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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA
ELISETE SOAVE VIANNA
O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E
ALTERIDADE SOB A CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E
DE PAULO FREIRE: um estudo de caso na Escola Salesiana São José-
Campinas-SP
AMERICANA-SP
2016
ELISETE SOAVE VIANNA
O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E
ALTERIDADE SOB A CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E
DE PAULO FREIRE: um estudo de caso na Escola Salesiana São José-
Campinas-SP
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em educação
Sociocomunitária à Comissão Julgadora do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a
orientação do Prof. Dr. Francisco Evangelista.
AMERICANA-SP
2016
Vianna, Elisete Soave.
V67d O Despertar para a autonomia, protagonismo e alteridade sob a
concepção da pedagogia salesiana e de Paulo Freire: um estudo de
caso na Escola Salesiana São José-Campinas-SP / Elisete Soave
Vianna. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo,
2016.
209 f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientador: Francisco Evangelista.
Inclui bibliografia.
1. Educação sóciocomunitária. 2. Pedagogia salesiana.
3. Paulo Freire – 1921-1997. 4. Autonomia. I. Título.
CDD 371
Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539
Bibliotecária UNISAL – Americana
ELISETE SOAVE VIANNA
O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E ALTERIDADE SOB A
CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E DE PAULO FREIRE: UM ESTUDO
DE CASO NA ESCOLA SALESIANA SÃO JOSÉ-CAMPINAS-SP.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Strictu Sensu do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo, como
parte dos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Educação – área de concentração:
Educação Sociocomunitária.
Linha de pesquisa:
Análise histórica da práxis educativa nas
experiências sociocomunitárias e
institucionais.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Evangelista
Dissertação defendida e aprovada em 26 / 02 /2016, pela comissão julgadora:
____________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Melo Negrão – Membro Externo
Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
___________________________________________________________
Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa – Membro Interno
Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
___________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Evangelista – Orientador
Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
Dedico este trabalho e tudo o que ele representa em minha vida a meu
marido, companheiro e melhor amigo, Breno Matheus da Silva
Vianna! O que dizer sobre esta pessoa que me acompanhou e
incentivou, INCONDICIONALMENTE, em todos os momentos? Foi
quem mais sentiu minhas ausências, mesmo sendo o que sempre
esteve e está mais perto. Soube silenciar nos momentos certos, mesmo
quando queria ou precisava falar. Sempre nítido em seu olhar, em seu
rosto e em seus silêncios sua dedicação por mim.
AGRADECIMENTOS
Quando chega a hora de agradecer é que se percebe os muito momentos de ausência.
Ausência de todos, inclusive de nos mesmos. Nesse sentido,
... agradeço a toda minha família por me compreenderem e por me respeitarem quando esses
momentos aconteceram. Meus pais, Ana e Milton, e irmãos Flávio, Celso, Milton e Maurício.
... agradeço aos meus filhos, Felipe, Gustavo e Pedro, que muito me ensinaram e ensinam.
Que transformaram minha vida, dando mais sentido a ela.
... agradeço aos meus netos, Alice, Giovanni e Marcela! O que dizer destes pequenos grandes
tesouros?
... agradeço ao meu marido, Breno! Sem mais palavras para agradecê-lo!
A vocês, muito obrigada por tudo!
Agradeço também aos meus mestres, todos eles, desde o primeiro dia de aula, um
agradecimento de coração pela doação, acolhimento e disponibilidade. Aos mestres com os
quais estive no programa de Mestrado em Educação Sociocomunitária: Profa. Dra. Fabiana
Rodrigues Sousa de Sante, Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos, Prof. Dr. Severino
Antônio Moreira Barbosa e Prof. Dr. Francisco Evangelista.
Agradeço à Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão e ao Prof. Dr. Antônio Severino, que
compuseram a banca de qualificação e defesa desta pesquisa, muito obrigada pelas
valiosíssimas contribuições.
Ao meu orientador Prof. Dr. Francisco Evangelista, o Chiquinho, agradeço por ter,
além de orientado meu trabalho, ter dado a liberdade de que tanto necessitei para expor
minhas ideias.
Às minhas colegas de trajeto de Campinas até Americana, Lidia Maria Soares Bizo e
Silvana Gracioli Pedroso, muito obrigada, por todos os momentos de incentivo, descontração,
conversas, as risadas e toda a ajuda, agradeço de coração.
Às pessoas me incentivaram de forma extraordinária: Alencar André David, Renata
Maria de Araujo Afonso Ferreira, Rafael Duarte Belletti, Luis Carlos Alves Rodrigues, Marly
Signori Baracat, José Carlos Ambar dos Reis, Andrea Rosa Cossolino, Antonio de Jesus
Santana, Elcio Arestides de Mattos da Silva, Vaníria Felippe, entre outros, muito obrigada.
Agradeço tanto aos meus alunos, os de hoje e os de sempre, pois sem eles nada disso
teria sentido, e também ao grupo de professores do EFII, colegas de todas as jornadas.
Agradeço a Deus, o sopro divino, que nos faz acordar todos os dias para sonhar, viver
e conviver.
Onde você está em seu mundo?
(BUBER, 2011)
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo compreender e socializar o trabalho efetuado numa
escola da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, a Escola Salesiana São José, onde a
pesquisadora ministra, atualmente, aulas de Língua Inglesa para alunos de sexto e sétimo ano
do Ensino Fundamental II. Por meio dos projetos Garage Sale e Pink Lemonade, que são o
ponto de partida para toda a investigação científica, verifica-se a abrangência de práticas
educacionais mais significativas no ambiente escolar. Elegeu-se o Estudo de Caso para
analisar as práticas educacionais desenvolvidos na referida escola por acreditar-se que seja
esta a metodologia mais apropriada para desenvolver a pesquisa. Investiga-se e demonstra-se
que as concepções pedagógicas de Paulo Freire e João Bosco, fundador da Pedagogia
Salesiana, podem contribuir para as bases do protagonismo, autonomia e alteridade. Os
fundamentos da Educação Sociocomunitária são apresentados, uma vez que, a Educação
Sociocomunitária é o campo epistemológico em que se realiza a pesquisa, e por permitir um
olhar para a comunidade além dos limites da escola como espaço de Educação Formal. Com o
estudo das categorias e dos resultados da pesquisa sugere-se práticas educacionais para
viabilizar um processo de ensino-aprendizagem dialógico, de acolhimento, participação e
comprometimento com o outro num mundo globalizado que produz indivíduos que se
distanciam, apesar das grandes possibilidades de aproximação pela facilidade oferecida pelos
meios de comunicação. A pesquisadora surpreendida pelos resultados relata significativo
impacto nos alunos, que participaram dos projetos espontaneamente e nela própria. Respostas
como “descobri..., aprendi..., entendi..., passei a…, percebi..., vivenciei..., melhorei...” entre
outras falas dos alunos revelam a validade do uso de práticas significativas para aluno e
professor. Práticas que podem melhorar relacionamentos, aproximar pessoas e impactar
positivamente nas vidas de alunos e professores e comunidade, viabilizando acolhimento e
pertencimento.
Palavras Chaves: Educação Sociocomunitária. Pedagogia Salesiana. Paulo Freire. Autonomia.
Protagonismo. Alteridade.
ABSTRACT
This research aims to understand and socialize the work done at a school in the city of
Campinas, State of São Paulo, Escola Salesiana São José, where the researcher, currently,
teaches English as a Foreign Language for sixth and seventh students at Ensino Fundamental
II. Through the projects Garage Sale and Pink Lemonade, which are the starting point for all
scientific research, we seek to determine the scope of significant educational practices at
school. The methodology of Case Study was elected as the most appropriate to develop the
research and to analyze the data. The aim is to investigate and demonstrate that the
educational concepts of Paulo Freire and John Bosco, founder of the Salesian Pedagogy, can
contribute to the foundation of protagonism, autonomy and alterity. The foundations of Socio-
communitarian Education are presented, since the Socio-communitarian Education is the
epistemological field in which the research is conducted, and because it allows a view to the
community beyond the school boundaries as formal education space. By studying the
categories we seek to revise educational practices to enable a dialogic, welcoming,
participative teaching-learning process, as well as, commitment to each other in a globalized
world that produces individuals who move away from each other despite the great variety and
possibilities of getting closer if we take mass communication into consideration. The
researcher, surprised by the results, reports significant impact on students, who participated in
the projects spontaneously and on herself as well. Answers like "I found out ..., I learned ..., I
understood ..., I came to…, I realized..., I experienced..., I improved..." among other lines of
students show the validity of the use of significant practices for student and teacher. Practices
that can improve relationships, bringing people together and positively impact the lives of
students, teachers and community, enabling acceptance and belonging.
Key Words: Socio-communitarian Education. Salesian Pedagogy. Paulo Freire. Autonomy.
Protagonism. Alterity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Quem é vulnerável a quê e porquê ............................................................... 23
Ilustração 2 – A Itália em 1815, após o Congresso de Viena.................................................. 37
Ilustração 3 – O sítio dos Moglia............................................................................................. 42
Ilustração 4 – Ilustração 4 – Turim: Casa Pinardi, sede do oratório de São Francisco de Sales,
fundado por João Bosco em 1846............................................................................................ 50
Ilustração 5 – Oratório de João Bosco depois das primeiras reformas da casa Pinardi .......... 51
Ilustração 6 – João Bosco (Dom Bosco), saltimbanco............................................................. 54
Ilustração 7 – Casa onde nasceu Paulo Freire ............................................................... 72
Ilustração 8 – Convite ao evento que outorga à Paulo freire o Título de Cidadão Paulistano
.................................................................................................................................................. 75
Ilustração 9 – Escultura em homenagem aos que lutaram contra a opressão.......................... 76
Ilustração 10 – Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –
Projeto Garage Sale – 2013: Identificação oficial do setor EFII........................................... 126
Ilustração 11– Registros fotográficos da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –
Projeto Garage Sale – 2013: mesa pronta com os artigos para serem vendidos .............. 127
Ilustração 12 – Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –
Projeto Garage Sale – 2013 / Tudo arrumado para a venda ................................................. 128
Ilustração 13 – Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José - Projeto
Garage Sale – 2013 / A mesa preparada com os ingredientes............................................... 130
Ilustração 14 – Organização para degustação da Pink Lemonade em sala de aula: a receita na
lousa....................................................................................................................................... 131
Ilustração 15 – Organização para degustação da Pink Lemonade em sala de aula: a receita na
lousa: Pink Lemonade pronta servir ..................................................................................... 131
Ilustração 16: Registro fotográfico de sala de aula na escola Salesiana São José - Projeto
Garage Sale – 2013 / Os professores e funcionários do setor também experimentaram a
limonada!............................................................................................................................... 131
Ilustração 17: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – missa e
entronização do Santíssimo na Comunidade Santíssima Trindade e Santíssimo ............. 136
Ilustração 18: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – Encenação
de peça de Natal e Primeira Festa de Natal com o prédio ainda em construção
................................................................................................................................................ 136
Ilustração 19: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – Visita à
Comunidade: Dna. Edna conversando com os alunos e Alunos fotografando a construção do
novo prédio no mesmo terreno............................................................................................... 137
Ilustração 20: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima trindade – Dna. Edna e
a pesquisadora........................................................................................................................ 137
Ilustração 21: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – registros
feitos de dentro do ônibus durante o pequeno tour pelo bairro onde se localiza a Comunidade
na companhia da Dna. Edna ................................................................................................ 138
Ilustração 22: Registro fotográfico da saída dos alunos, professora-pesquisadora e agente da
pastoral para a visita à Comunidade Santíssima Trindade ................................................. 138
Ilustração 23: Registros de aula na Escola Salesiana São José do Projeto Pink Lemonade -
2015 / Relação dos ingredientes e quem contribuirá ............................................................. 152
Ilustração 24: Uma volta no tempo - a carteira da escola rural.............................................. 171
Ilustração 25: A imponente sede da fazenda ......................................................................... 173
Ilustração 26: A pesquisadora e a Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão – A Dona Ana Maria
................................................................................................................................................ 177
Ilustração 27: O primeiro livro – Robinson Crusoé devorado pela pesquisadora e também
pelas traças ou cupins ............................................................................................................ 186
Ilustração 28: A Mulaliza de Mulardo da Vinci – criatividade em sala de aula ................... 187
Ilustração 29: “Prefessora de Ingrêis” ................................................................................... 188
Ilustração 30: O olhar da criança – A professora feliz........................................................... 130
SUMARIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1: EU, VOCÊ, NÓS: UM CAMINHO POSSÍVEL ....................................... 20
1.1. O ADOLESCENTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ........................................... 21
1.2. AS CATEGORIAS: AUTONOMIA, PROTAGONISMO e ALTERIDADE .......... 24
1.2.1. Considerações sobre autonomia e protagonismo ........................................... 24
1.2.2. Autonomia, protagonismo e o adolescente ..................................................... 28
1.2.3. Alteridade ................................................................................................................. 29
1.3. AUTONOMIA, PROTAGONISMO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO ................... 32
CAPÍTULO 2 – JOÃO BOSCO: DE ILHA À CONTINENTE ......................................... 34
2.1. JOÃO BOSCO, O HOMEM, O CIDADÃO E O RELIGIOSO DE SEU TEMPO ...... 34
2.2. EDUCACÃO SALESIANA .......................................................................................... 55
2.2.1. A sociedade Salesiana se configura ...................................................................... 55
2.2.1.1. Oratórios festivos ........................................................................................ 57
2.2.1.2. O campo da escola....................................................................................... 57
2.2.1.3. O campo de trabalho ................................................................................... 58
2.2.1.4. Criminalidade juvenil .................................................................................. 58
2.3. O SISTEMA PREVENTIVO E SEUS PRESSUPOSTOS ........................................ 59
2.4. O LEGADO DE JOÃO BOSCO: A EDUCAÇÃO SALESIANA E O SISTEMA
PREVENTIVO HOJE ........................................................................................................... 66
CAPITULO 3 – DIÁLOGO COM PAULO FREIRE ......................................................... 71
3.1. LER PARA REESCREVER .......................................................................................... 71
3.2. PAULO FREIRE: PURA INDIGNAÇÃO .................................................................... 77
3.3. PAULO FREIRE POR ELE MESMO: A SUA VOZ ................................................... 81
3.3.1. Entrevistas em vídeo ............................................................................................. 81
3.3.2. Entrevistas em publicações ................................................................................... 83
3.4. PAULO FREIRE E O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA ......................................... 87
3.4.1. Relação dialógica e a busca do Ser Mais ............................................................. 89
3.4.2. Educação bancária e educação problematizadora ........................................ 91
3.4.3. Invasão cultural ................................................................................................ 92
3.4.4. A ética universal do ser humano e a ética do mercado ................................. 94
CAPITULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA EM MOVIMENTO
PORQUE EM CONSTRUÇÃO ............................................................................................ 96
4.1. UM CAMINHO A PERCORRER ................................................................................. 97
4.2. EVIDENCIAS HISTÓRICAS: JOÃO BOSCO, ALGUMAS APROXIMAÇÕES E
CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA ...... 105
4.3. REFLEXÕES DA PESQUISADORA A RESPEITO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO
SOCIOCOMUNITÁRIA .................................................................................................... 107
CAPÍTULO 5: OS PROJETOS EM SEU CONTEXTO .................................................. 113
5.1. OS SALESIANOS CHEGAM AO BRASIL E A CAMPINAS .............................. 113
5.1.1. A Escola Salesiana São José hoje .................................................................. 114
5.1.2. O Ensino Fundamental II: o berço dos projetos Garage Sale e Pink
Lemonade........................................................................................................................ 115
5.1.3. Uma escola em Pastoral ................................................................................. 116
5.2. O PROJETO GARAGE SALE ................................................................................ 117
5.2.1. Contextualização do projeto .......................................................................... 117
5.2.2. Gênese do Projeto Garage Sale ...................................................................... 119
5.2.3. Desenvolvimento do projeto: Preparação para a Mostra Cultural ........... 123
5.2.4. Desdobramentos do projeto Garage Sale ao longo dos anos ....................... 126
5.3. O PROJETO PINK LEMONADE ........................................................................... 128
5.3.1. Contextualização e Gênese do projeto .......................................................... 128
5.3.2. A Pink Lemonade vai para a Mostra Cultural ............................................. 132
5.3.3. Desdobramentos do projeto ........................................................................... 132
5.4. A COMUNIDADE SANTÍSSIMA TRINDADE .................................................... 133
5.4.1. Uma conversa acolhedora .............................................................................. 133
CAPÍTULO 6: OPÇÃO METODOLÓGICA E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .... 139
6.1. O ESTUDO DE CASO E O COMPROMISSO DA PESQUISADORA ................... 139
6.2. OBSERVAÇÕES A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO ............. 139
6.2.1. Aplicação dos questionários no Ensino Fundamental II ................................. 140
6.2.2. Aplicação do questionário no Ensino Médio .................................................... 141
6.3. DADOS OBTIDOS ..................................................................................................... 142
6.4. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................................................. 149
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 162
APENDICE A – Memorial da pesquisadora ...................................................................... 169
APÊNDICE B – Primeira versão do questionário ............................................................. 191
APÊNDICE C – Segunda versão do questionário (referência para os dados obtidos) .. 193
APÊNDICE D – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Fundamental II
................................................................................................................................................ 195
APÊNDICE E – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Médio ........... 196
APÊNDICE F – Entrevista: Alencar Andre David (Coordenador Pedagógico do EFII)
................................................................................................................................................ 197
APENDICE G – Entrevista: Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira (Orientadora
educacional) ........................................................................................................................... 199
APÊNDICE H – Entrevista: José Carlos Ambar dos Reis (assistente de alunos) .......... 200
APÊNDICE I – Entrevista por e-mail: Rafael Duarte Belletti ( agente da Pastoral) .... 201
APÊNDICE J – Atividade Garage Sale .............................................................................. 203
APÊNDICE K – Atividade Pink Lemonade ....................................................................... 206
14
INTRODUÇÃO
O mundo não é. O mundo está sendo.
Paulo Freire
o seu olhar lá fora,o seu olhar no céu
o seu olhar demora o seu olhar no meu
o seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu
Arnaldo Antunes / Paulo Tatit
Inacabados! ... Essa é a nossa condição quando nos encontramos, eu e meus alunos.
Inacabados, não apenas a cada encontro no início do ano letivo, mas a cada instante da nossa
caminhada pessoal e ao longo do nosso trajeto escolar. A cada olhar no outro, do outro e com
o outro nos melhoramos rumo ao Ser Mais. Esse “caminhar e olhar com” nos proporciona
mais que um sentimento de pertença, nos proporciona um sentimento de pertencer e ser no
mundo. Paulo Freire (2013b) diz que gosta de ser gente porque
[...,] inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento,
sei que posso ir mais além dele. Essa é a diferença profunda do ser condicionado e o
ser determinado. (FREIRE, 2013b, p. 52-3).
As palavras desse grande educador invocam-me a pensar no porque gosto de ser
professora. Gosto de ser professora porque gosto de aprender. Acredito na transitividade e
reciprocidade do verbo ensinar. Acredito no ensinar aprendendo e aprender ensinando de
Paulo Freire (2013b). Acredito no despertar do olhar.
Ao ser interpelado sobre a experiência da beleza, Rubem Alves (2012) em suas
“Pimentas” responde o que aprendeu com Platão:
Platão, quando não conseguia dar respostas racionais, inventava mitos. Ele contou
que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas do universo. Essa
experiência foi tão forte que todas as infinitas formas de beleza do universo ficam
eternamente gravadas na alma. Ao nascer, nos esquecemos delas. Mas não as
perdemos. A beleza fica em nós. Adormecida como um feto. Todos estamos
grávidos de beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. Quando
a beleza nasce, reencontramo-nos com nós mesmos e experimentamos a alegria.
(ALVES, 2012, p. 47-8).
15
Talvez tenha sido pelo mesmo motivo as palavras de João Bosco (BROCARDO, 1986,
p. 93) dizer “Dai-me almas e ficai com o resto. “Daí-me almas e ficai com o resto” em latim,
Da mihi animas, Cetera tolle, talvez não se referisse à beleza das pimentas de Rubem Alves,
mas sim à bondade dos jovens com quem João Bosco convivia, esperando despertá-los para a
bondade. De acordo com Brocardo (BROCARDO, 1986), fazendo a interpretação dessa fala
de João Bosco nos seus tempos, a ideia indicada é a de uma direção justa que importava ser
seguida, ter em vista.
Assim olho para o “aprender” e para o “ensinar”. Ao aprendermos, despertamo-nos.
Despertamo-nos para um conhecimento que já estava em nós e que acabamos de resgatar. Ao
ensinarmos, aprendemo-nos. Momento propício para um manifesto, um manifesto do
educador. O manifesto da educadora Elisete, que nasceu Soave e se tornou Soave Vianna.
Educador
Educação e pertencimento andam de mãos dadas, educar é pertencer e fazer pertencer.
Educar é respeitar nas necessidades, nos desejos,
nos sonhos e na cultura.
Educar não é apenas ensinar, é o fazer despertar as ideias adormecidas no âmago dos que querem
aprender.
Educar é viabilizar o desenvolvimento que possibilita o amadurecimento.
Educar é promover a individualidade, é preparar
para SER.
Educar é possibilitar ver o mundo sob a lente do SER.
Educar é conduzir da dependência à autonomia
para ver o mundo de forma diferente a cada piscar de olhos.
Educar é despertar.
Educador, despertador.
O verbo “despertar” no dicionário nos permite outros olhares, tais como, acordar, sair
do estado de inatividade, passar a ter vigor, provocar, ser a origem de, dar motivo para,
manifestar-se, tornar-se presente. Oferece-nos o substantivo “despertador” e o duplo
16
particípio: “despertado” e “desperto”. Minha visão de educação é aluno e professor
despertados e despertadores com e por ao longo da caminhada.
Porém, não sejamos ingênuos! Há que se cuidar muito bem do “despertar” no processo
educativo. Segundo Brandão (2007), a educação ajuda a pensar tipos de homens, mas quem
“pensa” no tipo de homem a se formar? Nesse sentido, o próprio Brandão (2007) alerta sobre
a educação:
Mas do que isso, ela ajuda a criá-los, fazendo passar de uns para os outros o saber
que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de
produção e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que,
em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o
educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode
estar servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para
os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas
e nas ideias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, por meio de
seu exercício, à sociedade que habita. Esta é sua fraqueza. (Brandão, 2007, p. 11-
12).
Nesse contexto, o despertar do educador é a reflexão e consciência de que este sabe a
quem, por quem e para quem educa. Para Freire (2001), conscientizar-se é tomar posse da
realidade e à medida que nos conscientizamos mais nos engajamos e nos comprometemos.
Para o autor, quanto mais conscientizados, mais capacitados estamos para ser anunciadores e
denunciadores porque assumimos o compromisso de transformar a realidade que nos cerca
(Freire, 2001). Para João Bosco em todo jovem, até nos mais arredios, há um ponto sensível
por onde se pode acessar o bem que existe nele e cabe ao professor encontrar esse ponto e
educar para o bem.
No meu inacabamento, encontro-me, agora, na posição de pesquisadora, com o
objetivo de buscar, principalmente em Paulo Freire e João Bosco a possibilidade de
vislumbrar práticas educativas significativas e “despertativas”, tanto para professores quanto
para alunos. Práticas educativas que propiciem o despertar para o conhecimento, para a
consciência do inacabamento, para o Ser Mais, de Paulo Freire (2013b). A inserção de
práticas educativas mais significativas, mais problematizadoras, voltadas para o “despertar”
da consciência de “ser no mundo”, possibilita um olhar da educação sociocomunitária dessa
pesquisa. Justifico a relevância deste estudo no sentido de que a socialização de experiências
como a que se propõe fazer, possa provocar outros olhares e “despertares”.
A metodologia a ser utilizada para buscar os dados que serão posteriormente
analisados é o Estudo de Caso, por tratar-se o objeto da presente pesquisa um projeto
17
específico que se desenvolve numa determinada realidade. A escolha da metodologia se
justifica de acordo com Chizzotti (2006), quando este afirma que o Estudo de Caso constitui-
se em:
[...] uma busca intensiva de dados de uma situação particular, de um evento
específico ou de processos contemporâneos, tomados como “caso”, compreendê-lo o
mais amplamente possível, descrevê-lo pormenorizadamente, avaliar resultados de
ações, transmitir essa compreensão a outros e instruir decisões. (CHIZZOTTI, 2006,
p. 136).
Chizzotti (2006) apresenta ainda a visão de Estudo de Caso de Starke (Starke, 1994;
1995, apud Chizzotti, 2006). Dentro dessa visão, a que se adota para a presente pesquisa é o
Estudo de Caso intrínseco, que:
[...] procura conhecer melhor um caso particular em si, mesmo porque em sua
singularidade ordinária e específica torna interessante esse caso mesmo que não seja
representativo ou ilustrativo de outros casos. O objetivo da pesquisa não é construir
teorias ou elaborar construções abstratas, mas compreender os aspectos intrínsecos
de um caso em particular, seja uma criança, um paciente, um currículo ou
organização etc. (CHIZZOTTI, 2006, p. 137).
A presente pesquisa tem como objetivo compreender e socializar o trabalho efetuado
numa escola da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, a Escola Salesiana São José,
onde a pesquisadora ministra aulas de língua inglesa para alunos de sexto e sétimo ano do
Ensino Fundamental II. O Estudo de Caso em questão tratará de dois projetos desenvolvidos
na referida escola, inicialmente, realizado no evento chamado “Mostra Cultural”, de caráter
anual em suas primeiras edições e, posteriormente, a partir de 2013, de caráter bienal.
Os projetos se realizaram com aprovação e parceria da Coordenação Pedagógica e
Serviço de Orientação ao Estudante (SOE) do Ensino Fundamental II, e pela Pastoral da
escola, representados respectivamente por Alencar Andre David, Renata Maria de Araujo
Afonso Ferreira, e Rafael Duarte Belletti. O primeiro projeto é o Projeto Garage Sale,
concebido durante uma aula numa conversa com os alunos do sétimo ano em agosto de 2010.
O despertar deu-se durante a aula, com os alunos. A partir da leitura de um livro paradidático,
uma discussão se instaura na sala de aula e na aula seguinte uma atividade é intencionalmente
proposta aos alunos. Dessa atividade surge o projeto: organizar uma Garage Sale na escola.
Para quê? Inicialmente o objetivo era vivenciar uma atividade característica de outra cultura,
saber mais sobre essa atividade enquanto inserida no seu contexto cultural nativo, apropriar-se
dela conscientemente, no sentido que não se trata de uma perpetuação da prática no nosso
contexto, na nossa cultura, mas apenas uma forma de atingir objetivos momentâneos, que
18
seria o outro objetivo, arrecadar fundos para doar para um dos projetos da Pastoral da escola.
O segundo projeto é o Projeto Pink Lemonade, que também surgiu dentro da sala de aula,
junto com os alunos, a partir de uma atividade de leitura e interpretação de texto (um diálogo
num restaurante) houve uma curiosidade para saber do que se tratava a Pink Lemonade que
acabou sendo feita em sala de aula após uma pesquisa sobre o assunto, e por fim foi
acrescentada ao evento Mostra Cultural juntamente com a Garage Sale. Projetos diferentes,
mas instalados como “vizinhos” na Mostra cultural. Ao longo da organização dos projetos,
Garage Sale, e Pink Lemonade, preparação, montagem, vivência, enfim, em todo o processo,
descobriu-se que a prática iria mais além. Outros olhares foram possíveis a partir dessa
prática.
Acrescento sobre a metodologia da pesquisa o caráter qualitativo e participante, visto
que faço parte e coordeno o projeto e, como pesquisadora, em constante busca da construção
do conhecimento. Segundo Oliveira et al (2014),
O(A) pesquisador(a) não é externo(a) ao fenômeno estudado, pois sua motivação
para conhecer e seu interesse partem de engajamento ao objeto de estudo. Esses
interesses movem aqueles(as) que, com seu trabalho, procuram interferir na
realidade e, nela, buscam compreensões acerca de processos humanos. (OLIVEIRA
et al, 2014, p.119).
Para coleta de dados utilizarei entrevistas com pessoas diretamente ligadas aos
projetos, aos locais onde a pesquisa se desenvolve. Quanto aos alunos participantes dos
projetos, além dos egressos do Ensino Fundamental II um questionário será aplicado.
Para desenvolver a pesquisa, apresento seis capítulos, além das considerações
finais. No primeiro capítulo, teço considerações a respeito das categorias autonomia,
protagonismo e alteridade. No segundo capítulo, a vida de João Bosco, a Educação Salesiana
e a pedagogia da presença de João Bosco, além do seu Sistema Preventivo são apresentados.
No terceiro capítulo, debato a visão de Paulo Freire sobre a Educação. No quarto capitulo, a
Educação Sociocomunitária é apresentada sob diferentes olhares, inclusive sob a ética
freiriana, como afirmam Caro e Daud (2013) trata-se de:
[...] uma ética da responsabilidade universal, uma ética da solidariedade aos
despossuídos, através de uma ciência educacional crítica. Sua pedagogia está a
serviço da emancipação social, enquanto busca formar sujeitos autônomos e capazes
de praticar a solidariedade, contribuindo para formação de uma consciência coletiva
transformadora e humanizadora do próprio processo escolar e da sociedade como
um todo. (CARO e DAUD, 2013, p.59).
19
No quinto capítulo, discorrerei sobre os projetos objeto da pesquisa, sua concepção e
processo de realização. No sexto capítulo, os resultados da pesquisa serão explicitados e
analisados. Nas considerações finais pretendo olhar de forma distanciada para os resultados e
questionamentos levantados e refletir sobre eles.
É importante salientar que o interesse em pesquisar sobre protagonismo, autonomia e
alteridade nas práticas educativas veio por meio do trabalho, da experiência-vivência e das
curiosidades como professora-educadora, desenvolvido pela pesquisadora ao longo da vida
profissional, em diferentes ambientes como, escolas de idiomas, aulas particulares e escolas
regulares. A temática se fez mais pertinente ao longo do trabalho na Escola Salesiana São
José, onde foi possível desenvolver e participar de projetos em que se percebia a participação
dos alunos de forma autêntica e voluntária. A presente pesquisa nasce de uma inquietação
provocada por um dos despertares ao longo da caminhada: seria o despertar para a autonomia
e protagonismo um caminho para a alteridade?
20
CAPÍTULO 1: EU, VOCÊ, NÓS: UM CAMINHO POSSÍVEL
Conhecer o ser humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele.
Edgar Morin
“Onde você está em seu mundo?” (Buber, 2011) Esta não é a pergunta que levou a
pesquisadora-autora à pesquisa que ora se apresenta, mas pode ser uma pergunta apropriada
para se iniciar uma conversa sobre e entre as categorias que permeiam as discussões deste
trabalho: autonomia, protagonismo e alteridade.
Com o advento da globalização e os avanços tecnológicos, que parecem ter chegado a
todos os cantos do planeta, o mundo vivencia um paradoxo: com todo o avanço tecnológico,
informações e comunicação em tempo real, não deveria o ser humano estar mais próximo, por
estar sabendo o que acontece com seus pares no mundo todo quase que simultaneamente? O
que se vive, no entanto, é um mundo em que cada vez mais o ser humano se distancia de seus
pares, ou seja, do próprio ser humano. Redes sociais aproximam pessoas virtualmente e ao
mesmo tempo as distanciam fisicamente podendo relegar o ser humano a uma profunda
solidão. Além disso, ou por conta disso, o que se vê hoje é um ser humano ensimesmado,
individualista e solitário. Atuais e frequentes episódios de violência relacionados à
intolerância no mundo, principalmente aos acontecimentos em países como a Síria, levando
milhares de pessoas a arriscarem suas vidas para fugir em condições desumanas tentando
chegar a um porto seguro, a um país que os receba e os acolha. Por outro lado vemos países
que tentam impedir ou dificultar a entrada dessas pessoas em seus territórios. Intervenções de
organizações internacionais de diferentes naturezas foram e estão sendo de extrema
importância para amenizar os efeitos da migração em massa. O exemplo acima citado é
apenas mais um episódio no mundo. Diferenças pessoais e culturais que dão a cada ser
humano sua identidade passam a ser um problema nesse contexto, ou seja, as diferenças
culturais que identificam o homem e lhe concedem o sentimento de pertença é motivo de
ações violentas contra o próprio homem. O quadro que se vislumbra, então, é o da negação do
ser humano pelo próprio ser humano.
Cada ser humano não só é diferente, mas também, único. “O homem não se repete” e
que essa “não repetição” seria a “sacramentalidade da criação” (NEGRÃO, 2015). Para,
Buber (2011) a condição de ser único impõe ao ser humano uma responsabilidade, pois
21
Cada homem traz algo de novo ao mundo, algo que ainda não existia, algo sério e
único. “A obrigação de cada homem em Israel é saber refletir sobre seu caráter único
em seu modo de ser e sobre o fato de nunca ter existido ninguém igual a ele sobre a
terra. Se alguém igual já houvesse habitado a terra, não precisaria estar aqui. Cada
um é algo novo nesta terra e é chamado para realizar sua particularidade neste
mundo. Pois, na verdade, a vinda do messias se protela porque isso não acontece”.
(BUBER, 2011, p. 16).
Vale lembrar que a referência a “Israel” no trecho acima citado tem seu contexto no
livro de Buber “O caminho do Homem: segundo o ensinamento chassídico1”. E Buber (2011,
p. 17) acrescenta que “essa tarefa principal é a concretização única e específica de suas
potencialidades, e não a repetição de algo que um outro, ainda que seja o maior, já tenha
feito”
O que se pretende neste momento é ter um olhar para o ser humano sob algumas
lentes, e refletir sobre o homem, sobre Eu, sobre Tu, sobre Nós. Os olhares sob os quais se
pautará essa visão são principalmente os de Buber, Lévinas, Costa, Freire e Bosco. Antes de
discorrer sobre as categorias é necessário que se teça algumas considerações sobre a faixa
etária dos alunos participantes dos projetos, os adolescentes. Quanto às categorias, iniciarei
com as categorias autonomia e protagonismo e avanço discorrendo sobre alteridade por
pensar ser esta a ordem que melhor configura as reflexões sobre estas categorias mais adiante
na pesquisa.
1.1. O ADOLESCENTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira
felicidade de um menino é saber-se amado.
Dom Bosco
Como anteriormente mencionado, a presente pesquisa se desenvolve com adolescentes
de idade entre 11 e 12 anos numa escola de ensino privado que cursam o 6ª e 7ª ano do Ensino
Fundamental II. Sobre a Escola Salesiana São José discorreremos mais adiante, mais
especificamente no capítulo 5 onde se exporá o projeto objeto desse trabalho. Neste momento,
breves considerações a respeito do adolescente se fazem necessárias para que se possa
continuar discorrendo sobre as categorias.
1 Chama-se chassidismo (de chassid: devote à religião) o grande movimento místico-religioso que começou no
judaísmo do Leste europeu em meados do século XVIII. (BUBER, 2011, p. 20).
22
Em primeiro lugar, devo tratar dos termos: adolescente e criança, os vocábulos
utilizados por autores para designar a faixa etária alvo desta pesquisa. Levando em conta o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seria correto chamar alguns dos alunos que
participaram dos projetos de crianças e outros de adolescente, visto que no Artigo No. 2 do
ECA considera-se crianças as pessoas até 11 anos de idade incompletos e adolescentes as
pessoas entre doze e dezoito anos de idade. Por outro lado, se levarmos em conta a
Organização Mundial da Saúde (OMS), teríamos outro modo de designar essas fases do
crescimento, a saber, pré-adolescência, que compreende da idade de 10 anos aos 14 anos,
adolescência, dos 15 aos 19 anos completos e juventude dos 15 aos 24 anos (Vivendo a
adolescência, 2016). Portanto, os termos adolescente e/ou jovem serão utilizados para
designar o público alvo desta pesquisa.
Para Costa (2000), a adolescência:
[...] é o tempo da grande travessia entre a infância e a idade adulta. Na infância, a
ação dos filhos é controlada de fora, pelos pais. Na idade adulta espera-se que a
conduta da pessoa seja controlada, de dentro, por ela própria. [...] É o tempo em que
o jovem vai, aos poucos, construindo sua autonomia. (COSTA, 2000, p. 47, grifo do
autor).
O mesmo autor (2000) complementa dizendo que a autonomia se completa quando o
adolescente chega à idade adulta, sendo a adolescência a fase da vida em que ele vai
construindo sua identidade e seu projeto de vida afirmando que, no comportamento, na forma
de se relacionar com o mundo, o adolescente se diferencia do adulto porque se apoia em
vivencias, experiências, relacionamentos e acontecimentos de sua vida. O adulto em primeiro
lugar tenta compreender quando se depara com algo novo, depois disso faz uma opção por
essa novidade ou não e, então finalmente, experimenta o novo, se esta for a opção. O
adolescente, ao contrário, em primeiro lugar experimenta e sente o novo, depois escolhe se
opta por ele ou não e por fim passa para a etapa de entender o novo. Por este motivo,
complementa Costa (2000), o adolescente pode ficar mais exposto a situações de risco do que
o adulto.
A propósito das situações de risco a que o adolescente pode se expor o Relatório do
Desenvolvimento Humano (Organização das Nações Unidas, 2014) coloca o adolescente em
situação de vulnerabilidade, como se observa na ilustração 1, por se encontrar em um período
sensível no ciclo da vida.
23
Ilustração 1 – Quem é vulnerável a quê e por quê
Extraído de: http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014pt.pdf>. Acesso em 12 de jan. de
2016)
Por motivos óbvios, o Relatório de Desenvolvimento Humano (Organização das
Nações Unidas, 2014) sugere
Colocar as pessoas em primeiro lugar. A redução de vulnerabilidades apela à
renovação da mensagem essencial do desenvolvimento humano <<colocar as
pessoas em primeiro lugar>> - uma mensagem constantemente promovida em todos
os relatórios do Desenvolvimento Humano desde 1900. (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 2014, p. 29).
Costa (2001) cita os dez pontos básicos do Paradigma do Desenvolvimento Humano:
1. O fundamento real do desenvolvimento humano é o universalismo do direito
à vida;
2. Cada ser humano nasce com um potencial, que necessita de certas condições
para se desenvolver;
3. O objetivo do desenvolvimento é criar um ambiente no qual as pessoas
possam expandir suas capacidades;
4. Esse ambiente deve ainda oportunizar que a presente e as futuras gerações
ampliem suas possibilidades;
5. A vida não é valorizada apenas porque as pessoas podem produzir bens
materiais, nem a vida de uma pessoa vale mais que a de outra;
6. Cada indivíduo, bem como cada geração, tem direito a oportunidades que lhe
permitem melhor fazer uso de suas capacidades potenciais;
24
7. A forma pela qual realmente são aproveitadas essas oportunidades e quais os
resultados alcançados é um assunto que tem a ver com as escolhas que cada um faz
ao longo de sua vida;
8. Todo ser humano deve ter capacidade de escolha, agora e no futuro;
9. Há uma necessidade ética de se garantir às gerações futuras condições
ambientais pelo menos iguais às que as gerações anteriores desfrutaram
(desenvolvimento sustentável);
10. Esse universalismo torna as pessoas mais capazes e protege os direitos
humanos fundamentais (civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais).
(COSTA, 2001, p. 43-4).
O mesmo autor (2000, p. 30) nos convida a olhar para o adolescente sob uma ótica
diferente: “precisamos aprender a vê-los como solução, não, como problema” Poder-se ia
dizer que esse olhar consiste numa quebra de paradigma. Costa (2000) propõe a pedagogia da
presença para que lidemos com os adolescentes e assim a define:
A pedagogia da presença [João Bosco já propunha esse tipo de abordagem ao
adolescente] é um jeito de educar que se baseia na criação de um clima de abertura,
reciprocidade (disposição de troca) e compromisso entre pais e filhos, entre jovens e
adultos e – por que não? – entre adultos e adultos [e por que não entre professor e
aluno]. (COSTA, 2000, p. 50).
Levando em conta o exposto acima seria necessário pensar numa Educação que utilize
práticas educativas adequadas e significativas para que o adolescente tenha as condições de
desenvolvimento asseguradas. Pensar o adolescente como solução e não como problema exige
formas diferentes de atuação no cotidiano escolar, o que configura um desafio tanto para a
escola quanto para o professor/ educador.
1.2. AS CATEGORIAS: AUTONOMIA, PROTAGONISMO e ALTERIDADE
1.2.1. Considerações sobre autonomia e protagonismo
Autonomia:
Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio
dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e ao seu trabalho pode
criar um mundo próprio, seu eu e as suas circunstancias.
Paulo freire
25
Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria lei, autós (por si
mesmo) e nomos (lei). Não se entende este poder como algo absoluto e ilimitado,
também não se entende como sinônimo de auto-suficiência. Indica uma esfera
particular cuja existência é garantida dentro dos próprios limites que a distinguem do
poder dos outros e do poder em geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível
com as outras leis. Autonomia é oposta a heteronomia, que em termos gerais é toda
lei que procede de outro, hetero (outro) e nomos (lei). (ZATTI, 2007, p. 12).
Protagonismo:
A participação se torna genuína quando se desenvolve num ambiente democrático. A
participação sem democracia é manipulação e, em vez de contribuir para o
desenvolvimento pessoal e social do jovem, pode prejudicar a sua formação.
Principalmente, quando se tem o propósito de formar o jovem autônomo, solidário e
competente.
Antonio Carlos Gomes da Costa
De onde vem o termo protagonismo juvenil?
Vem do grego. Proto quer dizer o primeiro, o principal. Agon significa luta.
Agonista, lutador. Protagonista, literalmente, quer dizer o lutador principal. No
teatro, o termo passou a designar os atores que conduzem a trama, os principais
atores. O mesmo ocorrendo também com os personagens de um romance.
No nosso caso, ou seja, no campo da educação, o termo protagonismo juvenil
designa a atuação dos jovens como personagem principal de uma iniciativa,
atividade ou projeto voltado para a solução de problemas reais. O cerne do
protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da
escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla. (COSTA, 2016).
Falar em autonomia sem falar em heteronomia seria um contra senso, pois a
autonomia por si só não se basta, ela não é absoluta. A palavra heteronomia vem do grego:
hetero que significa diferente e nomos que significa lei e significa submissão e aceitação
de leis que não são “nossas”, mas que reconhecemos como válidas na sociedade em que
estamos inseridos. Portanto ser autônomo não significa ser autossuficiente, pois nossa
convivência na sociedade implica em ser respeitado pelo outro e em respeitar o outro.
Nesse sentido, protagonizar não significa levar a cabo e concretizar todos os desejos que
se possam ter. Entre autonomia e heretonomia poder-se ia colocar a liberdade e a ética.
Para Marques (2003)
A escola deve ser um espaço privilegiado de formação não só conteudística, mas
também de reflexão e crítica sobre a realidade e sua estrutura social, econômica,
política, religiosa e cultural. É claro que o próprio desenvolvimento de uma série de
26
conteúdo escolar contribui para o crescimento da pessoa, uma vez que vai oferecer
elementos que possibilitarão uma reflexão mais profunda sobre si mesmo e a
sociedade. Neste sentido, ela está sendo um espaço direto de formação ética.
(MARQUES, 2003, p. 148-9).
Marques (2003) aponta que a educação é um processo constante em nossas vidas e que
além de ser um espaço importante para a construção de uma proposta ética, como citado
acima, ela também pode estar sujeita a um juízo de valor, pois a educação não é neutra, ou
seja, ela pode estar a serviço de uma ideologia.
Considerando a educação formal, espaço em que as atividades relacionadas aos
projetos alvo desta pesquisa acontecem, há que se fazer uma breve exposição da origem e
o trajeto da escola até os nossos dias.
A educação nos Setecentos era para poucos e era basicamente determinada pela Igreja,
cujo interesse era a catequização. O cunho repressor das famílias em relação aos filhos e
total autonomia da escola e do professor sobre o que seria mais correto ensinar deixava o
aluno na condição de total obediência em ambos os espaços. Nos Oitocentos, com o
advento da Revolução Industrial, como afirma Manacorda (1989) vista pela ótica de
Marx, a educação passou a ter um papel político-social, pois as relações de trabalho
modificaram e com isso toda a estrutura da sociedade. O modelo de produção artesanal
feudal dá lugar à produção nas fábricas e com elas, a escola aparece. Além disso, esse
novo modelo de produção provocou uma grande migração da população das áreas rurais
para as áreas urbanas. O objetivo da escola neste momento é preparar pessoas para atender
às necessidades do novo modo de produção. Uma das iniciativas que veio dos Setecentos
e perdurou ainda nos Oitocentos foi a do “ensino mútuo”, também chamado de
“monitoral”, uma forma de diminuir as despesas com a instrução e abreviar o trabalho dos
mestres e fazer o controle da instrução, para que esta não se tornasse um problema para o
estado. Este modelo consistia em treinar alguns jovens, os monitores, que seriam, na
verdade os multiplicadores das “lições” aprendidas. Manacorda (1989) descreva uma sala
de aula deste modelo de instrução:
Em um único local bem grande, em cujo modelo ideal constam três grandes naves
divididas por colunas ao longo das quais estão dispostos em quadrado os bancos das
várias classes, os alunos, sentados um ao lado do outros de acordo com o mérito e o
aproveitamento, são confinados aos monitores. (MANACORDA, 1989, p. 259).
Neste período, também os pais são alfabetizados, para que possam também ser
colocados para trabalhar nas fábricas, o que também provoca mudanças nos relacionamentos
27
entres os pais e os filhos. Vemos que o foco da educação não é levar o ser humano a uma
condição melhor de existência pelo conhecimento, ao contrário, ela tem como objetivo manter
o status quo. Neste período surgem nomes como Pestalozzi, Fröebel e outros que se
preocupam com as crianças. Mais no final dos Oitocentos nota-se a contribuição das mulheres
nesta área. Com o nascimento da Escola Nova inicia-se a tendência da participação dos pais
na preocupação e participação na educação de seus filhos. No inicio do século XX, a escola
passou a desempenhar outras funções:
A escola e a família assumiram a responsabilidade pela civilização, ou seja, os
professores não deveriam ensinar apenas a escrever e a ler; deveriam transmitir
também padrões morais, os valores da vida social. A escola passou a completar a
tarefa do lar, a formação do caráter, o respeito à disciplina necessária para a
harmonia e a estabilidade sociais. A família por outro lado, completaria o trabalho
da escola auxiliando seus filhos no aprendizado das lições. (CORTELAZZO;
ROMANOWSKI, 2008, p. 46).
Ainda segundo as mesmas autoras (2008), a escola ao receber, cuidar e transmitir os
valores citados acima para os alunos mais pobres poderia contribuir para que instruídos e
preparados os alunos conseguissem sair da condição de pobreza e citam Faria (2000):
A escola não poderá ir diretamente auxiliar as classes pobres, facilitando-lhes meios
de vida e provendo-lhes de alimentos. Mas poderá suavizar o mal, fornecendo regras
de economia e de rendimento maior no trabalho. (FARIA, 2000 apud
CORTELAZZO; ROMANOWSKI, 2008, p. 46.).
O que se percebe neste contexto é uma escola sem poderes para mudar a sociedade e
com tendências assistencialistas, passando longe da ideia de uma instituição que provesse aos
alunos autonomia e conscientização.
No Brasil, a partir da década de 80 por causa da democratização a escola passar por
transformações que vão desde a administração, até as relações entre a escola e a comunidade e
inicia-se também a educação de jovens e adultos. Além disso, surge a gestão democrática que
tem como objetivo a participação da comunidade na escola. Os valores e princípios que
permeariam as relações entre escola e comunidade fundamentam-se nos princípios do
Programa Educação para Todos da Unesco (Unesco, 1990). Entre os quais, Cortelazzo e
Romanowski (2008) destacam: educação para todos para superar a exclusão,
institucionalização das decisões coletivas, articulação de políticas educacionais no projeto da
28
escola, livre expressão da pluralidade e construção coletiva. Cortelazzo e Romanowski (2008)
apontam para a formação para a cidadania através da gestão escolar democrática.
1.2.2. Autonomia, protagonismo e o adolescente
O inacabamento sem a consciência dele engendra o adestramento e o cultivo. Os
animais se adestram, as árvores se cultivam, homens e mulheres se educam.
Paulo Freire
Para Paulo Freire (2013b) o ser humano é um ser inacabado com uma vocação
ontológica para o Ser Mais. A visão de Paulo Freire (2013b) sobre a presença do homem no
mundo é a de um ser ético “Como presença consciente no mundo não posso escapar à
responsabilidade ética no meu mover-me no mundo.”. Em outras palavras, a conquista da
autonomia não dá o direito ao ser humano de satisfazer todos os seus desejos exercendo um
falso protagonismo de acordo com Costa (2016), que afirma que nem todo protagonismo é
positivo, pois quando se trata de participações manipuladas, simbólicas ou apenas decorativas,
essas são, na verdade, formas de não-participação. Para que se evite ou para que não se cultive
esse tipo de protagonismo é que se faz necessário uma educação que contribua para a
formação de pessoas autônomas.
Sobre o protagonismo, Costa (2016) afirma essa ser uma modalidade da ação
educativa que cria espaços e condições que possibilitam aos adolescentes se envolverem em
atividades direcionadas à solução de problemas reais em que atuam com iniciativa liberdade e
compromisso. Trata-se atividades em que os adolescentes são os personagens principais e
podem atuar na busca de soluções para problemas da escola, da comunidade ou até da
sociedade. Essa participação democrática e autêntica leva o adolescente ao ganho e
construção da sua autonomia, autoconfiança e autodeterminação o que coopera para a
construção de sua identidade e projeto de vida (Costa 2016).
Num contexto de educação para a autonomia e protagonismo Costa (2000) o coloca o
adolescente com fonte de liberdade, iniciativa e compromisso:
Fonte de liberdade (opção): porque capaz de fazer escolhas, de tomar decisões
fundamentadas.
Fonte de iniciativa (ação): porque capaz de ir da intenção à ação, pondo em prática
suas escolhas e decisões.
29
Fonte de compromisso (responsabilidade): porque capaz de assumir as
consequências de seus atos. (COSTA, 2000, p. 89, grifos do autor).
1.2.3. Alteridade
[...] mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo,
com o mundo e com os outros. Presença que reconhecendo a outra pessoa como um
“não-eu” se reconhece como “si própria”.
Paulo Freire
Ao fazer aquilo que queria fazer, fiz mil coisas que não queria. O ato não foi puro, deixei
vestígios. Ao apagar esses vestígios, deixei outros.
Lévinas
Deus nos colocou no mundo para os outros.
João Bosco
O homem se torna Eu na relação com o Tu.
Martin Buber
A palavra alteridade tem origem no latim alter, “outro”, a qualidade ou estado de ser
diferente. Buber (2001) apresenta o mundo como experiência e como relação
apresentando três entidades, a saber, o Eu, o Tu e o Isso. Sobre a experiência se refere à
interação do homem com a natureza, com os animais, com os objetos, com as coisas
concretas no sentido de que o Eu nessa relação, na relação com o Isso, não muda sua
essência, pois não há reciprocidade. Sobre o mundo das relações, Buber (2001) coloca três
esferas de relacionamento:
A primeira é a vida com a natureza. Nesta esfera a relação realiza-se numa
penumbra como aquém da linguagem. As criaturas movem-se diante de nós sem
possibilidade de vir até nós e o Tu que lhes endereçamos depara-se com o limiar da
palavra.
A segunda é a vida com os homens. Nessa esfera a relação é manifesta e explícita:
podemos endereçar e receber o Tu.
30
A terceira é a vida com os seres espirituais. Aí a relação, ainda que envolta em
nuvens, se revela, silenciosa mas gerando a linguagem. Nós proferimos, de todo
nosso ser, a palavra-princípio [Eu-Tu] sem que nossos lábios possam pronunciá-la.
Mas como incluir o inefável no reino das palavras-princípio?
Em cada uma das esferas, graças a tudo aquilo que se nos torna presente, nós
vislumbramos a orla do Tu eterno, nós sentimos em cada um Tu um sopro provindo
dele, nós o invocamos à maneira própria de cada esfera. (BUBER, 2001, p. 54-5).
Em relação à primeira esfera, a da vida com a natureza, Buber (2001) depois de dizer
que podemos sentir, classificar, dominar, apreender como imagem, uma árvore pergunta:
Teria então a árvore uma consciência semelhante à nossa? Não posso experienciar
isso. Mas quereis novamente decompor o indecomponível só porque a experiência
parece ter sido bem sucedida convosco? Não é a alma da árvore ou sua dríade que se
apresenta a mim, é ela mesma. (BUBER ,2001, p. 55).
O que significa dizer que na relação com a natureza, com as coisas e animais, não
temos um retorno, por isso não nos reconhecemos neles.
Sobre a segunda esfera, a vida com os homens, o autor (2001) a relação verdadeira
entre os homens se dá quando há um encontro verdadeiro entre eles, pois nesse encontro
há reciprocidade. Buber (2001) afirma que o homem não é uma coisa, um objeto.
Eu não experiencio o homem a quem digo Tu, Eu entro em relação com ele no
santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo
novamente. A experiência é o distanciamento do Tu. (BUBER, 2001, p. 55, grifo
nosso).
O encontro do ser humano com outro ser humano quando verdadeiro, isto é, quando é
puro e baseado numa abertura para o outro, é para Buber (2000, p. 56) “o verdadeiro berço
da vida”.
Sobre a terceira esfera, a esfera da vida com os espíritos, com o inefável Buber (2001)
busca na vida pré-natal da criança um elo, uma relação com a mãe, o ser que a carrega
considerando que esse elo que os une é um vínculo cósmico que liga o homem ao Tu
verdadeiro.
A vida pré-natal das crianças é um puro vinculo natural, um afluxo de um para o
outro, uma inter-ação corporal na qual o horizonte vital do ente em devir parece
estar inscrito de um modo singular no horizonte do ente que o carrega, e entretanto,
parece também não estar aí inscrito, pois não é somente no seio de sua mãe humana
que ele repousa. Este vínculo é tão cósmico que se tem a impressão de estar diante
de uma interpretação imperfeita de uma inscrição primitiva, quando se lê numa
linguagem mítica judaica que o homem conheceu o universo no seio materno, mas
que ao nascer tudo caiu no esquecimento. Este vínculo permanece nele como uma
imagem secreta de seu desejo. Não como se a nostalgia significasse um anseio de
volta, como prescrevem aqueles que veem no espírito, por eles confundido com o
31
intelecto, um simples parasita da natureza. Ao contrário, é a nostalgia da procura do
vinculo cósmico do ser se desabrocha ao espírito com seu Tu verdadeiro. (BUBER,
2001, p. 66)
Na visão de Lévinas (2010) o homem é um ser que admite uma exterioridade, ou seja,
ele concebe o outro, é um animal racional, mas defende que ser racional não significa ser
domesticado por uma razão. Isso quer dizer que o fato de admitir o outro engaja o ser
humano numa totalidade,
Esta relação do indivíduo com a totalidade, que é o pensamento, em que o eu
considera o que não é ele e, contudo, não se dissolve, supõe que a totalidade se
manifesta, não como ambiência que roça de algum modo a epiderme do vivente,
como elemento no qual ele mergulha, mas como um rosto no qual o ser está em face
de mim. Esta relação, de participação ao mesmo tempo que de separação que marca
o advento e o a priori de um pensamento – em que os laços entre as partes não se
constituem senão pela liberdade das partes – é uma sociedade, seres que falam, que
se defrontam. O pensamento começa com a possibilidade de conceber uma liberdade
exterior à minha. Pensar uma liberdade exterior à minha é o primeiro pensamento.
