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1 Introdução Fernando Calhau nasceu em Lisboa em 1948. Completou o curso complementar de pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1973. Durante o ano de 1974 foi bolseiro de estudos de pós-graduação na Slade School of Fine Art da University College, em Londres, onde foi aluno de Bartolomeu Cid dos Santos. A primeira exposição individual ocorreu ainda em 1968 na Galeria Gravura em Lisboa com o título Gravura Branca. Desde então realizou exposições regulares, individuais e colectivas, e desenvolveu diversos projectos especiais, destacando-se Work in Progress, uma intervenção na Avenida 24 de Julho em Lisboa, em 1996, no âmbito do programa encenar a cidade: intervenções artísticas nos tapumes das obras do Metropolitano de Lisboa. Faleceu em Lisboa em 2002. Ainda que a sua obra tenha sido marcada pela exploração de múltiplos processos e técnicas artísticas, passando pela pintura, escultura, fotografia, gravura, vídeo e cinema, e tenha apropriado diversos materiais, quer retirados do domínio da arte, quer do quotidiano, persistiu sempre uma coerência rubricada pela perseverança temática, e formal, dentro da qual a prática do desenho foi transversal. Em todas aquelas técnicas e sobre todo o tipo de suportes, o desenho foi uma presença constante: “Sendo, a um tempo, 1) um campo de experimentação, no sentido laboratorial do termo (...), 2) o território onde, por excelência, se desenvolve uma ideia de projecto, 3) um espaço de descontracção criativa evidente (...)” 1 O filme Destruição de 1975 é um exemplo paradigmático. Num plano imaginário, Calhau começa por traçar uma cruz a negro que materializa, de forma singular, o espaço ficcional da película, interposto entre artista e espectador. De forma metódica todo a superfície da película é preenchida pelo negro, até se auto- destruir. Este espaço que habitualmente absorve o espectador é aqui, de forma inequívoca, afirmado pela presença do desenho. 2 1 Faria, Nuno. Fernando Calhau: Desenho 1965-2002. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, p.13. 2 Michaud, Philipe-Alain. Quase Monocromo. In Fernando Calhau: Convocação. Leituras. Ed. Nuno Faria. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001

O Desenho Na Obra de Fernando Calhau

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Desenho em Fernando Calhau

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Introdução

Fernando Calhau nasceu em Lisboa em 1948. Completou o curso complementar de pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1973. Durante o ano de 1974 foi bolseiro de estudos de pós-graduação na Slade School of Fine Art da University College, em Londres, onde foi aluno de Bartolomeu Cid dos Santos. A primeira exposição individual ocorreu ainda em 1968 na Galeria Gravura em Lisboa com o título Gravura Branca. Desde então realizou exposições regulares, individuais e colectivas, e desenvolveu diversos projectos especiais, destacando-se Work in Progress, uma intervenção na Avenida 24 de Julho em Lisboa, em 1996, no âmbito do programa encenar a cidade: intervenções artísticas nos tapumes das obras do Metropolitano de Lisboa. Faleceu em Lisboa em 2002.

Ainda que a sua obra tenha sido marcada pela exploração de múltiplos processos e técnicas artísticas, passando pela pintura, escultura, fotografia, gravura, vídeo e cinema, e tenha apropriado diversos materiais, quer retirados do domínio da arte, quer do quotidiano, persistiu sempre uma coerência rubricada pela perseverança temática, e formal, dentro da qual a prática do desenho foi transversal. Em todas aquelas técnicas e sobre todo o tipo de suportes, o desenho foi uma presença constante:

“Sendo, a um tempo, 1) um campo de experimentação, no sentido laboratorial do termo (...), 2) o território onde, por excelência, se desenvolve uma ideia de projecto, 3) um espaço de descontracção criativa evidente (...)”1

O filme Destruição de 1975 é um exemplo paradigmático. Num plano imaginário, Calhau começa por traçar uma cruz a negro que materializa, de forma singular, o espaço ficcional da película, interposto entre artista e espectador. De forma metódica todo a superfície da película é preenchida pelo negro, até se auto-destruir. Este espaço que habitualmente absorve o espectador é aqui, de forma inequívoca, afirmado pela presença do desenho.2

No presente trabalho foca-se a atenção nalguns aspectos do desenho na obra de Fernando Calhau, realizando uma abordagem prévia ao seu percurso, características e singularidades, já que o desenho não só espelha esse percurso, como decorre das suas opções e inflexões, que justifica, em parte, o carácter por vezes obsessivo com que o desenho é praticado. Faz-se igualmente uma pergunta, “o que é o desenho?”, sabendo

1 Faria, Nuno. Fernando Calhau: Desenho 1965-2002. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, p.13.2 Michaud, Philipe-Alain. Quase Monocromo. In Fernando Calhau: Convocação. Leituras. Ed. Nuno Faria. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001

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de antemão que, provavelmente, resposta será talvez inexistente, mas insiste-se na tentativa de delineação do seu campo de acção.

