O desenvolvimentismo e o estado brasileiro contemporâneo

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    Aps um longo perodo de transio poltica (1983-94), institucionalizou-

    -se uma nova forma de Estado no Brasil, configurada pela ambio de dar

    ao pas posio de destaque na ordem internacional, de manter uma rela-

    o democrtica com a sociedade e de seguir um padro moderadamente

    liberal em suas relaes com a economia.

    A poltica de insero internacional, a democracia e a orientao libe-

    ral da economia surgiram _..:.cada uma delas - anos antes, mas passaram a

    ter uma articulao consistente em meados da dcada de 1990. De fato, a

    forma de Estado que hoje ordena a vida poltica brasileira tem dois pilares

    centrais: de um lado, a Constituio democrtica de 1988, que estendeu,

    ampliou e protegeu os direitos da cidadania; e, de outro, o Plano Real de

    estabilizao, lanado em i994, e o conjunto de reformas liberais efetivadas

    no governo de Fernando Henrique Cardoso.

    Embora a Constituio de 1988 tenha fixado as orientaes normati-

    vas, as regras e as garantias da democracia brasileira, no conseguiu dar es-

    tabilidade poltica ao pas antes do Plano Real e de as reformas econmicas

    do perodo Cardoso terem redefinido as relaes entre o Estado brasileiro

    e a esfera econmica. Somente a, com a estabilizao da moeda, a maioria

    da populao reconciliou-se com o Estado de direito democrtico. Ao

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    mesmo tem.po, as reformas liberais conseguiram superar as agudas contro-

    vrsias promovidas pelo empresariado a propsito do estatismo da Cons-

    tituio de 1988. Tal articulao entre os pilares a que me referi ganhou

    grande solidez a partir de 2003, quando as organizaes polticas e sindicais

    que tinham participado do processo de democratizao, esquerda do es-

    pectro poltico, conquistaram a direo do Estado e aceitaram plenamente

    a ordem poltica vigente.

    A estabilidade poltica conquistada por essa forma de Estado - e de-

    pois consolidada com a ascenso do PT ao poder central- no impediu e,

    sim, pelo contrrio, foi o resultado de disputas polt icas acesastanto no plano

    poltico-partidrio quanto no tocante orientao das polticas de Estado

    em relao economia.

    No que diz respeito s disputas polticas relativas interveno estatal

    na esfera econmico-social, foco de minha ateno neste captulo, estas

    tm sido moldadas desde o final dos anos 1980 por trs iderios principais:

    o neoliberal, o neodesenvolvimentista e o estatal-distributivista.

    O padro de relao Estado/mercado vigente nos anos 1980, o

    nacional-desenvolvimentismo deteriorado desde a "crise da dvida" de

    1982/83, encontrou defensores nas m ltiplas agncias econmicas do

    Estado e nos segmentos empresariais mais dependentes da proteo es-

    tatal. Mas sua defesa em relao s ideias liberais, que se expandiram

    desde seu epicentro' anglo-saxo, foi feita de forma localizada e frag-

    mentada. O velho nacional-desenvolvimentismo no encontrou, de fato,

    defensores no plano poltico. As foras polticas de esquerda (PT, PCdoB,

    PCB etc.) e parte da centro-esquerda nacionalista (existente no PMDB

    e PDT) propugnavam no por sua continuidade, mas por sua renovao

    com inflexo e sq ue rd a. Do que se tratava? Essa inflexo podia significar a

    "desprivatizao do Estado", com o rompimento das articulaes" esp -

    rias" entre empresas estatais e empresas privadas; e/ou a reorientao daspolticas de Estado para a distribuio da renda. Este ltimo significado

    era o que contava com um n mero mais amplo de defensores. De qual-

    quer forma, mantinha-se a nfase no crescimento baseado no mercado

    interno. Pode-se denominar esse iderio "desenvolvimentismo estatista

    e distributivo".