(LÉVINAS, 2010, p. 37, grifos do autor).
Lévinas (2010) discorre a totalidade de sistema total e se refere ao universo do ser
humano como sistema parcial e chama de milagre o fato de o sistema total penetrar o
sistema parcial e considera o pensamento como o conhecimento do novo:
Como se realiza, por conseguinte, esta simultaneidade de uma posição na totalidade
e de uma reserva a seu respeito ou separação? [...] Esta penetração de um sistema
total em um sistema parcial que não o pode assimilar é o milagre. A possibilidade de
um pensamento é a consciência do milagre ou a admiração. O milagre rompe a
consciência biológica, ele possui um estatuto ontológico intermediário entre o vivido
e o pensamento. Ele é o começo do pensamento ou experiência. O pensamento que
inicia se encontra diante do milagre do fato. A estrutura do fato, distinta da ideia,
reside no milagre. Por aí, o pensamento não é simplesmente reminiscência, mas
sempre conhecimento do novo. (LÉVINAS, 2010, p. 36, grifos do autor).
Lévinas (2010) também tem um olhar para a transcendência e coloca o papel das
religiões reveladas em que há a relação de um eu com Deus que transcende. Esta relação
com o transcendente mantém o caráter da insuficiência do ser humano e ao mesmo tempo
seu caráter de totalidade e liberdade, pois o ser humano só concebe culpabilidade ou
inocência em relação à Deus, que oferece o perdão divino o que restitui ao ser humano sua
integridade inicial. Porém, para o autor (2010) o perdão supõe que o eu faltoso repare o
mal que fez e coloca o exame de consciência como um fator primordial para o ser
humano. Porém o papel da religião na mente moderna foi se perdendo, como afirma o
autor (2010), pois numa relação entre um eu e um tu, em que um terceiro fica excluído, o
32
perdão pode libertar das faltas em relação ao tu, mas como o eu não alcança o terceiro não
tem consciência do efeito de seus atos em relação a esse terceiro. Esse perdão na relação
eu-tu pode levar à alienação, pois sem a consciência dos seus atos na vida de terceiros, o
eu continua agindo considerando-se absolvido de suas faltas. Porque o eu está em relação
com uma totalidade humana, Lévinas (2010) vê sentido na moral terrestre por considerar o
homem um ser político.
A moral terrestre convida a um caminho difícil que conduz em direção aos terceiros
que ficam fora do amor. Só a justiça dá satisfação à sua necessidade de pureza. Que
o diálogo seja chamado a exercer um papel privilegiado na obra da justiça social,
acabei em certo sentido de afirmá-lo, mas ele não pode assemelhar-se à sociedade
intima e não é a emoção do amor que o constitui. A lei prepondera sobre a caridade.
O homem também neste sentido é um animal político. (LÉVINAS, 2010, p. 44).
1.3. AUTONOMIA, PROTAGONISMO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO
Alteridade é antônimo de identidade, relações que o ser humano vive nas interações
sociais cotidianamente. Para Silva (2000, p. 81 apud Pacheco, 2016) “a identidade e a
diferença nunca são inocentes”, donde se pode concluir que essas relações baseadas nas
diferenças podem se constituir também relações de poder. Porém, essas mesmas
diferenças nos proporcionam pertencimento. Fleuri (2003) propõe a educação na
perspectiva intercultural em que a educação deixaria de formar de forma hierárquica e
linear e passaria a ser entendida como um processo constituído por relações entre
diferentes sujeitos. Essa perspectiva possibilitaria contextos interativos promovendo um
ambiente criativo para a formação do aluno.
Nesse processo, desenvolve-se a aprendizagem não apenas das informações, dos
conceitos, dos valores assumidos pelos sujeitos em relação, mas sobretudo a
aprendizagem dos contextos em relação aos quais esses elementos adquirem
significados. Nesses entrelugares, no espaço ambivalente entre os elementos
apreendidos e os diferentes contextos a que podem ser referidos, é que pode emergir
o novo, ou seja, os processos de criação que podem ser potencializados nos limiares
das situações limites. (FLEURI, 2003, p. 32, grifos do autor).
Além de alertar para a necessidade de mudança na concepção de educador, que na
perspectiva por ele sugerida seria um sujeito que interage com outros sujeitos na
elaboração de sentido, Fleuri (2003) aponta para a nova função do currículo e da
programação didática, que seria a de prover recursos para a elaboração e circulação de
informações entre sujeitos e ambiente de aprendizagem.
33
Na sua concepção de educador Paulo Freire (2013b) propõe é que ensinar não é
transferência de conhecimento, mas que exige apreensão da realidade e enfatiza a ideia de
que ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando, a aceitação do novo e rejeição
a qualquer forma da discriminação. Paulo Freire (2013b) afirma que ensinar exige saber
escutar e exige também a disponibilidade para o diálogo. As exigências colocadas por
Paulo Freire (2013b) neste trabalho não esgotam as que o autor apresenta e sobre as quais
discorre em seu livro Pedagogia da Autonomia, porém, são suficientes para ver o
educador como alguém que se envolve com os alunos, com o processo de ensino e de
aprendizagem do aluno e até da sua própria aprendizagem, o que nos remete à pergunta
que deu início à conversa sobre autonomia, protagonismo e alteridade: “Onde você está
em seu mundo?” (Buber, 2011, p. 8). Lévinas (2010) discorre sobre respeito, autonomia,
heteronomia, protagonismo e alteridade brilhantemente:
Respeitar não pode significar sujeitar-se, contudo, outrem me comanda. Eu sou
comandado, quer dizer, reconhecido como capaz de uma obra. Respeitar não é
inclinar-se diante da lei, mas diante de um ser que me ordena uma obra. Mas para
que este mandamento não comporte nenhuma humilhação – o que me subtrairia a
própria possibilidade de respeitar – o mandamento que recebo deve ser também o
mandamento da comandar aquele que me comanda. Ele consiste em ordenar a um
ser que me ordene. Esta referência de um mandamento a um mandamento é o fato de
dizer Nós, de constituir um partido. Por esta referência de um mandamento ao outro,
Nós não é o plural de Eu. (LÉVINAS, 2010, p. 58).
34
CAPÍTULO 2 – JOÃO BOSCO: DE ILHA À CONTINENTE
Já não era aceitável um Dom Bosco “ilha” no “mar” do seu tempo; a fim de entendê-
lo em profundidade, seria preciso examinar com atenção a maneira como ele vivera
concretamente suas convicções, seus valores, sob quais influências ele trabalhara,
quais as reações coletivas e pessoais produzidas com sua atuação. Em outras
palavras, seria preciso conferir suas ideias e estruturas mentais em relação aos
diversos níveis da sua vida e ação. (LENTI, 2012, p. 55).
Nesse capítulo proponho-me a fazer uma análise da pessoa e figura de João Bosco
com o objetivo de refletir sobre essa personalidade intrigante, que suscita tantas definições,
histórias, comentários, mas que é sem dúvida o centro de toda a filosofia e práxis na
comunidade salesiana. O que me proponho a fazer neste capítulo é ir além do santo “Dom
Bosco”, como é denominado João Bosco nessa comunidade, e olhar para o cidadão de sua
comunidade, para o religioso fervoroso, para o educador social, em fim, para essas facetas de
João Bosco em seu tempo e local, em seu contexto.
2.1. JOÃO BOSCO, O HOMEM, O CIDADÃO E O RELIGIOSO DE SEU TEMPO
O compromisso seria uma palavra oca, uma abstração,
se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume.
Se não se desse no plano do concreto.
Paulo Freire
Certa noite do inverno de 1815, soaram três ou quatro pancadas vacilantes á porta de
Francisco Bosco, lavrador da casaria dos Becchi, a uma légua do vilorio
Castelnouvo d’Asti, e não mais de cinco da populosa e rica cidade de Turim.
(WAST, 1933, p. 7).
Assim Wast (1933) situa e contextualiza os anos iniciais de João Bosco na casa dos
Becchi. Nesse momento, o autor narra um episódio em que a família que já estava pronta para
seu humilde e pouco jantar quando recebe a visita de dois desertores de Napoleão. Um dos
homens era piemontês e outro francês, que se juntaram à família e compartilharam de sua
humilde acolhida mostrando dois aspectos da casa dos Becchi:
Casa de cristãos era realmente a de Francisco Bosco e, nela, muitas vezes
encontraram refúgio e auxílio os desertores ou os retardatários dos exércitos, que
brigavam a favor de Napoleão ou contra, e cuja espada revolvêra a Europa, muito
especialmente a pobre Itália, durante vinte anos. (WAST, 1933, p. 8).
35
Um desses dois aspectos é com certeza o fato de ser o deles, um lar cristão. O outro,
porem, implícito, mas facilmente identificado, é o de que Francisco Bosco não se encontrava
em um lado em especial da situação, pois acolhia em sua casa o ser humano que precisava de
ajuda, independente de qual fosse seu lado na guerra. O autor afirma também que essa era
uma forma de ficarem sempre sabendo da situação da guerra e das novidades, pois não era
raro o ajudado pagar a acolhida contando suas proezas na guerra.
Francisco Bosco aprendera de sua mãe, que ás vezes, o próprio Jesus se disfarçava
com andrajos de um soldado e vai bater á porta dos que se dizem cristãos, para
experimentar o seu coração.
Os filhos de Francisco Bosco também aprenderam aquela lição da avó e da mãe
Margarida Occhiena, de tal modo, que os pobres eram sempre recebidos, na casinha
dos Becchi, como si a sua miseria fôra o disfarçe de Deus em pessoa. (WAST, 1933,
p. 9).
Nessa mesma noite, enquanto a casa dos Becchi recebe e compartilha sua humilde
refeição com os desertores, dorme o filho mais novo do casal, João Bosco, nascido em 16 de
agosto do mesmo ano. Na casa moravam o pai Francisco Bosco, sua mãe, uma senhora já
velha e quase inválida, sua esposa Margarida Occhiena, e os filhos; Antonio de treze anos,
filho do primeiro casamento de Francisco, José de dois anos, e João, nascido há apenas alguns
meses. Na noite em que esse episódio de deu, havia à mesa mais duas pessoas, empregados
contratados para lavrar a terra.
Devido às agruras das condições climáticas 1816 foi um ano duríssimo. Secas e geadas
deixaram as plantações da região do Piemonte devastadas, e assim também as famílias, uns
tentando a vida na cidade, outros vindos da cidade tentar a vida no campo. Um ano de muitas
mortes na Itália. Porém, mais se agravou a situação da casa dos Becchi em 1817 com a morte
de Francisco Bosco, ficando a família, os três filhos e a sogra, nas mãos de Margarida
Occhiena, que preferiu não vender as terras deixadas pelo marido, e sim, cultivá-las e produzir
o que fosse possível para vender e sustentar a família. No entanto, como escreveu Wast
(1933), algumas coisas não mudam mesmo após a morte do marido:
Como em vida, do marido, a sua porta não se fecha nunca aos pobres. E quantos
pobres há no Piemonte! Um dia é uma vizinha cujo marido está sem trabalho. Pede
emprestado meio frasco de azeite, para temperar a polenta. Outro dia, um lavrador
que perdeu a colheita do milho e que já lhe deve um pão de centeio. Pode emprestar-
lhe outro? Jura que lhe devolverá os dois antes de acabar a semana. Outra vez um
desertor, que pretende passar a fronteira. Refugia-se na casa dos Bosco, sentindo
perto os carabineiros. Em seguida os carabineiros, aos quais Margarida oferece um
copo de vinho, enquanto o perseguido ouve tremendo, oculto detrás de uns feixes de
lenha. Parece que Deus multiplica os pães da arca de Margarida, pois, como ser tão
36
pobre e socorrer a tantos, ainda lhe sobra para o sustento da família. (WAST, 1933,
p. 19-20).
Além das agruras deste ano, havia o grande contexto dos Becchi, o contexto onde a
infância de João Bosco se deu. A Itália desse tempo era uma Itália de grandes conflitos no
campo político, econômico, social e religioso. A revolução industrial veio a contribuir
muitíssimo com esse quadro. Em meados do século XVI iniciou-se o processo de morte do
regime feudal, ou seja, o desenvolvimento da fábrica coloca um fim à produção artesanal. De
acordo com Manacorda (1989), a partir do evento da mudança do modo de produção, muda
também o modo de vida dos homens, refletindo esse processo não só nas suas ideias e moral,
como também nas formas de viver e de instruir. Esse processo se inicia em meados dos
Setecentos, e desencadeia uma série de mudanças na sociedade e, portanto, nas relações entre
os homens em vários aspectos. No aspecto da instrução, que se baseava na forma popular de
se ensinar um ofício através das corporações de artes e ofícios e da aprendizagem artesanal,
com vistas a manter e perpetuar as atividades relacionadas ao ofício, uma significativa
mudança surge com o aparecimento da fábrica, com ela inicia-se a moderna instituição
escolar pública. Esse novo espaço de instrução é criado para suprir as necessidades da fábrica,
isto é, instruir indivíduos para que pudessem servir ao novo modo de produção. Esse
processo, ainda sob o olhar do mesmo autor (Manacorda, 1988) é criticado pelos socialistas
marxistas, por explorar o indivíduo, principalmente na sua força de trabalho. e por privá-lo de
qualquer instrução.
Com essas transformações o homem ficou destituído até do seu saber primordial, ou
seja, do saber da sua profissão, do seu ofício, que era também sua arte, ao homem é negado o
conhecimento que antes por ele era dominado. Neste momento, obrigado a trabalhar na
fábrica, ele não mais detinha o saber do processo de produção, não mais poderia passar a
diante o processo de produção que anteriormente dominava. Um ser destituído do seu próprio
conhecimento.
No período Napoleônico (1799 – 1815), a Itália se dividia em três partes: ao norte
onde o soberano era Napoleão (governando através do vice-rei, o general Eugênio de
Beauharnais), o reino da Itália, que constituía os Estados Pontifícios e as Marcas, e Vêneto e
Veneza (após 1805); ao sul, o Reino de Nápoles, cujo regente foi José Bonaparte (substituído
pelo marechal Joaquim Murat em 1808); e a parte anexada à França que incluía o Piemonte,
Ligúria, Toscana e Roma e os territórios papais ao redor de Roma, que eram províncias do
Império Francês (Lenti, 2012). Quando nasce João Bosco, o período Napoleônico, que
37
politicamente foi dividido em três etapas (Consulado – 1799 até 1804; Império – 1804 até
1815; e o governo dos cem dias – 1815) estava no último período, “governo dos cem dias”,
que se deu após a prisão de Napoleão e a volta dele ao poder por mais cem dias e após esse
período final da era Napoleônica, o congresso de Viena voltando a se reunir firma acordos
importantes para o momento. Por meio desses acordos, fica a Itália dividida em dez estados
regionais (Reino da Sardenha, Reino Lombardo-Vêneto, Ducado de Parma e Piacenza,
Ducado de Lucca, Grão-Ducado da Toscana, Ducado de Módena e Réggio, Ducado de Massa
e Carrara, Estados Pontifícios, Republica de San Marino e Reino das Duas Sicílias) (Lenti,
2012).
Ilustração 2 – A Itália em 1815, após o Congresso de Viena
Extraído de (LENTI, 2012, p.137)
O Reino da Sardenha, com população de 3.814 milhões de habitantes, que tem na sua
formação as localidades de Piemonte, Saboia, Nice, Sardenha e Ligúria, sob o domínio de Rei
Vitór Manuel I da casa de Saboia é o contexto primeiro do infante, adolescente, e adulto João
Bosco, nascido em 16 de agosto de 1815. O contexto primeiro porque em sua idade adulta,
após tornar-se padre, em sua maturidade e consciência social ganha o mundo através da
congregação salesiana que fundaria anos mais tarde.
38
Mais mudanças viriam na revoltosa Itália. Havia uma ânsia por uma nação, por um
país, por unidade. Esse movimento foi tomando força e com ele ou em nome dele, novas
ordens se instauravam na Itália, que era campo fértil para o surgimento de sociedades
secretas, movimentos e revoluções. Wast (1933) define esse período como uma novela que
pode ser comparada a um drama confuso devido aos tempos turbulentos da época (1830 a
1870). Para o autor, João Bosco vive e convive com esse drama, e sobrevive nesse cenário
revolto sem deixar de ser um fervoroso e explícito defensor do Papa. Consegue lidar com
implacáveis inimigos do Papa e ainda assim defender seus ideais pessoais. Ideais que talvez
tenham vindo de sua infância além de pobre, muito dura por ser ele um ser já diferente entre
os seus próprios familiares. Em que diferente? Na vontade de aprender, no olhar além do
campo, do olhar para o horizonte, que naqueles tempos difíceis apenas os mais atrevidos e
puros poderiam ter. Esse seu olhar puro e atrevido da criança o acompanha a vida toda
fazendo dele um ser insatisfeito, sempre buscando mais. Caberia aqui um olhar freiriano? O
sentir-se inacabado, buscando o ser mais? (Freire, 2014b):
Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam. Esta é uma
exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais
egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental –
repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-
se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o
qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder (FREIRE, 2014b, p. 105, grifo
do autor).
Nessa Itália revolta e sedenta por unidade, apontados por Wast (1933) atuam os
maçons2 e os carbonarios
3, que secretamente participavam da política. Para o autor, o
programa secreto dessas sociedades tinha dois objetivos bastante explícitos, isto é, conseguir
dos príncipes e reis governantes uma constituição para o povo e fazer da Itália uma só nação
independente. Porém, o autor confere a elas um terceiro objetivo, este sim secreto, mas
identificável, que era destruir o Pontificado para descristianizar o mundo, objetivo esse que
não poderia ser revelado num campo católico. O caminho dessas sociedades era arrebatar o
2 Maçons: de Maçonaria que é uma sociedade discreta e por essa característica, entende-se que se trata de ação
reservada e que interessa exclusivamente àqueles que dela participam. De caráter universal, cujos membros
cultivam os princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e aperfeiçoamento intelectual, sendo
assim uma associação iniciática e filosófica.
3 Carbonários: foi uma sociedade secreta e revolucionária que atuou a Itália, França, Portugal e Espanha nos
séculos XIX e XX. Fundada na Itália por volta de 1810, a sua ideologia assentava-se em valores patrióticos e
liberais, além de se distinguir por um marcado anticlericalismo.
39
povo convencendo-o de que o poder lhes seria devolvido, prender o rei por meio de uma
Constituição para garantir a paz.
Chegavam, na Itália, os reflexos da Revolução Industrial. Uma divisão de classes e
uma luta por igualdade em todos os aspectos da sociedade se instaura na Itália. De acordo
com Cambi (1999),
[...], dois modelos ideológica e epistemologicamente antitéticos venham a contrapor-
se: o burguês e o proletário, um inspirado no positivismo e outro ligado ao
socialismo. São dois modelos que interpretam a oposição de classes que está no
centro da sociedade industrial, determinando dois diferentes e opostos universos de
valores, inclusive educativos, e de organização social, inclusive educativa. O
positivismo exalta a ciência e a técnica, a ordem burguesa da sociedade e seus mitos
(o progresso em primeiro lugar), nutre-se de mentalidade laica e valoriza os saberes
experimentais: é a ideologia de uma classe produtiva [...]. O socialismo é a posição
teórica (científica) da classe antagonista, que remete aos valores “negados” pela
ideologia burguesa (a solidariedade e a igualdade, a participação popular no governo
da sociedade) e delineia estratégias de conquista do poder que insistem sobre as
contradições insanáveis da sociedade “sem classes”. (CAMBI, 1999, p. 465-6).
Como poderia um padre fervorosamente católico sobreviver em meio a sociedades
secretas e políticas buscando a laicidade? De onde conseguir ajuda para seus meninos? Que
meninos eram esses que inspiraram João Bosco a idealizar e construir uma congregação que
perpetuasse sua obra?
Em sua infância difícil, João Bosco passou por muitas necessidades, no entanto, para
além delas, o sofrimento com problemas familiares também o atormentavam. Menino esperto,
com espírito de organização e autonomia, conseguia vender suas gaiolas e pássaros no
mercado com muita facilidade, de memória incrível para a idade, aprendeu a ler em reuniões
de comunidades frequentadas pela família e que desde muito cedo queria ser padre, mas
menino que tinha ao mesmo tempo paciência para aprender, mas também um gênio forte que
o traia em situações extremas (Wast, 1933). Não era entendido por seu irmão mais velho, por
quem era obrigado a trabalhar no campo porque não via necessidade de se aprender a ler e
escrever, pessoa rude e sofrida com a incumbência de suprir o lugar de chefe da família
depois da morte do pai. Sua mãe não se atrevia a enfrentá-lo de forma que teve que afastar
João Bosco de casa para evitar atritos maiores. Sobre esse aspecto da pessoa de João Bosco e
de como este conhece o capelão Dom Calosso, que o ajudaria mais tarde, Wast (1933) relata
que João Bosco levantava muito cedo, fazia todo seu trabalho para poder participar de uma
atividade religiosa num vilarejo vizinho. Na primavera de 1826, estava João Bosco voltando
sozinho desse vilarejo, vem pensando no que ouvira, vê o capelão e faz o que todos têm medo
de fazer, aproxima-se dele para conversar. Naquela época, o clero na Itália era reservado, e
40
mantinham uma distancia para terem respeito dos paroquianos. João Bosco não concordava
com esse comportamento e sofria com esse distanciamento dos padres. Tendo nascido em
1815, em 1826 tinha apenas 11 anos de idade e já se indispunha com suas ideias. A forma
como ele se dispõe a entabular a conversa com o capelão nos dá essa certeza:
“Si eu fôsse sacerdote, cumprimentaria a todos, falaria com todos, me faria querer de
todos. e assim, lhes poderia ensinar e guiar...”
Pois bem; eis que aquele sacerdote, respeitável pelas suas cans e pela sua dignidade,
que caminha a pé de Buttigliera a Murialdo, pára na metade da estrada, chama-o e
interroga-o carinhosamente. (WAST, 1933, p. 35).
A conversa continua e o padre descobre a esperteza de João Bosco e acaba
convidando-o para sua casa todos os dias para ensinar-lhe italiano e latim, posto que João
Bosco falava o dialeto piemontês. Mesmo fazendo todo o trabalho que seu irmão mais velho,
Antonio, lhe impunha, este resolveu acabar com os estudos de João Bosco obrigando-o a
parar de uma vez com tudo, mas sabendo que mesmo assim, João nunca seria um camponês
de verdade. Defendia que não precisou aprender latim, nem gramática para ser um homem
forte e trabalhador. Mais uma vez, Wast (1933), mostra o João Bosco que perdia a paciência
perante a injustiça:
João escuta, com indignação, os despropósitos de Antonio a e não póde conter o seu
genio vivaz.
- Falas mal e não percebes! Por muito ignorante que sejas, nunca serás mais forte
que o nosso burro...
João concluiu sua observação mordaz e já correndo, para fugir do enfurecido
Antonio, que lhe quer cobrar aquele gracejo. Graças ás suas excelentes pernas
escapou de uma valente sova. (WAST, 1933, p. 38).
Assim, nem mesmo sua mãe consegue mantê-lo mais em casa e toma uma atitude:
A sua própria mãe não no podia livrar da incessante perseguição e, um dia, resolveu
afastá-lo de casa. Entregou-lhe um embrulho com alguma roupa e os seus livros,
acompanhou-o um pedaço pelas estradas, cobertas de neve naquela ocasião, e sem
derramar uma lágrima, para não no afligir, nem se enternecer, abençoou-o e deixou-
o partir.
- Adeus João! Que a Madona te acompanhe!
Aonde iria João, na crua manhã, choroso e tiritando?
A qualquer parte, onde o quiséssem como criado, sem salário e pela comida tão
somente. [...]
Mas sua mãe lhe disse:
- A muita neve na montanha pôs os lobos fora dos seus esconderijos. Alguns
desceram até ao país. Si a noite te surpreende, não durmas na estrada. Amanhecerias
congelado ou te destruiriam os lobos. Chega a casa dos Moglia e te darão refugio no
celeiro e, á madrugada, partirás.
Mês onde está a casa dos Moglia, naquele labirinto de caminhos, colinas e aldeias
silenciosas, que a neve confunde e a noite vai cobrindo?
41
O Bosquetto, amedrontado, invoca a Maria Auxiliadora, cuja estampa leva no
surrão, e com o último pálido fulgor daquele triste dia descobre a granja e aproxima-
se.
- Aonde vais, rapaz, a estas horas? – disse-lhe um velho que aparece á estrada.
- Vou a procura de um patrão que me queira empregar sem salário.
- Máu tempo para procurar um patrão! Segue adiante e que deus te ajude!
O velho fecha a porta e o rapaz fica fora, abandonado á sua sorte. Por fortuna, outro
homem o vê, e desconfiado, talvez, de que seja algum gatuno que espera a ocasião
para penetrar no galinheiro, interroga-o:
- A quem procuras, menino?
- A Luis Moglia.
- Sou eu; que queres?
- Minha mãe é Margarida Bosco; não me póde em casa porque meu irmão mais
velho me castiga. Mandou-me vir aqui; dê-me qualquer trabalho.
- Pobre menino! Eu não tenho trabalho para dar-te. Até depois da Anunciação não
haverá nada que fazer. Volta para a casa.
- eu não peço salário. Si me deixas dormir no celeiro e me der a comida, trabalharei
quanto quiser.
- Disse-te que não. Em minha casa não necessito de criado. Nem deves ser capaz
para tanto. Não posso ter-te.
O Boschetto senta-se no umbral de pedra e pôs-se a chorar.
-O senhor diz que não sei fazer nada. Experimente o meu trabalho e ficará satisfeito
de mim. Não me mande para a casa, porque minha mãe não me receberia.
Ao ouvir aquela voz infantil, saí Dorotea Moglia e diz ao marido:
- Vamos experimentar este menino por alguns dias. [...]
Ali esteve dois anos. Nos dias de festa, ou quando o máu tempo impedia o trabalho,
reunia no celeiro os pequenos da vizinhança, ensinava-lhes o catecismo e divertia-os
com seus misteres de palhaço. (WAST, 1933, p. 38-9).
O menino João Bosco com toda a sua pouca compreensão do mundo, entendera que
sua mãe estava fazendo o melhor para ele, e apesar de sua atitude continua a respeitá-la e
amá-la. De acordo com Lenti (2012), João Bosco não menciona esse episódio nas Memórias
do oratório, para o autor, uma das possibilidades para explicar essa omissão pode ter sido por
respeito à memória de sua mãe.
O modo como a vida vai encaminhando seus problemas podem ter contribuído para
que mais tarde na sua opção pelo sacerdócio e pelos jovens. Já na tenra idade tem um olhar
acima do horizonte, parece perceber além do que se lhe apresenta. Parece ter o entendimento
que o tempo e a paciência lhe ajudarão a sanar os problemas.
42
Ilustração 3 – O sítio dos Moglia
Extraído de (LENTI, 2012, p. 192)
Cresce João Bosco e com todas as dificuldades que a vida lhe apresenta, torna-
se padre, porém, sem deixar de perguntar e questionar como fez com Dom Calosso. Conforme
Lenti (2012), Padre Calosso, modo como se refere ao citar Dom Calosso, foi a figura paterna
para João Bosco. Adolescente com seus quinze anos, João Bosco tinha nele o pai, o amigo, o
benfeitor, e sofreu muito com sua morte. Para Lenti (2012), as dificuldades por que passou
João Bosco em sua infância e adolescência e o modo como as encarou e as superou, ajudaram
a formar seu caráter, a aproximá-lo ainda mais da religião, e também contribuíram para sua
vocação. Para o autor, o fato de ser criado sem pai o fez escolher ser o padre dos jovens
necessitados. Talvez dos jovens como ele fora um dia. Talvez João Bosco visse nos seus
meninos, nos seus jovens a sua própria imagem.
Assim como havia dito a Dom Calosso que se fosse padre cumprimentaria a todos para
poder ensinar-lhes, João Bosco continuou a fazer em toda a sua vida. Desta forma foi
conquistando seus meninos para ensinar-lhes. Seu modo de abordar as pessoas e em especial
seus meninos era para conquistá-los, para poder assim ajudá-los. Ocorre que João Bosco
mesmo em sua certeza de que queria ser sacerdote teve momentos de crise relacionados ao
seu discernimento vocacional. Sua dúvida, num determinado momento, foi entre o seminário
43
e o noviciado. Aparentemente, de acordo com Braido (2008) a opção pela ordem dos
franciscanos, ou seja, pelo noviciado, seria inicialmente por ser esse o meio mais próximo às
possibilidades econômicas de sua mãe e de seu tio que o ajudariam a arcar com as despesas de
seu estudo. Diferentemente do seminário que tinha o custo da pensão para poder lá estudar.
Porém, segundo Lenti (2012), o nome de João Bosco contava na lista dos quarenta recrutas da
lista do serviço militar em 5 de novembro de 1835. João Bosco tinha então 21 anos. Se
entrasse no seminário ficaria dispensado do serviço militar por estar estudando para se tornar
padre. João fez a escolha mais conservadora para seus estudos, escolheu entrar para o
seminário, mas não sem antes conversar com as pessoas que lhe ajudaram a tomar a decisão,
como Luís Comollo, seu amigo mais próximo. Para o autor, ser dispensado do serviço militar
não deve ter sido o fator decisivo para a escolha, pois a escolha pelo noviciado franciscano
não seria a mais adequada para seus propósitos, ou seja, a opção pelos jovens. João Bosco
entrou no seminário de Chieri em 3 de novembro de 1835, passa seis anos lá (cursa dois anos
de filosofia e quatro anos de teologia) e é ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841 (Braido,
2008). No último ano do seminário João Bosco recebe diversas ordens, de acordo com Lenti
(2012): a tonsura4 e as quatro ordens menores (hostiário, leitor, exorcista e acólito); o
subdiaconato; o diaconato e o sacerdócio.
Ainda antes de se ordenar sacerdote, João Bosco passava o período das férias, que
duravam quatro meses e meio, fazendo trabalhos manuais, mexia com ferro, madeira e fazia o
que mais gostava aos domingos, o catecismo aos que ele chamava de amigos, meninos que
muitas vezes aos 16 ou 17 anos nada sabiam do catecismo. Também começou a ensinar a ler e
escrever aos que ainda não sabiam, sem nada cobrar, porém, exigia assiduidade, atenção e
confissão mensal (João Bosco, 2012). Com licença e supervisão para pregar, preocupava-se
em ser entendido e como era sempre aplaudido, achava que estava conseguindo se fazer
entender. No entanto, um dia após um sermão sobre a Natividade de Maria resolveu perguntar
sobre a pregação a uma pessoa que parecia capaz de lhe dar um retorno sobre ela e teve uma
surpresa que lhe serviu de lição. Essa passagem de sua vida está nas Memórias do Oratório
(João Bosco, 2012):
- Sua pregação foi sobre as pobres almas do purgatório.
E eu havia pregado sobre as glórias de Maria.
Em Alfano quis saber também o parecer do pároco, padre José Pellato, homem de
muita piedade e doutrina, e pedi-lhe a opinião sobre minha pregação.
4 Tonsura: cerimônia religiosa em que o bispo dá um corte no cabelo do ordinando ao conferir-lhe o primeiro
grau de Ordem no clero, chamado também de "prima tonsura".
44
- Seu sermão – respondeu – foi muito bonito, ordenado, exposto em boa linguagem,
com pensamentos da escritura; se continuar assim poderá ter êxito na pregação.
- Será que o povo compreendeu?
- Pouco. Meu irmão padre, eu e pouquíssimos outros.
- Mas como é que coisas tão simples não são entendidas?
- Ao senhor parecerão fáceis, mas para o povo são elevadas. Passar por alto a
história sagrada, raciocinar rapidamente sobre uma série de fatos da história
eclesiástica, tudo isso é coisa que o povo não entende.
- Então, que me aconselha a fazer?
- Abandonar a linguagem e a maneira dos clássicos de desenvolver o tema, falar em
dialeto se for possível, ou também em língua italiana, mas popularmente,
popularmente, popularmente. Em vez de raciocínios, sirva-se de exemplos,
comparações, apólogos simples e práticos. Lembre sempre que o povo compreende
pouco, e que as verdades da fé nunca lhe são suficientemente explicadas.
O paternal conselho serviu-me de norma em toda a vida. (JOÃO BOSCO, 2012, p.
98-9).
Desde menino quando divertia os amigos e nas férias quando ensinava o catecismo
João Bosco já estava entrando em contato com o público que seria seu alvo principal e razão
de viver em muito breve. Em relação aos seus estudos e leituras, em suas memórias João
Bosco deixa claro que tinha bastante tempo para leituras extras, pois devido à sua memória
favorecida, seus estudos do seminário não lhe tomavam muito tempo, por isso ele tinha tempo
para dedicar-se a outras leituras e a aprender línguas. Devido ao seu conhecimento de grego,
pode ensinar a língua enquanto estava no seminário ainda. João Bosco se dedicou mais ainda
ao aprendizado da língua para poder ensiná-la melhor, fazendo traduções da Bíblia e
literatura. João Bosco relata em suas memórias que estudou francês e elementos de hebraico e
que o hebraico, o grego e o francês, foram as suas línguas preferidas depois do italiano e do
latim (João Bosco, 2012).
Ao terminar seus estudos, após se ordenar sacerdote, João Bosco procurou padre
Cafasso em Turim, para decidir sobre seu futuro sacerdócio e este lhe aconselhou a estudar
moral e pregação no Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis. Então, apesar de ter
recebido três propostas para trabalhar, João Bosco atendeu ao conselho do padre Cafasso que
se tornou seu guia. João Bosco passou então a acompanhá-lo e este o levou primeiramente
para visitar as prisões. Nesse momento João Bosco entrou em contato com o que seria seu
futuro trabalho (Lenti, 2012). Sua vocação foi resultado da evolução natural de um homem
que vê à sua volta uma cidade com problemas sociais muito grandes, em meio à expansão
imobiliária, crescimento da indústria, êxodo rural que provocavam um aglomerado de pessoas
em busca de melhores condições numa cidade já em situação caótica com pessoas passando
privações. João Bosco que já tinha um olhar especial para as crianças, passou a se interessar e
se preocupar mais ainda com elas ao ver a situação de muitas delas nas ruas e nas prisões de
Turim. Preocupava tanto com os meninos desamparados e que não teria tempo para esperar
45
leis, verbas, burocracias, de quem quer que seja. Os “seus meninos” tinham urgência e
carência de cuidados. Torres (1950) cita Agosti-Chizzolini para relacionar a pedagogia de
João Bosco com a ciência enfatizando que:
Em Don Bosco la Sociología es inseparable de La pedagogia, por ser su obra
essencialmente social. Destacado puesto ocupa em el estúdio y solución de los
problemas contemporáneos que apasionan al mundo. Dicen Agosti-Chizzolini em su
libro ya famoso: Magistério:
“Don Bosco, que procuró hacer más formativa la escuela humanística, tuvo uma
clara conciencia de la Escuela del trabajo. El problema social se imponía. Marx
había lanzado su manifesto a los proletários. La Escuela liberal se perdia em vanas
polémicas. Urgia salir al encontro de los trabajadores em uma hora em que la
industria se desarrollaba com ritmo creciente. Don Bosco abrió para los hijos Del
pueblo sus escuelas professionales, donde ellos se educan a um tiempo a aprender
um oficio y a amarlo, teniendo de mira también la perfeccíon de la habilidad técnica
que empeña lãs energias Morales, plasmando el caráter.
“El problema de la orientación y educación al trabajo fué por él comprendido y
sentido en función de la cuestión social, que el industrialismo había agrabado y ante
la cual el libeeralismo econômico y el socialismo marxista se alzaban em batalha,
incapaces de darle uma solución vital.
Em la obra de Don Bosco es evidente desde el principio la conciencia de lo social
com sus realidades y sus exigências. El instituto educativo que él introduce, em el
cual la máquina entra junto al libro, la técnica junto con la cultura humanística, es el
ejemplo de uma caridad fraterna, donde la separación de lãs sociales se halla
superada y remediada em su raiz por el vínculo de la caridad.”. (TORRES, 1950, p.
35, grifos do autor)5.
5 Tradução da autora: A Sociologia em Dom Bosco é inseparável da Pedagogia, por ser sua obra
essencialmente social. Ocupa posição de destaque no estudo e solução de problemas
contemporâneos e preocupam o mundo. Agosti-Chizzolini em seu famoso livro: Magistério, disse:
"Dom Bosco, que procurou fazer da escola uma fonte de formação, tinha clara consciência da
importância da Escola para o trabalho. Havia um problema social. Marx tinha lançado seu
manifesto para o proletariado. A Escola liberal estava perdida em polêmicas inúteis. Era preciso ir
ao encontro dos trabalhadores no momento em que a indústria se desenvolvida em ritmo acelerado.
Dom Bosco abriu as portas das suas escolas profissionais para os meninos do povo. Onde eles
estudavam e aprendiam um ofício. Aprendiam também a amá-lo. Ele tinha também como alvo a
perfeição da habilidade técnica e a formação do caráter dos alunos. O problema da orientação e
educação para o trabalho foi compreendida e sentida por ele em função da questão social, que o
advento da indústria tinha agravado e pelo qual o liberalismo econômico e o socialismo marxista se
lançaram em batalha, mas incapazes de encontrar uma solução.”
“Na obra de Dom Bosco fica evidente, desde o início, uma consciência da questão social, bem
como de suas realidades e exigências. O sistema educacional que ele introduziu, no qual a máquina
e o livro vêm juntos, assim como a técnica com a cultura humanística, é o exemplo de uma
caridade fraterna, onde os problemas são superados pelo vínculo caridade.”
46
O primeiro aluno de João Bosco chegou a ele por meio do sacristão José Comotti. Em
suas memórias, João Bosco conta como ele entrou em sua vida:
No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à
hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa Missa.
O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me
a Missa.
- Não sei – respondeu ele, todo mortificado.
- Vem – replicou o outro -, tens de ajudar.
- Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei.
- És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes ajudar a Missa, que
vens fazer na sacristia?
E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir golpes nas costas e na
cabeça do pobrezinho.
Enquanto este fugia, gritei em voz alta:
- Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez?
- Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia?
- mas você agiu mal.
- E que lhe importa?
- Importa muito, é um meu amigo, chame-o imediatamente, preciso falar com ele.
- Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo-lhe melhor
tratamento trouxe-o para junto de mim.
O rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas.
- Já ouviste Missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude.
- Não – respondeu.
- Vem então ouvi-la. Depois gostaria de falar de um negócio que vai te agradar.
Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a
má impressão que lhe causara o sacristão.
Celebrada a Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao coro. Com um
sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas pancadas, comecei a
interrogá-lo assim:
- Meu bom amigo, como te chamas?
- Bartolomeu Garelli.
- De onde és?
- De Asti.
- Tens pai?
- Não, meu pai morreu.
- E tua mãe?
- Morreu também.
- Quantos anos tens?
- Dezesseis.
- Sabes ler e escrever?
- Não sei nada.
- Já fizeste a Primeira Comunhão?
- Ainda não.
- Já te confessaste?
- Sim, quando era pequeno.
- E agora, vais ao catecismo?
- Não tenho coragem.
- Por que?
- Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande,
não sei anda. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas.
- Se te desse catecismo à parte, virias?
- Então sim.
- Gostaria que fosse aqui mesmo?
- Com muito gosto, contanto que não me batam.
- Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo contrário, serás meu amigo. Terás
de haver comigo e mais ninguém. Quando queres começar?
47
- Quando o senhor quiser.
- Esta tarde serve?
- Sim.
- E se fosse agora mesmo?
- Sim, agora mesmo. Que bom!
[...] A esse primeiro aluno juntaram-se outros mais. (JOÃO BOSCO, 2012, p. 122-
5).
Depois dessa conversa, João Bosco fica sabendo que Bartolomeu Garelli era aprendiz
de pedreiro, iniciou ali mesmo suas primeiras lições de catecismo com João Bosco citando
uma ave-maria juntos. No domingo seguinte, outros meninos vieram com Garelli. Inicia-se
neste momento toda a obra de João Bosco.
Schiélé (2008) comenta sobre os meninos, dizendo que eram aprendizes, em sua maior
parte, operários de construção: pedreiros, rebocadores, estucadores, pavimentadores, todos
vindos de suas províncias para a capital a fim de ganhar o pão. E acrescenta que João Bosco
chamava as reuniões com os meninos de oratório, prática criada por são Felipe Nerí em Milão
e que havia chegado a Turim. A partir de 1841, João Bosco iniciaria seu próprio oratório, com
características diferentes dos oratórios até então praticados. Os oratórios tradicionais eram
seletivos, davam atenção apenas aos melhores meninos, diferentemente do oratório do João
Bosco que dava preferência aos jovens pobres e abandonados (Lenti, 2012). Em seu início,
João Bosco teve muitas dificuldades para estabelecer uma sede para seu primeiro oratório,
pois não dispunha de um local para reunir os meninos, e durante alguns anos teve que se
mudar por diferentes motivos, entre os quais, o comportamento dos meninos. João Bosco não
desistiria do seu intento: encontrar um local definitivo para seu oratório. Enquanto isso se
dedicava a outras atividades, sem deixar de se encontrar com os meninos, que cresciam em
número, nos locais possíveis, que eram cedidos por terceiros. De acordo com Wast (1933), o
início de toda a obra de João Bosco foi com Bartolomeu Garelli, o primeiro catecismo
acontece no mesmo dia em que o conhece, na sacristia da igreja de São Francisco de Assis, no
domingo seguinte, já se contava nove meninos, entre eles, Bartolomeu Garelli. Como o
número de meninos aumentava, João Bosco conseguiu reuni-los no pátio do Pensionato
Eclesiástico, onde ele morava, com a autorização de seus superiores, Padre Gualla, e Padre
Cafasso. Assim se passaram três anos, de 1841 até 1844 e ele já reunia mais de cem meninos.
Em 1844, João Bosco terminou seus estudos e teve que deixar o Pensionato. Para onde levaria
seus meninos? Padre Cafasso, que tinha fé na iniciativa de João Bosco, conseguiu que ele
fosse designado como segundo capelão num orfanato recentemente fundado na mesma
cidade. Seria esse o segundo local de reunião de João Bosco com seus meninos, num pavilhão
num terreno anexo ao Refúgio Santa Filomena (Wast, 1933). A responsável pelo local era
48
Julieta Coulbert, casada com o Marquês de Barolo, vindo a ser chamada desde o casamento de
Marquesa Barolo. O casal que viveu por 31 anos juntos, não podia ter filhos, e por este
motivo ajudavam aos pobres dedicando-lhes afeto, gastando com eles o supérfulo de suas
grandes posses.
A Marquesa, uma pessoa voluntariosa, não acostumada a ser contrariada, acabou por
ter esse lado de sua personalidade exacerbado ao ficar viúva. Foi dela a autorização para que
João Bosco usasse o terreno para reunir seus meninos. As reuniões com os meninos
aconteceram no local por apenas oito meses, quando reclamações das irmãs que cuidavam do
refúgio começaram a surgir. Eram referentes ao barulho e possíveis comunicações entre os
dois lares. Os meninos teriam que se mudar novamente (Wast, 1933). Com mais de trezentos
meninos e jovens, para onde iria João Bosco com todos eles? Inicialmente encontrar um novo
local parecia uma tarefa difícil, mas, ao perambular pelos arredores do Refúgio, João Bosco se
encontra em frente ao cemitério, “in Vinculis”, onde avistou uma capela. Mais uma vez, com
autorização do capelão de 62 anos de idade, ali passaria a se reunir aos domingos com os
meninos, se não fosse o incidente com a brincadeira de bola que espantou uma galinha que
chocava ovos e deixou a criada do capelão furiosa. O resultado foi que a permanência lá se
deu apenas por um domingo. Era maio de 1845 e João Bosco estava de mudança novamente
(Wast, 1933). Moinhos do Dora, este foi o novo local de reunião de João Bosco com seus
meninos, foi autorizado pela administração municipal a utilizar uma pequena capela que era
dedicada a São Miguel. Tão pequena era a capela, que aos domingos ficava cheia para a
missa, que seus meninos mal encontravam lugar dentro dela. O espaço alternativo seria uma
praça em frente à capela, mas muito movimentada por carros, pedestres, cavalos e ali ficavam
à mercê do mau tempo. Além disso, reclamações dos vizinhos do local começam a surgir, os
meninos teriam invadido seu espaço e faziam muito barulho. Era dezembro e em 1º de janeiro
o espaço não poderia mais ser utilizado. João Bosco não se abatia, agora sim, não mais
incomodaria ninguém, resolveu optar por um oratório ambulante, que funcionava da seguinte
forma: no domingo de manhã os meninos eram esperados por ele na Praça da Igreja e dali
dirigia-se com os meninos para um santuário para celebrar a missa e confessar os meninos. Na
parte da tarde dava o catecismo em algum lugar improvisado e saiam para brincar e se
divertir. O oratório ambulante só durou até a chegada de um inverno muito rigoroso, quando
resolveu alugar três cômodos de uma casa vizinha ao Hospital da Marquesa Barolo. Neste
local se reuniam os meninos da seguinte forma: durante a semana à noite, os cômodos eram
usados para aulas noturnas para os meninos que estivessem atrasados nos estudos, aos
domingos para as reuniões com todos os meninos, porém, as atividades religiosas eram
49
realizadas numa paróquia vizinha, e os momentos de brincadeiras eram realizados nos campos
vizinhos. Mais reclamações, sempre o barulho, principalmente à noite e a invasão. João Bosco
novamente sem um local para reunir seus meninos aluga um campo vizinho onde um barracão
de taipa estava sendo construído (Wast,1933).
Neste momento de sua caminhada, João Bosco enfrentaria outras adversidades. A
Igreja não via com bons olhos tantos meninos reunidos sob o comando de João Bosco, para as
autoridades da Igreja esses meninos pertenciam a alguma paróquia e se a frequentassem, não
haveria a necessidade para tais reuniões. O teólogo Borel saia em defesa de João Bosco
dizendo que esses meninos há pouco tempo não frequentavam igreja nenhuma, e agora o
faziam com João Bosco, além do mais, a maior parte deles era de fora de Turim. A idade dos
meninos era também um agravante, dizia o teólogo Borel, a maioria tinha entre 15 e 18 anos,
como colocá-los entre os meninos menores nas paróquias? Melhor deixá-los com seu mestre.
Os burgueses viam em João Bosco e seus meninos uma corja pronta para revoltas populares, e
por isso também foi chamado à sede do município para prestar contas ao Marquês de Cavour,
Síndico de Turim, ao qual João Bosco respondeu que só deixaria de suas atividades com os
meninos por ordem de seu Arcebispo. A ordem não foi conseguida e policiais eram
designados para acompanhar as reuniões aos domingos. Alguns deles diziam que se voltassem
muitos domingos seguidos acabariam se confessando também, chamando João Bosco de
“conspirador original”. João Bosco chegou a ser considerado megalomaníaco por querer
tantas coisas, e de demente por ter uma ideia fixa, e não enxergar a realidade que estava
contra ele (Wast, 1933).
O resultado foi que sua licença para usar o campo foi cassada e João Bosco e seus
quatrocentos meninos estavam novamente na rua. O motivo era diferente desta vez, dizia um
dos proprietários do terreno que os meninos pisavam o capim tão pesadamente, que ali nada
mais cresceria, até as raízes morreriam. O aluguel a vencer seria perdoado e dentro de quinze
dias teriam que deixar o local. João Bosco sem acreditar no que ouvia, apelou para a
Providência e mais uma vez rezou. Rezou fervorosamente foi ouvido. Finalmente surge uma
oportunidade de estabelecer o oratório num local definitivo: o galpão na casa Pinardi em
Valdocco.
Sem perspectiva de outro lugar para se reunir com seus meninos, João Bosco recebe
uma visita:
[...], chegou o último domingo em que me permitiam organizar o Oratório no prado
(15 de março de 1846). Eu calava, mas todos sabiam de minhas dificuldades e
espinhos. Na tarde desse dia contemplei a multidão de meninos a brincar, e pensava
50
na messe abundante que ia se preparando para o sagrado ministério. Vendo-me
agora tão só, falto de colaboradores, forças esgotadas, saúde em estado deplorável,
sem saber onde no futuro reunir meus meninos, senti-me profundamente comovido.
Afastando-me um pouco, pus-me a passear sozinho, e pela primeira vez quiçá senti-
me comovido até às lágrimas. Caminhando e erguendo os olhos ao céu, exclamei:
- Meu Deus, por que não me mostrais o lugar em que desejais que reúna esses
meninos? Daí-mo a conhecer ou dizei-me o que devo fazer.
Nem bem terminei esse desabafo, chegou um homem chamado Pancrácio Soave,
que disse a gaguejar:
- É verdade que está à procura de um lugar para construir um laboratório?
- Laboratório, não. Oratório.
- Nào sei se é a mesma coisa, oratório ou laboratório, mas lugar existe, venha ver. É
a propriedade do senhor José Pinardi, pessoa honesta, venha e fará um bom contrato.
(JOÃO BOSCO, 2012, p. 160-1).
Ilustração 4 – Turim: Casa Pinardi, sede do oratório de São Francisco de Sales, fundado
por João Bosco em 1846
Extraído de (JOÃO BOSCO, Santo. 2012, p. 170)
Depois de combinarem todos os detalhes do contrato, no domingo dia 12 de abril de
1846, João Bosco levou todos os seus meninos para o terreno da casa Pinardi e lá e tomaram
posse do novo local.
51
Ilustração 5 – Oratório de João Bosco depois das primeiras reformas da casa Pinardi
Extraído de: (SHIÉLÉ, 2008, p. 39)
Infelizmente, os tempos eram turbulentos na Itália. Movimentos pela liberdade
fundidos com os anseios nacionalistas italianos, a igreja perdendo seus privilégios, agora sem
o monopólio do casamento6, judeus e protestantes podendo expressar-se livremente suas
ideias contra as posições católicas, os jesuítas sofrendo pressão popular por serem antiliberais
sendo expulsos de Gênova e de Turim. Essa desordem política atinge a João Bosco, que em
meio a esse turbilhão em 1849, perde muitos de seus jovens mais velhos para os ideais de
padres entusiastas ao movimento político e os convidam a lutar contra a Áustria. Esse
acontecimento define o modo de agir de João Bosco pelo resto da sua vida ao decidir-se não
se envolver com a política de forma alguma. Sofria também com a própria indagação dos
párocos de Turim, que não aprovavam a reunião de tantos jovens com João Bosco, diziam que
eles deveriam se dirigir às suas paróquias e não seguirem João Boco. Quando indagado sobre
sua posição política, sempre dizia que era fiel ao Papa e que na política não era de ninguém.
João Bosco foi acusado de estar em contato com os jesuítas, e por vezes teve seus aposentos e
oratório revistados por policiais. João Bosco resolve ir ter com um ministro para saber o
6 A nova situação religiosa da Itália: a constituição italiana reconhecia a religião católica apostólica romana
como oficial na Itália, sendo outros credos apenas tolerados de acordo com as leis. Em 1949, porem, um Decreto
real passa a outorgar direitos civis e religiosos aos valdenses e judeus. A lei que lhes concedia a emancipação foi
aprovada em 19 de junho de 1848. Havia no Piemonte aproximadamente 21 mil valdenses e 7 mil judeus.
(LENTI, 2013).
52
motivo de tantas buscas, ao que lhe responde o ministro que sabia o bem que fazia à
juventude, mas que ele deveria tratar apenas dos seus meninos e não se meter em política, ao
que João Bosco responde que nunca o fez (Wast, 1933). Segundo o mesmo autor, a política de
João Bosco era a do Evangelho:
O ministro levanta-se. Começa a passear nervosamente. Chega, neste instante,
Cavour, presidente do Gabinete, que demonstra ficar contente de ver dom Bosco,
embora as relações estivessem cortadas, há algum tempo.
- Que há,dom Bosco? Arrumemos os seus assuntos amistosamente. Eu sempre o
estimei, não é assim? Bem, conte-me o que há.
- Senhor conde, vossa excelência conhece a minha casa. Muitas vezes honrou-a com
as suas visitas e elogiou minha óbra em beneficio dos meninos pobres. Agora sou
vítima de calúnias, de intrigas, de perseguições.
- É verdade; conheço a sua óbra e protegi-a. mas há quem, abusando do seu bom
coração, o enganou e o envolveu na política.
- Não tenho outra política que a do Evangelho, senhor conde. De que me acusam?
- Di-lo-ei em poucas palavras: o espírito que domina a sua óbra é contrário ao que
anima o governo. Você está ao lado do Papa e contra o Governo.
- Eu sou do Papa, como católico, e sê-lo-ei, enquanto viver, em coisa de religião.
Quanto à política, eu não sou de ninguém, nem me envolvo em nada. Faz vinte anos
que vivo em Turim trabalhando, escrevendo, falando publicamente. Si sou culpado
de alguma coisa, castigai-me; mas si sou inocente, deixem-me em paz. (WAST,
1933, p. 277-8).
Exigia-se de João Bosco uma posição, um lado, ao que ele sempre dizia que estava do
lado dos jovens, e por isso iria ao encontro de quem o ajudasse a cuidar deles: “Achamos
vantajosissima a nossa máxima de não nos envolver em política: nem pró, nem contra...”
(Wast, 1933, p. 279). O autor ainda acrescenta que João Bosco não presenciava as lutas
políticas de forma indiferente, era franco e agia com desassombro, fazendo chegar aos
ouvidos dos poderosos as verdades que queria falar.
Essa mesma posição de João Bosco, a confirma, Auffray (1946):
"Minha política é a do Pai-Nosso", repetia muitas vezes. Quer dizer que êle se
ocupava tão sòmente em instaurar o reino de Cristo nas almas dos filhos do povo.
