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O Diário das Cartas Curiosas (13ª Realidade, livro 1)

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CARTAS CURIOSAS... ENIGMAS COMPLEXOS... E UMA FABULOSA AVENTURA ATRAVÉS DAS REALIDADES! Já pensou se toda e qualquer decisão que você tomasse tivesse pelo menos uma consequência importante: a criação de uma nova realidade, uma em que você teria tomado uma decisão diferente? Atticus Higginbottom, ou simplesmente Tick, é um garoto normal. Ou pelo menos era, até receber uma curiosa carta com selo de Macadâmia, Alaska, e com apenas duas iniciais – M. G. – como remetente. Nela, Tick é convocado a desvendar uma série de enigmas, na tentativa de salvar nada mais nada menos que sua realidade inteira! Será Tick corajoso o suficiente para seguir as pistas deste grande mistério? Ele conseguirá resolver os enigmas a tempo? O Diário das Cartas Curiosas está repleto de aventura, descobertas, humor, enigmas e... perigos. Você está disposto a seguir Tick e seus amigos nessa incrível jornada através das Realidades?

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São Paulo, 2012

O diariO das cartas curiOsas

james dashner

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Parte 1

O FOgO

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cApítulo 1

mestre george e mestrA JAne

Norbert Johnson nunca havia visto gente tão esquisita em toda a sua vida, muito menos duas em um mesmo dia, até mesmo na mesma hora. Estranho. Muito estranho mesmo.

Norbert, com seu ralo cabelo cinza, sua amarrotada calça cinza e sua amassada camisa cinza, trabalhava nos correios de Macadâmia, no Alasca, havia vinte e três anos, sete meses, doze dias e – ele olhou para o relógio – umas boas quatro horas. Durante aqueles longos e frios anos de solidão, ele tinha visto todo tipo de ser humano que se pode imaginar. Gente boa e gente má. Gente feia e gente bonita. Advogados, médicos, contadores, policiais. Loucos e presidiários. Bruxas velhas e jovens magricelas. Ah, e um monte de celebridades também.

Porque, se você acreditasse na ladainha dele (o que a maioria das pessoas tinha deixado de fazer havia vinte e três anos, doze meses, sete dias e três horas), acharia que ele conheceu todas as celebridades da música e do cinema dos Estados Unidos. Contudo, ninguém sabia por que esse povo famoso estava no Alasca, postando coisas no correio; portanto, isso pode ter sido uma leve exagerada da realidade.

Mas as visitas daquele dia eram diferentes, e Norbert sabia que ele teria de convencer a cidade de que, dessa vez, ele estava falando a verdade, nada além da verdade. Algo assustador estava acontecendo em Macadâmia.

O primeiro estranho, um homem, entrou na pequena e entulhada agência de correio de Macadâmia precisamente às onze e quinze da

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manhã, fechando rapidamente a porta na cara do vento ruidoso e dos flocos de neve rodopiantes. Ao fazer isso, ele quase derrubou uma caixa de papelão cheia de cartas que suas mãos brancas seguravam.

Ele era um homem baixo e parecia ansioso, estava balançando os pés de um lado para o outro e contorcia o nariz, tinha uma cabeça careca e vermelha e um par de lentes empoleiradas em seu rosto fofo e corado. Vestia um suntuoso terno negro: todo riscado, de seda e com abotoaduras de ouro.

Quando o homem largou a caixa de cartas no balcão do correio com um baque surdo, uma nuvem de poeira se formou. Norbert tossiu por vários segundos. Depois, para completar, o estranho falou com um forte sotaque inglês, como se tivesse acabado de sair de uma peça de Shakespeare.

– Bom dia, meu senhor – ele disse, com uma fraca tentativa de sorriso enrugando seu rosto e fazendo parecer com que ele estivesse sentindo dor. – Gostaria de pedir que o senhor me ajudasse com um assunto muito importante. – Ele puxou um lenço rendado das trevas do seu terno chique e enxugou a testa, onde gotas de suor haviam se formado apesar da temperatura ártica que fazia lá fora. Era, afinal de contas, o meio do mês de novembro.