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    A esse iderio contrapunham-se os projetos liberalizantes. O iderio

    neoliberal, como se sabe, ganhou relevncia no fim dos anos 1970 em

    funo das dificuldades de superar a recesso e a inflao daquela dcada

    com os instrumentos "keynesianos" de gesto macroeconmica, instru-

    mentos antes predominantes, especialmente na Europa. Os governos da

    primeira-ministra MargaretThatcher na Inglaterra e, depois, do presidente

    Ronald Reagan nos EUA adotaram uma gesto econmica de orientao

    monetarista, priorizando o combate inflao em relao preservao do

    emprego e dos rendimentos do trabalho, abandonando as diretrizes keyne-

    sianas. Aos poucos a poltica monetarista foi associada a outras propostas,

    como a desregulao dos mercados, a privatizao de empresas estatais, a

    reduo dos gastos sociais e do intervencionismo do Estado, o equilbrio

    das finanas p blicas, o livre fluxo de capitais e de mercadorias, compondo,

    ou melhor, dando fora poltica ao neoliberalismo, doutrina existente, mas

    de pouca expresso desde o ps-Il Guerra Mundial. Esse neoliberalismo

    renovado disseminou-se pelo mundo "ocidental", impulsionado pelos go-

    vernos ingls e norte-americano e pelas agncias econmicas multilaterais,

    como o Fundo Monetrio Internacional e o Banco Mundial. O reformis-

    mo neoliberal adotava (e adota) uma perspectiva puramente mercantil-

    -financeira, que tinha em vista a produtividade e a rentabilidade do capital

    e, como horizonte, uma economia globalizada.

    O iderio de "integrao competitiva" nasceu como reao crise do

    Estado nacional-desenvolvimentista, que, estrangulado pela dvida externa

    e por desequilbrios fiscais, perdeu condies, na dcada de 1980, de im-

    pulsionar o desenvolvimento brasileiro, diretamente ou por meio de suas

    empresas.' A idela central contida no projeto de "integrao competitiva"

    era de transferir para a iniciativa privada o centro motor do desenvolvi-

    mento brasileiro, reduzindo as funes empresariais do Estado e "abrin-

    do" a economia brasileira para o exterior. No se propugnava, porm, um

    1 Para a exposio do iderio, seu surgimento e sua evoluo dentro do BNDES e o impacto

    imediato, ver Mouro (1994). Esse iderio no foi desenvolvido inicialmente no que diz

    respeito s recomendacs macroeconmicas a que se associa. Recentemente, isso vem sendo

    intentado por vrios autores que se identificam com essa corrente, principalmente Luiz Car-

    los Bresser-Pereira.Ver, entre outros, Bresser-Pereira (2010 e 2012).

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    "ajuste" passivo aos dinamismos do capitalismo mundial; propunha-se, ao

    contrrio, uma reestruturao d o s is te ma p ro du tiv o brasileiro a fim de tor-

    nar a ind stria brasileira competitiva no plano internacional. Da a nfase

    dos formuladores e difusores do projeto de "integrao competitiva" na

    formulao e execuo de polt icas industriais que estimulassem o empre-

    sariado privado a agir nessa direo. Nisso tal projeto se distinguia e se

    contrapunha ao iderio neoliberal. O iderio da "integrao competitiva"

    diferenciava-se do neoliberalismo tambm por ser, ao contrrio deste, uma

    forma de nacionalismo no defe ns iv o, mas de afirmao nacional no plano

    internacional. Como consequncia, essa vertente liberal almeja um Estado

    "forte", com capacidade de comando sobre as atividades econmicas que

    se desenvolvem em seu territrio.

    Em resumo: os motes do neoliberalismo so reduzir o Estado s suas

    funes sociais (sa de p blica, educao etc.) e orientar sua poltica ma-

    croeconmica para a estabilidade monetria, decorrente da boa administra-

    o das finanas do Estado e de uma poltica monetria ortodoxa; os le-

    mas do neodesenvolvimentismo - ou liberal-desenvolvimentismo - so

    priorizar o investimento p blico em infraestrutura e polticas industriais

    que reestruturem a ind stria e promovam a competitividade internacional

    das empresas privadas; e as palavras de ordem do estatal-distributivismo so

    a preservao de um Estado forte, o crescimento econmico baseado no

    mercado interno e na distribuio de renda para as camadas desfavorecidas.

    Quais eram, na dcada de 1980, os portadores desses iderios? O es-

    tatismo distributivista teve como portadores nos anos 1980 os partidos de

    esquerda, o PDT e parte do PMDB.Apesar da derrota de 1989, os partidos

    de esquerda o mantiveram como diretriz poltica, que serviu, junto com

    o velho nacional-desenvolvimentismo protecionista, como casamata ideo-

    lgica de resistncia partidria, empresarial e da tecnoburocracia estatal ao

    reformismo liberal.

