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O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO MEDIADOR DA RESSIGNIFICAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM Autora-Maria Ismelry Diniz Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERN E-mail: [email protected] Coautora-Cristiana Abrantes Sarmento Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERN E-mail: [email protected] Orientadora: Francicleide Batista de Almeida Vieira Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERN E-mail: [email protected] RESUMO Sob a ótica de um ensino que preze pelo diálogo como mediador de aprendizagens significativas e da ressignificação das interações num processo que não deve se dá no silêncio, mas na troca diária de conhecimentos construídos mutuamente e revalidados através do diálogo, o presente artigo tem como objetivo analisar e refletir sobre a relação pedagógica entre professor e aluno, numa perspectiva de ensino e de aprendizagem mediatizados pelo diálogo, destacando a relevância deste para o desenvolvimento intelectual, humano e social de todos os sujeitos envolvidos no processo educacional. Metodologicamente, nosso trabalho se dá a partir da análise de trechos retirados de uma pensata, intitulada “ Um sonho querido” , construída à luz do método freiriano. Diante do objeto de análise, recorremos às abordagens teóricas de alguns estudiosos que versam sobre a questão do diálogo no âmbito educacional, em especial, Freire (1997, 2005) e demais que dialogam com este estudo, a saber, Rancière (2007), Cárdias, (2006), Charlot (2013), Tardif (2011) e Libâneo (2012). A partir da análise da pensata foi possível compreender a dimensão do diálogo no sentido de promover a humanização, a reflexão e a transformação do pensamento e, assim, a ressignificação do ensino e da aprendizagem no contexto de sala de aula. PALAVRAS-CHAVE: Diálogo, Ensino, Aprendizagem. 1 INTRODUÇÃO Sob a perspectiva de produzir conhecimentos numa relação coletiva, democrática e emancipatória, encontramos no diálogo a possibilidade de ressignificar o ensino e a aprendizagem no sentido de promover a participação ativa e significativa de todos os sujeitos envolvidos, abandonando posturas centradas no autoritarismo que nada tem a oferecer senão a anulação do aluno enquanto sujeito capaz de entender e participar criticamente do seu próprio processo de aprendizagem. As possibilidades de crescimento por meio do diálogo são inúmeras e legítimas, uma vez que é na comunicação e na interação com o outro que o ser humano se constitui enquanto

O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO MEDIADOR DA … · humano e social de todos os sujeitos envolvidos no processo educacional. Para tanto, utilizamos como objeto de análise uma pensata1intitulada“Um

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O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO MEDIADOR DA RESSIGNIFICAÇÃO DO

PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

Autora-Maria Ismelry DinizMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERN

E-mail: [email protected] Abrantes Sarmento

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERNE-mail: [email protected]

Orientadora: Francicleide Batista de Almeida VieiraProfessora do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE/CAMEAM/UERN

E-mail: [email protected]

RESUMO

Sob a ótica de um ensino que preze pelo diálogo como mediador de aprendizagenssignificativas e da ressignificação das interações num processo que não deve se dá no silêncio,mas na troca diária de conhecimentos construídos mutuamente e revalidados através dodiálogo, o presente artigo tem como objetivo analisar e refletir sobre a relação pedagógica entreprofessor e aluno, numa perspectiva de ensino e de aprendizagem mediatizados pelo diálogo,destacando a relevância deste para o desenvolvimento intelectual, humano e social de todos os sujeitosenvolvidos no processo educacional. Metodologicamente, nosso trabalho se dá a partir da análise detrechos retirados de uma pensata, intitulada “Um sonho querido”, construída à luz do métodofreiriano. Diante do objeto de análise, recorremos às abordagens teóricas de alguns estudiosos queversam sobre a questão do diálogo no âmbito educacional, em especial, Freire (1997, 2005) e demaisque dialogam com este estudo, a saber, Rancière (2007), Cárdias, (2006), Charlot (2013), Tardif (2011)e Libâneo (2012). A partir da análise da pensata foi possível compreender a dimensão do diálogo nosentido de promover a humanização, a reflexão e a transformação do pensamento e, assim, aressignificação do ensino e da aprendizagem no contexto de sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE: Diálogo, Ensino, Aprendizagem.

