14
O DIREITO A CIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Uma análise das barreiras sociais da Pessoa com Deficiência sob a ótica do Direito a Cidade Daniela Ferreira dos Reis 1 Arnaldo Vieira Sousa 2 Resumo A Pessoa com Deficiência no Brasil está inserida num contexto de invisibilidade jurídica e social que demonstra a necessidade de abordar uma discussão critica, acerca do Corpo, dentro do arbitrário cultural, sob a ótica do Direito à Cidade enquanto um Direito Social de acesso ao espaço político. Analisando o que entende-se por corpo saudável, e a formação de um sujeito a partir desta concepção, pretende-se explorar a formação de um sujeito de direito, na consolidação das políticas do Estado. Relacionando a ideia de sujeito de direito, atrelado entre o poder e a resistência, e os conceitos de acessibilidade e barreiras sociais no acesso ao espaço da Cidade. Palavras-chave: Direito a Cidade. Pessoa com Deficiência. Acessibilidade. Barreias social. Abstract The Person with Disabilities in Brazil is inserted in a context of legal and social invisibility that demonstrates the need to address a critical discussion about the Body within the cultural arbitrary, from the point of view of the Right to the City as a Social Right of access to the political space . Analyzing what is meant by healthy body, and the formation of a subject from this conception, it is intended to explore the formation of a subject of law, in the consolidation of the policies of the State. Relating the idea of subject of law, tied between power and resistance, and the concepts of accessibility and social barriers in access to the space of the City. Keywords: Right to City. Disabled Person. Accessibility. Barreias social. 1 Estudante. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail: [email protected] 2 Mestre. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

O DIREITO A CIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Uma … · O direito à cidade é “direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2006, p. 140), é uma utopia, conquistada

Embed Size (px)

Citation preview

O DIREITO A CIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Uma análise das barreiras sociais

da Pessoa com Deficiência sob a ótica do Direito a Cidade

Daniela Ferreira dos Reis1

Arnaldo Vieira Sousa2

Resumo A Pessoa com Deficiência no Brasil está inserida num contexto de invisibilidade jurídica e social que demonstra a necessidade de abordar uma discussão critica, acerca do Corpo, dentro do arbitrário cultural, sob a ótica do Direito à Cidade enquanto um Direito Social de acesso ao espaço político. Analisando o que entende-se por corpo saudável, e a formação de um sujeito a partir desta concepção, pretende-se explorar a formação de um sujeito de direito, na consolidação das políticas do Estado. Relacionando a ideia de sujeito de direito, atrelado entre o poder e a resistência, e os conceitos de acessibilidade e barreiras sociais no acesso ao espaço da Cidade. Palavras-chave: Direito a Cidade. Pessoa com Deficiência. Acessibilidade. Barreias social.

Abstract The Person with Disabilities in Brazil is inserted in a context of legal and social invisibility that demonstrates the need to address a critical discussion about the Body within the cultural arbitrary, from the point of view of the Right to the City as a Social Right of access to the political space . Analyzing what is meant by healthy body, and the formation of a subject from this conception, it is intended to explore the formation of a subject of law, in the consolidation of the policies of the State. Relating the idea of subject of law, tied between power and resistance, and the concepts of accessibility and social barriers in access to the space of the City. Keywords: Right to City. Disabled Person. Accessibility. Barreias social.

1 Estudante. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail: [email protected]

2 Mestre. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

I. INTRODUÇÃO

A Cidade é meio em que as relações estruturais e sociais se reproduzem desde

as atividades mais simples como ir ao trabalho ou escola, até incluir num debate politico ou

numa demanda pública, é esse o espaço em que o individuo na sociedade moderno se

autodetermina.

Entretendo, o que se percebe de fato é que a cidade também é o espaço em que

o processo de marginalização e exclusão social se reafirma com base nas desigualdades

econômicas e históricas.

E por essa razão é que o conceito de Direito a cidade, explora os reflexos de

uma necessidade de se ocupar os espaços por meio da militância e da reivindicação de

politicas publicas que deem visibilidade a esses grupos marginalizados.