    A grande imprensa e as elites empresariais adotaram, na segunda me-

    tade dos anos 1980, uma perspectiva cada vez mais liberal, embora algo

    imprecisa, cujo n cleo era o combate ao estatismo. Denunciava-se o in-

    tervencionismo estatal nas relaes mercantis, especialmente o controle de

    preos, e o desequilbrio das finanas p blicas, identificado como fonte

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    primeira da inflao. No limite, especialmente entre os economistas, esse

    liberalismo ganhou uma articulao mais definida e consistente na forma

    de neoliberalismo. Esse iderio encontrou abrigo entre os partidos conser-

    vadores e em segmentos do PSDB.No mesmo perodo - segunda metade dos anos 1980 - ganhou

    fora entre dirigentes e tcnicos de alto nvel das empresas estatais, espe-

    cialmente do BNDES, o iderio da "integrao competitiva", perspectiva

    liberalizante alternativa ao neoliberalismo. No fim da dcada de 1980 ela

    se difundiu entre as elites empresariais, mas de forma limitada, servindo

    de plataforma poltico-intelectual para a organizao, por uma frao da

    grande ind stria paulista, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento

    Industrial (Iedi). No plano partidrio, foi adotada por parte do PSDB e

    do PMDB.

    Esses trs iderios marcaram, com nfases diversas, todos os governos

    desde 1995. De fato, esses governos conduziram suas polticas orientando-

    -se por combinaes distintas desses iderios. Em funo disso, estes foram

    sendo ajustados uns aos outros, mas sempre com predomnio da poltica

    macroeconmica tendente ortodoxia liberal.

    O s p e r o d o s C ard o s o e L u la

    No perodo Cardoso, focado principalmente na estabilidade, dominou

    uma poltica macroeconmica ortodoxa, sendo as polticas monetria e

    cambial favorveis ao rentismo financeiro e desestimulantes para o sistema

    produtivo, A isso agregou-se um conjunto bastante extenso de reformas

    institucionais liberalizantes: a consolidao do sistema financeiro privado,

    privatizaes de empresas estatais, a concesso de servios p blicos ini-

    ciativa privada e o disciplinamento das finanas p blicas. Essa poltica deu

    continuidade ao Plano Real e, apesar das crises econmicas atravessadas

    pelo pas no perodo, manteve-se a estabilidade monetria alcanada.

    Embora predominasse no perodo uma retrica e polticas associadas

    ao neoliberalismo, as polticas de Estado no se submeteram plenamente

    quele iderio.

    Por um lado, foram reforados os instrumentos de interveno do Esta-

    do na economia, mediante a transferncia das concesses dos monoplios

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    66 das empresas estatais para o prprio Estado, a recuperao e o reforo das

    ::; instituies financeiras da Unio - Banco do Brasil, Caixa Econmica

    ~ Federal (CEF) e BNDES -, a execuo de polticas industriais, como a

    :::; efetivao de um acordo automotivo com a Argentina. No segundo gover-

    g no Cardoso, porm, as iniciativas "desenvolvimentistas" foram praticamen-~ te abandonadas, embora a adoo do "cmbio flutuante" tenha aliviado aa:~ presso negativa do cmbio valorizado sobre a ind stria.

    ~ Por outro lado, no plano distributivo, seguiu-se desde 1994 uma poli-

    ~ tica de elevao do salrio mnimo real, desenvolveram-se polticas sociaisd

    o universalistas - como, por exemplo, a universalizao do ensino funda-

    mental-, criou-se a Comunidade Solidria, expandiu-se o atendimento

    dos incapacitados para o trabalho e, no segundo governo Cardoso, foram

    iniciadas polticas de transferncia de renda (com cerca de 6,5 milhes de

    famlias atendidas pelo Bolsa Escola e pelo Bolsa Alimentao). A inten-

    sificao das polticas sociais chama a ateno para uma caracterstica im-

    portante do "neoliberalisrno" implementado no Brasil e em outros pases

    da Amrica Latina: a inexistncia de restrio s polticas de bem-estar,

    como ocorreu na Europa, e sim, pelo contrrio, uma acentuada expanso

    dessas polticas em relao s vigentes no velho Estado nacional-desenvol-

    vimentista.