1 INTRODUÇÃO

Sob a perspectiva de produzir conhecimentos numa relação coletiva, democrática e

emancipatória, encontramos no diálogo a possibilidade de ressignificar o ensino e a

aprendizagem no sentido de promover a participação ativa e significativa de todos os sujeitos

envolvidos, abandonando posturas centradas no autoritarismo que nada tem a oferecer senão a

anulação do aluno enquanto sujeito capaz de entender e participar criticamente do seu próprio

processo de aprendizagem.

As possibilidades de crescimento por meio do diálogo são inúmeras e legítimas, uma

vez que é na comunicação e na interação com o outro que o ser humano se constitui enquanto

ser racional. Todavia, existem formas de opressão que transforma o ser humano em matéria

manobrável a serviço de determinadas ideologias que excluem seu direito de voz. Em alguns

casos, e não raros, encontramos no próprio sistema educacional a confirmação dessa questão.

É que o professor, mesmo não admitindo o autoritarismo – no sentido de impor a ordem

através do silêncio – como parte constituinte de sua prática, muitas vezes, não reconhece que,

ao privar o aluno do direito de falar e, por conseguinte, de ser ouvido, perpetua o falso

conceito de que aluno “bom” é aquele que assiste passivamente e, de preferência,

silenciosamente – para não atrapalhar a aula – o que o professor diz. Nesse sentido, o professor atua como único e exclusivo detentor do saber e do dizer

numa situação antidialógica, extinguindo o diálogo e, portanto, anulando a construção de

conhecimentos numa relação coletiva, democrática e, neste caso, emancipatória. Não há

emancipação fora do direito de interagir e dialogar, pois, é no diálogo que os sujeitos

desenvolvem a consciência crítica acerca de sua identidade enquanto ser social.Sob a ótica de um ensino que preze pelo diálogo como mediador de aprendizagens

significativas e da ressignificação das interações num processo que não deve se dá no silêncio,

mas na troca diária de conhecimentos construídos mutuamente e revalidados através do

diálogo entre professor-aluno, justificamos a realização deste trabalho bem como,

apresentamos como contribuição para o ensino e para a aprendizagem, possibilidades

reflexivas acerca da relevância do diálogo no contexto educacional enquanto mediador de um

processo formativo, ancorado em princípios democráticos, humanos e emancipadores.Nosso objetivo consiste em analisar e refletir sobre a relação pedagógica que se

desenvolve entre o professor e o aluno sob a ótica de um ensino e de uma aprendizagem

mediatizados pelo diálogo, destacando a relevância deste para o desenvolvimento intelectual,

humano e social de todos os sujeitos envolvidos no processo educacional. Para tanto, utilizamos como objeto de análise uma pensata1intitulada“Um sonho

querido” 2 publicada na Revista Carta na Escola – atualidades em sala de aula, no ano de

2014, redigida por Olgair Gomes Garcia3, doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC.Diante do objeto de análise, recorremos às

abordagens teóricas de alguns estudiosos que versam sobre a questão do diálogo no âmbito

1O termo “pensata” não é encontrado nos dicionários da língua portuguesa. Trata-se de uma palavra italiana e éusado quando os pensamentos são expressos pelo seu responsável, seja estes pensamentos relativos à emoção,posição política ou social, esportiva ou somente uma opinião. (UNIFAE – Diretrizes para elaborar uma pensata.Disponível em:niv1.wikispaces.com).2O que Paulo Freire mais queria era ver a sua obra recriada com educadores cultivando a curiosidade de ensinare aprender.3Atualmente coordena e assessora projetos de formação de educadores.Endereço para acessar CV:http://lattes.cnpq.br/0951920784377028

educacional, em especial, Freire(1997, 2005) e demais que dialogam com este estudo, a saber,

Rancière (2007), Cárdias (2006), Charlot (2013), Tardif (2011) e Libâneo (2012).Nosso artigo se inicia com uma breve apresentação sobre o objeto a ser estudado, na

sequência nos detemos a ampliar as discussões acerca do diálogo na relação entre o professor

e o aluno e, consequentemente, no processo de ensino e de aprendizagem, depois realizamos a

análise da pensata “Um sonho querido” e, por fim, tecemos as considerações sobre os

resultados alcançados por meio da análise dos dados.