É dentro dessa necessidade de dar visibilidade em prol da reafirmação do

individuo é que o seguinte artigo explora a o direito a cidade das Pessoas com Deficiência,

em razão do modelo social da deficiência.

Numa reflexão acerca das mudanças de paradigmas fez com que os

movimentos da pessoa com deficiência abordassem a condição da deficiência enquanto um

conceito construído no meio social, em especifico, em relação a ausência de inclusão no

espaço social.

Uma vez que se estabelece esse conceito, é possível analisar os reflexos da

necessidade de um critica a ausência da ocupação do espaço da Cidade pelas pessoas

com deficiência, e por isso que analisa-se as politicas públicas, que hoje, são pautadas

numa promoção de reformas estruturais, sob um ótica de superação das barreiras

atitudinais.

Por isso questiona-se: Como as barreiras no espaço da Cidade se relacionam

com a ideia de incapacidade da pessoa com deficiência e fundamenta a necessidade das

politicas publicas?

Motivados especialmente pelas mudanças trazidas pelo Estatuto do Pessoa com

deficiência e pelas experiências dos pesquisadores que percebem no espaço de convívio

uma invisibilidade generalizada da pessoa com deficiência, ainda que em locais cercados de

“adequações” estruturais, como a própria faculdade da qual fazem parte.

II. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O corpo é objeto de reflexão das relações sociais, como dispõe Michel Foucault

(2004), inserido entre dispositivos de poder que normalizam as suas atividades, e instituem

como deve agir como dever “ser”, o corpo se torna essencial para formar uma identidade,

construindo-se o sujeito.

O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. (FOUCAULT, 2004, p.14)

Levando-se em consideração estas afirmações sobre o corpo chega-se à

formação de sujeito de direito, um sujeito historicamente determinado, em última instância,

pelos meios de produção de sua época, ou seja, “o sujeito não existe a priori, mas é uma

invenção pautada em discursos e relações de poder-saber que o constituem” (MENDES,

2006, p. 168).

Nesse contexto, a deficiência, por vezes se define com base nos discursos e

práticas médicas, como “um atributo biológico, uma característica fisiológica gerada por

algum distúrbio, déficit, falha, defeito em alguma função do organismo” (GAVÉIRO, 2015,

p.14), ou seja, por definição, é uma acepção em si mesma, segundo dispõe Alison Kafer

(2013, p.4), o significado da deficiência, como o significado da doença, é auto-evidente;

Todos nós saberemos quando vemos”.

A medicina, durante a modernidade e a partir do conhecimento microscópico coloca o corpo sob um controle social, e ao longo dos três últimos séculos se encarregou de classificar os processos patológicos, opondo a condição entre um corpo normal e um corpo anormal. O corpo deficiente sofre tanto pela regra da normalidade, como pelos valores sociais do pré-conceito (MURILLIO, 2010, p.160).

Nessa relação, as pessoas com deficiência, de corpos e mentes doentes,

transgrediam os padrões da normalidade, e por essa razão, segundo expõe Bill Hughes

(2002), surgem processos de medicalização que resumem a vida da pessoa com deficiência

em termos de incapacidade e confinamento.

Este modelo individual de deficiência está muito intimamente alinhado com o que é comumente denominado o modelo médico da deficiência; Ambos formam o quadro para entendimentos dominantes de deficiência e pessoas com deficiência. O modelo médico da deficiência enquadra corpos atípicos e mentes como desviantes, patológicos e defeituosos, melhor compreendidos e abordados em termos médicos (KAFER, 2013, p.5, tradução nossa).

Por essa razão, um modelo de definição “biológica” da deficiência, institui a ideia

do problema individual, que pouco interfere na sociedade e por isso a abordagem adequada

da deficiência é "tratar" a condição e a pessoa com a condição, em vez de "tratar" os

processos e políticas sociais que constrangem a vida das pessoas com deficiência.

E as políticas sociais têm acompanhado esse discurso da modernidade, de tal

forma que essas pessoas têm sido socialmente excluídas, despojadas de suas

responsabilidades e consideradas epítomes da dependência.