    Durante o perodo Lula, foram preservadas todas as reformas liberali-

    zantes institudas anteriormente e a poltica macroeconmica do segundo

    governo FHC. No se avanou, porm, no plano institucional; o processo

    de privatizao foi praticamente estancado e pouco se fez para superar

    gargalos conhecidos, como o previdencirio e o tributrio. Embora no pe-

    rodo Lula se acentuasse a retrica desenvolvimentista, e, em seu segundo

    mandato, tenha crescido exponencialmente o apoio do BNDES ao setor

    produtivo, a nfase foi distributiva. nfase, claro, na medida do permitido

    pela poltica macroeconmica ortodoxa, de inspirao liberal.

    Os investimentos p blicos - que sinalizariam uma poltica desenvol-

    vimentista - mantiveram-se muito acanhados, a despeito da publicidade

    em torno do PAC. A condio essencial para, pelo menos, preservar a

    competitividade do capital produtivo teria sido expandir o investimen-

    to p blico. Ora, em relao ao PIB, o investimento p blico ficou pouco

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    acima de 2% em 2009 e 2010, o que coloca o Brasil em 1232 lugar entre

    128 pases, segundo dados do FMI.Apenas para dimensionar melhor o que

    isso significa, o investimento p blico em 26 pases de perfil semelhante ao

    brasileiro - incluindo China, ndia, Mxico, frica do Sul, R ssia etc. -

    ficou em 6,2% do PIB entre 2000 e 2010. Ou seja, foi cerca de trs vezes

    maior do que o do Estado brasileiro (Afonso, 2010).

    Se a isso agregarmos o cmbio sistematicamente valorizado e a pol-

    tica de juros altos, no havia expanso de crdito do BNDES que pudes-

    se compensar a falta de estmulo expanso da capacidade produtiva da

    ind stria. Ainda mais que, desde a crise de 2008, se tornou mais dificil a

    capitalizao das empresas via lanamento de aes. O que compensou,

    do ponto de vista macroeconmico, o baixo impulso industrial foi o ex-

    traordinrio impulso nos preos internacionais das commodities ocorrido

    desde 2003 e provocado pela expanso industrial chinesa e de outros pases

    asiticos. Essa disparada dos preos internacionais permitiu uma grande

    elevao nas exportaes de minrios e produtos agrcolas, evitando o

    estrangulamento da capacidade brasileira de importao.

    J do ponto de vista da distribuio andou-se muito melhor: instituiu-

    -se uma poltica formalizada de elevao do salrio minimo real de acordo

    com o crescimento do PIB; aumentou-se substancialmente o n mero de

    famlias beneficiadas por transferncias de renda (de 6,5 para 12 milhes

    de famlias); ampliou-se o acesso ao sistema e ao crdito bancrio para

    assalariados, aposentados e microempresas, e aumentou-se muito o acesso

    da baixa classe mdia ao ensino superior privado. Obviamente, essa injeo

    de recursos na base da pirmide social deu maior amplitude ao mercado

    interno.

    Ainda nessa perspectiva distributiva, masj no beneficiando os mais po-

    bres,foram elevados substancialmente, por presso dos sindicatos do setor

    p blico, os salrios dos funcionrios de carreira da Unio e o n mero de

    carreiras do Estado. Aumentou-se, pois, a participao da classe mdia

    profissional- o funcionalismo de carreira - nos gastos correntes do Es-

    tado, gastos que no cessam de crescer em proporo ao PIB desde 1995.

    Aumentaram-se as despesas com salrios do funcionalismo, mediante a

    ampliao dos quadros da administrao p blica, uma elevao enorme

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    mostra a dificuldade do desenvolvimentismo para ganhar centralidade po-

    ltica.

    Em suma, as pol t icas desenvolvimentistas so ma is comp licad as de susten-

    tar politicamente. Desde o final dos anos 1980, as correntes desenvolvi-

    mentistas no conseguiram fazer da expanso do investimento produtivo,

    da competitividade e do crescimento econmico acelerado valores centrais

    para a poltica econmica. Centrais no sentido de que a efetivao desses

    valores fosse considerada uma alavanca para a distribuio e a estabilidade

    a longo prazo.