2 A RESSIGNIFICAÇÃO VALORATIVA DO DIÁLOGO NA ESCOLA

A comunicação é uma propriedade específica da espécie humana. Comunicamo-nos

para transmitir informações através da materialização verbalizada dos nossos pensamentos

direcionados sempre para um interlocutor. Essa comunicação não se dá no vazio ou de forma

solitária, uma vez que, a finalidade do ato comunicativo é justamente a de estabelecer uma

relação dialógica entre quem fala (locutor) e quem escuta (interlocutor) e isso implica dizer

que os sujeitos que se comunicam são os mesmos sujeitos que pensam e que pretendem

repassar tal pensamento para o outro, seu interlocutor. E neste processo de locução e interlocução “os pensamentos voam de um espírito a

outro nas asas das palavras” (RANCIÈRE, 2007, p. 72). O nosso “dizer” é permeado pela

subjetividade do “ser” e é através do diálogo que a subjetividade humana ganha formas e

contornos que só é possível por meio do uso da palavra. “O homem faz-se pela linguagem,

edifica-se enquanto se comunica e fala” (CÁRDIAS, 2006, p. 01). Falamos para exteriorizar nossos pensamentos que, por sua vez, são frutos de um

processo de interação e compreensão da realidade existencial. Neste caso, é na interação que o

diálogo acontece. Logo, interação e diálogo estão imbricados no campo das ações da

comunicação que estabelecemos cotidianamente com os nossos pares. De uma forma mais

direta, não há diálogo fora da interação, visto que, interagimos através do diálogo. Ao

reconhecer essa estreita relação, reconhece-se, também, que a falta de um pressupõe a não

existência do outro.Todavia, é preciso entender o que realmente se constitui enquanto diálogo no sentido

de ação comunicativa que perpassa toda e qualquer interação humana. Sendo assim,

atentamos para a premissa de que a palavra está a serviço dos seus pronunciantes, todavia, não

deve ser usada com fins exclusivos de manipulação, pois isso não seria diálogo, mas a

negação do direito de que todos podem e devem fazer uso da palavra. Para Freire (2005, p.

51), “não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo [...] e os que se

acham negados deste direito”.

Assim, se a palavra está a serviço de toda e qualquer comunicação humana, por que

anular o direito de voz de alguns indivíduos? Recorrendo ao contexto histórico que perpassa a

existência humana, não é difícil encontrar resposta para tal questão. De modo geral, a

existência humana é historicamente demarcada pelo poder da hegemonia opressora que

silencia as sociedades. Querendo ou não, estamos imersos em uma cultura cujo direito de voz,

na maioria das instâncias da vida social, é propriedade dos mais favorecidos ou detentores de

algum poder socialmente instituído.Como reforço ao que está sendo posto, recorremos ao pensamento de Freire (2005,

p.78) quando diz que, “para dominar, o dominador não tem outro caminho senão negar às

massas populares a práxis verdadeira, o direito de dizer sua palavra, de pensar certo”. Pensar

certo no sentido de “pensar verdadeiro” (FREIRE, 2005, p. 78), não mais reproduzir falsas

informações, mas, construir conhecimentos concretos e válidos para sua inserção crítica no

mundo tendo a realidade como mediadora desse processo.Ao falar em práxis verdadeira, Paulo Freire nos instiga a analisar de modo crítico a

potencialidade da palavra verdadeira em transformar o mundo, sendo que, “não há palavra

verdadeira que não seja práxis” (FREIRE, 2005, p. 50). Logo, por práxis, entende-se que seja

um ato de ação e reflexão que deve ser indissociável na constituição autêntica do diálogo.

Para Cárdias (2006, p. 02), “não há diálogo verdadeiro entre seres que discursam, mas

somente entre sujeitos que se dispõem a falar e escutar o outro e a falar e escutar a si próprio,

num exercício auto-reflexivo”. Neste sentido, o sujeito que apenas discursa estabelece, na

verdade, a ação pela ação num processo que anula o verdadeiro sentido da práxis, uma vez

que esta implica na presença da articulação entre ação-reflexão como pontencializadores do

verdadeiro sentido que perpassa o diálogo na existência humana.Voltando-nos para a perspectiva do diálogo no contexto da educação, entendemos que

sua relevância é notória em todas as relações comunicativas da espécie humana, todavia, ao

nos reportarmos ao processo de ensino e de aprendizagem, indagamos que o diálogo não só é

importante, como também indispensável. É no e pelo diálogo que o conhecimento circula

