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O Diálogo como fundamento da Cultura de Paz

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Reflexões sobre complexidade, compreensão e diálogo

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O Diálogo como fundamento da Cultura de

PazReflexões sobre complexidade,

compreensão e diálogo

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O Diálogo como fundamento da Cultura de Paz

Reflexões sobre complexidade, compreensão e diálogo

“O olha da rã não vê a forma da sua presa, a mosca, mas percebe o movimento de seu vôo. E nós, que vemos? O que é que nos escapa? Parece que certos olhares só percebem a forma e outros, só o movimento. Não devemos, então, fazer com que os olhares se comuniquem, dialoguem? Precisamos multiplicar os pontos de vista e as escalas para chegar a uma visão poliscópia. Precisamos de comunicação e de diálogo com olhares diferentes dos nossos. Precisamos de uma visão poliocular.”

Edgar Morin

A Cultura de Paz e não-violência nasce da compreensão sobre o outro, sobre o mundo que nos cerca, e principalmente, da compreensão das diferenças. Quando compreendemos o diferente somos mais tolerantes e nos relacionamos de forma mais assertiva, saudável e pacífica. O diálogo se apresenta como a ação mais eficaz na construção da Cultura de Paz.

Temos a tendência de reduzir.

O mundo em que vivemos e a realidade que nos cerca são o todo enquanto nós, os seres humanos, somos a parte: parte da família, parte da equipe de trabalho, somos parte da comunidade que integramos, parte da cidade, e assim por diante.

Sendo parte, enxergamos apenas parte da realidade, aquela que está à nossa volta, aquela que constitui o nosso “mundo”. Podemos dizer que nossa visão de mundo é reduzida, apesar de acreditarmos ter um olhar abrangente, que compreende toda a realidade.

Ao explicarmos algo com base em nosso conhecimento, sustentamos explicações apoiadas em nossa ignorância, naquilo que não conhecemos do mundo, de forma reduzida e simplista. Falamos e explicamos com base também no que não conhecemos e não entendemos.

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A violência nasce desta ignorância. Ao partimos do pressuposto de que nossa realidade é a realidade do mundo, corremos o risco de generalizações pobres, tendo compreensões que favorecem comportamentos violentos.

Igualmente reduzimos o mundo ao tentar explicá-lo e entendê-lo, dividindo-o em partes. Um exemplo disso são as disciplinas da escola, ou as grandes áreas do conhecimento.Dividimos o conhecimento em ciências humanas, biológicas e exatas e cada uma delas é subdividida e redividida. Escolhemos uma determinada divisão e nos aprofundamos nela.

Dentro das ciências biológicas, por exemplo, uma pessoa escolhe medicina e dentro da medicina, ortopedia. Em ortopedia especializa-se em fraturas no pé e ainda, fraturas de um osso específico. Esta pessoa vai ter um grande conhecimento daquele osso, porém, o ser humano não é formado apenas por aquele osso e para reabilitação da fratura outros fatores estão envolvidos para a cura. A esse aprofundamento com inúmeras subdivisões, damos o nome de especialização e no caso acima, de hiper-especialização. Apesar da preferência no mundo atual, a especialização desintegra o conhecimento em fragmentos disjuntos não viabilizando o diálogo entre os diferentes conteúdos.

Morin, contrariando a forma de pensar hoje predominante, que divide para compreender, diz que “o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular”. (MORIN, 2002, p.39)

A nossa visão de “parte” e a hiper-especialização impedem a percepção do global, do todo, pois estamos duplamente reduzindo-o. Com isso, não vemos e compreendemos corretamente nem o que reduzimos e muito menos o todo, uma vez que os problemas particulares só podem ser propostos e pensados dentro de seu contexto. Devemos lembrar que em nosso mundo, os problemas são cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transacionais, globais e planetários.

Buscando a reampliação

Precisamos ampliar nosso olhar, reconhecendo que a nossa visão é parcial. Existem partes e compreensões distintas, que influenciam nossa visão de mundo.

A nossa educação e a forma com que nos posicionamos no mundo nos ensinaram a separar, compartimentar e isolar o que vemos, para tentar compreender. Porém o mundo é algo global, é algo complexo. Segundo Morin, “o conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa aquilo que foi tecido junto”. (MORIN, 2002, p.38)

A complexidade é a existência inseparável de elementos diferentes, como as várias disciplinas e as várias visões de mundo, que formam um todo. Estes elementos diferentes são inseparáveis, pois um exerce influência sobre o outro, um é importante para a compreensão do outro, um se relaciona com o outro.