Uma visão da Obra de Fernando Calhau

A obra de Fernando Calhau desenvolve-se numa multiplicidade de influências, ela também plural nas suas capacidades expressivas, criando contudo uma singularidade que transgride e recria essas influências. Se algumas são mais evidentes em determinadas fases do seu trabalho, recorrendo, por vezes, metodicamente ao longo do tempo, como a marca da gestualidade do abstraccionismo expressionista que deixa impressa na superfície da obra de arte a mão e a dinâmica do acto de fazer, outras fixam-se entranhadamente de forma constante ao longo todo o seu percurso. A simplicidade simbólica do monocromatismo é uma dessas persistências: “Fernando Calhau é um dos poucos (muito poucos) artistas que desenvolvem o seu percurso de uma forma rigorosamente monocromática”.3

Também a simplicidade, palavra que oculta um complexo jogo de ideias e significados, recolhe de alguma influência minimalista, visível na exploração dos materiais e dos processos, ou no uso contido das formas (“Os seus trabalhos vivem de valores como clareza, precisão, rigor, limpeza, definição, leveza, pureza”4) e, necessariamente, conceptual. A arte, afinal, pode-se desmaterializar e reduzir à essência da ideia.

Os materiais consistem, frequentemente, nos de utilização quotidiana, a tinta permanente, o lápis de cor, a grafite ou mesmo, ocasionalmente, a esferográfica; um fio, nalgumas obras, substitui tridimensionalmente o traço, numa inversão simbólica de

3 Sardo, Delfim. O mapa da Noite é Como o Mapa do Mar. In Work in Progress. Fernando Calhau. Ed. Delfim Sardo. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p.26.4 Schafes, Rui. Ser é Estar Num Ponto. In Fernando Calhau: Convocação. Leituras. Ed. Nuno Faria. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001

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significado e significante. O espaço da representação é, assim, em parte, invadido pela existência diária, num convite ao observador a rever na obra de arte os seus gestos diários, como escrever ou manipular uma linha, cuja realidade, inversamente, pode afinal repercutir o fazer arte. Mas Fernando Calhau acolhe igualmente, com entusiasmo, as técnicas tradicionais, sejam o óleo, a aguarela, o pastel ou o desenho a carvão. Reutiliza-os, reinventa-os, dá-lhes novos significados nas suas próprias capacidades plásticas expressivas em plena época de crise da pintura enquanto medium5.

Mas como plurais que são a sua obra e o seu trabalho, a incorporação dos novos meios, nomeadamente o acrílico, cujo uso em Portugal, na altura, era escasso6, e a sua aplicação com pistola ou spray, ocorreu precocemente, o que contribuiu, cedo, para a definição de algumas tendências futuras da sua obra, seja o caso do campo expressivo minimal, ou, de idêntica forma, a afirmação da serialidade e do monocromatismo. Por exemplo, a aplicação de sucessivas camadas de acrílico e o uso do spray para realizar esbatidos ocultavam por completo o suporte e a marca da própria aplicação, da presença do artista, criando superfícies imaculadamente lisas e uniformes. Assim, nos quadros monocromáticos verdes de 1972, a cor pode sobressair em todas as sua

5 Sardo, Delfim. Op. Cit., 20016 Em entrevista a Delfim Sardo de 2001 (Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001) Fernando Calhau relata “Havia, de facto, um enorme esforço de actualização da nossa parte. Nessa altura já estávamos (um grupo relativamente restrito, certamente) a trabalhar com materiais acrílicos, sintéticos...”

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possibilidades simbólicas7, sem que a sua apreensão seja perturbada por qualquer outro acontecimento. O verde que nos liga irreversivelmente à natureza, que nos faz partilhar a experiência de uma unidade cósmica com os restantes seres e onde se pode inscrever a preocupação de uma sensibilidade ecológica. Mas o verde pode representar a cor que medeia entre o branco e o negro, entre a luz e a noite, ser o equilibrio e a estabilidade ou mesmo o aborrecimento, “um elemento imóvel, sem desejo, satisfeito e limitado em todos os sentidos”8. O observador é confrontado num diálogo entre as diferentes significações simbólicas e a sua experiência subjectiva.