– Sim, senhor – Norbert respondeu, pronto para cumprir sua fun-ção como o Terceiro Funcionário da Agência de Correio. – Ficarei feliz em ajudar.

O homem apontou para o lado de fora. – É simplesmente medonho, não é? Norbert olhou pelo vidro congelado da porta da frente, mas viu

apenas as ruas tomadas pela neve e uns poucos pedestres encapotados que corriam para fugir do frio.

– O que é terrível, senhor?O homem bufou.– Pela varinha, homem! Este lugar! Este lugar! – Ele guardou o

lenço e cruzou os braços, tremendo exageradamente de cima a baixo. –

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Como vocês aguentam isso, meu chapa... O frio implacável, o dia curto, o vento cortante?

Norbert riu.– Você é só um visitante?– Visitante? – o homem vestido com elegância latiu um ruído que

parecia algo entre uma risada e um rosnado. – Não vou visitar nada, meu bom homem. Assim que estas cartas forem postadas, volto para o oceano. Exatamente no mesmo instante, te garanto.

O oceano? Norbert examinou o homem, um pouco ofendido pelo fato de o estranho desgostar da única cidade que ele já havia pisado.

– Bom, senhor, há quanto tempo está aqui?– Quanto tempo? – O homem olhou para o seu relógio de bolso dou-

rado. – Quanto tempo? Aproximadamente sete minutos, eu diria, e isso já é muito coisa. Eu estou, er, ansioso para ir embora, se não tiver problema – Ele coçou sua cabeça escamosa e vermelha. – O que me lembra... Tem um cemitério mais próximo que aquele às margens do rio congelado?

– Um cemitério?– Sim, sim, um cemitério. Sabe, onde enterram os coitados cujos

corações não batem mais? – Quando Norbert ficou olhando-o, ele sus-pirou. – Ah, não faz mal.

Norbert tinha ouvido a palavra “aturdido” uma vez na televi-são. Ele nunca teve muita certeza do que ela significava, mas alguma coisa lhe dizia que ela explicava exatamente como ele se sentia naquele momento. Ele coçou o queixo, olhando para o velho baixinho por entre os olhos semicerrados.

– Senhor, posso saber seu nome?– Não, não pode, Senhor Carteiro. Mas se tem de me chamar de

alguma coisa, pode me chamar de Mestre George.– Certo, então – Norbert disse com um tom de voz desconfiado. –

Ahn, Mestre George, você está me contando que chegou em Macadâmia há sete minutos?

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– Correto. Por favor...Norbert ignorou o homem.– E você está me dizendo que veio até aqui para postar estas cartas

e, depois, vai embora de novo?– Céus, estou! – Mestre George apertou as mãos e se balançou

para frente e para trás. – Isto é, se você for gentil o bastante para... – Ele apontou para a caixa de cartas, erguendo as sobrancelhas.

Norbert abanou a cabeça. – Bom, como você chegou aqui?– De... Er, avião, se você precisa mesmo saber. Agora, sério, por

que tantas perguntas?– Você tem seu próprio avião?Mestre George bateu no balcão.– Sim! Isso aqui é uma agência de correio ou um julgamento com

júri? Agora, por favor, estou com muita pressa.Norbert assobiou por entre os dentes, sem tirar os olhos do Mestre

George, enquanto puxava a caixa para perto de si. Depois, relutante, Norbert olhou para baixo, preocupado que o estranho pudesse desapa-recer assim que eles quebrassem o contato visual.

A caixa estava cheia até a tampa com centenas de envelopes amare-lados e amarrotados, como se tivessem sido pisoteados por uma manada de búfalos, com os endereços rabiscados no papel amassado em uma tinta azul confusa. Todos os envelopes antiquados também tinham um selo diferente – alguns pareciam ser raros e valer uma boa quantia de dinheiro: uma Amelia Earhart, um Estádio Yankee e os Irmãos Wright1.

Norbert olhou de novo para o homem.– Então você voou com seu próprio avião para o meio do Alasca,

no meio de novembro, para postar essas cartas... E depois você vai vol-tar para casa?

