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Fabiana Rodrigues Barletta O Direito à Saúde da Pessoa Idosa TESE DE DOUTORADO DEPARTAMENTO DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito Rio de Janeiro, fevereiro de 2008

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Fabiana Rodrigues Barletta

O Direito à Saúde da Pessoa Idosa

TESE DE DOUTORADO

DEPARTAMENTO DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008

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Fabiana Rodrigues Barletta

O Direito à Saúde da Pessoa Idosa

Tese de doutorado

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio.

Orientador: Professor Alejandro B. Alvarez

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008.

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Fabiana Rodrigues Barletta

O Direito à Saúde da Pessoa Idosa

Tese de doutorado

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Professor Alejandro B. Alvarez (Orientador) Departamento de Direito – PUC-Rio

Professora Heloísa Helena Gomes Barbosa(Co-orientadora) UFRJ

Professora Ana Lúcia de Lyra Tavares Departamento de Direito – PUC-Rio

Professor João Ricardo W. Dornelles Departamento de Direito – PUC-Rio

Professor Gustavo Tepedino UERJ

Prof. Francisco Amaral

UFRJ

Prof. Nizar Messari Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de

Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2008

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Fabiana Rodrigues Barletta

Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1994), Mestrado em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2001).É professora assistente do quadro efetivo da Universidade Federal de Viçosa..

Ficha catalográfica

CDD: 340

BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa / Fabiana Rodigues Barletta; orientador: Alejandro B. Alvarez – Rio de Janeiro: PUC; Departamento de Direito, 2008.

287 p 1. Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito. Inclui referências bibliográficas.

1. Direito– Tese. 2. Direitos fundamentais. 3. , direito dos idosos. 4. , direito à saúde. I. Barletta, Fabiana Rodrigues. II. Alvarez, Alejandro B. W.. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. IV. Título.

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Aos meus pais, Dalva e Edgard Angelo,

Ao Romeu

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Agradecimento

Para cursar um Doutorado são necessários esforços de toda ordem. No meu caso

o empenho a fim de lograr o resultado pretendido, a consecução dessaTese, começou

antes do ingresso no programa de Pós-Graduação da PUC-Rio.

Para conciliar o trabalho de docência e pesquisa da Universidade Federal de

Viçosa com a preparação para a prova da PUC contei com o apoio imprescindível dos

professores Luciene Rinaldi Colli, José Geraldo Campos Gouveia, Gláucio Inácio da

Silveira, Vicente de Paula Lélis e Françoise Marianne Braathen. Mas não só professores

estiveram presentes nessa jornada. Alguns alunos talentosos, hoje colegas, como

Gustavo Rafael de Lima Ribeiro, Maria José Botelho, Jaqueline Ribeiro Brandão, e

Rachel Campos Gomes ajudaram muitíssimo na realização dos projetos nos quais eu

estava envolvida. Impossível não lembrar do altruísmo da professora Teresa Negreiros

que deixou seu escritório particular à disposição enquanto eu escrevia o projeto de Tese

e da generosidade dos professores Luís Edson Fachin e Paulo Luiz Netto Lôbo, que

enviaram cartas de recomendação ao Programa de Pós-Graduação da PUC para minha

admissão no curso.

O financiamento dessa pesquisa pela CAPES e o licenciamento das atividades na

Universidade Federal de Viçosa proporcionaram também condições de me dedicar com

afinco ao Doutorado.

Já na PUC, cursando disciplinas obrigatórias e eletivas, tive o imenso prazer de

ser aluna de Ana Lúcia de Lyra Tavares que, com elegância e simpatia, sem jamais

perder a autoridade, nos ensinou o método da comparação no Direito; também pude

saborear as memoráveis aulas de José Maria Gómez e João Ricardo Wanderley

Dornelles, que procuraram nos incutir conteúdos aprofundados acerca da democracia e

dos direitos humanos. José Ribas Vieira nos despertou para o constitucionalismo

americano, Adrian Sgarbi não só transmitiu ensinamentos por meio da sua inteligência e

perspicácia como me distinguiu com compreensão e com o empréstimo de obras

relevantes para o desenvolvimento desse trabalho. Ricardo Lobo Torres foi tão

importante que não bastaram suas aulas na PUC. Com a sua aquiescência, assisti outras

ministradas na UERJ, essenciais para a incursão na temática dos direitos fundamentais.

Foi também na UERJ que cursei, sob o magistério de Luís Roberto Barroso, a disciplina

Interpretação Constitucional, de grande valia para análises posteriores. Maria Celina

Bodin de Moraes, além de preparar temas instigantes para nossas discussões

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acadêmicas, fez desencadear em mim a busca de autoconhecimento cada dia mais

importante para se bem viver consigo e com os outros. Anderson Torres Almeida,

Carmem Barreto de Rezende e Marcos Antônio Lira de Sousa, sempre foram nossos

anjos da guarda nas secretarias do Departamento de Direito da PUC.

Logo que cheguei ao Rio, contei com o apoio inestimável do professor

Alexandre Ferreira de Assumpção Alves e da professora Juliana Santos Pinheiro, com a

qual compartilhei, até o final da caminhada, alegrias, tristezas, sonhos e esperanças.

Na breve estadia em Portugal auferi calorosa acolhida do professor José de

Oliveira Ascensão, que espero tenha compreendido minha necessidade de voltar ao

Brasil antes do previsto.

Auxiliaram sobremaneira com a disponibilização de material específico para a

Tese os magistrados Werson Franco Pereira Rêgo e o Desembargador Sidney Hartung

Buarque; os professores Marcus Dantas, Brunello de Souza Stancioli, Sônia Barroso

Brandão Soares, Eliane Maria Barreiros Aina, Daniela Medina Maia, Rosângela

Lunardelli Cavallazzi, Maurício Govea, Frederico Price Grechi e Eduardo Takemi

Kataoka que, além disso, leu atentamente o 4º capítulo desse trabalho e fez respeitáveis

considerações. Luíza Maia, da Secretaria Municipal de Saúde, foi grande aliada nos

meus primeiros passos na seara da Gerontologia.

Não menos importantes foram Marcelo Junqueira Calixto, Guilherme Magalhães

Martins, Rose Melo Vencelau Meirelles e Ana Luíza Maia Nevares que, cursando

diverso programa de Doutorado e, sob outra orientação, proporcionaram-me a sensação

de ainda pertencer a seu grupo seleto, incluindo-me em momentos importantes de suas

vidas.

O professor Aleajndro Bugallo Alvarez, orientador dessa investigação, sempre

me tratou com amabilidade tal que se estendeu à sua esposa, Dona Vilma; antes, porém,

esteve ao meu lado nos momentos difíceis e demonstrou confiança em minhas

capacidades, deixando-me livre para desenvolver as idéias que compõem esse estudo.

A professora Heloisa Helena Gomes Barboza foi magnânima acolhendo a co-

orientação da pesquisa, recebendo-me várias vezes em sua casa para que discutíssemos

os caminhos já percorridos e a percorrer durante a redação da Tese; transmitindo, em

todas essas oportunidades, ótimas sugestões e muito estímulo.

O professor Gustavo Tepedino, meu orientador no Mestrado, tem sido, pelos

ensinamentos de sua obra, um dos guias intelectuais em tudo que faço. Com ele tive

brevíssima, porém elucidativa conversa, ao redefinir o tema dessa Tese. Ademais, ele

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me conferiu atenção qualificada por meio de gestos agregadores e por sua fundamental

participação em minha “Pré-Defesa”, ocasião em que tomei emprestado seu livro, Il

diritto civile nella legalitá constituzionale, marco teórico desse trabalho.

Durante a travessia do Doutorado tive felizes encontros com Sulamita Trzcina e

Pedro Ernesto Almeida e Silva; minha irmã Junya desempenhou significante papel

estando ao meu lado; os momentos de convivência com as primas Ângela e Helena e

com tia Celminha, cuja história pessoal é a inspiração dessa tese, foram combustível

para recomeçar inúmeras vezes; a existência de Luíza e Fernandinho, duas grandes

fontes de felicidade da nossa família, foram, entre outras, as melhores contribuições de

minha irmã Marcella e do compadre Fernando.

Romeu abriu para mim seu coração e sua vida que se juntou à minha e se

transformou na nossa.

Mamãe e Papai merecem as maiores homenagens pelo amor incondicional

sempre revelado.

Todas essas pessoas, com suas atitudes singulares, foram absolutamente

indispensáveis para que eu apresente hoje esse trabalho ao público. A elas sou, com os

mais sinceros e profundos sentimentos, eternamente grata.

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Resumo

Barletta, Fabiana Rodrigues; Alejandro Bugallo Alvarez. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa. Rio de Janeiro, 2007. 287p. Tese de Doutorado – Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

O presente trabalho trata do direito à saúde da pessoa idosa nos ambientes público e privado. Partindo da premissa de que o direito à saúde possui natureza prioritária na terceira idade procura-se identificar quais são as peculiaridades desse direito quando prestado ao ser idoso. De início, cuida-se da vulnerabilidade jurídica do idoso a fim de justificar vários direitos que, constitucionalmente e infraconstitucionalmente, lhe são atribuídos de maneira prioritária e que corroboram para o alcance da sua saúde ideal. Observam-se dispositivos constitucionais que fazem referência ao idoso e se propõe que o dever de ampará-lo, extraído da Constituição da República brasileira de 1988, seja tratado como direito fundamental material, na medida em que não consta do catálogo formal dos direitos fundamentais. Em nível infraconstitucional analisam-se conteúdos normativos do Estatuto do Idoso – a partir do qual se constrói o princípio do melhor interesse do idoso – e do Código Civil Brasileiro em pontos específicos referentes aos direitos dos idosos. Defende-se que a saúde da pessoa idosa prestada pelo Estado constitui direito constitucional de índole fundamental. Estudam-se as teorias da “reserva do possível” e do “mínimo existencial”. Aponta-se para como o Sistema Único de Saúde deve fornecer aos idosos o direito à saúde. Defende-se também a incidência horizontal da fundamentalidade do direito à saúde prestado pela iniciativa privada e do conseqüente intervencionismo estatal na seara dos contratos de plano de saúde, por meio da revisão contratual e da aplicação dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva nos pactos celebrados entre idosos e prestadoras privadas de saúde. Ao final, examinam-se instrumentos que viabilizam a eficácia na prestação do direito à saúde à pessoa idosa com a devida prioridade, passíveis de desenvolvimento somente num estado democrático que esteja calcado nos direitos fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chaves: Direitos fundamentais, direito dos idosos, direito à saúde

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Abstract

Barletta, Fabiana Rodrigues; Alejandro Bugallo Alvarez. O Senior's Right To Health Care. Rio de Janeiro, 2007. 287p. Tese de Doutorado – Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

The present work deals with the rights for health for the elderly in the public as well as private environments. Starting from the premise that the rights to health has priority nature, when the third age is concerned, one tries to identify what are the peculiarities of these rights when it is given to the elderly. In the beginning, one considers the legal vulnerability of the elderly in order to justify several rights that are attributed constitutionally and hierarchically below the constitution to them in a priority way that enable them to accomplish their ideal health. The constitutional mechanisms that refer to the elderly and proposes that the rights to support them, taken from the Brazilian Constitution from 1988, is treated as material of fundamental rights, once it does not come from the formal catalog of fundamental rights. At the level of the law that are hierarchically below the constitution, the normative contents from the Elderly Decree – from where the principle of best interest of the elderly is built - were analyzed together with the Brazilian Civil Code where the elderly rights were referred to in specific points. What is defended in this thesis is that the health of the elderly given by the State constitutes constitutional rights of fundamental nature. The theories of the “possible reserve” and the “minimum existence” are studied. The Sistema Único de Saúde – the public health system, is required to supply the rights for health to the elderly. The horizontal incidence of the basis of the rights to health supported by the private companies and the consequent state intervention where the contracts for health care plans are concerned is defended through contract review and applications of principles of the social function of the contract and the objective good faith in the pacts done between the elderly and the private health companies.At the end, the tools that enable the efficiency when the rights to health for the elderly is concerned are examined with the due priority, susceptible to development only in a democratic state which is based on the fundamental rights of freedom, equality, solidarity as well as in the constitutional principle of human being dignity.

Keywords: senior's right, heath care, fundamental rights

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Sumário 1. Introdução 12 2 A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa 17 2.1. A Pessoa Idosa e sua Vulnerabilidade 17 2.2. O Idoso e o Exercício dos Seus Direitos de Personalidade 29 2.3. A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa 44 3. Direitos da Pessoa Idosa e Seus Princípios Normativos 64 3.1. Apontamentos Acerca dos Direitos da Pessoa Idosa nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988 64 3.2. Princípios Cardeais do Estatuto do Idoso 69 3.3. Análise Comparativa dos Princípios Assegurados à Criança, ao Adolescente e ao Idoso no Ordenamento Jurídico Brasileiro 92 3.3.1. A Análise Civil-Constitucional dos Princípios Assegurados Às Crianças, Aos Adolescentes e Aos Idosos 102 4. A Saúde da Pessoa Idosa Como Direito Fundamental e o Papel do Estado na Sua Consecução 106 4.1. Notas Sobre a Historicidade dos Direitos Fundamentais 106 4.2. A Saúde Como Direito Fundamental e Exigível 111 4.3. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa e o Papel do Estado na Sua Consecução 135 5. A Saúde da Pessoa Idosa Prestada Pela Iniciativa Privada 152 5.1. A Eficácia Horizontal do Direito Fundamental à Saúde 152 5.2. A Lesão Em Contratos de Plano de Saúde Realizados Com o Consumidor Idoso: Hipóteses de Incidência e Análise de Casos 167 5.3. Da Mutualidade dos Contratos de Seguro à Solidariedade dos Contratos de Plano de Saúde Realizados Com Pessoas Idosas 176 5.3.1. Os Demais Reajustes das Prestações Pecuniárias Pagas Pelo Consumidor Idoso 183 5.4. A Autonomia Privada Em Uma Perspectiva Funcional 189 5.5. O Princípio da Boa-fé Objetiva Como Dever de Informar o Consumidor Idoso 199 6. A Política Nacional do Idoso e Seu Estatuto como Precursores de Movimentos Democráticos a Serem Desenvolvidos no Estado Brasileiro Em Prol dos Direitos da Pessoa Idosa 204 6.1. O Exercício da Cidadania do Idoso no Estado Democrático de Direito 204 6.2. O Modelo Democrático no Brasil Pós Regime Ditatorial e Os Direitos Fundamentais da Igualdade, da Liberdade e da Solidariedade na Constituição da República Brasileira de 1988 218 6.3. Instrumentos Para Assegurar a Eficácia Social dos Direitos da Pessoa Idosa 233 7.Conclusões 250 8.Referências Bibliográficas 268

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El 4 es 4 para todos? Son todos los sietes iguales?

Cuando el preso piensa em la luz es la misma que te ilumina? Has pensado de qué color es el Abril de los enfermos?

Pablo Neruda

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1 Introdução

O envelhecimento populacional é uma nova situação de incidência

mundial. A causa desse fenômeno encontra-se ligada tanto à diminuição de mortes

na infância, à queda da fecundidade, como também à redução da mortalidade em

idades longevas.1 Contribuíram para tanto fatores técnico-científicos como a

descoberta dos antibióticos na década de 1940, a descoberta das vacinas, a criação

de unidades de terapia intensiva, bem como a mudança no estilo de vida das

pessoas que ocorreu a partir da década de 1960.2

No Brasil, as análises demográficas apontam para um aumento da

longevidade. Dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2000

revelaram que havia um total de 6.527.630 homens e 8.011.358 mulheres no

grupo de idade dos 60 aos 100 anos ou mais.3 Segundo os demógrafos, esses

números só tendem a crescer nos próximos anos. As pessoas idosas estão se

tornando mais idosas. Projeções recentes demonstram que esse segmento poderá

representar 15% da população brasileira no ano de 2020.4

Muitos direitos se relacionam intimamente com o envelhecimento.

Nesse trabalho deu-se destaque ao direito à saúde da pessoa idosa, por

compreender que importa menos quanto os seres humanos conseguirão subsistir,

mas, uma vez constatado o prolongamento da vida, é absolutamente relevante

como eles usufruirão desse tempo a mais, pois não há a menor vantagem em anos

adicionados sem condições adequadas de sobrevivência. Isto posto, focou-se na

análise do direito à saúde a partir de contributo estatístico que, em considerações 1 CAMARANO, Ana Amélia, KANSO, Solange e MELLO, Juliana Leitão e. Quão além dos 60 poderão viver os idosos brasileiros? In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 77. 2 DE FREITAS, Elizabeth Viana. Demografia e epidemologia do envelhecimento. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 21. 3 Dados sobre a população com mais de 60 anos por idade e sexo no censo demográfico de 2000. Fonte: IBGE- Censo Demográfico. 4 CAMARANO, Ana Amélia. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 58.

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finais, revela situação alarmante: “aproximadamente 40% do tempo vivido pelos

idosos brasileiros são sem saúde.” 5

Ora, nada há que sustente, diante de avanços médicos em termos de

tratamentos curativos e paliativos, que o indivíduo deixe de gozar de saúde sem

nada se fazer pelo argumento de que “faz parte da velhice”. Se a medicina já se

deu conta de que é possível envelhecer e morrer em condições dignas de saúde, é

papel do direito assegurá-las na última etapa da vida da pessoa humana, pois, do

contrário, haveria um inconcebível atentado ao valor máximo de ordem

constitucional que proclama sua dignidade.

Todo o estudo desenvolvido encontra-se abalizado na normativa

constitucional e infraconstitucional que trata com especialidade da pessoa idosa:

tratam-se da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso.

Reconhece-se que a existência de leis setoriais que visam especificamente

à proteção da pessoa idosa não recebe acolhida de toda a doutrina sob a

justificativa de que essa tutela poderia levar os tutelados à marginalização.6

Observa-se, contudo, segundo dados trazidos pela mesma doutrina, que a Itália

possui desde 1978 a Lei 833, cujo art. 2 dispõe que a tutela da saúde do idoso

representa um de seus objetivos fundamentais, de modo a prevenir e remover as

condições concorrentes para sua marginalização;7 o que o doutrinador ainda

considera reducionista pois, em suas palavras: “a proteção e a promoção do idoso

realizam-se, antes de tudo, com a aplicação do princípio da igualdade, segundo o

qual a dignidade humana não depende das circunstâncias externas, nem tão pouco

5 CAMARANO, Ana Amélia, KANSO, Solange e MELLO, Juliana Leitão e. Quão além dos 60 poderão viver os idosos brasileiros?, p. 103. 6 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale. Napoli: Scientifiche Italiane, 1984, p. 340: “Deve -se desfiar da construção do idoso como uma categoria e também de uma normativa exclusiva para o idoso e somente para ele, pois uma e outra poderiam consistir em fonte de nova marginalização. Não parece útil sequer correto propor a criação de um ‘direito dos direitos dos idosos’; também não se trata de elaborar um estatuto dos idosos. Trata-se, sobretudo, de individualizar soluções mais adequadas para a proteção e a promoção das pessoas que se encontrem em situação de particular dificuldade, até mesmo de em condição peculiar de deficiência” [Traduziu-se livremente do italiano] 7 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano]

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das condições pessoais ou dos papéis sociais, mas é um valor inerente ao

homem.”8

Por outro lado, existe posição doutrinária a fazer apologia acerca da

criação de normas peculiarmente destinadas aos idosos e ainda a propor a

edificação de um direito da ancianidade.9

Nesse pormenor, os pontos de vista adotados no presente trabalho

aproximam-se da segunda concepção no sentido de se proclamar a existência de

um direito voltado especialmente para o idoso. A primeira certamente se

desenvolveu sob a égide do Estado Italiano, plantado na realidade européia, em

muito afastado das realidades sociais da América Latina onde se insere o Estado

brasileiro.

Pensa-se, na perspectiva construcionista de um direito da ancianidade para

outros sistemas jurídicos, que o conteúdo normativo do Estatuto do Idoso

brasileiro possa ser fonte a embasar o fenômeno da recepção de direitos.10

8 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano] 9 CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos. Madri/ Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2002, p. 433: “Esta exigência de integração valorativa, ao meu parecer, só pode resolver-se pela construção de um verdadeiro Direito da Ancianidade. Só pode concretizar-se, mediante a elaboração de um corpo normativo autônomo, com princípios e regras próprias, perfeitamente diferenciadas do resto das ramificações tradicionais, ainda que vinculadas a elas. Isto poderia realizar-se através de um traçado jurídico sistematizado, que dê contas de uma realidade humana que já é reconhecida como específica e valiosa, no entanto frágil e complexa.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 10 Para um estudo aprofundado do fenômeno das recepções de Direito, veja-se o artigo de TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. O estudo das recepções de direito. In: Estudos Jurídicos Em Homenagem Ao Professor Haroldo Valladão. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 45-66, passim. Nas páginas 46 e 47 a autora explica em que consiste o fenômeno das recepções de direito e trata da sua imprecisão terminológica: “O fenômeno que a expressão ‘recepção de direito’ evoca é a introdução, em um determinado sistema jurídico, de regras, noções, ou institutos pertencentes a um outro sistema. Entretanto, o emprego do termo ‘recepção’ para indicar esse fenômeno, na totalidade e na diversidade de suas manifestações, não é de aceitação tranqüila. Ponderam, os estudiosos do assunto, que ele subentende um ato voluntário, espontâneo, não se aplicando, portanto, aos casos em que a introdução de algumas normas ou institutos alienígenas em um sistema decorreu de atos impositivos e compulsórios. Essa, a razão de encontrarmos, na matéria, uma terminologia que varia, por vezes, em função da causa do fenômeno ou dos modos pelos quais ele se processa; por outras, em virtude de uma preferência subjetiva sem qualquer intuito de diferenciar suas múltiplas manifestações.” Nas páginas 65 e 66 a autora arremata: “Essa ‘receptividade’ não deve, porém, fazer com que se esqueçam de certas cautelas, para prevenir conseqüências negativas de um transplante inadequado ou mal efetuado. A proliferação desses estudos decorre, sobretudo na área do direito comparado, da importância atribuída às recepções como instrumentos de modernização dos sistemas, de harmonização dos padrões jurídicos e de compreensão internacional.”

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Nessa conjuntura inicia-se o traçado de um arco temático que parte do

seguinte argumento: se o ancião encontra-se mais apto a desenvolver doenças que

os seres humanos jovens, exsurge a saúde, dentre os seus direitos fundamentais,

como aquele de ordem prioritária nas idades longevas. Ter direito à saúde

funciona como pressuposto para que sejam exercitados os outros direitos dos

idosos.

Busca-se, no primeiro capítulo, identificar quem é o idoso, justificar sua

vulnerabilidade jurídica e revelar que, na idade avançada, a saúde apresenta uma

série de peculiaridades. Os direitos aos alimentos e à moradia são tratados como

mínimas condições para que o idoso possa auferir saúde. Averigua-se, portanto, a

quem cabe prestá-los e os meios de satisfazê-los. Procura-se comprovar que o

idoso, apesar de sua imanente vulnerabilidade, é dotado de capacidade jurídica

para direcionar sua vida, em condições de saúde ou de doença, por meio da

autodeterminação, que afasta preconceitos acerca da velhice e lhe confere

respeito.

No segundo capítulo faz-se um paralelo sobre as circunstâncias de

vulnerabilidade de crianças, adolescentes e idosos e dos pontos de aproximação e

de afastamento dos direitos dessas duas categorias de pessoas que se encontram

num particular estágio de vida. Com base na analogia e nas possibilidades abertas

pela Constituição da República brasileira, tenta-se construir um princípio

hermenêutico em favor dos idosos, o princípio do seu melhor interesse. Procura-se

mostrar que, se utilizado na interpretação jurídica, o princípio do melhor interesse

do idoso produzirá uma série de efeitos positivos para seu beneficiado.

No terceiro capítulo procede-se ao exame da assistência sanitária

proporcionada ao idoso por intermédio do Estado e se discutem teorias de íntima

ligação com o direito prestacional à saúde, a saber: a teoria do “mínimo

existencial” e a teoria da “reserva do possível”. Defende-se que a saúde é direito

de natureza fundamental e exigível e, a partir daí, toma-se em conta como o

sistema público de saúde brasileiro se compõe e se desenvolve, especialmente no

que concerne ao oferecimento do direito à saúde à pessoa idosa.