Intimamente ligado a esta tendência minimal aparece, quase indissociável, a produção serial. Variações mínimas repetem-se em obras sucessivas, magnificando a proposta temática, por um lado, e desmultiplicando as hipóteses de leitura, por outro. Cada obra da série é um elemento ou um membro de um corpo que se articula num todo que progride como o fluir dos acontecimentos da vida diária. Continuidade e variabilidade dão sentido ao todo.

A exploração precoce de alguns processos de criação artística provou ser capital para o desenvolvimento dessas tendências e, em geral, para o percurso posterior da sua obra. Produziu serigrafia, sobre a qual podia utilizar outros meios como acrílico, óleo ou lápis, dedicou especial atenção à gravura e à fotogravura, cujos conhecimentos aprofundou em Londres na Slade School of Fine Arts da University College nos inícios da década de 70, assim como à fotografia. O processo da serigrafia contribui para a obtenção de superfícies absolutamente uniformes em quadros de um preto profundo e abissal, como nos trabalhos realizados cerca de 1970, vindo o preto ou o negro a tornar-se dominante na sua obra, presença quase obsessiva, até se tornar a própria temática.

7 Mesmo que as possibilidades simbólica ultrapassagem o desejo do artista: “Sei que tinha uma simpatia pela cor verde, uma simpatia que nunca percebi porquê. Lembro-me muitas vezes que quando, por exemplo, tinha de escolher um marcador de cor, escolheia o verde. Não percebi nunca porquê.”( entrevista em Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001)8 Kandinsky, Wassily. Do Espiritual na Arte. Don Quixote, Lisboa 2006, p.83

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Estes processos introduziram a noção de reprodutibilidade e a aproximação aos princípios da Pop Art da qual, confessa, sofreu também influência9. Com as Brillo Box de Andy Warhol, indistinguíveis das Brillo Box do supermercado, a obra de arte já não é necessariamente o produto de uma habilidade única do artista, de um dom transcendente que apenas toca alguns, pode ser qualquer objecto com que a sociedade de consumo nascida do boom económico do pós-guerra alicia as pessoas (que descobriram um novo papel social, o de consumidores) através da publicidade, da rádio ou da televisão. Ou podem ser as imagens dos filmes que substituíam as fantasias colectivas. No centro as imagens que se reproduzem em massa e se infiltram perseverantemente: “Poderia caracterizar-se a técnica de reprodução dizendo que liberta o objecto reproduzido do domínio da tradição. Ao multiplicar o reproduzido, coloca no lugar da ocorrência única a ocorrência em massa”10. Calhau, em desenhos de grafite sobre papel de 1989 e 1990, usa palavras e imagens recolhidas da imagética televisiva e das prateleiras dos electrodomésticos, como Loony Tunes, The End, Sony, ou mesmo frases roubadas á própria arte, art as ideia as ideia as subject idea: a arte ao integrar a massificação pode contamina-se pelos objectos que toca, tornar-se indiferente de qualquer produto anunciado pela publicidade.

Com a fotografia que, em determinadas momentos, ganhou centralidade, como na série denominada Stage de 1977 ou na Night Works do mesmo ano, Calhau estabelece, não uma relação de fotógrafo interessado no instantâneo fotográfico ou na fixação da realidade na película fotográfica, mas de artista que a usa como usa a gravura, o óleo ou

9 (...) embora, curiosamente, um dos artistas que me influenciou mais durante este período foi o Andy Warhol, que é o artista pop (...) e depois o mundo pop, porque não podemos esquecer que vivíamos (ou tentávamos viver) muito embrenhados numa situação pop que assumíamos como forma de vida.” .”( entrevista a Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001)10 Benjamin, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio d’Água, Lisboa 1992, p.79

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o lápis, ou para a subverter na sua própria linguagem (ou desmistificar a sua natureza). Numa gravura impressa com base numa fotografia de 1974 aparece um plano de água ondulado, uma imagem do mar, mas sem referentes, sem linha do horizonte, e com o grão da impressão amplificado, indisfarçado. Em baixo, duas legendas em dois quadrados recortados, de um lado as palavras HIGH SEA, do outro I SEE. Ambas rasuradas por um traço vermelho. Simultaneamente, a imagem parece mostrar, mas para logo se fechar na sua materialidade. “Havia nesse trabalho a consciência de que nem o tudo o que estava na imagem era o que parecia (...) nem tudo é o que parece”, diria mais tarde Calhau11.