entre os sujeitos partícipes da ação educativa. Sua ausência é a certeza de que não há

efetivação de conhecimento, mas a reprodução deste. Daí que, a não existência de diálogo

implica na reprodução passiva memorizada ou mecanizada do conhecimento, em que aparece

apenas a figura dos “seres que discursam”, (CÁRDIAS, 2006, p. 02), neste caso, o professor. As discussões acerca do processo de ensino e de aprendizagem notoriamente têm

enfatizado exaustivamente o professor frente ao seu próprio ato cognoscente no momento em

que prepara seu plano de aula ou até mesmo durante sua formação profissional, todavia, não

queremos com isso dizer que esta observação não seja pertinente, na verdade, priorizam-se

muito mais os saberes dos professores em detrimento dos saberes possivelmente adquiridos

pelos alunos. Analisar a aquisição ou não dos saberes dos alunos do seu ato cognoscente tem se

tornado uma atitude de poucos. Analisar no sentido de dialogar e com isso entender todos os

fatores, seja interno, seja externo que influenciam no desenvolvimento ou não da autêntica

aprendizagem, aquela que acontece “não de ‘A para B’, ou de ‘A sobre B’, mas de ‘A com B’,

mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2005, p. 54).Dessa forma, temos na educação de ‘A para e sobre B’ a anulação do aluno enquanto

sujeito capaz de agir como protagonista do seu próprio papel no processo de aprendizagem.

Anular o aluno negando o seu direito de voz é inibi-lo de pensar criticamente e,

principalmente, exteriorizar seu pensamento como sujeito que deveria participar ativamente e

conscientemente na sociedade em que está inserido. Nessa perspectiva, o professor acaba

sendo o sujeito principal de um processo que não pode, ou não deveria ser solitário, uma vez

que, o ensino e a aprendizagem pressupõem a presença não apenas de um único sujeito, mas,

de vários sujeitos inseridos num processo horizontal de crescimento mútuo que só é possível

através do diálogo entre professor e aluno. Sob a perspectiva freireana, cujo processo de educação baseia-se na interação entre

professor e aluno mediatizados pelo mundo, o ato de ensinar não mais impõe ao aluno a

função simplista de espectador. Segundo Charlot (2013, p. 53), “ensinar é, ao mesmo tempo,

mobilizar a atividade dos alunos para que construam saberes e transmitir-lhes um patrimônio

de saberes sistematizados legado pelas gerações anteriores de seres humanos”.A mobilização, no sentido de construir saberes, supõem uma prática centrada na

valorização da participação ativa do aluno enquanto sujeito capaz de construir seu próprio

conhecimento, explorando de forma crítica e reflexiva todo o patrimônio histórico-cultural

das gerações que o antecederam. Todavia, a participação do aluno neste processo não se dá de

forma isolada ou solitária, mas dentro das relações dialógicas que este estabelece no seu

cotidiano, nos mais variados contextos de sua existência. Para Cárdias (2006, p. 05), “não é

possível conceber um crescimento cognitivo, intelectual e humano que não seja fruto destas

interações entre pessoas”.Neste caso, as interações mediatizadas pelo diálogo participativo e democrático no

ambiente escolar são potencialmente condutores legítimos na formação integral do aluno, isso

porque a construção dos saberes mediatizados pelo diálogo entre professor e aluno, ocorrendo

de forma participativa, desenvolverá a capacidade crítica em detrimento da mera reprodução,

garantindo, dessa forma, o direito de voz que cabe ao aluno enquanto sujeito participante e,

consequentemente, consciente de suas responsabilidades formativas e sociais.

Dessa forma, não há como negar a relevância do diálogo nas mais variadas situações

de interação humana. Resta saber se há ou não a efetivação desse diálogo, visto que, em

alguns casos, não muito incomuns, os alunos são apenas peças fixas de um jogo manobrado

única e exclusivamente pelo professor. Sobre isso, Freire (1997, p. 59) nos diz que, “quando a

professora é coerente-mente autoritária, ela é sempre o sujeito da fala, enquanto os alunos são

continuamente a incidência de seu discurso”. Dessa forma, temos na ausência do diálogo,

visto que é apenas um sujeito que se apodera da fala, a ocorrência de uma postura autoritária.É sensato e pertinente refletir, mesmo que previamente, sobre a relação histórica entre

o poder de voz e o direito renegado a esta, para entendermos a postura autoritária de alguns

professores. Para tanto, como forma de validar o nosso pensamento, nos reportamos a Freire

(2005, p. 43) em uma de suas falas:

A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto desta crítica,mantendo a ingenuidade dos educandos, o que pretende em seu marcoideológico, (nem sempre percebido por muitos dos que a realizam) éindoutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão.