Tudo o mais não lhe roubava nem um pensamento do espírito, nem um minuto de
tempo. No seu alto espírito católico tinha compreendido instintivamente que o
sacerdote não deve imiscuir-se nas lutas das ideias políticas, pois que ele deve ser de
todos. Inscrever-se num partido, receber a carteira de inscrição é a mesma coisa que
transformar fatalmente, os membros do partido oposto, em inimigos. Ora Dom
Bosco – e quantas vêzes o disse – para cumprir sua missão precisava de todos, do
liberal impertinente, como do mais intransigente conservador. No adotar essa
atitude, o seu zelo apostólico pensava – como aliás confessou muitas vêzes – no
último instante da vida desses políticos. Não se chama à cabeceira, no momento da
morte, o sacerdote político, o que se preocupa com os negócios dêste mundo, mas
sim o que sempre foi visto trabalhar, exclusivamente, para o Reino de Deus. Sempre
houve quem recriminasse essas amizades contraídas por ele no mundo liberal, essas
relações com inimigos da Igreja.a acusação foi discutida até no processo de
beatificação. De fato Dom Bosco, na segunda metade do século XIX, foi talvez o
único padre da Itália, que sempre esteve em relações com os fundadores da Itália
nova. Logo de, pois dos acontecimentos que iniciaram a formação da Unidade
Italiana, reunindo sob a Cruz de Sabóia todos os Estados da Península, o clero
53
tomou decididamente posição de adversário e rompeu as relações com o poder.
Foram muitos raros os que continuaram ainda a circular entre o mundo dos novos
senhores; a entre esses poucos estava Dom Bosco. Ele tinha as melhores razões para
o fazer. Tinha que contar com esses homens para viver, queria servir-se deles para o
bem que ia realizando e se preocupava com a alma deles, espreitando o primeiro
momento oportuno para aí poder depor a semente do remorso. É dêle uma afirmação
ousada, que Justifica numa imagem pitoresca, a sua atitude para com os piores
adversários do nome católico: "Se entre mim e uma alma se interpusesse o demônio
em pessoa, esperando que eu te tirasse o chapéu para me deixar passar a fim de
salvar nossa alma, eu não hesitaria nem um instante em fazê-lo.". (AUFFRAY,1946,
p.268-9).
Apesar de necessitar de todos, segundo o mesmo autor, ao mesmo tempo que João
Bosco não adulava os poderosos, procurava manter contato com eles, pois tinha dois objetivos
claros: precisava do apoio deles para levar a cabo sua obra, e também porque “seu coração de
sacerdote sonhava em conduzi-los docemente, pouco a pouco com as armas da luz e da
bondade, à concepção cristã.” (Auffray, 1946 p. 284 )
Extremamente curiosa essa posição e determinação de João Bosco de manter-se fora
da política, pois nem assim, ele conseguiu ficar fora dela. De acordo com Aufray (1946), por
fazer questão de dizer querer ser, sempre e em todos os lugares, padre:
[...] é que se viu tanta gente recorrer a ele para lhe confiar as mais delicadas
incumbências das quais ele se desempenhou com a mais cabal exatidão. Tornou-se
uma verdadeira força política, precisamente porque nunca se imiscuiu em política.
(AUFRAY, 1946, p. 269-70).
Para Terésio Bosco (1993, p. 246), o “deixar a política de lado” de João Bosco não
significava apenas ser apartidário, a palavra política tinha, naquela época, a ver com questões
sociais das quais se concordava ou discordava, por exemplo, ser contra ou a favor do mercado
livre, ser contra ou a favor da intervenção do estado nas questões do Trabalho, ou até com
sociedades operárias socialistas. Nesse sentido, se João Bosco tivesse envolvimento com
essas “questões sociais” políticas teria que se declarar “a favor” e consequentemente “contra”
alguém, e por isso não lhe interessava essa posição, como explica Terésio Bosco (1993):
Ser conhecido como “padre social” era pôr-se imediatamente fora de toda ajuda dos
burgueses e dos ricos. Ele, ao contrário, precisava de ajuda. E logo. De todas as
partes. Porque não queria deixar que os meninos pobres voltassem à rua. (BOSCO,
1993, p. 247, grifo do autor).
Temos aqui, talvez, a face mais intrigante de João Bosco, o cidadão, o religioso, o
educador, o empreendedor, enfim, o homem que por não querer se ligar a ninguém
54
politicamente, poderia tornar-se uma ilha dentro do contexto em que vivia, mas, ao contrário
disso, torna-se um continente que transborda solidariedade para todos os lados.
Para Campelo (2014) o fato de João Bosco proteger seus jovens e servir politicamente
ao bem comum, ou seja, o fato de não se envolver com a política não o tornou uma pessoa
alienada. Ao contrário, mantinha relações com a classe política e com a classe eclesiástica,
articulava em favor de seus jovens nessas duas esferas, mantinha-se sempre informado dos
fatos. Respeitava a todos e aceitava ajuda de todos, foi sempre profundamente político sem
fazer proselitismo político. Campelo (2014) ainda acrescenta a respeito de João Bosco e sua
política do “pai nosso” quando de uma audiência com o Papa Pio IX:
Na verdade o que importava era o bem das pessoas, especialmente de “seus jovens”,
e o Reino de Deus. E apresentava ao Santo Padre um caminho bem simples para
resolver gradualmente diversas questões.
Não obstante estas “convicções”, Dom Bosco nunca esteve ausente da política
italiana. Deu-se bem com as autoridades, qualquer que fosse a orientação delas e
nunca se recusou a fazer o que lhe era possível para o bem da Igreja e da Pátria.
(CAMPELO, 2014).
Voltando ao tempo do menino dos Becchi, o menino que se divertia e divertia os
colegas, veremos que uma das suas habilidades era a de se equilibrar na corda, imagem usada
até os dias de hoje ao se ilustrar a figura de João Bosco, Dom Bosco, nas escolas salesianas.
Talvez seja essa uma das características que o menino não perdeu ao se tornar homem. Uma
das imagens recorrentes de João Bosco e de sua infância é a do menino saltimbanco.
Ilustração 6 – João Bosco (Dom Bosco), saltimbanco
Extraído de: https://tweeteatro.files.wordpress.com/2014/10/3.jpg. Acesso em 05/07/2015
O saltimbanco João Bosco se equilibrava na corda para divertir, enquanto o homem, o
religioso se equilibrava entre forças poderosas, trabalhava e lutava por seus ideais sem pender
55
para lado nenhum, porém com objetivos definidos e olhos fixos no horizonte sem perder as
esperanças de que conseguiria atravessar cada obstáculo dos seus percursos. Posição que lhe
conferia, por conta da sua habilidade, de ao conseguir equilibrar-se e transitar por essas forças
antagônicas, uma visão privilegiada: sobre a corda, o menino tinha a visão do horizonte, e na
sua liberdade de “não ser de ninguém”, o homem adquiria informações que lhe fortaleciam
cada vez mais nos seus intentos. Voltemos um pouco mais para a época do seu nascimento:
seu pai e depois sua mãe acolhiam em sua humilde casa tanto os soldados amigos, quanto os
inimigos, por conseguirem enxergar acima deles, por conseguirem ver o ser humano antes da
posição de cada um deles na guerra.
Torres (1950) que definiu João Bosco como metapolítico, resume de forma muito
interessante essa faceta da personalidade dos Bosco.
2.2. EDUCACÃO SALESIANA
Ensinar e, enquanto ensino, testemunhar aos alunos o quanto me é
fundamental respeitá-los e respeitar-me são tarefas que jamais dicotomizei.
Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da
formação ética dos educandos.
Paulo Freire
2.2.1. A sociedade Salesiana se configura7
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra
no trabalho, na ação-reflexão.
Paulo Freire
Em 1854, a era dos Oratórios de João Bosco começa a dar lugar a uma nova
configuração para suas obras. Ele sentia que precisava de ajudantes e começa um processo de
busca e preparação de jovens que ele considerava capazes e que tivessem a vocação para
7 Lenti (2012, p. 401), ao discorrer sobre problemas com ordenações de padre na Itália, acaba fazendo um quadro
interessante sobre acontecimentos que permearam a vida e a obra de João Bosco. São eles: a)1831-1840: auge da
restauração; b) 1841-1850: estouro da Revolução Liberal; c) 1851-1860: 1ª década da Revolução Liberal; d)
1861-1870: unificação da Itália – 2ª década da Revolução Liberal; e) 1871-1880: 3ª década da Revolução Liberal
– reformas de Dom Gastaldi; f) retorno à normalidade sob o arcebispo Alimonda.
56
ajudá-lo. Precisou de várias tentativas, depois de ter feito escolhas e ter preparado os meninos
que ele achava seriam os ideais, mas sem sucesso, até chegar aos que seriam seus primeiros
seguidores, dentre eles estavam Miguel Rua e João Cagliero. Em 1854 reuniu-se com os
jovens que estava preparando, e propôs a eles uma experiência de caridade como a de São
Francisco de Sales, o que mais tarde se transformaria em voto de consagração religiosa – os
salesianos (Paula, 2008). No momento histórico da Itália, não seria possível iniciar-se uma
nova congregação religiosa, visto que o ambiente era anticlerical e laical. De acordo com
Lenti (2013), o momento fundacional da sociedade salesiana foi quando João Bosco
comunicou a alguns jovens sua intenção de fundar uma congregação religiosa (9 de dezembro
de 1859) e volta a reunir-se com os que decidiram abraçar os votos de pobreza, castidade e
obediência, em 18 de dezembro do mesmo ano. Ainda de acordo com o mesmo autor, o fim
expresso da Sociedade era “promover e conservar o espírito de verdadeira caridade que se
requer na Obra dos Oratórios para a juventude abandonada e em perigo, e a ajuda recíproca
para a própria santificação” (Lenti, 2013, p. 258). Em 1857, porém, João Bosco é aconselhado
pelo ministro Rattazzi (Urbano Rattazzi 1808-1873), autor de uma lei contra conventos, a
criar uma sociedade animada pelo espírito de João Bosco, mas formada por cidadãos livres.
Só dessa forma sua sociedade seria reconhecida pelo governo do momento (Paula, 2008).
Assim, depois de varias etapas vencidas para a aprovação da Sociedade São Francisco de
Sales, João Bosco vê sua Sociedade se alastrando, pois que em 1860 já havia também leigos,
chamados de coadjutores, religiosos com os mesmos direitos dos sacerdotes e vivendo em
comunhão fraterna, dentro da mesma Sociedade (Paula, 2008). A propósito do nome,
Sociedade Salesiana, ele deriva de São Francisco de Sales (em latim: Salesius), proposto por
João Bosco como modelo caridade-bondade (Paula, 2008). De acordo com Auffray (1946),
João Bosco resumiu sua trajetória em 1880 em suas anotações, desta forma:
“Um observador atento pode verificar facilmente que há quatro períodos
característicos, de dez anos cada um, na história que vai desde a fundação do
Oratório até hoje: o primeiro (1841-1851) é o período do Oratório ambulante; o
segundo (1851-1861) é o da Consolidação: o terceiro (1861-1871) poderia tomar o
nome de expansão fora de Turim; e o quarto (1871-1881) chamar-se-ia período de
expansão mundial". (AUFFRAY, 1946, p. 411, grifo do autor).
No que se refere ao modo de trabalhar de João Bosco desde seu tempo dos oratórios
até que criar a Sociedade Salesiana, há que se deixar claro, que seu método foi mais prático do
que teórico, segundo Auffray (1946, p. 285), “uma pedagogia que está mais na vida do que
nos livros.”, pois segundo ele, afirmou João Bosco que o método que usava para formar os
57
salesianos, seus discípulos, era atirá-los na água para que aprendessem a nadar, ou seja,
colocá-los no contexto para que pudessem sentir, analisar e avaliar as possibilidades para
poder agir. Sobre sua pedagogia com seus meninos, de acordo com Auffray (1946), João
Bosco afirma que se trata de promover a proximidade entre e com eles.
Davério (1980) aponta quatro espaços de ação e intervenção de João Bosco, a saber, os
oratórios festivos, o campo da escola, o campo do trabalho e a criminalidade juvenil. Sobre
cada um deles, o autor esclarece:
2.2.1.1. Oratórios festivos
Não eram novidades no momento histórico de João Bosco, porem tinham uma
identidade diferente, um novo espírito. João Bosco atraia os jovens para os oratórios
com jogos, música, como o próprio João Bosco chamava diversões honestas, e usava a
evangelização como meio de promoção humana, pois, segundo ele, “era preferível ver
os meninos brincando em vez de deixá-los fazer molecagens pela cidade”. (Davério,
1980).
2.2.1.2. O campo da escola
João Bosco via na escola um espaço para educar a juventude. Defendia a educação
cristã, pois dizia que a educação não cristã que se praticava naqueles tempos, baseada
em clássicos pagãos, era perversa e corrompia o coração da juventude. Por este motivo
lançava-se a publicar clássicos de escritores cristãos. Vendo na escola um espaço
privilegiado para trabalhar com a juventude, procurava ter em seus espaços escolares
duas categorias de alunos: o estudante e o aprendiz. Por este motivo sempre procurava
ter nas casas salesianas um espaço para a “escola normal” e um espaço para a “escola
de artes e ofícios e de laboratórios”. Segundo o autor, João Bosco abriu escolas de
diversos tipos, como escolas diurnas, dominicais, noturnas, elementares e secundárias,
escola para alunos internos e externos, e também escolas de ritmo normal e de
“recuperação”, sendo esta última para adultos que quisessem melhorar de vida.
(Davério, 1980). É possível, portanto, situar João Bosco como um formador de
pessoas críticas na medida possível, pois ele mesmo via esta face negativa da
educação naquele momento e local. A educação despertando para a autonomia e para
o protagonismo na sociedade.
58
2.2.1.3. O campo de trabalho
João Bosco era homem de ação, fundou vários laboratórios para que seus alunos
pudessem se aperfeiçoar, entre eles, laboratórios de alfaiates, sapateiros, carpinteiros.
Fundou também escolas profissionais de tipografia, encadernação, mecânica, entre
outros. No campo do trabalho João Bosco cuidava de seus jovens de forma que eles
não fossem explorados por seus patrões, protegendo-os com contratos de trabalho, os
primeiros na história da Itália, que eram assinados por P. João Bosco. Neste campo
agia como um perfeito sindicalista para proteger seus jovens. Seus contratos
continham itens como: período de aprendizado, obrigações e direitos do empregado e
do empregador, repouso, ausências, salários, aumentos salariais, férias anuais,
reparações de eventuais danos por parte do aprendiz, relatório mensal do procedimento
do aprendiz e por fim, o compromisso e engajamento do próprio João Bosco nas suas
obrigações contratuais de prometer assistência para bons resultados e boa conduta do
aprendiz, ou seja, João Bosco confiava nos jovens a ponto de se comprometer por eles
(Davério, 1980). O mesmo João Bosco que se preocupava com uma formação
saudável para seus jovens, também se preocupava com o futuro deles a ponto de
intervir na sociedade local para que direitos fossem garantidos.
2.2.1.4. Criminalidade juvenil
Os espaços dos oratórios, da escola, e do trabalho eram para João Bosco uma forma de
prevenção, de evitar que o jovem se lançasse na criminalidade. Porém, em relação aos
jovens que já haviam se envolvido com a criminalidade, João Bosco mantinha a
mesma linha de ação, ou seja, cuidado, proteção e respeito. Chegou a fazer uma
proposta de atuação no reformatório da “Generalla” quando o Prefeito de Turim
insistiu para que ele se encarregasse da educação dos jovens encarcerados. A proposta
era de total liberdade de ação, o que não foi aceito. A forma que João Bosco entendia
como a melhor maneira de agir com estes jovens passava pela instrução religiosa
incluindo os sacramentos da Eucaristia e da Confissão, por uma vigilância amigável
em vez de severa repressão, e finalmente, pelo amor aos jovens que lá se encontravam,
pois provavelmente jamais em suas vidas teriam se sentido amados. Sua proposta não
foi aceita pelo Prefeito de Turim naquele momento, pois este achou que João Bosco
queria mesmo era transformá-los todos em padres. Mais tarde, no entanto suas “casas
de reeducação” tiveram grande sucesso na recuperação de jovens em situações de
criminalidade (Davério, 1980).
59
João Bosco era protagonista do seu tempo e atuante na sociedade com o
objetivo de formar jovens também atuantes e protagonistas na sociedade.
2.3. O SISTEMA PREVENTIVO E SEUS PRESSUPOSTOS
A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade.
O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade
interfira no cumprimento ético de meu dever de professor.
Paulo Freire
Liberdade.
Alguém poderá pensar: essa vigilância continua, por mais que seja paterna, acabará
por formar hipócritas, na certa. Não! Não é verdade! Porque este sistema de
educação permite que o menino se abra e se manifeste, deixando à liberdade toda a
expansão possível. Da disciplina conserva só o que é necessário para que uma casa
possa caminhar bem; e fecha os olhos para tudo o mais. Não tem a idolatria da
ordem, dessa famosa ordem exterior que se pode facilmente identificar com a
imobilidade e o silêncio, e que para alguns é o ideal da educação.
O Santo queria uma disciplina que estivesse a serviço da educação e não uma
disciplina que se desenvolvesse como fim a si mesma, pela beleza do espetáculo que
pudesse oferecer aos olhos do visitante, ou pela tranqüilidade que conseguisse
proporcionar à existência do mestre. Os corações, as almas das crianças devem
expandir-se, devem revelar-se no livre exercício de suas atividades, porque o
educador para levar avante o seu trabalho tem necessidade de conhecer o fundo das
almas; por conseguinte não deve uma disciplina mal entendida vir comprimir por
demais esta espontaneidade. (AUFFRAY, 1946, p. 292-3).
A confiança, chave do sistema. Como conquistá-la.
Quem não vê que essa alegria, difundida por toda a casa com tal profusão, alargava a
alma da criança e lhe alimentava permanentemente a confiança? Ora, a confiança,
dizia o Santo, é tudo na educação. Nada de sólido conseguiremos construir,
enquanto a criança não nos entrega o coração. Tudo o mais serve para preparar e
para dispor a isso que é o essencial: cativar o coração do menino. E com isto
tocamos o ponto central de todo e qualquer sistema educativo: o problema da
autoridade. Que lugar lhe dava Dom Bosco? Ou melhor - uma vez que ninguém
mais do que ele desejava que esse lugar fosse o mais importante possível, - sobre
que bases o colocava? Na força ou no físico imponente? No temor do castigo ou da
humilhação? Na razão que percebe a razoabilidade das ordens que se dão? Na fé que
reconhece a ordem como vinda de Deus? Podemos responder assim: Nem na força
nem no temor, tanto quanto isso fosse possível; na razão e na fé, desde que fosse
possível. [...] Sem afeto não há confiança e sem confiança não há educação, repetia
continuamente Dom Bosco. (AUFFRAY, 1946, p. 297-8, grifo do autor).
Além do seu fervoroso lado religioso que João Bosco possuía como fundante em todo
o seu trabalho com os meninos, percebia outras necessidades em relação a eles, por isso sua
atuação ia além da religiosidade, ele tinha em mente a integração dos meninos na sociedade
60
além dos limites do Oratório. A confiança e a liberdade eram a chave para que cada jovem
construísse sua própria identidade e se despertasse para a autonomia e para protagonismo,
visto que João Bosco se preocupava com a vida desses jovens além dos seus domínios. Lenti
(2013) destaca sua preocupação com as questões sociais e sua visão de educação:
Por educação ele entendia ajudar o jovem a crescer e desenvolver-se como ser
humano e como cristão, para que pudesse encontrar um lugar adequado na
sociedade. De fato, no contexto da revolução Liberal e da secularização total da
sociedade, ele chegou à convicção de que só através da educação dos jovens seria
possível restaurar a sociedade Cristã. (LENTI, 2013, p. 77-8).
Também Wast (1933), relata sobre o modo de trabalho do João Bosco e sua forma de
pensar uma sociedade justa. João Bosco fala sobre democracia, anarquia e socialismo:
Um povo que não tem nenhuma noção dos seus deveres, porque os oradores não lhe
falam mais do que seus direitos; que não conhece outros limites além dos que ele se
prescreve nas leis, mudáveis como os homens que as fazem, está na estrada da
anarquia.
E quando caí na anarquia, que é a desordem, o povo, desesperado, acaba por se
entregar a um ditador. A ditadura impõe ordem á força. Dá momentaneamente a
sensação da liberdade, porque não há tirania mais abominavel que a da multidão
anarquizada.
A ditadura, porém, é a negação da liberdade e da justiça. Portanto, anti-cristã.
Dom Bosco teve a intuição da democracia num momento em que a muitos parecia
uma heresia.
O operário, o proletário, como dizem os socialistas, é a grande massa da população,
a maioria, e num regime democrático é o governo. (WAST, 1933, p. 175-5).
E Wast (1933) relaciona sua forma de pensar à educação:
Preparemos o operário para o grande papel que vai desempenhar nas sociedades
modernas, como eleitor, e muitas vezes como eleito. Ensinemos-lhes os seus direitos
e os seus deveres. Façamô-lo habil em seu oficio, demos-lhe a instrução, que antes
era exclusivo patrimônio dos ricos e dos nobres; façamô-lo bom católico e fa-lo-
emos bom democráta; saberá eleger e saberá governar. E assim teremos feito o bem
da pátria e da Humanidade. (WAST, 1933, p. 175).
Para Auffray (1946), João Bosco tinha um sistema de educação, que primava pela
sinceridade e liberdade. A liberdade que leva à expansão e manifestação espontânea do aluno.
A disciplina que conduz à confiança e que promove a educação e não a que silencia e reprime
a alma do aluno. João Bosco era contra a vigilância castradora e a idolatria e a ordem pelo
simples fato de que essa ordem facilitaria a vida do educador a agradaria aos visitantes.
Ainda de acordo com Auffray (1946), João Bosco dizia que era necessário um equilíbrio para
não correr o risco de “refrear desapiedadamente a liberdade juvenil, nem desatar-lhes todos os
61
freios”. Já em relação ao educador, dizia que esse deveria ensinar o menino a agir um dia sem
o seu auxílio, ou seja, dar condições ao aluno que ele se estabeleça como um ser consciente de
suas obrigações e de seus direitos na sociedade.
O constante cuidado com os meninos João Bosco chamava de assistência-presença, e,
de acordo com Ferreira (2008), os fundamentos psicológicos da assistência-presença sãos
dois: a simpatia e a vontade de estar sempre com os jovens, acolhendo-os com amor e
mostrando interesse pela pessoa concreta, interessando-se por ela verdadeiramente. Continua
o autor dizendo, em relação aos meninos de todos os tempos, que esse sentimento de pertença
e acolhimento pode afastar os meninos das exigências do consumismo e de um submundo de
desespero sem saída (Ferreira, 2008).
Sobre o estilo de educação de João Bosco, Ferreira (2008) afirma ser um estilo de ação
educativo-pastoral, uma espiritualidade vivida na ação. Acrescenta que este tem consistência
orgânica, convicções e conteúdos precisos, atitudes, estruturas, metodologias e formas
próprias.
A preventividade, no entender de Dom Bosco, não pode ser concebida como simples
proteção ou defesa exterior do educando. Seu verdadeiro sentido é positivo. O
Sistema Preventivo, desde o ponto de vista etimológico, revela-se muito rico de
conteúdo: o sentido de “chegar com antecedência”. [...] implica na aceitação do
educando como ele é. Estabelece com ele uma relação dialógica, que possibilita o
seu crescimento a partir de dentro. Ajuda-o a construir sua parcela de liberdade, no
processo de abertura de responsabilidade comunitária e religiosa. (FERREIRA,
2008, p. 31-2).
Parece encontrar-se na relação que propicia o diálogo e que possibilita o crescimento
de dentro para fora, a razão pela qual João Bosco preferiu optar pelo sistema preventivo e não
pelo sistema repressivo. O sistema preventivo possibilitaria uma maior aproximação com os
meninos, uma relação de conversa, de reciprocidade que o outro sistema era baseado no temor
reverencial, colocando o superior numa posição superior da qual só sairá para castigar
(Auffray, 1946). Ainda de acordo com o mesmo autor:
Êste método preventivo, como ele o chamou em oposição ao outro – o método
repressivo, feito à base de castigos, – procura cortar o mal pela raiz, tirando a
ocasião, neutralizando-a ou pondo de sobreaviso os alunos para não caírem nela.
Como a ciência moderna, esse método confia mais na higiene do que na medicina. O
outro método dizia ao menino: “Anda direito, não perturbes a disciplina porque
senão, vê o que te está reservado.” Este diz: “Cuidado! Aqui está uma ocasião
perigosa. Fique firme, vence o obstáculo; e se for muito difícil, apoia a tua fraqueza
na minha força, pois estou aqui a teu lado.”. (AUFFRAY, 1946, p. 288, grifo do
autor).
62
Scaramussa (1979) confirma a tese de que salvar a alma dos meninos por meio da
religião era um dos objetivos da ação de João Bosco, mas afirma que ele tinha também o
cuidado de incluir em suas ações condicionamentos terrenos, individuais e sociais, ou seja,
preocupava-se com os meninos sobrevivendo no seu contexto, sem sua presença. Seu modo
de educar consiste em um movimento de buscar ao outro quando e se necessário, deixando
claro e dando o exemplo da presença, pois ele sempre estaria por perto se o jovem
necessitasse se ajuda ou de apoio. Entre João Bosco e seus jovens havia a reciprocidade, uma
relação entre seres como postula Buber (2001).
Lenti (2013) descreve a forma de atuação de João Bosco usando as palavras “método”
e “estilo”, dizendo que ele teve uma concepção integral de educação, no sentido de que se
busque o desenvolvimento integral da pessoa cultivando suas melhores potencialidades para
formar o bom cidadão e o bom cristão. Para o autor, o método funciona em diversos níveis
integrados. Cita quatro níveis: e acrescenta que o método funciona de forma que os níveis se
relacionam entre si:
No nível da “filosofia” educacional, o método é uma síntese pessoal e original de
humanismo e fé cristã, adquirida por Dom Bosco a partir de algumas tradições
educativas, da sua experiência cultural e da experiência pessoal com os jovens ao
longo de muitos anos.
No nível seguinte, esta filisofia educacional baseava-se num conjunto de princípios
resumidos no trinômio Razão, Religião e Carinho [Amorevolezza]. Com estas bases,
ele construiu um ambiente espiritual e educativo caracterizado pela familiaridade,
espontaneidade, confiança e alegria.
No nível das estratégias, dava-se a importância à proteção-prevenção e à assistência
pela presença contínua e serviçal do educador.
No nível dos meios/ferramentas, fez-se uso adequado de reforços educativos e de
instrumentos formativos tais como o trabalho e o estudo, a prática religiosa, o rigor
moral, e a grande variedade de atividades como jogos, esportes, passeios, teatro,
música e celebrações.
O estilo educativo de Dom Bosco é definido pelo conjunto de todos esses elementos.
(LENTI, 2013, p. 83).
O espírito de família e o espírito comunitário, como entendia João Bosco, reinaria nas
casas salesianas. Aos seus olhos, elas seriam um lugar onde todos pudessem compartilhar
como se fosse um lar, onde todos formavam uma comunidade educativa em comunhão como
uma família.
Cada um dos níveis acima citados no revela algo sobre João Bosco. No nível da
filosofia educacional, descobrimos um João Bosco que acata as formas já existentes de
educar, aprofunda-as de acordo com suas necessidades e configura o seu estilo de educar.
Também nos revela este nível, o homem humilde que aprende com os jovens, pois a
experiência com e entre eles aprimora seu olhar para eles mesmos, para seu contexto e para
63
seu modo de educar. No segundo nível percebe-se seu lado afetivo e acolhedor, com a
preocupação de fazer com que o outro se sinta respeitado e que tenha a sensação de pertença.
O nível das estratégias revela a vontade de ser e ter ao seu redor o educador presente e atento
às necessidades dos alunos cuidando para que situações desagradáveis pudessem ser evitadas.
O nível dos meios ou ferramentas mostra um João Bosco que tem uma visão ampla da
situação dos jovens, pois procurava proporcionar a eles o reino de Deus através da religião, a
salvação das almas, um ambiente familiar saudável com esportes, música entre outros
acolhendo os jovens juntamente com a preocupação com os estudos dos jovens, tinha sempre
no seu foco o objetivo de dar aos jovens condições de serem autônomos e protagonistas na
sociedade em que atuariam por meio do próprio estudo e formação que recebiam e por meio
do trabalho que exerceriam.
O Sistema Preventivo de João Bosco baseia-se no segundo nível descrito por Lenti
(2013), ou seja, no tripé: razão, religião e amorevolezza (palavra italiana sem tradução
especifica para a Língua Portuguesa, mas que poder ser entendida como amor cuidadoso,
carinho). Scaramussa (1979) discorre sobre essas três dimensões do sistema de João Bosco.
Sobre a dimensão religiosa o autor destaca que a religião seria o único caminho para a
salvação, e que viver essa dimensão significava para João Bosco aderir à Igreja Católica e a
Cristo:
Ajudar os jovens a salvar-se significava, pois, levá-los a aderir a Cristo como
modelo, como mestre que “ensinou tudo o que é necessário crer e fazer para nos
salvarmos”, e como salvador; significa inseri-los na Igreja, instruindo-os de acordo
com a doutrina católica, usando os meios de que ela dispõe para a santificação e para
a salvação. (SCARAMUSSA, 1979, p. 74).
Porém, esta dimensão não se remetia apenas ao cumprimento de práticas religiosas no
dia-a-dia, não era uma dimensão apenas instrumental, João Bosco a via como a conversão
voluntária, de inteligente amor a Deus, o que significava ter uma consciência afetiva que
levasse o indivíduo a inclinar seu coração para o bem, para boas escolhas – uma fé
esclarecida, fundada em argumentos racionais e históricos (Scaramussa, 1979).
Ainda de acordo com o mesmo autor, esse aspecto do seu modo de agir que
privilegiava a razão acontecia num clima de liberdade, espontaneidade e alegria. Juntamente
aos momentos de práticas religiosas, momentos de diversão sadia, de trabalho empenhado e
de estudo sério eram rotina na pedagogia de João Bosco, pois, sua atividade educativa estava
marcada pelo senso do concreto e do prático (Scaramussa, 1979).
64
Sobre a dimensão do cuidado amoroso, a amorevolezza, o mesmo autor destaca que o
modelo educativo de João Bosco tinha inspiração no modelo divino (Scaramussa, 1979), pois
a relação “educador-educando” era uma relação fraternal, de espírito e de família. Scaramussa
(1979) destaca muito bem essa dimensão quando diz:
Também o espírito de família, a paternidade, a “amorevolezza”, a caridade, a
paciência, a mansidão, a assistência, a liberdade, a alegria e outros, encontravam a
sua motivação em elementos religiosos e tinham uma conotação sobrenatural, de tal
forma que se podia falar numa “divinização da ação humana”, ou uma “teologia da
educação”. O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser um sinal do
amor de Deus pelos jovens. (SCARAMUSSA, 1979, p. 74).
Como conciliar, então, um João Bosco que “na política não era de ninguém”, que
mesmo não querendo e declaradamente indo sempre para o lado que lhe interessava para
atingir seus objetivos com os meninos e para salvar as almas dos que lhe ajudavam, sem se
importar de que lado eles pudessem estar, e esse João Bosco fervorosamente religioso e
tenazmente atento às necessidades de seus meninos? Scaramussa (1979) responde essa
pergunta ao abordar os aspectos humanísticos do Sistema Preventivo de João Bosco ao
destacar que ele queria resolver as questões e promover a juventude com a qual lidava, e que
para alguns desses jovens, o que se fazia necessário e urgente era alimentar, vestir, alojar,
além de arrumar-lhes um trabalho que os tirasse da ociosidade. O autor vai além:
O fim primário da ação de Dom Bosco era a salvação eterna dos jovens. A mesma
dinâmica desse fim religioso e transcendente implicava na valorização da dimensão
humana e natural. Por isso, na mente e na ação educativa de Dom Bosco, ao lado de
“bom cristão” estava a preocupação de formar o “bom cidadão”. A santidade,
concebida como prática das virtudes, sobretudo como cumprimento dos deveres do
próprio estado, implicava necessariamente, também, numa formação humana, moral
e profissional, como alicerce que possibilitassem essa prática. (SCARAMUSSA,
1979, p. 82).
Refletindo ainda sobre João Bosco, sua atuação, e seus métodos, recorro novamente à
Scaramussa (1979) que afirma que João Bosco teve que lançar mão de medidas nitidamente
pedagógicas em sua ação com os meninos e jovens pobres e abandonados, afirmando que seus
princípios, sua ação e atuação sem dúvida situaram-no e deram lugar e originalidade ao seu
Sistema Preventivo na pedagogia. O autor discute ainda se seria possível classificar o
“Sistema” preventivo de método, e sobre isso afirma:
Dom Bosco tinha uma idéia bastante clara do problema educativo. Escolheu, adotou
como seu e propôs para os educadores salesianos um método, o Preventivo. Quando
falava em Sistema Preventivo, tinha em mente “um modo de agir, um complexo de
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procedimentos educativos, que implicavam todo um organismo de convicções, de
idéias, de razão e de fé, que constituíam o seu modo de tratar educativamente os
jovens, sem ulteriores preocupações científicas e epistemológicas.” Pensava,
portanto, num método.
Os estudiosos parecem ter chegado à conclusão de que se considerar o termo
“sistema pedagógico” no sentido rigoroso, formal e técnico de elaboração reflexa, do
ponto de vista científico, do fato pedagógico, o Sistema Preventivo não constitui um
“sistema”, mas um método; melhor, um estilo, uma arte. Afirmam, no entanto,
também, que, os escritos de Dom Bosco revelam que ele possuía provavelmente, na
sua mente, todo um quadro de idéias sistemáticas que orientavam a sua prática
educativa e que, a partir dessa prática, e ao seu redor, poder-se-ia formar uma
verdadeira “visão complexa e orgânica da pedagogia, seja nos seus princípios
teoréticos, seja em suas aplicações metodológicas”. (SCARAMUSSA, 1979, p. 99-
100).
O modo de João Bosco atuar é: para Scaramussa (1979), um método; para Wast
(1933) um sistema; e para Lenti (2013), método e também estilo. Para Ferreira (2008, p. 13),
no entanto, “O sistema educativo de Dom Bosco não é apenas um método a mais na
pedagogia.” Para Ferreira (2008, p. 13), para ele, trata-se de uma “pedagogia de amor”.
Permito-me fazer uma pequena reflexão entre os termos usados até o momento. Se
pensarmos em: a) método como uma maneira ou modo de se fazer alguma coisa ou como
modo proceder; b) sistema como um corpo de normas, regras ou componentes que em
conjunto formam um todo harmônico; c) pedagogia como um conjunto das ideias e teorias
relacionadas à educação; e d) estilo como hábito, prática, praxe ou costume; teríamos então
que a atuação de João Bosco era um método, pois tinha uma forma de proceder, um sistema
porque havia um corpo de regras que regia sua ação com os jovens e um estilo e uma
pedagogia, pois era baseado na prática. Saliento a visão de Soffner, Antonio e Evangelista
(2013) sobre a forma de agir de João Bosco:
Pela proposta educativa de João Bosco, o jovem é passivamente submetido a uma
sociedade injusta, que o afasta da bondade e da salvação cristã das almas, sendo,
portanto, papel da educação religiosa, civil, moral, artística, profissional e científica
sua retificação. Considera como fatores a serem analisados para tal: a) família; b)
escola; c) sociedade; d) educador; e) educando; f) ambiente educativo.
O ambiente educativo é fundamental para atingir tais objetivos educacionais, mais a
razão e compreensão do que acontece no mundo e como o bom senso pode servir de
guia a sua interpretação e, ainda, o diálogo, o respeito – tudo isso gerando mais que
sistema, mas um estilo – em que a inteligência nata dos jovens é resguardada, e o
coração que bate em seu peito, considerado. Mesmo do ponto de vista mais rígido da
disciplina associada ao sistema de Bosco, encontramos num texto salesiano de 1946
(sem autor, 1946) a afirmação de que a mesma faz parte integrante do Sistema
Preventivo, em suas características de prevenção e de aconselhamento a alunos,
diretores e assistentes, antes de qualquer tipo de castigo. (SOFFNER, ANTONIO,
EVANGELISTA, 2013 p.58).
66
Preocupado com o ambiente, João Bosco agia de forma a atingir seus objetivos,
deixando para segundo plano um possível tratado teórico sobre sua práxis. Os autores também
se referem à práxis de João Bosco como um estilo de educação que pretende levar o jovem à
autonomia, para além das fronteiras da escola:
[...] concluímos que o sistema educativo de Dom Bosco emprega o conceito de
práxis na preocupação com a autonomia que os jovens deverão apresentar em
relação à vida, não bastando o provimento da educação formal, quando se prepara os
educandos para as questões e conflitos da vida. Sua proposta de emancipação das
pessoas chega ao nível de prepará-las para os ofícios, o que pode parecer paradoxal,
mas no contexto de sua época (o industrialismo europeu) é aceitável. Interpreta a
pedagogia não apenas a forma pela qual um conteúdo ou lição é transmitido aos
aprendentes, mas algo a ser executado e praticado em vida, transformando-se em
experiência vivida com valor de reflexão do processo como um todo. (SOFFNER,
ANTONIO, EVANGELISTA, p.60-1).
Inclino-se a considerar o modo de agir de João Bosco um estilo de educar devido à
forma como ele mesmo lidava com sua prática, agia como fosse necessário, ou seja, era
movido pelo momento e circunstância, baseado em sua experiência sem se preocupar com
registros de suas práticas e sem a intenção de se constituir como um modelo pedagógico.
Volto agora ao título desse capítulo – “João Bosco: de ilha à continente”, para
complementar as reflexões sobre o homem, o cidadão, o religioso e seu contexto. João Bosco
agia de forma inusitada para a época, chegava a chocar por suas escolhas, posições e práticas,
era autônomo em suas ações, protagonista do seu tempo e ao mesmo tempo era um continente
no qual conviviam as mais diversas polaridades do seu contexto.
2.4. O LEGADO DE JOÃO BOSCO: A EDUCAÇÃO SALESIANA E O SISTEMA
PREVENTIVO HOJE
O ser determinado se acha fechado nos limites da sua determinação.
Paulo Freire
Para atualizar Dom Bosco hoje é necessário identificar-se com ele, o que não
significa imitá-lo materialmente; ou seja, é necessário copiá-lo formalmente, não
mecanicamente. De outra forma: fazer hoje o que ele faria e não o que ele fez.
Parece razoável a afirmação de P. Braido: “Para permanecer fiel a Dom Bosco e ao
seu espírito, dever-se-á, necessariamente, ir além de Dom Bosco.”.
(SCARAMUSSA, 1979, p. 104).
67
Como educadores salesianos, todos nós sabemos muito bem que o mais importante
não é repetir o que Dom Bosco disse e nem fazer exatamente o que ele fez. Para nós,
hoje, a grande tarefa e o grande desafio educativo devem ser dizer o que Dom Bosco
diria e fazer o que ele faria se estivesse confrontando com as realidades que hoje nos
cabe enfrentar. (COSTA; SILVA FILHO, 2002, p. 37).
Dois olhares para, uma mesma direção: não imitar João Bosco, mas sim, fazer o que
ele faria hoje – eis aqui a direção que, tanto Scaramussa (1979) como Costa e Silva Filho
(2002) nos indicam sobre a Educação Salesiana e o Sistema Preventivo de João Bosco.
Para Scaramussa (1979), o Sistema Preventivo e a assistência-presença hoje envolvem
uma reflexão sobre o papel do educador e sobre o relacionamento educativo atual. Neste
sentido o autor aponta três instâncias: a exigência de um relacionamento pessoal autêntico
(relação dialógica - amorevolezza), a exigência de autonomia e autenticidade (liberdade
criativa – razão) e a instancia da dinâmica de grupo. Importante faz-se ressaltar que para o
autor, a instância da dinâmica de grupo é o ambiente no qual as duas outras instâncias se dão.
Para o autor, o grupo é:
Onde se faz sentir uma mentalidade democrática, patenteia-se uma recusa da
massificação e a redescoberta das relações mais estreitas e empenhativas do pequeno
grupo, o respeito pelas pessoas e por seus direitos fundamentais e a responsabilidade
comunitária ou grupal. Os jovens buscam experiências desse tipo para conquistar
sua própria liberdade. (SCARAMUSSA, 1979, P. 114).
Scaramussa (1979) acrescenta que o educador salesiano hoje, sem imitar João Bosco,
seria o animador, um membro autêntico do grupo e portador de valores. O autor se refere ao
educador como aquele que aceita o educando como um ser digno de confiança e de amor e
aceitável enquanto pessoa, não emite julgamentos sobre ele, abrigando nesse gesto a
amorevolezza, o amor carinhoso, fazendo assim a ponte com a religiosidade – a presença de
amor, a presença religiosa vivenciando a autenticidade e dialogicidade na relação educador-
educando.
Os autores Costa e Silva Filho (2002), vão além, afirmando que João Bosco tinha
como objetivo formar o bom cristão e o honesto cidadão e numa Itália onde regia o ambiente
laico, mesmo com todas as adversidades que enfrentou, enquadrou seu modo de educar a este
modelo fazendo com que formar o “cidadão cristão” fosse viável naquele ambiente inóspito.
Nesse sentido, os autores lembram o artigo 2 da Lei de diretrizes e Bases da Educação
Nacional brasileira no qual se lê que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
68
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (LDB: Lei 9.394/96).
A educação pretendida e oferecida por João Bosco era aquela que se baseava em
princípios de liberdade e solidariedade, o que comunga com a ideia do artigo da lei citada
acima, ou seja, João Bosco buscava o desenvolvimento pleno dos seus meninos, e para os
autores, no artigo citado, a dimensão da fé não esta descartada, justamente por se tratar do
desenvolvimento pleno. O outro aspecto que aproxima o olhar da pedagogia de João Bosco
aos dias de hoje é o da preparação para exercer a cidadania, visto que João Bosco se
preocupava com a inserção dos meninos-jovens na sociedade, e sobre a preparação e
qualificação para o trabalho, vê-se o ideal de João Bosco no texto desse artigo da lei
brasileira. No entanto, a forma como João Bosco pensava a qualificação para o trabalho, não
era a de se colocar na sociedade mais uma pessoa que iria atender às “necessidades do
mercado”, como hoje muito se refere à qualificação para o trabalho. João Bosco primava pela
educação integral dos jovens no sentido de que a educação e a qualificação para o trabalho
formassem um conjunto que oferecesse ao jovem adulto formado a possibilidade de
emancipação para que ele pudesse agir de forma consciente e autônoma em suas esferas de
atuação.
Costa e Silva Filho (2002) entendem que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
brasileira busca o desenvolvimento de três dimensões no educando: a da pessoa, a do cidadão
e a do futuro trabalhador, visando à formação de um jovem autônomo. Os autores aproximam
a visão de educação de João Bosco em seu tempo, à educação hoje, principalmente a
Educação Salesiana nas três dimensões: na dimensão pessoal do jovem autônomo, sugerem
que a educação deva desenvolver valores – uma educação para valores. Sob a dimensão da
cidadania, os autores propõem que o jovem seja educado para tomar iniciativas, para a
liberdade e para o compromisso, ou seja, ação, opção e responsabilidade que levam ao
protagonismo juvenil. Em relação ao futuro trabalhador, muito já se falou neste trabalho sobre
a preocupação de João Bosco na Itália dos Oitocentos em devolver os meninos-jovens à
sociedade de forma que eles pudessem exercer sua cidadania como bons cristãos e honestos
cidadãos através de uma vida digna por meio de uma profissão e do trabalho.
Estudo, trabalho, dignidade, religiosidade, autonomia, protagonismo e realização
pessoal parecem ser a tônica dos três autores acima citados quando se fala da Educação
Salesiana hoje – João Bosco hoje. Porem, o respeito ao outro parece ser o valor que se destaca
em toda a caminhada salesiana. Scaramussa (1979) aborda o tema da educação dos jovens sob
69
a perspectiva Salesiana na America Latina hoje, traçando um perfil da situação desse jovem,
enfatizando que o jovem existe dentro de determinadas estruturas econômicas e sociais
caracterizadas pela desigualdade social o que leva à marginalização da maior parte da
população, além de outros problemas, como: emprego, desemprego, subemprego, problemas
familiares, a falta de participação na esfera política, e também o problema da evangelização.
Ao especificar os problemas que a marginalização acarreta, o autor afirma que ela atinge a
todos os grupos e o quadro que é colocado bem poderia ser o quadro enfrentado por João
Bosco nos Oitocentos.
A marginalidade rural se manifesta através do analfabetismo, do desemprego, dos
salários de fome, do complexo de inferioridade diante do “mito da cidade”. A
marginalidade urbana se manifesta na desintegração da família, na precariedade das
condições de vida, da habitação, de saúde, no desemprego, na exploração através do
trabalho, na falta de qualificação para o trabalho, no analfabetismo, na falta de
condições para estudar, na criminalidade. (SCARAMUSSA, 1979, p. 119).
Além desses aspectos, o autor ainda aponta o jovem como um alvo de fácil
instrumentalização e exploração pela indústria do consumo por meio de diferentes mídias e
pela criação de estereótipos que escravizam e massificam esse jovem. Para o autor, este
quadro produz expressões tão conhecidas: “juventude contestadora”, “revoltada”,
“delinquente” que se refugiam nas drogas e na prostituição (Scaramussa, 1979).
Frente a essa situação, Costa e Silva Filho (2002) propõem atitudes a serem tomadas e
desenvolvidas no contexto atual e defendem que o educador tem um papel fundamental nesse
processo. Enfatizam a importância de um educador que tenha uma visão compreensiva da
questão juvenil, que busque e aprenda a se posicionar eticamente, entendendo que tem nas
mãos um ser humano, independente da sua condição de incluído, excluído ou ameaçado de
exclusão. No jovem, os autores vislumbram um ser que na construção de sua identidade esta
em busca de um projeto de vida. Volto a insistir na imagem de João Bosco nos Oitocentos,
que os autores parecem estar colocando hoje:
Não podemos, entretanto, jamais esquecer que, em nossa ação junto aos jovens das
camadas populares, além de educá-los, é preciso ajudá-los a viabilizar-se,
economicamente e socialmente, no quadro maior de um modelo de desenvolvimento
hostil à promoção social das massas espoliadas e à sua libertação cultural.
(SCARAMUSSA, 1979, p. 120).
Assim, pode-se dizer que a Educação Salesiana vem ao encontro da problemática da
juventude atualmente. Scaramussa (1979) salienta que essa proposta de educação é
70
evangelizadora no sentido que anuncia um Cristo vivo e libertador, e é tipicamente salesiana
no sentido que procura atuar com o Sistema Preventivo, que tem como objetivo a libertação
do jovem, bem como procura trabalhar para que ele próprio transforme a realidade das
estruturas marginalizadoras e massificantes que o cercam. Para Scaramussa (1979)
O Sistema Preventivo de Dom Bosco apresenta suas contribuições para a América
Latina. Também a América Latina apresenta suas contribuições para o
aprofundamento do Sistema Preventivo. No mesmo sentido empregado por Paulo
Freire a respeito da relação educativa – “não existe educador, nem educando” –
muito pode crescer a educação na América Latina com o Sistema Preventivo, assim
como este cresce no confronto com a realidade latino-americana. (SCARAMUSSA,
1979, p. 139).
O ideal de formar “bons cristãos e honestos cidadãos” de João Bosco em seu tempo é
o mesmo que se busca hoje para nossos jovens, ou seja, formar cidadãos autônomos e
conscientes, jovens que, por terem consciência de sua posição e lugar no mundo, sejam
protagonistas, e que busquem e tenham no e para o outro um olhar de um ser humano para
outro ser humano e não de um ser humano para um objeto, do qual só se vê o seu uso e
vantagem, configurando assim a alteridade na visão de Lévinas (2010) de que o homem é um
ser que admite uma exterioridade e que concebe o outro. Não podemos fazer a pergunta
proposta por Buber “Onde está você em seu mundo?” para João Bosco, mas por toda sua
trajetória temos muitos indícios de que ele parecia saber onde estava e porque estava em seu
mundo. No entanto, podemos, hoje, como educadores na proposta da Educação Salesiana
proporcionar momentos ou situações em que nossos alunos possam refletir e se tornarem
conscientes de seu mundo e do papel que representam nele.
71
CAPITULO 3 – DIÁLOGO COM PAULO FREIRE
3.1. LER PARA REESCREVER
Consideremos (nossos alunos) como filhos, pondo-nos a seu serviço,
e não dominando.
João Bosco
É preciso trabalhar como se a gente não fosse morrer nunca
e viver como se a gente devesse morrer todos os dias.
João Bosco
Em novembro de 1981, Paulo Freire abriu o Congresso Brasileiro de Leitura em
Campinas discorrendo sobre “A importância do ato de ler”, tecendo considerações
importantes sobre a leitura da palavra, da realidade e do contexto-mundo. Leitura do mundo:
ponte para a conscientização e para o pertencimento. Nessa ocasião, Freire (2011) se refere
várias vezes à sua proposta de alfabetização e deixa clara sua leitura dela:
Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
desta implica a continuidade da leitura daquele. [...], esse movimento do mundo à
palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra
dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira,
porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas
precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de
“reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.
(FREIRE, 2011, p. 29-30).
Para demonstrar a importância do ato de ler, Freire (2011) faz uma leitura do seu
próprio processo de leitura de mundo, depois do seu processo de leitura da palavra e comenta
sobre sua leitura de mundo após ter adquirido a habilidade de ler a palavra. O autor usa a
expressão “palavramundo” ao referir-se à aquisição da leitura da palavra, a “palavramundo” é
impregnada de significados, e nem sempre é essa que se aprende ou apreende no processo de
escolarização, ou seja, nem todas as palavras usadas na alfabetização têm significado para
quem está sendo alfabetizado, o que leva a uma alfabetização sem engajamento com o mundo.
72
O Cidadão Nordestino, Paulo Reglus Neves Freire, nascido em 19 de setembro de
1921, uma segunda-feira, em Recife, Pernambuco, Brasil, tem no seu nome significados
interessantes, como aponta Vale (2005):
Seu nome completo é PAULO REGLUS NEVES FREIRE.
O pai de Paulo Freire queria homenageá-lo com o nome Regulus, mas por um erro
do cartório, seu nome ficou sendo Reglus. [...]
Paulo: de pequena estatura (latim)
Reglus – Regulus: pequeno rei (latim)
Freire: irmão, frei (do latim frater e posteriormente do francês frère). (VALE, 2005,
p. 04).
Um rei de pequena estatura com o tamanho de um irmão amoroso.
Ilustração 7 – Casa onde nasceu Paulo Freire
Extraído de: (GADOTTI, 1996, p. 28)
Em “A importância do ato de ler”, o Freire (2011) retoma seus anos de infância, cita
seu contexto-mundo primeiro: seu quintal e todos os significados deste continente. Neste
contexto-mundo iniciou sua alfabetização à sombra das mangueiras tendo os gravetos das
mangueiras como instrumento para escrever no chão as letras e palavras que aprendia com sua
mãe. O autor acrescenta ainda que foi alfabetizado com as palavras de seu mundo, e não com
as palavras do mundo dos adultos (Freire, 2011). Sobre a infância de Freire, Gadotti (1996)
relata o que a mãe escreveu sobre Paulo Freire ainda bebê: uma criança muito devota e
demonstrava isso pelo modo como pegava em seu crucifixo, além de ser também preocupado
73
com as lições da escola, a ponto de não querer comparecer às aulas enquanto não sabia tudo o
que se esperava dele. Sobre sua primeira professora e a primeira experiência na escola,
Gadotti (1996), apresenta um artigo escrito por Freire para uma revista, no qual o próprio
Freire relata que a ida à escola não acarretou rupturas para o menino Paulo, pois se sentia bem
na escola e quanto à professora, essa o ensinou a juntar as palavras nas sentenças.
Da forma como Freire foi alfabetizado para o método de alfabetização de Paulo Freire
há um hiato natural no tempo, mas o espírito da alfabetização de adultos continuou o mesmo,
ou seja, ler o mundo, ler a palavra, reler o mundo com e por meio da palavra. Gadotti (1996)
descreve essa leitura:
O “convite” de Freire ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para que ele se veja
enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em determinada sociedade.
Convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo de “demitido da vida” em
que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também
um fazedor de cultura. O “ser-menos” das camadas populares é trabalhado para não
ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como determinação do contexto
econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem.
Quando o homem e a mulher se percebem como fazedores de cultura, está vencido,
ou quase vencido, o primeiro passo para sentirem a importância, a necessidade e a
possibilidade da leitura e da escrita. Estão alfabetizando-se, politicamente falando.
(GADOTTI, 1996, p. 37).
Trata-se da leitura do mundo, do seu pertencimento nele, e do seu direito a esse
pertencimento. Com a leitura da palavra aprofunda-se o olhar nesse mundo
fortalecendo o pertencimento. A visão de educação política, engajada fica clara nesse
processo de leitura de mundo. Sobre o método de alfabetização de Paulo Freire
Gadotti (1996) afirma:
[...] a alfabetização do povo brasileiro – porque quando criou o método jamais
pensava que ele se expandiria pelo mundo – era, então, no bom sentido da palavra,
uma tática educativa para atingir a estratégia necessária: a politização do povo
brasileiro. Nesse sentido, é revolucionário porque ele pode tirar da situação de
submissão, de imersão e da passividade aqueles e aquelas que ainda não conhecem a
palavra escrita. A revolução pensada por Freire não pressupõe uma inversão nos
polos oprimido-opressor, antes, pretende re-inventar, em comunhão, uma sociedade
onde não haja a exploração e a verticalidade do mando, onde não haja a exclusão ou
a interdição da leitura do mundo aos segmentos desprivilegiados da sociedade.
(GADOTTI, 1996, p. 40).
Gadotti, (1996) aponta, ainda, que por este olhar político à educação – ler a
palavra lendo o mundo – Freire esteve no exílio por quase dezesseis anos. Relata sua
peregrinação pelo mundo depois que se viu obrigado a deixar o Brasil: Bolívia, Chile,
Estados Unidos e Suíça – de onde como Consultor Especial do Departamento de
74
educação do Conselheiro Mundial de Igrejas viajou pela África, Ásia, Oceania e
América, menos para o Brasil – para ajudar países que haviam conquistado
independência política a sistematizar seus planos de educação.