No quarto capítulo cuida-se da prestação de saúde ao idoso advinda da

livre iniciativa, propondo, de início, a eficácia horizontal do direito fundamental à

saúde nas relações interprivadas. Da análise do idoso como consumidor da

assistência particular à saúde, constata-se sua hiper vulnerabilidade perante o

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fornecedor. A partir de então, trata-se do instituto da lesão, da mutualidade que se

transmuda em solidariedade e dos princípios da função social do contrato e da

boa-fé objetiva como possibilidades jurídicas na tutela dos interesses dessa pessoa

hiper vulnerável quando usuária de planos de saúde.

No quinto capítulo fecha-se o arco desenhado ao constatar que, mais do

que enunciado, o direito à saúde da pessoa idosa necessita ser promovido em

condições ideais. Dentre elas, destaca-se o estado democrático, sustentado pelo

princípio da dignidade da pessoa humana, composto pelos princípios

fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade em seus múltiplos

aspectos ponderáveis caso a caso. Ademais, partindo do pressuposto de que o

direito à saúde possui natureza prioritária na velhice, adverte-se que ele só se

realizará se utilizados instrumentos que, baseados no princípio da igualdade

substancial, dêem-lhe efetividade.

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2 A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa

2.1 A Pessoa Idosa e Sua Vulnerabilidade

Situação complexa, embora inerente a todas as pessoas idosas, diz respeito

à sua vulnerabilidade jurídica. Para compreendê-la, recorre-se à sociologia e à

biologia para, após identificá-la no mundo dos fatos, justificá-la em termos de

Direito.

Simone de Beauvoir quando já idosa, escreve um dos mais completos

ensaios sobre a velhice. Nele, a professora aponta aspectos biológicos e

sociológicos do envelhecimento, estuda a velhice nas sociedades históricas e traz

à baila, aqui e ali, no passado e no presente de sua era, a experiência de velhice de

filósofos, artistas, escritores, os quais pesquisou, e de pessoas desconhecidas que

lhe contaram acerca da própria velhice ou da versão contada por seus parentes. A

grande maioria dos relatos retrata uma vivência difícil, dolorosa, de muitas perdas,

tanto para pobres quanto para ricos, para poderosos ou não, para intelectuais ou

trabalhadores braçais.1 A autora discorre longamente sobre alguns dos processos

fisiológicos que tornam os idosos vulneráveis.2 Apesar de esses escritos datarem

1 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice. Tradução de: MARTINS, Maria Helena Franco. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, passim. 2 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice, p. 33-35: “No homem, o que caracteriza fisiologicamente a senescência é o que o doutor Destrem chama ‘uma transformação pejorativa dos tecidos.’ A massa dos tecidos metabolicamente ativos diminui, enquanto aumenta a dos tecidos metabolicamente inertes: tecidos intersticiais e fibroesclerosados; eles são objeto de uma desidratação e de uma degeneração gordurosa. Há uma diminuição marcada da capacidade de regeneração celular. O progresso do tecido intersticial sobre os tecidos nobres é principalmente surpreendente no nível das glândulas e do sistema nervoso. Ele acarreta uma involução dos principais órgãos e um enfraquecimento de certas funções que não cessam de declinar até a morte. Fenômenos bioquímicos se produzem: aumento do sódio, do cloro, do cálcio; diminuição do potássio, do magnésio, do fósforo e das sínteses protéicas. A aparência do indivíduo se transforma e permite que se possa atribuir-lhe uma idade, sem muita margem de erro. Os cabelos embranquecem e se tornam rarefeitos; não se sabe por quê: o mecanismo da despigmentação do bulbo capilar permanece desconhecido; os pêlos embranquecem também, enquanto em certos lugares – no queixo das mulheres velhas por exemplo – começam a proliferar. Por desidratação e em conseqüência da perda da elasticidade do tecido dérmico subjacente, a pele se enruga. Os dentes caem.[...] A perda dos dentes acarreta um encolhimento da parte inferior do rosto, de tal maneira que o nariz – que se alonga verticalmente por causa da atrofia de seus tecidos elásticos – aproxima-se do queixo. A proliferação senil da pele traz um

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de 1970 e, de lá para cá, muitas dúvidas salientadas pela autora tenham sido

esclarecidas pela medicina, e seja essa também a responsável por tornar os idosos

cada vez mais longevos e com qualidade de vida; incluindo o bem que fazem para

sua auto estima as variadas modalidades de cirurgias estéticas hoje em dia

possíveis, parece que os sintomas descritos perduram na terceira idade. E não há

como dizer que esses acontecimentos não abalam física e emocionalmente as

pessoas idosas, porque elas sabem como foram um dia, sabem como são as

pessoas num estágio de vida normal. Elas se sentem vulneráveis porque

efetivamente são. Usa-se deliberadamente, seguindo o exemplo de Norbert Elias,

a palavra normal porque as pessoas tornam-se diferentes quando envelhecem. E é

esta diferença que as faz vulneráveis fisicamente, psiquicamente e também

socialmente. “Os outros, os grupos de ‘idade normal’, muitas vezes têm

dificuldade de se colocar no lugar dos mais velhos na experiência de envelhecer”3

Essa dificuldade extrema mais a distância entre os longevos e os jovens e faz dos

primeiros cada vez mais sozinhos e incompreendidos.

engrossamento das pálpebras superiores, enquanto se formam papos sob os olhos. O lábio superior míngua; o lóbulo da orelha aumenta. Também o esqueleto se modifica. Os discos da coluna vertebral empilham-se e os corpos vertebrais vergam: entre 45 e 85 anos o busto diminui dez centímetros nos homens e quinze nas mulheres. A largura dos ombros se reduz e a bacia aumenta; o tórax tende a tornar uma forma sagital, sobretudo nas mulheres. A atrofia muscular e a esclerose das articulações acarretam problemas de locomoção. O esqueleto sofre de osteoporose: a substância compacta do osso torna-se esponjosa e frágil; é por este motivo que a ruptura do colo do fêmur, que suporta o peso do corpo, é um acidente freqüente. O coração não muda muito, mas seu funcionamento se altera; perde progressivamente suas faculdades de adaptação; o sujeito deve reduzir suas atividades para poder poupá-lo. O sistema circulatório é atingido; a arteriosclerose não é a causa da velhice, mas é uma de suas características mais constantes. Não se sabe exatamente o que a provoca: desequilíbrios hormonais, dizem uns; uma tensão sangüínea excessiva, dizem outros; pensa-se em geral que a causa principal é uma perturbação do metabolismo dos lipídeos. As conseqüências são variáveis. Por vezes a arteriosclerose atinge o cérebro. Em todo o caso, a circulação cerebral torna-se mais lenta. As veias perdem sua elasticidade, o débito cardíaco decresce, a rapidez da circulação diminui, a pressão sobe. É preciso observar, aliás, que a hipertensão, tão perigosa para o adulto, pode muito bem ser suportada pelo homem idoso. O consumo de oxigênio do cérebro reduz-se. A caixa torácica torna-se mais rígida e a capacidade respiratória, que é de 5 litros aos 25 anos, cai para 3 litros aos 85. A força muscular diminui. Os nervos motores transmitem com menor velocidade as excitações e as reações são menos rápidas. Há involução dos rins, das glândulas digestivas, do fígado. Os órgãos do sentido são atingidos. O poder de acomodação diminui. A presbiopia é um fenômeno quase universal entre os velhos, e a vista ‘cansada’ faz com que a capacidade de discriminação decline. Também diminui a audição, chegando freqüentemente até a surdez. O tato, o paladar, o olfato têm menos acuidade que outrora.” 3 ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer: alguns problemas sociológicos. In: A Solidão dos Moribundos. Tradução de: DENTZIEN, Plínio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 80.

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Quanto à saúde psíquica dos anciãos relata-se também que há declínios a

ser levados em conta.4 A propósito, Norberto Bobbio publicou em 1996, oito anos

antes de sua morte em 2004, livro sobre sua velhice, a que ele chama de “Tempo

da Memória”. Bobbio escreve: “O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de

modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos

aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que

lembramos.”5

A redação do filósofo político em nada lembra seu engajamento como

senador e escritor de inúmeros livros, dentre eles “Teoria da Norma”, “Teoria do

Ordenamento Jurídico”, “O Futuro da Democracia”, “Liberdade e Igualdade”, “A

Era dos Direitos”, “Da Estrutura à Função”, entre outros, que trouxeram para os

estudiosos brasileiros, a partir da década de 50 do século passado, contribuição

indispensável na seara da Ciência Política e da Filosofia do Direito.6 Pelo

contrário, o autor descreve sua velhice como melancólica, “a melancolia

subentendida como a consciência do não-realizado e do não mais realizável”7, em

suas palavras.

Parece que as experiências dos anos de velhice são, para quase todos, de

alguma forma, sofridas.

Norbert Elias escreveu também em idade avançada sobre a “Solidão dos

Moribundos” e sobre “Envelhecer e Morrer.” Em cada expressão do seu

pensamento evoca a fragilidade dos idosos que advém de sua condição de

4 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice, p. 603-604: “Já disse que as doenças mentais são mais freqüentes nos velhos do que em qualquer outra faixa etária.[...] Entretanto, sendo a velhice uma ‘anomalia normal’, muitas vezes fica difícil traçar uma fronteira entre as perturbações psíquicas que normalmente acompanham a senescência e as que têm um caráter patológico. Algumas mudanças de humor e de comportamento que parecem justificadas pela situação constituem, na verdade, os pródromos de uma doença; outras que parecem neuróticas explicam-se pelas circunstâncias. De qualquer modo, os casos francamente patológicos são numerosos. Os velhos são fisicamente frágeis, são socialmente deserdados, o que tem graves repercussões sobre o seu estado mental, seja diretamente, seja através da deterioração orgânica que resulta disso; sua situação existencial e sua condição sexual são propícias ao desenvolvimento das neuroses e das psicoses.”[Grifou-se] 5 BOBBIO, Norberto. O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos. 7 ed. Tradução de: VERSIANI, Daniela. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 30. 6 LAFER. Celso. A autoridade de Norberto Bobbio. In: O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos. Prefácio à edição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. XXII e XXIII. 7 BOBBIO, Norberto. O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos, p. 31.

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vulneráveis: “Muitas pessoas morrem gradualmente, adoecem, envelhecem. As

últimas horas são importantes, é claro. Mas muitas vezes a partida começa muito

antes. A fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que

envelhecem dos vivos.”8

Elias compreende que a decadência dos idosos os isola e os faz viver

grande solidão. Esta decorre do processo de senescência que, acompanhado por

declínios físicos e psíquicos, afasta os anciãos da vida compartilhada.

A fragilidade psíquica dos idosos também resulta em vulnerabilidade para

lidar com as corriqueiras frustrações da vida que, na terceira idade, ganham

dimensão alargada. Relata-se ainda, que muitos idosos sofrem pela difícil

convivência consigo mesmos diante da morte iminente: “chegar a velho, em

grande medida, também significa aprender a conviver com a morte. Aprender a

viver forçosamente com ela, posto que se trata de ‘habitar’ o final, sabendo que o

é, sem nenhum tipo de fuga possível.”9

Tais vivências somadas às perdas afetivas que angariaram por sua longa

existência e às dificuldades físicas e psíquicas com as quais, com expressiva

freqüência, têm de lidar no último quadrante da vida, quando mais se aproximam

da morte, experiência derradeira que ainda não tiveram e a qual, muitas vezes

temem, fazem dos idosos pessoas vulneráveis.10 Vulneráveis por todas as

vicissitudes do movimento inverso ao da infância, a partir de quando se cresce,

ganha-se força, desenvolve-se a inteligência, alguns idosos, em certa medida,

involuem, decrescem, submergem. Só os que convivem de perto podem notar a

dificuldade do estertor de uma vida ao redor da doença ou da exclusão social. Em

definitivo não se trata de algo interessante, bonito ou romântico. É, ao invés,

8 ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos. Tradução de: DENTZIEN, Plínio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 8. 9 Consoante CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos, p. 25. [Traduziu-se livremente do espanhol] 10 CAMARANO, Ana Amélia e PASIANTO, Maria Tereza. Introdução. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60?, Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 2 e 3: “Assume-se que a idade traz vulnerabilidades, perda de papéis sociais com a retirada da atividade econômica, aparecimento de novos papéis (ser avós), agravamento de doenças crônicas e degenerativas, perdas de parentes e amigos entre outras. [...] Embora se observe a heterogeneidade do grupo estudado, pergunta-se o que faz esse grupo ser diferente dos demais, que os torna objeto específico de estudos acadêmicos, de políticas etc. [...] Pode-se se dizer que as principais características do grupo são o crescimento, proporcional à idade, das suas vulnerabilidades físicas e mentais e a proximidade da morte.” [Grifou-se]

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penoso viver no momento antecedente à finitude quando acompanhada de dor e

sofrimento. Tudo muda. Até o poder e o status das pessoas se modificam mais

cedo ou mais tarde quando, debilitadas por doenças ou apartadas do convívio

social, chegam aos sessenta, setenta, oitenta, noventa ou cem anos.11

Procura-se firmar a vulnerabilidade física, psíquica e social do idoso, para

que seja encontrada também, sua vulnerabilidade jurídica. Assim, quando não

existe igualdade de fato entre as pessoas, as regras jurídicas não podem ser as

mesmas para todos. Aos diferentes em razão do envelhecimento que os

vulnerabiliza, precisa-se assegurar igualdade jurídica, a fim de mitigar sua

desigualdade material em relação às pessoas de outra faixa etária garantindo o

humanismo em sociedade.12

Outra questão polêmica nessa matéria está contida na difícil identificação

de quem é, para os efeitos do Direito, idoso. Com o advento da Lei nº 8.842 de

1994, que instituiu a Política Nacional do Idoso e foi corroborada pela Lei 10.741

de 2003, o Estatuto do Idoso, ressurgiram as discussões acerca desse ponto.

Antes disso, a Constituição da República de 1988 dispôs, em favor dos

maiores de setenta anos, o voto facultativo, conforme art. 14, § 1º, alínea “b” e,

em artigos espaçados, sobre as idades máximas de aposentadoria voluntária no

serviço público, “de sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se

homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher”, na

forma do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”; “de sessenta e cinco anos de idade, se

11 Com o intuito inequívoco de mostrar que as doenças não são belas nem românticas, mas que muitos as entrevêem desse modo, faz-se imprescindível recorrer a SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Tradução de: RAMALHO, Márcio. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984, ao relatar e, principalmente, comentar a conversa de Byron com Moore, p. 42 e 43: “O tratamento romântico da morte afirma que as pessoas se tornam singulares e mais interessantes por sua doença. ‘Estou pálido’, disse Byron olhando no espelho. ‘Gostaria de morrer de uma consunção.’ Por quê?, perguntou seu amigo tuberculoso Tom Moore, que estava visitando Byron em Pratas, em fevereiro de 1828. ‘Porque todas as mulheres diriam: ‘Olhem o pobre Byron, como ele está interessante assim morrendo’.” Talvez a principal dádiva dos românticos à sensibilidade não seja a estética da crueldade e a beleza do mórbido (como Mario Praz sugeriu em seu famoso livro), ou mesmo a exigência de ilimitada liberdade pessoal, mas a idéia niilista e sentimental do ‘interessante’.” 12 Confira-se, a respeito, o raciocínio de BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 116: “Neste ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei. Nestes casos estão as crianças, os adolescentes, os idosos...”

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homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao

tempo de contribuição.” na forma da alínea “b” do mesmo artigo. Estabeleceu-se a

aposentadoria compulsória, “aos setenta anos de idade, com proventos

proporcionais ao tempo de contribuição” ainda no art. 40, inciso II. Com relação à

previdência social dos outros trabalhadores, assegurou-se a aposentadoria aos

sessenta e cinco anos de idade, se homem e sessenta, se mulher, e se reduziu em

cinco anos “o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que

exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o

produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal”, na forma do art. 201, § 7º,

inciso II.

Consideram-se tais idades máximas para o repouso remunerado dos que já

trabalharam suficientemente ao longo de sua juventude e, portanto, merecem uma

velhice de descanso e usufruto do que conseguiram ao longo da vida.

Também foi prevista constitucionalmente a garantia de um salário mínimo

de benefício mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria

manutenção ou tê-la promovida por sua família, conforme dispuser a lei, em

termos de assistência social, no art. 203, inciso V. Não se disse, porém, quem é o

idoso a que se faz referência.

Em outro momento, a Constituição dispôs, no art. 230, § 2º, sobre a

garantia de gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta e

cinco anos, como modo de o Estado amparar as pessoas idosas conforme caput do

mesmo artigo. Mas aqui também não se disse quem são tais pessoas.

Para o Estatuto do Idoso estão regulados por ele os direitos assegurados às

pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Conforme dispõe seu

art. 1º: “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos

assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”

Portanto, a determinação legal de idoso estatuída tem o dado cronológico

como referencial, pouco importando se o ser humano possui ou não debilidade

física ou psíquica, se é homem ou mulher, pobre ou abastado. Trata-se de um

critério objetivo que visa a encerrar discussões acerca da sua procedência.

Todavia, tanto antes da promulgação da Política Nacional do Idoso já se

argumentava que “a qualidade de idoso deveria ser analisada caso a caso,

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dependendo das condições biopsicológicas de cada ser humano”13, quanto

atualmente, discute-se o critério legalmente adotado para assegurar direitos aos

sexagenários: “O grande problema do critério cronológico é de não considerar as

diferenças pessoais e a larga faixa etária que está abrangida pelo conceito,

principalmente se levarmos em conta que, atualmente, são cada vez mais

numerosas as pessoas centenárias.”14

Diverge-se dessa posição, pois, seguramente, adotar uma idade para

considerar uma pessoa sujeita a gozar de direitos especiais afasta os tortuosos

caminhos da avaliação física e psíquica de suas capacidades, que poderia gerar

injustiças de toda ordem. Até porque, não são apenas os contingentes psicofísicos

que tornam uma pessoa idosa. Também o sexo, a classe social, a educação, a

personalidade, as vivências passadas, o contexto sócio-econômico, entre outros

fatores, influenciam no processo de envelhecimento, de forma que se torna

impossível uma resposta definitiva de quando se inicia a chamada terceira idade

para a pessoa individualmente considerada.

Entretanto, ao sustentar que “pode haver enorme diferença no estado de

saúde (física e mental), entre duas pessoas sexagenárias, uma delas pode ser

doente e debilitada, enquanto a outra se encontra em pleno vigor, sendo

perfeitamente lúcida”15, chega-se à assertiva de que “certamente há enorme

diferença entre um idoso (pelo critério da Lei nº 8.842/94) de 60 anos e um outro

de 100 anos de idade, por isso se torna difícil a aceitação de um mesmo

tratamento para ambos.”16

Embora mereça respeito essa posição, parece não ser a mais adequada.

O fato de pessoas com sessenta anos ou mais encontrar-se em pleno vigor,

não lhes retira a condição de pessoas biologicamente envelhecidas. “Pesquisas de

caráter biofisiológico puderam estabelecer que, com o avançar dos anos, vão

ocorrendo alterações estruturais e funcionais que, embora variem de um indivíduo

13 DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso. In: Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso: Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 100. 14 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 44. 15 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 44. 16 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 44

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a outro, são encontradas em todos os idosos.”17 Aliás, um idoso centenário pode

gozar de mais saúde do que um sexagenário. Além do mais, o que se almeja é que

os envelhecidos continuem ativos nas esferas púbicas e privadas, no trabalho

remunerado ou não, na política, nas artes, nos esportes, na educação e em todas as

contingências, para que possam manter o livre desenvolvimento de sua

personalidade.

O critério cronológico tem sido reiteradamente adotado na ordem jurídica

brasileira para impedir o trabalho de pessoas menores de quatorze anos,18

desconsiderando sua capacidade psíquica, intelectual ou compleição física; para

considerar menores de dezoito anos, independente do seu grau de maturidade,

ainda que aferível psiquicamente, inimputáveis na seara penal19 e, com capacidade

relativa para os atos da vida civil, os maiores de 16 e menores de 18 anos.20

Destarte, tal como o desenvolvimento de infantes e adolescentes, o processo de

envelhecimento “é determinado pela interação constante e acumulativa de eventos

de natureza genético-biológica, psicossocial e sociocultural.”21

Ao determinar que idoso é pessoa com idade igual ou maior que sessenta

anos a legislação em comento buscou um critério uniforme, proveniente de

investigações científicas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera

idosas pessoas de sessenta e cinco anos ou mais nas nações desenvolvidas e de

sessenta anos ou mais nas nações em desenvolvimento. A Política Nacional do

Idoso e o Estatuto pátrio seguiram tais diretrizes, já que o Brasil é considerado

país em desenvolvimento.

17 PAPALÉO NETTO. Matheus. O estudo da velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 3. 18 Art. 227, § 3º, inciso I, da Constituição da República. 19 Art. 27, do Código Penal. 20 Art.4º, inciso I, do Código Civil. 21 NERI, Anita Liberanesso. Teorias psicológicas do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 45.

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Enfim, cabe o registro de que estabelecer quem é idoso não compreende

tarefa fácil, haja vista tantas heterogeneidades próprias dos seres humanos, o que

induz à heterogeneidade de suas velhices. 22

De todo modo, o Direito necessita de um critério legal para se conduzir e

ser aplicável. É nesse sentido que se entende que o critério etário, o mais

invariável possível dentro de um espectro muito maior onde se encontram as

discussões a respeito de quando se inicia a velhice, e, paralelamente, de quem é o

idoso, parece, em termos legais que demandam uma determinação precisa, o mais

acertado.

Nesse contingente de indefinição sobreleva o fato de o Brasil possuir

norma constitucional que ordena o amparo da velhice por todos os seguimentos da

sociedade e pelo Poder Público. Recentemente, como já apontado, promulgou-se

um estatuto para o idoso, ferramenta que, se tiver a devida eficácia, pode em

muito amenizar sua vulnerabilidade de fato. Enfim, a Lei assegura direitos

específicos à pessoa idosa porque ela efetivamente necessita, pois se difere de

jovens, adultos e, inclusive de crianças, na sua condição vulnerável.23

A propósito, a ciência médica já havia constatado a estreita ligação entre o

envelhecimento e o surgimento de deficiências, que acabam tornando o ser idoso

imensamente vulnerável.24 Enfatize-se que as pessoas idosas compõem o principal

grupo de deficientes.25

22 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342: “A própria definição do idoso é problemática porque é expressão não unicamente da idade da vida, mas também e principalmente, da conservação das estruturas e das funções psicofísicas, das potencialidades físicas e intelectivas. Mesmo a capacidade natural, enquanto capacidade de compreender e de querer, com o passar do tempo, modifica-se constantemente, ora aumentando, ora diminuindo. A mutação qualitativa é expressão, além do patrimônio biológico, também das experiências adquiridas e da sensibilidade; a capacidade efetiva se desenvolve porque a própria personalidade do homem se desenvolve. Todavia haverá sempre a paralela dignidade e o direito de que o seu desenvolvimento não encontre limites, exceto por aqueles ditados no seu efetivo e exclusivo interesse, seja também em correlação aos análogos interesses dos outros.” [Traduziu-se livremente do italiano] 23 BARBOZA, Heloisa Helena. O melhor interesse do idoso. In: O Cuidado Como Valor Jurídico. Coordenadores: PEREIRA, Tânia da Silva e DE OLIVEIRA, Guilherme. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 65: “Assim como a criança e o adolescente, o idoso se encontra em situação peculiar, na qual a vulnerabilidade é potencializada. Embora ambos grupos sejam constituídos por pessoas ‘especialmente’ vulneráveis, e haja em vários pontos certo paralelismo entre a situação da criança e do adolescente e a do idoso, impondo-se a tutela privilegiada de seus direitos, não se deve perder de vista que, na verdade, tais pessoas caminham em direção oposta, sendo inversamente proporcionais suas necessidades.” 24 MEDEIROS, Marcelo e DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60?, Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro:

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Sensível a essa realidade, o legislador previu no art. 15, § 4º, do Estatuto

do Idoso que “os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante

terão atendimento especializado, nos termos da lei.” Como ainda não há uma lei

específica que se refira às pessoas idosas nesses quadros, política pública de

ordem urgente, o intérprete usará a Lei 10.216 de 2001 para a tutela dos

deficientes mentais e a Lei 10.098 de 2000, que estabelece normas gerais e

critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de

deficiência física ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras

e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e

reforma de edifícios e nos meios de transporte e comunicação. O conceito de

acessibilidade é, na forma do art. 2º, inciso I, da Lei 10.098 de 2000:

“possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia,

dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes

e dos sistemas e meios de comunicação por pessoas portadoras de deficiência ou

com mobilidade reduzida”

Dessa forma, para o idoso com dificuldade de enxergar, hão de ser

colocados, nas vias públicas, sinais sonoros para que ele possa transitar com

segurança e autonomia. De igual modo, devem ser destinados ao idoso que sofra

agravos auditivos, sinais visuais com o mesmo objetivo de lhe propiciar condições

de tráfego, com liberdade e autonomia. Barreiras arquitetônicas nas vias públicas,

no interior dos edifícios públicos e privados, no acesso ao transporte e nas vias de

comunicação em massa ou não, também devem ser transpostas para que o idoso

com mobilidade reduzida possa gozar de acesso no caráter mais extenso possível

não só no ambiente urbano, como também no rural.