Como rompimento desse paradigma, surgem as teorizações nos disability

studies, formado das experiências de deficientes em 1960, que criticaram o modelo

individual da deficiência, e como movimento de ativistas dos Movimentos pelos Direitos dos

(as) Deficientes (Disability Rights Movement) iniciaram uma série de reivindicações sócio-

políticas insurgentes a partir daquela década, com base numa reconfiguração do que

significava ser deficiente que afetou diretamente as análises sociais e políticas posteriores

sobre o tema da deficiência.

As exigencias culminaram na publicação pela Union of the Physically Impaired

against Segregation – UPIAS, do modelo social de deficiência que vem propor um conceito

da deficiência (disability) como uma forma de opressão social (UPIAS, 1976), segundo

expõe Debora Diniz (p.46) o principal objetivo era redefinir a deficiencia em termos de

exclusao social, sendo entendida, portanto como uma forma de opressao social.

O UPIAS instituiu ainda nesse modelo a relação entre a lesão e a deficiencia:

“para a Upias, a lesão seria um dado corporal isento de valor, ao passo que a deficiência

seria o resultado da interação de um corpo com lesao em sociedade discriminatória” (DINIZ,

2007, p.17).

Nessa fundamentação, uma vez que se entende que os problemas implicados

pela deficiência se prendem com as estruturas sociais e não com as funcionalidades do

corpo, permitiu a formação da capacitação identitária, renovando a posição social das

pessoas com deficiencia até então excluidas das atividades sociais (MARTINS; FONTES;

HESPANHA; BERG, 2012, p.4).

Nesse sentido, [...] minha lesão não está em não poder andar. Minha deficiência está na inacessibilidade dos ônibus. Assim, as alternativas para romper com o ciclo de segregação e opressao não deveriam ser buscadas nos recursos biometicos, mas especialmente na ação politica capaz de denunciar a ideologia que opimia os deficiente (DINIZ, 2007, p.19).

Por essas relações é que gradualmente os movimentos sociais da pessoa com

deficiência passaram a cobrar e repudiar as terminologias que davam a deficiência um

caráter transitório entre a normalidade, como expressões “portador de deficiência”,

“deficiente” e “pessoa deficiente” têm sido cada vez mais substituídas por “pessoa com

deficiência” pelos movimentos sociais da área. “O argumento é que essas pessoas não

portam uma deficiência da mesma forma como se porta uma carteira de identidade em que

se pode tirá-la a qualquer momento. Quanto a “deficiente”, este termo tem a desvantagem

de tomar a parte pelo todo, sugerindo que a pessoa inteira é deficiente” (MELLO, 2009, p.

52).

E é nisso que consistiu também, a definição no Estatuto da Pessoa da Pessoa

com deficiência em vigor desde 2016, que em seu art. 2º:

Art.2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2017, grifo nosso).

Por essa definição mais recentemente no ordenamento jurídico brasileiro, é

possível perceber que se institui o conceito da deficiência frente às barreiras ao pleno

exercício de direito, e segundo expõe a mesmo estatuto no art. 3º, I, as barreiras são

“qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação

social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à

acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à

informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros” (BRASIL, 2017), as

barreiras são, portanto, parte da construção da deficiência.

Uma vez compreendida essa relação fundamental, tendo em mente que os

obstáculos para a pessoa com deficiência, estão relacionados entre questões estruturais e

atitudinais, o olhar recai sobre as relações que se perfazem no espaço urbano, e como o

individuo com deficiência, incorpora-se ao sistema de resistência quando tenta ocupar os

espaços comuns da sociedade.

III. O DIREITO A CIDADE E A RESISTÊNCIA

A “cidade” decorre da construção ideológica da sociedade onde “estrutura

urbana” é sinônimo de dignidade, inclusão social e politica, e enquanto local permanente de

moradia e trabalho, se implanta quando a produção gera um excedente, uma quantidade de

produtos para além das necessidades de consumo imediato (RONIK, p. 19, 2004), e da

marginalização estrutural, decorre e se fortalece a desigualdade social, pela ausência de

políticas públicas, segurança, e se permeiam de violações a direitos humanos.