1. N. do T.: Os selos se referem a Amelia Earhart, a primeira mulher a sobrevoar o Oceano Atlântico sozinha, ao Estádio Yankee, a casa dos New York Yankees, time tradicional de baseball, e aos Irmão Wright, considerados os pais da aviação.

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– Sim. E vou contar à Scotland Yard que, se eles precisarem de um detetive, é para ligar direto para você. Agora, meu bom senhor, há mais alguma coisa que eu precise fazer? Quero ter certeza abso-luta de que não haverá nenhum entrave para que essas cartas sejam entregues.

Norbert deu de ombros, folheou a pilha de envelopes para ver se todos tinham selos e endereços. As cartas seriam enviadas para todo canto, de Maine a Califórnia, da França à África do Sul. Japão. China. México. Elas iriam para o mundo todo. E, ao que parecia, o homem tinha estimado com perfeição a quantia necessária de selos.

– Bom, vou ter de pesar todas elas e digitar os endereços no com-putador, mas, à primeira vista, elas me parecem corretas. Quer esperar enquanto eu confiro todas?

Mestre George tirou uma carteira gorda do bolso de seu casaco.– Ah, te garanto que todos os selos necessários estão aí, mas tenho

de ter certeza. Aqui. – Ele tirou várias notas de cem dólares e colocou-as sobre o balcão. – Se você achar que precisa de mais selo, isso é mais que o suficiente para cobrir tudo. Guarde o resto como uma gorjeta por seu precioso trabalho.

Norbert engoliu seco.– Ah, meu senhor, já posso dizer que não será preciso tanto assim.

Nem perto disso.– Bem, então vou voltar para casa muito satisfeito. – Ele apertou

os olhos para ver o nome de Norbert no crachá antes de inclinar sua cabeça em um reverência formal. – Despeço-me, Norbert, e lhe desejo tudo de bom.

E, com isso, Mestre Geoorge retirou-se para o frio gélido.Norbert teve a leve impressão de que nunca veria o homem

novamente.

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Norbert havia acabado de colocar a caixa de cartas estranhas em uma prateleira debaixo do balcão quando uma figura ainda mais estra-nha que o cavalheiro inglês finamente paramentado entrou na silenciosa agência de correio. Assim que a mulher entrou pela porta, o queixo de Norbert despencou.

Ela não usava nada que não fosse amarelo. Seu vestido ia até o chão, seu sobretudo pesado, seus sapatos pontudos, suas luvas aper-tadas. Ela tirou a toca do seu casaco e mostrou a cabeça careca que brilhava tanto quanto uma bola cromada, um par de óculos de arma-ção pontiaguda apoiados em seu nariz curvo e os olhos da cor de uma esmeralda em chamas.

Ela parecia uma limão transformado em uma feiticeira má, e Norbert ficou surpreso quando soltou uma risada alta antes que ela dissesse alguma coisa. Pelo modo como os olhos dela se estreita-ram até formarem dois pontos de laser verde, Norbert percebeu que aquela não fora a coisa mais inteligente que ele já havia feito nos últimos tempos.

– Aconteceu alguma coisa engraçada, carteiro? – ela perguntou com uma voz macia e sedutora, de alguma maneira ainda com uma pitada sutil de ameaça. Ao contrário de Mestre George, ela não tinha qualquer sotaque que Norbert pudesse reconhecer. Ela poderia ter che-gado de qualquer cidade do Alaska. Bom, a não ser pelo fato de ela parecer uma banana ambulante. Depois de um longo momento sem resposta, ela continuou: – Você descobrirá que a Mestra Jane não age de forma bondosa para com aqueles que zombam dela.

– Hm – Norbert gaguejou. – Hm, quem... Quem é Mestra Jane? – Assim que disse isso, teve certeza de que devia ter soado como um idiota.

– Eu, seu tonto chorão. Você é um poço de estupidez?– Não, senhora. Eu escuto bem.– Não é surdez, seu saco de neve suja imbecil, estupidez... Estupidez.