IPEA, 2004, p. 113: “Mostrar a relação entre envelhecimento e deficiência é importante por várias razões. Primeiro, porque o envelhecimento vem acompanhado de algumas limitações nas capacidades físicas e, às vezes, intelectuais mas, apesar do envelhecimento crescente de quase todas as populações do mundo, na maioria delas pouco ou nada se tem feito para que estas limitações não se tornem causa de deficiências. Segundo, porque mostra que, na ausência de mudanças na forma como as sociedades organizam seu cotidiano, que todos seguem em direção a uma fase da vida em que se tornarão deficientes, o que motiva, ainda por meio da defesa de interesses egoístas, a melhoria de políticas públicas voltadas à deficiência. Terceiro, porque lembra que a interdependência e o cuidado não são algo necessário apenas diante de situações excepcionais e sim necessidades ordinárias em vários momentos da vida de todas as pessoas. Quarto, porque a previsibilidade do envelhecimento permite entender que muito da deficiência é resultado de um contexto social e econômico que se reproduz no tempo, pois a deficiência no envelhecimento é, em parte, a expressão de desigualdades surgidas no passado e que são mantidas.” 25 MEDEIROS, Marcelo e DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência, p. 108.

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27

A acessibilidade do idoso não deve ser promovida apenas nos lugares

públicos, mas, principalmente, no local onde o idoso estabelece sua residência

com sua família ou em entidades de atendimento. Para essas últimas, o Ministério

da Saúde já editou a Portaria nº 249 de 2002, que define critérios de

cadastramento e funcionamento dos centros de referência em assistência à saúde

do idoso, destacando os mecanismos obrigatórios para promover sua

acessibilidade.

No que toca os órgãos de prestação da saúde pública ou privada – o

Sistema Único de Saúde e os planos privados de saúde – deverão fornecer, sem

qualquer tipo de cobrança sob pena de abusividade, segundo o art. 51, inciso IV,

do Código de Defesa do Consumidor, o atendimento especializado que o Estatuto

do Idoso apregoa para os idosos portadores de deficiência ou com limitação

incapacitante.26

Também em razão da fragilidade peculiar do “idoso internado ou em

observação”, seu Estatuto determina, no art. 16, ser-lhe “assegurado o direito a

acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas

para sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico.” Assim, a

presença do acompanhante deverá ser viabilizada pelo Sistema Único de Saúde ou

pelos planos privados de saúde, sem qualquer tipo de cobrança que, se existente,

será abusiva na forma do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do

Consumidor.27 Frente ao mandamento do parágrafo único do art. 16 do Estatuto,

“caberá ao profissional de saúde responsável pelo tratamento conceder

autorização para o acompanhamento do idoso ou, no caso de impossibilidade,

justificá-la por escrito.” Essa justificativa pode ser examinada pelo Poder

Judiciário no caso de o idoso ou sua família julgarem que seus fundamentos não

procedem.28

Todos esses mandamentos em torno da promoção da saúde da pessoa idosa

surgem em decorrência da sua imanente vulnerabilidade, que enseja cuidados

especiais a fim de, na medida do possível, torná-la menos intensa e causadora de

26 No mesmo sentido, RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2004, p. 39. 27 No mesmo sentido, RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 39. 28 Consoante RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 40.

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menores sofrimentos à pessoa humana que, além de sobremaneira fragilizada por

conta da idade, encontra-se, ademais, doente.

Se a vulnerabilidade da pessoa idosa demanda tutela especial no que

concerne não só à sua saúde, mas também no que toca a outros direitos

fundamentais, ela não tem o condão de subtrair a capacidade de fato dessa pessoa,

nem de tomar seus direitos de personalidade.29 Ainda que doente, se a moléstia do

ancião não lhe retira a consciência, ele permanece livre, na forma do disposto no

art. 10 do Estatuto do Idoso.30

No entanto, não se olvida que o idoso doente é ainda mais vulnerável. Por

isso, sem extrair-lhe o poder de autodeterminação e a livre expressão de sua

personalidade, os profissionais da área médica que com ele se relacionem deverão

agir com um cuidado redobrado, a fim de não desrespeitá-lo em sua concepção e

decisão, sempre no intento de lhe garantir autonomia no exercício de seus direitos,

com ênfase para os de índole existencial, que integram sua personalidade.

29 Explica AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 220: “Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz num quantum. Capacidade, de capax (que contém), liga-se à idéia de quantidade e, portanto, à possibilidade de medida de graduação. Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa. Compreende-se, assim, a existência de direitos da personalidade, não de direitos da capacidade. O ordenamento jurídico reconhece a personalidade e concede a capacidade, podendo considerar-se essa como atributo daquela. A capacidade é então a ‘manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade’, ou a ‘medida jurídica da personalidade’. E, enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade é atribuída pelo ordenamento jurídico, como realização desse valor.” 30 Art. 10 do Estatuto do Idoso: “É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1º O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes e diversão; V – participação na vida familiar e comunitária; VI – participação na vida política, na forma da lei; VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação. § 2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. § 3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

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2.2 O Idoso e o Exercício dos Seus Direitos da Personalidade

Concebe-se, segundo vasta doutrina, a personalidade jurídica como a

suscetibilidade a direitos e obrigações31 e, ao mesmo tempo, como pressuposto

para exercê-los.32 Para gozar dessa situação, faz-se necessário que o sujeito seja

simplesmente pessoa, uma vez que, sem titularidades, o ser humano não existiria

como tal.33

Os direitos da personalidade caracterizam-se por sua essencialidade.

Todos, em qualquer etapa da vida humana, possuem tais direitos inarredáveis haja

vista que, em relação aos outros direitos, esses possuem proeminência em função

do seu objeto que se manifesta como algo orgânico, logo, são tratados como bens

de maior valor jurídico.34 Os direitos da personalidade apresentam-se como

concretizações da tutela da personalidade e não são típicos. Qualificam-se, numa

ordem de importância, como os mais relevantes. Remetem a valores

imprescindíveis como a vida e a integridade psicofísica, de modo que, se

colocados numa organização hierárquica, ocuparão o topo, pois os bens

salvaguardados por tais direitos são “os mais preciosos relacionados à pessoa.”35

Qualquer indivíduo está apto a exigir respeito à sua personalidade perante

o Estado e perante os outros indivíduos; ao mesmo tempo, o Estado deve protegê-

la, posto que sua defesa trata-se de modalidade de tutela da dignidade humana.36

Tanto é, que as situações de personalidade geram, ao mesmo tempo, a fruição

31 Nesse sentido ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 43, também DE VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria geral do direito civil. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 35 e DE CUPIS, Adriano, Direitos da personalidade. Tradução de: REZENDE, Afonso Celso Furtado. Campinas: Romana, 2004, p. 19. 32 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 21. 33 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 24. 34 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 29. 35 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 31. 36 DE VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria geral do direito civil, p. 40.

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desse direito e condutas em face do seu titular, os denominados deveres de

personalidade.37

A personalidade humana constitui direito não patrimonial absoluto, pois

diz respeito ao ser e não ao ter.38 Desse modo, perfilhar a existência jurídica dos

direitos de personalidade significa reconhecer que cada ser é valorado

simplesmente por ser pessoa.

Nesse sentido, o ser humano coloca-se diante da realidade e do Direito,

afinal, as normas jurídicas existem para os homens, por isso, torna-se possível

observar a pessoa, ao mesmo tempo, como fim do Direito, fundamento da

personalidade jurídica e sujeito das situações jurídicas,39 que, dessa forma, impõe

à realidade exterior seus objetivos próprios e se determina com liberdade,

reconhecendo que é a dona de seu destino e, portanto, responsável por ele.40 O

Direito, por seu turno, serve aos interesses das pessoas, uma vez que concebido e

utilizado por elas. Logo, cabe a aferição de que a pessoa humana não se apresenta

como um instituto jurídico, mas consta presente em cada decisão e em cada

norma, já que os institutos jurídicos existem para contemplá-la.41

Os direitos da personalidade encontram-se marcados por um profundo teor

ético tendo em vista consubstanciarem projeção da personalidade humana e só

receberem tal consideração por possuírem esse conteúdo.42

Portanto, não há fôrmas nas quais caibam os inúmeros direitos da

personalidade e as previsões legais não contemplam todos eles. No Código Civil

brasileiro são tratados nos artigos 11 a 21, embora a previsão do legislador esteja

longe de abarcar as múltiplas situações que os envolvem.

O art. 8º do Estatuto do Idoso faz alusão aos direitos da personalidade das

pessoas idosas ao dispor que: “o envelhecimento é um direito personalíssimo”.

Isto posto, observa-se que envelhecer se encontra dentro dos direitos da 37 MENEZES CORDEIRO, António Manuel. Teoria Geral do Direito Civil. 1º volume. 2 ed. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 1987/1988, p. 310. 38 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 37. 39 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 44. 40 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 47. 41 MENEZES CORDEIRO, António Manuel. Teoria Geral do Direito Civil, p. 307. 42 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 79.

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personalidade além de, pela expressão “personalíssimo”, compreender-se que esse

direito concerne a uma pessoa ou a um grupo com “individualidades coincidentes

ou características especiais”43.

Sabe-se que faz parte dessas individualidades coincidentes ou

características especiais o declínio psicofísico gradual das pessoas de idade

avançada. Desse modo, muitos idosos convivem com as debilidades que lhes são

mais comuns do que às pessoas jovens. Ainda assim, sua integridade física e

psíquica, que provem dos seus direitos de personalidade, há de ser sempre

preservada.

O avanço da idade para sessenta anos ou mais não significa por si

senilidade, doença grave, ou morte iminente.44 Todavia, o organismo idoso adoece

mais. Portanto, enquanto houver vida, faz-se necessário que as especificidades

desse corpo e dessa mente sejam cuidados, uma vez que os direitos da

personalidade decorrem das necessidades específicas de cada ser humano segundo

a sua personalidade ontológica.45

Na pessoa idosa, tanto o aparelho respiratório, o cardiovascular, o

digestivo, as funções renais, e a atividade psíquica são modificados.

O envelhecimento do aparelho respiratório tem sua capacidade vital

diminuída, a difusão de oxigênio através da membrana alveolocapilar diminui

assim como a ventilação das bases pulmonares, há modificações no esqueleto e

modificações musculares que limitam os movimentos respiratórios, há alterações

na árvore brônquica, o que gera calcificações e perda de elasticidade, há perda dos

cílios vibráteis e dilatações alveolares que são fatores que ocasionam o efisema

pulmonar.46

Nota-se, em matéria cardiovascular, uma diminuição da freqüência

cardíaca após os sessenta anos, diminui a permeabilidade capilar quanto o débito

sangüíneo médio, o que faz aumentar a diferença arteriovenosa em oxigênio;

43 VILAS BOAS, Marco Antônio. Estatuto do idoso comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 15. 44 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica. In: Separata do Jornal do Médico. Porto, 1978, p. 2. 45 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 80. 46 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 7.

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diminui a elasticidade da aorta e grandes vasos, o que gera arteriosclerose e

calcificações, aumenta-se também o tempo total de circulação sanguínea.47

Em relação às funções renais, ocorre diminuição do débito plasmático

renal, baixa também a filtração glomerular, diminui a secreção e reabsorção

tubulares e se apresenta perturbada a atividade enzimática que intervêm nas trocas

iônicas ao nível dos túbulos renais.48

Pelo envelhecimento do aparelho digestivo podem ocorrer perda da

dentição o que leva a problemas de mastigação, diminuição da salivação e da

atividade secretora gástrica. Alteram-se a função exócrina do pâncreas, a função

da síntese protéica do fígado e a motilidade intestinal, o que gera constipação;

diminui-se o tônus do estômago e a absorção de aminoácidos, lipídeos e xilose em

nível de intestino delgado.49

Ocorrem também modificações na capacidade psíquica do idoso tais

como: diminuição da capacidade intelectual, diminuição da memória

especialmente para fatos recentes, alterações no sono, menor emoção perante

acontecimentos traumatizantes e diminuição de autocrítica perante os seus atos.50

Nesses casos, para continuar o livre e pleno desenvolvimento da sua

personalidade, com a decorrente titularidade de direitos e obrigações, a pessoa

idosa que apresente alguns desses agravos deve, na medida em que preservadas

suas faculdades mentais, consentir livremente a respeito de qualquer tipo de

intervenção em seu corpo e mente. De maneira genérica proclama-se que “o corpo

e a liberdade pessoal que nele se encarna apresentam-se no palco do mundo como

a premissa para um agir livre.”51

No contexto apresentado, o art. 17 do Estatuto do Idoso assinala: “Ao

idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de 47 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 8. 48 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 9 49 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 10. 50 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 11. 51 RODOTÀ, Stefano. Transformações do corpo. Tradução de: BODIN DE MORAES, Maria Celina. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Vol. 19, Julho/ Setembro/2004, p. 106.

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optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.” Essa regra

remete ao consentimento informado cujo fundamento primeiro é a autonomia do

paciente. 52

Nesse sentido, pode-se afirmar que a opção do idoso doente pelo

tratamento de saúde que considerar mais favorável para si – sua aquiescência livre

e esclarecida – trata-se da prática do consentimento informado, ou seja, da

materialização da manifestação de sua vontade.53

Contudo, “vulnerabilidades médicas, doença grave e inquietação poderiam

diminuir a autonomia da pessoa devido também a incertezas que são implícitas em

certos tratamentos médicos ou diagnósticos da doença do paciente.” 54 Por isso, a

informação, tão clara quanto possível sobre as indicações e contra indicações da

terapêutica e dos exames diagnósticos utilizados, constitui o cerne do

consentimento informado, a fim de sanar as incertezas do paciente sujeito à

intervenções médicas, ainda quando tenham de ser enfrentadas inseguranças

próprias da medicina, doença grave ou tensões emocionais.

Há de se acrescentar que existe uma enorme vulnerabilidade para a tomada

de decisões acerca de sua saúde no caso de ser idosa a pessoa adoecida. A idade

avançada já torna o ser humano frágil socialmente, fisicamente e psiquicamente,

porque sujeito à exclusão social e à possibilidade iminente de agravos

psicofísicos. Se doente, o idoso não só mantém sua condição de vulnerável, como

a possui acrescida, notadamente, por não estar e por não se sentir sadio. O que se

tem nesses casos é uma situação de vulnerabilidade levada ao extremo: pessoa

idosa doente tendo que tomar conhecimento das agruras de sua enfermidade,

raciocinar a respeito dos procedimentos que lhe são aventados e escolher o que 52 SWITANKOWSKY, Irene. S. A new paradigm for informed consent. New York: University Press of America, 1998, p. 1: “Autonomia é o fundamento do consentimento informado propriamente dito. Desde a ausência de uma decisão autônoma, o consentimento informado torna-se um simples consentimento. Consentimentos não são propriamente informados a não ser que eles sejam decididos de maneira autônoma pelo paciente. A autonomia é um complexo cognitivo-relacional; estado que varia em grau e qualidade entre os indivíduos. Quanto maior for o desenvolvimento, a reflexão, a educação do indivíduo, mais autônoma será a decisão.” [Traduziu-se livremente do inglês] 53 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos. In: Biotecnologia e Suas Implicações Ético-Jurídicas. Coordenadores: ROMEO CASABONA, Carlos María e QUEIROZ, Juliane Fernandes. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 128. 54 SWITANKOWSKY, Irene. S. A new paradigm for informed consent, p. 1. [Traduziu-se livremente do inglês]

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fazer dentro deste espectro de circunstâncias desfavoráveis que, inclusive, podem

lhe afetar as condições de discernimento, é assaz vulnerável.55

Por isso, os médicos devem ter um cuidado especial ao lhe prestarem as

informações devidas para que haja consentimento realmente esclarecido e uma

atenção redobrada para procederem de acordo com o que realmente o idoso quer

ou aceita para si, afinal, pode haver divergência no modo de ver do médico e de

seu paciente.

Um exemplo ilustra a hipótese.

“Uma mulher de 82 anos adentrou o consultório do Dr. Mayerovitz. – Doutor, disse ela sofregamente, não estou me sentindo bem. – Sinto muito, Sra. Kupinik; algumas coisas a medicina mais avançada pode curar. Eu não tenho como torná-la mais jovem, a senhora compreende. Ela respondeu de imediato: – Doutor, quem foi que lhe pediu que me fizesse mais jovem? Tudo que eu quero é que possa me fazer mais velha!”56 Nesses quadros, a autodeterminação do paciente idoso deve ser preservada

tendo em vista que o Direito lhe garante, enquanto capaz, o livre desenvolvimento

de sua personalidade. Portanto, o trabalho dos médicos de dar ciência acerca da

doença, de suas particularidades, dos tipos de intervenções possíveis ou não, das

conseqüências de determinado medicamento ou de determinada conduta médica,

deve ser desenvolvido da forma mais qualificada e individualizada, atendendo às

necessidades de um enfermo em condições muito peculiares.57

55 Alguma medida dessa vulnerabilidade é expressa por ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008, nos seguintes termos: “Com efeito ‘a vivência da doença acompanhada, por definição, da incapacidade de controlar e reverter o processo através de recursos próprios’ e, portanto, de ‘auto-reparação’ estimula a busca de ajuda externa, inspirada na idéia de que ‘a doença é removível e que o enfermo se percebe sanável’, razão do caráter fiduciário na relação médico-paciente.” 56 BONDER, N. O segredo judaico da resolução de problemas. Rio de Janeiro: Imago, 1995, p. 80. 57 Sobre a temática da vulnerabilidade de todos os doentes, idosos ou não, e da necessidade de esclarecê-los especialmente, DE MEIRELLES, Jussara Maria Leal e TEIXEIRA, Eduardo Didonet. Consentimento livre, dignidade e saúde pública: o paciente hipossuficiente. In: Diálogos Sobre Direito Civil: Construindo a Racionalidade Contemporânea. Coordenadores: RAMOS, Carmem Lucia Silveira, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, GEDIEL, José Antônio Peres, FACHIN, Luiz Edson e BODIN DE MORAES, Maria Celina. Rio de Janeiro: Renovar: 2002, p. 355: “Necessário, portanto, levar-se em conta a vulnerabilidade do paciente ao informá-lo a respeito da doença e da terapêutica possível ou não, acessível ou não, bem como dos resultados que se pode obter a partir da eleição do tratamento respectivo. Para ser possível conceder o denominado consentimento livre e esclarecido, é preciso, obviamente, o paciente seja devidamente informado sobre a sua doença e o tratamento a ser ministrado.

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Exatamente por isso, considera-se direito do idoso lúcido, no exercício de

sua autonomia, não querer ser informado sobre sua enfermidade, bem como a

respeito das hipóteses de tratamento, de seus possíveis riscos e benefícios. Nesse

caso ele também consente, validamente, que todas as deliberações sejam tomadas

pelo médico ou por familiares, exercendo seu direito de não ser informado a fim

de se preservar psiquicamente.58 Afinal, o consentimento informado transfere para

o idoso os riscos das intervenções médicas, que, obedecendo aos princípios

bioéticos do respeito pela autonomia do doente, da não maleficência, da

beneficência e da justiça,59 – o que afasta a negligência dos profissionais da saúde

a qual, evidentemente, lhes atribui responsabilidades – estão, entretanto, sujeitas

a não alcançar o resultado pretendido ou até a causar males maiores.60

Portanto, gozar de capacidade desponta como requisito para que o idoso

possa emitir, validamente, o consentimento de uma intervenção nos domínios de

seu corpo ou mente adoentados.61 É necessária sua capacidade para entender a

Não é por demais evidente dizer-se que a informação deve ser bem compreendida pelo paciente. Mais do que informado, ele deve ser esclarecido. Se não entende a linguagem médica, esta deve ser simplificada. Se consegue entendê-la, mas não tem condições de assimilá-la, posto que seu sofrimento é muito maior que a sua capacidade de raciocínio, isso deve ser considerado. O consentimento, em tais casos, não é livre; é eivado de vício: a vulnerabilidade.” 58 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 86: “O paciente também tem o direito de ‘não saber’, isto é, o direito de não ser informado, caso manifeste expressamente essa sua vontade. O profissional de saúde tem que reconhecer claramente quando essa situação ocorre e buscar esclarecer com o paciente as suas conseqüências. O paciente deve ser consultado formalmente se essa é realmente a sua decisão. Após isso, a sua vontade deve ser respeitada. Nessa situação deve ser solicitado que indique uma pessoa de sua confiança para que seja o interlocutor do profissional com a família. O próprio paciente, quando possível, deve comunicar à sua família essas suas decisões.” 59 Consoante BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4 ed. New York, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 120- 394, passim. 60 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 130: “A questão em torno do consentimento informado é, pois, esta: em que consentir o paciente, pois o objeto de seu consentimento é a intervenção médica como tal, com sua tendência diagnóstica, preventiva ou curativa, mas também com seu inevitável risco de danos.” 61 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 344: “A idade não pode ser um aspecto que incide sobre o status personae. A menoridade, a idade madura ou senil que seja, não incide por si só sobre a propensão à titularidade das situações subjetivas. O seu efetivo exercício pode ser limitado ou em parte excluído, a partir não de predeterminadas, abstratas, rígidas e às vezes arbitrárias valorações ligadas às diversas fases da vida, mas sim com base na correlação, valorada atentamente, entre a natureza do interesse no qual se consubstancia a concreta situação e a capacidade de entender e de querer. Deve-se verificar a real capacidade de efetuar e

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condição em que se encontra, sopesar os riscos e benesses potenciais do

tratamento e, a partir disso, deliberar a respeito segundo suas convicções.62 O

conteúdo de capacidade para decidir sobre os domínios do seu corpo,

genericamente considerado, parece ser o mesmo da capacidade de fato, entendida

como a aptidão para usar e exercer, por si mesmo, os direitos na vida civil. 63

Não se olvida de que os idosos relativamente incapazes possam também,

desde que devidamente assistidos, influir de maneira válida nos atos médicos em

si próprios, uma vez que não são totalmente desprovidos de habilidade mental. 64

Mas os idosos absolutamente incapazes não poderão decidir acerca das

intervenções médicas a que serão submetidos, por não possuírem uma vontade

consciente, destarte, dotada de valor jurídico. Esses idosos, bem como outros que,

embora capazes encontrem-se inconscientes, por coma conseqüente de

traumatismo ou por enfermidade, não poderão optar pelo tratamento de saúde que

pôr em ação as escolhas e os comportamentos correlacionados às situações subjetivas interessadas. É fundamental distinguir o idoso auto-suficiente do idoso em condições de debilidade ou deficiência.” [Traduziu-se livremente do italiano] 62 HIGHTON, Elena I. e WIERRZBA, Sandra M. La relación médico-paciente: el consentimiento informado. 2 ed. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2003, p. 104. 63 Conforme lições de PEREIRA. Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil. Vol 1. 20 ed. Atualizado por: BODIN DE MORAES, Maria Celina. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 279: “A senilidade, por si só, não é causa de restrição da capacidade de fato, porque não se deve considerar equivalente a um estado psicopático, por maior que seja a longevidade. Dar-se-á a interdição se a senectude vier a gerar um estado patológico, como a arteriosclerose ou a doença de alzheimer, de que resulte o prejuízo das faculdades mentais. Em tal caso, a incapacidade será o resultado do estado psíquico e não da velhice.” Em sentido contrário, RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. O dever de informar dos médicos e o consentimento informado. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90: “Dessa forma, embora possam ter relevantes pontos de interseção, o fato é que os dois conceitos não se confundem. A capacidade legal de praticar atos jurídicos não se relaciona com a competência para tomar decisões médicas. Ao paciente devem ser concedidas todas as oportunidades possíveis de tomar decisões médicas a seu próprio respeito. Aliás, se deve inclusive preservar o direito de os pacientes incompetentes receberem informação sobre a sua condição médica e opções, o que os possibilita influir, na medida do possível, em eventuais decisões quanto a alternativas de tratamento.” Ao que se responde em desacordo e com base nas lições de ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 148, nota 44: “Com certa freqüência se observa na literatura sobre estas matérias a utilização dos termos ‘competente’ e ‘incompetente’, para se referir à pessoa que tem ou não capacidade para prestar seu consentimento. Trata-se de expressões de origem anglo-saxônica, no geral importadas por não juristas, ao fazer a tradução literal das palavras ‘competent’ e ‘incompetent’”. 64 PEREIRA. Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, p. 282: “Os relativamente incapazes não são privados de ingerência ou participação na vida jurídica. Ao contrário, o exercício de seus direitos se realiza com a sua presença. Mas atendendo ao ordenamento jurídico a que lhes faltam qualidades que lhes permitam liberdade de ação para procederem com completa autonomia, exige sejam eles assistidos por quem o direito positivo encarrega desse ofício.”