O direito à cidade é “direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE,

2006, p. 140), é uma utopia, conquistada pelas lutas populares contra a lógica capitalista de

produção da cidade, que mercantiliza o espaço urbano e o transforma em uma engrenagem

a serviço do capital (TRINDADE, 2012), está relacionada, portanto, a um acesso à

construção politica e social, que vise à participação coletiva, e que nesse contexto, a luta de

classes é parâmetro de entendimento dos conflitos urbanos e põe no Direito a Cidade, a

representação do direito da classe operaria de emancipação urbano-social, e tem-se uma

perspectiva de ruptura com o sistema de produção e organizacional do capitalismo.

[...] o fato é que o conceito de “direito à cidade” de Henri Lefebvre foi muito mais uma plataforma político-filosófica e não explorava diretamente como, ou em que medida, a ordem legal determinava o padrão excludente de desenvolvimento urbano. Aos argumentos sociopolíticos de Lefebvre, deve ser acrescentada uma outra linha, ou seja, argumentos jurídicos que nos permitam construir uma crítica à ordem legal não apenas na perspectiva de valores sociopolíticos ou humanitários, mas desde dentro da própria ordem legal (FERNANDES, 2007, p. 208).

Para David Harvey (2006) o direito à cidade “não pode ser concebido como um

simples direito de visita a ou um retorno às cidades tradicionais”, trata-se de uma concepção

além do direito individual, e que decorre de um esforço coletivo dentro da formação de

direitos políticos sociais que são fruto das ações e reivindicações dos movimentos sociais.

No entanto, o neoliberalismo transformou as regras do jogo político, “a

governança substituiu o governo, os direitos e liberdades têm prioridades sobre a

democracia, à lei e parceiras público-privadas sem transparência substituíram as instituições

democráticas, a anarquia do mercado e do empreendedorismo competitivo substituíram as

capacidades deliberativas baseadas em solidariedade sociais” (HARVEY, p.1, 2006).

Para Rolnik (2004) a relação morador da cidade/ poder urbano pode variar, mas

significa em sua gênese uma relação politica que se reflete enquanto uma forma de

organização, “assim, ser habitante de cidade significa participar de alguma forma da vida

politica” (2004, p.21). Os movimentos sociais são, nesse contexto, agentes dessa

emancipação social que o Direito a cidade propõe, logo falar de Direito a Cidade é tratar da

reinvenção dos espaços urbanos excludentes pela emancipação da classe operaria num

contexto estrutural e politico.

A mais consistente e, no geral, a mais bem sucedida tentativa do homem de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração. Porém, se a cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma idéia clara da natureza

de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo (PARK, 1967, p.3).

Dito isso, fica claro que os conflitos no espaço urbano nascem dentro da

polaridade do sistema capitalista, para Lefebvre (2006), a sociedade passa por uma crise, a

mesma que durante Revolução Industrial promoveu a inflexão do agrário para o industrial

através do comércio.

Para Harvey (2001), o desenvolvimento capitalista precisa superar o delicado

equilíbrio entre preservar o valor dos investimentos passados de capital na construção do

ambiente e destruir esses investimentos para abrir espaço novo para a acumulação, é o que

Marx se remete ao universo do “tudo o que é sólido desmancha no ar”, em que Marshall

Berman (1986) se refere como o processo de Modernização e de reprodução do

capitalismo:

A burguesia não pode sobreviver sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com eles as relações de produção, e com eles todas as relações sociais. (...) Revolução ininterrupta da produção, contínua perturbação de todas as relações sociais, interminável incerteza e agitação, distinguem a era burguesa de todas as anteriores (MARX, apud BERMAN, 1986, p.19).

A industrialização criou na sociedade uma necessidade de homogeneização, na

qual sua principal característica é disseminação das relações de produção e da lógica

produtivista capitalista (crescimento econômico); destroem-se as particularidades locais (a

sustentabilidade, agricultura familiar) em favor de uma homogeneização que viabiliza a

constituição de um mercado em nível global, a sistematização do capitalismo e dos meios

de produção. (LEFEBVRE, 2006).