Enquanto registo, a fotografia, mas também a gravura, desencadearam o estudo de um dos temas fulcrais na sua obra, o que ele designou time/space research. A fotografia é um instante do tempo, mas que por mais breve que seja permanece sempre um fracção de tempo. Nas sucessivas fracções representadas nas sequências de imagens da superfície do mar esse tempo impregnado na fotografia é ampliado na percepção das subtis diferenças nas linhas da ondulação. O tempo é ainda o tema nos registos de estratos geológicos de fotografias de 1975 e na escolha de cópias heliográficas em ozalides para imprimir os negativos, suporte que se deteriora rapidamente com a luz: “a própria obra desaparecia com o tempo, era feita para desaparecer, quer dizer, não era nada...”12. Deliberadamente, nessas imagens o horizonte era eliminado, deixando apenas a superfície, equivalente em qualquer dos seus pontos, sem qualquer eixo de orientação, decalcada sobre o papel, numa recusa de toda a ilusão espacial da perspectiva. De forma interessante, nalguns casos, recriava a sensação de espaço, apresentando as imagens rebatidas sobre a horizontal, dando efeito de profundidade13.

A recusa de qualquer pretensão mimética, esvaziou os quadros da ilusão espacial, assomando apenas ocasionalmente nalguns desenhos onde o jogo de luz e de sombras é o mote, deixando lugar àquele espaço real do próprio quadro e às formas reduzidas sistematicamente ao mínimo necessário, à sua essência. Nalgumas obras de negro e cinza obsessivamente monocromáticas é como se o interesse residisse no continente, na “moldura moldurando: como se ela viesse antes e não depois da imagem, determinando a natureza do emoldurado”14.

Diferentes suportes emprestaram as suas potencialidades à exploração de temáticas que se mantiveram determinadas ao longo de um percurso produtivo constante, ainda que intercalado por pausas. A tela, o papel, a serigrafia, a gravura e a fotografia são alguns que já referenciámos. Mas apropriou-se, de forma igualmente eficaz, do filme, do vídeo e da escultura, mantendo as características formais minimais,

11 Entrevista a Sardo, Delfim. Op. Cit., 200112 Idem.13 “...enquanto o quadro é um espaço mensurável (tem uma altura e uma largura), quando se rebate esse espaço gera-se um ‘perto’ e um ‘longe’” (Entrevista a Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001, p.99)14 Caldas, M Castro. Dar Coisas aos Nomes. Escritos Sobre Arte e Outros Textos. Assírio e Alvim, Lisboa 2008, p.192.

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monocromática e conceptual no epicentro do seu processo. Em 1988 dedica-se a uma série de obras realizadas em tela e chapa de ferro, cobertas de tinta acrílica, sem a preocupação da uniformidade da capa de cor, antes esta deixando revelar a natureza do ferro, a oxidação que revela o tempo e a sua contingência. Mas a atracção era igualmente pelo peso do ferro, pelas sensações que colidem na escultura, transgridem o interstício entre pintura e escultura: “A certa altura apercebi-me de que se instaura um fascínio pelo pesado, pelo-cada-vez mais pesado. É um fascínio sensorial, não é um programa estético”15.

Outro exemplo significativo foi o uso do árgon em algumas das suas esculturas, mas também associado a pinturas ou a fotografias, gaz que, ao contrário do néon que é vermelho, emite uma irradiação azul. Time, Night, Blue ou Dark podiam aparecer escritas a néon, sobre superfícies negras, monocromaticamente negras, sobre veludo negro ou sobre as chapas de ferro. O negro e a noite foi uma dominante, sobretudo na fase final da sua obra. A luz azul acentuava a negritude da noite, a profundidade do negro, a irrevogabilidade fria do tempo.

O que é o desenho?

Não existe uma definição unívoca de desenho, uma frase que possa conter todas as sua subtilezas e potencialidades. Transversal á actividade humana, está presente desde os primeiros momentos da vida, desde o momento em que a criança percorre o espaço com o seu dedo de modo a apreende-lo, a tactear a realidade, mesmo antes de conseguir os primeiros sons articulados. Não há ocupação onde o desenho não tenha lugar como meio de comunicação, de fixação e expressão da realidade, desde a mais banal das ocorrências quotidianas até ao raciocínio mais abstracto.

O estreito relacionamento entre a escrita e o acto de desenhar tem sido repetidamente enfatizado16. A semelhança não se esgota no gesto e no movimento de inscrição de linhas e marcas sobre uma superfície, estende-se igualmente ao plano simbólico. Ambos fazem parte de uma linguagem de códigos com sintaxes mais ou menos elaboradas, cujo descodificação plena exige aprendizagem prévia. Compreender o desenho que representa uma teoria ou mecanismo concebido por um biólogo não exige menos preparação prévia que decifrar uma sequência de caracteres de uma caligrafia estrangeira.