Nesta perspectiva, não procuramos justificar ou defender certas posturas autoritárias,

mas, entender os fatores históricos que direta ou indiretamente contribuíram para legitimar o

autoritarismo como prática presentificada no contexto escolar. Na verdade, a postura

autoritária de alguns professores pode ser fruto da opressão herdada e repassada de geração

em geração. Ou seja, o professor autoritário de hoje pode ser o mesmo, que na sua situação de

aluno foi submetido igualmente a regimes autoritários. Portanto, seguindo essa linha de

raciocínio, o autoritarismo nega a existência do diálogo e a ausência deste último culmina na

manipulação ideológica e acomodação dos oprimidos frente a seus opressores.Assim, temos nessas considerações a certeza de que a presença do diálogo nas

interações humanas exerce funções que vão além dos atos de fala, haja vista que, é capaz de

libertar as mentes aprisionadas pelo autoritarismo, através do direito de voz que questiona o

mundo e, portanto, o transforma.

4 A INCLUSÃO DO DIÁLOGO NO PROCESSO DE ENSINO E DE

APRENDIZAGEM A PARTIR DA ANÁLISE DA PENSATA“UM SONHO QUERIDO”

O diálogo enquanto ferramenta mediatizadora do ensino e da aprendizagem abre

possibilidades para o desenvolvimento da autonomia uma vez que, o aluno no momento em

que passa a questionar e encarar o conhecimento não como algo pronto e acabado, mas, como

algo passível de problematizações, estabelece, a partir de sua condição autônoma, critérios de

resoluções típicos de seres pensantes num exercício auto-reflexivo constante. De acordo com

Charlot (2013, p. 52) “ao tentar resolver problemas, a mente do aluno mobiliza-se e constrói

respostas, que são vias de acesso ao saber”. Sendo assim, o ensino e a aprendizagem se

constituem enquanto ação participativa, ou seja, o professor problematiza o conhecimento no

intuito de mobilizar o aluno a pensar de forma crítica e essa criticidade só é possível mediante

a interação dialógica entre os sujeitos que fazem parte desse processo.É nesta perspectiva que apresentamos a seguir, recortes da fala de Garcia (2014),

autora da pensata “Um sonho querido”, produzida a partir de uma experiência vivenciada por

elaem um dos inúmeros encontros de formação de equipes gestoras de uma rede de escolas

públicas, realizada à luz do método freireano. De início, Garcia (2014) traz a voz de uma diretora que participava dos encontros de

formação e que em uma conversa informal lhe dizia:

“[...] antes, lá na escola, eu, a assistente de direção e a coordenadorapedagógica ficávamos nas salas envolvidas com nossas tarefas e raramenteconversávamos. Agora [...] é outra coisa, nos tornamos cúmplices ecompanheiros. Até as crianças, que, quando eram encaminhadas a nós, nemdeixávamos falar e só as repreendíamos [...]”.

Diante do exposto, temos a confirmação de que o diálogo, não só nesta situação, mas,

infelizmente em outras semelhantes, tem seu espaço comprometido em virtude de algumas

posturas que o despreza. Perceber o diálogo enquanto ato solitário é desvinculá-lo da sua real função, qual seja,

mediatizar as relações humanas num processo comunicativo que pressupõe a existência do

outro uma vez que, a comunicação só existe, de fato, na interação entre os sujeitos inseridos

num processo dialógico. Portanto, sem diálogo não há interação, logo, não haverá ensino e

nem aprendizagem, pois, ambas as atividades necessitam do reconhecimento e participação do

outro para serem legitimadas. Logo em seguida, é apresentado a ressignificação de um ensino e de uma

aprendizagem centrado na inclusão do diálogo e validado pela própria diretora ao afirmar que