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julgarem mais favorável, devendo a decisão ser tomada por terceiros, na forma do

parágrafo único do art. 17, do Estatuto do Idoso: “Não estando o idoso em

condições de proceder à opção, esta será feita: I – pelo curador, quando o idoso

for interditado; II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não

puder ser contactado em tempo hábil; [...]”

A prelação pelo curador seguida dos familiares na falta do primeiro

contém dotação de sentido. O que a Lei visa com essa hierarquia de outros

sujeitos quando o idoso não possa manifestar sua vontade, é que consinta a pessoa

que dele for mais próxima em afinidade, que conheça seus desejos anteriormente

expressados e seus valores pessoais, logo, que se manifeste do modo mais

próximo ao que manifestaria o idoso se gozasse de capacidade para tanto.65

De todo modo, cabendo ao idoso, ou, em caso de incapacidade, ao seu

curador ou aos seus familiares decidir acerca do mais favorável tratamento de

saúde dentre os propostos, faz-se imprescindível para um consentimento válido a

informação muito bem prestada. Ela deve ser adequada em termos de qualidade e

quantidade, ou seja, relevante para o consentimento livre e esclarecido do paciente

ou de terceiros que, por ele, tenham que decidir.

Devem constar da informação: elementos característicos ou o caráter da

intervenção, objetivos pretendidos por meio dela, riscos provenientes dela,

implicações adjacentes que com certeza vão ocorrer, conseqüências colaterais

presumíveis ou possíveis, efeitos que serão acarretados no modo de vida do idoso,

alternativas de tratamento, entre outros que a identifiquem com a mais absoluta

clareza, como um vocabulário usado pelos médicos apropriado para o nível

intelectual e cultural de quem vai emitir o consentimento. Mais: a informação não

65 Refere-se a essa hipótese com muita propriedade, SERTÃ, Roberto Lima Charnaux. A distanásia e a dignidade do paciente. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 125: “Já no atual Código, há expressa referência ao ‘descendente que se demonstrar mais apto’( parágrafo 1º do artigo 1775), o que consiste em cláusula aberta, de interpretação subjetiva, a permitir que venha atuar como representante legítimo dos interesses do incapaz, o seu descendente que se revele mais preparado, sereno e responsável para tão delicada missão, independente do seu lugar na ordem de idade entre seus irmãos.[...] Destarte, sobretudo nas últimas etapas da vida do pai ou da mãe, o filho que estiver mais presente no cotidiano deles, sempre disposto a lhes prover amparo e tomar a frente nas decisões mais difíceis, este sim, será o mais indicado para desempenhar o mister de curador. De notar-se que, em qualquer hipótese o Código irá, como alternativa final, deferir ao Judiciário o poder de decidir a quem entregar a curatela do enfermo incapaz. [...]Situações haverá em que, por exemplo, um neto dedicado, que tenha sido criado pelo avô, e dele nunca tenha se afastado, será muito mais habilitado a gerir seus interesses do que um filho que há anos resida em local distante, e não se envolva em assuntos familiares.” [grifou-se]

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deve pecar por insuficiência ou por exagero, além de dever ser contínua em

determinadas circunstâncias.

Se a informação é insuficiente, retirará do consentimento a natureza livre e

esclarecida que o caracteriza. Se for exagerada, pode levar a temores excessivos

sobre hipóteses remotas e macular a saúde psíquica do doente idoso.66 É

obrigação do médico proceder à avaliação entre o que resulta insuficiente ou

exagerado sopesando os princípios bioéticos do respeito pela autonomia do

doente, da não maleficência, da beneficência, da justiça67, e, na hipótese de

paciente idoso, considerar, inclusive, sua ampla vulnerabilidade nos casos em que

julgar difícil em que medida informar.

Já a continuidade da informação diz respeito às ações terapêuticas que não

se esgotam em apenas um ato e cuja peculiaridade só se revela posteriormente ao

início da assistência médica. Assim, paulatinamente, o médico informa e obtém

ulteriores consentimentos na medida em que avança com o tratamento.68

Preferivelmente, a informação deve ser transmitida tanto verbalmente, com 66 Como bem adverte STANCIOLI, Brunello Souza. Relação jurídica médico-paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 65 e 66: “Não se deve prescindir do dever de falar a verdade ou, no mínimo, calar a verdade, desde que não com o intuito de ludibriar. O médico pode, por exemplo, recusar-se a fornecer determinadas nuances da informação, desde que não induza o paciente a crença de que diz toda a verdade (uma omissão dolosa). Em qualquer hipótese, no entanto, não é permitido às partes faltar à verdade.” 67 Nesse diapasão, são elucidativas as lições acerca de tais princípios feitas por BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do biodireito. In: Novos Temas de Biodireito e Bioética. Organizadores: BARBOZA, Heloisa Helena, DE MEIRELLES, Jussara Maria Leal e BARRETTO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 55: “O estabelecimento dos mencionados princípios da bioética decorreu da criação pelo Congresso dos Estados Unidos de uma Comissão Nacional encarregada de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar a investigação em seres humanos pela s ciências do comportamento e pela biomedicina. Iniciados os trabalhos em 1974, quatro anos após publicou a referida Comissão o chamado Informe Belmont, contendo três princípios: a) o da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais; b) o da beneficência que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos; c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira diferente de outra, salvo haja entre ambas uma diferença relevante. A esses três princípios Tom L. Beauchamp e James F. Childress acrescentaram outro, em obra publicada em 1979: o princípio da ‘não maleficência’, segundo o qual não se deve causar mal a outro e se diferencia assim do princípio da beneficência que envolve ações de tipo positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem, mas se trata de um bem de um contínuo, de modo que não há uma separação significante entre um e outro princípio.” [Grifou-se] Para uma análise pormenorizada de tais princípios, veja-se, por todos, BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4 ed. New York, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 120- 394. 68 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 155-157.

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vocábulos compreensíveis para os idosos, quanto por escrito, com um tamanho de

letra ajustado à sua capacidade de leitura. “Um documento elaborado com

vocabulário inadequado, estrutura de texto de difícil compreensão e tamanho de

letra pequeno pode, por si, gerar um constrangimento pela sua dificuldade de

acesso e entendimento.” 69

A tomada de decisão pelo idoso enfermo, ou por terceiros por ele

responsáveis, deve dotar-se de voluntariedade. Por isso, o consentimento ou o não

consentimento devem ocorrer livres de qualquer forma de coação, persuasão forte

ou constrangimentos.70 Aqui, aborda-se o não consentimento como rejeição à

intervenção médica, logo, como manifestação da vontade do paciente que não

deseja se submeter ao tratamento proposto, seja diagnóstico, preventivo ou

curativo. Ainda assim, cabe ao médico sugerir outros tipos de terapêutica ou

mesmo paliativos para a situação patológica que acomete o idoso. Veja-se bem: a

Lei dá ao idoso “o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado

mais favorável”, considerando que, diante de doenças terminais, ele possa optar

por tratamentos meramente paliativos, que não posterguem sua vida de maneira

fútil. Mas não se cogita em deixá-lo, se doente, sem qualquer tipo de tratamento

que o alivie das dores e dos mal estares. O Código Civil brasileiro afirma, em seu

art. 15, que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a

tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. Nesse caso, note-se que há rejeição

à intervenção médica em favor da vida.

Observe-se que na Espanha será pertinente a alta voluntária “quando já

não se tenha sentido a permanência do paciente no centro sanitário ou sua visita

ao mesmo, ou seja, quando já não esteja à disposição do pessoal sanitário medida

alguma em favor da saúde do paciente, além daquela que foi rejeitada por ele.”71

Acrescenta-se que lá, o paciente com capacidade pode prescindir de tratamentos

vitais.72 Na Inglaterra, inclusive, ao juiz foi concedido o poder de consentir em

69 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento, p. 89 70 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento, p. 89. 71 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 170. 72 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 169.

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favor do suicídio assistido, enquanto no Brasil esta prática configuraria crime,

tipificado no art. 122 do Código Penal.73

Nesse particular há importantes posições doutrinárias, tanto no âmbito da

medicina quanto no do direito, a favor de não delongar a agonia de um idoso em

estado terminal, submetendo-o a um depauperamento vagaroso, conseguido por

meio da tecnologia e dos avanços da ciência médica, ou seja, pelo mecanismo da

distanásia. Em prol da dignidade humana, valor máximo do ordenamento jurídico

pátrio, parecem acertados os argumentos contra esse prolongamento artificial da

vida, que pode gerar aflição e amargura a um ser humano que já existiu

suficientemente para alcançar a velhice, fase final de sua trajetória na qual,

inevitavelmente, encontrar-se-á com a finitude.

Então, o que deve ser feito se é sabido que o ancião prefere morrer em sua

casa ao invés de no hospital, quando também se sabe que em casa ele morrerá

mais depressa? “Talvez não seja supérfluo dizer que o cuidado com as pessoas

fica muito defasado em relação ao cuidado com seus órgãos.”74 “Assim, como

regra geral, para uma intervenção que prolonga a existência ser considerada

adequada, ela não pode piorar a qualidade de vida”75 do idoso.

Os avanços tecnológicos de hoje devem servir sempre para estancar a dor

do idoso defronte à morte. Após a certeza de doença incurável parece correto que

a qualidade de vida prepondere em face da sua quantidade e há meios de

proporcionar esse tipo de auxílio à pessoa idosa enquanto ela subsistir.76 Nesse

73 Relata DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução de: CAMARGO, Jefferson Luiz. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 259, que: “Nancy B., de vinte e cinco anos sofria de uma doença rara neurológica chamada síndrome de Guillain-Barre que a deixava paralisada do pescoço para baixo, e pediu ao juiz que autorizasse o médico a desligar o aparelho de respiração artificial que a mantinha viva. O médico lhe disse que ligada a esse aparelho, poderia continuar viva por muitos anos ainda, mas ela preferia morrer. ‘As únicas coisas que restam na vida são assistir à televisão e ficar olhando as paredes. Para mim, chega. Já estou ligada ao respirador há dois anos e meio, e acho que fiz a minha parte’. O juiz disse que ficaria muito feliz se Nancy mudasse de opinião, mas que a compreendia e concordaria com seu pedido. O respirador foi desligado e Nancy B. morreu em fevereiro de 1992.” 74 Essa ponderação é feita por ELIAS, Norbert em Envelhecer e morrer, p. 103. 75 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 83. 76 BURLÁ. Claudia. Envelhecimento e cuidados ao fim da vida. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 377: “Os

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propósito, entram em cena os analgésicos, antiinflamatórios, antieméticos,

psicofármacos, antibióticos, anti-secretores, protetores de mucosa gástrica e

laxativos para que sejam desenvolvidos cuidados paliativos, tendo em vista que o

sofrimento não faz, essencialmente, parte do processo de morrer.77

Apesar de a distanásia possuir defensores e opositores, conjectura-se que

no Brasil ela tem angariado mais oponências do que aplausos.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, atendendo à

consulta da Dra. C. S. R. – cujo conteúdo tratava de que atitude tomar como

médica em face de paciente de 78 anos de idade, com neoplasia maligna

metastática sem resposta ao tratamento habitual, após autorização dos familiares

para não intubar, em franca evolução para insuficiência respiratória – emitiu o

seguinte parecer:

“Anexamos à presente Consulta manifestações deste Conselheiro e outros (bioeticistas ou juristas), favoráveis ao não prolongamento da vida por ‘meios heróicos’ em pacientes terminais, mormente se for a pedido do próprio paciente ou da família. Há inclusive, Resolução recente da Comissão de Bioética do HC-FMUSP, que poderá ser solicitada e juntada. Já se vai consagrando entre nós o princípio da autonomia. Já não tem mais a mesma força, nos dias atuais, a suposta imposição hipocrática de se preservar SEMPRE a vida, a qualquer custo. Do próprio Vaticano emanaram considerações no sentido de se permitir, aos pacientes terminais, uma morte digna, com o mínimo de sofrimento para eles e para os seus familiares. Assim sendo, a situação descrita pela consulente se enquadra claramente nos casos em que o médico, intervindo sobre o paciente, no mais das vezes à revelia ou até mesmo contra a vontade dele e de seus familiares, passa a assumir mais a postura de torturador do que a de médico. Está claro que, na suspensão do tratamento, toda documentação comprovante da vontade do paciente, e de seus familiares, bem como do estágio terminal da doença, deverá ser anexada ou inscrita no prontuário, para fins de possível futura defesa do médico diante de virtual acusação de omissão ”78

cuidados paliativos têm início quando do diagnóstico de uma doença incurável. Mesmo na fase aguda do tratamento, medidas paliativas devem ser tomadas para aliviar qualquer sintoma que cause desconforto ao paciente, paralelamente a tratamentos como tentativa de cura. Mas, à medida que a doença evolui e a cura não é mais possível para aquele paciente, os cuidados paliativos passam a ser a modalidade terapêutica mais adequada. A estratégia do tratamento, então, muda para uma abordagem que visa ao alívio dos sintomas e não mais à cura, pela impossibilidade de isso ocorrer.” 77 BURLÁ. Claudia. Envelhecimento e cuidados ao fim da vida, p. 378-392. 78 CREMESP- Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer nº 37267. Data de Emissão: 1999. Ementa: Médica que recebe autorização de familiares para não intubar paciente de 78 anos com neoplasia maligna metastática sem resposta ao tratamento habitual. Em: http://www.cremesp.org.br, consultado em 15. 11.2007.

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Esclareça-se que, se o paciente idoso preferir a distanásia, é direito seu ter

acesso a ela, pois há idosos que preferem uma morte lenta, com sofrimento, desde

que conservado um bocado a mais de sua existência. O ideal é que a pessoa idosa

adoecida possua capacidade para optar pelo que melhor lhe convenha e de fazer

escolhas sobre o que diga respeito ao que resta de sua vida.

Tem-se como exemplo o caso da idosa de setenta e seis anos que, após

uma cirurgia cardíaca não mais pôde se retirar da unidade de terapia intensiva

embora sofresse uma crise após a outra. Ela desejava, sempre que se fizesse

necessário, submeter-se ao processo de “ressuscitação” e sua vontade foi

salvaguardada mesmo quando passou por uma parada cardíaca usando um

respirador artificial. Na ocasião, a filha não permitiu que deixassem de ressuscitá-

la, argumentando que sua família tinha o costume de ‘lutar até o fim’ como em

casos antecedentes que envolveram a vida do marido e da tia da idosa, reforçando

sua posição, em consonância com os valores da mãe, ao aduzir: ‘Até nosso gato

recebeu transfusões de sangue quando estava agonizante.’79

Porém, há exceções ao direito do idoso de prestar consentimento.

A supremacia dos interesses coletivos exsurge como uma delas, em certas

ocasiões em que o aspecto coletivo deve prevalecer em face do interesse

individual. No ambiente médico-sanitário é comum que se controle uma

enfermidade transmissível a outras pessoas como em circunstâncias de epidemia

ou de doenças infecto contagiosas. Tratam-se de situações nas quais a autonomia

do idoso para o consentimento informado pode restringir-se por medidas

limitativas, tendo em vista o bem estar e a saúde públicos. Até mesmo sua

liberdade de ir e vir poderá ser cerceada. Faculta-se inclusive ao Poder Público,

impor a tais idosos portadores de agentes patogênicos, vacinação compulsória e

proibição de entrada em determinados espaços.80

79 Exemplo extraído da obra de DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais, p. 263. 80 Consoante ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 165.

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Situações de emergência vital previstas também pelo parágrafo único do

art. 17 do Estatuto do Idoso fazem com que o médico decida por ele na falta de

tutor ou de familiares.81

Mas só em casos limite, onde a vida do idoso esteja em xeque, é permitido

que o médico prescinda do consentimento informado para praticar intervenções,

invertendo, pois, o costume seguido num passado próximo que lhe entregava o

poder de decisão acerca do tratamento mais satisfatório para o enfermo.82 Trata-se

do consentimento presumido, que possui como base jurídica o estado de

necessidade do paciente e a impossibilidade, sob risco de vida, de primeiramente

consultar pessoas do entorno do idoso, como o possível curador e familiares.83

Por todo o exposto, afirma-se que o consentimento informado do idoso é

instrumento de autodeterminação em questões relativas à sua saúde. No mesmo

sentido, ousa-se dizer que a autonomia, não só para o consentimento informado,

mas para qualquer escolha de como viver os anos de velhice, manifesta condição

de saúde da pessoa idosa.

Já se reconheceu que o aumento da idade amplia as possibilidades de

episódios de doenças e de danos à funcionalidade psicofísica e social. Contudo, se

81 Art. 17 do Estatuto do Idoso: “Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita: [...] III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para a consulta a curador ou familiar; IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.” 82 Conforme esclarece BARBOZA, Heloisa Helena. A autonomia da vontade e a relação médico-paciente no Brasil. In: Separata de Lex Medicinae. Revista Portuguesa de Direito da Saúde. Coimbra: Coimbra Editora e Centro de Direito Biomédico. Julho/ 2004, p. 7: “Desde os tempos de Hipócrates até os nossos dias, busca-se o bem do paciente, ou seja, aquilo que, do ponto de vista da medicina, se considerava benéfico para o paciente, sem que esse em nada intervenha na decisão. Esse tipo de relação, apropriadamente denominada paternalista, atribui ao médico o poder de decisão sobre o que é melhor para o paciente. Similar à relação dos pais para com os filhos, foi durante longo tempo considerada a relação ética ideal, a despeito de negar ao enfermo sua capacidade de decisão como pessoa adulta. O médico tomava todas as decisões sem o paciente, a quem se dirigia para comentar o tratamento com vista a assegurar o seu cumprimento ‘Um bom paciente era o que seguia o tratamento e um mau paciente o que não o seguia’ A relação de assistência – compreendendo-se como tal: diagnóstico, exames, tratamento, enfim toda gama de cuidado com as pessoas que têm algum problema de saúde, de natureza paternalista – defendida por alguns até o presente, manteve-se durante milênios ‘tendo como alicerce a perpetuação de três crenças’: a obrigação de reverência aos médicos, seres dotados de um poder sobrenatural de curar; a fé nos doutores; a obediência ao médico, já que ‘quem sabe mais, pode mais.’ ” 83 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p.166-168.

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o ser humano envelhece com autonomia e independência, continuando ativo no

exercício de seus papéis sociais e, na intimidade, prevalece dono de si mesmo, a

gozar de um juízo de significado pessoal, mesmo que acometido por um ou outro

agravo, pode-se afirmar que ele é saudável, pois autonomia também é sinônimo de

saúde.

2.3 A Saúde Como Direito Social Prioritário da Pessoa Idosa

A Constituição da OMS (Organização Mundial de Saúde), agência

internacional pertencente ao grupo de agências da ONU (Organização das Nações

Unidas), define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e

social e não apenas a ausência de afecção ou doença.”

Com esse significado a saúde recebe o tratamento mais abrangente

possível: uma pessoa que não contenha qualquer doença ainda não possui saúde se

não tiver um completo, quer dizer, um conteúdo concluído de bem estar não só

físico e mental, mas também social. Realmente, o teor abrangido pela definição de

saúde da OMS serviria também para conceituar felicidade: um estado de completo

bem-estar físico, mental e social.

Não se pretende com essa primeira asserção criticar o critério adotado pela

OMS para aferir saúde. Entende-se que dificilmente poderia ser elaborado algo

melhor, que o ser humano merece o estabelecido e que esse estado ideal de coisas

deve ser constantemente buscado, pois restringi-lo poderia ocasionar um

retrocesso social.

Paralelamente, a OMS define qualidade de vida como: “a percepção do

indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores nos

quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e

preocupações.” Aqui, o conteúdo apresentado toca na subjetividade de cada um,

pois depende da percepção, ou seja, do que possa se aperceber, no sentido de

sentir, acerca de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores

nos quais se vive e também o seu sentimento (subjetivo) em relação aos seus

objetivos, expectativas, padrões e preocupações. De tal modo, mesmo que a vida

de alguém pareça qualitativamente maravilhosa aos olhos dos outros, ela não será

se esse alguém assim não a experimentar.

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Ambas as definições são importantes para se construir uma acepção de

saúde para a pessoa idosa, sem se esquecer que o envelhecimento acarreta “trocas

anatômicas e funcionais não produzidas por doenças” e que se diferem entre os

indivíduos, mas que fazem parte de “um processo biológico intrínseco, declinante

e universal, no qual se podem reconhecer marcas físicas e fisiológicas

inerentes.”84 Por isso, torna-se difícil implementar a medicina tradicional curativa

para os idosos. Na terceira idade alterações anatômicas, funcionais e doenças

crônico-degenerativas apresentam-se irreversíveis, embora possam ser controladas

pela medicina geriátrica. O grande problema enfrentado é o não controle dessas

afecções, que gera sintomas desagradáveis, seqüelas e complicações. “Estas serão

responsáveis por deterioração rápida da capacidade funcional, surgindo

incapacidade, dependência, perda de autonomia, necessidade de cuidados de longa

duração e institucionalização.”85

Logo, proclamar saúde como um estado de completo bem-estar físico,

mental e social, além da ausência de afecção ou doença para os anciões em sua

generalidade parece utópico, tendo em vista que não é comum envelhecer sem

passar pelo mencionado processo biológico próprio do envelhecimento que,

certamente, compromete a saúde percebida nos termos da OMS.86

Todavia, não se proclama que a saúde na terceira idade tal como prevista

pela OMS – um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas

a ausência de afecção ou doença – seja inalcançável. Há de se levar em conta a

existência de idosos com propensão genética acima do normal, capazes de

usufruir o previsto na Constituição Internacional de Saúde, e, nesses casos, a

Medicina e o Direito devem assegurar a manutenção dessa saúde. Adverte-se,

porém, que tais casos constituem raridades. Importante asseverar que não se quer

84 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 609. 85 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 81. 86 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 74 e 75.

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dar menos saúde à pessoa idosa se ela possui capacidade para usufruir o máximo,

mas ser realista e dar todo o possível dentro das limitações do ser encanecido.