A resistência a esse processo de homogeneização está nos diferenciais, na

ideologia contraria, e na para a crise que vivemos hoje, a resistência é baseada numa luta

contra a homogeneização por meio do habitar,

[...] a cidade se compõe de espaços desabitados e mesmo inabitáveis: edifícios públicos, monumentos, praças, ruas, vazios grandes ou pequenos. Tanto isto é verdade que o ‘habitat’ não constitui a cidade e que ela não pode ser definida por essa função. [...] A Cidade envolve o habitar; ela é forma, envelope desse local de vida “privada”, ponto de partida e de chegada das redes que permitem as informações e que transmitem as ordens [...]. (LÉFÉBVRE, 2006, p.66-67).

Segundo James Amorim Araújo (2012, p.136), “o ato de habitar é uma condição

revolucionária porque é capaz de se opor dialeticamente ao movimento de homogeneização

do capital”. Sendo assim, o habitar expande o sentido de ter moradia, trata-se do direito à

cidade no sentido político, pois como explica Maricato (2003), as áreas mais urbanizadas e

melhor localizadas em relação ao centro da cidade sempre foram reservadas para as

camadas médias e altas, e os segmentos sociais em busca da logica capital, percebiam-se

numa logica de alto custo de vida.

A urbanização desorganizada das cidades brasileiras e uma estrutura politica

desligada da realidade social, Santos (1993), fez com que a organização da cidade fosse

determinada por uma marginalização. O Brasil manteve as características de divisão

desigual de terra das Capitanias hereditárias, e agora numa sistematização do êxodo rural

isola e solidifica as desigualdades sociais por meio da formação arbitraria das favelas e

periferias.

Conforme havíamos lembrado em nossa comunicação À reunião da ANPUR-IPPUR sobre a ‘ Macro-Urbanização: periodização e Recorte Especial, o fenômeno da macro urbanização e metropolização ganhou, nas ultimas décadas, importância fundamental: concentração da população e da pobreza, contemporânea da rarefação rural e da dispersão geográfica das classes médias; concentração das atividades relacionais modernas, contemporânea da dispersão geográfica da produção física; localização privilegiada da crise de ajustamento ás mudanças na divisão internacional de trabalho e as suas repercussões internas, o que inclui a crise fiscal; “involução metropolitana”, com a coexistência de atividades com diversos níveis de capital, tecnologia, organização e trabalho; maior centralização da irradiação ideológica, com a concentração dos meios de difusão das idéias, mensagens e ordens; construção de uma materialidade adequada à realização de objetivos econômicos e socioculturais e com impacto causal sobre o conjunto dos demais vetores. (SANTOS, 1993, p.78-79)

Nesse contexto, é possível perceber que os governos atuam para proteger as

instituições financeiras e não em prol de qualquer relação de direitos mínimos as

populações, e disso resulta o contexto de arbitrariedades politicas dos conflitos entre os

particulares e as comunidades em resistência. Para Maricato (2015, p.16), os espaços

brasileiros são “marcados pela concentração de terra, renda e poder, pelo exercício do

coronelismo ou política do favor e pela aplicação arbitrária da lei”.

Daí a importância e a urgência de fortalecer a militância dos movimentos sociais,

pois o conglomerado marginalizado é uma questão “estrutural e institucionalizada pelo

mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais”. E nisso vale-se

ressaltar que as lutas pontuais na cidade por transporte, creche, água e moradia,

demonstram o prevalecimento desse mercado e na relação de valor de troca sobre o uso, e

por isso não são formas de direito à cidade.

A segregação urbana ou ambiental é uma das faces mais importantes da desigualdade social e parte promotora da mesma. À dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. (MARICATO, 2003, p.152).

A cidade é, portanto, um espaço em que o desenvolvimento da desigualdade

desafia a construção de conceitos: exclusão social, inclusão precária, segregação territorial,

informalidade, ilegalidade, e alimenta um debate sobre a “funcionalidade” ou não do excesso

de população para o capitalismo brasileiro ou a não aplicação do conceito marxista de

exército industrial de reserva. (MARICATO, 2003).