“[...] o que resgatou um caráter de melhora no ambiente de trabalho, humanizando-o de fato,

foi exatamente a descoberta da conversa, do diálogo e da reflexão [...]”. (GARCIA, 2014).Neste caso, acreditamos que somente na interação dialógica é possível concretizar a

autêntica educação democrática e humanizadora, caso contrário,“falar, por exemplo, em

democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma

mentira” (FREIRE, 2005, p. 52). Assim, o ato de silenciar o povo pode até parecer normal

para alguns, mas, na verdade, se constitui em um ato desumano.Na sequência, após a validação da ressignificação do ensino e da aprendizagem, a

autora reconhece que a aprendizagem se dá por meio de um processo e nesse processo é

imprescindível a participação do aluno, assegurando que “[...] o que promove e acelera a

aprendizagem é o processo que permite aos sujeitos se descobrirem e se perceberem como

pessoas capazes de aprender, refletir, falar, contestar, discordar e se expor para defender

ideias.” (GARCIA, 2014).Assim, a autora possibilita a compreensão de que o que ocasiona a aprendizagem é

exatamente, o processo pelo qual os alunos se dão conta que têm potencial para adquirir

conhecimentos que lhes permitem pensar e agir contra ou a favor de determinadas ideias e

para que eles participem ativamente do seu processo de construção do conhecimento é

necessário que estes sejam motivados pelo professor em sala de aula.Tal motivação se dá a

partir do diálogo entre professor e aluno e do empenho do professor no planejamento de

atividades que levem em consideração a realidade do aluno, bem como suas habilidades e

deficiências para que este possa, de forma ativa e interativa, adquirir conhecimentos que

possam lhe possibilitar agir, conscientemente, nas diferentes situações de comunicação.É a partir do empenho do professor em trazer a atenção do aluno para as atividades a

serem realizadas em sala de aula que será possível promover a participação deste, participação

que não será passiva, alienante, mas consciente, dialógica e, portanto, construtiva,

possibilitando que o aluno se desenvolva de tal maneira que lhe permitirá desenvolver seu

senso crítico, abrindo espaço para que este opine, discordando ou concordando de forma que

possa mostrar seu ponto de vista por meio das atividades desenvolvidas em sala de aula, que,

nesse contexto, passa a ser um espaço de diálogo em que o aluno tem vez e voz para falar e

expor suas ideias, lhe permitindo adquirir conhecimentos que somado aos que ele já possui

transformam-se em outros mais complexos e, também, mais amplos.Posteriormente, a autora da pensata relata que ensinar não se resume apenas em saber

o que vai ser ensinado, mas saber como vai ser ensinado o objeto escolhido como meio para

proporcionar a aprendizagem aos sujeitos. “[...] Para ensinar eu não preciso apenas saber o

objeto que eu vou ensinar, mas saber como tratar o objeto que mediatiza os sujeitos que

reconhecem... eu tomo o pensar como objeto e reflexiono sobre ele.” (GARCIA, 2014).Nessa perspectiva, a autora nos leva a entender que, para que a atividade de ensino

cumpra o seu principal objetivo que é proporcionar aos alunos a aquisição de conhecimentos

significativos à sua formação, é necessário que o professor trace metas que revelem a clareza

de seus objetivos, mostrando não apenas o que pretende realizar em suas aulas, mas como

pretende realizar e, principalmente, por que tem a intenção de realizar de tal forma.Como ressalta Tardif (2011, p.208), “ensinar é perseguir, conscientemente, objetivos,

intencionais, tomar decisões consequentes e organizar meios e situações para atingi-los”.

Nesse contexto, as ações realizadas pelo professor em sala de aula não podem acontecer de

qualquer jeito, elas devem ter propósitos claros que visem a participação, envolvimento e,

consequentemente, o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.Por fim, Garcia (2014) deixa a entender que a relevância dos conteúdos de ensino não

está propriamente neles, mas sim na maneira como eles são definidos e conduzidos pelo

docente, atentando para a importância de o professor não se conformar com a maneira como

os conteúdos estão postos, visto (muitas vezes) como algo pronto e acabado, enfatizando que

o docente deve, por meio de um olhar cuidadoso, encontrar maneiras para promover, de forma

dialógica, a comunicação dos conteúdos aos alunos. Assim, Garcia (2014) afirma que “[...] Os

conteúdos de ensino ganham sentido e significado através do olhar curioso e atento do

docente e da inquietação que o move a desvelar e criar um jeito de ser comunicado ao grupo

de estudantes [...].”Desse modo, tomando por base o posicionamento da autora, é de suma relevância o