Freire volta ao Brasil definitivamente em 1980, abrindo mão do convite para
ficar na Suíça para lá residir e trabalhar com segurança. No Brasil foi professor na
PUC-SP, e na UNICAMP, onde ficou até 1990. Assume o cargo de Secretário de
Educação do Município de São Paulo em 1º de janeiro de 1989, na gestão de Luiza
Erundina de Souza, mas se afasta do cargo em 1991 para voltar a escrever e à
docência. Sua obra tem repercussão mundial, sendo Pedagogia do Oprimido traduzida
em mais de vinte idiomas. Ganhador de muitos prêmios, cidadão honorário de várias
cidades no Brasil, homenageado ao redor do mondo, “Doutor Honoris Causa” e
“Professor Emérito” em diversas instituições dentro e fora do Brasil, Freire tem sua
obra consagrada ao redor do mundo. Por isso, talvez, Gadotti (1996) tenha preferido,
em um determinado momento da biografia de Paulo Freire, colocar um aparte sobre
onde anda Paulo Freire hoje:
Alguns anos atrás, houve quem dissesse, maldosamente, que Paulo Freire havia
deixado de pensar. Ledo engano! Para desespero dos seus detratores, Paulo Freire
continua pensando, agindo, produzindo, continua publicando, lendo, continua
trabalhando, participando, brigando. Continua apaixonado pela leitura da palavra e
do mundo. Paulo Freire continua na briga, continua trabalhando, estudando, se
envolvendo em novos projetos. Continua indignado com a falta de liberdade, com o
descaramento político etc... enfim, Paulo Freire continua vivo como seu próprio
pensamento. (GADOTTI, 1996, p. 115).
Gadotti (1996) estava certo ao dizer que Paulo Freire, apesar de ter falecido em
2 de maio de 1997, em São Paulo, continua conosco. Aqui cabem ainda mais três
citações sobre Freire: o convite para o evento em que ele iria receber o Título de
Cidadão Paulistano, o parecer de Rubem Alves sobre sua ida para a UNICAMP
(Gadotti, 1996), e a escultura de Paulo Freire na Suíça (Vale, 2005). Em primeiro
lugar, o convite para receber o Titulo de Cidadão Paulistano (Gadotti, 1996):
75
Ilustração 8 – Convite ao evento que outorga à Paulo freire o Título de Cidadão
Paulistano
Extraído de: (GADOTTI, 1996, p. 115)
A seguir, o parecer de Rubem Alves Professor Titular II, sobre a ida de Paulo
Freire para a UNICAMP, datado de 25 de maio de 1985 e protocolado sob o n nº.
4.838/80nos registros administrativos da Universidade Estadual de Campinas:
“O objetivo de um parecer , como própria palavra o sugere, é dizer a alguém
que supostamente nada ouviu e que, por isso mesmo, nada sabe, aquilo que parece
ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e
o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em
pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são
apenas dois...
Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase
uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven ou sobre
Cecília Meireles? Para isso seria necessário que o signatário do documento fosse
maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles
sobre quem escreve...
Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.
O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o
será aqui, na UNICAMP? E será por isto que deverei acrescentar a minha
assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista?
Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem
pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá
publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu
76
pensamento formam biografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu
pensamento e sua prática educativa, se publicados, seriam livros.
O seu nome, por si só em pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas
universidades da América do Norte e da Europa. E quem quisesse acrescentar a
este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.
Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na UNICAMP.
Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.
Por isso o meu parecer é um recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai,
de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome
ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.
Mas ele se sustenta sozinho.
Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir. A
questão é se desejamos tê-lo conosco. A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso
lado. É bom dizer aos amigos:
‘ – Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da
Faculdade de Educação da UNICAMP...’
Era o que me cumpria dizer.”. (Gadotti, 1996, p. 44-5).
Finalmente, a grande escultura de pedra por Pye Engstron, que queria
homenagear os que lutaram contra a opressão, em 1972 em Estocolmo na Suécia.
Nesta escultura, Freire foi esculpido ao lado de outros seis grandes nomes: Pablo
Neruda, Ângela Davis, Mao Tsé-Tung, Sara Lidman, Elise ottosson-Jense e Georg
Borgström.
Ilustraçao 9: Escultura em homenagem aos que lutaram contra a opressão
Extraído de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pye_Engstrom_2008.JPG.
Acesso em 16. jul. 2015
Sim, Paulo Freire, o rei indignado de pequena estatura com o tamanho de um
irmão amoroso, realmente, dispensa qualquer apresentação.
77
3.2. PAULO FREIRE: PURA INDIGNAÇÃO
É preciso paciência contínua, constância, perseverança, fadiga.
João Bosco
Impregnados de e com o outro nos percebemos e pertencemos. A ciência e consciência
do outro me permite ser. Freire (1983, p. 38-9) afirma que “o homem é consciente e, na
medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade”; Define a
consciência bancária da educação, na qual o educando recebe passivamente os
conhecimentos, tornando-se apenas um depósito do educador, e apresenta três estados de
consciência, a saber: a consciência ingênua, a fanática e a critica. Sobre elas, Freire (1983)
tece algumas reflexões. A consciência no seu primeiro estágio seria a ingênua, uma
consciência mágica da realidade, estado em que se busca um compromisso com a realidade,
mas responde aos desafios com ações mágicas. O autor, no entanto, afirma que esse estágio de
consciência existe em todos nós, mas deve ser superado. A consciência fanática, segundo o
autor, é uma entrega irracional à realidade, acrescenta que esse estágio é próprio do homem
massificado. Em relação à consciência crítica, o autor ressalta que para atingi-la é necessário
um processo educativo de conscientização, e que sem ele, esse estágio não é alcançado, e
complementa dizendo que na consciência crítica há comprometimento de fato. Freire (1983)
segue com as características da consciência ingênua e da consciência crítica.
A comparação feita pelo autor entre consciência ingênua e consciência crítica se faz
importante nesse trabalho, visto que a opção de se debruçar na pesquisa pode ter sido
resultado de um processo da própria pesquisadora, de saída de um estágio de consciência para
outro, quero dizer, da ingenuidade, para uma forma crítica de ler o mundo, a realidade. O
autor define a consciência ingênua como simplista, superficial, que tira conclusões
apressadas. Ela tende a pensar no passado como “tempos melhores”, não vê o futuro com
possibilidades de mudança, é frágil na discussão de problemas e impermeável à pesquisa
porque se satisfaz com explicações mágicas e massificadoras. A consciência crítica, no
entanto, quer aprofundar-se na análise dos problemas, reconhece que a realidade pode ser
mudada, é inquieta, faz de tudo para livrar-se de preconceitos e de transferência de
responsabilidade. Nutre-se do diálogo, indaga e pode chocar. Sobre a consciência crítica o
autor afirma que ela “face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por
ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos” (Freire, 1983, p. 41).
78
Freire (2001), no entanto, refere-se à conscientização como um compromisso histórico
no sentido de que se trata de uma inserção crítica na história, com os homens assumindo seu
papel de sujeitos autônomos que fazem e refazem a história. Freire (2001) explicita que:
Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz
de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto
para admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido
filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade
objetivada. É precisamente isto, a práxis humana, a unidade indissolúvel entre
minha ação e minha reflexão sobre o mundo. (FREIRE, 2001, p. 29-30, grifo do
autor).
Há, para Freire (2001), ainda, outro elemento no processo de e na conscientização, que
é a utopia. O autor, não se refere à utopia do não-realizável mas sim à utopia que convida e
requer uma posição de denuncia de estruturas desumanizantes e anuncio da possibilidade de
uma estrutura humanizante, e reforça que a utopia exige conhecimento crítico dessa estrutura.
A tomada de posse da realidade, ou seja, o conhecimento das estruturas desumanizantes, é
para o autor a conscientização, o que significa um movimento de afastamento da realidade.
Esse afastamento produz a desmitificação, que não virá por meio do opressor, pois este tem a
tendência em mistificar a realidade (Freire, 2001). O autor continua:
O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho da
desmitificação. Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais crítico possível da
realidade, que a des-vela para conhecê-la e para poder conhecer os mitos que
enganam a que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.
Diante do universo de temas em contradição dialética, os homens tomam
posições contraditórias; alguns trabalham na manutenção das estruturas, e outros, em
sua mudança. (FREIRE, 2001, p. 33, grifo do autor).
O autor estabelece uma relação entre “universo de temas” que podem surgir ao se
fazer uma leitura crítica da realidade, e a temas geradores de conscientização. Para ele, o tema
de maior importância a ser trabalhado é o da dominação, que leva ao seu contraponto, a
libertação, que passa a ser o objetivo a ser alcançado. Afirma também que os temas geradores
estão contidos em situações-limite e as contem e que as tarefas que eles implicam exigem
atos-limite (Freire, 2001).
Cabe neste momento uma observação de Freire (Freire, 2014b) a respeito do
radicalismo e do sectarismo. Ser radical para o autor significa ser crítico, enraizado, engajado
no esforço da transformação da realidade concreta e objetiva; ao contrário do sectarismo que é
castrador, fanático e alienante. Freire (2014b), no entanto, afirma que um radical pode se
tornar um sectário, um radical reacionário, quando só aceita a sua verdade sem possibilidade
79
de diálogo ou de contestação. Este sofre tanto quanto o sectário de “falta de dúvida”, ou seja,
ambos se encerram em seus “círculos de segurança” para se protegerem das dúvidas.
Para continuar a conversa com e sobre Paulo Freire, necessário se faz esclarecer seu
posicionamento sobre a relação opressor-oprimido, a que ele, o autor, chama de contradição
(Freire, 2014b). O opressor que é desumano e falsamente generoso, tem necessidade de
manter a “ordem”, o status quo, que o privilegia a qual se nutre da miséria do desalento e da
morte do oprimido. Este por sua vez ao se conscientizar e se lançar na busca da sua
humanidade pode através da generosidade verdadeira se libertar. Porém, o autor coloca que
apesar de esse ser um processo de conquistas que só pode partir do oprimido, alerta para o
fato de que o oprimido que “hospeda” o opressor em si, precisará de um grau muito maior de
conscientização, pois poderá correr o risco de se tornarem opressores ou subopressores. O
homem novo, o que se liberta do opressor, que não tem mais a sombra do opressor nele
introjetada, para Freire (2014b), é o homem que consegue se livrar da situação de opressão,
sem se tornar um opressor, ele mesmo, o que não tem medo da liberdade, pois esta não o
assusta, nem o faz se sentir perdido. Sobre o parto da liberdade e sobre a pedagogia do
oprimido, Freire (2014b) afirma:
Sua luta se trava entre eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou
não o opressor de “dentro” de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados.
Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores.
Entre atuarem ou terem s ilusão de que atuam na atuação dos opressores. Entre
dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar; no seu
poder de transformar o mundo.
Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de
enfrentar.
A libertação, por isso é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce
deste parto é um novo homem que só é viável na e pela superação da contradição
opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. (FREIRE, 2014b, p. 47-8).
Não obstante, Freire (2014b) afirma sobre o opressor que o fato de ele se descobrir na
posição de opressor, não significa que ele irá se solidarizar com o oprimido. O autor segue
dizendo que a solidariedade da parte do opressor em relação ao oprimido, não significa que há
uma mudança no opressor a ponto de este ter tomado consciência do oprimido e que vá lutar
por ele. A solidariedade verdadeira só se dará quando a luta acontecer com os oprimidos para
que a transformação ocorra. A solidariedade será verdadeira para com o oprimido só quando
for um ato de amor, quando o oprimido deixar de ser injustiçado e quando este conseguir
dizer a sua palavra.
80
Ao discorrer sobre a contradição opressor-oprimido Freire (2014b) defende o diálogo
e afirma que:
A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se
apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade
autêntica, humanística e não “humanitarista”, pode alcançar este objetivo. Pelo
contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo
camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo,
mantém e encara a própria opressão. É instrumento de desumanização. (FREIRE,
2014b, p. 56).
A respeito da liberdade e da libertação, Freire (2014b, p. 71-2) é categórico ao afirmar
que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão”, o que representa o caráter dialógico da pedagogia do oprimido. Esse diálogo, no
entanto, não deve ser o diálogo vertical, domesticador, ao contrário, ele deve ser e acontecer
para que se reconheça a vocação natural do homem de Ser Mais, o que o levará ao
engajamento.
Voltando-se para a educação, Freire (2014b) define como educação bancária, aquela
em que o educador se comporta como o detentor do saber e o educando é considerado
ignorante, assim como o opressor e o oprimido. Da mesma forma, a educação libertadora,
significa a superação da contradição educador-educando nessa relação antagônica, para que se
atinja o ideal de os dois se tornarem simultaneamente educadores e educandos. Sobre a visão
bancária da educação, Freire (2014b) afirma:
Não é de estranhar, pois, que nessa visão “bancária” da educação, os homens sejam
vistos como seres da adaptação, no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos,
tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua
inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 2014b, p.
83).
Da mesma forma poder-se-ia afirmar, então, que no momento em que o educador se
conscientizar que é também um aprendiz, ele mesmo poderá exercitar os educandos para que
eles possam também se ver como educadores, pois, ainda de acordo com o autor, a educação
bancária vem alterar a noção de que os marginalizados ficam de fora. Para ele:
Na verdade, os marginalizados, que são sempre os oprimidos, jamais
estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os
transforma em “seres para o outro”. Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em
“incorporar-se” a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que
possam fazer-se “seres para si”. (FREIRE, 2014b, p. 84-5, grifo do autor).
81
3.3. PAULO FREIRE POR ELE MESMO: A SUA VOZ
Há que se admitir, que a tecnologia pode, sim, ser de muita utilidade para o ser
humano. Não podemos negar isso, principalmente porque vivemos num mundo em que a
tecnologia invade todos os espaços. Positivo é o uso que podemos fazer dela para resgatar e
vivenciar fatos, rever pessoas, ou vê-las depois que elas já se foram deste mundo. Textos,
fotos, gravações, e vídeos. Vídeos podem nos aproximar de fatos ou de pessoas e
proporcionar um encontro que não foi possível pessoalmente. Esse foi o sentimento que me
levou à busca, na rede da Internet, de vídeos em que eu pudesse ouvir a voz de Paulo Freire e
entrevistas em publicações em que sua voz foi ouvida. Por ser a audição, o sentido que me
impacta de uma forma impar, precisava ouvir Paulo Freire.
3.3.1. Entrevistas em vídeo
Para uma educadora que ensina uma língua estrangeira, a habilidade de ouvir tem uma
importância relevante. Portanto, as entrevistas em vídeo em que se pode ouvir a voz de Paulo
Freire constituem-se num instrumento muito valioso e significativo.
Ouvi Paulo Freire assegurar que há uma enorme diferença entre adaptação e inserção
do homem no mundo. Adaptar-se está relacionado às condições climáticas, materiais,
históricas, sociais, enfim, refere-se ao ajuste do corpo. Inserir-se está relacionado à tomada de
decisão no sentido de intervir no mundo e que rejeita posições fatalistas, pois para ele, a
realidade está sempre submetida a possibilidades de intervenções do homem.
Ouvi Paulo Freire explicar que somos seres inacabados. Porém, inacabados de forma
diferentes dos outros bichos e das plantas, e que, ao tomarmos consciência deste
inacabamento seria contraditório não nos inserirmos numa busca, por ele chamada de busca
de busca do Ser Mais. Afirmou também que esta busca é uma luta constante entre o “ser” e
“deixar de ser”. O Ser Mais exige uma posição de constante escuta e leitura crítica do mundo
e da realidade ao nosso redor.
Sobre a transcedentalidade e a “mundanidade”, Paulo Freire verbalizou:
Eu me situo entre, entre os que, primeiro entre os que creem na transcedentalidade.
Em segundo, eu me situo entre aqueles que crendo na transcedentalidade não
dicotomizam a transcedentalidade da mundanidade. Em primeiro lugar, até do ponto
de vista do próprio senso comum, eu não posso chegar lá, a não ser a partir de cá, e
se cá, se aqui é exatamente o ponto em que eu me acho para falar de lá, então é
daqui que eu parto e não de lá. Eu respeito o direito que ele tem de dicotomizar, mas
eu não aceito a dicotomia. Quer dizer, então, isso coloca a questão da minha fé, da
minha crença, que indiscutivelmente interfere na minha forma de pensar o mundo.
(FREIRE, 1997, TV PUC de São Paulo).
82
Ouvi Paulo Freire dizer que nunca precisou de argumentações de natureza científicas e
filosóficas para se justificar na sua fé. E que a realidade dura dos favelados e camponeses, a
dura realidade que os levava a uma adaptação e a não-inserção no mundo, o remeteu a Marx.
Porém, quanto mais lia Marx, mais se aproximava de Cristo.
Paulo Freire também contou em entrevista que
É que quanto mais, quanto mais eu li Marx, tanto mais eu encontrei uma certa
fundamentação objetiva para continuar camarada de Cristo. Então, a, as leituras que
eu fiz de Marx, de alongamentos de Marx, não, não tive(ram), não me sugeriram
jamais que deixasse de encontrar Cristo na esquina das próprias favelas. Eu fiquei
com Marx na mundanidade a procura de Cristo na transcedentalidade. (FREIRE, TV
PUC de São Paulo, 1997).
Sobre o exílio e sobre cultura Paulo Freire declarou:
O meu tempo no exílio foi um tempo de intenso, de intensa aprendizagem, quer
dizer, eu aprendi muito durante o exílio. Mas não é fácil, é uma aprendizagem difícil
porque é uma aprendizagem que você faz longe da sua realidade, do seu contexto,
longe de sua família, de seus amigos, do cheiro do chão, da cor das nuvens, do gosto
da comida, e não é fácil a gente aguentar essa, essa saudade grande. Mas eu aprendi
desde muito cedo no exílio uma coisa fundamental, que é, a primeira coisa que eu
aprendi no exílio é de que não é possível fazer juízos de valor para culturas, quer
dizer, a cultura você entende, você, você procura entender, você procura perceber a
diferença entre a forma de estar sendo do chileno e a nossa de brasileiros, a do
genebrino, onde eu morei também, a dos Estados Unidos, do americano, e a nossa,
mas não cabe à gente dizer que no Brasil isso é melhor, o Brasil é melhor do que
aqui, o Brasil é melhor do que aqui. Não dá, porque é simplesmente diferente, não é
melhor, nem é pior. (FREIRE, TV Cultura, 1989).
Sobre o direito de continuar conhecendo Paulo Freire pronunciou:
Olha, eu acho, para concluir, eu acho que isso é um direito dos jovens, um direito
nosso, dos jovens, como dos velhos, também, como dos velhos que não se deixam
envelhecer: o direito de continuar conhecendo, o direito de continuar curioso. Por
exemplo, eu, eu, apesar da minha idade, eu tenho horror, principalmente por que eu
me sinto muito moço, eu tenho horror a dar conselho, não dou nem a meus netos,
mas se eu tivesse de dar um conselho a vocês aqui hoje, seria, seria exatamente o
seguinte: primeiro, não deixem morrer em vocês os jovens que vocês estão sendo e
os meninos e meninas que vocês foram. Segundo, por isso mesmo não permitam
matar em vocês a curiosidade permanente diante do mundo. (FREIRE, TV Cultura,
1989).
Sobre o direito da pergunta Paulo Freire respondeu:
83
Olha, eu acho que em primeiro lugar, a pergunta, esta pergunta é absolutamente
legítima. Eu acho que é um direito. O direito à pergunta, foi por causa do direito à
pergunta que eu fui preso e depois fui exilado, quer dizer, eu me bato por isso, pelo
direito de todo mundo. (FREIRE, TV Cultura, 1989).
Sobre algumas de suas escolhas Paulo Freire comunicou:
Eu não sou anticomunista no sentido, nesse sentido medieval, de considerar que
comunista come gente, de rosbife. Mas também não sou comunista, quer dizer, eu
sou, porém, um socialista, eu acredito no socialismo, eu acredito na participação
popular, eu acredito na transformação do mundo realizada, sobretudo, por aqueles e
por aquelas que se encontram desprovidos ou roubados no seu direito de ser.
(FREIRE, TV Cultura, 1989).
Ouvi Paulo Freire esclarecer que é um socialista cristão, que respeita diferenças,
acredita que se possa mudar o mundo.
3.3.2. Entrevistas em publicações
Em 1974, Paulo Freire concedeu uma entrevista a Barry Hill, quando foi mais uma vez
questionado sobre sua posição a respeito de sua religiosidade e sua opção de trabalhar com
ideias Marxistas. Paulo Freire diz que encontra Deus, seu colega, ao encontrar pessoas.
Hill: You are a Christian who uses Marxists ideas. How do you resolve the two?
Freire: I always receive this question. For me – no problem. Since I was a very
young man, very naïve, I have not accepted that being a Christian means that a man
must be a reactionary…
Another thing: I had a very difficult childhood. I experimented hunger. I know what
it means to be hungry… I always say to be hungry is when you don’t know when
you next can eat.
I had to hunt, to fish, to \kill birds with my sling shot. And yet there were two things
I never had; first of all I never thought that God was responsible for death. And,
second, I never lost sense of intimacy with God – as a kind of colleague, not as a
kind of master…
When I was a young man, I went to the people, to the workers, the peasants,
motivated, really, by my Christian faith. At that time, when I was very young – 20 or
21 years – I talked with the people I learned how to speak with the people – the
pronunciation, the words, the concepts. When I arrived with the people, the misery,
the concreteness, you know! But also the beauty of the people, the openness, the
ability to love which the people have, the hope of the people, the friendship…
The obstacles of this reality sent me – to Marx. I started reading and studying. It was
beautiful because I found in Marx a lot of things the people had told me – without
being literate. Marx was really a genius. But when I met Marx I continued to meet
Christ on the corners of the street – by meeting the people. (FREIRE, HILL, 1974).8
8 Hill: Você é um cristão que usa marxistas idéias. Como você resolve os dois?
Freire: sempre me fazem esta pergunta. Para mim - não há problema. Desde que eu era um homem muito jovem,
muito ingênuo, eu não aceito que ser cristão significa que um homem deva ser um reacionário ...
84
Paulo Freire em seu “passeio” entre o Cristianismo e o Marxismo pode confundir aos
que, superficialmente, olham para sua obra e práxis. O Personalismo, cuja figura principal se
faz em Emmanuel Mounier (1905-1950), “quer ser equidistante do cristianismo e do
socialismo para se tornar uma síntese de ambos” (Nielsen Neto, 1985, p. 207). A
característica principal do Personalismo é destacar os valores da pessoa, é uma filosofia da
ação (Nielsen Neto, 1985). Amorin (2010) destaca o papel da pessoa no Personalismo:
A pessoa, segundo o personalismo, surge como uma presença voltada para o mundo
e para as outras, sem limites, misturadas com elas numa perspectiva comunitária. As
outras pessoas não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os
outros, não se conhece senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. A
experiência primitiva da pessoa é a experiência da segunda pessoa. (AMORIN,
2010, p. 55).
A Teologia da Libertação que surge e se desenvolve na América Latina em um
processo histórico articula duas realidades históricas: a realidade sociopolítica e a realidade
cristão-eclesial. Na dimensão sociopolítica foi um movimento popular que despertou os
oprimidos para a conscientização e contribuiu para sua organização para lutar contra a
pobreza, surgindo em Cuba em meados da década de 50. Na dimensão cristão-eclesial foi um
movimento que deu início, no Brasil também em meados da década de 50, às CEBs
(Comunidades eclesiais de Base), que propiciavam um lugar de conscientização dos cristãos
em face de problemas sociais e eclesiais. Conscientização, luta pelos oprimidos, como poderia
Paulo Freire não se aproximar deste movimento?
Neste sentido, Paulo Freire se aproxima tanto do Personalismo como da Teologia da
Libertação numa dimensão de alteridade. Marxista ou/e Cristão, para Paulo Freire o que
Outra coisa: eu tive uma infância muito difícil. Eu experimentei a fome. Eu sei o que significa passar fome ... Eu
sempre digo passar fome é quando você não sabe quando você vai poder comer outra vez.
Eu tive que caçar, pescar, matar pássaros com meu estilingue. Mas, ainda havia duas coisas que eu nunca tive:
primeiro, eu nunca pensei que Deus era responsável pela morte. E, em segundo lugar, eu nunca perdi sensação
de intimidade com Deus - como uma espécie de colega, não como uma espécie de mestre ...
Quando eu era jovem, eu fui para o povo, para os trabalhadores, os camponeses, motivado, realmente, por minha
fé cristã. Naquela época, quando eu era muito jovem – 20 ou 21 anos – eu falava com as pessoas, eu aprendi a
falar com as pessoas - a pronúncia, as palavras, os conceitos. Quando eu me aproximei do povo, a miséria, a
concretude, você sabe! Mas também a beleza das pessoas, a abertura, a capacidade de amar que as pessoas têm, a
esperança do povo, a amizade ...
Os obstáculos dessa realidade me levaram à Marx. Comecei a ler e estudar. Foi lindo, porque eu encontrei em
Marx um monte de coisas o povo tinha me dito - sem ser alfabetizada. Marx era realmente um gênio. Mas,
mesmo depois de ter conhecido Marx, eu continuei a encontrar Cristo nas esquinas das ruas ao me encontrar com
as pessoas. (Tradução da autora).
85
importava era olhar e ver o outro, assim como, olhar e ver-se no outro, e sem perder-se de si
mesmo ir ao encontro do outro como se fosse encontrar-se a si mesmo.
Moacir Gaddotti resume bem o “passeio” de Paulo freire entre estas correntes,
aparentemente, antagônicas:
Como pensador de esquerda, Paulo Freire acredita que ser cristão não é ser
reacionário, e ser marxista não significa ser um burocrata desumano. Os cristãos
devem rejeitar a exploração.
Assim se inicia sua prática, que encontra impulso no movimento socialista cristão
das décadas de 50 e 60. A consciência política dessa prática o fez perceber que se
tornara político por ser educador e por ser cristão. Isto é, era inviável que, sendo
cristão, fosse neutro, da mesma forma como era inviável ser neutro enquanto
educador. (GADDOTTI, 1989, p. 79).
Voltemos à entrevista concedida a Barry Hill em 1974. Paulo Freire fala sobre a
possibilidade de as suas ideias aplicadas em uma sociedade no mundo, e não apenas na
América Latina:
Hill: Which aspects of your work are relevant to a Western industrial democracy
like Australia?
Freire: The problem of the manipulation of consciousness – of the alienation of us
under the impact of the different ways we have in this kind of society to manipulate
so-called public opinion. In this kind of society we have the feeling that we are free,
but, we are not. We are conditioned every minute, every day by what the television
says. […].
One of my points of emphasis is how to work against it. […]
Another point is the systematic education we have in the so-called First World. This
is the education I criticised as “banking education”. It’s very common. Of course, I
was criticising education in Latin America, but I also knew I was criticizing
education in the U.S. in the last analysis when we think of education we have to
think of power. Education is a political act […]. (FREIRE, HILL, 1974).9
Ainda nesta mesma entrevista Paulo Freire desmistifica a “revolução”:
Look, first of all I think we cannot idealise revolution. One of your tendencies is not
to think of the injustices we have in bourgeois society – of the number of people
who did not eat today or the number of children who did not go to school but to
think instead of the distortions of the revolution […]
9 Hill: Quais aspectos do seu trabalho são relevantes para uma democracia industrial ocidental como a Austrália?
Freire: O problema da manipulação da consciência - da alienação sob o impacto das diferentes maneiras que
temos neste tipo de sociedade para manipular a chamada opinião pública. Neste tipo de sociedade temos a
sensação de que somos livres, mas, nós não somos. Somos condicionados a cada minuto, a cada dia com o que
diz a televisão. [...]. Um dos meus pontos de ênfase é como trabalhar contra ele. [...]
Outro ponto é a educação sistemática que temos no chamado Primeiro Mundo. Esta é a educação que eu tenho
criticado como "educação bancária". É muito comum. Claro, eu estava criticando a educação na América Latina,
mas eu também sabia que eu estava criticando a educação nos EUA, em última análise, quando pensamos em
Educação, temos de pensar em poder. A Educação é um ato político... (Tradução da autora)
86
Secondly, our tendency is to idealise, to think of the revolution as something
spiritual. I always say revolution cannot create paradise. Revolution is history within
history. Revolution is made by human beings and not by angels and God […].
(FREIRE, HILL, 1974).10
Em dezembro de 1978, Paulo Freire foi entrevistado por Claudius Ceccon e Miguel
Paiva, em Genebra. Ressalto dessa entrevista, a fala de Paulo Freire em que ele se diz
universal porque é profundamente brasileiro:
Claudius: De Recife para o mundo.
Freire: Não como a Rádio Jornal do Comércio. Mas é preciso também que se
explique isso, porque parece muita falta de modéstia, um treco profundamente
cabotino, falar de minha universalidade, como se eu fosse aqui um cara que se pensa
um homem do mundo, no sentido que se dá, quando se diz isso. Não, o que eu quero
dizer é que sou, existencialmente, um bicho universal. Mas só sou porque sou
profundamente recifense, profundamente brasileiro. Eu sou capaz de querer bem,
enormemente, a qualquer povo. (CECCON, 1978).
Em setembro de 1991, depois de sua experiência como Secretário da educação da
cidade de São Paulo, Paulo freire em entrevista para Cadernos de Ciência, reafirma sua
posição de que educar é um ato político, sem precisar ser partidário e democrático.
Antes mesmo de ter tido a extraordinária experiência na secretaria, eu já sabia de
algumas coisas, que foram reforçadas nos meus dois anos e meio neste cargo. A
primeira é que a educação é um ato político. Não há pratica educativa indiferente a
valores. Ela não pode ser indiferente a um certo projeto, desejo ou sonho de
sociedade. Ninguém é educador por simples acaso. Ninguém forma por formar. Há
objetivos e finalidades, que fazem com que a prática educativa transborde dela
mesma. Isso não quer dizer que a educação seja uma prática partidária. Eu não
poderia fazer, nem fiz, uma administração que pretendesse impor às crianças, aos
educadores e a toda rede municipal, os mesmos sonhos pelos quais eu me fiz
militante fundador do PT. Isso tem a ver com a ética que a política exige. O partido
é apenas o veículo através do qual seus militantes procuram viabilizar os sonhos e
ideais do seu partido. Quando eu entrei para a secretaria, eu já sabia também que a
educação, na minha opinião, é uma prática democrática através da qual educadores
e educandos tiram as vendas dos olhos para melhor verem a realidade. (FREIRE,
1991).
É relevante neste ponto deixar claro que a posição e ponderações da pesquisadora a
respeito de Paulo Freire, sua obra, ideias e conceitos vão além do olhar político partidário que
10
Olha, primeiro de tudo eu acho que não podemos idealizar a revolução. Uma das suas tendências é não pensar
nas injustiças que temos na sociedade burguesa - o número de pessoas que não comeram hoje ou o número de
crianças que não foram à escola, mas em vez disso, pensar nas distorções da revolução ...
Em segundo lugar, a nossa tendência é idealizar, é pensar na revolução como algo espiritual. Eu sempre digo que
a revolução não pode criar o paraíso. Revolução é a história dentro da história. Revolução é feita por seres
humanos e não por anjos e por Deus ... (Tradução da autora)
87
se possa ter a respeito e em respeito ao autor. Nesta pesquisa ao me referir a Paulo Freire e
“política” não faço referência à política partidária.
3.4. PAULO FREIRE E O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA
Uma educação eficaz apoia-se inteiramente na razão, na religião e na bondade.
João Bosco
Sem afeto não há confiança e sem confiança não há educação.
João Bosco
Recorro a Paulo Freire (2001) para dentro do grupo dos opressores, destacar uma
posição na qual penso que me encontro e faço esforço para nela continuar:
[...] encontramo-nos frente a uma questão de grande importância: o
fato de que alguns membros da classe dos opressores unam-se aos
oprimidos em sua luta pela liberdade, deslocando-se assim de um pólo
da contradição a outro. Seu papel é e foi fundamental durante toda a
história deste combate. (FREIRE, 2001, p. 70).
Como viver a forma de pensar de Paulo Freire na realidade do cotidiano? Onde me
colocar – no grupo dos opressores ou dos oprimidos? Sobre a relação opressor-oprimido
Paulo Freire (2014b) afirma que:
A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma
outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os
oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem
sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma
forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam de fato
opressores dos opressores, mas restaurados da humanidade em ambos. Eis ai a
grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si mesmos e aos
opressores. (Freire, 2014b, p. 41).
Seria interessante aqui uma leitura da relação opressor-oprimido, descrita por Paulo
Freire (2014b), sob a ótica de Buber (2001):
Não há Eu em si, mas apenas o eu da palavra-princípio Eu-Tu e o Eu da palavra-
princípio Eu-Isso.
Quando o homem diz Eu, ele quer dizer um dos dois.o Eu ao qual se refere está
presente quando ele diz Eu. Do mesmo modo quando ele profere Tu ou Isso de uma
ou outra palavra-princípio está presente.
88
Ser Eu, ou proferir a palavra Eu são uma só e mesma coisa. Proferir Eu ou proferir
uma das palavras-princípio são uma ou a mesma coisa.
Aquele que profere uma palavra-princípio penetra nela e permanece. (BUBER,
2001, p. 51-2).
A relação entre os seres para Freire (2014b), quando se refere ao opressor e ao
oprimido é de total ruptura e distanciamento. A possibilidade de aproximação viria da
humanização entre eles. Na visão de Buber (2001) a relação entre os seres só será completa
quando um olhar para o outro e ver um ser humano – relação Eu-Tu, e não uma coisa –
relação Eu-Isso. Quando opressor e oprimido se olham como seres humanos se reconhece o
respeito e uma relação de alteridade entre eles. Porém se um olhar para o outro de forma
invasiva, estarão vendo no outro uma coisa – a relação não será entre um ser humano e outro,
e sim entre uma coisa e outra, pois nenhum deles neste momento poderia ser chamado de ser
humano na medida em que estão explorando seu próximo. Se contextualizarmos esta situação,
é importante destacar que a definição sobre quem é o opressor ou o oprimido numa sociedade
pode gerar discussões, pois o ser humano desempenha diferentes papeis na sociedade e dentro
desses papeis poder ser ao mesmo tempo opressor e oprimido dependendo de que aspecto se
toma como referência. A possibilidade de rompimento e mudança de paradigma, ou seja, de
mudança de posição e de sentidos do ser humano poderia vir conscientização de seu papel nos
diferentes momentos da vida.
A busca por práticas educativas que cultivem a autonomia e o protagonismo no âmbito
de uma escola privada é, portanto, a busca pelo despertar para o outro, para a alteridade. O
fato de se estar no grupo dos opressores ou dos oprimidos não predestina o homem a ser um
opressor ou oprimido para sempre, pode determinar, mas não predestinar.
Eu me situo entre, entre os que, primeiro entre os que creem na transcedentalidade.
Em segundo, eu me situo entre aqueles que crendo na transcedentalidade não
dicotomizam a transcedentalidade da mundanidade. Em primeiro lugar, até do
ponto de vista do próprio senso comum, eu não posso chegar lá, a não ser a
partir de cá, e se cá, se aqui é exatamente o ponto em que eu me acho para falar
de lá, então é daqui que eu parto e não de lá. Eu respeito o direito que ele tem de
dicotomizar, mas eu não aceito a dicotomia. Quer dizer, então, isso coloca a questão
da minha fé, da minha crença, que indiscutivelmente interfere na minha forma de
pensar o mundo. (FREIRE, 1997, TV PUC de São Paulo, grifo nosso).
Se transportarmos a fala de Paulo Freire (1997) sobre a transcedentalidade e a
mundanidade para a relação opressor-oprimido, descrita acima, poderíamos dizer que um não
chegará ao outro se não transcender, se não olhar para e com o outro, se não despertar para o
outro e deixar-se ver pelo outro ou poderíamos dizer “transbordar com e no outro”.
89
Há outras ideias de Paulo freire que fortalecem esse posicionamento nas práticas
educativas:
3.4.1. Relação dialógica e a busca do Ser Mais
Freire (2013a) coloca a relação dialógica como prática fundamental à natureza humana
e à democracia. Porém antes mesmo de abordar o tema, discorre sobre como
fenomenologicamente aborda seu objeto de estudo, neste momento, o diálogo, ou seja, expõe
sua tática de tomar uma distancia epistemológica do objeto, “cercando-o”, tomando-o em suas
mãos para apreendê-lo e compreendê-lo. Neste “cerco”, o autor percorre ideias como o
inacabamento do ser humano e a consciência deste inacabamento, a busca pelo Ser Mais, e a
esperança – sem a qual não teria sentido a consciência do estado de inconclusão. Sem
esperança não buscaríamos Ser Mais.
A propósito do Ser Mais, Freire (2013a) aponta a educabilidade do ser humano, e a
propósito da educabilidade do ser humano, o autor defende que o ser humano seja consciente
dela, pois só assim este poderá se tornar consciente de si mesmo e do mundo, assim como
dele no mundo, caso contrário, a tendência seria o adestramento ou o cultivo, próprios de
animais e de plantas. Acrescenta que na condição de estar no mundo, da consciência de si
mesmo e do outro em si mesmo e no mundo há uma experiência carregada de sentimentos,
emoções, desejos que captam o mundo que onde o “eu” se encontra. Essa tomada de
consciência, para o autor, deve estar inundada de curiosidade. Ser curioso neste contexto
significa estar aberto sensivelmente ao mundo, ao ser desafiado e estimulado sentir-se curioso
de compreensão. O autor defende a Pedagogia da Pergunta, uma forma de educação da
curiosidade, que ele define:
Interessa-nos aqui a curiosidade ao nível da existência. Esta disposição permanente
que tem o ser humano de espantar-se diante das pessoas, do que elas fazem, do que
elas dizem, do que elas parecem; diante dos fatos, dos fenômenos, da boniteza, da
feiura, esta incontida necessidade de compreender para explicar, de buscar a razão
de ser dos fatos sem ou com rigor metódico. (FREIRE, 2013a, p. 133).
No âmbito escolar, a Pedagogia da Pergunta seria não apenas um desafio para os
educadores na sua forma de ensinar, ela seria também um desafio ao próprio educador, de ser
um curioso – um ser curioso que naturalmente fará curiosos os seus educandos- a expressão
usada por Freire (2013a, p. 137) é “partejar”; partejar a criticidade com o educando. Partejar a
criticidade com o educando significa não dizer a palavra ao educando, mas sim fazer com que
90
ele próprio encontre sua voz e palavra. A criticidade partejada por meio da curiosidade
descobre verdades ocultas que alienam (Freire, 2013a). Ao educador cabe a tarefa de refletir
sobre essas verdades ocultas em meio aos conteúdos que foram burocraticamente
determinados. A relação dialógica e não tagarela com o educando favorece a curiosidade, a
inquietação, possibilitando ao que pergunta saber por que razão pergunta. Porém, há uma
interessante forma de diálogo colocada por Freire (2013a) no âmbito escolar, no momento da
aula na relação educador-educando. O autor afirma que pode haver diálogo numa aula
expositiva, pois nesse caso pode, o educando, estar assimilando, registrando e processando o
que está sendo colocado pelo educador. Para que se estabeleça um diálogo entre eles não se
faz necessário produzir perguntas, o autor chama esse tipo de diálogo de invisível (Freire,
2013a), não porque ele não acontece, mas porque ele acontece sem necessidade de perguntas.
Esse diálogo vai frutificar em curiosidade.
Freire (2013a) coloca uma preocupação em relação à ausência da curiosidade
epistemológica nas práticas educativas, e em relação à redução da educação à pura técnica, na
qual a curiosidade não tem lugar, podendo não ir além do cientificismo distando-se da ciência.
É isso que se encontra no miolo, na substancia do discurso “pragmático”, sobre a
educação. A utopia da solidariedade cede seu lugar ao treino técnico para a pura
sobrevivência num mundo sem sonhos, pois que estes já “nos criaram demasiados
problemas”...
Se já não há mais classes sociais, se já não há ideologias, direita nem esquerda, se
tudo é quase igual, o que vale é treinar os educando para que se virem bem.
Treiná-los, e não formá-los. Treiná-los para que se adaptem, sem problemas, sem
protestos, pois que fazem mal os protestos, ao mundo. Os protestos agitam,
sublevam, torcem a verdade, desassossegam e se movem contra a ordem, contra a
paz, contra o silêncio necessário a quem trabalha, a quem produz. (FREIRE, 2013a,
p. 141-2).
Do outro lado estão o diálogo e a dialogicidade. Segundo Freire (2013a), estes se
tornam um antídoto para a anestesia a que esse processo de “treino” leva, e pode fazer com
que este “antídoto” seja desvelador, devolvendo ao ser humano a esperança na busca do Ser
Mais.
Para Ana Maria Araújo Freire (1999), a teoria pedagógico-política de Paulo Freire está
fundada na reflexão de sua escuta do povo, da interpretação do contexto histórico brasileiro,
partindo sempre de suas experiências e da convivência e sofrimento com o povo, da prática da
“escuta do outro”. Para Ana Maria Araújo Freire (1999), Paulo Freire exercitou a dialética
“escutar x refletir x engajar-se”, ou seja, prática-teoria-prática.
91
Paulo intencionalmente dirigiu sua consciência para a concretude do mundo
subjetivo – valorizando os sujeitos históricos – e do mundo subjetivo pela análise
séria e acurada da situação real de opressão da população recifense, nordestina,
brasileira, do mundo. Da opressão de classe, de cor, de religião, de idade, de sexo.
Das ditas minorias, na realidade, da maioria. (FREIRE, 1999, p. 147).
Segundo a mesma autora (1999), na teoria de Paulo Freire, há a intencionalidade no
uso da razão e da emoção, instaurando com essa dialética o que a autora chama de “par
transformador: criticidade x humanismo” (FREIRE, 1999, p. 147), que para ela possibilitam
uma leitura consciente de mundo de um maior número de pessoas.
A teoria do conhecimento de Paulo, portanto, enfatiza e valoriza, entre outras coisas,
essas categorias: esperança e libertação. Afirma que se somos um devir, um ser
completando-se, um ser, que acreditando ou não, está incessantemente fazendo-se na
e com a história ao fazê-la e que, portanto, não é um ser determinado, pronto,
acabado, mas uma possibilidade de ser, tal qual a história mesma; somos então,
necessária e ontologicamente, seres capazes de sonhar, de olhar para o futuro, o que,
em última instância, ou em outras palavras, é ter esperança. Esperança em algo. Em
algum projeto que nada mais é do que a utopia. (FREIRE, 1999, p. 150).
3.4.2. Educação bancária e educação problematizadora
Em sua pedagogia do oprimido, Paulo Freire (2014b, p.48) classifica o processo de
libertação como um “parto doloroso”, do qual surge um homem que supera a contradição
opressor-oprimido.
A educação bancária, segundo Freire (2014b) é a visão da educação que perpetua o
homem na situação de ajustado e adaptado aos interesses dos opressores, busca transformar o
educando em um simples depositário de ideias, sem consciência de si mesmo nem de sua
realidade. Portanto, desse processo não se espera formar sujeitos autônomos, apenas
indivíduos passivos.
Para contrapor essa visão bancária de educação, Freire (2014b) propõe a educação
problematizadora, de caráter reflexivo, que implica num constante desvelamento da realidade
e conta com educadores e educandos investigadores críticos em constante diálogo e
possuidores de uma curiosidade epistemológica, uma curiosidade que move e contribui no
movimento da superação da contradição opressor-oprimido.
Indignado, Paulo Freire (2014a), deixa claro que não haveria porque falar de educação
se os homens e mulheres não vissem a possibilidade de mudança. Alerta sobre o discurso da
impossibilidade de se mudar o mundo, afirmando que este é o discurso de quem se acomodou
no mundo e desistiu da possibilidade de mudá-lo ou de quem tem interesse na manutenção do
92
mundo como está. Para Paulo Freire (2014a) posições fatalistas adicionadas à aspectos
condicionantes do ser humanos são confundidos com determinismos, o que pode gerar seres
inertes, pois diante da determinação, nada há para se fazer para mudar o status quo. Diante
deste quadro, o autor (2013a) defende a liberdade conquistada por meio de luta consciente, a
liberdade com a qual podemos “ser mais” e “ser no mundo”. Porém alerta que quanto mais
imersos na realidade que não pode ser mudada e mais anestesiados historicamente os homens,
tanto menos futuro se poder esperar para estes homens, pois vêm o presente como um ponto
final em sua história, ou seja, nada mais será possível fazer para sair da situação em que está
inserido. Práticas educativas significativas e problematizadoras podem contribuir para a
mudança deste estado de inércia para um estado de consciência que pode levar à autonomia e
protagonismo.
3.4.3. Invasão cultural
Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam. Esta é uma
exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais
egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental –
repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-
se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o
qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder.
Para a prática “bancária”, o fundamental é, no máximo, amenizar esta situação,
mantendo, porém, as consciências imersas nela. Para a educação problematizadora,
enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante está em que os homens
submetidos à dominação lutem por sua emancipação. (FREIRE, 2014b, p. 105).
Dentro da teoria da ação antidialógica, Paulo Freire (2014b) destaca os aspectos da
conquista, da divisão e da manipulação para manutenção do status quo opressivo. Porém,
considera a invasão cultural a característica fundamental da teoria da ação antidialógica,
acrescentando que esta serve à conquista (Freire, 2014b). Segundo o autor, a invasão cultural
pode se dar lentamente ou não, e leva a cultura invadida a perder sua originalidade ou ficar
ameaçada de perdê-la, porque os invasores modelam e os invadidos são modelados. Para os
invasores há, segundo freire (2014b) a necessidade de que os invadidos tenham a sensação de
inferioridade perante o invasor, o reconhecimento da superioridade dos invasores e a mudança
de valores dos invadidos pelos dos invasores. Essa mudança de valores acentua a alienação
dos invadidos perante sua própria cultura, diante do seu próprio ser e estar sendo. Uma
identificação do eu oprimido com a do tu opressor acaba acontecendo, e apenas o
reconhecimento desta “identidade” e o distanciamento dela, com a objetivação da situação é
93
que a luta pela libertação poderá ocorrer. Para Freire (2014b) pode haver um tipo de invasão
cultural dentro da própria sociedade, pois sujeitos educados em sociedades opressoras,
famílias, lares, escolas, estão sendo educados para serem opressores nestes mesmos
ambientes. O autor cita Fromm:
Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua
potência, como diria Fromm, se não conseguem, na juventude, endereçar-se no
sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer,
alienados à autoridade e aos mitos de que lança mão esta autoridade para formá-las,
ou poderão vir a assumir formas de ação destrutiva. (FREIRE, 2014b, p. 209).
Freire acrescenta a esta “deformação” continua no ambiente escolar, e associa-se à
posição classista, ou seja, este tipo de educação forma profissionais que vão perpetuar essa
cultura, vão sentir-se convictos de que devem transferir, levar e entregar ao povo seus
conhecimentos (Freire, 2014b), são os que o autor chama de “sobredeterminados” pela sua
própria cultura. No ambiente escolar seriam os professores “donos da verdade”,
antidialógicos, os que acreditam que estão “fazendo o bem” para os educandos, pois estes são
incultos. Ocorre que, como aponta Freire (2014b, p. 210-211), alguns desses “opressores bem
intencionados” se dão conta de que o insucesso dos oprimidos se dá por conta de suas ações
invasoras que desconsideram os opressores e sua cultura. Neste momento, ele se dá conta de
que é necessário mudar. Freire (2014b) descreve esse momento como a descoberta de si
mesmo como oprimido e opressor, e que a necessidade de mudar sua ação para um quefazer
dialógico vem junto com o medo de se libertar. Para Freire (2014b), uma revolução cultural é
necessária antes que o poder se instale, para ele, profissionais de formação universitária
deveriam ser reeducados por essa revolução cultural. O resultado dessa revolução seria um
poder novo, não o que oprime, mas sim, o que liberta e transforma. Em relação ao
desenvolvimento que vem da transformação, Freire (2014b) afirma que nem toda
transformação vem seguida de desenvolvimento, ou seja, a transformação só acarretará o
desenvolvimento se as decisões e o movimento de transformação estejam no espaço e tempo
do invadido que se conscientiza e busca o ser mais e se tornam “seres para si”. Para a
mudança, Freire (2014b, p. 54-55) afirma que há a necessidade da objetividade do olhar para
o “não eu”, para além da “minha subjetividade”, para que se possa desvelar a realidade
objetiva e agir sobre ela, transformando-a.
94
3.4.4. A ética universal do ser humano e a ética do mercado
É preciso testemunhar a nossos filhos que é possível ser coerente, mais ainda, que ser
coerente é um sinal de inteireza de nosso ser. Afinal a coerência não é um favor que fazemos
aos outros, mas uma forma ética de nos comportar.
Paulo Freire
Em contraponto com a ética do mercado, que Freire (2014a) classifica como malvada
e inviabilizadora da democracia porque mesmo sendo praticada numa democracia, apenas
exerce o lucro, o autor reconhece a ética universal do ser humano.
A ética do mercado além de injusta e cruel perpetua o pensamento de que a mudança
não é possível, dissemina o determinismo, ou seja, não há o que fazer, a ano ser que algo
mágica aconteça e mude a realidade, seu discurso é fatalista, numa visão individualista. A
ética universal do ser humano, por outro lado, promove a luta pelos menos favorecidos, pelos
que não tem porque o ter de alguns não permitem que eles tenham. Contrária à visão
individualista do mundo do salve-se-quem-puder, a ética universal do ser humano
experimenta a solidariedade que liberta não o assistencialismo que oprime, e defende o direito
de ir e vir, o direito de dizer a palavra, o direito de ter voz (Freire, 2014a) O sonho de uma
sociedade mais justa, para Freire (2014a), nasce da utopia, do sonho que nos faz lutar, o sonho
que nos faz querer ter um mundo melhor, que passa pelo respeito ao que é público e pela
manutenção de valores.
Da mesma forma como o operário tem na cabeça o desenho do que vai produzir em
sua oficina, nós, mulheres e homens, como tais, operários ou arquitetos, médicos ou
engenheiros, físicos ou professores, temos também na cabeça, mais ou menos o
desenho do mundo em que gostaríamos de viver. Isto é utopia ou o sonho que nos
instiga a lutar. (FREIRE, 2014a, p. 154).
De acordo com Buber (2011) é preciso que o ser humano se contemple que encontre
seu caminho, mas que não termine a contemplação em si mesmo. o ser humano deve começar
a procurar caminhos para si mesmo e para o outro. Para o autor (2011) o ser humano deve
compreender-se, mas não deve ocupar-se apenas de si mesmo. Para Buber (2011),
O homem deve, em primeiro lugar, reconhecer que a situação de conflito entre ele e
os outros é apenas efeito de situações de conflito em sua própria alma; em seguida,
deve tentar superar esse seu conflito interno, para então poder ter com seus
próximos, como um homem transformado, pacificado, novas relações,
transformadas. (BUBER, 2011, p. 31).
95
A dicotomia opressor-oprimido vista sob a ótica da ética universal do ser humano
poderia superar a ética do mercado por meio do diálogo que uma educação problematizadora
consegue instaurar, fazendo com que o movimento entre os dois polos desta relação se torne
possível e consiga uma via de mão dupla. Neste diálogo talvez fosse possível um outro
diálogo. Um diálogo com o outro como ser humano e não como um instrumento de uso e
exploração. Poder-se-ia incluir nesta conversa a pergunta que vem permeando os contornos
desta pesquisa. A pergunta de Buber (2011): “Onde está você em seu mundo?”. Opressor e
oprimidos olhando uma para o outro e para si mesmos como seres humanos. Um olhar
simples, do dia-a-dia, um olhar como o de um “Bom Dia” de todos os dias. Um olhar
cotidiano, que tem que ser construído e cultivado a cada manhã e a cada encontro. O olhar que
traz a paz. Vicent Martínez Guzmán (2016), declarou em uma entrevista que “La paz no es un
asunto de héroes y santos, sino de gente común y corriente”.11
11
Tradução da autora: A paz não é um assunto de heróis e santos, mas de gente comum no dia-a-dia.
96
CAPITULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA EM MOVIMENTO
PORQUE EM CONSTRUÇÃO
Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é
porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante
antes da caridade.
Paulo Freire
Tenham coragem diante de sua fé e suas convicções. São os maus que devem temer diante
dos bons, e não os bons diante dos maus.
João Bosco
Espero que durante a fala eu possa desenvolver e argumentar em favor de uma tese
em relação a isso, qual seja, a de que a educação sócio-comunitária não é, pois está
sendo construída nas ações, nas práxis comunitárias e sociais que estão se
desenvolvendo. Para mim, então, a educação sócio-comunitária não existe, pois está
em construção. (MARTINS, 2006, p. 66).
A fala de Martins (2006) inquieta, impacta, e ao mesmo tempo instiga esta
pesquisadora. Inquieta, pelo sentimento de incompletude e inacabamento relacionado ao
conceito do campo da Educação Sociocomunitária. Impacta, pois essa pesquisa é
desenvolvida num programa de Pós-Graduação em Educação Sociocomunitária. No entanto,
instiga a pesquisadora a tentar cooperar na busca de referenciais teóricos que colaborem e
contribuam para sua sustentação. O caminho a ser percorrido neste capítulo será o de tentar
embasar a pesquisa dentro do campo teórico da Educação Sociocomunitária. Não teria a
pesquisadora se embrenhado por este campo se não tivesse se identificado com e nele. Para
buscar um referencial que fundamente a presente pesquisa dentro deste campo lançarei mão
das reflexões de Antonio (2013), Caliman (2006), Caro (2006), Cruz (2015), Evangelista
(2013, 2015), Gomes (2008), Groppo (2010), Morais (2006), Martins (2006), Paulo Freire
(2013b, 2014) e Soffner (2013) principalmente. Antes de iniciar as reflexões, porém, seria
interessante retomar a ideia do inacabamento do conceito da Educação Sociocomunitária. Se
este conceito está em construção, está ainda inacabado, portanto, identifica-se com o ser
humano, que segundo Paulo Freire (2014b) é um ser inacabado, inconcluso em e com uma
realidade que sendo histórica também é inacabada. Teríamos aqui um ponto de identificação
– refiro-me ao campo da Educação Sociocomunitária e o ser humano e seu aspecto
97
comunitário e social. É importante salientar também que o campo da Educação
Sociocomunitária é aberto às mais diferentes vozes e que por este mesmo motivo há dentre
os que lutam pelo seu estabelecimento como um campo da ciência acadêmica, diferentes
vozes, como por exemplo, a de Martins, que é marxista e a de Morais que não comunga do
mesmo pensamento.
4.1. UM CAMINHO A PERCORRER
Não é possível falar em educação sem falar de escola e escolarização. Porém, a
educação não se dá apenas no contexto escolar. Caro (2006), cita Trilla (1993), quando se
refere a essa educação que se dá fora da escola classificando-a como uma complementação às
demais formas de se educar. Ainda citando Trilla, Caro (2006) aponta que a educação é uma
realidade complexa, heterogênea e versátil e que na tentativa de se classificar diferentes tipos
de educação, busca-se denominações para acolher as diversas formas de se educar, citando a
educação formal, a educação não-formal e a educação informal destacando que:
Quando se distingue a educação informal, formal e não-formal, em princípio, a
distinção está fazendo referência àquele que educa, ao agente, à situação ou à
instituição, onde se situa o processo educativo. Essa classificação não se completa,
como todas as possibilidades do universo educativo; é somente uma tentativa de
marcar fronteiras, que vêm gerar outras discussões. Essa distribuição dos setores
formal, não-formal e informal encobre a relação e a hierarquia lógica entre elas.
