem por escopo conhecer e interpretar fenômenos ligados à realidade sem nela interferir

para modificá-la (RUDIO, 1978 apud Magina et al, 2010). Dessarte, o presente artigo não

só investiga o desempenho dos estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental na

resolução de problemas multiplicativos, como também tenciona a descrição e categorias

das estratégias empregadas por eles.

Para esse fim, foi aplicado um teste diagnóstico em 43 estudantes, do 4º ano, do

Ensino Fundamental, de uma escola pública localizada na Baixada Fluminense, no Rio de

Janeiro. O teste foi composto de 5 questões que contemplavam situações do Campo

Conceitual Multiplicativo. A aplicação foi conduzida pela professora de cada turma e cada

aluno resolveu as questões de maneira individual.

Para efeito desse artigo analisaremos a ação e as estratégias adotadas pelos

estudantes nas 5 questões. Quatro questões envolvem o eixo da propriedade simples, sendo

que duas delas pertencem a classe “um para muitos”, outras duas pertencem a classe

“muitos para muitos”, finalizando com uma questão do eixo do produto de medidas cuja

classe é “configuração retangular”.

Na próxima seção, apresentaremos e analisaremos o desempenho no teste

diagnóstico.

3.1. Desempenho Geral no teste diagnóstico

A tabela abaixo mostra a taxa de acerto, em porcentagem, do grupo para cada

questão do teste.

Tabela 1: percentual de acertos em relação ao total de acertos por questão.

Questões Acertos

Q 1 – Proporção simples, um para muitos. 90,7

Q 2- Proporção simples, muitos para

muitos.*

25,6

Q 3 - Proporção simples, um para muitos. 65,2

Q 4 - Proporção simples, muitos para

muitos.

79,0

Q 5 – Produto de medidas, Configuração

retangular

58,2

* envolve mais de uma operação.

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Observando a tabela com os percentuais do desempenho no teste diagnóstico,

podemos inferir que os alunos possuem dificuldades em questões de proporção simples –

muitos para muitos que envolvem mais de uma operação. Entendemos que isso se deve ao

fato de não conseguirem atribuir desdobramentos dentro das questões que exigem mais de

um raciocínio multiplicativo.

Já os conhecimentos considerados em um nível de domínio razoável são as questões

Q3, Q5 cujos percentuais que ficaram entre 58% e 66%. Nas questões Q4 e Q1, o

percentual de acerto foi superior a 70%, assim, compreendemos que os conceitos neles

envolvidos já haviam sido apropriados pelos alunos. Agrupando as questões e formando

bloco de acordo com suas respectivas classificações, obtemos o gráfico:

Gráfico 1: Percentual de acertos por blocos de questões.

Os dados apontam que as questões de proporção simples – muitos para muitos são as

que apresentam o baixo desempenho dos alunos. O índice geral de percentual de acertos

foi de 28% sinalizando a necessidade de intervenção por parte do professor.

3.2. Análise qualitativa

Mediante os dados apresentados, adentremos nos atributos oriundos das estratégias

de resolução dos alunos. As estratégias foram agrupadas de acordo com a complexidade

dos raciocínios desenvolvidos pelos estudantes. Os grupos englobam tanto soluções que

levaram para o erro quanto para o acerto.

Foram indicados três conjuntos de estratégia, alicerçados no estudo de Magina et al

(2010). Neste trabalho, apontamos cada um deles, descrevendo-os. Após a observação,

contemplaremos as variáveis escolhidas e a disposição lógica intrínseca nos estudantes.

41%

28%

31%

Proporção Simples -Um para muitos.(Q1 e Q3)

Proporção Simples -Muitos para muitos.(Q2 e Q4)

Produto de medidas- Configuraçãoretangular (Q5)

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Estratégia do Grupo 1 – Pensamento aditivo

A estratégia desenvolvida nesse grupo é aquela em que o estudante utiliza os dados

do problema dentro de uma adição. A solução do aluno não se encontra no prisma da

estrutura multiplicativa, incidindo no insucesso.