trabalho, a ser realizado pelo docente, com conteúdos que correspondam a realidade social

dos alunos, tendo em vista que a aprendizagem ocorre mediante a interação e só é possível a

assimilação dos conteúdos se estes dialogarem com os conhecimentos prévios do aluno. Sobre

a relevância da propagação dos conteúdos, Libâneo (2012, p.40) nos fala que, “a difusão de

conteúdos é a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos; mas vivos, concretos e, portanto,

indissociáveis das realidades sociais”.Assim sendo, conhecer a realidade do aluno e seu nível de conhecimento é de suma

relevância para garantir a participação ativa deste no processo de ensino e de aprendizagem e

o diálogo exerce, nesse contexto, papel imprescindível, pois é por meio dele que o professor

irá sondar o aluno e conhecer, de fato, suas habilidades e dificuldades em aprender, podendo

partir do que o aluno sabe para o que o aluno ainda não sabe, o que possibilitará que este

construa seus próprios conhecimentos, tornando-se um sujeito emancipado capaz de atuar nas

diferentes esferas da sociedade. Por esse viés, o aluno deixa de ser um mero reprodutor de

regras e exercícios, prescritos pelo professor, que em nada se relaciona com a realidade do

educando, pelo contrário, só dá espaço para a desigualdade e inibição em sala de aula, para ser

um sujeito ativo, autor de sua própria história e também responsável, em partes, pela sua

emancipação enquanto sujeito social.

5 CONCLUSÃO

Segundo o pensamento de Freire (2005, p. 50) “existir, humanamente, é pronunciar o

mundo, é modificá-lo”. Neste caso, o diálogo é a forma legitima na constituição do sujeito

criticamente situado e emancipado, com propriedade para entender as informações que

circulam ao seu redor e modificá-las de acordo com suas concepções. Nessa perspectiva,

temos um diálogo para além do simplesmente dizer ou, pronunciar a palavra no vazio.E, nesse contexto, para que o sujeito se constitua como alguém criticamente situado e

emancipado é necessário que o professor em suas atividades em sala de aula, na tentativa de

promover um ensino e uma aprendizagem de qualidade, utilize de uma prática de ensino

baseada na interação em que o aluno tenha espaço suficiente para se desenvolver como tal.O diálogo é, nesse sentido, imprescindível, diríamos até que sem ele é impossível

promover a aprendizagem em sala de aula, haja vista que, é por meio do diálogo que o

conhecimento é propagado adquirido e, portanto, transformado em outros mais complexos e

mais amplos. Nessa perspectiva, a partir das nossas leituras e da análise da pensata “um sonho

querido”, foi possível compreender a dimensão do diálogo no sentido de promover a

humanização, a reflexão e a transformação do pensamento e, assim, a ressignificação dos

processos de ensino e de aprendizagem, ressignificação essa ação que se dá a partir do

reconhecimento do papel ativo do aluno na construção do conhecimento, do envolvimento e

empenho do professor no planejamento e execução de atividades que tomem por base o

conhecimento prévio do aluno, o que pode contribuir para que este se perceba capaz e, assim,

adquira saberes necessários a sua formação e a sua participação ativa na sociedade,

descartando qualquer possibilidade de opressão, dando ao aluno a liberdade de opinar,

questionar, discordar, concordar e exercer seu papel de cidadão consciente e, por isso,

conhecedor dos seus direitos enquanto tal.Sendo assim, é no diálogo e pelo diálogo que a educação acontece, pois é por meio

dele que o professor pode transformara sala de aula em um lugar de encontro, parceria e troca

de conhecimentos entre professor e aluno, possibilitando que os sujeitos-alunos se

desenvolvam e tomem o seu lugar na sociedade enquanto sujeitos críticos, livres e, portanto,

capacitadospara exercerem seu papel de cidadãos emancipados.

6 REFERÊNCIAS

CÁRDIAS, M. S. O diálogo como elemento mediador de práticas educativas reflexivas.2006. Disponível em: http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/022e4.pdf

CHARLOT. B.Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

_________. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d´Água,1997.

LIBÂNEO, J. Democratização da escola pública. A pedagogia crítico-social dos conteúdos.27. Ed. São Paulo: Loyola, 2012.

RANCIÈRE, J. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Traduçãode Lilian do Valle. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.