(CARO, 2006, p. 19-20).
Em seu texto, Caro (2006) recorre a autores que se referem à educação que acontece
fora da escola, ora como informal, ora como não-formal.
Em relação à educação formal e informal, Caro (2006) pauta-se em Fermoso (1994) e
Afonso (1992).
A distinção entre a educação formal e a informal, para Fermoso (1994), consiste nos
estímulos com que se atua sobre os seres humanos para ajudá-los a se
desenvolverem melhor. A educação informal é produto, de modo principal, ainda
que não exclusivo, da família e dos meios de comunicação de massas, verdadeiros
agentes socializadores. E Afonso (1992) define a educação informal como todas as
possibilidades educativas, no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo
permanente e não organizado. (CARO, 2006, p. 20).
Definir educação formal, portanto, seria relativamente simples, ou seja, educação
formal é aquela que se dá dentro da escola. A escola que se iniciou com a Revolução
98
Industrial, no século XIX, aquela que preparava o homem para trabalhar nas fábricas, e que
hoje prepara o homem para o mercado de trabalho.
Infelizmente (Ou seria felizmente?), não é tão simples assim definir educação formal
se pensarmos nos reflexos desta na sociedade. Para Caro (2006), a educação formal, a que
acontece na escola, seria uma forma de preservar os interesses da sociedade que a mantém e
seus programas, que comumente, são avanços repetitivos e inadequados à realidade cultural.
A autora da presente pesquisa diria que, felizmente, não é tão simples definir a educação
formal porque podemos ter esse olhar para ela, ou seja, um olhar crítico que permite refletir
sobre ela.
Caro (2006) ressalta diferenças entre a educação formal e não-formal que vão além da
localidade onde se dão. Educação formal é a que é definida por cada país, é regida pelas leis e
outras disposições administrativas, é graduada e hierarquizada. A educação não-formal, no
entanto, tem procedimentos e instâncias que rompem com determinações que caracterizam a
escola, ou a educação formal. Caro (2006) considera a educação não-formal mais flexível que
a educação formal:
A educação não-formal costuma ser mais hábil, flexível, versátil e dinâmica que a
formal. Nasce como uma contribuição ao atendimento daqueles que se encontram
excluídos de qualquer proteção necessária para seu desenvolvimento.
A educação não-formal visa contribuir para a formação integral do indivíduo,
envolvendo o crescimento pessoal, a consciência da cidadania e a possibilidade de
sua inserção na sociedade. Enfim, esta educação consiste em um modo de educar
voltado aos interesses e necessidades dos educandos num ambiente adaptado ao
aluno, à sua cultura e ao seu meio social. (CARO, 2006, p. 22-3).
Caro (2006) reflete sobre a educação que ocorre na escola e sobre a escola:
Quando falamos em educação, sempre nos referimos àquela que ocorre dentro da
escola. Parece ser a escola a única responsável pelo desenvolvimento integral do
indivíduo, portanto também a única responsável pelo fracasso da educação. (CARO,
2006, p. 19).
Mais adiante, Caro (2006) ainda afirma que:
Quando se fala em educação, seria muito simplista reduzi-la à educação escolar, pois
se observa somente uma parte da realidade. A escola não é a reserva natural da
formalidade e do rigor pedagógico. Como dizem Petrus et al (2000), a educação é
global, é social e se dá ao longo de toda a vida. O objetivo da educação é capacitar
para viver em sociedade e comunicar-se, porém, é preciso admitir que, em algumas
ocasiões, a escola adota uma certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas
sociais dos alunos. (CARO, 2006, p. 21).
99
Essa crítica refere-se ao modo como essa educação, a formal, pode funcionar nas
sociedades latino-americanas, onde segundo a autora a educação ainda é um processo vertical
que pode acarretar num processo de arquivamento do que é depositado (Caro, 2006, p. 21).
Neste processo quem é arquivado é o próprio homem, que se torna incapaz de criar e de
transformar, porque se transforma em um objeto.
Poderíamos, neste momento, fazer uma volta ao passado, ao século XIX, quando as
escolas foram agregadas às fábricas para preparar o homem que nelas iriam atuar. As fábricas
que foram responsáveis pela perda de referência e identidade deste homem que até então tinha
total conhecimento e domínio do processo de produção, que era artesanal. Um processo que
lhe permitia intervir, criar e que lhe concedia uma identidade e a possibilidade de aprender.
Manacorda (1989) bem coloca este processo:
Acontece, de fato, que o desenvolvimento industrial, tornado possível pela
acumulação de grandes capitais, graças à exploração dos novos continentes
descobertos, e de grandes conhecimentos científicos voltados não somente para o
saber, mas também para o fazer, traduz-se, do ponto de vista do artesão das
corporações, num longo e inexorável, processo de expropriação. Ao entrar na fábrica
e ao deixar a sua oficina, o ex-artesão está formalmente livre, como capitalista,
também dos velhos laços corporativos; mas, simultaneamente, foi libertado de toda
sua propriedade e transformado em um moderno proletário. Não possui mais nada:
nem o lugar de trabalho, nem a matéria prima, nem os instrumentos de produção,
nem a capacidade de desenvolver sozinho o processo produtivo integral, nem o
produto do seu trabalho, nem a possibilidade de vendê-lo no mercado. Ao entrar na
fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva, ele foi expropriado
também da sua pequena ciência, inerente ao seu trabalho; esta pertence a outros e
não lhe serve para mais nada e com ela perdeu, apesar de tê-lo defendido até o fim,
aquele treinamento teórico-prático que, anteriormente, o levava ao domínio de todas
as suas capacidades produtivas: o aprendizado. (MANACORDA, 1989, p. 271).
Manacorda (1989) ainda questiona sobre o aprendizado. Onde estaria ele neste
processo?
Inicialmente nada: os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na fábrica só
adquirem ignorância. Em seguida, a evolução da “moderníssima ciência da
tecnologia” leva a uma substituição cada vez mais rápida dos instrumentos e dos
processos produtivos e, portanto, impõe-se o problema de que as massas operárias
não se fossilizem nas operações repetitivas das máquinas obsoletas, mas que estejam
disponíveis às mudanças tecnológicas, de modo que não se deva sempre recorrer a
novos exércitos de trabalhadores mantidos de reserva: isto seria um grande
desperdício de forças produtivas. Em vista disso, filantropos, utopistas e até os
próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da
instrução das massas operarias para atender às novas necessidades da moderna
produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho
ou da instrução técno-profissional, que será o tema dominante da pedagogia
moderna. (MANACORDA, 1989, p. 271-2).
100
Segundo o mesmo autor, como consequência deste processo, criam-se escolas
científicas, técnicas e profissionais. O foco da presente pesquisa não é o aparecimento desta
escola, mas o modo como ela surge, ou seja, para atender às necessidades do sistema de
produção vigente, o que se poderia considerar o equivalente a dizer da escola de hoje, que ela
prepara o aluno para o mercado. Então, seria hoje a escola um espaço para se retirar do
educando sua identidade cultural a fim de se preservar interesses e ideais de uma sociedade
dominante? Qual seria o papel do educador crítico neste contexto?
Diante dessas colocações sobre educação formal e não-formal, Caro (2006), explicita
que a educação não-formal respeita a pessoa como um ser cultural, como um ser que tem
história, que tem identidade. Ela tem um caráter transformador e possibilita que o cidadão se
torne consciente de seu valor e que tome a realidade em que vive em suas mãos, resgatando a
sua dignidade e a do outro. Para a autora, o processo que acontece na educação não-formal se
embasa na educação social que é objeto da pedagogia social, termo alemão que tem três
sentidos diferentes: ajuda educativa, profissional e cultural à juventude. Os fundamentos mais
remotos da pedagogia social alemã levam ao cristianismo, à Pestallozzi12
(1746-1827) e à
Fröebel13
(1782-1852), como ressalta a mesma autora. Caro (2006) acrescenta que o campo de
intervenção da educação social é o espaço sociocomunitário e que ela é determinada pelo seu
âmbito social e pedagógico. Ainda na esfera da educação não-formal, Caro (2006) cita a
educação comunitária que tem uma proposta de trabalho com uma pedagogia libertadora,
sendo a educação não-formal seu meio de atuação.
Assim, Caro (2013) destaca a importância de Paulo Freire para a Educação
Sociocomunitária:
A ética freireana é uma ética da responsabilidade universal, uma ética da
solidariedade aos despossuídos, através de uma ciência educacional crítica. Sua
pedagogia está a serviço da emancipação social, enquanto busca formar sujeitos
autônomos e capazes de praticar a solidariedade, contribuindo para a formação de
12
As três teorias do pensamento de Pestallozzi são: 1. A educação como processo que deve seguir a natureza,
resgatando o pensamento de Rousseau – o homem é bom e deve ser apenas assistido em seu desenvolvimento; 2.
A educação moral, intelectual e profissional desenvolvendo a formação espiritual do homem como unidade entre
coração, mente, e mão (ou arte); 3. A instrução que deve partir sempre da intuição, do contato com diversas
experiências levando o aluno a concretizar o aprendizado no seu próprio meio. (Manacorda, 1989).
13 As três ideias do pensamento de Fröebel que se sublinha são: 1. A concepção da infância; 2. A organização
dos jardins de infância diferentes do abrigos de infância, comuns na Europa depois da restauração; 3. A didática
da primeira infância, o coração do método de Fröebel, que teve ecos importantes na práxis escolar do século
XIX. (Manacorda, 1989).
101
uma consciência coletiva transformadora e humanizadora do próprio processo
escolar e da sociedade como um todo. (CARO, 2013, p. 59).
E a autora vai além:
A importância de Paulo Freire na Educação Sociocomunitária, bem como na
educação social, fundamenta-se na compatibilidade do discurso social e
comunitário, existente em seus escritos. O conteúdo da carta de Paulo Freire (1993)
aos professores tem singela sinergia com as intenções da educação social e da
Educação Sociocomunitária para com os educadores. Nesta carta, ele dialoga sobre
questões da construção de uma sociedade democrática e popular. Escreve
especialmente aos professores, convocando-os ao engajamento nessa luta. (CARO,
2013, p. 62-3).
Parece pertinente consideramos o olhar de Evangelista e Cruz (2015) sobre a
Investigação Narrativa e a Educação Sociocomunitária em “Narrativas de Formação em
Educação: possibilidades para a pesquisa e investigação em Educação Sociocomunitária”
ainda no prelo. Nesse trabalho, os autores vislumbram a possibilidade de utilizar a
investigação narrativa no campo da Educação Sociocomunitária no sentido de que ao narrar, o
pesquisador revê sua prática pedagógica, revê seu pensar, seu fazer, mais que isso, reflete
dialogicamente sobre eles, produzindo sentidos para o próprio pesquisador e para o outro.
Nesse trabalho, Evangelista e Cruz (2015), refletem sobre as dificuldades encontradas em
relação à aceitação da investigação narrativa como método de pesquisa, mesmo nas ciências
humanas. Há um olhar para o “fazer Ciência em Educação” referente a novos paradigmas
científicos de pesquisa, no tocante aos sentidos que podem surgir quando se considera as
interpretações e compreensões das intersubjetividades ao pesquisar.
Para os autores, cada sujeito está em um contexto, num ambiente, onde produz
conhecimento e valida suas experiências. Os diferentes sujeitos em diferentes contextos que
produzem conhecimento também produzem contradições ao se encontrarem. Desses
encontros saem diferentes, modificados fazendo história. Por este motivo, para Evangelista e
Cruz (2015), as Ciências Humanas que se ocupam da compreensão das experiências da vida
humana podem estar também sujeitas à mudanças. Na investigação narrativa, segundo os
autores, ser sujeito da experiência é mais do que descrever, é interpretar e reinterpretar
fenômenos, podendo, os relatos e narrativas serem utilizados como dados da pesquisa pelo
distanciamento efetuado no momento da análise destes dados.
A pesquisa narrativa rompe com a ciência clássica quando reconhece a subjetividade
do conhecimento que produz, pois a subjetividade traduz a relação do sujeito com
seu objeto, com o sujeito, e com as relações entre os sujeitos. Este tipo de pesquisa
102
em educação, estabelece outro tipo de relação entre os envolvidos na investigação e
construção do conhecimento e do novo saber. (EVANGELISTA, CRUZ, 2015).
Ainda caminhado com lado de Evangelista e Cruz, seria interessante notar a posição
dos autores em relação à pesquisa no campo da Educação Sociocomunitária:
A narrativa sobre/na experiência e o vivido pelo/do pesquisador/narrador em sua
trajetória de formação e investigação, concretiza a sua formação como “profissional
prático” da educação e a relação teórico-prática na construção de seus caminhos
propostos pela pesquisa acadêmica com o seu fazer prático e contínuo. [...] Pensar a
pesquisa em educação partindo das narrativas de formação e as trajetórias na
formação docente e do educador social, possibilita que se busque pelo viés da
experiência vivida, ideais, metas e ao mesmo tempo, sentidos para tudo o que se
realiza na sua prática profissional. (EVANGELISTA, CRUZ, 2015).
Se considerarmos as definições de Groppo (2010) de comunidade e de
sociedade:
Nas suas acepções descritivas, comunidade e sociedade seriam tipos distintos de
grupo social: a comunidade como grupo menor, tradicional, primitivo, simples rural
e de tipo primário (família, aldeia e bairro); a sociedade como grupo maior,
moderno, complexo, urbano e de tipo secundário (empresa, partido, clube,
universidade e cidade).
Entretanto, desde logo a sociologia notou que comunidade e sociedade são aspectos
da vida social presentes em todos os grupos e relações sociais, em diferentes
combinações. Todo grupo social é comunidade e sociedade ao mesmo tempo, ainda
que um dos dois princípios costume ser preponderante. (GROPPO, 2010, p. 63)
Podemos considerar a partir das definições de comunidade e sociedade acima e do
ponto de vista de Evangelista e Cruz, que a investigação narrativa pode vir a ser uma forma de
se realizar pesquisa no campo da Educação Sociocomunitária, pois o aspecto comunitário e
social se entrelaçam nas relações dos sujeitos e os transformam a cada encontro.
Morais (2006) também apresenta um caminho que leva à Educação Sociocomunitária.
Ao discorrer sobre a complexificação social, Morais (2006) faz um passeio através da história
e esquematicamente e apresenta uma sequência da evolução das sociedades. Começa nas
sociedades agro-pastoris, a forma feudalista de organização da sociedade no Mundo Antigo,
que subsiste no Mundo Contemporâneo. Nessas sociedades, a figura central era o camponês,
que percebia a totalidade e sentido do seu trabalho. O camponês era paciente e conservador.
Em seguida cita as sociedades artesanais, quando as atividades humanas voltam-se para o
“fabrico” de bens domésticos e de ornamentação principalmente com o manuseio do couro.
Surge a figura do artesão, que ainda tem domínio total da sua produção, e percebe o sentido
do seu trabalho. Em seguida, surgem as sociedades manufatureiras, um primeiro esboço das
103
fábricas, com a divisão do trabalho em diversas fases. As relações humanas se transformam
com base nas formas de trabalho e o trabalhador começa a perceber o sentido antropológico
do seu trabalho, ou seja, aparecem as primeiras formas empregatícias e o homem começa a
ver sua vida dividida em momentos em que trabalha e em momentos em que não trabalha.
Constituem-se em seguida, as sociedades maquinofatureiras com a primeira Revolução
Industrial e com elas as fábricas. Essas têm relação com o capital, o operário das fábricas é
impaciente, vive as tensões geradas pela exploração de sua força de trabalho e é
revolucionário. Por fim, o autor cita as sociedades atuais, as sociedades pós-industriais,
também chamadas por ele de sociedades do funcionariado tecnocrata, um alienado
indiferente, que não se livraram das indústrias, mas são marcadas pelas transações simbólicas,
como câmbio, TEDs, DOCs, entre outras. Ao mostrar este processo evolutivo, a
complexificação social, Morais (2006) tem a intenção de discutir as noções de educação,
sociedade e comunidade. E ao fazê-lo, expõe a importância da complementaridade para falar
de comunidade e sociedade. O autor afirma que comunidade e sociedade são complementares
e dessas duas realidades surge uma terceira que é a sóciocomunitária. Interessante se faz notar
que Morais (2006) percorre o trajeto do ser humano e suas relações, e afirma que a vida
humana “do orgânico ao psico-espiritual, é um sistema de trocas com o entorno”. Adiante, o
autor ainda afirma que “o homem é um ser-para-o-mundo (comunhão) e um ser-pelo-outro
(convivência identitária)”. Em relação à educação, ele afirma:
Por todas estas razões se repete sempre e com razão que educar é tarefa de toda a
sociedade; tarefa que se inicia no lar e as famílias não podem delegar, em sua
condição de “grupo primário” de laços existenciais afetivos, mas que se estende
como compromisso de todas as frentes sociais, em sua consciência humana pública e
personalizante. Educar (do latim educere), num primeiro plano significa levar de um
lugar para outro; todavia, não quer dizer levar-se de um lugar qualquer para outro
qualquer, significando a condução de uma personalidade da alvorada de suas
primeiras experiências vitais à sua consciência de cidadania, a qual implica visão
lúcida do seu mundo relacional e de si mesma. (MORAIS, 2006, p. 48-9).
Na tentativa de sintetizar recorro novamente a Morais (2006) quando este cita Buber,
que difere coletividade de comunidade, dizendo que a primeira é apenas um enfeixamento de
indivíduos, enquanto que a segunda, a comunidade em evolução revela um estar um-COM-o-
outro. Este estar um-COM-o-outro revela um face-a-face dinâmico um fluir do Eu para o Tu.
Morais (2006) define a Educação Sociocomunitária:
Eis por que não entendo o sócio-comunitário como o apenas pôr-se, lado a lado e de
forma contígua, sociedade e comunidade. Quando sociedade e comunidade se
complementam, essa dinâmica recíproca dá origem à terceira realidade do sócio-
104
comunitário. Então, a escolha por uma educação sócio-comunitária é bem mais
complexa do que às vezes se pensa, pois ela implica trabalhar-se da forma mais
completa, uma realidade sutilmente composta. (MORAIS, 2006, p. 55-6).
Morais (2006) cita Bauman quando este afirma que o comunitarismo é uma filosofia
dos fracos, e lança uma pergunta bastante pertinente e inquietante em relação à Educação
Sociocomunitária, qual seja: “Com que comunidades nos ocuparemos?”. Essa resposta quem
nos dá é João Bosco.
Antes de propor uma resposta à pergunta de Morais (2006) estabeleço mais um
caminho percorrido para chegar à Educação Sociocomunitária embasado na educação
salesiana. Gomes (2008) assim estabelece uma relação entre João Bosco e a Educação
Sociocomunitária:
Em nosso caso, a proposta da investigação em educação Sócio-comunitária surgiu
do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação salesiana.
Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma comunidade civil –
de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto educacional, que
participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar histórico.
(GOMES, 2008, p. 52-3).
As práticas de João Bosco com a finalidade de tirar meninos da rua explorados por
patrões se deram, como anteriormente mencionado, no contexto da Itália do século XIX que
estava lutando pela unificação, por uma língua que os unisse como Estado, uma Itália que não
conseguia lidar com suas cidades cheias de migrantes do campo em busca de uma vida melhor
e que convivia com sociedades secretas, com o socialismo e anarquismo e, além disso,
caminhando para uma tendência a se tornar um estado laico. Nesse ambiente inóspito João
Bosco se equilibrava na “corda bamba” da política e se mantinha um cristão fervoroso e
seguidor fiel do Papa. Abordava os jovens que dependiam de patrões. Patrões que visavam
apenas o lucro e que se consideravam benfeitores pelo fato de esses mesmos meninos
explorados brigarem por um emprego, mesmo que isso significasse sofrimento e quase
escravidão. A abordagem em geral era feita na rua, e tinha o objetivo de conquistar a
confiança dos meninos e mostrar-lhes um caminho que inicialmente nem ele sabia como seria
trilhado a despeito de tantas dificuldades. João Bosco articulou uma organização religiosa
nessa Itália que tinha tendências a se tornar um estado laico com dificuldades econômicas,
políticas e sociais. Suas intervenções com os meninos que abordava eram honestas e
respeitosas em relação a eles, pois sabia que jamais permaneceriam naquelas condições se
pudessem escolher.
105
Gomes (2008) faz questão de refletir sobre “comunidade”, o que parece bastante
oportuno para se definir a ação de João Bosco. Comunidade para Gomes (2008) em geral tem
um sentido positivo, tanto que quando se trata de algo negativo, tem seu lado positivo
preservado pela retórica, pois é um termo que em geral é ligado ao bem comum. Para ilustrar,
o autor associa o termo “comunidade” a “presidiários” e “terroristas”, e justifica o
apagamento do lado negativo ao fato de a palavra estar de certa forma blindada, justamente
pela ligação ao sentido do bem comum.
Outra preocupação do autor é discutir “intervenção” o que ele classifica como um ato
de ruptura. A proposta da Educação Sociocomunitária, segundo o autor, numa primeira visão
seria uma forma de se articular a comunidade a mudar algo na sociedade por meio de
processos educativos, o que não significa dizer que a Educação Sociocomunitária pudesse
representar a solução de todos os problemas sociais e educativos, mas sim, “a
problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em construir
articulações políticas, por meio de ações educativas, que provoquem transformações sociais
intencionadas” (Gomes, 2008).
Segundo Gomes (2008), comunidade, transformação social, emancipação e autonomia
são valores integrantes da Educação Sociocomunitária, e para o autor, faz-se necessário uma
investigação sobre a Educação Sociocomunitária a fim de ir além do discurso científico, é
necessário que se investigue historicamente para que ela seja colocada como uma práxis
educativa.
A educação Sócio-comunitária é uma divisão na Ciência da Educação que, como as
demais, envolve seus interesses e riscos. Proposta sua investigação a partir de
evidências históricas de sua ocorrência prática, necessita ser investigada tanto sob a
perspectiva histórica como sob a perspectiva crítica de sua prática, notadamente,
como enfatizamos, em suas categorias de comunidade e intervenção educativa.
(GOMES, 2008, p. 62).
4.2. EVIDENCIAS HISTÓRICAS: JOÃO BOSCO, ALGUMAS APROXIMAÇÕES E
CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA
Em suas raízes, as ações sociocomunitárias remontam ao modo como João Bosco agia,
e seus diferentes espaços de intervenção. Sua forma de agir ilustra seu tempo e seu contexto.
No entanto, hoje, o Quadro Referencial da Pastoral Juvenil Salesiana, instrumento para
orientar o itinerário da ação da pastoral salesiana, discorre sobre a originalidade das obras
sociais salesianas e destaca:
106
Dom Bosco, pelas ruas de Turim, notou as necessidades dos jovens em perigo e
respondeu à sua pobreza abrindo novas frentes de serviço pastoral. Logo que entrou
no Colégio Eclesiástico, o padre Cafasso lhe confiara a tarefa de visitar as prisões
nas quais, pela primeira vez, constatou a condição alarmante e desafortunada de
muitos jovens detidos. O impacto com os jovens na prisão comove-o e perturba-o,
mas suscita também uma reflexão operativa.
Considerou-se enviado por Deus para responder ao grito dos jovens pobres e
intuiu que, se era importante dar respostas imediatas ao mal-estar deles, era-o ainda
mais prevenir as suas causas com uma proposta educativa integral. Para tanto,
ele quis, em primeiro lugar, acolher junto de si os jovens, órfãos e abandonados, que
chegavam à cidade de Turim à procura de trabalho, não podendo ou não querendo
seus pais assumir o cuidado deles.
Com o zelo missionário de Dom Bosco, vamos ao encontro das crianças, dos
adolescentes e dos jovens que vivem em condições de exclusão social. Esta
expressão deve ser assumida além do mero significado econômico; a ele faz
referência o conceito tradicional de pobreza, pois também implica a limitação no
acesso à instrução, à cultura, à moradia, ao trabalho; implica também a falta de
reconhecimento e obtenção da dignidade humana além da interdição ao exercício da
verdadeira cidadania. Nós acreditamos que a forma mais eficaz de responder a essa
dificuldade é a ação preventiva em suas múltiplas formas.
A opção pelos jovens pobres, abandonados e em situação de risco sempre esteve
presente no coração e na vida da Família Salesiana, desde Dom Bosco até hoje; de
aqui uma grande variedade de projetos, serviços e estruturas para a juventude
mais pobre, com a opção da educação, inspirada no critério preventivo salesiano.
(ATTARD, 2014, p. 233-4, grifo do autor).
Soffner, Antonio e Evangelista (2013) também aproximam a prática de João Bosco à
Educação Sociocomunitária, afirmando sobre o estilo de João Bosco, dizendo que este:
Nasce de sua sólida formação filosófica e teológica, de sua intuição sacerdotal e de
sua visão cristã do mundo, fruto da formação tomista. Dom Bosco não foi um
pedagogista, um teórico da educação, ou estudioso de problemas didáticos; não
escreveu um estudo refletido e científico-positivo em torno da metodologia. Era, na
verdade, um educador, cuja ação pedagógica foi marcada por intervenção, e por um
estilo educativo único. Eis aqui a aproximação com o conceito de educação
sociocomunitária, que modernamente trata da práxis social e comunitária, do papel
da sociedade civil em relação às atribuições educacionais do Estado, da autonomia,
cidadania, ação social (por meio da participação e intervenção social), da
intersubjetividade, da ação de sujeitos comunitários e sociais, da práxis educativa (já
trabalhada anteriormente), do educador como articulador comunitário e social, das
intervenções educativas formais, não formais e sociais, e do momento histórico de
Dom Bosco – as origens do trabalho salesiano em relação a esses pontos. Ou seja,
uma visão atual da educação sociocomunitária como representante salesiano nessas
discussões. (SOFFNER, ANTONIO, EVANGELISTA, 2013, p.64).
Voltamos ao questionamento de Morais (2006), “Com que comunidade nos
ocuparemos?”, ao qual João Bosco responde: a opção é pelos jovens pobres. Tendo a
Educação Sociocomunitária sua origem nas ações e intervenções de João Bosco no século
XIX, no contexto histórico e social em que se inseria, e sabendo-se que esta escolha pelo
jovem carente ou em situações de risco ou exclusão, seria pertinente dizer que também a
107
Educação Sociocomunitária estaria ligada a comunidades com este perfil. Importante se faz
esclarecer que, por carente, pode-se entender não apenas a situação financeira, mas também
questões que podem acarretar principalmente a falta de uma vida digna. Neste sentido, o
método preventivo e a proposta de educação integral da Educação Salesiana podem contribuir
para o campo de ação da Educação Sociocomunitária para que este campo de ação e de
pesquisa possa agir também de forma a intervir prevenindo e não apenas corrigindo.
Confirmando a colocação de Soffner, Antonio e Evangelista (2013), a práxis de João Bosco
para resgatar meninos e jovens em situação de risco na Turim do século XIX, remete a um
olhar sociocomunitário no sentido de que suas intervenções articulavam a comunidade e a
sociedade para atingir seus objetivos em meio a um ambiente inóspito marcado por intensos
movimentos políticos religiosos.
4.3. REFLEXÕES DA PESQUISADORA A RESPEITO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO
SOCIOCOMUNITÁRIA
Apresento neste momento algumas reflexões da pesquisadora, aluna do Programa de
Mestrado de Educação Sociocomunitária do UNISAL sobre este campo de pesquisa.
Em primeiro lugar, recorro a Martins (2006) quando este diz que a Educação
Sociocomunitária poderá vir a ser se for articulada com a práxis comunitária e com a práxis
social. O autor cita Gramsci quando este coloca que “é preciso que os intelectuais sintam o
que o povo sente, assim como é necessário que o povo saiba o que os intelectuais sabem”
(Martins, 2006, p. 78) para que se possa transformar o mundo, ou seja, um vendo e se vendo
no outro, sentindo e se sentindo no outro e consequentemente identificando-se com e no
outro. João Bosco dizia algo semelhante sobre os jovens: “Que os jovens não somente sejam
amados, mas que eles próprios saibam que são amados”. A respeito desta máxima de João
Bosco, (Davério, 1980) apresenta um episódio das Memórias de João Bosco que narra como
um menino elegante e rico foi parar nas mãos de João Bosco. Conta que certa manha um pai
entristecido e desanimado com os maus modos, com o afastamento da religião e com a
rebeldia do filho procurou João Bosco para que este cuidasse do menino, já que os genitores
não sabiam mais como agir para que ele se tornasse uma pessoa melhor. Já haviam
experimentado os mais diferentes colégios sem sucesso. Sua única esperança era o padre.
Depois da conversa com o pai, João Bosco manda chamar o menino e conversa com ele. O
menino aceita ficar com o padre, mas impões três condições para ficar. Eram elas: que não lhe
108
falassem de confissão, que fosse dispensado de ir à igreja e que pudesse “escapulir” das
atividades quando quisesse. João Bosco aceitou. O menino, então, passou a ser tratado com
bondade, como se fosse um de seus melhores alunos e era respeitado nas condições impostas.
Por vezes fugia das atividades e achava que era um “espertalhão” e considerava os outros uns
“bobocas”. Com o tempo passou a notar como todos o tratavam e a gostar dos colegas do
local. Pensou que se eles mesmo indo à igreja eram alegres, por que não poderia ele próprio
ser alegre mesmo indo à igreja? Por fim, um dia entrou na igreja não por curiosidade, mas
decidido a se confessar. João Bosco comenta sobre o episódio com seu biografo: “percebeu
que era amado, o que antes nunca havia sentido”. Percebeu-se no outro e com o outro.
O que se entende nas entrelinhas da ação de João Bosco é que havia uma flexibilidade
para cuidar dos jovens, pois com muita rigidez não seria possível conquistá-los. Além, é claro,
de respeito ao olhar para e COM o outro.
É inegável a necessidade de se buscar bases teóricas para que a Educação
Sociocomunitária se estabeleça como um campo de pesquisa e de intervenção, por isso
convido o leitor a refletir comigo sobre método de trabalho de João Bosco e Paulo Freire, e a
escolha destes nomes se dá pela importância dos mesmos no campo da Educação
Sociocomunitária.
Sobre a práxis de João Bosco:
Em 1886, portanto dois anos antes de morrer, Dom Bosco recebeu uma carta do
reitor do Seminário Maior de Montpellier uma carta na qual pedia insistentemente
que lhe comunicasse o segredo de sua pedagogia. Era já a segunda vez que lhe fazia
tal pedido. À primeira carta do reitor, Dom Bosco tinha respondido: “De meus
meninos consigo tudo o que desejo, graças ao temor de Deus infundido em seus
corações”. “Mas – retrucava o correspondente – o temor de Deus é apenas o
princípio da sabedoria. E para terminar? Vamos, Dom Bosco, quero que V. Rev.ma
me dê a chave de seu sistema para eu adotá-lo em proveito dos meus seminaristas”.
“O meu sistema! O meu sistema! Repetia o Santo enquanto ia dobrando de novo a
carta. Mas se nem eu o conheço! O que tenho feito é apenas ir seguindo o que Deus
me inspira e as circunstancias sugerem.”
E era isso mesmo. Esse homem que teve o gênio da educação não cogitou em
arquitetar um sistema. Ao declinar de seus dias recolheu, é verdade, os resultados de
sua experiência; mas foi só isso. (AUFFRAY, 1946, p. 285).
O que se poderia concluir é que a situação definiria a melhor forma de agir, ou seja,
não se pode negar a inclusão no mundo, não se pode negar o contexto histórico.
Freire e a situcionalidade:
Sendo os homens seres “em situação”, se encontram enraizados em condições
tempo-espaciais que os marcam e a que eles igualmente marcam. Sua tendência é
109
refletir sobre sua própria situcionalidade, na medida em que, desafiados por ela,
agem sobre ela. Esta reflexão implica, por isto mesmo, algo mais que estar em
situcionalidade, que é a sua posição fundamental. Os homens são porque estão em
situação. E serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de
estar, mas criticamente atuem sobre a situação em que estão (FREIRE, 2014b, p.
141, grifo do autor).
Poder-se-ia vislumbrar uma convergência nos olhares de João Bosco e de Freire no
aspecto do “agir e estar no mundo”, no sentido de que há uma flexibilidade na forma de estar
neste mundo, pois estando nele, agimos com ele e com os que neles estão. Freire (2014b)
destaca que não há homem sem realidade e que o movimento do homem parte das relações
“homens-mundo”, o que nos remete a João Bosco em sua posição de agir conforme a
situação. Mais do que a situação, mais do que o estar no mundo, pode-se dizer que as duas
formas de agir, interagir e intervir citadas podem estar mais relacionadas ao estar no mundo
COM. As relações assim como ou mais do que as situações é que definem a forma de agir.
Caliman (2009) fala sobre um novo paradigma da educação para o século XXI,
diferente do século XX:
O paradigma da educação dominante no século XX foi de tipo utilitário, era
centralizado sobre a aprendizagem como condição para o sucesso profissional, para
o acesso ao conhecimento útil e para a fruição consequente de bens econômicos.
Como reação a tal pragmatismo, começa a se estabelecer um novo paradigma
onde a construção dos novos saberes é eminentemente relacional, não
meramente instrumental. (CALIMAN, 2009, p. 09-17, grifo nosso).
No Relatório Delors (1998) sobre Educação para o século XXI, “Educação Um
Tesouro A Descobrir”, a UNESCO apresenta os quatro pilares desse novo paradigma da
educação:
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se
em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão
de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a
conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para
poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e
cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser,
via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber
constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de
relacionamento e de permuta. (DELORS, 1998, p. 89-90, grifos do autor).
Caliman (2009) cita o relatório Delors (1998) para a UNESCO:
Algumas consequências desse novo paradigma, desenhado pela Unesco no Relatório
Delors, contemplam: (a) a aprendizagem ao longo de toda a vida: a educação não se
confina numa etapa inicial da vida, mas passa a estar presente em todos os ciclos de
vida; (b) o aprender vivendo e o viver aprendendo; (c) a compreensão que leva à
110
participação: “eu compreendo, logo participo”. A aprendizagem contribui para
ganhar inteligibilidade sobre a vida e sobre o mundo; (d) a aprendizagem enquanto
participação: “eu participo, logo existo”. (CALIMAN, 2009, p. 09-17).
Paulo Freire (2014b, p. 141) afirma que “os homens são porque estão em situação e
serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas
criticamente atuem sobre a situação em que estão”, João Bosco dizia que fazia o que as
circunstancias sugerissem (Auffray, 1946), e sabendo-se de todo o trabalho de João Bosco foi
a base histórica da Educação Sociocomunitária, e que tanto Freire como João Bosco atuaram
em principio na educação não-formal, podemos chegar até a Educação Sociocomunitária hoje
na perspectiva do Relatório Delors (1998):
Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não
exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a
fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de
circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como
prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos
“quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do
ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a
levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o
indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. (DELORS, 1998, p. 90, grifo do
autor).
Se a educação formal delegou o “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser” para
“circunstancias aleatórias”, como o Relatório Delors (1989) aponta, resta à comunidade e à
sociedade juntas e complementarmente agirem nestes dois “aprenderes”. A Educação
Sociocomunitária, nem de longe se definiria como uma “circunstancia aleatória”, pois é uma
realidade com base histórica de intervenção sociocomunitária em João Bosco, é um campo
para que se trabalhe o “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser”. João Bosco e Paulo
Freire confirmam essa possibilidade.
No entanto, enquanto todos os quatro pilares da educação, segundo o Relatório Delors
(1998) não estão presentes na educação formal, a Comissão que o idealizou e criou não perde
a esperança:
Ora, a Comissão pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser
objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação
apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no
plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da
sociedade. Desde o início dos seus trabalhos que os membros da Comissão
compreenderam que seria indispensável, para enfrentar os desafios do próximo
século, assinalar novos objetivos à educação e, portanto, mudar a idéia que se tem da
sua utilidade. Uma nova concepção ampliada de educação devia fazer com que todos
pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo — revelar o
111
tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão
puramente instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para obter
certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem
econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa
que, na sua totalidade, aprende a ser. (DELORS, 1998, p. 90).
A segunda e última reflexão sobre o campo da Educação Sociocomunitária é a visão
da aluna do Programa de Mestrado em Educação Sociocomunitária. Durante as aulas e
eventos do Programa que presenciei e participei, pude confirmar o que Martins (2006) quer
dizer, ou seja, há sim uma preocupação em se refletir sobre este campo teórico. Pelo que foi
exposto neste capítulo em relação ã ligação entre a Educação Sociocomunitária e João Bosco
e suas intervenções no seu contexto histórico, em façe à busca por estabelecer-se este campo
na academia e pela minha vivência na disciplina “História da Educação Salesiana”, sugiro
duas ações: a primeira é que se torne esta disciplina obrigatória por motivos relevantes já
colocados nesta pesquisa; e segundo que se proponha uma disciplina para que e na qual os
alunos do Programa pudessem ler, estudar, refletir, e auxiliar nessa busca, uma disciplina que
discutisse o próprio campo da Educação Sociocomunitária, e que essa fosse também uma
disciplina obrigatória devido à sua importância. A intenção com essas sugestões são de
contribuir com o processo e com o Programa.
Para finalizar este capítulo sobre a Educação Sociocomunitária, sem, contudo, esgotar
o assunto, devo concordar com Martins (2006) quando este afirma que a Educação
Sociocomunitária é um campo que está em construção. No entanto, peço licença para, sob
outro aspecto, discordar e acrescentar que, de acordo com Freire (2014b), para ser é preciso
estar sendo, portanto, a Educação Sociocomunitária é, pois está sendo, e aprova disso é a
presente pesquisa, portanto ele existe. Ainda na percepção de Freire (2013b)
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A
assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do
“não-eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu. (FREIRE, 2013b,
p. 42, grifo do autor).
Seria possível pensar a Educação SocioCOMunitária como um encontro no e com o
outro, pois,
O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa
posição em face do mundo que não é a de quem não tem nada a ver com ele. Afinal,
minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se
112
insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da
história (FREIRE, 2013b, p. 53, grifo do autor).
O sujeito que dá sentido à sua própria história na e COM a história do outro. Como
olhar para e com o outro se não se vê o outro? “Onde está você em seu mundo?” (Buber,
2011).
113
CAPÍTULO 5: OS PROJETOS EM SEU CONTEXTO
Os projetos objeto de estudo desta pesquisa se deram numa Escola Salesiana, portanto,
faz-se necessário a contextualização dos Salesianos no Brasil. Por este motivo, propõe-se um
breve histórico dos salesianos até que chegam à Campinas, local onde a Escola Salesiana São
José se insere e onde os projetos foram desenvolvidos, bem como uma breve explanação a
respeito da escola e da Pastoral da escola.
5.1. OS SALESIANOS CHEGAM AO BRASIL E A CAMPINAS
Em 11 de novembro de 1875, depois de várias tratativas e contatos feitos por João
Bosco, a primeira missão dos salesianos embarca para novas terras: a patagônia. Os
missionários, seis padres e quatro religiosos leigos (um marceneiro, um sapateiro, um mestre
de música e um mestre de serviços caseiros) embarcam para a Argentina levando e iniciando a
obra salesiana na América Latina. Da Argentina não custou muito aos salesianos a emigrar
para o Uruguai, Brasil, Chile e Equador (Schiélé, 2008).
No Brasil, em 1882, o padre Luís Lasagna faz uma sondagem para sentir as
necessidades do país no campo educacional. Viaja do Rio de Janeiro até Belém do Pará e
sugere que os salesianos comecem com os Oratórios Festivos, Escolas de Artes e Ofícios e
com a instalação de escolas agrícolas para atender as necessidades dos jovens e do país. Em
1883 os salesianos fundam o Colégio Salesiano Santa Rosa em Niterói com oficinas de
monotipia, encadernação, sapataria, marcenaria, mecânica e eletricidade. Em 1905 expandiu-
se para a o ensino comercial (Santos; Castilho, 2003). Em 1895 inaugura-se a primeira escola
agrícola em Cachoeira do Campo, posteriormente reconhecida pelo Governo do Estado de
Minas Gerais como escola superior, formando engenheiros agrícolas em 1919 (Santos;
Castilho, 2003).
Na cidade de Campinas-SP, em 1897, os salesianos fundam o Lyceu de Artes e
Officios Nossa Senhora Auxiliadora que veio como resposta ao pouco empenho por parte da
Republica pela educação (Negrão, 1997). O Liceu acolhia e profissionalizava órfãos
abandonados. Por conta a configuração da cidade de Campinas no inicio do século XX, um
centro rural com muitas propriedades rurais, passando da monocultura do café para a
policultura, nasce um sonho entre os salesianos: uma escola agrícola (Negrão, 1997). A escola
é inaugurada em 1914. Com o tempo e com a urbanização, no entanto, a escola agrícola teria
114
que ser deslocada para outro lugar. O local escolhido foi onde hoje se encontra a Escola
Salesiana São José, que iniciou suas atividades como escola agrícola recebendo, em regime de
internato, menores em dificuldades (orfandade, problemas familiares, de alcoolismo e
miséria), numa época em que o internato era considerado um mal necessário (Negrão, 1997).
Aos poucos as oficinas foram instaladas e já se configuravam as atividades em favor de obras
externas, o atendimento à instituições como a Capela das Filhas de Maria Auxiliadora, a
paróquia Nossa Senhora das Graças, a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, o Colégio
Progresso, a Casa de Saúde “Dr. Bierrenbach de Castro” – Hospital de Moléstias Nervosas e
Mentais, a capela de Barão Geraldo, e o Orfanato “Lar Escola Nossa Senhora do Calvário”,
onde atuavam celebrando missas entre outras atividades. As atividades de esporte e
assossiacionismo sempre estiveram presentes como ferramentas para a conquista do
crescimento humano (Santos; Castilho, 2003). Desde seus primórdios, a Escola Salesiana São
José comunga dos valores e preceitos salesianos da preventividade:
O educador acompanha continuamente os jovens com olhar cheio de amor,
deixando-lhe, porém, amplo e livre espaço de movimento e de construção de ricos
processos de valoração. Age sempre buscando a persuasão, menos com as palavras e
mais com os exemplos. Tem consciência de que “não basta amar, é preciso que o
outro se sinta amado”... e por isso “esforça-se por fazer-se amar!”. Corrige e propõe
limites cordialmente em lugar de punir fria e categoricamente pelas ações praticadas,
muitas vezes, por natural leviandade e mobilidade de espírito, próprias da idade. [...]
em síntese, o educador põe em prática, afinal, o grande segredo de se fazer querer
bem, para obter com amor aquilo que talvez nem com a força se alcançaria ou que,
em seu lugar, produziria falsidade, duplicidade e incoerência. (SANTOS;
CASTILHO, 2003, p. 265).
5.1.1. A Escola Salesiana São José hoje
[...] o ser humano não pode realizar-se plenamente sem abrir-se ao “Tu Absoluto” e
comprometer-se com Ele. [...] A pedagogia salesiana acredita que o encontro com o
Outro, Tu Absoluto, pode passar, quase sempre acontece assim, pelas mediações e
pistas humanas, a partir de uma dimensão de alteridade. (SANTOS; CASTILHO,
2003, p. 278).
A dimensão da alteridade só se alcança quando se consegue olhar para o outro sem se
perder de si mesmo, ao se olhar o outro e vendo-se nele, sem se perder nele. Na linha tênue
entre a autonomia e heteronomia é necessário que se busque a identidade. A identidade
construída dentro de uma perspectiva de alteridade e ética pode levar ao protagonismo que
constrói. Nessa direção pautam-se as ações dos profissionais salesianos e, portanto, permeiam
115
as escolhas pedagógicas da Escola Salesiana São José. Sobre a missão e valores da Escola
Salesiana São José:
MISSÃO
Viver os valores cristãos e ajudar os alunos a dominar o conteúdo ensinado e a
buscar o conhecimento, capacitando-os à realização pessoal e atuação na sociedade,
tornando-a melhor.
VALORES
Preocupamo-nos com a formação integral do ser humano;
Acreditamos que a religiosidade é fundamental na formação integral;
Acolhemos a todos com respeito e "Amor-Fraterno";
Damos as razões das nossas atitudes;
Praticamos o diálogo-educativo e a ética como princípios em nossas ações;
Buscamos a vivência da autonomia;
Incentivamos o protagonismo saudável;
Trabalhamos com eficiência, competência, compromisso e profissionalismo;
Somos todos co-responsáveis nas ações educativas. (ESSJ, 2016).
A Escola Salesiana São José conta com os setores de Educação Infantil, Ensino
Fundamental I, Ensino Fundamental II, Ensino Médio, CPDB (Centro Profissional Dom
Bosco – que atende a cerca de 200 jovens de baixa renda, entre 14 e 18 anos, com cursos de
formação Técnicos Profissionais de qualidade gratuitamente, tendo em vista uma formação
integral ajudando na sua inserção no mercado de trabalho e realização pessoal) e São José
Pleno (opção de período integral do 2º ao 5º Ano) (ESSJ, 2016). O prédio da Escola Salesiana
São José abriga também o campus do Centro universitário Salesiano – Unisal com cursos de
graduação e pós-graduação, diurnos e noturnos.
A escola conta com eventos que envolvem os alunos em projetos pedagógicos
especiais como a Mostra Cultural (anteriormente chamado de escola Aberta e São José:
Ciência e Cultura), Jogos Missionários (anteriormente chamado de Semcel – Semana de
Cultura, Esporte e Lazer e também de Jogos Marianos). Há também outros eventos que têm a
função de integrar a escola com a comunidade, como: Passeio Ciclístico, Festa de São José e
Festa Junina. Há os projetos específicos de cada setor da escola ou que permeiam todos os
setores da escola como as campanhas solidárias, projetos da Pastoral da escola entre outros.
(ESSJ, 2016)
5.1.2. O Ensino Fundamental II: o berço dos projetos Garage Sale e Pink Lemonade
O Ensino Fundamental II atenda a alunos do 6º ao 9º ano, com idades que em geral
vão de 12 até 15 anos e tem os seguintes componentes curriculares: Arte, Ciências, Educação
116
Física, Ensino Religioso, Filosofia, Geografia, História, Inglês, Língua Portuguesa,
Matemática e conta com uma equipe formada por professores especialistas de cada
componente curricular, além de Equipe de Apoio ao estudante, Orientação Pedagógica e
Coordenação Pedagógica. O Ensino Fundamental II tem como finalidade e objetivos:
O Ensino Fundamental II tem por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
a) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o
domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
b) a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
c) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
d) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de
tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (ESSJ, 2016).
No Ensino Fundamental II, por meio da Orientação Pedagógica, importantes projetos
que possibilitam a formação integral do aluno são desenvolvidos. Entre eles: Hábito de
estudo, Projeto Liderança (escolha de alunos representantes de classe e do professor
orientador de cada classe, feita pelos próprios alunos de forma democrática). Estes projetos
propiciam momentos de protagonismo dentro da sala de aula e fora dela, em que o aluno pode
exercer sua autonomia para julgar, escolher e tomar aas melhores decisões a respeito da sua
vida escolar. (ESSJ, 2016). Outros projetos permeiam o setor, como Projeto Estudo do Meio
(saídas pedagógicas com os alunos na companhia de professores com objetivo de pesquisar e
produzir conhecimento em momentos posteriores em sala de aula).
5.1.3. Uma escola em Pastoral
A Pastoral na Escola Salesiana São José articula os espaços de vivência dos valores
humanos, sociais, salesianos e religiosos oferecendo oportunidades de expressão de fé para
todos os membros da Comunidade Educativa, diferentemente do Ensino religioso que é um
componente curricular com conteúdo específico e da Catequese que é própria da Comunidade
Eclesial – a paróquia para os católicos. (ESSJ, 2016).
A Pastoral da Escola Salesiana São José tem suas metas e princípios:
Da Escola em Pastoral; Da autonomia; Do respeito às individualidades e à
diversidade; Da opção preferencial pelos jovens e pelas crianças; Da abertura ao
ecumenismo e ao diálogo inter-religioso; Do trabalho de equipe e do
associacionismo juvenil; Da Articulação da Juventude Salesiana; Do planejamento
117
participativo; Do núcleo animador do Conselho da CEP; Do protagonismo juvenil.
(ESSJ, 2016).
De forma gradual a Pastoral da escola:
[...] anunciará os valores evangélicos e denunciará os contra-valores dentro e fora
da escola; promoverá a inculturação do evangelho nas diferentes realidades sócio-
culturais dos membros da comunidade educativa; trabalhará a capacidade de
núcleo animador (Criará “processos” em detrimento do ativismo); oferecerá
distintos programas e atividades: PJE (Pastoral da Juventude Estudantil), AJS
(Articulação da Juventude Salesiana), Retiros Espirituais, Dias de Formação,
Mensagens diárias antes das aulas, Celebrações, Catequese bíblica, Mariana e
Salesiana, Apoio ao Ensino Religioso, Campanhas de Solidariedade e de
Cidadania, Visitas às Entidades, Semana Missionária, Programas de Acolhimento
e Entrosamento, Animação, Reflexão e Oração, respeitando as etapas em que se
encontram os membros da Comunidade Educativa (faixa etária, grau de
envolvimento eclesial, entre outros). (ESSJ, 2016).
Destaca-se dentre os itens acima citados, as Mensagens Diárias: Bom Dia / Boa tarde
que constituem momentos de conversa entre professores e alunos em sala de aula ou em
espaços para isso determinados em que a partir da leitura de uma mensagem abre-se um
diálogo há uma interação entre alunos e professores. Além deste projeto, destacam-se as
Campanhas Solidárias que movimentam os alunos e famílias em torno de um objetivo
comum: ir ao encontro do outro que está com dificuldades. Dentro desta modalidade, se
incluem os projetos desenvolvidos nas aulas de Inglês nos 6ºs e 7ºs anos do Ensino
Fundamental II.
5.2. O PROJETO GARAGE SALE
5.2.1. Contextualização do projeto
Encontro me neste momento na posição de pesquisadora participante deste projeto.
Não seria possível escrever sobre o projeto antes de deixar alguns conceitos claros a fim de
que se possa contextualizá-lo, justificá-lo em relação à sua própria existência, execução e até
mesmo ao caminho até a escrita deste. Os conceitos em questão são autonomia, protagonismo
e alteridade nas práticas educativas e se faz necessário também contextualizar o ensino de
língua estrangeira no contexto da escola onde o projeto se insere.
Para que se contextualize o projeto remeto-me ao memorial da pesquisadora, quando
nele escrevo sobre a experiência e vivência com a língua estrangeira e deixar claro meu
conceito de educação. Devo acrescentar às ideias desse memorial, que durante o tempo em
118
que trabalhei como professora de língua estrangeira – Inglês estive em contato com pessoas
que valorizavam, por motivos diferentes, a cultura estadunidense e ao mesmo tempo convivia
com um contexto totalmente contrário no ambiente familiar, meu pai era totalmente contra a
invasão política e econômica dos Estados Unidos da América. Era difícil transitar por esses
dois ambientes tendo que ensinar a língua estrangeira sem perder de vista o valor que esta
tinha e tem no mercado de trabalho e vida acadêmica, bem como as possibilidades de invasão
cultural que poderia ser proporcionada por este aprendizado.
As inquietações aumentaram nas aulas de literatura da língua inglesa no curso de
Letras na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, muitos questionamentos se juntaram
aos que já existiam. Iria encontrar meu lugar, meu equilíbrio apenas após ter saído do
ambiente de ensino de língua estrangeira em escolas de idiomas e ingressar no ambiente de
ensino de língua estrangeira em escolas regulares de Ensino Fundamental e Médio. Neste
momento da minha vida profissional é que pude começar a me definir como professora de
língua estrangeira, e cidadã brasileira consciente da sua cultura, do seu valor dela e também
do valor de outras culturas. Tomei ciência dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a
partir daí, a construção do conceito de educar e educação foram se estabelecendo e se
fortalecendo na minha prática.
A partir de discussões e reflexões com colegas, da escrita de planejamentos, da
interdisciplinaridade nas práticas educativas, da diversidade de material com os quais lecionei
desde então, com a filosofia de cada escola por onde passei, e com os alunos e famílias com
os quais trabalhei e convivi, o aprendizado foi aumentando e o círculo de possibilidades e
abrangências me atingindo, me tocando e me fazendo pertencer. O círculo de pertencimento
foi aumentando, de pertencer a um grupo de professores, uma comunidade escolar, uma
comunidade que ensina língua estrangeira, passei a pertencer ao meu bairro, à minha cidade,
ao meu estado, ao meu país e ao mundo. Nesse ponto, fica inevitável tentar provocar meus
alunos e tentar despertar a curiosidade e o respeito por outras culturas.
Chego à Escola Salesiana São José em 1998. Com duas aulas de inglês semanais, com
a duração de 45 minutos que a partir de 2009 passaram a ter 50 minutos. Até o ano 2008 a
escolha de todo o material a ser adotado era de responsabilidade do professor. A partir de
2009 houve a implantação do Material da Rede Salesiana de Escolas (RSE) O livro de inglês
de autoria de Luziana Lanna e Anneliese Gama de Carvalho passou a ser o material de uso em
sala, porem, os livros paradidáticos continuaram a ser de responsabilidade do professor.