E dentro do conflito ideológico dos meios de produção no processo de

marginalização urbana, a pessoa com deficiência é parte do integrante da prática de

reinvindicação que extrapole o acesso à estrutura urbano e adentre a esfera de

reconhecimento social e politico, e é por meio da organização dos movimentos de

resistência que é possível promover uma mudança na realidade das pessoas com

deficiência numa emancipação sócio-identitária.

IV. AS POLITICAS PÚBLICAS NO DIREITO A CIDADE DAS PESSOAS COM

DEFICIENCIA

O Direito a Cidade representa um processo de empoderamento sócio-político

para que os indivíduos possam reivindicar seus direitos e ocupar as interações sociais, e

uma vez que se percebe que os obstáculos a essas interações se manifestação na ausência

de infraestrutura e exclusão geográfica, a luta pela existência e acesso as politicas públicas

é ação de resistência para representatividade politica.

Segundo Andréia Cristina BELINOVSKI (2013, p.12):

[...] políticas públicas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento

por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais.

Entretendo, historicamente as políticas públicas, surgiram a partir de

transformações socioeconômicas no Brasil, ou seja, estavam fundamentadas no

crescimento econômico, sem necessariamente analisar o bem estar da população, a

proteção social e a garantia de direitos sociais e civis.

Somente ao final da década de 80, quando é promulgada a Constituição Federal

de 1988, é que em decorrência do crescimento dos movimentos sócias e reivindicações é

que se estabeleceu no Brasil o Estado Democrático de Direito, que prevê no parágrafo único

do artigo 1º que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988).

[...] A promulgação da Constituição de 88 confere, pela primeira vez, a condição de política pública à assistência social, constituindo, no mesmo nível da saúde e da previdência social, o tripé da seguridade social no país. Assim sendo, com a Constituição de 1988 são colocadas novas bases para o atual Sistema de Proteção Social brasileiro com o reconhecimento de direitos sociais das classes subalternizadas em nossa sociedade. Trata-se de uma grande conquista, trazendo a ampliação do campo da proteção social e dos direitos sociais [...] (BELINOVSKI, 2013, p.18).

Para a Pessoa com deficiência, a constituição é resultado do processo de

associações que criou o ambiente para a formalização da consciência que resultaria no

‘movimento político das pessoas com deficiência’ na década de 1970. (LANNA JR, 2010)

No final dos anos 1970, o movimento ganhou visibilidade, e, a partir daí, as pessoas com deficiência tornaram-se ativos agentes políticos na busca por transformação da sociedade. O desejo de serem protagonistas políticos motivou uma mobilização nacional. Essa história alimentou-se da conjuntura da época: o regime militar, o processo de redemocratização brasileira e a promulgação, pela ONU, em 1981, do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD) (LANNA JR. 2010).

Segundo Mário Cléber Martins Lanna Júnior (2010), as primeiras organizações

compostas e dirigidas por pessoas com deficiência contrapondo-se às associações que

prestavam serviços a este público capacitista e assistencialistas na “época eram iniciativas

que visavam o auxílio mútuo e não possuíam objetivo político definido, mas criaram espaços

de convivência entre os pares, onde as dificuldades comuns poderiam ser reconhecidas e

debatidas”.

A Constituição Federal de 1988 foi então um marco, pois rompeu com o modelo

assistencialista e passou a lançar um olhar mais atento para as necessidades das pessoas

com deficiência, e foram em função da militância dos movimentos sociais da pessoa com

deficiência é que aspectos das politicas públicas passaram a explorar o modelo social.

Dentre desse contexto, demonstra Lanna Jr. (2010, p.16) que o modelo social

defendido pelo Movimento das Pessoas com Deficiência se refletiu nas formas como as

politicas públicas passaram a perceber a sociedade enquanto “organizada é que condiciona

a funcionalidade, as dificuldades, as limitações e a exclusão das pessoas”.

As barreiras com “relação a atitudes (medo, desconhecimento, falta de

expectativas, estigma, preconceito), ao meio ambiente (inacessibilidade física) e

institucionais (discriminação de caráter legal) que impedem a plena participação das

pessoas” (2010, p. 17).