Na arte, encontra-se idêntica transversalidade, e não displicente exigência sintáctica, cuja identificação com as formas do mundo real disfarça aparente facilidade de leitura. É uma transversalidade aos géneros, aos estilos, ao tempo e à moda. Desde a querela, no século XVII, no seio da academia francesa, pela primazia do disegno ou da colore até à sua actual valorização com foros de independência que o desenho tem

15 Entrevista a Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001, p.18516 Rawson, Philip. Drawing. Pennsylvania Press, Philadelphia, 1993

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estado omnipresente: “(...) isto porque as qualidades que temos vindo a valorizar mais em arte no século XX, sempre estiveram presentes na arte, mas no passado caracterizou apenas ‘trabalhos secundários’ e modestos; isto é, desenhos17.”

No Renascimento, de facto, ainda que tido como essencial ao raciocínio do artista e à composição da estrutura da obra de arte, era observado na dependência dos outros géneros, da pintura, da escultura ou da arquitectura. E sobretudo era um instrumento da mimesis:

“O desenho é a imitação das coisas mais bonitas na natureza, usado para a criação de todas as figuras, quer na escultura, quer na pintura; e esta qualidade depende da habilidade da mão do artista e da sua mente para reproduzir o que vê com os seus olhos de forma precisa e correcta no papel ou em qualquer superfície plana que possa usar.”(As vidas dos artistas, Giorgio Vasari, 1550)

Nesta linguagem onde a captação e fixação da realidade, da natureza e da virtude das formas humanas, se assume como a principal função do desenho e da linha, que é a sua principal matéria constitutiva, esta pode ter diferentes virtualidades: ser uma linha aberta, descontínua, que identifica partes do contorno das formas por oposição ao fundo, definindo positivamente um corpo; ser uma linha fechada, contínua, que determina a totalidade de um contorno e, neste aspecto, não define necessariamente um corpo ou objecto, pode apenas delimitar uma área ou um espaço vazio; ou ser uma silhueta que esvazia o corpo de tridimensionalidade e resta apenas a forma18.

Assim, desse modo, a linha e o traço podem demarcar áreas e volumes com propriedades diferentes, que se adaptem aos variados requisitos da mimesis. Mas como a luz e a cor, podem ser usados na representação da tridimensionalidade e da ilusão de volume, através do modulado, para o que são úteis, igualmente, as suas variações possíveis da tonalidade. Mas, excedendo esta função de imitação do real visível, o desenho e a linha em si, usando as suas próprias características, a sua inerente bidimensionalidade, podem ser o meio para expressar de um outro modo significativo o pensamento abstracto ou um mundo codificado19.

O aspecto conceptual e a natureza simbólica do desenho estão subjacentes à definição que Philipe Rawson usa no seu influente e exaustivo livro, uma das definições mais citadas:

“O desenho é aquele elemento numa obra obra de arte que é independente da cor ou de um espaço tridimensional real, a estrutura conceptual subjacente que pode ser apenas

17 Craig-Martin, Michael. Drawing the Line, Reappraising Drawing Past and Present. The South Bank Center, London, 1995, p.918 Rawson, Philip. Op. Cit., 199319 Kovats, Tanya. The Drawing Book. Black Dog Publishing, 2006

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indicada pela tonalidade.”20

Se a sua matéria é feita da marca, do traço, da linha, é verdade que, na natureza, na realidade, as formas, os objectos, as coisas, de que a cor é propriedade intrínseca, não são contornadas por linhas. As superfícies não têm no seu limite traços a fazer a fronteira com o fundo. O desenho é uma abstracção, uma redução convencional da realidade, visível ou imaginária, a um conjunto de traços linhas e tonalidades. A sua relação com a experiência é da mesma natureza simbólica que a linguagem escrita.

A relação directa que o desenho estabelece não é com a realidade, mas com a representação mental da realidade e com os conceitos construídos acerca das coisas. Quando, na representação de algo visível, a mão se lança sobre a superfície do papel e o olhar abandona o objecto para acompanhar a mão, o que está presente não é o objecto mas a sua memória: “sinto-me incapaz de com a minha mão seguir a prescrição do modelo, é como se no preciso momento em que estou para desenhar, não consiga ver a coisa”, diz por isso Derrida21.

É a sua capacidade de conceptualização, de facilmente dar corpo à ideia e ao pensamento, de comunicar com eles praticamente sem intermediários, que o torna num meio privilegiado para a aquisição, compreensão e transmissão do conhecimento, quer na experiência comum, quer nas várias disciplinas científicas. Num relance, pode concentrar tanta informação como aquela para a qual seriam necessárias várias páginas de texto.