Por outro lado, não se apregoa que velhice seja sinônimo de não saúde. A

geriatria, no estágio em que se encontra, focaliza “a preservação e/ou a

recuperação fun cional” por meio de “uma abordagem diagnóstica multifacetada

dos problemas físicos, psicológicos e funcionais”, do idoso.87 Aliás, considera-se

possível gozar de uma velhice bem sucedida preservando a saúde física e psíquica

até a idade mais adiantada, observada como situação de bem estar pessoal,

familiar e social, tendo em vista que o envelhecer, na concepção dos cientistas e

mesmo dos leigos, “não implica, necessariamente, doença e afastamento, e de que

o idoso tem potencial para mudança e reservas de desenvolvimento

inexploradas.”88

Nesse sentido, parece mais próximo das condições inerentes do idoso, o

ideário de qualidade de vida acima esboçado, tendo em vista que ele também se

relaciona com a vida saudável, numa perspectiva mais condizente com o self da

pessoa idosa.89

Afirma-se que pessoas bastante idosas possuem condições de auferir uma

vida saudável, apesar das limitações referidas, no caso de se conceber saúde como

capacidade funcional.90 Por conseguinte, “embora a grande maioria dos idosos

seja portadora de, pelo menos, uma doença crônica, nem todos ficam limitados

87 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 617. 88 FREIRE, Sueli Aparecida. A personalidade e o self na velhice: continuidade e mudança. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 929. 89 Refere-se ao self , FREIRE, Sueli Aparecida. A personalidade e o self na velhice: continuidade e mudança, In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 929 elucidando que se trata de: “Termo que se refere a Eu, Eu-mesmo, Si-mesmo. Será mantida a palavra em inglês e em itálico porque esse uso é corrente na literatura em várias línguas.” E na p. 930, explica que: “Na literatura sociológica e psicológica, o self é definido como um conjunto de estruturas de autoconhecimento que representam o que um indivíduo pensa de si mesmo e quanto gasta de energia e de cuidados consigo próprio. Constitui o âmago do autoconceito, a consciência de que o indivíduo tem de sua contínua identidade e de sua relação com o ambiente, ou do que vê como essencial sobre si mesmo. Desenvolve-se gradualmente, depende da interação do indivíduo com os outros e tem funções reguladoras sobre a personalidade.” 90 Nesse sentido também se manifesta BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 117.

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por essas doenças, e muitos levam uma vida perfeitamente normal com suas

doenças controladas e expressa satisfação na vida.”91

Jungida à idéia de saúde como capacidade funcional, compreende-se

também que gozar de saúde relaciona-se a possuir qualidade de vida, na acepção

da OMS. Trabalhando especificamente com o idoso “a qualidade de vida na

velhice pode ser definida como a avaliação multidimensional referenciada a

critérios sócio-normativos e intrapessoais, a respeito das relações atuais, passadas

e prospectivas entre o indivíduo maduro ou idoso e o seu ambiente.”92

Outro fator que avalia a qualidade de vida do idoso é a medida de sua

autonomia. 93 A autonomia apresenta-se como a habilidade de definir e realizar

seus próprios intentos, portanto, não envolve saber se o idoso é, independente do

quão avantajada seja sua idade, hipertenso, diabético, cardíaco ou se medica com

antidepressivos. Caso ele mantenha a aptidão para conduzir sua vida e decidir

como e, em que circunstâncias, se dedicará ao trabalho em qualquer modalidade,

ao lazer, ao cuidado consigo e aos relacionamentos e atividades sociais, apesar

dos agravos apontados, seguramente será avaliado como uma pessoa saudável.94

O envelhecimento bem sucedido, ou seja, saudável, é o somatório da

capacidade funcional aliada à qualidade de vida e à autonomia da pessoa idosa.

No entanto, faz-se imperioso ressaltar que a perda delas são conjecturas muito

91 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 74. 92 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 81. 93 LEMOS, Naira e MEDEIROS, Sônia Lima. Suporte social ao idoso dependente. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 893: “Na velhice, a manutenção da autonomia e da independência estão intimamente ligadas à qualidade de vida. A autonomia e a independência, entre os idosos, são ótimos indicadores de saúde. Uma das formas de se qualificar a qualidade de vida de um idoso é avaliando-se o grau de autonomia que possui e o grau de independência com que desempenha as funções do dia-a-dia, sempre levando o contexto sociocultural em que vive. Isto porque é este que vai lhe oferecer oportunidades ou restrições para o exercício total ou parcial da independência e da autonomia. Contextos aceitadores e respeitadores dos direitos de todos os cidadãos, e que, por isso, ofereçam compensações e ajudas a cada um segundo a sua singularidade, têm maior capacidade para garantir a autonomia e a independência de seus membros, entre eles os idosos.” 94 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 75.

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comuns na velhice, pois, nessa altura da vida, corriqueiramente, ocorrem

modificações funcionais as quais, não controladas, retiram dos anciãos a saúde.

Na velhice as situações mórbidas estão adjacentes, desencadeando-se com

mais facilidade do que nas pessoas jovens, pois a capacidade de reserva e de

defesa do idoso também se tornam menores. O envelhecimento proporciona a

diminuição da disposição para se adaptar, de tal maneira que o indivíduo fica

muito mais vulnerável aos processos traumáticos, infecciosos e psicológicos.

Do mesmo modo, é habitual que a pressão arterial, o débito cardíaco, o

equilíbrio hidroeletrolítico e o fluxo sanguíneo encontrem-se debilitados na

terceira idade.95 No aparelho locomotor observa-se alteração na marcha,

diferenciada dos mais jovens por desenvolver-se a passos curtos, mais lentos ou

mesmo por pés que se arrastam; os movimentos dos braços perdem a amplidão

situando-se mais junto ao corpo. Na visão podem surgir as cataratas, degeneração

macular, glaucoma e retinopatia diabética, além do decrescimento da habilidade

visual por vários outros fatores decorrentes do envelhecimento. No aparelho

auditivo há perda da acuidade às vezes acompanhada por estados vertiginosos e

zumbidos.96 Acrescente-se que as demências e depressões são relativamente

freqüentes na maior idade.97

Enquanto na infância mais adiantada, na juventude e mesmo na idade

adulta não próxima à velhice esses agravos são raros e, quando existentes,

constituem desafios para a medicina e a ciência – uma vez que pés que se arrastam

para conseguir se movimentar, ou demências degenerativas não são próprios da

juventude – na velhice esses transtornos são muitíssimo comuns.

Quando se é jovem apenas se usufrui da saúde sem sequer percebê-la,

porque seu oposto, a doença – e não se refere a resfriados – inexiste usualmente.

Jovens e idosos habitam mundos diferentes. Enquanto gozar de saúde na

juventude é algo natural e as enfermidades consistem exceções à regra,

95 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 611. 96 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 611. 97 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 75.

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permanecer saudável na velhice significa triunfar num entorno de adversidades

que envolvem o ser envelhecido.

Mas, de início, já se proclama que essas adversidades precisam ser

controladas para que o idoso aufira o máximo de saúde de acordo com suas

possibilidades intrínsecas.

Nesse contexto, pergunta-se:

- Quem envelheceu?

Quem envelheceu é um ser humano que já passou pela infância e

adolescência, experimentou a juventude e a idade adulta, que possui sentimentos

de alegria e tristeza, recordações boas e ruins, ambições de múltiplas facetas. E ele

os tem porque está vivo!

Por isso, ao tratar dos direitos fundamentais do idoso seu Estatuto elegeu,

como o primeiro deles, o direito à vida jungido à saúde e à dignidade, na forma do

art. 9º: “É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à

saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um

envelhecimento saudável e em condições de dignidade.”

É importante ressaltar o conteúdo normativo do artigo em comento, pois

ele agrega à vida saudável àquela que se dá em condições de dignidade. De nada

adianta ao idoso estar vivo se não goza de bem-estar físico, psíquico e social, pois,

sem esses predicados, não há que falar em vida nas condições de dignidade a que

toda pessoa humana tem direito.

A partir do caráter normativo do princípio da dignidade humana, todas as

pessoas fazem jus a viver dignamente, gozando de saúde, em qualquer etapa de

sua existência. Como os idosos são propensos às enfermidades imanentes da

terceira idade, sua saúde, quando em bom estado, deve ser preservada a todo custo

e, quando deficitária, precisa ser reabilitada com primazia, pois a queda na saúde

de um idoso pode significar a perda da vida em dignidade.

Compreende-se que a existência digna dos anciãos também se compõe

pelo acesso à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e ao

trabalho.98 Mas sem saúde não há como desfrutar desses e de outros direitos

98 Anote-se, segundo informações trazidas ao conhecimento por BARBOZA, Heloisa Helena. A ética na saúde. In: Saúde e Previdência Social: desafios para a gestão do próximo milênio. Organizadores: BAYMA, Fátima e KASZNAR, Istvan. São Paulo: Makron Books, 2001, p. 177, que a conceituação de saúde concebida pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 é: “A saúde é a resultante das condições de Alimentação, Habitação, Educação, Renda, Meio

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tratados com especial atenção às demandas dos idosos na Lei que

infraconstitucionalmente os tutela. Resta evidente que, sem o ânimo que só um

bom estado de saúde torna possível, não há espaço para a dose de esforço

necessária à dedicação aos estudos, à profissionalização e ao trabalho. Inclusive,

se em condições deficitárias de saúde o entusiasmo do ancião é usurpado, retiram-

se dele, por conseguinte, as condições de se dedicar às atividades culturais, ao

esporte e ao lazer.

Portanto, conclui-se, pela freqüência e rapidez em que na terceira idade a

saúde se esvai, tornando o idoso mais suscetível aos agravos psicofísicos e ao

alijamento social que colocam em xeque uma vida saudável, sem a qual não há

uma existência envolta pela dignidade, que assegurar o direito à saúde, nessa

etapa da vida, constitui prioridade para a pessoa idosa. Além disso, dentre os

direitos fundamentais de segunda geração agasalhados pela Constituição da

República, quais sejam, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a

assistência aos desamparados, ou seja, dentre aqueles direitos que, para se realizar,

necessitam de condutas ativas do Estado ou dos particulares – no caso brasileiro,

sempre com a anuência e a fiscalização estatal – a saúde exsurge como direito

prioritário da pessoa idosa, pois ela é pré-requisito para que os idosos tenham

acesso ao trabalho, à educação, à cultura, ao lazer, ao exercício dos direitos civis e

políticos, em condições de liberdade e dignidade.

Acrescente-se que para os idosos poderem usufruir de seu direito à saúde

são necessárias, concomitantemente, certas condições para a vida em dignidade

dadas pelos direitos fundamentais sociais da aposentadoria ou da assistência aos

desamparados e da moradia. Observe-se que os direitos à saúde, à previdência e à

assistência social, aliados e assegurados, compõem as metas da seguridade social

no Brasil, consoante art. 194 da Constituição da República que apregoa: “A

seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos à saúde, à

previdência e à assistência social.”

Destarte, juntamente com o direito à saúde, são direitos prioritários da

pessoa idosa os direitos à aposentadoria ou à assistência e à moradia, posto que

Ambiente, Trabalho, Transporte, Lazer, Liberdade, Acesso a Posse de Terra e Acesso a Serviços de Saúde.”

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relacionados às condições mais elementares de vida na terceira idade e por se

afigurarem como pressuposto para que sejam exercitados outros direitos.

Elegeu-se, entretanto, como objeto da presente investigação, o direito à

saúde, exatamente pelo fato de a qualidade de saúde da pessoa estar em

decrescência quanto mais ela se torna idosa. Trata-se de um desafio não só para a

medicina, mas também para o direito, que carrega os instrumentos para que o

cuidado médico seja implementado, a garantia da saúde das pessoas que se

encontram na terceira idade. Ademais, como já colocado, ao lado da previdência

ou da assistência e da moradia, a saúde compõe a tríade básica, anterior e

essencial para que haja vida em dignidade nas idades longevas e para que direitos

posteriores tenham condições de se exercer, razão de se elevá-la à categoria de

direito social prioritário da pessoa idosa.

Por essas razões, somente a saúde como direito prioritário da pessoa idosa

será analisado nesse trabalho, afinal, tanto o estudo da Previdência Social quanto

da Assistência Social como do direito à moradia dos idosos daria ensejo a outras

Teses.

Mas optou-se por fazer, de maneira panorâmica, alguns comentários ao

direito aos alimentos, previstos nos artigos 11 a 14 do Estatuto do Idoso, de íntima

relação com os direitos constitucionais da aposentadoria e da assistência aos

desamparados e ao direito à habitação, também previsto no Estatuto nos artigos 37

e 38, consectário natural do direito constitucional à moradia, todavia, sem a menor

pretensão de esgotá-los. Tratar-se-á dos direitos aos alimentos e à habitação, sem

os quais não há como se conceber condições mínimas para a garantia do direito à

saúde, em pontos específicos destinados aos idosos.

Desse modo, o idoso que tenha condições de viabilizar, por seus próprios

meios, alimentos adequados às suas indigências é o que melhor atende à sua

autonomia. Os alimentos, no sentido lato da palavra, abrangem todas as

necessidades para o gozo de uma vida digna e podem provir do direito à

aposentadoria, do direito à assistência social, do próprio trabalho da pessoa que

ainda se sinta capaz para tanto, de pensão deixada por familiares ou mesmo de

recursos amealhados ao longo da vida.

Há idosos, que além de se abastecerem, fornecem alimentos aos seus

dependentes, funcionando como verdadeiros arrimos de família. Todavia, outros,

sem qualquer fonte de renda, precisam do suporte dela ou do Estado.

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Em princípio, o Estatuto do Idoso dispõe no seu art. 11, que “os alimentos

serão prestados ao idoso na forma da lei civil,” Nesses termos, como alimentos

devem-se entender os propriamente ditos e todo o necessário para a subsistência

do alimentado na vida em sociedade, conforme o disposto no art. 1.920 do Código

Civil que, ao falar do legado de alimentos, acaba por elucidar o sentido desta

palavra que “abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa”99 De acordo com o

art. 1.694, § 1º do Código Civil, “os alimentos devem ser fixados na proporção

das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”

Porém, o Código Civil disciplina em seu art. 1.696 que “o direito à

prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os

ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de

outros”. O artigo em questão adverte claramente que a obrigação alimentar recai

nos parentes mais próximos em grau. A seguir, o art. 1.697 do Código Civil

afirma que, “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,

guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos assim germanos como

unilaterais.” Logo, só na falta de ascendentes é que os descendentes serão

chamados à prestação obrigacional, bem como, só na falta de descendentes a

obrigação recairá sobre os irmãos do alimentado.

Tais estabelecimentos não são acompanhados pelo Estatuto do Idoso que

em seu art. 12 dispõe: “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar

entre os prestadores.”

Há quem sustente a existência de uma antinomia entre os artigos 11 e 12

do Estatuto, na medida em que se consigna, a priori, que os alimentos serão

prestados ao idoso na forma da lei civil, que dispõe de maneira diversa do referido

art. 12 que prevê a solidariedade da obrigação alimentar. 100

99 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 371. 100 Confrontando os artigos 11 e 12 do Estatuto do Idoso com o artigo 1.696 do Código Civil, DE JESUS, Damásio. E. Estatuto do idoso anotado – lei 10.741/2003, aspectos civis e administrativos. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, p. 54, salienta: “Conforme veremos a seguir, o artigo 11 ora em discussão, ao recepcionar o Código Civil, criou uma antinomia aparente, visto que o artigo 1.696 estabelece reciprocidade na obrigação alimentar, enquanto o art. 12 do Estatuto do Idoso fixa solidariedade para os coobrigados e discricionariedade do idoso na opção pelo obrigado. Isso quer dizer que enquanto um filho é obrigado a processar primeiro o seu pai para depois para depois pleitear alimentos de seu avô, ainda que esse último seja milionário, o idoso pode optar por processar seu neto em detrimento de seu filho. A antinomia em questão só pode ser resolvida pela adoção 1.696 do CC...”

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Não se entrevê tal antinomia porque, no que o art. 12 do Estatuto não

excepcionou, vigem as normas civis em relação aos alimentos no que diz respeito

a significarem direito para o alimentado não só à alimentação em si, mas também

ao sustento, à cura, ao vestuário e à casa, na medida do binômio necessidade do

alimentando e possibilidade do alimentante, sem prejuízo de se conceder

judicialmente ao beneficiário do encargo majoração, redução ou até exoneração

no quantum recebido em caso de mudança na situação financeira de quem o supre,

na forma do art. 1699 do Código Civil e de assegurar que, quem fornece alimentos

deverá fazê-lo sem desfalque do necessário ao seu sustento, na dicção do art. 1.

695, também do Código Civil.

O objetivo do art. 12 é que o idoso, cujos meios de subsistência sejam

insuficientes ou mesmo inexistentes para se manter, tenha a opção de acionar o

cônjuge ou o parente melhor abastado, para que obtenha o mais brevemente

possível e com maior certeza, a prestação da qual necessita.101 De tal modo, o

idoso poderá escolher entre seus pais, filhos, netos e irmãos ou cônjuge para a

condição de alimentante, sem justificar por que. Cabe e ao idoso o discernimento

de quem verdadeiramente poderá auxiliá-lo.

Lembre-se que, como a abrigação alimentar prevista pelo Estatuto do

Idoso está regida pela solidariedade, “o devedor que satisfez a dívida por inteiro

tem o direito de exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se

igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no

débito, as partes de todos os co-devedores”, de acordo com o art. 283 do Código

Civil. Dessa forma, o alimentante também resulta beneficiado já que não sofrerá

grave prejuízo em sua fortuna porque, contrariamente ao regime de alimentos do

Código Civil em que não cabe solidariedade, aqui, como no direito das

obrigações, ela está instituída entre pais, filhos, netos, irmãos e cônjuge.

Embora a Lei prefira que a prestação alimentar seja suprida pela família

nos termos dos artigos 11 e 12 já analisados, também a sociedade deverá

contribuir para que não faltem alimentos ao idoso por instrumento da tutela

estatal, quando nem ele nem sua família disponham de recursos para tanto, na 101 Nesse sentido DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p. 123: “O texto legal em tela constitui uma avanço legislativo bastante relevante, pois possibilita ao idoso que proponha a ação somente contra o parente com melhores condições econômico-financeiras, evitando demandas tumultuadas e intermináveis, com vários alimentantes se digladiando ao mesmo tempo, interpondo, cada qual, vários recursos, muitas vezes meramente procrastinatórios, postergando a relevante prestação jurisdicional requerida pelo idoso necessitado.”

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forma do art. 14 do Estatuto: “Se o idoso ou seus familiares não possuírem

condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse

provimento, no âmbito da assistência social.”

A proteção do idoso por intermédio da assistência social tem sede na

Constituição da República, em seu art. 203.102

Não se faz necessária contribuição prévia do idoso para gozar do benefício

da assistência, como ocorre no regime da previdência. Ambas são espécies do

gênero seguridade social, mas, para se alcançar os benefícios da previdência é

forçosa a contribuição prévia do beneficiário, enquanto para se conseguir a

benesse assistenciária, o único requisito exigido é a carência comprovada do idoso

e de sua família em termos econômico-financeiros, conforme disposto na Lei.

Antes da entrada em vigor do Estatuto, a Lei nº 8.742 de 1993, conhecida

como Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), dispunha sobre o assunto

previsto constitucionalmente, limitando em sessenta e sete anos a idade para que

se pudesse usufruir do benefício assistenciário, na forma de seu art. 20.

Mas, como advento do Estatuto, Lei cronologicamente mais nova e

especialíssima na tutela do idoso, essa passou a vigorar diminuindo a idade para o

gozo do aditamento a partir dos sessenta e cinco anos de idade, segundo seu art.

34.103

Embora tal previsão beneficie o idoso, não parece ainda ideal. Se seu

Estatuto destina-se a regular as direitos assegurados às pessoas com idade igual ou

maior que 60 (sessenta) anos, por critérios científicos acerca do envelhecimento

que considera idosas pessoas de 60 (sessenta) anos ou mais nos países em

desenvolvimento como o Brasil, não deveria haver, dentro do próprio Estatuto, a

fixação de outras faixas etárias para a aferição dos direitos da pessoa idosa, ainda

102 Art. 203 da Constituição da República: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; [...] V – garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” [Grifou-se] 103 Art. 34 do Estatuto do Idoso: “Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica de Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capta a que se refere a Loas.”

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mais quando se trata de pessoa não só vulnerabilizada em razão da idade, mas

também em razão de sua condição miserável.

Critica-se a não existência de um conceito genérico de idoso no Brasil, o

que dá ao legislador, por conseqüência, o arbítrio de fixar a idade que queira para

a aferição dos direitos da pessoa idosa, sem um critério científico que justifique

porque aquela idade foi escolhida para o início da fruição de determinado direito.

Quanto à prova da absoluta pobreza da pessoa que fará jus ao recebimento

de um salário, será realizada mediante pesquisa acerca da sua rentabilidade

mensal e de seu núcleo familiar, considerando assim pessoas que vivam sob o

mesmo teto e possuam renda mensal por cabeça inferior a um quarto do salário

mínimo.104 Essa perspectiva alargada de família confirma-se pelo teor do art. 36

do Estatuto: “o acolhimento de idosos em situação de risco social por adulto ou

núcleo familiar, caracteriza dependência econômica, para os efeitos legais.”

Continua, mesmo assim, obrigado o Estado a fornecer assistência social caso o

adulto ou o núcleo familiar não possuam efetivamente meios de prover o idoso, e

a prova disso, é que, as mais modernas decisões jurisprudenciais, não têm se

fixado no teor literal do critério acima referido, mas no contexto de vida dessas

pessoas, desde que fique claramente evidenciada sua miserabilidade.105

Por fim, “a assistência social aos idosos será prestada, de forma articulada,

conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência

Social”, como se viu, “na Política Nacional do Idoso, no Sistema Único de Saúde

e demais normas pertinentes”, nos termos do art. 33 do Estatuto.

Apesar de a moradia ser direito fundamental social de todos, o Estatuto do

Idoso estabeleceu condições mais favoráveis para que os anciãos tenham acesso à

104 Art. 20, § 1º da LOAS: “Para os efeitos do disposto no caput, entende-se família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.” e Art. 20, § 3º da LOAS: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capta seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.” [Grifou-se] 105 Nesse sentido a Súmula 11 da Turma Nacional de Uniformização: “A renda mensal, per capta, familiar, superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão de benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.”

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habitação na forma de seu art. 38, pois, tal como os alimentos, uma moradia digna

é pré-condição para que o idoso possa fruir seu direito à saúde.106

Identifica-se que o Estatuto almeja que a pessoa idosa possua moradia para

si própria e não para fins especulativos. O que sobreleva aqui é o direito de

adquirir a propriedade cujos fins revelem-se assistenciais aos idosos. Para tanto, a

cada programa habitacional público ou subsidiado com recursos públicos, três por

cento das unidades residenciais, obrigatoriamente, serão reservadas para

atendimento dos idosos107: não significa apenas que tais unidades tenham de ser

adquiridas por eles, mas por pessoas físicas ou jurídicas que dêem ao imóvel a

função de atendê-los. Também a porcentagem de reserva de três para cada cem

unidades residenciais voltadas ao atendimento dos idosos não implica entender

que eles só terão direito a esse percentual. Ao contrário, os três centésimos são o

mínimo garantido às pessoas idosas e elas podem auferir mais do que o mínimo.

O importante é que se designem critérios de financiamento para a compra do

imóvel, compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão, a fim de que

a pessoa idosa, ou quem queira atendê-la, possua recursos.

O artigo em comento também prevê que se implementem equipamentos

urbanos comunitários voltados ao idosos, como veículos de transporte destinados

em parte para a terceira idade, ou praças de lazer e esporte que também serão

aproveitadas por pessoas dessa faixa etária, por exemplo. A eliminação de

barreiras arquitetônicas e urbanísticas, por meio da garantia de acessibilidade, é

essencial para que o idoso exerça sua autonomia, tanto no local onde reside

quanto nas suas adjacências.