    Em parte, essa fragilidade se deve prioridade social absoluta dada

    estabilizao monetria em funo da crise dos anos 1980. Mas, depois

    de consolidada a estabilizao, a baixa prioridade efetiva - no a ret-

    rica - dada ao desenvolvimento decorreu, em parte, da incapacidade de

    articulao poltico-intelectual dos maiores beneficiados potenciais dessas

    polticas, os empresrios industriais, principalmente.

    Isso nos leva a indagar de onde veio o evidente suporte empresarial ao governo

    Lula ,j que este prosseguiu fundamentalmente, alm da nfase distributiva,

    executando a poltica macroeconmica de Cardoso, preservando a estabi-

    lidade monetria e, com isso, a renda salrio e os altos ganhos dos rentistas,

    sem favorecer a competitividade industrial. verdade que, especialmente

    no segundo mandato de Lula, foi muito ampliado o apoio do BNDES

    ao capital industrial, mas essa proteo s costuma favorecer uma parcela

    muito limitada do empresariado.

    Creio que parte da explicao disso est em que o empresariado in-

    dustrial tambm tira aproveito, como rentista, da poltica macroeconmica

    mantida desde 1995, o que o torna tambm beneficirio da proteo ou-

    torgada, implicitamente, ao capital dinheiro pela poltica macroeconmica.

    Mas, alm disso, h que considerar a dificuldade enfrentada pelo empresa-

    riado industrial brasileiro para se ajustar ao padro mais liberal e favorvel

    competio das polticas de Estado que sucedeu o velho padro liberal-

    -desenvolvimentista.A antiga frao dominante do empresariado brasileiro

    (a industrial) perdeu proeminncia tanto no plano produtivo quanto no

    mbito poltico. Atualmente, os segmentos que se expandem na rea pro-

    dutiva so o agronegcio e o setor extrativo. Mais ainda, esses novos setores

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    e o de infraestrutura vm se expandindo no s com o apoio creditcio

    do Estado, mas tambm associando-se a grandes fundos de penso (de em-

    presas estatais e privatizadas), em larga medida controlados pelo governo.

    compreensvel, pois, que esse empresariado renovado tenha se associadopoliticamente ao governo Lula, ainda que a competitividade propriamente

    industrial no tenha sido sua prioridade.

    Seguramente, a mudana ocorrida no empresariado no inviabiliza o

    iderio desenvolvimentista, mas exige sua redefinio, de modo que possa ser visto

    como vetor das demandas de conjunto desse segmento renovado de capitalistas

    produtivos.

    De qualquer maneira, essas mudanas de suporte social e o consequen-

    te desajuste entre iderio e base social acentuam a dificuldade do desen-

    volvimentismo em se tornar o eixo das polticas de Estado. Os problemas

    apontados marcaram bastante o governo Lula e no desapareceram com

    a eleio de Dilma Rousseff para a Presidncia de Rep blica. No h

    d vida quanto adeso da nova presidenta ao iderio desenvolvimentista,

    embora no haja tanta segurana quanto ao tipo de desenvolvimentismo

    que professa.

    Embora s se possa avaliar, e com precariedade, o primeiro ano de

    seu mandato, o governo Dilma vem mostrando grande empenho em de-

    senvolver uma poltica desenvolvimentista consistente. A despeito desse

    empenho, tem sido muito dificil reorientar as polticas fiscal e monetria

    legadas pelo governo anterior, isso para no falar na ineficincia e na cor-

    rupo da administrao p blica.

    Os an ncios iniciais de controle dos gastos correntes, o lanamento de

    um programa de estmulo inovao, a preservao da poltica do BNDES

    e a ousadia na conduo da poltica monetria pelo Banco Central, que

    tende a reduzir a remunerao de curto prazo do capital dinheiro, foram

    boas indicaes da prioridade atribuda expanso do sistema produtivo.

    Particularmente a poltica de juros sugere, se no me equivoco, a procura

    de um novo mix de polticas, diferente do predominante desde 1999.