119
5.2.2. Gênese do Projeto Garage Sale
O nome do projeto objeto de estudo desta pesquisa, na Escola Salesiana São José, é
Garage Sale e aconteceu pela primeira vez em 2010 com a participação dos alunos de todas
as salas dos sétimos anos da escola. O trabalho se iniciou com a leitura de um reader14
da
Editora Cambridge chamado 12 Things to Do at Age 12 da autora Marcia Wuest . Nesse livro
os alunos leram sobre a história de um garoto de doze anos chamado Diego. Diego e seu
irmão Paco têm o costume de fazer uma lista com as coisas que eles querem fazer no ano
seguinte. Diego fará 13 anos no dia seguinte e tem uma lista com 12 coisas que ele queria ter
feito aos 12 anos de idade. Na lista de Diego há “coisas” como ter uma alimentação saudável,
ler livros, visitar a avó toda semana, recolher lixo na praia até ajudar alguém que não fosse da
sua família. Essa leitura foi realizada em atividades e aulas diferentes, desenvolvidas em
classe, individualmente ou em duplas, ou em casa como tarefa, ao longo do segundo trimestre
letivo (maio, junho, e primeira semana de agosto). Ao final da leitura, primeira semana de
agosto, houve um movimento por parte dos alunos sobre a ideia do personagem de ajudar uma
pessoa “sem ser da família” para a qual os alunos usaram o termo “o próximo”. Comentavam
que ele, o personagem, seria um exemplo a ser seguido, mas que era difícil encontrar uma
pessoa em uma situação para ajudar, já que eles, os alunos eram muito jovens e dependiam
totalmente dos pais. Também achavam que ajudar uma menina a resgatar seu cãozinho de
estimação, como o personagem, não seria uma ajuda muito significativa. A conversa começou
numa das salas e se repetiu nas outras duas salas, com os alunos achando que “essa ajuda não
contava”, que “era muito pouco” Os comentários e a direção das conversas variaram, mas
partiram dos comentários dos alunos. E a reflexão sobre que tipo de ajuda seria “significativo”
como alguns alunos haviam dito foi feita em todas as salas, e também sobre quem seria essa
pessoa que eles chamaram de “o próximo”. Em geral, a ajuda considerada significativa seria
aquela que trouxesse conforto físico, como abrigo, alimentação, ou seja, necessidades básicas,
e “o próximo” seria alguém fora do contexto da família. Mais um questionamento para os
alunos: Não poderia “o próximo” ser alguém dentro da família? Neste momento, dentro do
contexto de uma aluna de língua estrangeira, minha vontade era mostrar aos alunos e porque
não a mim mesma, que embora a ajuda relativas às necessidades básicas fossem importantes,
outras “coisas” também seriam tão necessárias quanto elas. Coisas como resgatar um animal
de estimação, receber um presente de Natal, ou um carinho inesperado. A conversa com os
14
Reader: livro de leitura paradidático adotado para trabalho complementar de leitura e interpretação de texto e
possibilidades de interdisciplinaridade
120
alunos também foram na direção de costumes diferentes dos nossos. Quem dos alunos da
classe teria um costume como o do personagem do livro, Diego? Quem conhecia alguém que
o tivesse? Ninguém tinha um costume como aquele, mas tinham outros costumes relacionados
ao dia dos seus aniversários. Durante essas reflexões, eu estava em processo de ebulição e,
muitas “coisas” vinham à minha cabeça, “coisas” relacionadas à diferentes costumes e
culturas, à modos de se ajudar o outro e me vi nos meus alunos, com a vontade de ajudar sem
saber o que ou como fazer. Garage Sale! Esse costume tão distante da nossa cultura me
assolou no momento em que falava com uma das turmas. Mas, de onde teria vindo essa ideia?
Respondo: de um sonho antigo, de fazer da minha aula, da disciplina que eu leciono um meio
de intervir ou talvez até, quem sabe, transformar a sociedade, ou seja, olhar para fora da
minha sala de aula. Teria que sair da minha zona de conforto para planejar, organizar e avaliar
todo o projeto sem melindres, sem medo de agir. Como tarefa de casa, foi feito o pedido para
que os alunos pensassem em “coisas” que eles gostariam de fazer no próximo ano de suas
vidas, independente da época do ano. Eles teriam que pensar em um número de “coisas” igual
à sua idade, como o personagem do livro. O objetivo desta atividade, que já estava
programada, era a produção de uma pequena lista com frases em inglês dizendo o que cada
um gostaria de realizar no próximo ano de suas vidas, ou seja, estabelecer algumas metas a
serem alcançadas.
Na aula seguinte, propositadamente, eu traria para os alunos uma atividade (Apêndice J) sobre
um costume comum nos Estados Unidos da América – a Garage Sale. O objetivo explícito da
atividade seria trabalhar com a habilidade de interpretação de texto e estudo de vocabulário. A
atividade foi sofrendo atualizações e variações para evitar repetições de um ano para outro. O
objetivo implícito seria sugerir que se organizasse uma Garage Sale na escola para que se
doasse o dinheiro para projetos da pastoral da escola.
No intervalo entre uma aula/semana e outra penso que o esclarecimento sobre a prática
e costume da organização da Garage Sale seria significativa para o leitor neste momento.
A venda de garagem ou Garage Sale, em inglês, é também conhecida por vários
outros nomes, como Yard (quintal) Sale, Attic (sótão) Sale, Garbage (lixo) Sale, Moving
(mudança) Sale dentre outros. A prática parece remontar do século XVI quando a palavra
“romage”, um termo náutico, entrou na língua inglesa para designar como se dava a
movimentação da carga ao ser embarcada nos navios. Mais tarde no século XVIII o termo
passou a se referir também a uma “busca exaustiva”. Viva, como o próprio idioma, a palavra
ganhou outro significado, passou a referir-se às cargas de diversas naturezas deixadas e
esquecidas nos navios. Toda carga sem destino e sem dono começou a ser vendida nas docas e
121
no século XIX, essa venda, começou a ser chamada de “Rummage Sale”, e também vendia
mercadorias indesejáveis de depósitos e armazéns. Já no final do século XIX essas vendas
eram feitas em praças públicas em geral em frente à igreja principal do local e como a função
era arrecadar fundos para a igreja, moradores do local passaram a doar objetos que não mais
utilizavam para a venda.
Hoje as Garage Sales são montadas nas garagens, quintais ou até em frente das casas
das pessoas ou famílias que as organizam e os objetos não mais desejados são colocados
sobre mesas improvisadas cobertas com toalhas ou lençóis para serem vendidos. Os motivos
que levam a população a organizar uma Garage Sale podem variar. Uns o fazem por motivo
de mudança de cidade ou país, outros para prover espaço dentro da casa para outras
finalidades. Há os que o fazem para arrecadar dinheiro para uma viagem ou para comprar algo
que desejam. Alguns arrecadam dinheiro para doar para instituições de caridade ou até pela
consciência da necessidade de uma sociedade sustentável, promovendo a reutilização das
peças, em vez de colocá-las no lixo.
As Garage Sales são mais comuns e frequentes nos Estados Unidos da América, no
Canadá, ocorrendo na Austrália com menos frequência, porem, há relatos de sua ocorrência,
com menor frequência, em outras localidades no mundo todo. Estima-se que essa atividade
possa gerar a quantia de dois bilhões de dólares por ano.
Uma semana depois...
Feito o trabalho com o texto sobre Garage Sale proposto pela professora, houve uma
conversa com os alunos sobre diferentes culturas, hábitos e costumes em países diferentes,
com relatos dos alunos sobre costumes diferentes nas suas próprias famílias. Após essa
conversa retomamos a lista que cada um tinha trazido com as coisas que gostaria de fazer. A
primeira coisa foi conversar com um colega para ver se haviam itens ou desejos iguais ou
parecidos em suas listas, bem como a possibilidade de finalização e correção do que já havia
sido feito. Após essa etapa, mais uma conversa e alguns fazem leituras voluntárias em voz alta
de um ou dois itens da sua lista. Ouvidos curiosos e atentos. Listas com desejos bastante
diferentes, cada lista conta uma história pessoal, mas em quase todas há um item relacionado
ao outro, à comunidade a que os alunos pertencem, como, família, escola, bairro, cidade.
Fiquei devendo a minha lista, que foi cobrada pelos alunos. Fiz a lista oralmente com eles, fui
falando os itens em inglês e a tarefa era ouvir e entender o que eu desejava. Então fomos à
lousa. Fizemos uma lista do grupo: “O que a classe gostaria de fazer como um grupo até o
final do ano?” Devo lembrar que essa atividade estava sendo executada em agosto (segunda
semana). Hora de sonhar e escrever em inglês. Lista pronta. Fizemos a leitura. Algumas
122
coisas possíveis, outras nem tanto. Volto ao personagem e comento sobre o último objetivo da
sua lista: ajudar alguém que não fosse da família. Seria possível a classe como um grupo
ajudar alguém que não fosse da família como o personagem do livro? Deixo essa tarefa para
que pensem ao longo da semana.
Durante a semana, uma reunião com o coordenador do Ensino Fundamental, o Sr.
Alencar David André foi marcada e o consentimento para se levar esse projeto à frente foi
dado. Da mesma forma houve uma conversa com o representante da Pastoral da escola, Sr.
Rafael Duarte Belletti que acolheu o projeto com muito carinho e animação. Autorização
concedida, Pastoral envolvida, chegou a hora de colocar “fogo na lenha”. O que o grupo de
alunos dos 7os anos da Escola Salesiana São José poderiam fazer para contribuir para um
mundo melhor, para melhorar a realidade à sua volta?
Inicio a aula retomando a “tarefa de casa”, pensar sobre o que o grupo poderia fazer
para ajudar alguém que não fosse da família. Um dos questionamentos dos alunos foi: Quem a
classe poderia ajudar? Como saber quem precisa de ajuda? A sugestão foi falar com a Pastoral
da escola. Através dela poderíamos nos organizar para destinar a ajuda. Mais perguntas: Que
ajuda? Como os alunos que dependem dos pais poderiam ajudar? Foi então que a ideia de
fazer uma Garage Sale na escola saiu quase que no mesmo momento, entre alguns alunos e
professora. Um instante de silêncio. E, a primeira pergunta que ouvi após a quebra do silêncio
foi: “Será que o Alencar vai deixar?”. Depois, mais e mais perguntas: “Mas quem vai vender
as coisas?”, “Vamos ganhar dinheiro?”, “O que vai ser vendido?”, “Quando e onde seria a
Garage Sale?”. Essas entre outras perguntas não sei se nesta ordem, ou se todas juntas, mas
foi um momento maravilhoso de “perguntação” e de olhos que se cruzavam para saber as
resposta e para saber mais. Acalmada a turma, vamos às respostas. “Sim o Alencar vai deixar
(Ahhhhhh!), eu já falei com ele e o Rafael (da Pastoral) gostou o projeto.” Perguntas
novamente: “Teacher, então você já estava pensando em fazer a Garage Sale”? (Muito
espertos, esses meus alunos.) “Não, não estava pensando, estava sonhando, mas precisava da
ajuda de vocês, pois quero organizá-la com vocês!”. Já é o final da aula. Lição de casa:
comecem a olhar para suas casas de outra forma e vejam o que vocês não usam mais e que,
com a permissão dos seus pais ou responsáveis, pode ser doado para vendermos na nossa
Garage Sale. “Pode trazer na próxima aula?”. “Não, esperem eu arrumar um lugar para
colocar os objetos que vocês vão trazer.” Mais perguntas nos minutos finais da aula e mais
perguntas, mesmo depois que a música tocou (sinal do término da aula). Alunos me
acompanham até a porta e corredor para saber se eles iriam fazer o troco e “mexer” com o
dinheiro. “Claro que sim, você vão fazer tudo!” Olhos de vontade de chegar logo o dia da
123
Garage Sale, alunos e professora! Assim nasceu o projeto da Garage Sale da Escola Salesiana
São José.
Que fique bem claro que essa dinâmica foi desenvolvida com uma das turmas. Ao sair
de lá, já sabia que não poderia mais desenvolver a mesma atividade com as outras duas
turmas, pois elas já estariam sabendo da novidade. E assim foi. A atividade foi mudada, pois
realmente todos já estavam sabendo. Nas outras salas, o exercício proposto foi de imaginar
outro final para o livro incluindo uma Garage Sale.
Mais uma semana se passa...
Foi divulgado para os alunos que a Garage Sale aconteceria na Mostra Cultural da
escola e a próxima proposta de trabalho foi confeccionar cartazes na língua estrangeira para
colocar na Mostra Cultural para anunciar o evento. Esses esboços seriam corrigidos pela
professora e na semana anterior à Mostra Cultural os cartazes seriam finalizados em aula.
Mais uma semana se passa e a conversa sobre a Garage Sale continua: Por que
motivos uma família americana organizaria uma Garage Sale? Por que motivo nós estamos
“copiando” e fazendo algo que não é comum no nosso país? O que uma Garage Sale tem a
ver com sustentabilidade? E outra rodada de conversa acontece. Nesse momento a reflexão
gira em torno dos motivos pelos quais se organiza uma Garage Sale principalmente. No nosso
caso, iríamos organizar uma para poder ajudar uma comunidade, mas neste momento, há um
resgate de algo que havia sido estudado no primeiro trimestre, o Dia da Terra (Earth Day),
quando discutimos sobre sustentabilidade, quando falamos sobre reduzir, reutilizar e reciclar,
juntamente com a professora de ciências, sobre consumo consciente da água e chegamos
numa outra face da Garage Sale, a possibilidade de reutilizar objetos que possivelmente iriam
para o lixo.
A partir deste momento, o projeto foi devidamente incluído nos planejamentos da
disciplina de Inglês no EFII.
5.2.3. Desenvolvimento do projeto: Preparação para a Mostra Cultural
A organização das atividades da Mostra Cultural da escola seguiria um planejamento
para a escola como um todo e especificamente do setor de Ensino Fundamental II para que
tudo acontecesse de forma organizada e para que tudo fizesse sentido para o aluno que estaria
apresentando o resultado de seu estudo e empenho.
As etapas do planejamento para a Garage Sale foram:
124
a) Estabelecer um local para guardar as doações;
b) Começar a receber as doações voluntárias dos alunos;
c) Discutir com as classes para escolher os alunos para fazer “propaganda”
da Garage Sale pela escola, passado de classe em classe desde o
Ensino Fundamental I até as salas do Ensino Médio. Essa seleção é
feita junto com a classe, alguns alunos se candidatam, outros são
indicados e a classe vota ou resolve quem vai representá-los para falar
sobre o evento.
d) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de ajudar na montagem
da Garage Sale no dia anterior à Mostra Cultural. Os alunos que
participam da montagem da Garage Sale não recebem nenhum tipo de
nota por desempenhar esta atividade. Para que não haja confusão com
muitos alunos para a montagem da Mostra Cultural, os alunos que não
participam da montagem são dispensados das aulas do dia, no entanto,
há muito interesse por parte dos alunos para participar deste momento,
inclusive os que estudam no período das tarde e comparecem no
período da manhã para poder participar. No dia da montagem as
funções seriam as seguintes: transportar as doações do local onde estão
guardados até o local da Mostra Cultural, ajudar a montar a barraca que
abriga a Garage Sale, arrumar as mesas com os artigos a serem
vendidos por afinidade, colocar os cartazes, confeccionados pelos
alunos, na escola em locais visíveis, estimar e estabelecer os preços dos
artigos que seriam vendidos, fazer as etiquetas com os preços e colocar
os preços nos artigos.
e) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de participar da Garage
Sale no dia da Mostra Cultural, os que tomariam conta da Garage Sale
durante a Mostra Cultural. Essa atividade pode gerar uma nota aos
alunos que dela participam, se seu compromisso com os horários de
entrada e saída forem respeitados e se sua conduta durante o tempo em
que estiverem atuando na Mostra Cultural. A participação na Garage
Sale no dia da Mostra Cultural consiste em chegar no horário
combinado e ficar por uma hora (tempo que cada aluno permanece nas
atividades na Mostra Cultural), vender os artigos, explicar para os
visitantes e compradores em potencial sobre o projeto Garage Sale,
125
receber e fazer o troco para os compradores, em fim, gerenciar o espaço
no tempo em que ficar no local. Ao final, contar o dinheiro e entregar o
envelope para a professora, e finalmente, dar sua ficha de controle de
participação para a professora assinar.
f) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de ajudar a “desmontar”
a Garage Sale, no final da Mostra Cultural. Essa atividade não gera
nota aos alunos, mas sempre há alunos que gostam de ficar para ajudar
na desmontagem da Mostra Cultural. Os alunos que optam por
participar deste momento ficam de trinta minutos a uma hora na escola
ajudando a guardar o que será mantido e a descartar o que será enviado
para reciclagem ou lixo.
g) Preparar os envelopes para os alunos guardarem o dinheiro arrecadado
no seu horário de Garage Sale. Esses envelopes são fornecidos pela
escola, neles há o nome dos alunos que participaram a cada hora e o
total de dinheiro arrecadado no período em que ficaram tomando conta
da Garage Sale. São grampeados e guardados pela professora que os
encaminha para a sala do coordenador pedagógico do Ensino
Fundamental II, o Sr. Alencar David André para ser contado na semana
seguinte.
h) A Mostra Cultural sempre acontece num sábado, sendo sua montagem
na sexta-feira, portanto, na semana seguinte o dinheiro é contado pela
professora e encaminhado para a pastoral da escola. O dinheiro
arrecadado é dividido em três, e um membro da Pastoral da escola vai a
cada classe para que os alunos representantes de cada classe possa fazer
a entrega do dinheiro em mãos. É uma entrega simbólica, marcando o
fechamento do processo todo. É um momento que os alunos se sentem
orgulhosos de poder ajudar. Agora eles sabem que é possível ser
solidário, que o trabalho em grupo, apesar de toda a diversidade, pode
funcionar. Sem sair da escola foi possível ajudar uma comunidade que
cuida de crianças da mesma idade deles.
126
Ilustração 10: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São
Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / Identificação oficial do setor EFII
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
5.2.4. Desdobramentos do projeto Garage Sale ao longo dos anos
No ano seguinte, 2011, houve uma “cobrança” por parte dos alunos do 7º ano, que no
ano anterior estavam no 6º ano para que a Garage Sale fosse novamente organizada com e
por eles. Houve no ano de 2011 a troca do livro paradidático para que não houvesse uma
repetição da história. O livro adotado neste ano foi A Rock Concert for India da autora
Patrícia Chapin. O livro conta a história de uma menina que gosta tem uma banda de música
com alguns amigos e por proposta do professor de geografia participa de um projeto para se
comunicar com adolescentes de outras partes do mundo e saber sobre seu país. Monique, a
personagem principal da história, se corresponde através de e-mails com Tarum, um menino
que mora na Índia. Num determinado ponto da história, Monique fica sabendo pelos
noticiários de televisão que a cidade de Tarum havia sido inundada. Ela resolve ajudar
fazendo um show beneficente e manda o dinheiro para a cidade do amigo, o professor que
deposita o dinheiro numa conta bancária por meio da Internet.
O trabalho com o paradidático relacionado ao conteúdo programático é desenvolvido,
e entre as atividades está a elaboração de cartazes numa proposta diferente para o final do
livro: Se em vez de um show beneficente, Monique tivesse organizado uma Garage Sale,
como teria sido o final da história? Convido-os a fazer o esboço de um cartaz, em inglês,
como o que aparece no livro, só que em vez de anunciar o show, anunciaríamos a Garage
Sale da personagem. Mãos à obra, acertando os detalhes sobre a atividade a ser desenvolvida
em duplas ou em trios. Feito o esboço no caderno, cada grupo mostraria seu trabalho para a
classe.
127
A partir da segunda edição do projeto Garage Sale na escola (2011) os alunos
passaram a assistir ao vídeo da Festa de Natal da Comunidade Santíssima Trindade. Nesse
vídeo, o Papai-Noel entrega presentes às crianças. Os presentes que foram comprados com o
dinheiro que os alunos da Escola Salesiana São José arrecadaram na Garage Sale do ano
anterior. Em 2014, a Sra. Edna, representante da Comunidade Santíssima Trindade, veio à
escola receber o dinheiro da doação e conversou com os alunos. Contou como esse dinheiro
é importante, mas que o mais importante era o carinho dos alunos e agradece a todos pela
ajuda, pedindo a Deus que os abençoe muito.
Este ano, 2015, há novidades no projeto. Os alunos da Escola Salesiana São José
visitaram a Comunidade Santíssima Trindade, acompanhados pelo Sr. Rafael da Pastoral da
escola e pela Profa. Elisete. A visita se deu no dia 18 de setembro no período da tarde. Os
alunos que fizeram a visita foram escolhidos pelos próprios colegas de classe por meio de
votação. E a escolha foi feita pensando no colega que melhor representasse a turma na visita,
pois esse colega terá uma responsabilidade grande: ele será os olhos dos colegas que não
puderam ir, eles vão contar para a turma como foi a visita e mostrar o local que recebe a
ajuda de todos por meio do projeto. Na semana anterior à Mostra Cultural da escola que em
2015 será dia 03 de outubro, os alunos que visitaram a Comunidade mostrarão aos colegas
das respectivas classes um material preparado por cada visitante apresentando, mostrando o
que viram e o que sentiram durante a visita. Enquanto isso, mais doações para a Garage Sale
estão chegando. Abaixo, alguns registros fotográficos da Mostra Cultural da Escola
Salesiana São Jose – Projeto Garage Sale – 2013:
Ilustração 11: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São
Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / mesa pronta com os artigos para serem vendidos
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
128
Ilustração 12: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São
Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / Tudo arrumado para a venda
Extraído de: acrevo pessoal da pesquisadora
5.3. O PROJETO PINK LEMONADE
5.3.1. Contextualização e Gênese do projeto
Fevereiro de 2011: O exercício do livro do 7º ano da Rede Salesiana de Escolas, na
página 15, pedia para que os alunos completassem um diálogo com algumas palavras já
fornecidas e que depois praticassem este diálogo com os colegas. Um diálogo entre três
pessoas: Sally, Paul e a garçonete (waitress). Tarefa pedida para a semana seguinte à aula em
que se trabalhou o conteúdo com o vocabulário necessário para que a mesma fosse realizada.
Na semana a seguinte a tarefa é corrigida e em uma das classes uma pergunta surge:
Professora você já tomou “essa” pink lemonade? Resposta da professora: Não. Outra
pergunta: Como é que a limonada fica “rosa”? Resposta da professora: Nunca vi a receita
desta limonada, mas penso que deve ser suco de alguma fruta vermelha. Como o uso dos
berries é comum no contexto onde provavelmente este diálogo está acontecendo, deve ser
esse o motivo. Mas não tenho certeza. Mais perguntas: O que é berries, mesmo? A professora
lembra os alunos das frutas silvestres nativas de alguns lugares do hemisfério norte, mas
especificamente as que aparecem nos Estados Unidos da América e da alguns exemplos:
strawberry, blueberry, e outros. O aluno responde que ficou curioso e a classe se põe a
comentar as possibilidades: groselha, morango, uva, entre outras frutas. A professora deixa
que os alunos conversem alguns minutos entre si sobre o assunto. A aula está terminando e é
hora de colocar a tarefa para semana seguinte (próxima aula). Muito obvio: pesquisar uma
receita tradicional de Pink Lemonade (além da tarefa do livro que já estava programada.).
129
Espanto não seria a palavra correta para descrever o rosto dos alunos, acho que seria um misto
de curiosidade e sentimento de que seria uma tarefa inútil, pois não era parte do conteúdo das
provas, como comentou um aluno. Sem problemas, ainda assim, era uma tarefa. A professora
já sabia o que fazer com essa tarefa.
Na semana seguinte, antes mesmo de entrar na sala de aula: Professora, é groselha?
Não, é morango! Não, eu vi uma receita com corante alimentício! Todos acalmados, e em
seus lugares, e falamos um pouco sobre a receita. A aula continua. Verificação da tarefa do
livro seguida de correção. É claro que a pergunta veio: Professora, e a receita? A professora
responde: Sim, agora é hora da receita. Quem gostaria de ler a receita que trouxe? Vários
alunos quiseram ler suas receitas. Receitas diferentes, de diferentes fontes, e então ouve-se
uma receita mais tradicional, de acordo com a pesquisa feita pela própria professora, como
tarefa de casa. A receita é colocada na lousa. Todos a copiam no caderno. Alguns querem
fazê-la em casa. A professora chega, então, ao ponto que pretendia ao pedir a receita: E se nós
fizéssemos essa Pink lemonade aqui na sala de aula para que todos nós possamos
experimentar juntos? Wow! Animação geral. Porém, precisamos dos ingredientes. Eu
(professora) trago o suco de cranberry (o suco que faz a limonada ficar rosa). Rapidamente
aparecem voluntários para os outros ingredientes e na aula seguinte a limonada rosa é feita
nas salas de aula do 7º ano, exceto em uma das salas. O motivo foi que não houve a
curiosidade de perguntar sobre a limonada durante a atividade do livro. A professora bem que
ficou com vontade de contar o que estava acontecendo, provocar os alunos para que eles
perguntassem, mas se conteve. Na semana seguinte, porem, a curiosidade ficou misturada
com a “braveza” dos alunos. Por que essa “atividade” não foi feita na nossa classe,
professora? Resposta: Simplesmente porque vocês não perguntaram, não tiveram a
curiosidade de perguntar. Reação da classe: Mas, agora a gente quer saber. Professora: Ok,
então aguardem que vamos combinar. Os alunos: Hoje? Professora: (Suspense) Pode ser! A
aula está terminando e é hora de colocar a tarefa para semana seguinte (próxima aula). Muito
obvio: pesquisar uma receita tradicional de Pink Lemonade (além da tarefa do livro que já
estava programada.). Contentamento é a palavra para descrever o rosto dos alunos e também o
sentimento de respeito e de que foram ouvidos. Mesmo não sendo parte do conteúdo das
provas, a tarefa foi muito bem vinda. A professora e os alunos já sabiam onde iam chegar com
essa tarefa.
Tudo pronto, a data para trazer os ingredientes com a autorização dos pais ou
responsáveis concedida, chegou o dia de fazer a limonada. A professora traz os utensílios
necessários, o suco de cranberry e os alunos que se comprometeram em trazer os ingredientes
130
os trazem como combinado. Arrumada a mesa com uma toalha, tudo preparado, a limonada é
feita pelos alunos com a ajuda da professora. Hora de experimentar: a maioria acha uma
delicia. É bom notar neste ponto que a receita foi adaptada, pois originalmente é um pouco
forte. A receita original:
Pink Lemonade Recipe (Original Recipe Yield 12 servings )
Ingredients
2 cups white sugar
9 cups water
2 cups fresh lemon juice
1 cup cranberry juice, chilled
Directions
In large pitcher combine sugar, water, lemon juice and cranberry juice. Stir to
dissolve sugar. Serve over ice.15 (ALL RECIPES, 2015)
A receita feita com os alunos é a mesma, mudando-se apenas a quantidade de limão,
usou-se apenas uma xícara de suco de limão.
Algumas fotos para ilustrar os momentos em sala de aula. Importante registrar que as
fotos abaixo foram tiradas no ano de 2013, pois, os registros fotográficos nos eventos
anteriores (2011 e 2012) se perderam.
Ilustração 13: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -
Projeto Garage Sale – 2013 / A mesa preparada com os ingredientes.
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
15
Tradução da autora: Receita da Pink Lemonade (Receita Original Rendimento 12 porções)
Ingredientes: 2 xícaras de açúcar refinado, 9 xícaras de água, 2 xícaras de suco de limão fresco, 1
xícara de suco de cranberry gelado
Instruções: Numa jarra grande misture o açúcar, a água, suco de limão e suco de cranberry. Mexa até
dissolver o açúcar. Sirva gelado.
131
Ilustração 14: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -
Projeto Garage Sale – 2013 / A receita na lousa.
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
Ilustração 15: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -
Projeto Garage Sale – 2013 / A limonada está pronta, agora é só servir!
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
Ilustração 16: Registro fotográfico de sala de aula na escola Salesiana São José -
Projeto Garage Sale – 2013 / Os professores e funcionários do setor também
experimentaram a limonada!
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
132
5.3.2. A Pink Lemonade vai para a Mostra Cultural
No mesmo ano, 2011, os alunos sugeriram que se vendesse também a pink limonade
na Mostra Cultural da escola juntamente com a Garage Sale. Alguns pontos foram levados
em conta para que o projeto se realizasse, entre eles: a) a autorização do Coordenador
Pedagógico do Ensino Fundamental II, o Sr. Alencar André David; b) a condição de que a
manipulação dos ingredientes seria feita pela professora devido ao fato de se estar oferecendo
um alimento às pessoas; e c) que os ingredientes seriam todos doados pelos alunos dos 7ºs
anos. Isso não foi problema, alguns até se ofereceram para usar o dinheiro da sua mesada para
comprar. Houve um momento em cada sala para que os alunos se colocassem como
voluntários a trazer os ingredientes. Conseguiu-se uma grande quantidade de ingredientes e
assim o projeto se concretizou. Com a proximidade da Mostra Cultural em 2011, a professora
preparou uma atividade (Apêndice K) sobre a Pink Lemonade para ser Aplicada em sala de
aula com os alunos, os objetivos desta atividade, além de trabalhar vocabulário e leitura e
interpretação de texto foi deixar os alunos um pouco mais informados sobre o “produto” que
venderiam em breve. A atividade foi sofrendo atualizações e variações para evitar repetições
de um ano para outro.
5.3.3. Desdobramentos do projeto
A partir de 2015, o projeto Pink Lemonade passou a ser realizado pelos alunos dos 6ºs
anos, ficando o projeto Garage Sale com os alunos dos 7ºs anos. O motivo é que houve uma
mudança no material didático da Rede Salesiana de Escolas e com esta mudança, o “diálogo”
que deu origem ao projeto Pink Lemonade não mais existe no material. Como os projetos já
são bem conhecidos e esperados na escola houve o convite, por parte da professora, para os
alunos dos 6ºs anos para que eles realizassem o projeto. Houve uma aceitação muito grande
por parte dos alunos dos 6ºs anos. Todos eles assistiram ao DVD com a festa de Natal da
Comunidade Santíssima Trindade, neste momento do projeto, já houve distribuição dos
ingredientes para que os alunos tragam para se fazer a Pink Lemonade na Mostra Cultural em
03 de outubro. Porém, os alunos dos 7ºs anos sentiram-se um pouco enciumados porque
queriam participar do projeto. O motivo do convite e do deslocamento do projeto foi que
desta forma se atingiria um número maior de alunos participando e para que os alunos dos 7ºs
anos pudessem se dedicar mais ao projeto Garage Sale. O mesmo aconteceu com os alunos
dos 6ºs anos em relação à visita à Comunidade Santíssima trindade em 18 de setembro de
2015 e todas as etapas descritas acima estão previstas para acontecer.
133
5.4. A COMUNIDADE SANTÍSSIMA TRINDADE
Sobre a Comunidade Santíssima Trindade, nada sabíamos. No primeiro ano em que o
projeto Garage Sale aconteceu, nem sabíamos quem seriam os destinatários da nossa ajuda, o
que não impediu que o projeto se concretizasse. A partir do segundo ano em que, agora os
projetos, se realizaram, ficamos sabendo, alunos e professora, sobre a Comunidade por meio
do Rafael, agente da Pastoral, que nos contou que o fruto das nossas ações iriam ajudar uma
Comunidade a comprar presentes de Natal para crianças e que para muitas delas este seria o
único presente que ganhariam no Natal. Um CD de vídeo chega até nós, por meio do Rafael,
com fotos e filmagens da festa de Natal do ano anterior. Pudemos ter, então, uma ideia do que
estávamos fazendo e para quem estávamos fazendo.
5.4.1. Uma conversa acolhedora
A igreja não é para ficar fechada, é para ir ao encontro da comunidade.
Dna. Edna
Quando terminamos nossa conversa, entendi porque a Comunidade Santíssima
Trindade é tão atuante no bairro Parque Floresta 1. Foi quando a Dna. Edna disse a frase da
epigrafe acima. Ela marcou o final da nossa conversa sobre a Comunidade Santíssima
Trindade, mas não o final da visita, pois ela havia preparado um bolo, pão caseiro, café e chá.
Um sentimento de acolhida toma conta de quem se aproxima da Dna. Edna.
A conversa com a Dna. Edna não foi gravada, pois ela confessou que fica um pouco
constrangida com registros de sua fala em gravações ou filmagens. Por respeito a ela, nossa
conversa foi feita sem nenhum de registro com câmera ou gravador. As anotações foram feitas
durante a conversa.
A Comunidade Santíssima Trindade tem por volta de 25 anos, pois a contagem da sua
existência começou com a peregrinação e luta estabelecer um grupo de oração em uma
comunidade, apesar de a primeira missa datar do ano de 1994.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, quando o Bairro Parque Floresta 1 ainda não
existia, quando a região ainda era “só mato”, como descreve a Dna. Edna, havia no local dois
grupos de terço que rezavam nas casas dos moradores, pois não possuíam um local adequado
e específico para isso. As irmãs gêmeas Bina e Rosa (sobrenome não informado), moradoras
134
do local, achavam que já era tempo de se organizarem para criar uma comunidade, então ao
final de cada terço rezado, elas conversavam com as pessoas para saber que era da vontade
delas que se criasse numa comunidade para o local e se queriam ajudariam nessa luta. Com as
afirmativas dos moradores, elas foram conversar com o Bispo Dom Gilberto Pereira Lopes (5º
Bispo e 3º Arcebispo Metropolitano de Campinas - 1982 a 2004) sobre a possibilidade de se
criar a tal comunidade. Após estudos, a permissão foi concedida e as irmãs voltaram a
percorrer as casas no bairro para que se escolhesse um nome para a comunidade e após cada
terço rezado, uma conversa para que todos pudessem se pronunciar a respeito do nome a ser
escolhido. Das opções oferecidas, o nome escolhido pela própria comunidade foi Santíssima
Trindade. Uma etapa concluída.
As atividades da comunidade se iniciaram mesmo sem que tivessem um local para as
atividades. O padre vinha para o local e as missas eram celebradas nas casas dos moradores.
As irmãs Bina e Rosa se incumbiam de buscar a eucaristia em outras igrejas para que a missa
pudesse ser celebrada. Após algum as missas começaram a ser celebradas no Centro Social do
bairro. Além das missas, a comunidade também realizava algumas celebrações no Centro
Social.
A partir do momento que se constitui a comunidade, há a necessidade de se oferecer os
serviços da Pastoral da criança para a comunidade local, sendo assim, duas das moradoras, a
Dna. Edna e a Cleide (sobrenome não informados) receberam treinamento e formação para
exercer as funções relacionadas às atividades da Pastoral da Criança. Segundo a Dna. Edna,
foi muito difícil para elas, pois tinham que cuidar de suas casas e famílias, filhos pequenos e
num sábado a tarde se ausentarem para o curso de formação era tarefa árdua. Por conta dessas
dificuldades principalmente com os cuidados com os filhos pequenos, foram atendidas
quando pediram para que durante o curso fizessem um rodízio, cada uma participava num
sábado enquanto a outra cuidava dos filhos das duas e durante a semana passava o
treinamento para a outra. Conseguiram terminar o curso e as atividades da Pastoral da Criança
puderam ter início na Comunidade Santíssima Trindade.
Boa vontade havia de sobra, mas a Comunidade ainda continuava sem um local
adequado para atender as mães e as crianças. O Centro Social já não comportava as
atividades. Decidiu-se invadir um terreno em frente ao Centro Social. Ficaram lá algum
tempo, mas foram obrigados a sair. Neste momento, descobriram que havia um terreno ao
lado do Centro Social de propriedade da Prefeitura Municipal de Campinas para onde se
mudaram. Com uma permissão especial construiu-se um pequeno barracão e a partir deste
momento deu-se início à luta para ficar no local definitivamente. A partir do momento em que
135
o terreno foi invadido, mas sendo utilizado para atividades voltadas à comunidade local,
houve a permissão permanente para que a Comunidade Santíssima Trindade se estabelecesse
no local. Mais uma etapa vencida.
O próximo passo era conseguir a entronização do Santíssimo no local. Após consultas
ao Bispo, ainda pelas irmãs Bina e Rosa, várias alterações foram feitas para preparar o local
para tal. Finalmente, depois de algum tempo, tudo preparado, uma missa espacial foi realizada
para celebrar a entronização do Santíssimo. Mais uma alegria para a comunidade do bairro.
A Dna, Edna veio do estado do Paraná e já participava das atividades da Comunidade
Santíssima Trindade, mas ficou mais atuante nos últimos 16 anos. Poucos recursos, mas muita
luta fez com que a Comunidade Santíssima Trindade chegasse a ser tão atuante no bairro
como é atualmente. Outras atividades foram agregadas às que já existiam, entre outras, o
Grupo dos Hipertensos, as festas, incluindo a Festa de Natal que recebe a doação do trabalho
e empenho dos alunos do Ensino Fundamental II da Escola Salesiana são José desde 2011.
A Festa de Natal começou timidamente e foi se configurando até chegar ao que é hoje,
um evento esperado pelos moradores do local, crianças e adultos. Boa vontade e muita
confusão no início, ma a abertura à criticas e opiniões fez com que a festa fosse tomando
corpo e ficasse cada ano melhor. Começou sendo feita na rua, depois passou a ser feita no
Centro Social, ou em outros locais como escolas da região e finalmente começou a ser
organizada de forma mais adequada depois que a Comunidade Santíssima Trindade ganhou
sede própria. Os anos passavam e a experiência também ajudou na escola da melhor forma de
se organizar a festa para o bem estar das pessoas que dela participavam. Havia uma
preocupação grande com as pessoas por ser dezembro um mês de clima quente e os
organizadores não queriam vê-los no sol e calor, esperando em filas para poder receber os tão
esperados presentes do Papai Noel.
Inicialmente havia pouca ajuda para a festa, mas a Dna. Edna intensificou a busca por
fundos para que a festa ficasse cada vez melhor. Hoje ela conta com algumas contribuições
certas para a festa, e aos poucos vai conseguindo outras para substituir a s contribuições
esporádicas. A partir de um determinado momento, a festa passou a ser da responsabilidade
da Dna. Edna que no início achou que “não daria conta do recado”, em suas palavras, mas que
resolveu assumir o compromisso para não ver essa atividade se extinguir. A cada ano ela diz
que tem mais alegrias por ver que diante de cada dificuldade coloca suas necessidades nas
mãos de Deus e vai conseguindo coisas que nem poderia imaginar que conseguiria. O Rafael
da Pastoral da Escola Salesiana São José já a conhecia e já contribuía de alguma forma com o
trabalho da Comunidade Santíssima Trindade, mas passou a contribuir também para a festa de
136
Natal. Dna. Edna diz que luta por novas conquistas e sempre quer mais para o bem da
comunidade. Dna. Edna quis mostrar algumas fotos para que eu pudesse ter noção da luta de
todos para atingir os objetivos. E algumas fotos tiradas no dia da visita à Comunidade
Santíssima Trinada com os alunos foram acrescentadas.
Ilustração 17: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –
missa e entronização do Santíssimo na Comunidade Santíssima Trindade e Santíssimo
Extraído de: acervo pessoal da Dna. Edna
Ilustração 18: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –
Encenação de peça de Natal e Primeira Festa de Natal com o prédio ainda em
construção
Extraído de: acrevo pessoal da Dna. Edna
137
Ilustração 19: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –
Visita à Comunidade: Dna. Edna conversando com os alunos e Alunos fotografando a
construção do novo prédio no mesmo terreno.
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
Ilustração 20: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima trindade –
Dna. Edna e a pesquisadora
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
138
Ilustração 21: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –
registros feitos durante o pequeno tour pelo bairro onde se localiza a Comunidade na
companhia da Dna. Edna
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
Ilustração 22: Registro fotográfico da saída dos alunos, professora-pesquisadora e
agente da pastoral para a visita à Comunidade Santíssima Trindade
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
139
CAPÍTULO 6: OPÇÃO METODOLÓGICA E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
6.1. O ESTUDO DE CASO E O COMPROMISSO DA PESQUISADORA
A opção pelo Estudo de caso como metodologia para a presente pesquisa, como
mencionado anteriormente, deu-se pelo desejo de se estudar uma situação específica e atual
vivida pela pesquisadora com um olhar para a possibilidade de se socializar as experiências e
resultados obtidos. Para Chizzotti (2006), a singularidade de uma experiência pode colaborar
em outros contextos e instruir na tomada de decisões. Starke (apud, Chizzotti, 2006),
acrescenta que o Estudo de Caso não tem a pretensão de elaborar teorias a respeito do assunto
abordado, nem é esse o objetivo da pesquisadora. Porém, Yin (2001) alerta para a necessidade
de se superar críticas que normalmente são feitas à esta metodologia. Para Yin (2001), as
críticas, ou preconceitos, termo usado pelo autor, são: 1. Falta de rigor da pesquisa de estudo
de Caso, por se encontrarem evidencias de que casos em que aceitou-se informações
equivocadas ou visões tendenciosas, ao que o autor afirma que “cada pesquisador de estudo
de caso deve trabalhar com afinco para expor todas as evidencias de forma justa” (Yin, 2001,
p. 29); 2. Fornecimento de pouca base para se fazer uma generalização científica, crítica que o
autor refuta afirmando que Estudos de Caso:
[...] são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universos.
Nesse sentido, o estudo de caso, como o experimento, não representam uma
“amostragem”, e o objetivo do pesquisador é expandir e generalizar teorias
(generalização analítica) e não enumerar frequências (generalizações estatísticas).
(YIN, 2001, p. 29.)
O terceiro ponto citado por Yin (2001) é o estudo de caso pode demorar muito
tempo para ser realizado e resultar em documentos ilegíveis, mas acrescenta que nos moldes
como os Estudos de Caso são conduzidos atualmente não se pode usar mais este argumento,
pelo rigor científico que se agregou às pesquisas que usam esta metodologia.
Os pontos acima colocados são de grande relevância para o sucesso na obtenção e
analise dos dados obtidos na presente pesquisa e geram por parte da pesquisadora o
compromisso de exercitar o distanciamento quando necessário para que se possa ter uma
análise imparcial dos dados assim como se fez na obtenção dos mesmos.
6.2. OBSERVAÇÕES A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO
140
A forma de se obter dados para que se verificasse a abrangência e impacto do(s)
projeto(s) nos alunos e a forma como eles vivenciaram e sentiram a experiência foi a de se
aplicar um questionário com os alunos. Em primeiro lugar é necessário que se exponha sobre
a forma como o questionário foi aplicado, após o que se explanará sobre o questionário em si
e sobre os resultados obtidos.
A aplicação de um mesmo questionário com perguntas que identificassem o aluno,
setor, sexo, idade, ano de participação no(s) projeto(s) entre outras informações foi feita de
forma diferente nos dois setores da escola em que havia alunos participantes do(s) projeto(s).
6.2.1. Aplicação dos questionários no Ensino Fundamental II
A partir da autorização concedida pelo Coordenador do Ensino Fundamental II, a
aplicação do questionário seguiu e aconteceu de acordo com as regras explicitadas pelo
próprio Coordenador do setor, ou seja, o questionário não poderia ser aplicado em sala de
aula, e somente poderia ser aplicado após a autorização dos pais ou responsáveis pelos alunos.
Se a pesquisadora decidisse por aplicar o questionário na escola, essa aplicação teria que
acontecer no período contrário às aulas dos alunos. Devido à dificuldade de se ter os alunos
em período contrário na escola por conta de fatores como transporte, disponibilidade dos pais
e dos próprios alunos, decidiu-se por entregar o questionário em sala de aula para os alunos
com o termo de Autorização grampeado a ele, pois desta forma os pais ou responsáveis
autorizariam ou não a participação dos alunos mediante as perguntas que eles teriam que
responder. Os alunos não eram obrigados a responder nem a devolver o questionário. Para os
alunos dos 6ºs e 7ºs anos a pesquisadora entregou no final de uma de suas aulas e para os
alunos de 8ºs anos com autorização e consentimento de outros professores o questionário foi
entregue em momentos previamente combinados para que não se atrapalhasse as aulas, visto
que o setor encontrava-se em época de aulas de Recuperação Paralela. Da mesma forma, os
alunos não eram obrigados a responder o questionário e levavam para casa mediante seu
desejo de colaborar. Não foi possível entregar o questionário para os alunos dos 9ºs anos por
estes estarem fora da escola em viagem de formatura e por entrarem em período de provas
trimestrais na sua volta. O retorno dos questionários foi feito em data combinada (6ºs e 7ºs
anos na aula seguinte e 8ºs anos em dia combinado com cada turma de acordo com suas
preferências.).
A pesquisadora optou por fazer a aplicação do questionário após o evento Mostra
Cultural, que aconteceu na primeira semana de outubro, em que os alunos realizam a parte
141
final do(s) projetos(s). Porém a aplicação não foi imediata, pois logo após o evento, iniciava-
se o período de provas mensais durante o qual não houve autorização para a aplicação.
6.2.2. Aplicação do questionário no Ensino Médio
Uma ocorrência que fugiu totalmente do controle da pesquisadora deu-se durante este
processo e apesar de não ter, aparentemente, interferido na aplicação do questionário, deve ser
informada. Ao receber o e-mail da pesquisadora, enviado em setembro de 2015, com o pedido
formal para que o questionário fosse aplicado e com nomes de alunos que participaram do(s)
projeto(s) e que ainda eram alunos da Escola Salesiana São José, o Coordenador do setor,
Ensino Médio, entendeu que já poderia proceder com a entrega do questionário para os
alunos, fez as cópias e os entregou. O gesto foi acolhido pela pesquisadora que agradecida
recebeu e guardou os questionários que haviam sido devolvidos pelos alunos que quiseram
respondê-lo. Ocorre que na ocasião da Qualificação desta pesquisa, 23 de outubro de 2015,
houve sugestões para que mudanças fossem feitas no questionário a fim de que este fosse
aperfeiçoado para facilitar a obtenção dos dados para posterior análise. Portanto, houve a
necessidade de se aplicar a nova versão do questionário. Houve novo contato com o
Coordenador do setor e nova autorização.
A autorização para que os alunos respondessem o questionário durante o período das
aulas foi concedida mediante prévia consulta com a Coordenação e Orientação do setor.
Feitas as consultas, aplicou-se a nova versão do questionário nas turmas nos momentos
determinados. Da mesma forma, os alunos não eram obrigados a responder as perguntas, e os
que optaram por participar levaram o termo de Autorização para seus pais ou responsáveis
assinarem e os trouxeram nos dias combinados no setor. Neste setor, a pesquisadora teria que
se responsabilizar por aplicar o questionário. A aplicação deu-se da seguinte forma, de acordo
com as instruções do setor: a pesquisadora entregava em cada uma das salas e explicava o
motivo de sua presença e convidada os alunos para participarem. Os alunos que o desejassem
a acompanhariam para outra sala onde o questionário seria aplicado. Ressalta-se que de forma
análoga, preferiu-se aplicar o questionário após o evento Mostra Cultural, pois os alunos do
Ensino Médio teriam a chance de participar mais uma vez do evento o que lhes traria
recordações sobre suas participações anteriores. Contudo, a aplicação do questionário foi
autorizada nos intervalos entre as provas trimestrais, ou seja, no momento em que a
pesquisadora entrava nas salas para fazer o convite havia sempre um professor em processo
de esclarecimento de dúvidas para a prova que seria aplicada nas aulas seguintes. Não houve
142
grandes questionamentos por parte dos alunos a respeito da nova aplicação do questionário,
apenas perguntas de curiosidade sobre o motivo do novo convite. Após uma breve explicação
do motivo, a escrita se dava sem problemas.
6.3. DADOS OBTIDOS
Do total de alunos que desejaram responder ao questionário, 36 o devolveram, porém,
um com autorização assinada, mas em branco (um aluno do 6º ano); outros três respondidos
que não puderam ser utilizados por não estarem acompanhados do Termo de Autorização dos
pais ou responsáveis (uma aluna do 6º ano, e dois alunos da 2ª série do Ensino Médio).
Portanto o total de questionários utilizados para a analise foi de 32. Deste total, 14 alunos são
do Ensino Fundamental II, sendo que 10 são do sexo feminino e 04 do sexo masculino e 18
são do Ensino Médio, sendo que 08 do sexo feminino e 10 do sexo masculino, num total de
18 alunos do sexo feminino e 14 do sexo masculino. O quadro abaixo indica os Anos e as
Séries dos alunos e sexo de acordo com os setores (Informações obtidas no cabeçalho do
questionário).
Tabela 1 – Número De Alunos / Setor / Gênero / Série/Ano
Ensino Fundamental Ensino Médio
Ano Total de
alunos
Sexo
feminino
Sexo
masculino
Série Total de
alunos
Sexo
feminino
Sexo
masculino
6º 06 04 02 1ª 06 02 04
7º 02 01 01 2ª 06 03 03
8º 06 05 01 3ª 06 03 03
9º ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------
A informação sobre a idade dos alunos também foi contemplada, ressaltando que os
alunos de até 14 anos cursam o Ensino Fundamental II e os alunos com 15 anos ou mais
cursam o Ensino Médio. Os resultados obtidos foram os seguintes (Informações obtidas no
cabeçalho do questionário):
143
Tabela 2 – Alunos / Idade
Idade dos alunos Total de alunos
11 anos 05
12 anos 02
13 anos 04
14 anos 03
15 anos 06
16 anos 03
17 anos 08
18 anos 01
Outra informação que se obteve foi em relação ao ano de participação dos alunos no(s)
projeto(s), informação que o quadro abaixo revela (Pergunta 1):
Tabela 3 – Ano de participação no(s) projeto(s)
Ano da participação Total de alunos
2010 - Alunos que participaram no 7º Ano do
Ensino Fundamental II e em 2015 cursam a 3ª
série do Ensino Médio
06
2011 - Alunos que participaram no 7º Ano do
Ensino Fundamental II e em 2015 cursam a 2ª
série do Ensino Médio
06
2012 - Alunos que participaram no 7º ano e
em 2015 cursam a 1ª série do Ensino Médio
06
2013 – alunos que participaram no 7º Ano do
Ensino Fundamental II e cursam o 9º Ano do
Ensino Fundamental II em 2015
---------------
2014 - Alunos que participaram no 7º Ano do
Ensino Fundamental II e em 2015 cursam o
8ª Ano do Ensino Fundamental II
06
2015 - Alunos que em 2015 cursam o 6ª ou 7º
Ano do Ensino Fundamental II
08
144
Em relação ao(s) projeto(s) dos quais os alunos participaram (Pergunta 2), temos as
seguintes informações: 07 participaram do projeto Garage Sale apenas, 11 participaram do
projeto Pink Lemonade apenas e 14 participaram dos dois projetos. Ressalta-se que nos anos
de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, os dois projetos eram desenvolvidos com os alunos dos 7ºs
Anos apenas, por razões já expostas anteriormente, apenas no ano de 2015 é que uma
mudança foi sugerida pela professora e acatada pela Coordenação Pedagógica do setor,
quando o projeto Garage Sale foi mantido para os alunos dos 7ºs Anos e o projeto Pink
Lemonade foi sugerido pela professora e aceito pelos alunos dos 6ºs Anos.
Deste ponto os dados obtidos serão expostos de acordo com a ordem das perguntas no
questionário e posteriormente se fará comentários e análises. A forma como se exporá os
resultados justifica-se por não se tratarem de perguntas cujas respostas caberiam numa tabela
ou quadro por serem respostas pessoais e vários tópicos relevantes para a análise foram
surgindo ao longo da leitura das respostas. O que se propõe a fazer é uma compilação das
respostas e indicar o numero de vezes que cada uma delas aparece. As perguntas 1 e 2 já
tendo sido contempladas, inicia-se pela pergunta 3.
Pergunta 3: De que forma você participou no(s) projeto(s)?
Respostas obtidas:
- na montagem da Mostra Cultural – 3
- na venda dos objetos no dia da Mostra Cultural – 26
- na doação de objetos para serem vendidos na Garage Sale - 10
- na divulgação do(s) projeto(s) na Mostra Cultural - 2
- visitando a Comunidade Santíssima trindade e contando o que vi para meus colegas – 1
- na doação de ingredientes para a limonada – 3
Pergunta 4: Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?
Respostas obtidas:
- arrecadar dinheiro para uma instituição – 12
- ajudar uma instituição – 15
- arrecadar dinheiro para doar para uma instituição comprar presentes de Natal para crianças
da localidade – 4
- ter uma nova experiência enquanto aluno – 1
- mostrar uma atividade de uma cultura diferente da nossa – 6
145
Pergunta 5: Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como o grupo
aceitava as opiniões de cada integrante? O diálogo foi fácil?
Respostas obtidas:
- foi bom para conhecer as pessoas dos outros 6ºs Anos – 5
- a aceitação das opiniões era boa, sem discussões – 9
- o diálogo era preciso para vender os objetos e a limonada – 2
- o trabalho em equipe foi legal – 3
- todos se entendiam – 1
- Foi divertido – 4
- às vezes nós discutíamos, mas nos entendíamos – 1
- foi um desafio legal – 4
- ouvíamos as propostas – 4
- o diálogo era fácil – 13
- fiz novos amigos – 2
- foi uma experiência diferente – 2
- tínhamos que melhorar a comunicação com os outros – 6
- aprendemos a ouvir e respeitar as diferenças – 6
- o grupo tinha o mesmo objetivo, isso facilitou – 4
- houve cooperação – 2
- não foi fácil aceitar as opiniões dos outros – 1
- trabalho em equipe é sempre um desafio – 1
- nem sempre tinha concordância – 1
- a professora nos ajudou a nos entendermos – 1
Pergunta 6: De que forma você passou a entender os demais participantes diferentes de você?
Respostas obtidas:
- entendi que é legal conhecer pessoas diferentes de você – 1
-conversando – 4
- ajudando – 3
- percebi que cada um tem um jeito de pensar – 5
- fazendo amizade como os participantes – 2
- contribuindo – 1
- respeitando – 7
- através do diálogo – 6
146
- entendi que até as pessoas mais “fechadas” gostam de ajudar – 1
- quando todos têm o mesmo objetivo fica mais fácil – 4
- ouvindo o outro – 1
- tentando entender o outro – 3
- conhecendo melhor cada um – 1
- passei a ter mais paciência – 1
Aceitando as ideias do grupo – 4
Pergunta 7: Você obteve notas pela participação no projeto? Sim ( ) Não ( )
Respostas obtidas:
25 participantes obtiveram nota pela participação
7 alunos não receberam nota pela participação.
Há um ponto para se esclarecer nestas informações. Esta variação ocorre devido às
regras do Ensino Fundamental II em relação às produções e avaliação dos alunos para a
Mostra Cultural, mais especificamente, no ano de 2015 tentou-se uma nova forma de
avaliação em que o aluno escolhe as disciplinas em que deseja ser avaliado e receber as notas
referentes à sua participação na Mostra Cultural. Portanto, alguns alunos participaram do
projeto sem receber nota por vontade própria.
Pergunta 8: Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?
Respostas obtidas:
Respostas SIM – 23
Respostas NÃO – 0
Respostas TALVEZ – 2
Respostas em branco – 7
Respostas obtidas para razoes para participar sem nota:
- tive a oportunidade de conhecer uma instituição – 1
- o que importa é ajudar, não a nota – 1
- meus amigos participaram – 1
- uma experiência nova – 1
- fiquei curioso(a) sobre o projeto – 1
- ajudaria a arrecadar fundos para pessoas necessitadas – 7
-eu quis participar desde que a professora falou do projeto – 4
- é uma atividade dinâmica e desperta o interesse – 1
147
- para entender como funciona uma Garage Sale de verdade – 1
- é uma oportunidade de ser solidário(a) – 4
- um projeto produtivo - 1
- sempre pensei em ajudar o próximo – 2
- é importante ajudar – 1
- é divertido – 3
- é um projeto legal – 3
Pergunta 9: De que modo essa experiência foi importante para você? Você aprendeu algo por
meio dessa participação?