Como dispõe a Constituição no art. 230, § 1º, “os programas de amparo

aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.” Mas o lar de um

idoso pode ser tanto o lugar onde habite sozinho, com sua família ou uma

106 Art. 38 do Estatuto do Idoso: “Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte: I – reserva de 3% (três por cento) das unidades residenciais para atendimento aos idosos; II – implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso; III – eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade ao idoso; IV – critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão.” 107 Em sentido contrário, RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil. Fiuza Editores, 2003, p. 260: “No caso de não haver idosos a adquirirem as unidades reservadas, comprovadamente, tal reserva não perdurará, indefinidamente, mas por período razoável, sendo as unidades destinadas a outras pessoas.”

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entidade de atendimento. O que se almeja com este artigo é afastar o idoso de

instituições hospitalares e afins.

Já o Estatuto do Idoso disciplina em seu art. 37: “o idoso tem direito à

moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de

seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou

privada.”

Neste momento pretende-se salientar que o direito à moradia do idoso já

vem jungido à dignidade de sua habitação. Desse modo, uma residência que não

possua requisitos básicos à vida em dignidade não é o que se avaliza ao idoso.

Em princípio, a pessoa idosa tem todo direito de optar por como viver.

Pode ser que ela eleja viver só e com todos os afazeres domésticos. Entretanto,

quanto mais velha for, torna-se comum e recomendável que ela possua empregado

a ocupar-se dessas tarefas e um cuidador para si. Convenha-se que só idosos bem

afortunados possuem condições de manter esse padrão de vida.

O Estatuto prioriza a moradia do idoso desacompanhada de seus

familiares, se assim o desejar, ou no seio da família natural ou substituta. É o que

se compreende da leitura do § 1º do art. 37: “A assistência integral na modalidade

de entidade de longa permanência será prestada quando verificada a inexistência

de grupo familiar, casa-lar, abono ou carência de recursos financeiros próprios ou

da família.” Verdadeiramente, a vida em família presume a existência de um afeto

especial a envolver o idoso, que não pode ser ignorado.108 Também parece

importante o fato de o idoso continuar convivendo com distintas gerações, o que

agrega e não o isola na sua condição de ser humano envelhecido; da mesma

forma, o aconchego das coisas, roupas e mobiliários próprios certamente é

relevante para lhe atribuir bem estar.

Mas se a família substituta escolhe o idoso por estima e compaixão, pode

ser o melhor lugar para se habitar. É recomendável tanto à família natural, quanto

108 ERBOLATO, Regina M. Prado Leite. Relações sociais na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 962: “Numa família em condições ‘saudáveis’ de funcionamento, ninguém é despedido por não cumprir a contento as funções de seu papel; ninguém costuma ser abandonado; vivem-se conflitos, toleram-se insultos e outros comportamentos inadequados entre colegas, amigos ou vizinhos. A afeição (esperada) entre seus membros, a constância dos mesmos e o senso de obrigação que permeia tais vínculos garantem ao indivíduo trocas continuadas de suportes instrumental e psicológico/emocional, e reforçam a expectativa de retribuição, no futuro, de quaisquer suportes fornecidos no presente.”

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à substituta, que contem com a ajuda de um cuidador para o idoso, a fim de

manter sua permanência junto aos seus, aliada aos cuidados de um profissional da

área de saúde. 109

Por outro lado, entende-se que, mesmo em condições de viver sozinho ou

acompanhado da família o idoso prefira, ao contrário do estatuído, morar numa

entidade de atendimento. Essa é uma decisão conferida a ele, que pode realmente

se sentir melhor nesse ambiente de convivência com pessoas que também

experimentam a velhice e com aparato especial para o atendimento das suas

necessidades peculiares, pois, evidentemente, é de todo permitido que receba

visitas de parentes e amigos nessas instituições. Nada obsta ainda que as entidades

possuam um ambiente de amor e ternura que resguarde a pessoa idosa da

solidão.110

Com o tratamento que o Estatuto conferiu às entidades de atendimento,

parece mais fácil avaliar se o idoso recebe efetivamente o amparo que lhe é

outorgado pela Constituição nesse âmbito do que no familiar. Não se quer com

isso fazer apologia das entidades de atendimento contra os núcleos familiares,111

109 DIOGO, Maria José D’ Elboux e DUARTE, Yeda Aparecida de Oliveira. Cuidados em domicílio: conceitos e práticas. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 767: “A Assistência Domiciliária ressurge entre as modalidades assistenciais e, no que tange o cuidado ao idoso, mostra-se uma alternativa eficaz à manutenção do convívio familiar e de sua qualidade de vida. Ela não substitui nenhuma outra modalidade assistencial. Tem, si, lugar específico entre as mesmas, evitando que os idosos sejam hospitalizados desnecessariamente ou que assim permaneçam quando tal intervenção não é a mais indicada, sendo, ao contrário, um risco para o mesmo. Constitui uma interface entre um idoso com algum grau de dependência e sua família, que necessita se adaptar a ‘nova’ situação. Essa intervenção propicia à família o tempo necessário à sua reestruturação e à redistribuição de papéis e atribuições, de forma a atender as novas demandas e evitar a institucionalização do idoso.” 110 BORN, Tomiko e BOECHAT. Norberto Seródio. A qualidade dos cuidados do idoso institucionalizado. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002 p. 771: “Tomando-se, então, a ILP (Instituição de Longa Permanência) como um lar especializado, com dupla função – a de proporcionar assistência gerontogeriátrica conforme o grau de dependência dos seus residentes e a de oferecer, ao mesmo tempo, um ambiente doméstico, aconchegante, capaz de preservar a intimidade e a identidade dos seus residentes – , certamente a qualidade do cuidado irá pressupor a realização satisfatória desses objetivos. Nas ILPs com qualidade, o idoso pode recuperar a saúde e a vontade de viver, criar novas relações sociais, desenvolver-se.” 111 ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer, p. 85 adverte que: “...A admissão em um asilo normalmente significa não só a ruptura definitiva dos velhos laços afetivos, mas também a vida comunitária com pessoas com quem o idoso nunca teve relações afetivas. O atendimento físico dos

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muito pelo contrário. Mas é sabido que, quanto mais privado é o local onde o

vulnerável reside, mais sujeito a agressões clandestinas ele estará.112

No que toca os direitos fundamentais estabelecidos pelo Estatuto em seu

Título II, observa-se que no Capítulo VII, ao tratar da assistência social, já se

prevêem regras para as entidades de atendimento na forma do art. 35. Também no

Capítulo IX, que trata da habitação, há disciplina acerca de condutas a serem

seguidas pelas entidades no art. 37, parágrafos 2º e 3º. Ademais, no Título IV, que

cuida da política de atendimento do idoso, o Capítulo II está totalmente voltado

para as obrigações das entidades na forma dos artigos 48, 49, 50 e 51 com seus

parágrafos e incisos. O subseqüente Capítulo III, disciplina sobre sua fiscalização

nos artigos 52, 53, 54, 55, com seus incisos, alíneas e parágrafos. Já o Capítulo

IV, tipifica as infrações administrativas que as entidades podem sofrer nos artigos

56, 57 e 58. Em seguida, o Capítulo V disciplina sobre a apuração administrativa

de infração às normas de proteção ao idoso referindo-se, nos artigos 50, 62 e 63,

especificamente às entidades de atendimento. O Capítulo VI prescreve sobre a

apuração judicial de irregularidades nas instituições, na modalidade dos artigos

64, 65, 66, 67, 68 e seus parágrafos.

Por fim, se alimentação adequada e moradia digna encontram-se atreladas

ao direito prioritário à saúde da pessoa idosa, como expressões de um mínimo

existencial sem o qual não há possibilidade de a saúde ser instaurada, é a saúde

que lhes propicia a fruição dos seus demais direitos fundamentais, tanto de índole

pessoal como social.

Em relação à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o Estatuto prevê,

do artigo 20 ao 25, uma série de incentivos para que a pessoa idosa desfrute da

melhor maneira possível desses prazeres da vida.113 Mas do que vale, por

médicos e o pessoal da enfermagem podem ser excelentes. Mas ao mesmo tempo a separação dos idosos da vida normal e sua reunião com estranhos significa solidão para o indivíduo. Não estou pensando apenas nas necessidades sexuais, que podem ser muito ativas na extrema velhice, particularmente entre homens, mas também na proximidade emocional entre pessoas que gostam de estar juntas, que têm um certo envolvimento mútuo. Relações desse tipo também diminuem com a transferência para um asilo e raramente encontram aí uma substituição. Muitos asilos são, portanto, desertos de solidão.” 112 Segundo ainda ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer, p. 85: “Não é incomum que a geração mais jovem, ao chegar ao comando, trate mal a mais velha, às vezes até com crueldade. Não faz parte das tarefas do Estado imiscuir-se nesses assuntos.” 113 Neste particular destaca-se a importância da educação na terceira idade e o bem que ela gera ao ser idoso, nas palavras de DE SÁ, Jeanete Liasch Martins. Educação e envelhecimento. In: Tempo

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exemplo, a garantia de desconto de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos

ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como acesso

especial aos respectivos locais, nos termos do art. 23, se o idoso não goza de bem

estar para aproveitar o que esses eventos lhe reservam?

Quanto à profissionalização e o trabalho, do artigo 26 ao 28, a Lei apóia o

idoso que queira continuar ativo em relação ao labor.114 Mas que condições teria o

idoso não saudável de oferecer sua mão de obra para o trabalho?

A Lei também garante transporte gratuito urbano e semi-urbano aos

maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, podendo esta idade reduzir-se até 60

(sessenta) anos a critério da legislação local, inclusive com a reserva de 10% (dez

por cento) dos assentos identificados com a placa de reservado preferencialmente

para os idosos, na forma do art. 39, parágrafos, 1º, 2º e 3º. No transporte

interestadual, lei específica deverá garantir reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por

veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos e

desconto de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) no valor das passagens para

os idosos que excederem as vagas gratuitas e cujo rendimento seja igual ou

inferior a 2(dois) salários mínimos, de acordo com o art. 40. Os artigos 41 e 42,

respectivamente, asseguram reserva para idosos, nos termos da lei local, de 5%

(cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados,

posicionadas de modo a garantir melhor comodidade ao idoso e prioridade no

embarque no sistema de transporte coletivo. Todavia, como uma pessoa acamada

poderá usufruir de todos esses benefícios?

de Envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 368 e 369: “Falar de educação e envelhecimento é falar de vida, de existência e de plenitude. É vislumbrar o ato educativo prenhe de possibilidades e de humanidade, num movimento orgânico de ação e reflexão, de trocas intensas, de ‘empoderamento’, de inclusão, de transformação incorporada ao dinamismo da vida individual e coletiva.” 114 Nesse particular são importantes os estudos de BEAUVOIR, Simone de. A velhice, p. 333: “As angústias geradas pela aposentadoria desembocam por vezes em longas depressões. Segundo o Dr. Blajan-Marcus, essas depressões superpõem vários elementos: a aposentadoria vivida como luto e exílio inscreve-se num contexto de lutos mal resolvidos, de dependência familiar, de temperamento depressivo, e provavelmente de perturbações circulatórias e glandulares, embora seja difícil identificar cada um desses elementos. Isso quer dizer que o golpe desfechado pela aposentadoria abate totalmente aqueles que o passado marcou de uma certa maneira. A nova condição ressuscita as tristezas da separação, o sentimento de abandono, de solidão, de inutilidade, que gera a perda de uma pessoa querida. Para se defender de uma inércia em todos os sentidos nefasta, é necessário que o velho conserve atividades; seja qual for a natureza dessas atividades, elas trazem uma melhoria ao conjunto de suas funções.”

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Faz-se urgente, portanto, eleger a saúde como direito prioritário para que

as pessoas idosas, efetivamente, desfrutem não só dos direitos comuns a todos os

seres humanos, mas também dos que a maior idade lhes garante.

Assim como ter saúde é pré-requisito para o acesso à educação, à cultura,

ao esporte e ao lazer, às diversões e aos espetáculos, a vivência dessas atividades

proporciona melhor qualidade de vida e, portanto, de saúde, para a pessoa idosa,

principalmente por serem oferecidas juntamente com o respeito por sua peculiar

condição de idade, na forma do art. 20 do Estatuto.

Desse modo, a educação na terceira idade será incentivada pelo Poder

Público, que também fará por adequar currículos, metodologias e material

didático aos programas educacionais com essa destinação, como dispõe o caput

do art. 21 do Estatuto. Na forma do parágrafo primeiro do citado artigo, “os

cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de

comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à

vida moderna” e, de acordo com o subseqüente parágrafo segundo, “os idosos

participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão de

conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da

memória e da identidade culturais.”

Muitíssimo importante para a inserção social do idoso, posto que se

relaciona intimamente com a preservação de sua saúde, é a fixação nos diversos

níveis de ensino formal de conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao

respeito e à valorização dessas pessoas a fim de eliminar o preconceito e produzir

conhecimentos sobre a matéria, como disciplina o art. 22 do Estatuto. No mesmo

sentido, o apoio do Poder Público à criação de universidades abertas para as

pessoas idosas bem como à publicação de livros e periódicos de conteúdo e

padrão editorial adequados a essa faixa etária, considerando, até mesmo, a natural

redução de sua capacidade visual, afiguram-se como contributos à inclusão do

idoso, previstos no art. 25 do seu Estatuto. Note-se que a promoção da educação

dos anciãos no Brasil, pode dizer respeito tanto à educação básica, a qual muitos

não tiveram acesso, quanto a que abranja a continuidade dos seus estudos.115

Proporcionar informações, educação, ingresso nos ambientes das artes e da

cultura em horários ou espaços especialmente voltados aos idosos também 115 RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil, p. 185.

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enriquece qualitativamente suas vidas, de modo a lhes proporcionar

desenvolvimento pessoal e participação social,116 o que inegavelmente contribui

para sua saúde psíquica. Tais projetos serão levados até eles pelos meios de

comunicação, consoante o art. 24 do seu Estatuto.

Há de se considerar também a importância para o bem estar e a saúde

psicofísica do idoso o fato de ele ter acesso ao trabalho, remunerado ou não, pois

este último tem o condão de implementar sua socialização, pela possibilidade de

contato direto, no trabalho em grupo, ou indireto, no caso dos intelectuais e

autônomos, com outras pessoas de sua e de distintas gerações. O art. 26 do

Estatuto prevê que “o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional,

respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.” Nesse diapasão, o

direito ao trabalho tem o papel de promover o exercício de funções pela pessoa

idosa objetivando retirá-la da qualidade de inativa, o que elimina sua

produtividade, considerando também que não deve lhe impor cobranças

exageradas, o que faria surtir um efeito indesejado em sua saúde.117 Há de se ter

em conta o valor do trabalho para a continuidade da autonomia dos anciãos,

estreitamente relacionado com sua qualidade de vida, pois, quando adequado ao

idoso, “com observância de suas particularidades físicas, – o trabalho – torna-se

terapia ocupacional, distração recreativa e até mesmo prazer físico.”118

Ao ser admitido em qualquer emprego ou trabalho, mesmo no ingresso por

concurso, ressalvados os casos em que a ocupação exija habilidades que o idoso

não tenha, 119 veda-se sua discriminação e a limitação de idade, sendo que o

primeiro critério de desempate em concurso público privilegia as pessoas de idade

mais avançada, conforme o art. 27 e parágrafo único do Estatuto. Inclusive, obstar

ou negar a alguém, por motivo de idade, acesso a qualquer cargo público,

116 RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil, p. 192. 117 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 58: “Deve-se buscar um meio termo entre o velho estereotipado, que se limitava a ficar ociosamente em casa, dando trabalho para seus familiares, e aquele idoso de quem se exija que entre em competição com os mais novos, em permanente disputa por uma maior produção e participação na sociedade.” 118 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p 143. 119 DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p.127, traz à baila importante observação: “Vale notar respeitável corrente jurisprudencial, sustentando que a imposição de limite máximo deverá decorrer de lei infraconstitucional, sendo vedado ao administrador a imposição aleatória, em determinado concurso público, sem o devido respaldo legal.”

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emprego ou trabalho constitui crime tipificado pelo art. 100, incisos I e II da

referida Lei. A Lei oferece ainda estímulos aos programas voltados para o

trabalho do idoso e para uma aposentadoria ativa, como disciplina seu art. 28.120

Os mandamentos legais do art. 28 necessitam de políticas públicas para

que sejam implementados. Considera-se, pois, pertinente o estímulo às empresas

privadas na contratação de idosos, mediante isenções ou reduções fiscais e

propaganda dessas empresas.121

O direito ao transporte gratuito também possibilita o acesso do idoso aos

hospitais, laboratórios, clínicas, ou seja, a lugares em que sua saúde vá ser

assistida.

Todos esses direitos previstos como fundamentais propiciam melhores

condições de existência para a pessoa idosa. Portanto, não só a saúde é condição

de gozo desses direitos, mas eles também tangenciam a saúde por influírem na

qualidade de vida dos idosos.

Sublinhe-se, entretanto, que em condições extremas, esses direitos podem

até faltar, mas a saúde, no sentido oposto ao da doença, não.

Por conta de o idoso estar mais exposto às agressões tanto biológicas,

provocadas pelo tempo, quanto às de índole social que necessita enfrentar; pelo

fato de as alterações biológicas sofridas desencadearem doenças físicas e

psíquicas com mais facilidade e em maior punjança que na juventude, é imperioso

que o direito à saúde na terceira idade seja concedido em ordem de prioridade,

para salvaguarda do princípio constitucional da dignidade humana nas

contingências especialíssimas da velhice.

120 Art. 28 do Estatuto do Idoso: “O Pode Público criará e estimulará programas de: I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas; II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência máxima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania; III – estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho.” 121 Consoante propõe DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p.128.

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3 Direitos da Pessoa Idosa e Seus Princípios Normativos 3.1 Apontamentos Acerca dos Direitos da Pessoa Idosa nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988

Sem o intuito de fazer um estudo comparativo, mas procurando

contextualizar a situação do idoso brasileiro nas constituições anteriores e na

atual, serão apresentadas as manifestações legislativas nessa seara.

A Constituição Imperial de 1824 nada dispôs acerca das pessoas idosas,

bem como não o fez a Constituição da República de 1891. Ambas se afastam, no

sentido de a primeira ser de índole imperial e a segunda republicana, mas se

aproximam ao não fazer, em nenhum momento, referência às pessoas de idade

avançada. Foram, pois, absolutamente omissas em questões relativas aos idosos.

A Constituição da República de 1934 tratou pioneiramente de um direito

previdenciário atribuído aos idosos no título IV, que cuidava da ordem econômica

e social, especialmente no art. 121, § 1º, alínea h, nos seguintes termos:

“Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país. § 1º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.”1 A Constituição da República de 1934 assemelha-se, nesse ponto, à

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 que, dentro do capítulo que

cuidava da ordem econômica dispunha, também em caráter previdenciário:

“Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: [...]

1 Grifou-se.

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m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho [...]”2

Por sua vez, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, em

disposição similar às anteriores de 1934 e 1937, tanto por tratar dos idosos no

Título V, que dispunha sobre a ordem econômica e social e por só fazer menção a

aspectos previdenciários em favor da velhice, afirmava:

“Art. 157. A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...] XVI – previdência, mediante contribuição da União , do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte [...]”3 De forma idêntica à prevista na Constituição 1946 no que diz respeito à

proteção da velhice pela previdência e no seu título III que, igualmente, cuidava

da ordem econômica e social, estabelecia a Constituição de 1967:

“Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: [...] XVI – previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte [...]” A grande virada em favor dos idosos ocorre com o advento da

Constituição da República de 1988 que trata, em seu Capítulo VII, especialmente

da família, da criança do adolescente e do idoso, deliberando que, tanto a família,

quanto a sociedade e o Estado, possuem o dever de amparar as pessoas idosas,

preferencialmente em seus lares, assegurando sua participação na comunidade,

defendendo sua dignidade, seu bem estar, lhes garantindo o direito à vida e à

gratuidade dos transportes coletivos urbanos, quando maiores de sessenta e cinco

anos, na forma do art. 230. Tal capítulo está contido no Título VIII, que cuida da

ordem social.

Apesar da posição topográfica desse artigo, parece que a proteção do idoso

assegurada por ele, pode ser considerada direito fundamental fora do catálogo dos

artigos primeiros da Carta Magna de 1988.

2 Grifou-se. 3 Grifou-se.

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A doutrina espanhola, há muito, já considerava repugnante à consciência e

à dignidade humana que o homem só pudesse ostentar direitos fundamentais

afeitos aos aspectos mais íntimos e entranhados da pessoa se houvesse norma a

outorgá-los.4 Nesse sentido, recepciona como tais, também aqueles que não

estiverem previstos na Lei Maior, mas que se relacionem com situações

existenciais da pessoa humana.

A doutrina brasileira sustenta, no mesmo passo, que os direitos

fundamentais podem ou não ter assento na Constituição formal5 e a portuguesa

orienta que direitos extra constitucionais têm a capacidade de funcionar como

materialmente fundamentais se, pelo seu artefato ou por sua autoridade, puderem

ser equiparados aos direitos formalmente fundamentais.6 Tratam-se, assim, de

direitos fundamentais em sentido material, que não o são formalmente, por não

estarem incluídos no catálogo constitucional.7

Se direitos não previstos em sede constitucional podem ser considerados

fundamentais em sentido material, com muito mais razão os previstos têm

capacidade de sê-lo, desde que sua importância ou objeto mereçam tal ascensão.

Esse é o caso do direito de amparo do idoso que consta previsto

constitucionalmente. Como os direitos fundamentais possuem conteúdo

materialmente aberto, torna-se possível a existência de outros da mesma natureza

contidos em distintas partes do texto constitucional.8 E não há como negar, diante

dos dados demográficos hodiernos, do momento histórico brasileiro – de

exaltação ao pluralismo e à solidariedade – e da intrínseca vulnerabilidade das

pessoas idosas, a importância atual de protegê-las, alçando seu direito de amparo à

condição de fundamental, para o bem delas próprias, de suas famílias, da

comunidade em que se inserem, da sociedade em geral e até mesmo do Poder 4 FERNÁNDEZ-GALIANO, A. Derecho natural. Introducción filosófica al derecho. 4 ed. Madrid: Benzal, 1983, apud PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales. 6 ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 49. [traduziu-se livremente do espanhol] 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 85. 6 Nesse sentido, CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6 ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 403. 7 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 77. 8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 79.

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Público, pois, não ampará-las sob a égide de um direito fundamental poderia

causar um déficit social relevantíssimo.9

Pelo seu conteúdo de significado e por sua relevância, o direito de amparo

da pessoa idosa pode ser equiparado aos fundamentais e ter, em seu favor, o

mesmo tratamento destinado a esses pela interpretação do art. 5º, § 2º da

Constituição brasileira. O objetivo desse artigo é o de expandir e aperfeiçoar o

catálogo de direitos fundamentais por meio do critério da atipicidade.10 Todavia,

ainda que tal artigo inexistisse, o direito de amparo da pessoa idosa teria a

condição de fundamentalmente implícito, ou seja, subentendido pela dimensão

axiológica que possui e que se abraça com a tábua de valores constitucionais,11

afinal, tal direito é consectário do princípio da dignidade da pessoa humana na

circunstância especial de estar envelhecida e a necessitar de cuidados especiais.12

Já há, inclusive, manifestação no sentido de os direitos dos idosos

consubstanciarem direitos sociais, envolvendo não só o direito de amparo já

mencionado, mas também os direitos previdenciário e assistenciário. 13

Essa assertiva foi corroborada pelo Estatuto do Idoso que consagrou, em

seu art. 8º, a proteção do envelhecimento como um direito social que conduz a

prestações positivas não só por parte do Estado, como no caso da aposentadoria e

da assistência social, mas também outras, por parte da família e da sociedade,

como, por exemplo, as disciplinadas pelos artigos 4º e 6º do referido Estatuto, 9 Segundo magistério de SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 99: ...Direitos fundamentais fora do catálogo somente poderão ser os que – constem ou não, do texto constitucional – por seu conteúdo e importância possam ser equiparados aos integrantes do rol elencado no Título II de nossa Lei Fundamental. Ambos os critérios (substância e relevância) se encontram agregados entre si e são imprescindíveis para o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais.” 10 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 75. No mesmo sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 131. 11 Alerta SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 99, que: “...Convém atentar para a circunstância de que a existência de direitos fundamentais implícitos, no sentido emprestado ao termo, mesmo que possa, sob certo ponto de vista, ser tida como abrangida pela norma contida no art. 5º, § 2º, da nossa Carta, dela não depende.” 12 Ainda segundo SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 120: “...É preciso ter sempre em mente que determinada posição jurídica fora do catálogo, para que efetivamente possa ser considerada equivalente, por seu conteúdo e importância, aos direitos fundamentais do catálogo, deve, necessariamente, ser reconduzível de forma direta e corresponder ao valor maior da dignidade da pessoa humana.” 13 Cf. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 318.