“[Através da imagem, o observador]“vai considerar a várias realidades científicas que podem existir na mente, buracos negros ou a estrutura das partículas subatómicas, e é aí que a visualização dessas experiências do pensamento, através de ilustrações e desenhos, pode dar expressão concreta a hipóteses e ortodoxias de outro modo abstractas.”22

Na arte essas funções sempre lhe foram atribuídas, como na elaboração de esboços e de estudos que se haveriam de corporalizar, por exemplo na arquitectura ou na escultura, no objecto tridimensional da obra de arte. No barroco, o gosto pela colecção de desenhos e estudos preparatórios traduz por um lado a nova paixão pela vida interna e emocional do homem, por outro o reconhecimento da autonomia do desenho e a suas possibilidades de transmissão do conhecimento. Este período, em que começa verdadeiramente a ser valorizado e a adquirir independência relativa de outras formas de expressão artística, sobretudo

20 Rawson, Philip. Op. Cit., 1993, p.121 Derrifa, Jacques. Memoirs of the Blind: The Self Portrait and Others Ruins. The University of Chicago Press, Chicago and London, 1993, p.3622 Kovats, Tania. Traces of Thought and intimacy. In The Drawing Book. Black Dog Publishing, 2006, p.10

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da pintura, representa um dos mais férteis na produção do desenho, comparável à contemporaneidade.23

Na actualidade, com a expansão dos campos de expressão artística e das linguagens possíveis, incluindo a introdução de campos tão díspares como as novas tecnologias ou a biologia, o desenho mantém a sua afirmação como meio independente e mesmo, por vezes, de única expressão na obra de alguns autores, ou interligando-se e misturando-se com os outros meios. As suas qualidades únicas, para além da capacidade mimética, na veiculação e expressão dos conceitos, de traduzir directamente sobre o papel mão do artista, forneceram uma prática privilegiada no estudo e exercício da arte na contemporaneidade, mas também esta expandiu os próprios limites do desenho. Um exemplo é a nova dimensão que ganhou com o trabalho de Joseph Beuys, exprimindo sobre o papel uma espécie de serialidade ligada ao contínuo do pensamento24.

A mão do artista sobre a superfície do desenho, que afirma, na actualidade, a originalidade, a marca única contra a mecanização, pressupõe dois aspectos importantes do desenho. O imediatismo e o movimento. Imediatismo porque existe uma mediação directa entre o olhar (percepção) ou o pensamento e a materialidade do lápis e do suporte. Por isso o desenho se adequa ao esboço, à intimidade – frequentemente, artistas que recorrem predominantemente a outros meios, é sob o desenho que expõem as suas notas pessoais, o seu mundo interno privado25 - à materialização dos conceitos e a depósito da memória. Movimento, porque o traço, a linha, representam uma deslocação vectorial entre dois pontos, contém em si energia cinética. Mas também declaram um espaço que não é ilusório, mas real. Roland Barthes, a propósito dos desenhos de Cy Towmbly, que expressam mais o movimento da mão, distingue entre desenho que consistem em traços e os que consistem em actos de traçar, sublinhando a actividade em si sobre a representação26.

Assim, o desenho pode oscilar entre o desenho performativo, onde se concentram o gesto, o acto, o corpo; o desenho discursivo, quer seja descrevendo um mundo real ou imaginário; e o desenho reduzido à sua materialidade, paradoxalmente desmaterializado.

A primeira definição de desenho surge na História Natural de Plínio. A propósito do início da arte de pintar diz no capítulo XXXV:

[...] “Mas todos concordam que se originou no traçar do contorno da figura humana. O primeiro estádio da arte, dizem, foi isto, o segundo foi o emprego de cores únicas; um processo conhecido como monocromathon [...] A invenção do desenho com linha é atribuído a

23 Mendelowitz, Daniel. Drawing. Stanford University Press, California, 1967.24 Rose, Bernice. Allegories Contemporary of Drawing Modernism. The Museum of Modern Art, New York, 1992.25 Exemplo: os desenhos eróticos de Sergei Eisenstein (Christie, Ian et al. Eisenstein Rediscovered. Routledge, 1993)26 Garner, Steve. Writing on Drawing. Essays on Drawing Practice and Research. Intellect Books, the University of Chicago Press, 2008

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Filocles ou a Cleanto. Os primeiros que praticaram este desenho a linha foram Aridices e Telefanes, artistas, que sem fazer uso de qualquer cor, sombrearam o interior da contorno desenhando linhas.”27