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Neste contexto, não é necessário abdicar do conhecimento das partes para uma dedicação ao conhecimento do todo, ou deixar de lado a visão da sua parte de mundo para tentar ter uma visão do todo do mundo. Podemos enlouquecer tentando ter uma visão de tudo e tentando compreender tudo.

Queremos refletir a necessidade de ampliar o nosso olhar sobre o mundo, tendo consciência de sua complexidade. São vários fios tecidos em conjunto, diferentes visões de partes do mundo conjuntamente tecidas, umas conhecidas, outras não.Mesmo sem sabermos, uma influencia a outra, ou seja há uma interdependência.

Queremos propor um olhar diferente daquele do especialista ou do generalista, que respectivamente só vê a parte ou o todo. Queremos propor um olhar que atende o imperativo da complexidade, aquele que olha o todo e a parte e estabelece relações entre eles.

O não reconhecimento do complexo e a redução e disjunção do conhecimento provocam conseqüências não apenas para a nossa compreensão de mundo e do seu funcionamento. Provocam conseqüências também e, principalmente, para a qualidade das relações humanas.

Cada indivíduo tem uma formação única, e, consequentemente, uma visão própria de mundo. Ao julgar que apenas sua formação é a correta, ignora a diversidade que há na unicidade do ser humano.

As relações humanas estão cada vez mais ameaçadas pela incompreensão, uma vez que o fato das pessoas se comunicarem não garante que estejam se entendendo.

“Há duas formas de compreensão: a compreensão intelectual ou objetiva e a compreensão humana intersubjetiva. Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto, comprehendere, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação.” (MORIN, 2002)

A explicação intelectual é insuficiente para a plena compreensão. A compreensão humana abrange um conhecimento inter e intrapessoal, inclui um processo de empatia, de identificação e de projeção (quanto mais nos conhecemos e compreendemos nossas fraquezas e virtudes, mais e melhor conseguimos compreender o outro). Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade.

Existem enormes obstáculos intrínsecos às duas formas de compreensão. Entre eles há a indiferença ao que é diferente e há, também, o egocentrismo, o etnocentrismo, o sociocentrismo. Em comum está idéia de se situar no centro do mundo, considerando como secundário, insignificante ou hostil tudo o que é estranho ou distante.

A compreensão, mesmo face às dificuldades, é desejável e necessária para um melhor entendimento do mundo e um melhor relacionamento com o outro.Vivemos em um mundo em que as formas de comunicação triunfam, entretanto, a incompreensão permanece geral. Como ampliar a compreensão na comunicação?

O Diálogo

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David Bohm, físico quântico norte americano, trouxe uma grande contribuição para melhorar a compreensão, teorizando o diálogo.

O diálogo é uma metodologia de conversação que visa melhorar a comunicação e a compreensão entre as pessoas com a produção de idéias novas e significados compartilhados. É uma reflexão que se faz em conjunto, assim como uma observação cooperativa de experiências.

No diálogo, o que importa são as significações que surgem do contato entre interlocutores e isso é possível quando há uma escuta sem julgamento e com suspensão do que cada uma acredita ser o correto. Quando se está em um grupo de diálogo, o importante é revelar as significações de cada um, para se criar uma consciência coletiva mais ampla, que englobe o complexo.

Com esta metodologia de conversação os sentidos e significados de cada pessoa circulam. Assim, há uma ampliação da compreensão sobre o outro e da realidade que o cerca.

David Bohm apresenta, também, outra forma de comunicação, que mais usualmente utilizamos, a discussão, e nos propõe uma reflexão sobre ela. A palavra discussão tem a mesma raiz que “percussão”, que significa choque, embate, abalo e enfatiza a idéia de análise e fragmentação. A discussão tem o seu valor, mas é limitado, normalmente não nos leva além dos nossos próprios pontos de vista.

A discussão é semelhante a um jogo de pingue-pongue, no qual as pessoas estão rebatendo idéias de um lado para o outro e o objetivo do jogo é ganhar ou obter pontos para si próprio.

Diferentemente, no diálogo ninguém está tentando ganhar. Todos vencem, pois houve maior compreensão do outro, de uma nova forma de se fazer algo. No diálogo não há tentativa de ganhar pontos ou fazer sua visão específica prevalecer. É uma situação denominada ganha-ganha. No diálogo todos vencem.