    Apesar disso, os resultados alcanados pela poltica no novo governo

    em 2011 foram bastante decepcionantes. O crescimento econmico no

    chegou a 3% do PIE, embora o governo almejasse uma taxa de 4,5%; a

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    inflao foi contida dentro da tolerncia mxima, mas ultrapassou o centro

    da meta fixada: o supervit primrio prometido foi atingido, mas custa

    de uma reduo dos investimentos p blicos e graas elevao da arrecadao

    rributria.?

    possvel atribuir a insuficincia desses resultados s dificuldades de

    instalao de um novo governo, ainda muito marcado pela herana rece-

    bida do perodo Lula, presidente mais atento preservao de sua coalizo

    poltica do que eficincia da administrao p blica.' Mas as presses

    dos vrios setores do funcionalismo, do Judicirio e da base parlamentar

    governista sobre a nova administrao mostram que se mantm as razes

    polticas que militam contra a transferncia de despesas de custeio para

    gastos com investimentos. Tais dificuldades no afetam exclusivamente o

    governo da Unio: em 2011, os estados mais importantes da Federao,

    exceo de Pernambuco, tambm reduziram seus dispndios com investi-

    mentos em relao ao ano anterior. 4

    A despeito dos problemas apontados, no descabido manter um oti-

    mismo cauteloso em relao ao futuro. Apesar das ameaas que pesam so-

    bre o crescimento econmico do pas em funo da crise econmica eu-

    ropeia, o governo Dilma deve apresentar mais consistncia entre intenes

    e resultados. Isso na medida em que tenha superado pelo menos parte dos

    obstculos poltico-administrativos herdados e continue a romper as balizas

    ideolgico-partidrias que vm bloqueando uma melhor articulao entre

    os setores p blicos e a iniciativa privada na realizao de projetos-chave

    2 Em 2011, a folha de pessoal e encargos sociais, por exemplo, consumiu R$ 196,6 bilhes,

    um aumento de R$ 13,2 bilhes em relao ao total do ano anterior. No que diz respeito ao

    investimento, o governo despendeu R$ 41,9 bilhes, bem menos do que em 2010, quando

    foram desembolsados R$ 44,7 bilhes para obras e para a compra de equipamentos, segundo

    a organizao Contas Abertas, especializada em finanas p blicas.

    3Exemplo disso a extraordinria desordem administrativa existente no Departamento Na-cional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministrio dos Transportes e

    criado em 2002. Seu novo diretor executivo, nomeado pela presidenta depois da descoberta

    de uma rede de corrupo nele presente, declarou, aps a realizao de uma auditoria, que

    "o Dnit no tem condies de tocar o PAC". Reportagem de O Estado de S. Paulo de 19

    de janeiro de 2012, mostra que as deficincias do rgo atrasam obras, retm pagamentos

    - leva-se 300 dias, depois de feita a medio de um servio, para se pagar o devido - e

    favorecem desvios.

    4 Cf. Editorial de O Estado de S. Paulo de 1Qde fevereiro de 2012.

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  • 7/26/2019 O desenvolvimentismo e o estado brasileiro contemporneo

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    para o desenvolvimento do pas. A realizao bem-sucedida, no incio de

    2012, do leilo para concesso parcial da gesto de trs grandes aeroportos

    iniciativa privada um forte indicador da disposio do governo Dilma

    de romper com os mencionados parmetros, o que permitiria acelerar a

    recuperao da infraestrutura produtiva do pas, essencial para o aumento

    da competitividade empresarial.

    claro que as iniciativas apontadas como de tipo liberal-desenvolvi-

    mentista ainda no formam um "sistema", pois no tm articulao sufi-

    ciente para formar um novo "regime de poltica econmica", nem contam

    com forte engajamento poltico-partidrio, dado que o PT parece pouco

    disposto a abandonar o ataque a que vinha submetendo as privatizaes.

    De qualquer modo, embora problemtica, mantm-se a possibilidade de o

    governo Dilma caracterizar-se, mais que os governos que a antecederam

    desde 1995, por uma diretriz liberal-desenvolvimentista.

    R e fe r n c i a sAFONSO,]. R. O n dos investimentos p blicos. Digesto Econmico, Associao Comercialde So Paulo, 2010. Edio Especial. Disponvel em: .

    BRESSER-PERElRA, L. C. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na Amrica Latina.

    2010, Disponvel em: .

    __ . Struturalist rnacroeconorrucs and new developmentalism. 2012, Disponvel em:

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    MOURO, Julio O. F . A integrao competitiva e o planejamento no sistema BNDES.

    Revista do BNDE S, v,1,n. 2,dez. 1994.