Exemplos de estratégias de pensamento aditivo

Questão 2 – sujeito P, 4º ano Questão 5 – sujeito S, 4º ano

Estratégia do Grupo 2 – Transição

Nas estratégias do grupo 2, os alunos se mostram mais sofisticados em suas

resoluções. Identificaram-se respostas que abordavam agrupamentos de partes até

chegar ao todo. Essa ação pode levar ao erro ou ao acerto, dependendo da forma e da

interpretação desenvolvida pelos estudantes. Introduzimos também nesse conjunto as

estratégias que, apesar de pertencerem ao campo multiplicativo, foram empregadas de

maneira indevida através da operação inversa e acabaram impelindo ao erro.

Dividiremos em dois subgrupos: subgrupo correto e subgrupo incorreto.

Exemplos de estratégias de pensamento transitivo, subgrupo incorreto.

Questão 4 – sujeito M, 4º ano Questão 3 – sujeito P, 4º ano

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Exemplos de estratégias de pensamento transitivo, subgrupo correto.

Questão 3 – sujeito MS, 4º ano Questão 4 – sujeito C, 4º ano

Estratégia do Grupo 3 – Pensamento multiplicativo

Neste grupo, os estudantes apoderam-se de estratégias eficientes e notoriamente

multiplicativas. Aqui encontramos resoluções corretas que atendem aos problemas; a

multiplicação é utilizada como complemento.

Questão 1 – sujeito A, 4º ano Questão 3 – sujeito AC, 4º ano

Questão 5 – sujeito ME, 4º ano Questão 2 – sujeito R, 4º ano

Notamos que as variáveis pictóricas predominam nas resoluções dos alunos do 4º

ano e mais levam ao sucesso do que ao erro. Além disso, é relevante salientar que a

maioria das resoluções se apresentou de forma mista, ou seja, com variáveis pictóricas e

numéricas simultaneamente, o que indica que os estudantes intencionaram reforçar seu

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raciocínio, permitindo supor que passaram por momentos de insegurança durante o

pensamento cognitivo.

A análise das estratégias, desenvolvidas através das variáveis pictóricas e

numéricas, presume que esses alunos estão preparados para trabalhar situações de

divisão, assim como solucionar as questões referentes ao campo multiplicativo, eixo das

proporções simples – muitos para muitos.

4. Considerações finais

O objetivo do presente artigo foi analisar o resultado de um teste diagnóstico

voltado para o campo multiplicativo, aplicado em alunos de 4º ano de escolaridade. Os

dados quantitativos e a análise qualitativa atestam a concepção, oriunda dos estudos de

Vergnaud (2009), que a aprendizagem é local, pois os discentes desvendaram em suas

resoluções, estratégias usadas nos seus cotidianos ao usarem variáveis pictóricas,

empregando-as simultaneamente com as variáveis numéricas, que possibilitaram o

desdobramento das situações oferecidas. Além disso, vale ressaltar que o raciocínio

multiplicativo desses alunos está preparado para grandes avanços nas estruturas

multiplicativas, inclusive a divisão. Da mesma forma, são caminhos que apontam para

solucionar as dificuldades dos estudantes em relação ao eixo da proporção simples –

muitos para muitos.

Ademais, constatamos que o papel do professor como conhecedor de seus alunos,

do currículo e do processo da aprendizagem (WILSON; SHULMAN; RICHERT, 1987,

p. 108), torna-se essencial para incentivar o desenvolvimento das estruturas cognitivas

do estudante, já intrínsecas neles. A prática docente é fundamental para o avanço nos

campos conceituais multiplicativos, justamente por esse campo se apresentar de maneira

mais complexa que o campo aditivo, envolvendo mais conceitos, mais invariantes e

representações variadas.

5. Referências

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PESSOA, C; FILHO, M. Estruturas multiplicativas: como os alunos compreendem os

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VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade, Ed. 3. Curitiba: UFPR,

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VERGNAUD, G. "Todos perdem quando a pesquisa não é colocada em

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<http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/todos-perdem-quando-nao-

usamos-pesquisa-pratica-427238.shtml>. Acesso em: 14 Ago. 2015. Entrevista

concedida a Gabriel Pillar Grossi.

WILSON, S; SHULMAN, L.S; RICHERT, A.E. 150 ways of knowing: Representations

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Grã-Bretanha: Cassell Educational Limited, 1987, pp. 104-124.