Diálogo e discussão são maneiras diferentes, porém, complementares de se conversar. Conforme as circunstâncias, existe espaço para ambas, porém, a cultura tem colocado ênfase na discussão, sobrando pouco espaço para o diálogo. O desafio é ampliar o espaço de diálogo nas relações.

Pré-requisitos do diálogo

Quando se inicia uma conversa com a atitude de diálogo, deve-se ter a intenção de aprender algo e não de ensinar, impor um ponto de vista ou convencer alguém de sua própria opinião.

Deve haver o respeito às diferenças e uma escuta sem julgamentos, o que não significa que quando estamos dialogando devemos concordar, aceitar ou nos submeter ao que está sendo dito pelo outro. Devemos tentar compreender o que vem do outro, respeitando o que ele é e acredita, sempre havendo a possibilidade de compreender e não de concordar ou acreditar.

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Outro ponto importante do diálogo é abordar as questões ao nível do pensamento, com racionalidade, e não ao nível das crenças, que são aquelas nossas teorias sobre como o mundo deve ser; nossas “certezas inabaláveis”; os nossos pressupostos.

Quando nos relacionamos por meio dos pressupostos ficamos convencidos de que já “sabemos tudo”. Fechamos portas e obstruímos caminhos e possibilidades. Se pudermos suspender, ainda que temporariamente, os nossos pressupostos, um mundo novo se abrirá diante da nossa percepção e perspectivas inéditas se tornarão possíveis.

Barreiras e Obstáculos ao diálogo

Agir baseando-se em pressupostos é uma barreira ao diálogo, porém outras barreiras e obstáculos existem. São eles:

Automatismo Concordo-Discordo: ouvir até o fim, sem concordar nem discordar, é extremamente difícil para todos nós.

A dificuldade de deixar para fazer os julgamentos um pouco mais tarde, quando for o caso de fazê-los. Manter a mente aberta à experiência.

Emoções Aflitivas (venenos da mente): emoções negativas decorrentes de insegurança, medo, apego, ciúme, inveja etc.

A dificuldade de desenvolver posturas reflexivas e meditativas (desenvolvimento mental): para auto-conhecimento e tomada de consciência sobre as emoções negativas como recurso de redução e dissipação.

Como funciona um grupo de Diálogo?

É necessário que haja um facilitador imparcial, que já conheça os princípios do grupo de diálogo que irá assegurar que os fundamentos sejam verdadeiramente aplicados.

Esta pessoa ajudará a manter o grupo, seu formato, seus horários, garantir a vez e o respeito a todos os participantes estando sempre se atendo à imparcialidade.

Um momento de silêncio inicial é muito interessante, pois irá proporcionar uma concentração e o posterior compromisso com o diálogo.

Também é muito importante, ao inicio de um grupo do diálogo,que todos os participantes se apresentem. Esta prática irá se repetir nos primeiros encontros ou sempre que houver novos participantes.

É necessário garantir a participação de todos, para que não haja um dominante que monopoliza o grupo ou quem se omita sempre. Porém é muito importante respeitar o silêncio quando ocorrer. O silêncio, no qual as pessoas se recolhem para pensar e repensar o tema dialogado, é indispensável ao desenvolvimento do grupo.

Como houve uma preparação para o grupo de diálogo, com um momento de concentração e silêncio, é preciso cuidar para que as pessoas continuem inteiras no grupo, de corpo e mente. Para isso, é muito importante evitar interrupções e conversas paralelas.

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Quando o grupo for temático, é preciso manter a objetividade temática, ou seja, seguir no tema proposto ao grupo, sem divagações para temas não co-relacionados. Também é importante definir o tema do próximo encontro, se for o caso, ou avisar que o tema será livre.

O porquê do diálogo!

Acreditamos que o diálogo é base fundamental para o desenvolvimento de uma cultura de paz. Exercitar os conceitos contidos nesta metodologia de conversação, proposta por David Bohm nos permite ampliar a compreensão do outro e do mundo, fazendo com que nos tornemos seres humanos melhores. Por isto, propomos dar o primeiro passo, para, eventualmente, podermos tornar esta prática uma realidade em nossas salas de aula e em nossas vidas como um todo.

BOM DIÁLOGO!

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