Respostas obtidas:
- melhorei minha cooperação – 3
- melhorei no relacionamento com os outros – 9
- entendi melhor o que é solidariedade – 7
- conheci e vivenciei um aspecto de uma cultura diferente da minha – 5
- eu ajudei quem precisa – 3
- comecei a ajudar e a participar de outros projetos como esse – 1
- vivenciei uma realidade diferente da minha, a de pessoas com dificuldades – 2
- foi importante para deixar a timidez de lado/para ter menos vergonha – 2
- aprendi o processo de organizar a arrecadação dos fundos para ajudar as pessoas – 1
- a prendi a me comunicar melhor e negociar – 1
- o trabalho voluntário é importante, aprendi isso para o futuro – 2
- aprendi muito, foi diferente – 1
- a prendi a socializar – 1
Pergunta 10: De que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?
Respostas obtidas:
- por ajudar crianças carentes – 1
- para saber como tudo ia acontecer – 5
- pela experiência de vender – 3
- pela experiência de algo novo, diferente da minha cultura – 3
- porque todos participariam, alunos e professora – 1
- por causa da ajuda que isso ia gerar – 6
- porque eu não conhecia a limonada cor-de-rosa – 2
148
- por ser algo novo – 5
- pela experiência de trabalhar em grupo com um objetivo em comum – 1
- são projetos diferentes – 5
- gosto de participar de coisas diferentes – 1
- para ver se daria certo – 1
- pareceu ser divertido – 2
- para saber que objetos iríamos arrecadar para vender - 1
Pergunta 11: De que forma você descobriu suas potencialidades ao participar dos projetos?
Respostas obtidas:
- fiquei mais confiante para trabalhar em grupo e resolver problemas coletivos – 2
- percebi a união para ajudar o próximo – 1
- consegui vender com facilidade – 1
- senti que fui útil ao participar, que posso ajudar – 3
- senti que me sai bem na participação – 1
- percebi que sei trabalhar em grupo – 3
- gostei de ser elogiado quando tudo deu certo – 1
- não fiquei com vergonha de vender – 1
- explorei meu potencial de vendedor e gostei – 7
- percebi que podemos mudar o mundo com pequenas ações, é só incentivar – 1
- eu acabava liderando o grupo e achei bom – 1
- tive que me comunicar com pessoas que não conhecia para vender e gostei – 3
- fiquei feliz em ser solidário – 2
- percebi meu potencial para me comunicar nas vendas – 2
- respostas em branco – 1
Pergunta 12: Em quais outras iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você
participaria ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essas?
Respostas obtidas:
- o projeto me incentivou a ser mais caridoso(a) / solidário(a) – 11
- sim, eu participaria de outras atividades como essa – 22
- eu criaria campanhas para ajudar crianças – 2
- o projeto me motivou a tomar iniciativas para ajudar outras pessoas – 9
- o projeto me mostrou que eu posso fazer a diferença – 1
149
- já participo de outros projetos desse tipo – 3
- o projeto me incentivou a não jogar fora nada que possa ser útil para alguém – 1
- o projeto me incentivou a participar de outros projetos na Mostra Cultural – 1
- o que me incentivou foi o objetivo do projeto – 1
Pergunta 13: De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os participantes?
Respostas obtidas:
- uma relação de respeito mútuo por meio do trabalho em equipe – 4
- aprendi a aceitar diferentes pontos de vista – 1
- ficamos mais unidos – 6
- novas amizades surgiram – 6
- todos ajudaram – 1
- levamos o trabalho a sério e nos divertimos – 2
- não foram laços muito intensos – 1
- aprendemos a conviver e fortalecer amizades – 4
- o trabalho em equipe trouxe sucesso ao projeto – 3
- estávamos unidos por uma mesma causa – 2
- conversando – 2
- durante a venda os laços de afetividade foram fortalecidos – 3
- por poder ajudar o próximo - 1
6.4. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
É de grande relevância o fato de que a pesquisadora se surpreendeu com os resultados
obtidos, principalmente por não esperar que estes se pudessem se revelar tão abrangentes e
significativos. Havia por parte da pesquisadora uma expectativa de que as respostas em geral
seria mais ligadas ao fato de se estar desenvolvendo o(os) projeto(s) no contexto do ensino de
uma língua estrangeira, o inglês, tão comumente ligada à colonização e invasão cultural. Por
este motivo esperava-se que as respostas fossem mais ligadas ao contexto da disciplina de
Língua Inglesa. No entanto, a pesquisadora se surpreendeu e os motivos se mostraram muito
claros. Passo, então, para a interpretação das respostas e dados obtidos para que o leitor
compartilhe da minha leitura dos resultados.
150
Em primeiro lugar, a respeito do número de alunos que retornaram os questionários é
necessário levar em conta os seguintes aspectos: nem todos os alunos quiseram levar o
questionário para casa, e nem todos estavam presentes no dia da entrega dos mesmos. O fato
de os alunos estarem em período de Recuperação Paralela no Ensino Fundamental II pode ter
impactado na devolução dos questionários por dois motivos: por um lado, alunos que não têm
necessidade de estar presente nesse período de aulas neste momento do ano (3º trimestre). Por
outro lado, os alunos que frequentam as aulas neste período, em geral, estão com o foco de
sua atenção voltado para os estudos com vista ao seu sucesso nas provas de Recuperação
Paralela que deverão enfrentar no próximo passo do processo de Recuperação Paralela. Em
relação aos alunos do Ensino Médio, o mesmo pode ter acontecido, com o agravante de que
sua grade de disciplinas é maior do que a do Ensino Fundamental II, portanto um acumulo de
conteúdos para estudar maior pode acontecer.
Em segundo lugar, uma observação sobre o gênero dos alunos que responderam e
entregaram o questionário: um número levemente maior do sexo feminino devolveu o
questionário (18 alunas e 14 alunos) levando-se em conta o total de questionários devolvidos.
Em terceiro lugar, no que concerne ao numero de alunos de cada setor que respondeu e
entregou o questionário, poder-se-ia destacar um aspecto interessante, qual seja, um maior
numero de alunos do Ensino Médio entregou os questionários (18 alunos do Ensino Médio
contra 14 alunos do Ensino Fundamental II). Considera-se interessante e até contraditório pelo
fato já mencionado de que os alunos têm um numero maior de disciplinas para administrar do
que os alunos do Ensino Fundamental II. Por outro lado, poder-se-ia concluir que esses alunos
já tiveram tempo de assimilar e refletir mais sobre a experiência de ter participado do(s)
projeto(s) e sobre o efeito dessa participação em suas vidas, o que por sua vez se encerra outra
contradição, se levarmos em conta que os alunos do Ensino Fundamental II devem estar com
os fatos relacionados à participação no(s) projeto(s) mais avivados em sua memória. Uma
observação ainda sobre os alunos do Ensino Médio que devolveram os questionários: a
maioria participou do primeiro ano da realização do projeto Garage Sale (em 2010 apenas
este projeto foi realizado).
Pretende-se, a partir deste ponto, interpretar as respostas que se seguem levando em
conta os conceitos e a teoria desenvolvida no Capítulo 1 sobre as categorias: autonomia,
protagonismo e alteridade.
A pergunta 3, “De que forma você participou nos(s) projetos?”, apresentou respostas
que mostraram alunos exercendo sua autonomia em várias situações. Do momento em que
iniciam a montagem do stand da Garage Sale e da Pink Lemonade no local determinado pela
151
organização do evento, os alunos têm liberdade para diferentes ações, como: decorar os
espaços, distribuir cartazes feitos por eles mesmos pela escola para anunciar os projetos,
verificar entre as doações quais objetos não serão vendidos por não apresentarem condições,
devem discutir para determinar os preços das “mercadorias”, como eles gostam de chamar os
objetos que serão vendidos, confeccionar etiquetas para colocar os preços nos objetos,
distribuir os objetos nos locais mais apropriados para serem vendidos, entre outras tarefas.
Neste processo os alunos conversam, discutem sobre o que é melhor e decidem o que fazer. A
professora apenas auxilia quando necessário. Em geral, as sugestões chegam antes mesmo de
a professora se pronunciar. Uma grande maioria dos alunos respondeu que participou
vendendo objetos no dia da Mostra Cultural, atividade que demanda para os jovens uma certa
desenvoltura para atender as pessoas visitantes e também para responder às perguntas feitas
sobre o(s) próprio(s) projeto(s), pois as pessoas ficam curiosas para saber o que será feito
com o dinheiro arrecadado, para saber que tipo de limonada estão vendendo, de onde é o que
a faz ficar cor-de-rosa, entre outras perguntas. Essas atitudes mostram a autonomia dos alunos
nos momentos de decisão e de resposta aos questionamentos que surgem. Sobre a resposta
referente à visita à Comunidade Santíssima Trindade, a resposta dada foi, certamente, de uma
dos alunos que foram eleitos, dentre os candidatos de cada turma (a palavra “turma” se refere
às diferentes classes do mesmo ano ou série, como 6º Ano A ou B do Ensino Fundamental II,
ou 1ª Série A ou B do ensino Médio) pelas próprias turmas para visitarem a comunidade e
serem “seus olhos, ouvidos, sentidos e sentimentos”, como a professora resumiu a missão dos
colegas escolhidos que depois contariam para a classe o que viram, ouviram, perceberam e
sentiram. Os alunos protagonizaram ao se candidatarem, ao elegerem os colegas, ao visitar a
comunidade e ao contar para seus colegas o que lhes marcou.
A pergunta 4, “Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?”: resumindo as respostas
poderíamos usar a “ajudar o próximo” participando de uma experiência nova. Alteridade ao
ver o outro participando no seu local de identidade. Talvez nesta pergunta ou nas respostas a
essa pergunta a professora-pesquisadora tenha se surpreendido mais, pois o esperado, como já
foi mencionado, era que se obtivesse mais respostas ligadas aos objetivos da disciplina de
Língua Inglesa e os aspectos culturais de diferentes culturas. Um quadro interessante e
esperançoso descortina-se quando uma disciplina se torna um meio para que outras
habilidades e possibilidades se aflorarem.
A pergunta 5, “Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como
o grupo aceitava as opiniões de cada integrante? O diálogo foi fácil?” encerra um longo
caminho percorrido por volta de três meses de planejamento, preparação até a execução dos
152
projetos na Mostra Cultural. A partir do momento em que as turmas aceitam o convite para
participar do projeto inicia-se um trabalho de conversa, pesquisa, discussões e ações entre os
alunos da cada turma, entre alunos de turmas diferentes, entre alunos e professor(es), entre
alunos e Equipe pedagógica do setor (Pessoal de apoio, orientadora e coordenador). Além
disso, os alunos conversam em casa e com colegas fora da escola para arrecadarem objetos
para venda e para trazer ingredientes para a limonada. Depois de decidir em que projeto cada
um vai se engajar e abraçar, os alunos intensificam seus esforços e ações para os mesmos.
Nem todos os alunos precisam participar, uma vez que não são obrigados a isso, mas o fato de
não participarem dos projetos na Mostra Cultural não inviabiliza sua contribuição nos
momentos de trabalho em sala de aula, ao contrário, eles são convidados a participar e são
ouvidos, mesmo porque algumas das atividades desenvolvidas em sala de aula estão
relacionadas ao conteúdo a ser desenvolvido ao longo do ano. Embates aconteceram durante
as aulas, mas todos foram resolvidos através do diálogo e da escuta do outro. Conflitos que
fazem crescer e fortalecer laços.
Um momento interessante nas aulas é o de se fazer o levantamento das doações de
ingredientes necessários para fazer a limonada cor-de-rosa para vender durante todo o tempo
do evento. As fotos abaixo mostram a forma como se organiza este momento em aula, os
próprios alunos fazem as anotações na lousa, ao mesmo tempo, que ouvem e incentivam os
colegas, além de se organizarem em conjunto. O papel da professora neste momento é de
orientar e acompanhar o processo, que, em geral, não leva mais do que o tempo combinado e
determinado no início.
Ilustracão 23: Registros de aula na Escola Salesiana São José do Projeto Pink Lemonade
- 2015 / Relação dos ingredientes e quem contribuirá
Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora
153
Reclamações sobre a letra pequena ou ilegível, sobre o aluno que quer “trazer tudo e
não deixa nada para o outro trazer”, conversas para dividir a compra do suco de cranberry
entre dois ou três alunos, pois ele custa caro, se resolvia com diálogo, às vezes, custoso, mas
compensatório. Ouvir o outro, passar por cima de rusgas pessoais para ajudar o outro que eles
nem sabiam quem era. Não se pode atingir a todos, haja vista, a resposta dizendo que “não foi
fácil aceitar a opinião do outro”, ou que “nem sempre tinha concordância”. Apesar do fato de
que “trabalho em equipe é sempre um desafio”, o fato de o “grupo ter um objetivo” e de ter
havido melhora na comunicação entre os colegas, a cooperação se consolidou e os laços
foram se estreitando.
A pergunta 6, “De que forma você passou a entender os demais participantes
diferentes de você?” trouxe à tona verbos e sentimentos que demonstram a dimensão de
alteridade alcançados em momentos ao longo do processo. Respeitar, ouvir, entender, ou
tentar entender, aceitar, ajudar, conversar, contribuir, dialogar, conhecer ações que podem
desencadear a reciprocidade, a cumplicidade até. Algumas respostas que indicam um olhar
para dentro de si próprio, como: “passei a ter mais paciência”, “aceitei as ideias do grupo”, ou
“entendi que até as pessoas mais fechadas gostam de ajudar” mostram um protagonismo
interno, um movimento de olhar para dentro e se conhecer melhor, o que pode levar à
autonomia e ao outro.
A pergunta 7, “Você obteve notas pela participação no(s) projeto(s)? Sim ou Não” e a
pergunta 8, “Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?” estão
intimamente ligadas. As respostas para a pergunta 7, mostram uma quantidade bem maior dos
que obtiveram notas pela participação, pois a nota era parte do processo dentro das exigências
do evento e do procedimento do setor (Ensino Fundamental II). Ressalta-se, no entanto, que
os alunos não ganhavam notas por ajudar na montagem da Mostra Cultural nem por terem
trazido doações de qualquer natureza ao logo da organização do(s) projeto(s), a nota era
obtida mediante participação no dia do evento. Havia um outro tipo de doação além dos
objetos e ingredientes trazidos pelos alunos, havia a doação de seu tempo, sua boa vontade,
seu comprometimento com uma causa maior: o outro. O que nos leva à pergunta 8, ou melhor,
às respostas para esta pergunta. A maioria respondeu que SIM, teria participado se obter nota
pela participação. Apenas para registrar, as respostas em branco correspondem aos alunos que
não receberam notas pela participação. As duas respostas com a interpretação “talvez”
correspondem à resposta “acredito que sim, pois era um projeto com objetivo nobre”,
interpretou-se “talvez” pelo uso de “acredito que sim” e à resposta “talvez sim, porque não
154
teria colaborado com os meus colegas” o que pela forma como foi colocado não ofereceu
condições de assertividade na interpretação.
A pergunta 9, “De que modo essa participação foi importante para você? Você
aprendeu por meio dessa participação?” se caracteriza especialmente para o olhar de si
próprio. E sentimentos descritos por meio de verbos na primeira pessoa, como: melhorei (12),
entendi (7), conheci (5), ajudei (3), aprendi (6), vivenciei (7) juntamente com “comecei a
ajudar e a participar de outros projetos como esse”, “foi importante para deixar a timidez de
lado” demonstram representam uma mudança de movimento, tanto interno, como externo.
Explico: internamente por meio e por causa do olhar para si próprio pode levar à uma
mudança de paradigmas ou aproximação consigo mesmo; externamente, pode indicar um
movimento para a solidariedade, para o outro. O outro a que me refiro não é necessariamente
o outro que está passando por necessidades, o outro pode ser também o que está próximo,
aquele com quem se caminha todos os dias, ou pode ser também, como é o caso de quem
ensina e aprende uma língua estrangeira, o nativo desta língua, que tem costumes e hábitos
diferentes, que pensa de forma diferente e por isso age de forma diferente. Lidamos com esse
“outro” nas aulas da disciplina de Língua Inglesa mesmo sem pensar e nos darmos conta
disso. Trata-se de um olhar de acolhimento e entendimento, mais uma vez, sem perder de
vista sua própria identidade. Um gostar do outro e das coisas do outros sem deixar de gostar
de si e de das coisas que o identifica. Adentramos aqui o campo da invasão cultural, assunto
abordado nas aulas da disciplina ao longo do ano, que passa pela questão da identidade e
autonomia do jovem.
A pergunta 10, “de que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?” traz
respostas ligadas ao novo, ao participar de uma experiência nova, diferente, divertido. Ao lado
deste aspecto, a boa vontade ou a vontade de ajudar também aparece, não se dilui entre o
prazer de fazer, de experimentar, de ver “o que vai acontecer”. A preocupação com o lado
“nobre” como descreveu um(a) aluno(a) não se perdeu.
A pergunta 11: “de que forma você descobriu suas potencialidades ao participar do(s)
projeto(s)?”, revelaram varias formas pelas quais os alunos foram impactados pela
participação no(s) projeto(s). A liderança positiva esteve presente, sentimento de
solidariedade, de alegria, e realização pessoal permearam as atividades, a sensação de ser
reconhecido por ter ajudado não só ao próximo necessitado da Comunidade Santíssima
Trindade, mas ao colega nos momentos de companheirismo, os elogios marcaram, o trabalho
em grupo dentro e fora da sala de aula são valorizados nas respostas. A disposição para o
diálogo é sempre alimentada.
155
Na pergunta 12 “Em quais iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você
participaria ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essas?” o protagonismo em
relação à participação e à vontade de participar aparece por meio do incentivo e da motivação
provocada. “O projeto me motivou” e “o projeto me incentivou” apareceram em 23 das 51
respostas obtidas, ou seja, mais de cinquenta por cento se sentiu, claramente, motivado para
protagonizar em outros momentos. Porém se levarmos em conta outras respostas como “Eu
participaria de outras campanhas” teríamos mais 22 respostas positivas no sentido da
mobilização causada por uma atividade desenvolvida em sala de aula e levada pela maior
parte do tempo pelos próprios alunos. Duas respostas impactaram a pesquisadora, no sentido
de que são respostas dadas por jovens que se predispõe a ajudar, e, assertivamente respondem:
“sim, eu criaria campanhas para ajudas crianças”. A escolha do verbo “criar” é muito
significativa. Crianças e jovens criando para si próprios e para o outro.
A pergunta 13 “De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os
participantes?” nos remete aos próprios alunos e a convivência entre eles no dia a dia da
escola. Percebe-se um espírito de alteridade nas respostas em que os alunos verbalizam o
respeito ao outro, ao respeito mútuo, ao verbalizar que aprendeu a aceitar as diferenças, a
conviver e fortalecer amizades, ao reportar a união entre eles. Refiro-me não à alteridade do
assistencialismo, nem a que mobiliza para o outro em necessidade, mas a alteridade proposta
por Buber (2011), quando este sustenta:
Há algo que podemos encontrar num único lugar no mundo. É um grande tesouro
que podemos chamar de concretização da existência. E o lugar em que estamos é
onde este tesouro deve ser encontrado. (BUBER, 2011, p. 44).
O fortalecer laços de amizade, o ir ao encontro do outro e de si mesmo, o desenvolver
trabalhos em equipe, o divertir-se com, o conversar com, o unir-se à, enfim, as ações
carregadas de sentidos fortalecem um ser humano simplesmente por estar juntos. Assim
Buber (2011) reconhece:
Mesmo se tivéssemos poder sobre os confins da Terra, não alcançaríamos a
existência completa que o relacionamento tranquilo e dedicado ao próximo vivente
nos pode proporcionar. Mesmo se soubéssemos dos segredos dos mundos
superiores, não teríamos uma participação tão verdadeira na existência real do que se
nos dedicássemos, com sagrada intenção, a um trabalho do curso de nosso dia a dia.
Nosso tesouro está enterrado sob o nosso fogão. (BUBER, 2011, p.45-6).
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
MILAGRE DOS CACOS
A leveza de um caco
ofertado com rituais de lirismo e fé.
Cada pedaço renascido,
recriado por mãos inquietas e sábias,
imortalizadas num mosaico.
Das pequenezas sim
o ofício da convivência dos pedaços
e aos pedaços o sublime e encantado
signo do sagrado.
A leveza e a arte na capelinha
incorporando parte por parte o esplendor
e as dimensões de catedral.
Tarsísio Bregalda
Cada criança traz em si a humanidade inteira – nada do que é humano lhe será
estranho –, mas ao mesmo tempo se revela singular, irrepetível na tessitura do
mundo. Precisa ser assim reconhecida: um sujeito humano em formação, vivendo
uma idade que não é apenas uma fase de passagem para a idade adulta, mas uma das
dimensões da existência humana. A educação dessa criança precisa de imagens
poéticas, precisa de vivências filosóficas. (ANTONIO, 2013a, p. 17).
... um ser humano,
... um caco,
... um mosaico,
... uma catedral!
Assim vejo a participação de cada um dos alunos nos projetos ao longo dos anos. E
que bom poder dizer “ao longo dos anos”, porque isso significa que os projetos não morreram
com o passar do tempo, não se definharam, ao contrário, continuam vivos e se renovando a
cada ano. Construídos e feitos de pequenos cacos que se unem formando lindos mosaicos no
157
lirismo e na fé do dia a dia de uma sala de aula, de uma escola e da vida que pulsa nesses
ambientes. Lirismo no dia a dia? Sim! Lirismo no movimento para e com o outro, não apenas
para o outro que necessita de ajuda, mas também para o outro que é diferente dele e que está
tão ao seu lado. Ao seu lado tão cotidianamente. O olhar sem preconceito, o olhar que aceita
diferenças e as respeita, o olhar de alteridade, pois se vê no outro sem se perder de si mesmo.
As respostas obtidas por meio do questionário aplicado aos alunos indicam o lado
positivo da ludicidade dos projetos, além de expressarem a ideia de ser uma atividade “nova”
que despertou a curiosidade. Para além do aspecto das categorias estudadas, percebe-se um
desejo de se engajar em algo novo, divertido, interessante, nobre, no sentido que ajuda o
próximo. O jovem gosta de “ir fundo” de “se jogar”, de ser intenso em tudo o que faz. Porém,
se voltarmos à Ilustração 1 no capítulo 1 (Quem é vulnerável, à quê e porquê?) podemos
verificar que se trata de uma fase crítica e o trabalho com projetos como os que ora se
apresentam indicam caminhos e levam ao bom protagonismo, pois além de propiciarem um
clima solidário e de alteridade são de grande relevância na Educação Formal ou Informal.
Perder-se de si mesmo é muito fácil numa idade em que ainda não se encontrou, ou que se
está procurando sentidos. Sentidos nos dois sentidos, como direção e significado.
A respeito da postura e atitude do educador, Freire (2013b) aponta que este deve
acreditar na mudança, ser exemplo, ser crítico, ser humilde, deve saber escutar, ter respeito
pela autonomia do educando, ser amoroso e deve estar aberto ao diálogo. O que se busca
durante todas as etapas dos projetos, desde a proposta até a finalização, é que se dialogue para
encontrar soluções para os possíveis conflitos, dentre os quais poderíamos colocar os aspectos
mais práticos, como “De que forma conseguiremos os ingredientes para a limonada?”, ou
“Onde vamos guardar as doações que conseguimos até que chegue o dia da Mostra
Cultural?”, até conflitos que surgem entre os próprios alunos sobre “quem vai fazer o quê,
quem tem mais habilidade para o quê, em que horários participarão, visto que há uma tabela a
ser seguida e conciliada com outros projetos de outras disciplinas, quem vai ceder para que o
outro possa, também, conciliar seus horários e ter a chance de participar?”. Alguns pedidos
não atendidos, algumas solicitações atendidas parcialmente, porém não sem antes terem sido
levadas em consideração e discutidas. Momentos de tensão, que foram resolvidos dentro da
sala de aula e que exigem do professor postura e atitudes assertivas, como as citadas por Paulo
Freire (2013b), pois podem facilmente tornar-se referência para os alunos.
Ao buscar algumas vozes de fora da sala de aula sobre os projetos o que se ouve
corrobora com os dados obtidos por meio do questionário em alguns pontos. O Sr. Alencar
André David, Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental II, em entrevista (Apêndice
158
F) para a professora-pesquisadora, afirmou que creditou no projeto Garage Sale por ser uma
novidade e disse que o projeto aconteceu e foi um sucesso porque os alunos o abraçaram.
Contou também que os alunos se organizaram muito bem na ausência da professora no
primeiro evento (A ausência deu-se pela exigência da própria escola de a professora participar
de um encontro sobre o material da Rede Salesiana de Escolas em outra localidade.). Sobre o
projeto Pink Lemonade contou que foi “uma alegria ver os alunos brigando para participar do
projeto”. A Sra. Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira, Orientadora Educacional do Ensino
Fundamental II, também em entrevista (Apêndice G) para a professora-pesquisadora, aponta
para o lado cultural e social dos projetos, destacando a cultura do brasileiro de não gostar
muito de comprar objetos usados, e a questão dos objetivos do projeto no sentido de que os
alunos encontram sentido porque é uma ajuda concreta. O Sr. José Carlos Ambar dos Reis
(Assistente de alunos), por sua vez (Apêndice H), sinaliza para a filosofia salesiana dos
projetos afirmando que os mesmos proporcionam um olhar para fora da escola e incentivam o
protagonismo dos alunos, além do lado social de ajudar os necessitados. Sobre a filosofia
salesiana, o Sr. Alencar André David enfatizou a questão do “sonho”, comentando que João
Bosco teve grandes sonhos, mas sempre com os pés no chão, como foi o caso deste sonho da
professora-pesquisadora, um sonho que se concretizou com a adesão dos alunos, pois sem
isso nada teria acontecido. Para Rafael Duarte Belletti, responsável pela Pastoral da escola,
“Projetos como esse permitem que a pastoral esteja muito próxima dos alunos, dentro de sala
de aula. Pois o Pátio é o lugar da pastoral. Mas quando consegue entrar também na dinâmica
da sala de aula, o resultado do trabalho pastoral é ampliado. Essa parceria permite que o
discurso pastoral da escola seja vivenciado de forma prática pelos alunos.” (Apêndice I). Estes
aspectos confirmam a ação e movimentação dos alunos numa demonstração de entusiasmo,
mostrando-se autônomos e protagonistas.
Se ensinar, do latim insignare, significa deixar uma marca ou sinal, poder-se-ia dizer
que tanto alunos quanto professora foram marcados pelos projetos, pelas ações. Não apenas
por atingir os objetivos propostos, mas pelo percurso feito para que pudessem ser realizados.
Percurso que propiciou a ação consciente e transformadora de uma práxis, instaurando novas
possibilidades dentro de um contexto de Educação Formal, qual seja, voltar os olhos para fora
deste espaço por meio da Pedagogia Salesiana numa visão Sociocomunitária. A visão da
Educação Sociocomunitária, o viés da Pedagogia Salesiana, assim como a impossibilidade de
uma Educação neutra remete-nos à pergunta proposta por Buber (2011) e epigrafe desta
pesquisa: Onde você está em seu mundo?”.
159
Cortella e Dimenstein (2015) asseveram que o processo educativo é de grande
importância para a conquista da cidadania:
Dimenstein: [...] Quando se quer proibir alguma coisa, o que se diz é: “Vamos
matar a ideia do princípio, o verbo”. Daí, vemos com muita clareza que a cidadania,
a comunicação, a educação são um eixo indissociável. O que é a ágora, na verdade,
senão o processo da comunicação em que se misturam a cidade, a cidadania e
também o processo educativo?
Cortella: A ágora, a grande praça, é o lugar do encontro assim como a educação, a
comunicação, a cidadania são modos de encontro. (CORTELLA, DIMENSTEIN,
2015, p. 32, grifos do autor).
Assim como, a ágora, para os gregos, era o local de reunião e assembleias populares, o
espaço escolar, por meio de práticas dialógicas e significativas, pode se tornar um local de
encontro. Um espaço para que educandos e educadores possam se encontrar, e ao outro.
João Bosco se preocupava com seus jovens desde o momento que adentravam seus
limites até que os jovens os deixavam e além, isto é, protegia-os, cuidava de sua
sobrevivência, dava-lhes uma formação religiosa e profissional, mantinha-os num ambiente
de alteridade, em que um era consciente do outro e cuidava dele, assim como ele mesmo o
fazia. Todo esse cuidado vinha aliado à preocupação de devolver estes jovens à sociedade
como pessoas autônomas, conscientes de seu papel no seu contexto. Desta forma, seus
espaços de atuação foram também espaços de encontro, ágoras.
A Educação pode ser concebida como um local de encontro e não apenas um local que
assegura a informação, principalmente no contexto hodierno, e escola, espaço de Educação
Formal, por meio de práticas dialógicas e significativas, sendo um espaço para encontros
pode, como o fazia João Bosco, formar cidadãos conscientes que consigam ler seu contexto e
atuar nele de forma positiva.
Contudo, para que se construa este espaço de encontro, há que se propiciar, também,
ao educador momentos de reflexão de sua própria práxis, não só em seu processo de
formação, mas durante toda a sua caminhada profissional. Desta forma, enquanto
profissionais e pessoas engajadas terão, também, consciência de sua importância na
construção da cidadania dos educandos.
A presente pesquisa proporciona a visão de que práticas educacionais dialógicas e
significativas vão além de se construir com e proporcionar ao educando a possibilidade de que
ele se sinta sujeito do seu processo educativo, protagonizando de forma consciente. A
pesquisa possibilita ver que, também, o educador pode construir sua identidade e refletir sua
práxis desta forma. O encontro, o diálogo, a conversa, o compartilhar, o pertencer, o
160
sentido..., nenhum deles se dá na solidão, no entanto, assim como necessitam do outro,
necessitam cuidados e atenção, como afirma Benjamin (1987):
ATENÇÃO: DEGRAUS!
O trabalho em uma boa prosa tem três graus: um musical, em que ela é composta,
um arquitetônico, em que ela é construída, e enfim, um têxtil, em que ela é tecida.
(BENJAMIN, 1987, p. 27)
Da prosa ao diálogo, da falação ao entendimento, assim nasceu o diálogo que levou ao
entendimento e ao consenso principalmente nas situações de conflito no processo de
organização dos projetos. O degrau musical se fez no aspecto lúdico dos projetos, a música do
brincar convida a participar. O degrau arquitetônico se deu na organização e execução dos
projetos. O resultado foi um tecido que não se tinha antes de se iniciar as atividades: um
sentimento de acolhimento entre todas as turmas participantes do projeto, alunos com uma
visão diferente da própria turma, uma sensação de pertencimento. Um novo tapete se formou
porque novas tramas se teceram. Um novo chão. Um chão que tem como base a Pedagogia
Salesiana, o pensamento freiriano da dialogicidade e a lógica da Educação Sociocomunitária
do olhar para fora dos muros da escola. Esse novo chão proporciona a educador e educandos a
possibilidade de ver o outro e por isso ver-se a si mesmo, face às diferenças encontradas.
Finalizadas as atividades há o convite para responder os questionários da pesquisa e respostas
como “descobri..., aprendi..., entendi..., passei a…, percebi..., vivenciei..., melhorei...” entre
outras falas dos alunos revelam a validade do processo. Práticas que podem melhorar
relacionamentos, aproximar pessoas e impactar positivamente nas vidas de educador,
educando e comunidade, viabilizando acolhimento e pertencimento para todos os envolvidos.
Havia um sonho e ao iniciar esta pesquisa não se tinha a noção da dimensão e da abrangência
do trabalho com os alunos. O que se pretendia era verificar se práticas significativas poderiam
levar os alunos a se envolverem e ao se envolverem agir de forma autônoma e protagonizar, o
que foi verificado e constatado, haja vista, a adesão e motivação dos alunos em sua
participação espontânea e voluntária.
Na língua Inglesa, a palavra alteridade pode ser exprimida de duas formas, uma que
oriunda do latim, alterity. A outra oriunda das línguas germânicas, otherness. A última tem
um aspecto muito interessante devido ao sufixo -ness, que acrescenta o significado de “ser
abundante em”. Sendo assim, otherness significa “ser/estar abundante de ... (do outro nesta
palavra)”. Preciso desta palavra para descrever o modo como nos sentimos ao finalizarmos os
161
projetos e verificarmos o que conseguimos fazer, em termos de ajudar o outro e em termos de
convivermos e transbordarmos no e com o outro para que tudo pudesse se concretizar.
Terminamos inundados do outro e transbordados no outro.
Inicialmente com o objetivo de compreender e socializar o trabalho desenvolvido nas
aulas de Língua Inglesa, nascida de uma inquietação pessoal, qual seja, responder a pergunta
“Seria o despertar para a autonomia e protagonismo um caminho para a alteridade?”, a
presente pesquisa permite afirmar que é possível contribuir na formação de jovens para que se
tornem pessoas autônomas e protagonistas, que ao olharem para e com o outro consigam
transformar a sociedade em que se inserem. E tudo isso foi e é possível num local perfeito
para encontros – a escola. Por isso, conclamo, pois, os envolvidos na educação para a
possibilidade de propor práticas educativas mais significativas para educador e educando pela
dialogicidade entre protagonismo, autonomia e alteridade. A dialogicidade mágica em João
Bosco, a busca da conscientização através da leitura da palavra por Paulo Freire e a conversa
com a comunidade proposta pela Educação Sociocomunitária nos remetem à importância da
palavra, e sobre a palavra, Rubem Alves (2015) nos diz:
As palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que
despertam os mundos que jazem dentro do nosso corpo, num estado de hibernação,
como sonhos. Nosso corpo é feito de palavras. Assim, podemos ser príncipes ou
sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou monoculturas, poetas e
inventores ou monótonos funcionários. Diferente dos corpos dos animais, que
nascem prontos ao fim de um processo biológico, o nosso corpo ao nascer é um caos
grávido de possibilidades, à espera da palavra que fará emergir do seu silêncio,
aquilo que ela invocou. Um infinito e silencioso teclado que poderá tocar
dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota só, ou sonatas e suas incontáveis
variações.
A este processo mágico pelo qual a palavra desperta os mundos adormecidos se dá o
nome de educação. Educadores são todos aqueles que têm esse poder. (ALVES,
2015, p. 89, 90)
Educador, despertador!
Despertemos!
A autora
162
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169
APENDICE A – Memorial da pesquisadora
In understanding something so intensely personal as teaching, it is critical we know about the
person the teacher is.16
Ivor Goodson
Ló passado es la raís de lo presente. Ha de saberse lo que fue, porque lo que fue está en lo
que es... 17
José Martí
Enfim mudamos para o sítio dos meus avós. A situação não estava lá essas coisas e parecia
que morar lá por uns tempos ajudaria, pois a casa na cidade seria alugada – quatro filhos e
mais um que viria logo, logo. Realmente difícil. Os dias eram de muito vento, o lugar era
aberto, descampado. Posso sentir o vento nos meus cabelos e o cheiro do capim gordura.
Percebia que minha mãe não gostava muito da ideia de morar lá, ficaria muito longe da cidade
e dos parentes. Para ela eram dias solitários e de muito trabalho. Para nós, as crianças, era
uma aventura. E tinha a casa. Vinícius de Moraes cantou a casa...
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
A nossa casa no sítio também era uma aventura. As portas ainda não estavam colocadas, as
janelas fechadas com placas de Duratex, tudo ainda por terminar. Ela tinha telhado, é claro,
mas não tinha forro. À noite o vento passava pela escuridão, entre as telhas e pelos meus
ouvidos. Sim, dava medo! Em compensação, durante o dia, muitas aventuras e traquinagens.
Havia porcos, a horta, o pomar com as laranjas, mangas, goiabas e outras frutas. Uma delícia.
Com minha avó durante o dia tinha o “catar” lenha, colher as frutas no pomar para depois do
16
Tradução da autora: Para entender algo tão pessoal como o ato de ensinar, é de suma importância sabermos
quem é essa pessoa, o professor.
17 Tradução da autora: O passado é a raiz do presente. Temos que conhecer o passado porque o passado está no
presente.
170
almoço, e, às vezes, sair em busca de almeirão de café, uma verdura que nascia assim do
nada, no meio do mato. Mas precisava ter muito cuidado, pois poderia ser confundido com
outra folhagem não comestível. Com meu avô, à noite, era olhar para as estrelas e tentar, no
meu caso, ver o “Cruzeiro do sul”, as “Três Marias”, depois entrar e ouvir o rádio que ele
mesmo tinha montado. Conseguíamos ouvir a BBC de Londres e outras “estações” em inglês
e eu pensava, ainda vou entender o que eles falam. Com meu pai, procurar enxames de
abelhas para produzir mel, acompanhar e observar enquanto ele cavava as covas de
bananeiras que na época das chuvas eram um convite à arte, pois elas ficavam cheinhas de
água – nossa piscina. Minha mãe? Com ela ficavam os cuidados com nossa higiene, a comida
e uma coisa de que eu gostava muito era quando ela tocava seu acordeom. Ela tinha tido
algumas aulas antes de mudarmos para o sítio, e era muito bom ouvi-la tocar. Tinha também o
córrego no fundo da propriedade, muita taboa, muitos pulos sobre elas – tão macias, e o
engraçado é que no dia seguinte elas estavam todas em pé novamente, isso eu nunca entendia.
Tinha também o medo de topar com uma cobra ou um papa-vento, que era um tipo de
lagartixa grande que olhava para você e jogava um veneno nos seus olhos. Cuidado, ele gosta
de ficar nas goiabeiras. E foi numa delas que um dia eu topei com um deles. Com a cobra eu
topei num dos tanques artificiais na plantação de agrião, ela olhava para mim e eu para ela,
nem me lembro para que lado corri, o que eu sei é que até hoje tenho pavor de bicho que se
arrasta.
A grande novidade era que eu ia para a escola assim que nos instalássemos no sítio. Era um
misto de medo e de muita vontade que as aulas começassem logo. Mal sabia, eu, que as aulas
já tinham começado em março. E já era abril. Pequei o bonde andando. Todo mundo na escola
já se conhecia. Não me lembro do primeiro dia, não consigo.
A sala de aula
Numa sala bem grande três fileiras de carteiras duplas, umas seis ou sete carteias, eu acho.
Uma fileira para cada ano/série. Três lousas lá na frente, uma mesa no meio. Uma professora!
Era assim que as coisas funcionavam na Escola Mista da Fazenda Sete Quedas. Hoje, fazendo
as contas, seriam mais ou menos 40 alunos, divididos entre primeiro, segundo e terceiro ano.
Comecei na fileira da direita, olhando para a lousa. Era assim: a professora colocava a matéria
e explicava em cada lousa e, enquanto a gente copiava e trabalhava em algum exercício ou
fazia alguma leitura, ela ia para a outra lousa, e assim por diante. No segundo ano a escola
mudou para um prédio ao lado da casa principal da fazenda. Hoje, neste lugar há um grande
condomínio. Recentemente num congresso sobre pesquisa (auto)biográfica na Universidade
171
Estadual do Rio de janeiro – UERJ me deparei com uma sala usada para estudos históricos e
não resisti. Tive que tirar essa foto. Foi um momento de retorno ao passado, mas gostando
muito do presente.
Ilustração 24: Uma volta no tempo - a carteira da escola rural
Fonte: Extraído do acervo pessoal da pesquisadora
A escola
Inicialmente ia para a escola com meu avô, depois que ele me ensinou o caminho, passei a ir
sozinha. Todos se admiravam por eu não ter medo das vacas que encontrava pelo caminho. Eu
morria de vontade de passar a mão nelas, mas o respeito que eu tinha por elas não me
permitia. O que ninguém entendia porque eu tinha medo de passar na frente da casa do
“Baiano”. Ele morava no topo de um morrinho que eu tinha que subir. A casa de um lado da
estrada e o local onde ele criava os animais do outro. E eu passava no meio. Acontece que os
patos, perus, marrecos, gansos, todas essas aves escandalosas, corriam atrás de mim. A única
salvação era colocar a bolsa nas costas para proteger a “retaguarda” e correr. Isso não era uma
aventura, era um terror. Minha salvação foi o Seu Joaquim e sua esposa, Dona Olívia, nossos
vizinhos. Comecei a “cortar” caminho pelo sítio deles. Eles eram um casal sem filhos,
caseiros do sítio vizinho. De certa forma eles me adotaram. Todo dia eles me esperavam perto
do poço onde a Dona Olívia estaria dando comida para todos os seus gatinhos. A quantidade
podia variar, mas eram sempre uns oito ou dez. E quase todo dia o Seu Joaquim já vinha com
a flor para eu levar para a professora. Às vezes era uma flor que tinha um cheiro tão gostoso,
parecia chocolate e às vezes era um copo-de-leite. Por que será que eu adoro gatos? Por que
será que uma das minhas flores preferidas é o copo-de-leite? A partir do dia que eu topei com
a cobra na plantação de agrião do meu pai e cheguei sem fôlego na casa do Seu Joaquim ele
começou a me esperar lá embaixo, perto do córrego que eu tinha que atravessar, caso a cobra
172
aparecesse novamente. Só ele e a Dona Olívia acreditaram em mim, meus avós disseram que
eu tinha visto um pedaço de pau e achei que era uma cobra. Quase ninguém acreditava em
criança naquela época. Assim que pegava minha flor, me despedia deles e ia para a escola. Ai
começava a outra jornada - esperar a professora no ponto de ônibus. Andava até o ponto de
ônibus e me juntava aos outros que por lá ficavam. A professora chegava e caminhávamos
juntos para a escola, a professora e seus fieis seguidores e defensores, uns cinco ou seis
alunos, além de mim. No caminho muitas conversas. Contávamos as novidades e cada dia era
uma pessoa diferente que encontrávamos no caminho. A professora cumprimentava a todos.
Lá embaixo, no lago, todos nós, às vezes, a professora também, atirávamos pedrinhas
fazendo-as pular sobre a água. A cada dia, aprimorávamos nossa técnica de atirar as
pedrinhas. Tudo começava com a escolha das melhores pedras, por isso na descida até o lago,
entre as conversas prestávamos atenção e já íamos selecionando as pedrinhas. Isso era muito
importante, pois a competição era coisa séria. Posso ver as pedrinhas marrons mais achatadas
que eu pegava do chão! Minhas pedrinhas iam bem longe. Escrevendo sobre isso hoje, me
pego pensando se a professora, a Dona Maria, não usava isso como uma forma de nos manter
ocupados para não arrumarmos confusão no caminho. A turma era danada. A Dona Maria era
mais esperta do que eu pensava! Um dia, durante a aula, ela ficou tão brava que quebrou a
régua na cabeça de um aluno, e o pior é que ele era o filho do novo administrador da fazenda.
Ela até chorou no caminho de volta para o ponto de ônibus, arrependida, mas dizia que ele
bem que mereceu, e que ela não conseguiu se controlar. Nesse dia ninguém quis ficar com ela
na volta. Todos meio assustados. Fiquei com pena dela, mas não me lembro do que falei a ela,
tão grande era minha preocupação com ela e meu respeito aos seus sentimentos. Mas me
lembro que caminhei ao seu lado até o ponto de ônibus.
No segundo ano muita coisa mudou. A professora agora era a Dona Teresinha, muito mais
brava que a Dona Maria que havia se aposentado. Todos a respeitavam muito ela nem gritava
quando ficava brava. A competição das pedrinhas no lago continuou, mas já nos primeiros
dias de aula nossa escola mudou de prédio. Fomos transferidos para um prédio bem perto da
sede da fazenda. A ilustração abaixo é uma foto recente da sede da Fazenda Sete Quedas, hoje
o condomínio Swiss Park.
173
Ilustração 25: A imponente sede da fazenda
Fonte: http://static.panoramio.com/photos/large/49178303.jpg Acesso em 21/06/2014
Feche os olhos. Imagine-se em frente da porta de entrada, olhando para dentro do salão
principal. Às suas costas no lado direito, umas três construções abaixo, ficava o espaço da
escola. Cursamos o segundo e terceiro ano praticamente ao lado do casarão. Na época foi uma
mudança muito importante, como se tivéssemos sidos promovidos. A sala de aula era muito
grande, mas a disposição das carteiras, lousas e mesa era a mesma. O que era diferente, então?
Era uma sala meio mágica. Ao andarmos pela sala ouvíamos o barulho dos nossos pés no
chão sobre o assoalho de madeira, como se embaixo dele existisse um porão, mas não era um
porão como na minha casa da cidade. Embaixo passava um rio! Bom, na verdade não era um
rio, embaixo da sala passava um córrego que não sabíamos de onde vinha. Ele saia debaixo da
sala de aula. Diziam que era de uma nascente e que tinha sido canalizada antes da construção
das casas. O legal era que no recreio a gente passava pela pequena ponte de madeira que a
Dona Teresinha pediu que fosse feita, ou pulávamos o pequeno veio de água limpinha que
vinha de baixo do “túnel”. No começo, a gente ficava olhando pelo buraco para tentar ver de
onde vinha, mas era tão escuro, que não tinha como ver nada. Um dia a “Dona” Teresinha
perguntou se a gente queria fazer uma horta. Todos ficaram muito animados. Houve uma
divisão do terreno, e de grupos para que cada grupo tivesse seu canteiro e plantasse as
hortaliças. Levei alguma coisa para casa, mas não consigo lembrar exatamente o que foi. A
Dona Teresinha era brava mesmo. Um dia o José Luis puxou meu cabelo, fui reclamar. Ela
chamou o José Luis e me disse: “Agora você vai puxar a costeleta dele até ele chorar.”. Eu
hesitei, não queria fazer isso, cheguei até a me arrepender de ter contado a ela, mas não teve
jeito, tive que puxar a costeleta dele. E ele chorou. Mas depois tudo passou, ele percebeu que
eu fiz aquilo porque a professora mandou e a gente não podia desobedecer. A amizade
continuou a mesma. Tem muitas historias para contar dessa época. Algumas delas eu conto
hoje para meus alunos.
174
A outra novidade do segundo ano era que meu irmão, o Flávio, também iria para escola
comigo. E com isso, eu além de fazer minhas tarefas, tinha que ajudar o Flávio porque ele não
gostava de fazer tarefa. Minha mãe tinha que ficar atrás dele para que ele o fizesse, e eu tinha
que ficar ao lado dele para ver se estava certo. Afinal, eu já estava no segundo ano e já podia
ajudar meu irmão E o tempo passou, e veio o terceiro ano. No final de cada ano, vinham os
examinadores para aplicar a prova final. Três pessoas que não conhecíamos, olhavam para a
gente com aquelas caras sérias e feias. A professora sempre ficava um pouco nervosa. Os
alunos então nem se fala. Eu nem ligava, até gostava de ver aquelas pessoas ali, era uma
forma de eu mostrar que estudei e que sabia a matéria. A Dona Teresinha era uma boa
professora e eu confiava nela. O que aconteceu quando veio o resultado da prova do final do
terceiro ano foi uma grande surpresa para todos. Acontece que a Dona Teresinha tinha
prometido um prêmio para quem tirasse a maior nota no exame. Ela trouxe o prêmio uns dias
antes do exame: um estojo completo, com lápis de cor, lápis preto, canetas e por cima dele um
apontador de lápis no formato de uma “bola”. Tudo embalado em papel celofane, com um
laço de fita vermelha bem grande. Como eu queria ganhar aquele estojo para poder usar
aquele material. A grande surpresa? Adivinhe quem ganhou o estojo? Isso mesmo, o Flávio!
Ele que nem gostava de estudar tanto assim, ganhou o estojo! Eu fiquei muito brava, é claro.
Mas fiquei muito feliz porque o estojo ia para minha casa e eu poderia usar os lápis também.
Mas o que eu me lembro do estojo é que meu pai comprou um livro de pintar e uma vez ele
pintou um desenho usando os lápis de cor do estojo. Era um leão na floresta. Meu pai pintava
umas partes e nas outras ele usava uma faca bem pequena e afiada para raspar a ponta do lápis
e depois passava o dedo na “raspa” da tinta da ponta do lápis que ficava sobre o desenho e
ficava um colorido suave, e sem usar a ponta do lápis. Ficou lindo. O leão marrom e a
folhagem verde. Nas partes pequenas do desenho ele usava a ponta do lápis e nas partes
maiores ele usava a técnica do dedo. Ainda posso sentir o cheiro daquele livro de pintar e do
lápis de cor.
De volta à casa da cidade
Na fazenda não tinha como continuar os estudos, então voltamos a morar na cidade. Eu cursei
o quarto ano no Grupo Escolar Júlio de Mesquita. Não me lembro de muita coisa desta escola,
mas me lembro de que um dia a Dona Marina disse assim: “Um minuto tem 60 segundos.
Vocês sabem quanto dura um minuto?”. E a classe ficou em silêncio. E ela disse: “Então
vamos conversar durante um minuto e vocês vão ver quanto tempo dura um minuto.”.
Conversamos um tempão, e ela olhava no relógio até que o tempo acabou e ela disse: “Vocês
175
viram quanto conversamos em um minuto?”. Foi uma experiência muito interessante aquela.
Há também um fato muito interessante que aconteceu durante o ano no quarto ano. A escola
dava sopa para os alunos mais carentes, e um dia a Dona Marina disse que quem fosse ao
quadro e acertasse o problema ganharia uma ficha para a sopa da merenda no lanche. Eu fui
ao quadro, acertei a resposta e ganhei o presente. No recreio fui então tomar a sopa: fubá e
couve picadinha. Não consegui comer aquilo e sentia muita vergonha porque as outras
meninas comiam como se fosse a única refeição que fariam no dia (e talvez fosse em alguns
casos) ou porque devia estar muito gostoso. Elas me olhavam com estranheza. Até que uma
delas me perguntou se eu não queria comer e se ela poderia comer. Eu senti um alívio muito
grande, e dei meu prato de sopa para ela. Voltei para a sala chateada e não contei nada a
ninguém, mas tive que mentir e dizer que a sopa estava gostosa. Muitos anos depois eu
descobriria que tenho uma intolerância muito grande que beira a alergia ao alho. O cheiro
daquela sopa ainda penetra nos meus sentidos e a imagem de desaprovação da menina para
quem eu dei a sopa também. Esse foi também um dos motivos que me fez parar de comer
carne – único alimento onde se usava alho na nossa casa.
Ao final do quarto ano, o “Exame de Admissão”. Uma prova para poder ingressar no ginásio.
Eu queria ser professora e, portanto, iria prestar o exame na “Escola Normal”, uma escola
estadual em Campinas que preparava as futuras professoras de “Grupo Escolar”. Era assim
que eu ouvia falar. Acontece que essa era uma escola muito concorrida, poucas vagas e muitas
candidatas. Não consegui passar no exame. Meu pai ficou bravo, pois para ele eu deveria ter
prestado o exame bem perto de casa, e ali com certeza eu passaria. Uma tia que tinha
condições financeiras resolveu pagar uma escola particular para mim. Eu até gostava da
escola, mas não cabia lá. O que eu me lembro de lá é de um campeonato de queimada, eu
salvei o time sem ser queimada. Meu time todo torcendo para eu conseguir queimar a menina
do outro time. Eu consegui. Não sei o que aconteceu, mas na mesma época meu pai se
desentendeu com alguém da secretaria e me perguntou se eu não queria sair da escola e ficar
em casa estudando para prestar o exame de admissão no final do ano e ir estudar perto de
casa. Eu concordei. E assim foi. Mas o que eu lamento até hoje é que eu nem fui buscar a
medalha do campeonato de queimada. Só fiquei com as lembranças de um acontecimento
impar naquela escola – Instituto Lancastre, que ficava na Rua Barreto Leme, bem ao lado do
prédio da Prefeitura Municipal de Campinas. Mas tudo valeu a pena, pois conheci a biblioteca
da Prefeitura Municipal. Ainda sinto o cheiro daquele lugar, e a bibliotecária que vinha nos
atender depois de tomar um cafezinho. Um cheiro de livros manuseados e café. Perdia a hora
quando ia escolher o livro que levaria para casa.
176
No final do ano fiz um cursinho de admissão, pago por minha tia, e passei no exame. Minha
escola agora era o Ginásio Estadual Monsenhor Doutor Emílio José Salim. No final da quinta
série eu tive outra “surpresa”. Um dia minha mãe chega e me diz: “Elisete, a filha da Alice
(uma amiga dela) virá todos os dias de amanhã até o final do ano para você ensinar
matemática para ela passar no exame de admissão. A Alice não tem como pagar o curso de
admissão e como você já passou no exame e está na quinta série, você vai ensinar matemática
pala ela”. A principio não gostei muito da ideia, fiquei brava e pensava: por que eu? Logo eu
que nas brincadeiras de escolinha em casa, com minha prima e meus irmãos preferia ser
aluna. Agora ia ter que dar aula de matemática? Mas não teve jeito e era urgente, pois no dia
seguinte a menina estaria em casa. Pensei em como eu ia fazer para que a menina passasse no
exame de admissão e logo conclui que era muito lógico: pensei no que caiu no exame que eu
havia prestado, e no que eu não tinha estudado na quarta série, peguei meu livro de
matemática da quinta série e comecei a fazer com ela o conteúdo (eu não usava a palavra
“conteúdo”, dizia “exercícios”) que ela não iria estudar. Expliquei isso a ela no primeiro dia e
começamos. E não é que eu gostei da brincadeira (E estou “brincando” disso até hoje.). Todo
dia ficava esperando ela chegar para dar os exercícios que havia preparado. E como eu
gostava de corrigir os exercícios. Notei também que o que eu não sabia muito bem ficava
mais claro quando explicava para ela. Eu estava aprendendo enquanto ensinava. Ou ensinando
enquanto aprendia? Isso me acompanhou a vida inteira. No final do ano, ela fez o exame e
passou. Como fiquei contente. Isso não chegou a ser uma surpresa para mim. Eu sabia que ela
ia passar, ela estava preparada. Pelo menos em matemática! Hoje tenho o mesmo sentimento
em relação aos meus alunos, acho que todos têm capacidade de aprender.