Ah, não interessa. – Ela deu um passo a frente, colocando as mãos enlu-

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vadas no balcão diante de Norbert. Seus olhos pareciam ter lasers foca-dos nos olhos dele, arrastando o olhar de Norbert para um transe. – Agora me escute, carteiro, e me escute muito bem. Entendeu? – Norbert tentou dizer que sim, mas só conseguiu soltar um guincho baixinho. Em vez de dizer algo, ele assentiu. – Bom. – Ela esticou e dobrou os braços. – Estou procurando um homem baixinho, encorpado. De rosto vermelho, feio, mais inconveniente que um rato faminto numa fábrica de queijo. Eu sei que ele esteve aqui há alguns minutos, mas não sei se estou na Realidade correta. Você o viu?

Norbert buscou cada pedaço de força de vontade em seu fraco e pequeno corpo para manter seu rosto impassível, escondendo qual-quer expressão. Ele forçou seus olhos a se focarem na cabeça careca da Senhora Limão e não desviarem para a caixa de cartas que estava na prateleira perto do seu pé. Ele não tinha ideia do que estava aconte-cendo entre aqueles dois estranhos, mas todos os seus instintos diziam que Mestre George era o lado bom, enquanto Mestra Jane era o lado sem escalpo – ele piscou – uh, sem escrúpulos.

O que ela quer dizer com estar na realidade correta? Norbert estava admirado que duas criaturas tão interessantes pudessem ter entrado em sua pequena agência de correio com uma diferença de meia hora cada um.

– O urso polar comeu a sua língua? – Mestra Jane perguntou com sarcasmo, olhando para o seu crachá. – Norbie? Tem alguém aí?

Norbert ignorou seu coração palpitante e apenas disse:– Não. – Não o quê? – a mulher amarela esbravejou. – Não, não tem nin-

guém aí, ou não, o homem que estou procurando não veio aqui?– Madame, a senhora é minha primeira cliente do dia, e não, nunca

vi a pessoa que a senhora descreveu em minha vida.Mestra Jane franziu a testa e levou o dedo até o queixo.– Você sabe o que a Mestra Jane faz com mentirosos, Norbie?

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– Não estou mentindo, senhora – Norbert respondeu fazendo o que podia para parecer calmo.

Ele não gostava de mentir para uma mulher tão assustadora, e cru-zar os dedos sob o balcão não faria muita diferença se ela descobrisse, mas, de alguma maneira, ele sabia que se aquela mulher maligna queria impedir que Mestre George fizesse o que quer que ele estivesse tentando fazer, então aquelas cartas precisavam ser postadas independente de qualquer coisa. E isso dependia de Norbert Johnson.

A mulher olhou para o outro lado, como se absorta em pensamen-tos sobre o que ela deveria fazer em seguida.

– Sei que ele esta planejando alguma coisa – ela sussurrou, quase inaudível e sem se reportar a Norbert. – Mas em que Realidade... Não tenho tempo de olhar em todas elas...

– Senhorita Jane? – Norbert perguntou. – Posso...– É Mestra Jane, seu cabeça de gelo do Alasca. – Ah, uh, Sinto muito... Só queria saber se a senhora precisará de

algum serviço do correio hoje. A mulher malévola olhou-o por muito tempo sem dizer nada. Por

fim:– Se você estiver mentindo para mim, vou descobrir e voltarei para

pegá-lo, Norbie. – Ela enfiou a mão no bolso do sobretudo, balançando alguma coisa que estava escondida e que era pesada. – E você não vai gostar das consequências, te garanto.

– Não, senhora. Tenho certeza...Contudo, antes que ele terminasse a sentença, o último e, de longe,

o mais bizarro evento do dia aconteceu.Mestra Jane desapareceu.Ela sumiu, do nada, como dizem. Puf. Como um truque de mágica.

Em um segundo estava lá; no outro tinha ido embora. Norbert olhou para o vazio do outro lado do balcão sabendo que

precisaria de uma palavra mais forte que aturdido para explicar como

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se sentia. Finalmente, abanando a cabeça, ele agachou e pegou a caixa com as cartas do Mestre George.

– Estas vão partir hoje à noite – ele disse, embora não houvesse ninguém ali para ouvi-lo.