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respectivamente: “É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos dos

idosos” e “todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente

qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha

conhecimento.”

Voltando ao conceito material de direitos fundamentais, já tendo incluído

entre eles o direito de amparo das pessoas idosas, pode-se dizer, a fim de

confirmar o raciocínio desenvolvido, que se tratam “dos direitos resultantes da

concepção de Constituição dominante, da ideia de Direito, do sentimento jurídico

coletivo”14 que, atualmente, pretende conferir às pessoas idosas o mais alto grau

de proteção legislativa, visando à eficácia social de seus direitos. O direito

fundamental de amparo dos anciãos, frise-se, adere à ordem de valores da

Constituição e, nesse sentido, extrapola os dispositivos de índole fundamental

formalmente criados pela vontade ou capacidade do legislador constituinte.15 Isso

ocorre, precisamente, porque a disposição constitucional, ao invés de limitar,

abarca outros direitos que não dependem do poder político estatal para se

imbuírem da natureza de materialmente fundamentais.16

Parece possível também determinar a abrangência dos direitos

fundamentais assegurando-lhes “autonomia institucional”17.

Para tanto, tais direitos teriam, primeiramente, um elemento subjetivo

formado por arranjos jurídicos subjetivos dados a todos os indivíduos ou grupos

de indivíduos; em segundo lugar, os preceitos concernentes aos direitos

fundamentais teriam a função de garantia e proteção de certos bens jurídicos das

pessoas avaliados como essenciais; em terceiro, para a caracterização de direitos

fundamentais, teria de se avaliar seu intuito específico, remontado à acepção de

homem no ambiente da nossa cultura calcada no princípio da dignidade humana.

14 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3 ed. Tomo IV. Direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 10. 15 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 12. 16 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 12. 17 Expressão de VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 82.

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Com esse critério tripartite pretende-se determinar a abrangência dos direitos

fundamentais atribuindo-lhes a chamada autonomia institucional.18

E o direito de amparo da pessoa idosa tem autonomia institucional. Veja-

se: o direito de amparo da pessoa idosa possui o radical formado por posição

jurídica subjetiva atribuída às pessoas dessa faixa etária, tem a função de garantir

o amparo dos anciãos, bem jurídico de relevância essencial e, por fim, remete-se

ao princípio da dignidade humana, uma vez que tutela a pessoa idosa em suas

vicissitudes especiais tendo em vista, exatamente, a preservação de sua dignidade.

Dessa forma, é patente que o direito de amparo aos idosos encontra-se inserido na

base institucional de todos os direitos fundamentais, o que reafirma sua condição

de direito fundamental previsto fora do catálogo do Título II da Constituição da

República brasileira.

3.2 Princípios Cardeais do Estatuto do Idoso

Ao interpretar um texto ou dispositivo normativo o jurista utiliza da

matéria bruta que constitui a Lei posta, uma simples possibilidade do Direito. Para

que esse manancial transmude em normas jurídicas torna-se necessária a

construção de “conteúdos de sentidos” pelo trabalho de fundamentação do

intérprete.19 Tais conteúdos não serão dados, a priori, pelo significado das

palavras, mas, a posteriori, pela interpretação, “ato de decisão que constitui a

significação e os sentidos de um texto.”20 Isso provoca “a recusa de métodos

puramente lingüísticos da interpretação, como se a interpretação consistisse

unicamente na análise da linguagem, puramente formal, do legislador”.21 Assim é

18 Formulação de VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 82 e 83. 19 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. 20 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 23. 21 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de: DE CICCO, Maria Cristina. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 67.

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que “o sentido não é uma ‘qualidade da palavra’, mas a sua ‘relação a uma coisa’,

a um contexto material ou a um contexto de experiência.”22

Afirmar que a interpretação dos textos legais implica a constituição de

significados para eles e por meio do uso deles não afasta a existência de estruturas

de compreensão antecedentes que, sob certo ponto, viabilizam o entendimento

mínimo desses significados. Desse modo, é tarefa do intérprete construir a partir

de alguma coisa preexistente.23 “A ligação entre texto e intérprete requer a

presença de ambos: ao intérprete não é consentido saltar ou deliberadamente

ignorar o texto.”24

De todo modo, a legislação setorial comumente determina a consecução de

fins e valores, bem como estabelece instrumentos jurídicos que os realizem. Tais

finalidades e valores são pontos de partida a ser considerados pelo intérprete na

sua função de cientista ou de aplicador do Direito.

São, ao mesmo tempo, finalidades e axiomas do Estatuto do Idoso, a

proteção integral e prioritária da pessoa idosa de acordo com seu melhor interesse.

Soma-se a essa assertiva outra. O Estatuto do Idoso encontra-se inserido

num sistema cuja fonte hierárquica superior é a Constituição da República

brasileira, portanto, a normativa infraconstitucional existe e exerce a sua função

unida ao ordenamento jurídico pátrio, diretamente orientado pelo conteúdo

valorativo do princípio da dignidade da pessoa humana.

Considerando que a dignidade humana só pode ser alcançada e mantida se

atribuída ao ser humano em suas circunstâncias, na realidade social em que se

insere, com as contingências de vida que possui, infere-se a necessidade de um

olhar diferenciado do Direito para as pessoas de idade muito tenra ou muito

adiantada.

À criança, há algum tempo, foi declarada necessidade de tutela especial

nos documentos internacionais. Estabelece a Declaração de Genebra de 1924 a

“necessidade de proclamar à criança uma proteção especial” e a Declaração

Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 determina, em favor

22 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67. 23 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 25. 24 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67.

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da criança, “o direito a cuidados e assistência especiais”.25 Ademais, a Declaração

de Direitos da Criança de 1959 fez constar que:

“A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos por lei e por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.”26 Trinta anos após essa declaração, portanto em 1989, foi aprovada a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança ratificada pelo Brasil um ano

depois, por meio do Decreto 99.710 de 1990, na forma do disposto no art. 3.1:

“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunal, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”27 Com o advento da Constituição da República de 1988 previu-se, no art. 5º,

§ 2º, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros que

decorram do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais que a República brasileira seja parte. Portanto, o chamado maior

interesse da criança está recepcionado em sede constitucional que,

concomitantemente, previu para crianças e adolescentes, na forma do art. 227, o

gozo de vários direitos fundamentais com absoluta prioridade e os colocou a salvo

de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou

opressão.

Em 1990, entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo art.

1º institui sua proteção integral e lhes assegura, no art. 4º, absoluta prioridade na

efetivação dos seus direitos fundamentais. Com base na Convenção Internacional

dos Direitos da Criança de 1989 que, ao invés de falar em maior interesse da

criança, critério quantitativo, conforme tradução livre efetuada pelo Decreto

25 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”. In: O melhor Interesse da Criança: Um Debate Interdisciplinar. Coordenadora: PEREIRA, Tânia da Silva. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 4. 26 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 4. 27 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 5, 6, 21 e 22.

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99.710 de 1990, usou a expressão melhor interesse28, critério qualitativo, a

doutrina brasileira optou por utilizar essa expressão que trata de um princípio

levado em conta em toda interpretação concernente à população infanto-juvenil

pátria.29

Coube, portanto, ao Estatuto da Criança e do Adolescente “concretizar e

expressar os novos direitos da população infanto-juvenil, que põem em relevo o

valor intrínseco da criança como ser humano e a necessidade de especial respeito

a sua condição de pessoa em desenvolvimento.”30

No que toca o idoso tem-se apenas a notícia da existência de um Plano de

Ação Internacional sobre o Envelhecimento, realizado em Viena, no ano de

1982.31

No Brasil, a Constituição da República dispõe que a família, a sociedade e

o Estado possuem o dever de amparar as pessoas idosas e assegurar sua

participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-

lhes o direito a vida, na forma do art. 230. Paralelamente, encontram-se em vigor

a Lei 8.842 de 1994 que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e a Lei 10.741

de 2003, o Estatuto do Idoso.

Esse último elege princípios que podem ser melhor averiguados no

processo de interpretação da Lei.

A discussão sobre princípios é relativamente recente, iniciada no segundo

quartel do século passado. Tem-se notado que as acepções acerca dos princípios

não se apresentam homogêneas, pois ainda se desenvolve um processo de

construção dos seus significados, cada vez mais apurados e sintetizados, o que não

exclui a importância da análise das primeiras manifestações a seu respeito.

28 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 6, esclarece: “O texto original em inglês declara, expressamente: ‘In all actions concerning children, whether undertaken by public or private social welfare institutions, courts of law, administrative authorities or legislative bodies, the best interests of the child shall be a primary consideration.” 29 V., por todos, PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 1-101, passim. 30 BARBOZA, Heloisa Helena. O estatuto da criança e do adolescente e a disciplina da filiação no código civil. In: O Melhor Interesse da Criança: Um Debate Interdisciplinar. Coordenadora: PEREIRA, Tânia da Silva. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.110-111. 31 Consoante informação de CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos. Madri/ Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2002, p. 441.

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Nesse sentido, observe-se uma de suas concepções pioneiras elaborada por

Larenz:

“Ocupámo-nos dos ‘princípios ético-jurídicos’ como critérios teleológico-objectivos da interpretação e em conexão com o desenvolvimento do Direito, atendendo a um tal princípio. Qualificámo-los de ‘pautas directivas de normação jurídica que, em virtude da sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas’.”32 De modo extenso e exemplificativo continua a explanação:

“Alguns deles estão expressamente declarados na Constituição ou noutras leis; outros podem ser deduzidos da regulação legal, da sua cadeia de sentido, por via de uma ‘analogia geral’ ou do retorno a ratio legis; alguns foram ‘descobertos’ e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela jurisprudência, as mais das vezes atendendo a casos determinados, não solucionáveis de outro modo, e que se impuseram na ‘consciência jurídica geral’ graças a força de convicção a eles inerente.”33 E para finalizar, aduz-se que:

“Os princípios jurídicos não têm o caráter de regras concebidas de forma muito geral, às quais se pudessem subsumir situações de facto, igualmente de índole muito geral. Carecem antes, sem excepção, de se ser concretizados.[...] No grau mais elevado, o princípio não contém ainda nenhuma especificação de previsão e consequência jurídica, mas só uma ‘idéia jurídica geral’, pela qual se orienta a concretização ulterior como por um fio condutor.”34 A fim de distinguir princípios, regras e políticas e com embasamento na

moralidade, Dworkin elaborou a seguinte formulação acerca dos princípios:

“Denomino princípio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade.”35 Adiante, tentando diferenciar princípios e regras, cuja formulação recebe

críticas contundentes,36 aponta-se para a dimensão de peso dos princípios:

32 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5 ed. Tradução de: LAMEGO, José. Revisão de: FREITAS, Ana. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983, p. 577. 33 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 577. 34 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 577-578. 35 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36. 36 Refere-se às críticas de ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 51-52: “...Há incorreção quando se enfatiza que os princípios possuem uma dimensão de peso. A dimensão de peso não é algo que esteja incorporado a um tipo de norma. As

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“Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é.”37 Parecem acertadas essas proposições assim como as de Larenz. Esse

último ressalta, corretamente, que os princípios estabelecem critérios teleológico-

objetivos da interpretação, que se apresentam como pautas diretivas a justificar

resoluções jurídicas. Aos princípios não se aplica o procedimento raso da

subsunção e eles se efetivam mediante sua concretização pelo intérprete.

Dworkin atrela aos princípios à moralidade e os considera padrões a

serem observados ressaltada sua condição de peso.

normas não regulam sua própria aplicação. Não são, pois, os princípios que possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em favor em função das circunstâncias do caso concreto. A citada dimensão de peso (dimension of weight) não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador. Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica em relação às regras, mas resultado de juízo valorativo do aplicador” E continua citando dois exemplos dos quais se destacará apenas um: “Dois exemplos talvez possam demonstrar que é o aplicador, diante do caso a ser examinado, que atribui dimensão de peso a determinados elementos, em detrimento de outros. O Supremo Tribunal Federal analisou hipótese em que o Poder Executivo, depois de prometer, por decreto, baixar a alíquota do imposto de importação, decidiu, simplesmente, majorá-la. Os contribuintes que haviam contratado, com base na promessa de redução da alíquota, insurgiram-se contra o desembaraço das mercadorias com a aplicação da alíquota majorada, sob o fundamento de que teria sido violado o princípio da segurança jurídica. A questão posta perante do Tribunal poderia ser resolvida de dois modos: primeiro, com a atribuição de maior importância ao princípio da segurança jurídica, para garantir a confiança do cidadão nos atos do Poder Público e, por conseqüência, vedar a aplicação de alíquotas mais gravosas para aqueles contribuintes que haviam celebrado contratos na expectativa de que a promessa fosse cumprida; segundo, com a atribuição de importância apenas ao fato gerador do imposto de importação, que ocorre no momento do desembaraço da mercadoria, em razão do quê, tendo sido a alíquota, dentro das atribuições do Poder Executivo, majorada antes da data de ocorrência do fato gerador, não teria havido qualquer violação ao ato jurídico perfeito. O Tribunal adotou a segunda hipótese de solução. Mas o que isso significa para a questão ora discutida? Significa que a dimensão de peso desse ou daquele elemento não está previamente decidida pela estrutura normativa, mas é atribuída pelo aplicador diante do caso concreto. Fosse a dimensão de peso um atributo empírico dos princípios, o caso ora examinado deveria ter sido necessariamente solucionado com base no princípio da segurança jurídica e na garantia de proteção ao ato jurídico perfeito – e não foi. Isso porque não são as normas jurídicas que determinam, em absoluto, quais são os elementos que deverão ser privilegiados em detrimento de outros, mas os aplicadores, diante do caso concreto.” 37 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 42-43.

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Apesar de se entender que as regras também podem ser ponderadas, sabe-

se que não é isso que acontece comumente.38 Os princípios sim, na grande maioria

das vezes, são sopesados num juízo de proporcionalidade quando em colisão, por

isso, o critério do peso é válido para identificá-los tendo em mente, contudo, que

nenhuma proposição – no caso a de peso para os princípios – é absoluta. Sempre

se entendeu, na forma do jargão popular e consentido o trocadilho, que “toda regra

tem exceção”.

A crítica de Ávila não procede por tratar como absoluta a proposição de

Dworkin, mas principalmente por ressaltar várias vezes que “é o aplicador, diante

do caso a ser examinado, que atribui dimensão de peso a determinados elementos,

em detrimento de outros”. Ora, a doutrina faz suas construções e interpretações da

lei sem referir-se a casos concretos, pelo menos, a priori. Compreende-se que a

interpretação do Direito deve também se realizar em abstrato, afinal, sabe-se, há

muito, que a doutrina é fonte legítima do Direito.39

Eis a concepção de princípios proposta por Alexy:

“...Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.”40 Essa formulação atribui aos princípios o caráter de mandamentos de

otimização, procedimento pelo qual se determina o valor ótimo de uma grandeza e

o faz jungindo-os não só às situações jurídicas existentes, que serão ponderadas

38 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 44- 45, onde o autor exemplifica muito bem seu raciocínio. 39 Nesse sentido também AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 40: “Quanto aos agentes da interpretação, ela diz-se judicial , quando feita pelos tribunais. Geralmente não se limita à interpretação do texto legal, mas, sim, à construção de uma decisão de um problema concreto. E doutrinária, se feita pelos cientistas do Direito. Neste caso, mais propriamente uma recomendação dirigida aos juízes, atribuindo a uma disposição um determinado significado.” 40 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de: VALDÉS, Ernesto Garzón. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002, p. 86. [Traduziu-se livremente do espanhol]

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com princípios e regras opostos, mas também às situações reais (fáticas),

aproximando-se, nesse pormenor, do entendimento de Ávila.

Importante contribuição brasileira tem sido feita por esse último, que

constrói, paulatinamente, seu conceito de princípios:

“... São normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da

realização de um fim juridicamente relevante.41” E adiante: “prescrevem um

estado ideal de coisas que só será realizado se determinado comportamento for

adotado”42 Mais adiante: Sua interpretação e aplicação “demandam uma avaliação

da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da

conduta havida como necessária.”43

Para Ávila:

“Os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão.”44 Nesse particular, dissente-se desse autor por não compreender que apenas

os princípios necessitam de outras razões para a tomada de decisão. “Um

enunciado lingüístico torna-se norma quando é lido e confrontado com o inteiro

ordenamento, em dialética com os fatos históricos concretos, com as relações

individuais e sociais.”45 E esse enunciado lingüístico pode ser tanto um princípio

quanto uma regra.

Em suma, parece que todas as proposições apresentadas contêm critérios a

direcionar o intérprete na visualização e na aplicação de um princípio, embora

nenhuma delas esteja imune a críticas ou se mostre absolutamente suficiente. Por

isso, frisa-se que a descrição de princípios é um processo em desenvolvimento

41 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 63. 42 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 64. 43 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 65. 44 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 68. 45 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78.

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pelos teóricos do Direito, embora sua interpretação e aplicação consista numa

realidade da qual o intérprete não pode se eximir.

Assim, com as diretrizes dadas pela doutrina, os aplicadores e intérpretes

do Direito, hão de encontrar os princípios e aplicá-los na interpretação do Direito.

Destinados especialmente a tutelar a pessoa idosa há três princípios

extraídos da interpretação teleológica e sistemática do Estatuto do Idoso

iluminada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Tratam-

se dos sub-princípios da proteção integral do idoso e da absoluta prioridade

outorgada ao idoso que conformam o princípio do melhor interesse do idoso.

O sub-princípio da proteção integral do idoso pode ser aferido pela

exegese do art. 2º do seu Estatuto que dispõe:

“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação da sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”46 Quer-se, com isso, que a pessoa idosa tenha não só oportunidades, mas

também facilidades para preservar sua saúde psicofísica, para se aperfeiçoar em

nível moral, intelectual, espiritual e social, para gozar de todos os seus direitos de

ser humano, com a proteção integral que emana de cada linha e entrelinha de seu

Estatuto, o qual, já de início, põe em relevo a liberdade e dignidade das pessoas

que vivenciam a terceira idade.

As oportunidades e facilidades atribuídas à pessoa idosa constam do seu

Estatuto como direitos fundamentais, portanto, como alicerces em que se edifica

sua proteção integral. São eles: o direito à vida, à liberdade ao respeito e à

dignidade, o direito aos alimentos, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao

lazer, o direito à profissionalização e ao trabalho, à previdência ou à assistência

social, à habitação e ao transporte.

Todos esses direitos são desenvolvidos ao longo do Estatuto de forma

peculiar, destinada exclusivamente ao idoso, de modo a tutelá-lo em suas

circunstâncias especiais. Ademais, a fim de protegê-lo integralmente, constam

estatuídas medidas gerais e específicas de proteção, bem como toda a política de

atendimento ao idoso que engloba disposições gerais, trata em capítulo específico

46 [Grifou-se]

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das entidades de atendimento ao idoso, da sua fiscalização, das infrações

administrativas e sua apuração e da apuração judicial de irregularidades nas

entidades. Há também, no referido Estatuto, um Título exclusivo dedicado ao

acesso à justiça, em que são definidas as atribuições do Ministério Público para

com a pessoa idosa e a proteção judicial de seus interesses difusos, coletivos,

individuais indisponíveis ou homogêneos. Ao final, a Lei tipifica crimes

praticados especificamente contra a pessoa idosa e estabelece sansões penais aos

transgressores.

Observe-se que a tutela integral funciona como sub-princípio, pois

constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada de

decisões em benefício do idoso, possui dimensão de peso, a qual ganhará

relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-

se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que a tutela integral

se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e

fáticas dadas por um caso concreto ou formuladas em abstrato, envolvendo o

idoso. Ademais, possui como qualidade a determinação da realização de um fim

juridicamente relevante, qual seja, a proteção integral do idoso, que só será

realizada se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação

demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim –

a tutela integral do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como

necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática.

Acentua-se que o sub-princípio da proteção integral do idoso encontra-se

inserido num ordenamento jurídico, que, por sua vez, deve ser considerado um

sistema, pois a função do sistema faz-se necessária.47 “A unidade interna não é um

dado contingente, mas, ao contrário, é essencial ao ordenamento, sendo

representado pelo complexo de relações e de ligações efetivas e potenciais entre

normas singulares e entre os institutos.”48 Torna-se indispensável, portanto, a

averiguação do sentido e alcance desse sub-princípio no direito civil pátrio, cujas

disposições referentes às pessoas idosas não se esgotam no âmbito do seu

Estatuto.

47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78. 48 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78.

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79

À guisa de exemplificação, põe-se em análise o art. 1.641 do Código Civil

que disciplina, em seu inciso II, que “é obrigatório o regime da separação de bens

no casamento de pessoa maior de 60 (sessenta) anos”

Essa regra possui conteúdo aviltante, de caráter altamente discriminatório

das pessoas maiores de sessenta anos. Ela prima por proteger o idoso na esfera

patrimonial, desconsiderando sua capacidade de fato e seus direitos de

personalidade. Por que pensar que o idoso precisa desse tipo de tutela se ele é

absolutamente capaz para todos os atos da vida civil que englobam tanto situações

jurídicas patrimoniais como existenciais? O casamento, na forma do art. 1.511 do

Código Civil estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de

direitos e deveres dos cônjuges. Por que tal comunhão, a partir dos sessenta anos

de um dos cônjuges ou de ambos não pode se estabelecer também, segundo a

vontade do casal, em relação aos seus bens patrimoniais? 49

O Código de 1916 já legislava no sentido de que a mulher maior de

cinqüenta anos e o homem maior de sessenta se casassem compulsoriamente pelo

regime da separação total de bens. Compreendiam alguns, que nessa altura da vida

o patrimônio de um ou de ambos os nubentes já estaria consolidado e que o

conteúdo patrimonial do casamento deveria ser peremptoriamente afastado. A

rigor, temia-se que a pessoa de mais idade se prejudicasse financeiramente

contraindo núpcias com uma jovem, caso pudesse escolher outro regime de bens

para seu casamento.50

O fato é que o Código atual repete o erro de julgar que o Estado deve

intervir tão violentamente na liberdade dos idosos, homens ou mulheres.51

49 Nesse sentido, TJSP. Apelação Cível nº 007.512-4/2-00, 2ª Câmara Cível, julgada em 18.08.1998. Desembargador relator: César Peluso. Publicada na RT nº 758, 1998, p. 106 e seguintes, onde se destacou que a disposição do Código Civil vigente na época, ainda o de 1916, agredia um dos fundamentos da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana: “... Estaria ainda, a legitimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do casamento, atinge o cerne mesmo da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, inc. III, da Cf), não só porque decepa e castra no seu núcleo construtivo de razão e vontade, na sua capacidade de entender e querer, a qual, numa perspectiva transcendente, é vista como expressão substantiva do próprio ser, como porque não disfarça, sob as vestes grosseiras do paternalismo incestuoso, todo o peso de uma intromissão estatal em matéria que respeita, fundamentalmente, à consciência, intimidade e autonomia do cônjuge.” 50 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 175. 51 Nesse sentido, RODRIGUES. Silvio. Direito civil: direito de família. 27 ed. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 183.