No ginásio outros acontecimentos me marcaram. Na quinta série além das aulas de
matemática para a filha da Alice, algo acontecia na escola. O Brasil em plena ditadura, 1970,
e eu não tinha a menor ideia de que isso estava acontecendo. Nossa diretora era muito brava,
tinha também o professor de Educação Moral e Cívica que nos vigiava do lado de fora da sala
espiando pela janela e suspendia quem ele achasse que estava fazendo “bagunça”. Não sei que
poder ele tinha, mas se ele mandasse, o aluno era suspenso. Nas sexta série, entre todos os
professores, dois foram impactantes em minha vida. O professor de história que dava aula
desenhando no quadro: aprender “Entradas e Bandeiras” com os desenhos que o professor
Airton fazia era moleza. Mas a professora de português, a Dona Ana Maria Negrão, era
demais! Ela chegava com seu carrão, um Galaxi, dava a volta pela escola cantando pneu na
curvinha. Todos sabiam que ela estava chegando. Na sala de aula, sentava-se à mesa com seu
avental de professora e nos ensinava análise sintática. E um belo dia ela disse que íamos
177
escrever uma redação. Foi uma aula inesquecível! Primeiro escolhemos o tema – a classe toda
participou: Um dia na praia. Depois ela pediu para que fôssemos falando tudo o que podia
acontecer num dia na praia ou o que era preciso para se preparar para um dia na praia. A
classe falando e ela escrevendo tudo na lousa. A lousa ficou cheia. Não cabia mais nada. Até
os cantinhos foram utilizados. Não havia mais espaço As ideias já tinham se esgotados,
passamos para o próximo passo. Ela então pediu para que separássemos as ideias colocadas
no quadro por afinidade. Assim foi feito. Todos trabalhando e pensando juntos com ela, que
ia fazendo as anotações no quadro. A próxima etapa era resolver quantos parágrafos teria
nossa redação e o que colocaríamos em cada parágrafo. Copiamos tudo no caderno. Apagou-
se a lousa e começamos a escrever juntos: Um dia na praia. O texto ficou lindo. Para casa a
tarefa era escrever uma redação da mesma forma que fizemos em classe. Confesso que não
via a hora de chegar em casa para escrever. Não me lembro do tema, mas me lembro de que
gostei muito do resultado. Essa forma de escrever me marcou para sempre. Recentemente tive
o prazer de encontrar a Dra. Ana Maria Melo Negrão numa atividade do Programa de
Mestrado em Educação Sociocomunitária onde ela fazia parte de uma banca de defesa, e não
resisti, pedi a ela que fizemos uma foto juntas.
Ilustração 26: A pesquisadora e a Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão – A Dona Ana
Maria
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
Na sétima série as aulas de educação artística me encantavam. Fazíamos desde roupinhas de
bebê até almofadas de crochê. As aulas de inglês, tão esperadas, foram um pouco frustrantes.
Do livro New Spoken English até que eu gostava, mas não sei por que não gostava da
pronúncia da professora. Quem era eu para não gostar da pronúncia da professora? Na minha
primeira prova de inglês tirei três e meio. Que decepção! Embora eu nem pensasse nisso, essa
178
nota eu não teria como esconder do meu pai, pois a professora era nossa prima. Que azar! Que
mundo pequeno! Isso teve desdobramentos na minha vida. Acontece que eu estava fazendo
aulas de corte e costura com uma amiga da escola e ela parou de fazer as aulas de corte e
costura porque o pai dela disse que era muito importante aprender inglês. Comentei em casa e
depois de alguns dias meu pai me perguntou se eu gostaria de fazer inglês. Eu gostei da ideia,
e mais uma vez peguei o bonde andando, pois no meu primeiro dia no curso de inglês no
Yazigi, a turma já estava no capítulo três. Mas eu adorei a professora, a Leila. Fiz todas as
lições atrasadas e já tirava as melhores notas da turma. Eu adorava falar inglês. Voltando para
a sétima série, tinha também o professor de ciências, o professor Wilson. Um homem alto
muito magro que nos contava dos livros que lia. Isso também teve desdobramentos em minha
vida. Na oitava série comecei a estudar à noite, já estava na hora de arrumar um emprego se a
chance aparecesse. Estudar à noite era muito bom. A professora de Inglês era ótima. A
professora de História era muito legal, o livro adotado era como um grande gibi, história em
história em quadrinhos – ela me conquistou. Durante uma das nossas aulas, chamei-a para
tirar uma dúvida e olhei na mão dela. Fiquei assustada, ela tinha mãos ásperas, mãos de
alguém que arrumava cozinha, que trabalhava no sítio da família, e me veio à mente naquele
momento: o que é e o que faz um professor fora da sala de aula? Que tipo de pessoa é um
professor fora da sala de aula? Um mistério!
1974 – já estou no colegial: Escola Estadual Anibal de Freitas. Cursei o primeiro colegial à
tarde, não consegui vaga à noite. Detestava tudo, não me encaixava naquela escola, naquela
turma. Tinha sono nas aulas, mas mesmo assim, duas coisas me marcaram neste ano. O
professor de Geografia adotou um livro muito difícil do autor Melhem Adas. Eu lia e não
entendia nada. Foi ai que eu encontrei outra forma de estudar, grifar as partes importantes, e
entender o mais importante do parágrafo. Aprendi sozinha. O outro fato que me marcou foi o
modo como a professora de português a Dona Maria (outra Dona Maria) ensinava. No nosso
livro de literatura havia poesias com palavras estranhas até então. O que eu nunca mais
esqueci foi da expressão “céu plúmbeo” e ela explicando que plúmbeo vinha do latim, que
significava da cor de chumbo que era por isso que o símbolo do chumbo na tabela de química
era “Pb”. Por que será que a professora de química não fazia assim? Ai quem sabe eu iria
gostar da aula dela também! Coisas que eu pensava!
Segundo ano do colegial, consegui voltar a estudar à noite e comecei a trabalhar numa livraria
em agosto. Meu pai conhecia o dono e arrumou o emprego para mim. Eu adorava, me lembro
de ter entregado o primeiro salário nas mãos dele. O que eu mais gostava era que eu podia
comprar livros com vinte por cento de desconto. Comprava livros de inglês e também do
179
autor que o professor Wilson, de ciências, nos falava: Lobsang Rampa, um monge budista e
suas histórias. Li quase todos os seus livros. Mais tarde pela Internet vim a ler que ele era uma
farsa. Confesso que fiquei decepcionada, mas algumas de suas ideias já haviam me
conquistado. Continuei estudando inglês de manhã e tinha permissão do patrão para chegar
mais tarde nos dias que tinha aula de inglês. No final do ano a loja vendia brinquedos. Como
eu gostava de ajudar a arrumar o estoque, como eu gostava daquele cheiro de bonecas e
carrinhos. Era muito bom trabalhar lá. Volto a falar da escola e de um acontecimento que
mudaria minha vida. Segundo colegial, primeiro dia de aula à noite. Cheguei, olhei para a sala
e vi um aluno que me parecia mais velho do que os outros e pensei comigo mesma que ele
deveria ter “repetido de ano”, pois tinha cara de mais velho. Esse aluno com “cara de mais
velho” seria o homem com quem eu me casaria e teria três filhos maravilhosos, hoje meu
marido, o Breno. Mas só começamos a namorar quando estávamos na faculdade. No segundo
ano descobri mais uma forma de estudar. As aulas de Biologia com o professor Alcides eram
muito interessantes, ele contava da formação do universo, da divisão das células e tudo mais,
mas não tinha adotado um livro didático para estudarmos em casa. A fama dele é que
ninguém conseguia “fechar a nota” sem fazer exame no final do ano. Isso bastava para eu
querer passar sem exame no final do ano. Era um desafio. Precisava dar um jeito de poder
estudar em casa sem livro. Comecei anotando tudo o que ele falava na aula. Em casa, nos
finais de semana, passava tudo a limpo e estudava muito. No final do ano o resultado: eu e
outro colega conseguimos fechar e não ficamos de exame. O professor Alcides tinha uma
coleção de insetos e ele dava meio ponto para cada inseto “fora-de-série” que a gente
trouxesse para ele. “Fora-de-série” era um inseto que ele ainda não tinha na sua coleção. Ele
olhava para o inseto e na hora dizia se já tinha ou não. Eu consegui um “fora-de-série”
durante o ano inteiro. Ao final do segundo ano ficou decidido que eu iria parar com o curso de
inglês, pois a maioria dos alunos da turma havia passado para o horário da tarde e não haveria
mais a turma da manhã. Eu não poderia estudar à tarde por causa do trabalho. No terceiro ano
do colegial, mais uma vez a história se repete, a escola mudou de prédio. Fomos para um
prédio novinho em folha. Novos amigos chegaram. As aulas de Biologia ainda eram com o
professor Alcides. Ele inaugurou o laboratório de Biologia. Fizemos dissecção de animais.
Primeiro ele dividiu a classe em equipes e distribuiu as tarefas determinando os animais de
cada grupo. Depois ele orientou para a pesquisa sobre os animais a serem dissecados. Falou
sobre o que fazer no dia da experiência. Finalmente chegou o dia. A dissecção e a explicação
para a classe. Minha equipe fez dissecção de uma barata. Uma experiência e tanto! Nessa
época eu já dirigia e já tinha um “fusquinha” 64. Uma tia havia comprado e não conseguiu
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aprender a dirigir. Deu o carro para mim. No segundo semestre, eu já ia para a escola de carro
e na volta pegava meus irmãos que estudavam no “Monsenhor Salim” que também havia
mudado de prédio, agora era um prédio maior e mais equipado. Eu conhecia todos que
trabalhavam lá, e quando chegava mais cedo ficava conversando com os professores e
funcionários da limpeza e secretaria, a Dona Mirna, o Seu Macedo, a Dona Filomena entre
outros. Sentia-me importante, pois era “filha” daquela escola, um exemplo a ser seguido por
quem estava estudando. A imagem de que é possível estudar além dos limites do bairro. Era
assim que os professores que me conheciam falavam para incentivar os alunos. O Professor
Aquino, de Português, me convidava para entrar na aula dele e ficar lá conversando com os
alunos de vez em quando. E faziam a maior propaganda quando eu falava que ia prestar o
vestibular para ser professora. Eu não tinha a menor ideia do que era passar no vestibular, da
dificuldade, da concorrência, mas se passasse no vestibular naquele ano ganharia uma bolsa
de estudos integral na PUC-Campinas. Um desafio e tanto. Fiz a inscrição prestei o vestibular.
Primeira opção: Letras – Português e Inglês; segunda opção: História; terceira opção:
Pedagogia. Queria muito voltar a estudar e aperfeiçoar meu inglês e também queira ser
professora. Eu não tinha passado no exame de admissão para a Escola Normal, mas agora
minha chance de me tornar professora aparecia novamente em minha vida. Agarrei com unhas
e dentes! Passei no vestibular.
Primeiro ano do curso: usava nas aulas de conversação um livro que eu já conhecia, era um
dos que eu havia comprado na livraria onde trabalhara, mas aproveitava cada oportunidade de
aprender algo novo. A professora de conversação, a Lilian, me convidou, no final do ano, para
fazer um tipo de estágio na escola onde ela trabalhava. Eu ia com ela uma vez por semana e a
ajudava a tirar as dúvidas dos alunos, a corrigir provas, e frequentava a sala dos professores
que mais tarde eu iria frequentar como professora. Ela trabalhava numa escola salesiana – a
ETEC. No segundo ano da faculdade, muita gramática da Língua Portuguesa. A professora
Linei, exigia o máximo dos alunos. Tinha a fama de deixar todo mundo de exame. Mais uma
vez eu tinha que encontrar uma forma de não ficar de exame. Não me contaminava com o que
as colegas falavam. Descobri o que fazer no dia em que ela fez o convite para monitoria de
português. No final do ano, nenhum exame. Terceiro ano da faculdade, estamos em 1979 e eu
tinha minha primeira aula de Literatura da Língua Inglesa. Eis que entra na sala uma senhora
muito elegante, falando um inglês que eu não entendia no início. A maioria da sala “boiava”.
Depois de dez minutos eu já estava entendendo tudo o que a professora Nair Leme Fobé, a
Mrs. Fobe, falava. Uma introdução da literatura inglesa. Depois veio mais, muito mais.
Autores, obras e textos dos quais nunca me esqueci, Thorton Wilder, William Goldwing,
181
William Shakespeare, John Milton, Jane Austen, George Orwell, e muitos outros. Uma
festa!!! Aprendi muito com a Mrs. Fobé, uma mulher e mestra incrível. Aprendi com ela a ler
nas entrelinhas, a ver o que subjaz no texto.
Um ano antes, no Segundo ano da faculdade, havia começado a trabalhar numa escola de
idiomas, Pink and Blue. Poucas aulas para começar, mas no ano seguinte, no meu terceiro ano
da faculdade, todas as aulas que eu pudesse pegar. A proprietária era a Dona Judaiba,
conhecida com Tia Jú, uma pessoa que me ensinou muito sobre ensinar e aprender, muito
sobre lidar com as pessoas, e muito sobre a vida.
Uma sensação de dever cumprido, mas também de saudade ao terminar a faculdade. Depois
disso, nunca mais parei de estudar. Combinamos, porém, meu marido e eu, que teríamos
nossos filhos e que depois eu voltaria para fazer especializações, mestrado e o que mais
tivesse vontade ou precisasse. Resolvemos inclusive que eu pararia de trabalhar por um
tempo, para me dedicar aos nossos filhos.
Três anos de namoro, e o Breno entra na minha vida definitivamente. Casamento em 1981.
Vida nova, apartamento novo e vieram os outros meninos. O Felipe chegou em 1983, o
Gustavo chegou em 1985 e o Pedro chegou em 1989. Quantas coisas esses quatro me
ensinaram! E ensinam até hoje!
Em 1988 volto a trabalhar na mesma escola de idiomas. Não cheguei a perder o contato com a
Tia Jú, nem com a Mrs. Fobé. Uma visita aqui, um curso ali e assim mantive o contato com
essas pessoas que tanto me ensinaram.
Profissionalmente e pessoalmente, 1991 foi um ano muito difícil. Muitas dúvidas. E eu me
perguntava: “Você só consegue dar aula nesta escola, Elisete? Começou a trabalhar como
professora lá, parou, teve filhos, voltou para lá e vai ficar lá até quando?” Resolvi me demitir
e fui investir em outras possibilidades, Passei em 5º lugar no concurso para professores do
estado. Assumi as aulas no “Ginásio Estadual Monsenhor Doutor Emílio José Salim”. Feliz
da vida, mas tive uma grande decepção. Até então via o lado romântico da profissão, devo
confessar. Pedi exoneração em semanas. Ao mesmo tempo, assumi aulas e coordenação de
área de Língua estrangeira, Inglês e espanhol, numa escola particular de ensino regular e
lecionava para Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio, alem de exercer a coordenação. A
escola ficava em Vinhedo-SP. Em breve os meus filhos também seriam meus alunos no
Instituto Sant’Anna. O que me levou a colocar meus filhos na escola foi um triste incidente na
escola estadual onde eles estudavam – a mesma que agora se chamava “E. E. Monsenhor
Doutor Emílio José Salim” onde eu havia estudado e onde era recebida com tanto carinho. O
triste incidente a que me refiro foi que um dia após levar os meninos para a aula, notei que o
182
Felipe havia esquecido algo no carro e voltei para lhe entregar. Ao entrar na escola, alguns
alunos ainda chegando, uma professora gritando com um aluno, pegando-o pelos braços e
orelhas, levantando-o do chão. E o que eu vi em seguida foi meu filho, o Felipe, que sempre
foi bem maior do que as crianças da mesma idade, sendo levantado do chão por aquela
mulher, sem nenhuma reação, da cabeça baixa. Ao ver-me ela se assustou. Depois fiquei
sabendo que não era a primeira criança a sofrer esse tipo de agressão. No dia seguinte meus
filhos começaram a estudar no Colégio Sant’Anna em Vinhedo, onde eu trabalhava. Foi quase
que uma imposição da diretora e proprietária da escola onde eu trabalhava, frente a uma
agressão dessa natureza. (Nada fiz para que a professora reparasse o fato, acho que nem teria
como reparar uma agressão, porque fiquei sabendo que ela estava para se aposentar, e com
muitos problemas familiares e pessoais.) Senti-me muito aliviada e valorizada. Os meus
filhos, Felipe e o Gustavo foram meus alunos mais uma vez, visto que já tinham sido meus
alunos no curso de inglês na escola de idiomas Pink and Blue.
Algum tempo depois precisei deixar a coordenação de área na escola em Vinhedo. Precisava
dedicar mais tempo e dar mais atenção aos meus filhos. Por conta disso também, tive que me
demitir da escola e voltei a trabalhar em Campinas. Através de uma indicação comecei a
trabalhar no Colégio Rio Branco, ministrando aulas para Ensino Fundamenta II e Ensino
Médio e três anos depois, iniciei minha caminhada na Escola Salesiana São José. A
identificação com a filosofia salesiana foi imediata. Já tinha contato com a escola, pois dois
dos meus filhos estavam estudando lá. Estávamos em 1998. Tive novamente o prazer de ser
professora dos meus três filhos no São José no Ensino Médio. E tive o privilégio de entregar
seus diplomas na cerimônia de formatura no final do Ensino Fundamental II e Médio. Coisas
da Escola Salesiana São José – os funcionários da escola têm o privilégio de entregar o
diploma para seus filhos nas solenidades de formatura. Uma gentileza que não tem preço.
Em 2000 e 2001 tive a oportunidade de trabalhar na Nova Escola em Valinhos lecionando no
Ensino Médio. Uma experiência muito interessante, um lugar acolhedor onde conheci pessoas
que valem a pena ter por perto. Durante todo meu trajeto conheci muitas pessoas. Aprendi
com todas. Gostei de ter convivido mais com umas do que com outras. Venho crescendo na
Escola Salesiana São José desde o momento que lá pisei como mãe de aluno. Hoje conto
minhas histórias para meus alunos nos momentos em que isso se faz oportuno.
183
Histórias que eu conto aos meus alunos
Histórias podem ilustrar um tempo diferente, uma situação inusitada, uma coisa engraçada,
mas acima de tudo, elas podem traduzir vida. Ao contar minhas histórias aos meus alunos me
sinto mais perto deles, me sinto gente como eles.
1. Dirigindo a Kombi no domingo
Já havíamos voltado a morar na cidade, mas todo domingo íamos almoçar no sítio dos meus
avós. Eu tinha dez anos de idade, meu pai tentava ensinar minha mãe a dirigir a Kombi. Ela
não conseguia. A cada domingo um problema. Um dia ele disse, “Elisete, quer aprender a
dirigir?” Eu era a filha mais velha e meus pés já alcançavam os pedais. Também tinha a
torcida dos meus irmãos. Não pensei duas vezes, pulei para o banco do motorista. Meus
irmãos com olhares de agitação, todos torcendo para eu conseguir. Sai, e dirigi até o portão do
sítio, entrei pela porteira e desliguei a Kombi. Tremia mais que vara verde, mas a sensação de
ter conseguido atingir um desafio era maravilhosa. Essa história eu só posso contar para os
alunos mais velhos, pois poderia incentivá-los a tentar a façanha. Isso nunca.
2. Você gosta de curau?
Logo que comecei a estudar na fazenda, na primeira série, muito eufórica com a ideia de ir
para a escola, queria participar de tudo. Um dia a professora, numa atividade com a classe
toda falando sobre a rotina da fazenda perguntou para a classe: “Quem pode me falar uma
sentença com a palavra “curral”?” Eu imediatamente levantei a mão. Percebi que todos me
olharam com surpresa, afinal eu havia acabado de chegar. Mesmo assim eu disparei a
sentença, a frase da minha vida: “Eu gosto de comer curral” Não entendi porque todos caíram
na risada. Um coro muito alto, todos olhando para mim – a menina da cidade querendo
aparecer. Depois de algum tempo quando a professora também parou de rir e conseguiu
retomar a aula, fiquei sabendo que o doce de milho que minha avó fazia era o “curau”.
Participar da aula é muito importante, mas é melhor não fazer o que eu fiz! Porém, aprendi a
lição, nunca sair falando sem pensar.
3. Minha única e desastrosa tentativa de colar na escola
184
Após ter tido aulas de Francês com a mesma professora, a Dona Milma, na 5ª e 6ª série (hoje
6º e 7º ano) e sempre tirando nota dez, eu “precisei” colar na última prova do ano. Toda vez
que conto essa história, meus alunos me perguntam por que eu precisaria colar se sempre
tirava dez. Pois é, vi todo mundo colando e achei que também deveria colar, pois a matéria
nova era um verbo cuja conjugação era muito difícil. Sem olhar no caderno, escrevi o verbo
conjugado na palma da minha mão esquerda. Colei de mim mesma! Durante a prova teria que
ter cuidado para a professora não ver. Amadorismo ao extremo! Durante a prova, que era
mimeografada, (nesse ponto da história sempre tenho que fazer uma pausa para explicar o que
era “mimeografada”. Pausa que também dá certo suspense na história.), eu não conseguia ler
uma palavra, me levantei e fui perguntar para a professora o que estava escrito lá segurando a
prova com a mão esquerda. Foi pior do que o momento do “curral” / “curau”. Nem se
compara! Queria que o chão se abrisse e que eu fosse engolida naquele momento. Como
explicar para a Dona Milma que eu nunca havia colado nas provas de Francês? E o pior, é que
ela iria sair da escola para morar na França no ano seguinte. Como iria explicar isso depois de
ouvir dela: “Eu não esperava isso de você, Elisete! Volte para sua carteira e termine a prova.”
Na tentativa de explicar, gaguejei, fiquei vermelha, gelada, mas de nada adiantava, não tinha o
que explicar. É preciso ter muita necessidade para colar numa prova. É preciso estar
desesperado ou simplesmente como eu, me deixar envolver pela situação. Depois de contar a
estória e responder às perguntas dos meus alunos, faço uma reflexão com eles para dizer o que
acho sobre a cola no ambiente escolar dizendo que sempre parto do princípio que meus alunos
não precisam disso. Tenho confiança no meu trabalho e no trabalho e filosofia da escola e,
principalmente, acredito no potencial de cada um de deles. É como eu termino essa história,
hoje já superada. Resultado da experiência: nunca mais consegui colar nem passar cola.
4. História de professora mãe
Outro dia uma aluna veio nos visitar na escola e ficamos recordando os tempos de aluna dela
na escola e ela me diz: “Nunca me esqueço da história que você contou de você e seus filhos
no shopping nos Estados Unidos.” Fiquei muito contente em saber que minhas histórias
permanecem na recordação de alguns alunos. A história é a seguinte: Perdi minha mãe num
shopping em Miami. Sim, é verdade. E todos que estavam comigo queriam ajudar a procurá-
la – meus filhos (Felipe com 12 anos, Gustavo com 10 anos e Pedro com 6 anos) e meu pai.
Nenhum deles falava inglês. “NÃO! Eu proibi.” Provavelmente teria que procurar por cinco
pessoas em vez de procurar por apenas uma pessoa. Depois que encontrei minha mãe deixei
185
todos no mesmo local e fui comprar um perfume de presente para uma pessoa e recomendei:
“Não entrem na loja de perfumes porque todos vocês estão com blusas de frio, com mochila
nas costas e podem quebrar algo.”. Entro na loja, começo a conversar com o dono, ele pensa
que sou americana ou que moro lá há muito tempo devido à minha fluência na língua, e de
repente entra o Pedrinho. E eu me dirijo a ele e pergunto, em inglês, o que ele estava fazendo
ali. Eu estava conversando com o dono da loja e sem perceber falei com o Pedrinho em inglês.
Dou uma bronca e peço para que ele volte ao lugar combinado. O Pedrinho se vira, sem falar
uma palavra e volta para o lugar combinado – um banco em frente à loja. Neste momento o
senhor me pergunta se meus filhos falavam inglês e eu respondo que o Pedro ainda não. A
pergunta seguinte foi: “Como é que ele te entendeu e fez o que você mandou?”. Eu digo “Ele
não fala inglês, mas sabe quando eu estou brava.” Muitas risadas e mais uns quinze minutos
de papo com aquele senhor tão simpático que acabou me contando que sua filha era
professora e lidava com crianças e jovens que são retirados do lar por abusos dos pais.
Situações que se repetem em todos os lugares.
Chega de histórias, embora eu tenha outras para contar.
Minha conversa com os livros
Cartilha Caminho Suave: Minha querida cartilha “Caminho Suave” Como me realizava lendo
suas páginas. Sensação de conquista, ler as páginas que ainda não tinham sido “ensinadas”.
Os mais belos Contos de Fadas: Lembro-me muito bem do meu primeiro livro “Os mais
Belos Contos de fadas”. Eu estava no segundo ano e ganhei do meu pai. Eu já conseguia ler as
histórias. Minha favorita era a da Rapunzel.
“Almanaque do Pensamento” e “Selecões do Reader’s Digest”: Meu pai sempre teve livros
em casa. Eu adorava olhar para eles, ler um pouco, Dentre os muitos livros que tínhamos em
casa, eu gostava de ler as “Seleçoes do Readers Digest”. Meus avós gostavam de comprar um
periódico anual chamado “Almanaque do Pensamento”. Essas publicações continham textos
muito diversos, e eu gastava uma grande parte do meu tempo lendo-as.
Robinson Crusoé”: O primeiro livro ninguém esquece. Recordo-me do primeiro livro que li:
Robinson Crusoé. Era do meu pai. Dentre os muitos que eu via na estante de livros, foi esse
que me conquistou.
186
Ilustração 27: O primeiro livro – Robinson Crusoé devorado pela pesquisadora e
também pelas traças ou cupins
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
As páginas estão amarelas, os cupins ou as traças comeram partes de suas páginas. Aquelas
duas marcas parecendo uma seta são os caminhos que o bicho percorreu no livro durante o
tempo que ele ficou perdido encaixotado enquanto eu morava num apartamento que não tinha
espaço para meus caros livros. Hoje ele tem um lugar de destaque na minha estante de livros.
Meu Pé de Laranja Lima: Sofri, chorei, ri muito com o Zezé. Como alguém pode sofrer tanto
assim? Quanta polêmica, quanta preocupação! Diziam que o livro tinha palavrões. Quem se
atreveria a ler os palavrões na sala de aula. O que faria a professora? Mandaria a gente pular a
palavra? O que aconteceria? O resultado disso é que todos terminaram de ler o livro antes de
começarmos a ler em classe.
Fábulas de Monteiro Lobato: O livro que eu não devolvi – A Maria Angélica, colega de
escola no Monsenhor Salim, me emprestou um livro de fábulas do Monteiro Lobato. Eu li o
livro, mas ela disse que eu poderia ficar mais tempo com ele se quisesse. Fiquei tanto, que
acabei não devolvendo. Lia uma história quase toda noite para meus irmãos.
A Caverna dos Antigos: O professor Wilson, de ciências, contou na aula, uma vez, que ele leu
num livro de um monge budista chamado Lobsang Rampa. O livro contava sobre uma
caverna com objetos que supostos extraterrestres teriam deixado no nosso planeta. Ele
contava com tanto entusiasmo, que eu tinha que pegar esse livro na biblioteca para ler. Esse
foi o primeiro dos muitos que li deste autor. Li todos os livros que encontrei na biblioteca, e
depois comprei os que não encontrei lá.
187
Enciclopédias para pesquisas e trabalhos da escola: Em casa tínhamos “Enciclopédia
Trópico”, a “Coleção Conhecer”, comprada por fascículos por meu pai. Páginas lindas. A
cada fascículo novas aventuras. Havia um tópico que me encantava, falava da sobre história
universal – A Idade Média me encantava particularmente. Aguardava essas histórias toda
semana. Tinha também a “Enciclopédia Life”. Caríssima!
Desenhos dos meus alunos (Alguns da minha coleção)
Desenhar não é meu forte. Talvez seja por isso que sempre admirei os desenhos que meus
alunos faziam, e fazem. Muitos eu pedia de presente, outros eu pedia que fizessem para mim.
Ainda tenho alguns guardados. Apenas alguns para exemplificar.
“A Mulaliza” – “Obra de Mulardo Da Vinci” (1979 ou 1980): desenho de um aluno que
cursava o Second Grade na escola de idiomas Pink and Blue. Durante a aula eu vi que ele
desenhava, mas também sabia que ele estava acompanhando a aula, eu o conhecia e sabia do
seu potencial. No final da aula eu perguntei o que ele estava desenhando e ele me mostrou o
desenho da “Mulaliza”. Achei o máximo, e pedi de presente, ele me deu. O aluno tinha
naquela época uns nove ou dez anos, hoje eu acho que ele nem se recorda que eu existi na
vida dele, mas eu me lembro dele. Um garoto cheio de vida e muito inteligente. Criatividade
incontestável!
Ilustração 28: A Mulaliza de Mulardo da Vinci – criatividade em sala de aula
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
188
Outros desenhos que igualmente me foram ofertados depois de uma aula. O desenho da
“Prefessora de Ingreis” foi feito em 2002 por um aluno que não aceitava ter que aprender
inglês, mas que me respeitava muito. Talvez porque também era muito respeitado na sua
opção de não querer aprender inglês por achar uma “invasão dos gringos”. Era como ele
falava. Apesar disso, nós tínhamos um canal de conversa, eu respeitando seu ponto de vista
crítico, mas tentando fazê-lo entender que era necessário separar as coisas. Aprender a língua
dos “gringos” poderia ser uma ferramenta a mais para lidar com eles nessa invasão.
Ilustração 29: “Prefessora de Ingrêis”
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
E mais esse desenho (ilustração 30) de uma aluna do EFII, dentre tantos outros desenhos,
bilhetinhos, cartinhas, acrósticos e poesias. Sinais de que se é querido, respeitado e confiável.
189
A aluna disse que me desenhou feliz porque ela achava que eu era feliz “dando aula”.
Acertou.
Ilustração 30: O olhar da criança – A professora feliz
Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora
Pós-graduação – Especialização e Mestrado
Não parei de estudar em momento algum da minha caminhada. Sempre com muito apoio dos
meus filhos e do meu marido. A especialização em Gramática da Língua Inglesa foi muito
interessante. Depois cursei, mas não conclui a pós-graduação em Psicopedagogia. Cursei
todas as disciplinas, fiz o estágio, escrevi a monografia, mas não a entreguei. Tive a certeza de
que não iria trabalhar na área no final do curso, durante as horas de estágio. Afinal, meu
objetivo era mesmo ter mais ferramentas para ajudar na minha prática, ajudar meus alunos.
Nesse sentido, o curso foi muito interessante e proveitoso. Em 2013, veio a possibilidade de
realizar um sonho. O Mestrado. Eu não queria fazer isso apenas pelo título, eu queria fazer
algo para socializar minha experiência de mais de trinta anos do meu trabalho como
educadora e professora de língua estrangeira – Inglês. Deveria haver algum lugar onde eu
pudesse veicular isso. Iniciei o Programa do Mestrado em Educação do Unisal em Americana
cursando como “aluno especial” (confesso que comecei nesta condição, pois eu queria saber
190
se me veria no programa.). E comecei em muito boa companhia, a Lidia e a Silvana, colegas
de trabalho da Escola Salesiana São José, pessoas que hoje me atrevo a chamar de amigas.
2013 disciplinas como “aluno especial”, aulas com o professor Severino. Ao final dessas duas
disciplinas, já estava mais do que certo que eu me encontrei no programa. Educação
Sociocomunitária – onde mais eu poderia veicular minhas experiências profissionais e de vida
(se é que se pode separar essas duas coisas), se não ali? Em 2014 inicio minha caminhada
como aluna regular no programa e uma coincidência me impactou muito. Dia 13 de março de
2014, meu aniversário, meu primeiro dia da aula como aluna regular do programa de
mestrado, e neste mesmo dia, à noite, logo após a aula, formatura do Pedro, meu filho caçula,
no curso de Ciências Contábeis na PUC-Campinas. Foi muita emoção.
Hoje trabalhando e estudando e sendo muito bem cuidada por meu marido. O Breno
cozinha, ajuda a limpar a casa, lê o jornal e me conta as coisas, me leva cafezinho na cama.
Ajuda em tudo o que pode. Sem ele não teria como fazer tudo isso, trabalhar, e estudar. Os
três filhos casados. Esses três muito me ensinaram, mas mais do que isso, me preencheram a
vida. Quanta coisa eu e o Breno não teríamos vivido e aprendido se não fosse por e com eles.
Tenho verdadeiros mestres me ensinando no programa de mestrado. Tenho aprendido muito,
estruturando, solidificando algumas ideias que há muito povoam meus pensamentos. A cada
disciplina, novas descobertas. Mais descubro que tenho muito mais a aprender.
Quanto à família? Está crescendo. Os mais novos integrantes chegaram há bem pouco. O
nome deles? Alice e Giovanni, meus netinhos. E continua crescendo, A Marcela, irmã do
Giovanni, chegou em julho de 2015 e o bebe do meu caçula chega em alguns meses.
E a vida? A vida continua... Outros netos...? Doutorado...? Quem sabe?...
191
APÊNDICE B – Primeira versão do questionário
Pesquisadora: Elisete Soave Vianna
Mestranda no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL / Americana
Identificação:
Nome: _________________________________________________________
Idade: _________________________________________________________
Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
Série/ Ano que está cursando atualmente: _____________________________
Data: ___________________________________________________________
Entrevista escrita
1) Você participou do Projeto Garage Sale ou Pink Lemonade no sétimo ano do Ensino
Fundamental II, em que ano isso se deu?
________________________________________________________________
2) De qual dos projetos você participou?
( ) Garage Sale ( )Pink Lemonade ( ) Garage Sale e Pink Lemonade
3) De que forma você participou no(s) projeto(s)?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
4) Você se lembra como o projeto foi apresentado a você ou a sua classe? Explique.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
5) Você se lembra dos objetivos do projeto?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
6) Você se lembra se obteve notas pela participação no projeto?
( ) Sim ( ) Não
7) Se sua resposta foi SIM: você acha que teria participado sem obter nota? Por quê?
192
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
8) A experiência de ter participado do projeto foi importante para você? Você aprendeu
algo por meio dessa participação?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
9) Você se lembra se recebeu um retorno sobre o projeto após a execução? Comente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
10) Você pode dizer que mudou seu ponto de vista ao olhar para o mundo, para sua vida
após ter participado desse projeto? Comente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
11) Você participou ou participaria de outras atividades sociocomunitárias como essa
novamente? Comente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Muito obrigada pela sua participação e acolhida!
Profa. Elisete Soave Vianna
193
APÊNDICE C – Segunda versão do questionário (referência para os dados obtidos)
Pesquisadora: Elisete Soave Vianna
Mestranda no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL / Americana
Identificação:
Nome: _________________________________________________________
Idade: _________________________________________________________
Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
Série/ Ano que está cursando atualmente: _____________________________
Data: ___________________________________________________________
Entrevista escrita
1) Em que ano você participou do Projeto Garage Sale e/ou Pink Lemonade?
_____________________________________________________________________
2) De qual dos projetos você participou?
( ) Garage Sale ( )Pink Lemonade ( ) Garage Sale e Pink Lemonade
3) De que forma você participou no(s) projeto(s)?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
4) Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
5) Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como o grupo aceitava
as opiniões de cada integrante? O diálogo era fácil?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
6) De que forma você passou a entender os demais participantes diferentes de você?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
7) Você obteve notas pela participação no projeto? ( ) Sim ( ) Não
194
8) Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
9) De que modo essa experiência foi importante para você? Você aprendeu algo por meio
dessa participação?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
10) De que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
11) De que forma você descobriu suas potencialidades ao participar do(s) projeto(s)?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
12) Em quais outras iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você participaria
ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essa?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
13) De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os participantes?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Muito obrigada pela sua participação e acolhida!
Profa. Elisete Soave Vianna
195
APÊNDICE D – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Fundamental II
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu, Elisete Soave Vianna, RG 8.425.964-4, sou aluna regular do Curso de Pós-Graduação
(Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL),
unidade Americana e orientanda do Prof. Dr. Francisco Evangelista, docente deste curso e
desta instituição.
Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito
desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo,
utilizando a técnica de entrevista (oral e escrita) com os(as) alunos(as) do 6º, 7º, 8º e 9º anos
do Ensino Fundamental II, e dos alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola
Salesiana São José, Campinas - SP, coletar depoimentos (orais e escritos) e imagens para
fins estritamente acadêmicos, durante o período de agosto/2015 a dezembro/2015.
Para tanto, necessitarei realizar conversas com o grupo de alunos em horários contrários ao de
seus estudos, posteriormente agendados por meio de comunicado escrito.
Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos
resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.
Americana, 10 de agosto de 2015.
.........................................................................................................................
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu,________________________________, RG_____________________, autorizo o
trabalho de campo de pesquisa através da técnica de entrevista, coleta de depoimento (oral e
escrito) e imagem, realizado com meu(minha) filho(a)
_____________________________________, aluno do ___ ano/série ___, do Ensino
Fundamental II, da Escola Salesiana São José, Campinas – SP, para fins estritamente
acadêmicos da aluna do Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), Elisete Soave Vianna.
Data____/______/2015
Assinatura: ______________________________________
196
APÊNDICE E – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Médio
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu, Elisete Soave Vianna, RG 8.425.964-4, sou aluna regular do Curso de Pós-Graduação
(Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL),
unidade Americana e orientanda do Prof. Dr. Francisco Evangelista, docente deste curso e
desta instituição.
Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito
desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo,
utilizando a técnica de entrevista (oral e escrita) com os(as) alunos(as) do 6º, 7º, 8º e 9º anos
do Ensino Fundamental II, e dos alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola
Salesiana São José, Campinas - SP, coletar depoimentos (orais e escritos) e imagens para
fins estritamente acadêmicos, durante o período de agosto/2015 a dezembro/2015.
Para tanto, necessitarei realizar conversas com o grupo de alunos em horários contrários ao de
seus estudos, posteriormente agendados por meio de comunicado escrito.
Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos
resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.
Americana, 10 de agosto de 2015.
.........................................................................................................................
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu,________________________________, RG_____________________, autorizo o
trabalho de campo de pesquisa através da técnica de entrevista, coleta de depoimento (oral e
escrito) e imagem, realizado com meu(minha) filho(a)
_____________________________________, aluno do ___ ano/série ___, do Ensino Médio,
da Escola Salesiana São José, Campinas – SP, para fins estritamente acadêmicos da aluna do
Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de
São Paulo (UNISAL), Elisete Soave Vianna.
Data____/______/2015
Assinatura: ______________________________________
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APÊNDICE F – Entrevista: Alencar Andre David (Coordenador Pedagógico do EFII)
Data: 11 /08/2015
Pesquisadora: Alencar, eu me lembro de que quando tive a ideia de organizar uma Garage
Sale com os alunos dos 7os anos do EFII da Escola Salesiana São José, fui conversar com
você para saber se o projeto teria chance de ser aprovado, antes de propor aos alunos. Naquele
momento, tive receio de que ele não fosse aprovado porque os alunos teriam que lidar com
dinheiro. O que você pensou sobre o projeto, qual foi sua primeira impressão sobre ele?
Alencar: Minha primeira imagem agora, o que me lembro neste momento é de uma
liquidação que os alunos fizeram no final, quando a Mostra Cultural já estava para acabar e
eles resolveram sozinho fazer essa liquidação para vender o que restava.
Pesquisadora: Sim, eles me contaram que resolveram fazer isso para arrecadar mais dinheiro
para o projeto. Neste dia eu não estava na escola, pois estava participando de um curso numa
outra escola salesiana sobre o material da Rede Salesiana de Escolas em Piracicaba, e deixei
os alunos com tudo preparado. Eles “se viraram” sozinhos.
Alencar: Verdade, me lembro agora que você deixou os envelopes com os horários de cada
turma de alunos que iriam participar e com o nome dos alunos em cada horário. Não tivemos
que fazer nada, tudo funcionou tranquilamente, os alunos se organizaram muito bem e fizeram
tudo sozinhos. Eu só guardava os envelopes cada vez que mudavam os alunos.
Pesquisadora: O que fez você acreditar no projeto?
Alencar: Gosto de “apostar” em coisas novas, era uma situação do livro didático, era uma boa
ideia. Lembro que uma aluna se empolgou e queria até mandar fazer camisetas para os alunos
que iriam trabalhar na Garage Sale, mas não foi possível pela proximidade do evento. A
questão do dinheiro não me preocupou e o projeto superou as expectativas foi bem organizado
e os alunos se envolveram e estavam empolgados no final. Foi uma aposta num projeto da
professora, apostamos juntos e a Garage Sale foi isso, uma aposta em conjunto. Mas é bom
ressaltar que veio de você, da professora da classe e os alunos se envolveram, sem eles, sem o
envolvimento deles, não seria possível ir em frente com o projeto. Eles abraçaram o projeto.
Pesquisadora: Os alunos que já participaram se lembram até hoje, comentam comigo. E os
alunos do 6º ano que vão para o 7º ano, no início do ano já perguntam se vamos fazer “neste
ano” também. Todo ano a mesma pergunta. Eu me sinto recompensada, pois foi um projeto
que saiu de uma conversa com as classes.
Alencar: E o projeto teve desdobramentos. No ano seguinte o professor dos 8os e 9os anos
começou a fazer os cookies e acabou ajudando a entidade com a pastoral. Depois veio o
projeto da Pink Lemonade. A semente foi plantada e bem cuidada, e o projeto foi se
198
aprimorando ao longo dos anos, reforçando, que isso aconteceu porque os alunos abraçaram a
causa. Sem isso nada seria possível.
Pesquisadora: Alencar, você poderia comentar sobre o projeto Pink Lemonade? O que fez
com que você o aprovasse? Como é ver os alunos vendendo a limonada na Mostra Cultural?
Alencar: Pink Lemonade foi outra aposta....Lembro-me bem quando a profa. Elisete trouxe a
proposta. Primeiramente “testamos” na sala de aula, no setor (até porque o suco era importado
e de alto custo). Como o teste foi um sucesso, foi muito fácil o projeto deslanchar na Mostra
Cultural com muito sucesso. Foi uma alegria enorme ver os alunos “brigando” para trabalhar
neste projeto e para vender a limonada. E até hoje este projeto faz sucesso entre os alunos.
Pesquisadora: Os projetos foram se aprimorando. O que você acha do desdobramento do
projeto este ano (2015) de visitarmos a entidade Santíssima trindade, a professora, os alunos e
a pastoral?
Alencar: Outra novidade.... Como o setor já tem experiência neste tipo de atividade tenho
certeza que dará certo e o resultado será maravilhoso. Levar os alunos até o local do
destinatário da campanha é uma excelente ideia para que eles também possam ver para onde o
resultado da sua ação está sendo direcionado. Parabéns por mais esta iniciativa.
Pesquisadora: Fique a vontade para outros comentários e muito obrigada pela cooperação.
Alencar: Quero agradecer a profa. Elisete pela oportunidade de compartilhar os nossos
sonhos e projetos. Estes projetos somente tiveram sucesso porque a profa. Elisete é uma
seguidora dos projetos de D. Bosco e que como ele tem grandes “sonhos”. Ela faz de tudo
para que os sonhos sejam concretizados e não desanima diante dos obstáculos que aparecem,
sem contar que tem um carisma muito grande para envolver os nossos alunos, porque com já
disse anteriormente, sem a adesão deles nos projetos, nada disto teria acontecido!
199
APENDICE G – Entrevista: Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira (Orientadora
educacional)
Data: 11 /08/2015
Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre o projeto Garage Sale com os alunos do 7°
Ano do EFII da Escola salesiana São José – Campinas?
Renata: Acho um projeto bacana porque tem a ver com a mente brasileira. Os brasileiros têm
preconceito com brechós, mas valorizam antiguidades. Em relação aos alunos e sua
movimentação ao longo do projeto, eles demoram um pouco para se mobilizar, mas se
envolvem mais na semana em que o evento acontece. É típico da idade. Nos dias antes
da Garage Sale, eles começam a ver o que tem para vender e querem comprar ou reservar
coisas, o que é muito bacana. O projeto proporciona aos alunos trabalhar com a ideia de
comprar artigos usados, no inicio eles ficam um pouco tímidos, mas ao verem a “mercadoria”
exposta no dia da venda, com os preços, a coisa muda e eles se animam e compram. Eles
perdem a timidez. Há outro aspecto sobre o projeto que é bastante educativo que é a questão
da reciclagem, e o preconceito sobre objetos reciclados ou feitos de material reciclado. É
interessante ver, também, quando os alunos vêm o dinheiro arrecadado e se sentem
orgulhosos por doar para a instituição.
Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre o projeto Pink Lemonade com os alunos do
7° Ano do EFII da Escola Salesiana São José – Campinas?
Renata: Considero importante o conhecimento de costumes e hábitos de culturas diferentes.
No caso da Pink Lemonade, os alunos são estimulados e pesquisar sobre os ingredientes e
modo de fazer. Como eles são naturalmente curiosos, logo se interessam e experimentam na
prática a preparar o delicioso suco que posteriormente será comercializado na Mostra
Cultural. No dia da Mostra, percebe-se os alunos extremamente motivados e envolvidos com
o processo de preparação, divulgação e venda do produto. Mais interessante ainda fica
sabendo que a verba arrecadada será destinada a ação social, que envolve também a área de
língua portuguesa. Tenho certeza que esta aprendizagem será levada para toda a vida!
200
APÊNDICE H – Entrevista: José Carlos Ambar dos Reis (assistente de alunos)
Data: 11 /08/2015
Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre os projetos Garage Sale e Pink Lemonade
com os alunos do 7° Ano do EFII da Escola Salesiana São José – Campinas?
José Carlos: O aspecto da solidariedade desenvolvido com os alunos tem a ver com o espírito
de Dom Bosco. Os projetos contribuem para a formação pedagógica dos alunos e também
prepara para a vida. Para as crianças, os projetos se destinam a quem precisa e isso motiva
para o trabalho. Dentro da Mostra Cultural, eles (os alunos) se envolvem na montagem e no
aspecto social dos projetos, de ajudar a quem precisa. Os projetos proporcionam ao aluno um
olhar para fora da escola, para a sociedade, para os necessitados, o que é um dos aspectos da
filosofia salesiana. Um dos pontos dessa filosofia é o protagonismo juvenil, que os projetos
proporcionam aos alunos, porque são eles que executam tudo.
201
APÊNDICE I – Entrevista por e-mail: Rafael Duarte Belletti ( agente da Pastoral)
DATA: 04/02/2016
Quais são suas impressões sobre os projetos Garage Sale e Pink Lemonade levando em
consideração:
Rafael Duarte Belletti:
- Os projetos em si
Os projetos Garage Sale e Pink Lemonade são naturalmente envolventes e significativos.
Propor que os alunos coloquem em pratica o aprendizado de inglês para uma ação de
visibilidade na escola é atraente para o aluno da faixa etária em questão. O pré-adolescente
gosta de ter função social, de ter visibilidade. O objetivo de captar recursos para beneficiar um
grupo, uma entidade dá um significado mais atraente ainda. Sinaliza ao aluno que o que ele
está fazendo é muito importante. Não é só uma atividade escolar submetida à avaliação, mas
um ato que gerará mudança na vida de outras pessoas.
- O envolvimento dos alunos
O aluno se envolve quando vê significado.
Duas coisas ajudam a dar significado ao projeto: a visita à comunidade que será beneficiada
ou a vinda da coordenadora da comunidade para dar seu testemunho. E a motivação que o
dinheiro será usado para compras de brinquedos para a festa de Natal. Essas coisas dão um
fundo humano para o projeto. "Eu me envolvo porque estou ajudando alguém"
- O potencial para despertar nos alunos momentos de autonomia e protagonismo
Acredito que quando uma responsabilidade é dada ao adolescente, ele dá conta do recado.
É benéfico para a formação humana, o adolescente se sentir responsável, protagonista. A
atividade de ter que trabalhar nas barracas do Pink Lemonade e Garage Sale, dentro de um
tempo determinado faz o aluno se sentir "dono" do projeto. É dele também! Se ele não se
envolver, a coisa não acontece. Sentir isso é bom!
- O olhar da pastoral
Projetos como esse permitem que a pastoral esteja muito próxima dos alunos, dentro de sala
de aula. Pois o Pátio é o lugar da pastoral. Mas quando consegue entrar também na dinâmica
da sala de aula, o resultado do trabalho pastoral é ampliado. Essa parceria permite que o
discurso pastoral da escola seja vivenciado de forma prática pelos alunos
- O envolvimento do professor/escola com a Pastoral e com os alunos
Como disse, é uma parceria benéfica, pois estreita laços e potencializa as ações. A ação da
professora é potencializado pelo apoio logístico da pastoral. A presença da pastoral junto
aos alunos é potencializado pela abertura da professora.
202
- Outros pontos que você achar importantes
A dimensão social do projeto: beneficiar uma festa de Natal de uma comunidade carente. Essa
dimensão agrega muitos valores ao processo de ensino-aprendizagem. O aluno está
aprendendo muito mais do que simplesmente conteúdos da disciplina.
203
APÊNDICE J – Atividade Garage Sale18
GARAGE SALE
Text 1: Garage sale
A garage sale, (or yard sale, or tag sale, or attic
sale, or moving sale, or junk sale), is an informal
event for the sale of used goods (artigos,
mercadorias). Typically people sell used goods in
a garage sale, but sometimes they sell new goods
too.
The goods are for sale because the owner (dono) does not want or does not need the
item, to minimize their possessions, or to raise funds (arrecadar fundos). Garage sales are
organized because people clean their houses, or because they are going to move to a new
residence.
Goods in garage sales include old clothing (roupas), books, toys, household
knickknacks, garden tools, sports equipment, and board games. "Early Birds” are the people
who arrive before (antes) the hours of the sale.
Bargaining on prices is routine, and items may or may not have price labels (rótulos)
affixed. Some people buy goods from these sales to restore (restaurar) them for resale
(revender).
(Texto adaptado de: http://en.wikipedia.org/wiki/Garage_sale Acesso em 29/08/2010)
(Fonte da figura: http://www.sunaeugene.org/wp-content/uploads/2015/07/garage-sale_2-
1.jpg Acesso em 24/08/2015)
I – Answer in Portuguese.
1. Quais são os outros nomes dados para garage sale?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
2. O que geralmente se vende neste dia?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
3. Por que as pessoas normalmente organizam garage Sales?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4. O que /Quem são os early birds?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
18
Atividade elaborada pela Profa. Elisete Soave Vianna que pode ser utilizada para fins educacionais com os
devidos créditos.
204
Text 2: Garage Sale Tips
1. Collect Items - Don't leave it until the last minute.
2. Advertise – Write the date and times of the sale, your address, and special items you have
for sale.
Use bright colors (yellow or lime green work well), paper with BIG lettering.
3. Price Your Items - Mark every item. A general guideline is to price items at 1/4 or 1/5 of
the price.
4. A Note on Clothing - Kids' clothing can sell anywhere from $1 to $5.
5. Display Your Stuff - Arrange to have plenty of clothing racks and tables. Hang clothing if
possible. Re-arrange the goods to fill holes.
6. Create the Atmosphere - Have pleasant music playing. If your sale is on a hot day, you
may want to have a large tub filled with ice and cans of pop for sale.
7. Open your doors! - Don't allow (permitir) early birds. Don't allow people to come inside
your home. Don’t let people use your bathroom, phone, or try on clothes. Be prepared to say
“no”.
8. Finishing Up - Be sure to remove your signs promptly.
9. The best part - Now comes the fun part... counting the money!
(Adaptado de: http://www.mommysavers.com/Articles/having_a_garage_sale.htm Acesso em
29/08/2010)
II – Em português, complete o quadro abaixo com as informações do texto. Siga o exemplo.
1. Separar o material a
ser vendido Não deixe para selecionar o material a ser
vendido na última hora.
2. Anuncie
3. Coloque preço nas
peças
4. Sobre as roupas
5. Arrume as peças
6. Crie uma atmosfera
agradável
7. Abra suas portas
8. Terminar a venda
9. A parte mais
divertida
205
Text 3 – Garage Sale Box
III – Observe a figura abaixo e faça um comentário em português.
(Fonte da figura: https://doorleader.wordpress.com/2012/05/17/10-things-for-a-great-garage-
sale/)
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
IV – HOMEWORK: Entregar no dia _____ / ______ / 2015
Assista ao vídeo e responda em português.
Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rEKaDalh3ow Acesso em
24/08/2015
a) O que você achou mais interessante no vídeo sobre garages sales?
b) Ao organizarmos uma garage sale no Brasil estamos de alguma forma valorizando um
aspecto cultural que não é nosso, não é brasileiro. Você acha que por isso corremos o
risco de perder nossa identidade cultural? Comente.
c) O faria com que um povo perdesse sua identidade cultural?
d) Você acha que no Brasil estamos valorizando aspectos de outras culturas em
detrimento da nossa? Comente.
e) Que valores, costumes ou quais aspectos da cultura brasileira, nós, brasileiros,
podemos perder com a globalização?
f) Como você definiria a identidade do povo brasileiro?
g) O que poderia ajudar um povo a resgatar sua identidade?
206
APÊNDICE K – Atividade Pink Lemonade19
PINK LEMONADE
Text 1 – Pink Lemonade Recipe
This refreshing recipe for pink lemonade is the perfect
drink to serve at any summertime celebration.
Ingredients
Original recipe makes 12 servings
2 cups white sugar
9 cups water
2 cups fresh lemon juice
1 cup cranberry juice, chilled
Directions
In large pitcher combine sugar, water, lemon juice and cranberry juice. Stir to dissolve sugar.
Serve over ice.
Preparation time: 10 minutes
(Adaptado de: http://allrecipes.com/recipe/20560/old-fashioned-pink-lemonade/ Acesso em
24/08/2015)
Text 2 – The Lemonade: Did you know?
The Mongolians invented lemonade in 1299 A.D.. It was the Mongol Emperors'
favorite drink. Lemonade was also the most popular basic American drink. It also became
popular in Paris in 1630 when the price of sugar fell.
Rich with Vitamin C, "the high concentration of citric acid that gives lemons their tart
flavor stimulates the flow of saliva, effectively relieving a sense of dryness." It was noted
lemons had a long shelf life.
(Fonte: http://destinedtodenver.blogspot.com.br/2014/03/lemonade.html Acesso em
24/08/2015)
19
Atividade elaborada pela Profa. Elisete Soave Vianna que pode ser utilizada para fins educacionais com os
devidos créditos.
207
Text 3 – Pink Lemonade Nutrition Facts
(Fonte: http://fruit-rush.com/wp-content/uploads/2013/04/Pink-Lemonade-Nutrition-Facts.jpg
Acesso em 24/08/2015)
1. Escreva em português:
Fat - ________________________
Sodium - _____________________
Protein - _____________________
Carbohidrate - _________________
Calories - _____________________
Source - ______________________
Iron - ________________________
Vitamin A - __________________
Calcium - ____________________
Serving - _____________________
Amount per serving - ___________
______________________________
______________________________
2. Como você classificaria a Pink Lemonade? Como um alimento saudável ou não?
Explique.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
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_____________________________________________________________________
208
Text 3 – Lemons and life
(Fonte: http://www.telapost.com/wp-content/uploads/2014/06/lemons.png Acesso em
24/08/2015)
a) Escreva o provérbio em português.
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b) Explique o provérbio. Se puder, dê um exemplo do seu dia-a-dia.
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209
HAVE FUN! – Fruit Wordsearch
(Fontehttps://www.pinterest.com/pin/558868634981393014/ Acesso em 24/08/2015)