E mais adiante, a propósito da invenção da arte de modelar:

“Butades, um oleiro de Sícion, foi o primeiro que inventou a arte de modelar retratos [...] Foi a sua filha quem fez a descoberta; apaixonada por um jovem que iria partir para uma longa viagem, traçou o perfil da sua face, lançando sobre uma parede a luz de uma lâmpada. Vendo isto, o pai preencheu o contorno, comprimindo barro sobre a superfície, e assim fez a face em relevo” [...]28

Estão já nestas linhas plasmados alguns dos aspectos do desenho, o acto de contornar e traçar, o movimento, o imediatismo do gesto para fixar o objecto da paixão, a memória tornada linha e superfície.

O desenho de Fernando Calhau

O desenho em Fernando Calhau localizou-se entre o gesto ou o acto da mão do autor e a sua realidade material bidimensional e tonal.

Nas obras iniciais, ainda algo indecisas no rumo futuro que hão-de tomar, já, todavia, se inscrevem alguns desses traços que vêm a caracterizar a sua obra. Em desenhos de 1965 (s/ título, tinta da china sobre papel, página 14) o gesto, debitário da action painting, permanece agarrado ao desenho; as marcas deixam ver os vigorosos movimentos da mão que as traçou, carregadas de energia cinética que ensombra a própria materialidade do meio, contudo, também presente na imperfeição onde se deixa revelar. Como em todo o seu percurso, não se vislumbra qualquer intenção de representar a realidade, dessa apenas o próprio acto de desenhar, intenso e corrosivo. Esse gesto, que nalgumas obras desaparecerá indelevelmente, há-de regressar depois, sobretudo em trabalhos mais recentes.

O tactear da trajectória ainda se nota em alguns dos seus primeiros desenhos (s/ título, grafite e lápis de cera sobre papel, página 14), deixando as linhas flutuar em ondulações e contornos que sugerem, com algum modelado, formas orgânicas. A depuração a que submeteu posteriormente as formas, arrancou-lhe, porém, a referência directa à aparência visível. Excepções são poucas: símbolos visuais de marcas publicitárias ou do universo da comunicação televisiva, numa exploração do desenho

27 Bostock, John e Riley H.T. (Trad.). The Natural History of Pliny. Enry G. Bohn, York Street, Convent Garden, London, 1857, p.22828 Idem, p.283

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sob a influência da Pop Art, por exemplo nos finais dos anos 80, ou formas geométricas elementares paralelepipédicas (s/ título, acrílico sobre tela, 1970, página 15).

Precocemente o seu interesse se centra na exploração de vários materiais e técnicas, com a gravura a ganhar logo um destaque inicial, assim como a utilização do acrílico nos finais dos anos 60 e início dos anos 70. Já nesta fase o desenho se conjuga, neste sentido exploratório, com os outros meios, surgindo, por exemplo, integrado na gravura, em que esta pode fornecer a superfície para a sua inscrição (s/ título, gravura, água-tinta, 1968, página 16).

A superfície, o plano e a bidimensionalidade são inerentes ao desenho, que só pelo jogo da ilusão podem ser vencidos. Calhau fez as suas opções recusando sistematicamente esse jogo, assumindo a natureza própria da linha e do traço, a qual testou à exaustão. Mas não sem transpor essa bidimensionalidade, saltando da superfície para o espaço, transformando a sua própria condição numa metáfora corpórea. Plásticos e fios substituem traços e linhas (s/ título, acrílico sobre tela e plástico, 1970, página 16 e s/ título, fotogravura e fio, 1974, página 16).

Nestas fotogravuras, as superfícies e texturas surgem arrancadas ao seu contexto e comprimidas num único plano, experimentado uma espécie de desmaterialização. Apresentam-se sem referentes, sem pontos de orientação, onde todas as áreas são equivalentes. Está em causa não só o estudo do espaço, mas também o da forma como vemos e como representamos, ver e representar com frequência sobrepondo-se indistintamente. O que do nosso património visual advém das imagens dos media, o que resulta da experiência própria? Nas fotogravuras as texturas não são apenas texturas, são também, nalgumas obras, a malha de pontos do processo de impressão ampliado até obliterar a visão. Simultaneamente propiciam-nos a visão, a imagem que temos do mundo, e desfocam e a realidade (s/ título, lápis de cera sobre fotogravura sobre papel, 1973, página 17).