Disto decorre o fato que, por mais que o estado promova as politicas estruturais

que dispõe o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou a Lei nº 10.048/2000 prevê a

adequação de espaços públicos, equipamentos e veículos de transporte coletivo, para as

pessoas com deficiência, existem contradições entre as medidas contidas nas políticas

públicas em relação aos interesses das pessoas com deficiência e as ações reais que são

executadas.

De forma evidente, nossa sociedade produz e reproduz atitudes de descaso e

preconceituosas em relação aos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência

(FRAGA; SOUSA, 2009, p. 420), por uma questão histórica que ainda está vinculado ao

modelo individual/médico da deficiência, ainda que haja politicas inclusivas do espaço

urbano, a pessoas com deficiência quando de fato desejam circular e participar dos espaços

públicos tem seus direitos negados, seja pelo processo de exclusão da própria família ou

pela ausência, que de fato de defende neste artigo, de uma politica pública voltada a

modificar a base da formação atitudinal dos sujeitos.

Por essa razão, fala-se de uma necessidade de se explorar o Direito a Cidade

sob a ótica da pessoa com deficiência, pois é relativamente menos custoso a sociedade

readequar os espaços públicos, com reformas e acessibilidade estrutural, do que investir

num processo de mudança da mentalidade social.

A prática da inclusão social e a importância da atenção integral às pessoas com

deficiência (SILVA et al., 2007: 41), é um fator determinante a própria definição do individuo

com deficiência no Direito a cidade, enquanto seu espaço politico e de existência.

V. CONCLUSÃO

Percebe-se que a cidade também é o espaço em que o processo de

marginalização e exclusão social se reafirma com base nas desigualdades econômicas e

históricas, onde conceito de Direito a cidade, explora os reflexos de uma necessidade de se

ocupar os espaços por meio da militância e da reivindicação de politicas publicas que deem

visibilidade a esses grupos marginalizados.

É pela necessidade de dar visibilidade em prol da reafirmação do individuo é que

o direito a cidade das Pessoas com Deficiência, em razão do modelo social da deficiência.

As barreiras das atitudes, do meio ambiente (inacessibilidade física) e das instituições que

impedem a plena participação das pessoas, são fruto de um processo histórico que induziu

a sociedade brasileira a pensar a deficiência pelos moldes da doença e lesão biológica.

Mesmo que o estado promova as politicas estruturais que dispõe o Estatuto da

Pessoa com Deficiência ou a Lei nº 10.048/2000 prevê a adequação de espaços públicos,

equipamentos e veículos de transporte coletivo, para as pessoas com deficiência, existem

contradições entre as medidas contidas nas políticas públicas em relação aos interesses

das pessoas com deficiência e as ações reais que são executadas.

Foi em decorrência da atuação dos movimentos da pessoa com deficiência

abordassem a condição da deficiência enquanto um conceito construído no meio social, em

especifico, em relação a ausência de inclusão no espaço social.

E por essa razão, fala-se de uma necessidade de se explorar o Direito a Cidade

sob a ótica da pessoa com deficiência, pois é relativamente menos custoso a sociedade

readequar os espaços públicos, com reformas e acessibilidade estrutural, do que investir

num processo de mudança da mentalidade social.

Pois o direito à cidade é uma utopia, conquistada pelas lutas populares contra a

lógica capitalista de produção da cidade, que mercantiliza o espaço urbano e o transforma

em uma engrenagem a serviço do capital, mas está relacionada, a um acesso à construção

politica e social, e portando a superação das barreias sociais, visando à participação

coletiva.

Tal relação reafirmasse uma vez que a luta de classes é parâmetro de

entendimento dos conflitos urbanos e põe no Direito a Cidade, a representação do direito da

classe operaria de emancipação urbano-social, e tem-se uma perspectiva de ruptura com o

sistema de produção e organizacional do capitalismo, e por isso o Movimento da Pessoa

com Deficiência que se estruturou desde 1981 em prol do protagonismo da pessoa com

deficiência traz relativas mudanças ao que antes era a plena inexistência desses indivíduos

na sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, James Amorim. Sobre a cidade e o urbano em Henri Léfèbvre. Publicado GEOUSP - Espaço E Tempo, São Paulo, Nº31, Pp. 133 - 142, 2012. BELINOVSKI, Andréia Cristina. Política De Assistência Social: Avanços E Possibilidades No Centro De Referência Especializado De Assistência Social (Creas) Do Município De Telêmaco Borba. Publicado em 2013. CURITIBA – PR. Disponível em:< http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/2635>. Acesso em 19/03/2017. BERMAN, Marshall. Tudo que é solido desmancha no ar: A aventura da Modernidade. 1982. BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência - LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 19/03/2017. DINIZ, Debora. O que é Deficiência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo – Editora Brasiliense, 2007. FERNANDES, Eldésio. 2007. "Constructing the 'right to the city' in Brazil". Social & Legal Studies, v.16, n.2, pp.201-19. FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. FRAGA, M.N.O., SOUSA, A.F. Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência no Brasil: o Desafio da Inclusão Social. Revista Eletrônica de Enfermagem. 2009;11(2), p. 418- 23. GAVÉRIO, Marco Antônio. "Que Corpo Deficiente é Esse?": Notas Sobre Corpo e Deficiência nos Disability Studies/Marco Antônio Gavério. – São Carlos: UFSCar, 2015. Disponível em:< https://www.academia.edu/20702320/_Que_Corpo_Deficiente_%C3%A9_Esse_Notas_Sobre_Corpo_e_Defici%C3%AAncia_nos_Disability_Studies> . Acesso em 15/03/2017. HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo. Annablume, 2005. _______________. Direito á Cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n.29, p.73-89, jul./dez. 2012. _______________. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014. HUGHES, Bill. Disability and the body. In: Barnes C, Oliver M, Barton L, editors: Disability studies today. Cambridge: Polity Press; 2002. p. 58-76. KAFER, Alison. Feminist, Queer, Crip. Indiana University Press – USA. 2013. 258 p. LANNA JUNIOR, Mário Cleber Martins (comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010. 443p.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. In: Lutas Sociais: Barricadas Urbanas. N. 29 São Paulo: PUC – SP. 2012. Disponível em: <http://www4.pucsp.br/neils/downloads/neils-revista-29-port/david-harvey.pdf>>. Acesso em: Abril 2016. ______________. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Estud. av. vol.17 no.48 São Paulo May/Aug. 2003. __________________. Metrópoles desgovernadas. Estud. av. [online]. 2011, vol.25, n.71, pp. 7-22. ISSN 0103-4014. __________________. Para entender a crise urbana. 1. ed. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2015. MARTINS, Bruno Sena; FONTES, Fernando; HESPANHA, Pedro; BERG, Aleksandra. A emancipação dos estudos da deficiência. Publicado na Revista Crítica de Ciências Sociais. Nº98. 2012. MELLO, Anahí Guedes de. Por uma abordagem Antropológica da Deficiência: Pessoa, Corpo e Subjetividade. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. Publicado pela Universidade de Itcánal. 2006. Disponível em:< https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/download/17993/16941>. Acesso em 19/03/2017. MURILLIO, Patrícia Celis. O Patológico E O Anormal No Olhar De Michel Foucault: Um Estudo Sobre A Construção Da Identidade Da Criança Com Paralisia Cerebral. Publicado na Revista Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 159-174. Disponivel em:< http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/Opatologicoeoanormal.pdf> Acesso em Março/2017. PARK, Robert. On Social Control and Colletive Behavior, Chicago University, 1967, p.3. ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2004. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora HUCITEC, 1993. SILVA, S.F., PINTO, M.J.M., GUEDES, M.L.A.L. Análise das Políticas Públicas de Saúde Voltadas para a Pessoa Idosa com Deficiência no Brasil e no Distrito Federal. Monografia de Especialização em Políticas Públicas e Gestão Estratégica em Saúde, Departamento de Saúde Coletiva, Universidade de Brasília, 2007. TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. Lua Nova no.87 São Paulo 2012. UPIAS – Union of the Physically Impaired against Segregation; Disability Alliance (1976), Fundamental Principles of Disability. London: UPIAS. Disponivel em:<http://www.leeds.ac.uk/disability‑studies/archiveuk/UPIAS/fundamental%20principles.pdf>. Acesso em 17/03/2017.