Em 1970 concebe imagens dominadas pelo negro, profundo, uniforme, sem o traço da mão, a tinta é só tinta, pura e simples. Nesta redução

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material, a tinta e o

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processo de aplicação desaparecem, são desmaterializados. O uso do acrílico, a sua aplicação em camadas sucessivas e a gravura como suporte, permitem esse afastamento do artista da obra de arte. O observador fica entregue a si mesmo, não só ao negro do autor, mas também e, sobretudo, ao seu negro. Não há horizonte, não existem pontos de orientação e o quadro é quadrado, a altura igual à largura, tudo criando um negro vertiginoso. As imagens não podem deixar de invocar Malevitch ou Art Reinhardt. Calhau introduz, contudo, a moldura, única área policromática, acentuando o efeito de vertigem e de atracção do negro. Quadro e moldura coexistem como continente e conteúdo, interior e exterior. A negritude é emoldurada no nosso pensamento, no nosso espírito (s/ título, lápis de cor e serigrafia s/ papel, 1970, página 18)

O negro e os cinzentos dominarão sobre o trabalho. O negro é um atributo simbólico que atravessa o pensamento e as inquietudes universais desde sempre. O negro opõe-se ao branco, simbolizam pureza e impureza, diabólico e divindade, o tudo e o nada, a dor e a plenitude. No negro tudo se condensa, tudo existe, nada se vê: “A densidade do negro exprime, portanto, a espessura de distintas oposições: entre a aparência da cor e o real da noite, entre a sensação de angústia e a palavra de reparação, entre o pathos e a forma abstracta.”29

29 Silva, Victor. Et sic in Infinitum. O desenho de Fernando Calhau. In Fernando Calhau: Convocação. Leituras. Nuno Faria (Ed.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p.19.

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Em Calhau a noite dominou-lhe o negro. Esse lugar de medos, angústias, onde tudo está, mas que tudo escapa à percepção humana, ao contacto:

“A noite pressupõe o isolamento, quer dizer, de facto, à noite as pessoas vivem mais facilmente uma situação de isolamento que de dia; de dia há uma realidade que se desdobra e se multiplica por aí fora até aos limites da visão. À noite há uma consciência maior do universo uma vez que se torna evidente todo um conjunto de estrelas e planetas que há por aí espalhados, mas também, ao mesmo tempo, há uma cápsula monocromática de isolamento...”30

Nesse negro, uma imperfeição de branco, como se num último instante o quadro tivesse um derradeiro arrependimento, ou, inadvertidamente, uma mancha caísse sobre a superfície, ganha a presença avassaladora da luz que se advinha, que pode finalmente preencher a noite, colocar-lhe fim (s/ título, lápis de cor e serigrafia s/ papel, 1970, página 18).

O negro surge persistente nos últimos desenhos de Calhau. As superfícies preenchem-se quase na tonalidade ou deixam interstícios que são como que uma

derradeira recusa de fechar completamente a superfície branca, donde

30 Fernando Calhau, In entrevista em Sardo, Delfim. Op. Cit., 2001, p.145-147

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Calhau quase sempre partia, uma última e ténue esperança (s/ título, carvão s/ papel, 2001, página 20). Esses resquícios de branco revelam novamente o acto de preencher, o autor

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regressa à sua obra cuja marca teimosa ali está, a expor-lhe alma (s/ título, carvão s/ papel, 2000, página 21). Noutros quadros advinha-se uma forma, um ritmo, um ponto de equilíbrio, dissolvido no negro ou a emergir do negro: pode ser uma cruz que

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reparte harmoniosamente o espaço, mas mantém a atracção, central (s/ título, carvão e colagem sobre papel, 1991, página 21) ou simplesmente uma linha vertical resultante do jogo das diferenças de tonalidade (s/ título, carvão s/ papel, 2000, página 22).

Desenhar quase que adquiria um carácter obsessivo, uma insistência no traço, repetidamente aplicado sobre a superfície branca, uma espécie de horror ao vazio, como aquele que caracterizou o preenchimento ornamental da arquitectura medieval, de igual modo procedente do espírito. Linha sobre linha, traço sobre traço, até a existência preencher o vazio (s/ título, grafite s/ papel, 1980 pagina 22).

A obrigatoriedade com que o negro subentende o seu oposto, a forma como a presença deste imposta naquela se torna arrebatadora, incandescente, esteve omnipresente na sua obra (s/ Título, Grafite sobre papel, 1981, página 23). A investigação sobre a luz e a sua ausência foi também, necessariamente sobre o espaço e as formas (s/ título, Carvão e pastel sobre papel, 1979, página 23) e sobre o tempo que, involuntariamente, mas inelutavelmente, lhe amareleceu a tinta permanente (s/ título, Tinta permanente sobre papel, 1979, página 23).

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Referências

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