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A regra em comento contraria o sub-princípio da proteção integral do

idoso, pois protegê-lo consiste também em respeitá-lo nas decisões acerca de sua

vida privada. A proteção integral do idoso, na forma do art. 2º de seu Estatuto,

condiz expressamente com a “preservação da sua saúde física e mental e seu

aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social em condições de liberdade e

dignidade”, de modo a tutelar também a integridade psíquica do idoso, conteúdo

de seu direito à saúde.52

Mesmo que a pessoa idosa se relacione com alguém que possa se apoderar

de sua fortuna é direito de toda pessoa ter liberdade para decidir como quer se

casar. Retiram da pessoa idosa tanto a liberdade quanto a dignidade,

despersonalizando-a, se lhe tratam como uma incapaz de conduzir suas escolhas.53

Nesse caso, inclusive, incide a normativa constitucional, hierarquicamente

superior, que institui, como objetivo fundamental da República, a promoção do

bem de todos, sem preconceitos de idade, na forma do art. 3º, inciso IV, tornando

o art. 1.641, inciso II, do Código Civil inválido, posto que inconstitucional.54

Mesmo que não fosse assim, o sub-princípio da proteção integral do idoso

teria maior peso numa interpretação sistemática do Código Civil e do Estatuto do

52 A tendência do direito civil na pós-modernidade é de se personalizar e de se despatrimonializar, logo, o art. 1.641, inciso II do Código Civil situa-se na contramão desse processo evolucionista. Como observa AMARAL, Francisco. O direito civil na pós-modernidade. In: Revista Brasileira de Direito Comparado. Nº 21, 2002, p. 16 e 17: “...O que ocorre no direito que permita afirmar a superação do paradigma da modernidade? [...] a personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevada á categoria de princípio fundamental da Constituição, donde o reconhecimento de um novo e importante ramo jurídico, o dos direitos da personalidade, direitos fundamentais ou humanos, que ‘constituem o núcleo das Constituições dos sistemas jurídicos contemporâneos.” 53 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342: “É preciso distinguir a hipótese de exclusiva importância da idade, que é aquela a qual se pretende referir, da hipótese na qual à idade se junta um estado psicofísico patológico e como tal apto a influenciar as capacidades “normais”. Assim como a menoridade não é sinônimo de ausência de doença, assim também a regra da idade senil não é sinônimo de doença e, portanto, de deficiência. Esta acaso exista introduz problemas bem mais graves, os quais, todavia prescindem da idade da pessoa. A partir do pressuposto de que somente o decurso do tempo, especialmente em referência a cada ato ou atividade, não influencia automaticamente no sentido negativo a capacidade natural normal, faz-se necessário rever as soluções legislativas que, presumindo a decadência da pessoa em razão da idade – inspiradas na verdade na necessidade de realizar uma renovação com pessoas mais jovens – tiveram a pretensão de parecerem normas construídas no interesse dos idosos. Essas normas freqüentemente propõem estatutos de favorecimento ou de desfavorecimento irracionalmente lesivos ao princípio da igualdade.” [ traduziu-se livremente do italiano] 54 BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de: DE CICCO, Cláudio e SANTOS, Maria Celeste C. J. São Paulo: Polis, 1989, p. 93: “O critério hierárquico (para solução de antinomias), chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori”

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Idoso, primeiro, porque consta de Lei posterior ao Código, segundo e,

principalmente, porque se trata de Lei especial, destinada nomeadamente a

proteger a pessoa idosa das agressões atentatórias à sua dignidade, ainda que

previstas em outra Lei ordinária.55

Considera-se, pois, que a regra do inciso II, do art. 1.641 do Código Civil é

inválida e ineficaz, por contrariar princípio extraído do Estatuto do Idoso que

reflete por todo ordenamento jurídico, onde quer que esteja em xeque a proteção

integral do idoso e pela sua patente inconstitucionalidade.56

Pior para o idoso é o dispositivo constitucional que o discrimina na forma

do art. 40, § 1º, inciso II, ao prescrever que, quando servidor público, terá de se

aposentar, compulsoriamente, aos setenta anos, com proventos proporcionais ao

tempo de contribuição.57 Embora prevista na Constituição parece que essa regra é

materialmente inconstitucional.58

Apesar de se saber que o dispositivo infraconstitucional não tem o condão

de se sobrepor a uma regra da Constituição, considera-se que, o advento do

Estatuto do Idoso, com todo seu arcabouço axiológico de proteção integral,

certamente auxilia o intérprete a não aplicar tal regra preconceituosa em face do

idoso que queira e tenha condições físicas e psíquicas de continuar seu trabalho no

serviço público.59 Cabe assinalar, antes de tudo, que o sub-princípio da proteção

55 BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 95 e 96: “O terceiro critério (para solução de antinomias), dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali.” 56 Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 414. 57 Em sentido contrário FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 236: “ Note-se que nos dois primeiros casos – invalidez e setenta anos de idade –, a aposentadoria tem um caráter tipicamente previdenciário. Visa a pôr o servidor ao abrigo da necessidade, dando-lhe condições materiais de vida.” 58 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342-343: “Se nosso sistema não é fundamentado na ociosidade e garante a todos o trabalho, que afinal representa um modo de realizar a própria personalidade, para sentir-se vivo e socialmente útil, grande parte da legislação que põe limites de idade inflexíveis seja para o acesso ao trabalho seja para a aposentadoria (limites inspirados exclusivamente na idade e não em outros fatos eventualmente concorrentes) é suspeita de inconstitucionalidade.” [traduziu-se livremente do italiano] 59 Assevera AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 42: “A interpretação conforme os princípios, que pode ser simultânea com outras modalidades, implica, portanto, a passagem da ratio legis à ratio júris, isto é, do sentido da norma legal aos sentidos dos

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integral do idoso é expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, na

peculiar condição de envelhecida, previsto no art. 1º, inciso III, da norma

constitucional. O princípio da proteção integral do idoso também se coaduna com

a condenação de toda forma de discriminação bem como com o já citado art. 3º,

inciso IV, também da Constituição e de cunho fundamental, que se refere, de

maneira específica, a promover o bem de todos sem preconceitos de idade.

Sopesando toda a normativa principiológica apontada com a regra do art. 40, § 1º,

inciso II, torna-se forçoso concluir que os princípios terão proeminência num

juízo de ponderação. Assim, “normas que realizam diretamente direitos

fundamentais dos indivíduos têm preferência sobre normas relacionadas apenas

indiretamente com os direitos fundamentais” num juízo de ponderação. 60

Para arrematar, assevera-se que:

“... As leis especiais não são mais consideradas atuativas dos princípios codicísticos, mas daqueles constitucionais, elas não podem ter lógicas de setor autônomas ou independentes das lógicas globais do quadro constitucional; elas devem ser sempre concebidas e conhecidas obrigatoriamente no âmbito do sistema unitariamente considerado.”61 Essa assertiva serve tanto para corroborar o raciocínio desenvolvido acerca

da extensão do sub-princípio da proteção integral do idoso como também do sub-

princípio da absoluta prioridade assegurada ao idoso, que se passa a analisar.

O art. 3º do Estatuto do Idoso assevera que:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito à convivência familiar e comunitária.”62

fundamentos do próprio sistema, isto é, os princípios jurídicos. Ocorrendo contradição entre estes e as normas do sistema, uma contradição entre a norma e seu fundamento normativo (o princípio-fundamento), suscita-se duas soluções diversas. Uma primeira de correção da norma, conforme aos princípios. A norma deve adequar-se ao princípio. Uma segunda solução, no caso da norma ser claramente contraditória ou oposta aos fundamentos axiológicos que o princípio representa, deve preferir-se a ratio iuris à ratio legis. Há, assim, uma preterição de superação da norma, pois os fundamentos normativos (os princípios jurídicos) devem prevalecer contra os critérios jurídicos positivados (as normas).” 60 DE BARCELLOS. Ana Paula. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 235. 61 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 79. 62 Observe-se que a absoluta prioridade funciona como sub-princípio, pois constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada de decisões em benefício do idoso,

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Com tal disposição evidencia-se que a pessoa idosa faz jus não só à

proteção integral antes referida, mas também à tutela prioritária, que o coloca em

situação preferencial na efetivação de direitos fundamentais de todos os seres

humanos.63 Veja-se que a absoluta prioridade atribuída ao idoso acarreta

obrigações para sua família, para a comunidade e a sociedade em que se insere e

para o Poder Público.

Nesse sentido, o Estatuto traça metas a ser levadas a cabo por cada uma

dessas instituições na forma do parágrafo único do mesmo art. 3º, o qual

determina: “a garantia de prioridade compreende”:

“I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos

públicos e privados prestadores de serviço à população;” significa que a pessoa

idosa gozará de atendimento privado ou público, incluindo concessionários e

permissionários do serviço público, com absoluta primazia64 e de maneira rápida.

Nos casos em que houver necessidade, considerando as condições psicofísicas do

indivíduo, pode-se dizer que o atendimento deve ser instantâneo, e mais,

individualizado, ou seja, a distinguir o idoso de acordo com as sua especialidades

intrínsecas. Por exemplo: em caso de emergência ou urgência numa internação

hospitalar em que concorram um velho e um jovem, o velho usufruirá

primeiramente do serviço com a agilidade que sua penúria ensejar, levando em

conta o contexto particularíssimo de sua idade avançada que demanda cuidados

peculiares.65

possui dimensão de peso, a qual ganhará relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que a absoluta prioridade se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas; dadas por um caso concreto ou formuladas em abstrato envolvendo o idoso. Ademais, possui como qualidade a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, qual seja, a absoluta prioridade atribuída ao idoso, que só será realizada se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim – a absoluta prioridade do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática. 63 Crianças e adolescentes gozam da mesma tutela prioritária como adiante se desenvolverá. 64 RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 17. 65 Ressalte-se que o Estatuto do Idoso inova ao atribuir esse tipo de prioridade ao ser humano de idade adiantada, pois a observação que se fazia antes da sua vigência era outra na seara médica. Cf. PAPALÉO NETTO. Matheus. O estudo da velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 4: “A política de desenvolvimento que domina as sociedades industrializadas e urbanizadas sempre teve mais

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“II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas

específicas;” o que leva a entender que as políticas traçadas pela Política Nacional

do Idoso e por seu Estatuto não se exaurem. Outras devem ser implementadas por

meio do comando legislativo federal, estadual e municipal em categoria de

prelação tanto na formulação quanto na execução.

“III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas

com a proteção do idoso;” o que já retrata, além do fragmento de um princípio,

uma política pública em seu favor. Dessa forma, o orçamento da União, dos

Estados e dos Municípios deverá destinar, impreterivelmente, verbas públicas

para hospitais, clínicas, farmácias, escolas, entidades de atendimento, entidades de

entretenimento e cultura, entre outros estabelecimentos desse jaez que visem a

proteger, no sentido mais alargado dessa palavra, a pessoa idosa, especialmente à

pobre e desamparada.

“IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e

convívio do idoso com as demais gerações;” no sentido de incentivar a socialidade

do idoso tanto nas relações familiares e comunitárias, como também nas relações

sociais que pode e deve cultivar nos ambientes públicos e privados. Devem ser

criadas, para tanto, novas opções para que a pessoa idosa possa desenvolver sua

sociabilidade e se integrar às gerações mais jovens.

“V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em

detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de

condições de manutenção da própria subsistência;” o que implica solidariedade da

família já que se refere à pessoa que necessita de atendimento, ou seja, que

sozinha não pode ministrar sua existência. Esse inciso leva em consideração que

estão mais preparados para acolher o idoso aqueles que com ele possuem laços

afetivos, ao invés dos dotados de melhores capacidades profissionais. Sobressai o

valor do afeto e a oportunidade de a pessoa idosa continuar vivendo em seu lar, ao

lado de seus móveis e utensílios domésticos, os quais ajudam a manter uma

sensação de aconchego e até de conforto espiritual.66 Ressalva-se, contudo, a

permanência domiciliar do ancião que precisa de atendimento e não possui família interesse na assistência materno-infantil e dirigida aos jovens. O investimento numa criança tem o retorno potencial de 50 a 60 anos de vida produtiva, enquanto cuidados médico-sociais direcionados à manutenção de uma vida saudável de um idoso não podem ser encarados como investimento.” 66 RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 18.

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para provê-lo bem como dos que a possuem, mas são tão pobres que não possuem

condições de manter sua sobrevivência.

Para os que não possuem família a solução apontada parece correta, o que

não se pode dizer a respeito do idoso que, embora não tenha recursos para se

manter, houver família suficientemente abastada. A não ser que se queira dizer

que é a família que não dispõe de condições econômicas para cuidar do idoso,

perspectiva não visualizada a partir da dicção do preceito, parece que num direito

personalista, em que o ser vale mais que o ter, no sentido de despatrimonializar e

repersonalizar as relações familiares,67 não exista espaço para que o Estado deixe

aos cuidados de uma entidade pública, pessoa envelhecida que possua

comunidade familiar.68

“VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de

geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;” para que haja mais

pessoal qualificado para atender o idoso em diversos espaços sociais e nos

ambientes de específica prestação de serviços aos idosos, considerando, antes de

tudo, a preservação de sua capacidade funcional.69

“VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de

caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;” a fim de

possibilitar que tanto as pessoas da terceira idade quanto as demais que compõem

a sociedade, se esclareçam acerca das vicissitudes biológicas, psíquicas e sociais

do envelhecimento por meio de cursos, cartilhas, informações por meio da

67 Cf. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do direito de família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 11-13. 68 No sentido de valorização da pessoa nas relações familiares tuteladas pelo Estado, BARBOZA, Heloisa Helena. O direito de família brasileiro no final do século XX. In: A Nova Família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 105: “Paralelamente a todas essas inovações, de igual ou maior importância, foi a ampliação do papel do Estado, a quem incumbe, além da função de proteção à família, o dever de assegurar-lhe assistência, na pessoa de cada um dos que a integram, deslocando o objeto de sua atenção para o indivíduo, em lugar da comunidade familiar.” [grifou-se] 69 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 77-78: “A manutenção da capacidade funcional é, em essência, uma atividade multiprofissional para a qual concorrem médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais. A presença destes profissionais da rede de saúde deve ser vista como prioridade. No entanto, para que a atenção ao idoso possa se realizar em bases interprofissionais, é fundamental que se estimule a formação de profissionais treinados, através da abertura de disciplinas nas universidades, de residências médicas e de linhas de financiamento a pesquisas que identifiquem a área da geriatria e gerontologia.” [Grifou-se]

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imprensa, da internet, entre outros órgãos de informação em massa. O que é

desconhecido não sensibiliza e nem atrai maiores interesses.

“VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência

social locais.” O que se visa é tornar certo, seguro, o acesso do idoso à rede de

serviços de saúde e de assistência social locais. Quanto ao acesso, verificam-se

duas formas de apreciá-lo e ambas estão contidas no teor do enunciado normativo.

Em primeiro lugar, deve ser assegurado ao idoso o atendimento de sua saúde e

disponibilizada assistência social em seu benefício no local onde resida. Em

segundo, o idoso tem que ter condições de acesso, no sentido de condição de

transitar rumo a esses locais, pois é sabido que os velhos mais velhos possuem,

muito freqüentemente, alguma dificuldade de locomoção.

Enfim, cabe registrar que cada um desses preceitos individualiza a pessoa

idosa no sentido de lhe garantir prioridade em vários setores da sua vida pública e

privada, mas não compõem um rol limitativo. A fim de cumprir o preceito do

caput do art. 3º, outras ações que se mostrarem necessárias para afiançar a

absoluta prioridade outorgada ao idoso devem ser desenvolvidas por políticas

públicas, pelo legislador, pela doutrina e pelos tribunais.

Diante de todo o exposto, cumpre nessa altura demonstrar que o sub-

princípio da proteção integral jungido ao sub-princípio da absoluta prioridade

consubstanciam um só princípio: o do melhor interesse do idoso.

Isso ocorre porque os princípios “precisam, para a sua realização, de uma

concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo

material próprio.”70 Mas o princípio do melhor interesse do idoso “é antes a ideia

directiva que serve de base a todos estes sub-princípios e lhes indica a direcção,

não podendo explicar-se esta ideia directiva de outro modo senão aduzindo os

seus subprincípios e princípios jurídicos gerais concretizadores na sua conjugação

plena de sentido.”71

70 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução de: CORDEIRO, Antonio Menezes. Lisboa: Calouste Gulbenkian. 1989, p. 87. Observe-se que Canaris faz alusão aos princípios gerais do direito, com os quais não se está a trabalhar, pois se opera com princípios de uma lei especial como norteadores de um sistema que refletem os conteúdos valorativos constitucionais. De todo modo, sua construção permite compreender o sentido de sub-princípios também nesse caso. 71 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 579, em que o autor dá, também, um exemplo de princípio e sub-princípios: “Tomemos o princípio do Estado de Direito. Nele contém-se, sem dúvida, uma série de subprincípios, como, por exemplo, a legalidade da administração, a vinculação também do legislador a certos direitos fundamentais, a independência dos juízes, o

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Assim, da mesma forma que a proteção integral e absoluta prioridade

compõem o princípio do melhor interesse do idoso, este indica a direção dessa

proteção e dessa prioridade, num movimento de junção de significados que gera

uma acepção compatibilizada: a pessoa idosa faz jus à tutela integral e prioritária

de acordo com seu melhor interesse.

Assim, os artigos 2º e 3º do Estatuto fazem menção indireta ao princípio

do melhor interesse e o art. 4º subseqüente o contém implicitamente ao dispor:

“Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1.º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.[...]” Pelo princípio do melhor interesse do idoso não se pode imaginar, em

nenhuma hipótese, seja ele negligenciado ou discriminado por sua família, pelo

Estado ou pela sociedade. Todavia, pesquisas apontam que a forma de violência

mais descrita pelos próprios idosos, é o preconceito contra a velhice. 72 Essa

situação merece ser combatida pelo Poder Público, pela família, pela sociedade,

pelos profissionais da saúde, da área social e do direito.

Ao invés de preconceito, a pessoa idosa faz jus a um cuidado distinto,

“como um fundamento que nos possibilita dotar a existência humana do seu

caráter essencialmente humano.”73 “... Cuidado significa desvelo, solicitude,

diligência, zelo, atenção, bom trato e, assim, o ato de cuidar pode ser entendido

como uma atividade constante de ocupação, preocupação, responsabilidade,

envolvimento e ternura para com o semelhante”74 idoso. Em questão de saúde, já

direito de acesso à justiça, a proibição de intromissões arbitrárias no status jurídico do indivíduo e a proibição da retroactividade das leis desvantajosas.” 72 MACHADO, Laura e QUEIROZ, Zally V. Negligência e maus tratos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.791-797. 73 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 274. 74 LEMOS, Naira e MEDEIROS, Sônia Lima. Suporte social ao idoso dependente. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 892.

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há precedente jurisprudencial que enaltece o cuidado para com o idoso como um

postulado de importante valor jurídico:

“Obrigação de fazer. Paciente portador de seqüelas de Acidente Vascular Cerebral – AVC , necessitando utilizar continuamente fraldas geriátricas descartáveis, tendo em vista seu precário estado de deficiência física e mental. A sentença julgou procedente o pedido, condenando os réus ao fornecimento requerido ou qualquer outro insumo ou medicamento que se fizer necessário ao tratamento da doença apresentada pelo autor, desde que comprovada a necessidade através de atestado médico e condenando a Municipalidade ao pagamento de honorários advocatícios. Inconformismo do Município do Rio de Janeiro, alegando ser a condenação genérica e incerta.Entendimento desta Relatora no sentido de se tratar de paciente idoso, contando atualmente com 90 (noventa) anos de idade, portador de graves seqüelas relativas ao AVC, que não tem condições financeiras para arcar com a sua necessidade de utilizar fraldas geriátricas. O ilustre Magistrado singular, agiu com bastante sensibilidade e lucidez ao garantir ao apelado o suprimento de qualquer outra necessidade que o mesmo venha a ter com relação ao tratamento da doença apresentada, a fim de que o mesmo não tenha que vir postular em juízo outras necessidades relativas ao seu estado gravíssimo de saúde, denotando ter levado em consideração o postulado do cuidado atinando para o seu relevante valor jurídico. Inexistência de caráter genérico e incerto da sentença, eis que a condenação vinculou que o atendimento das necessidades autorais se dê, especificamente, ao tratamento das seqüelas do AVC, exigindo, ainda, comprovação através de atestado médico. NEGATIVA DE SEGMENTO AO APELO, manifestamente inadmissível, na forma do art. 557, caput do CPC e CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA, no reexame necessário, nos termos do artigo 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e da Súmula nº 253 da Corte Superior.”75 Defende-se ainda que o valor jurídico do cuidado para com a pessoa idosa

é informado pelo princípio do seu melhor interesse.

Da mesma forma, já se considerada um problema de saúde pública,

identificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), qualquer tipo de

violência, crueldade ou opressão contra o idoso. A pessoa idosa faz jus à tutela

integral e prioritária, segundo o princípio do seu melhor interesse, o qual não

condiz com ação única, repetida, ou ausência dela quando devida, vivenciada

numa relação em que haja expectativa de confiança do idoso e que acabe por lhe

causar sofrimento e angústia.76 Repita-se, que todo atentado aos direitos do idoso,

por ação ou omissão, será punido na forma da Lei e que é dever de todos prevenir

tal ameaça ou violação aos direitos do idoso, de acordo com o princípio do seu 75 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.00167. Apelante: Município do Rio de Janeiro. Apelado: José Ribeiro da Conceição. Relatora: Desembargadora Conceição A. Mousnier. Julgada em: 31.05.2006. 76 MACHADO, Laura e QUEIROZ, Zally V. Negligência e maus tratos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 791.

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melhor interesse. Essas asserções são corroboradas pelo Estatuto do Idoso que, no

capítulo destinado à disciplina do direito fundamental à saúde da pessoa idosa

dispõe em seu art. 19:

“Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra ao idoso serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos seguintes órgãos: I – autoridade policial; II – Ministério Público; III – Conselho Municipal do Idoso; IV – Conselho Estadual do Idoso: V – Conselho Nacional do Idoso” Observe-se que o parágrafo segundo do art. 4º do Estatuto do Idoso faz

menção aos princípios adotados pela Lei, nos seguintes termos: “As obrigações

previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios

por ela adotados.”

Tratam-se, nessa referência aos princípios adotados pela Lei, do princípio

do melhor interesse e dos sub-princípios da proteção integral e prioritária do

idoso, a iluminar toda interpretação dessa legislação e de outras afins. Tais

princípios possuem a capacidade de prever outras obrigações decorrentes do seu

conteúdo de valor, cujas formulações serão desenvolvidas pela doutrina e pelos

poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “Não se pode proteger de modo

adequado o direito de envelhecer com um elenco de hipóteses, ainda que

enunciativo.”77

O princípio do melhor interesse do idoso nasce a partir de uma

interpretação analógica de seu conteúdo dogmático-normativo com os conteúdos

da mesma estirpe de proteção à criança e ao adolescente. É imperioso relembrar

que o princípio do melhor interesse da criança consta de uma Convenção

Internacional ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 99.710 de 1990, e que

constitui um princípio constitucional em vigor no ordenamento jurídico pátrio, em

consonância com o disposto no art. 5º, parágrafo 2º da Constituição da República

que dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”78

77 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70. 78 Grifou-se.

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Princípios são normas e é sabido que se “procederá à aplicação analógica

das normas quando estas não contemplem uma hipótese específica, mas regulem

outra semelhante entre elas que se aprecie identidade de razão.”79

Se o ordenamento jurídico brasileiro acolhe o princípio do melhor

interesse da criança, também deve encampar, por analogia, o mesmo princípio a

favorecer o idoso, pois a razão de o menor necessitar de um princípio

especialíssimo, em razão de sua tenra idade, é o mesmo atribuído às pessoas de

idade muito adiantada. A vulnerabilidade em virtude da idade é comum entre

crianças, adolescentes e idosos, por isso, a tutela especial dessas faixas etárias

tem, guardadas as devidas proporções, a mesma razão de ser.80

Assim, se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o

princípio do melhor interesse do idoso são análogos, porque compartem a mesma

característica, qual seja, a vulnerabilidade dessas pessoas em razão da idade, tal

relação pode expressar-se também assim: o princípio do melhor interesse da

criança e do adolescente existe e é válido porque crianças e adolescentes são

vulneráveis, como o princípio do melhor interesse do idoso existe e é válido,

porque os idosos são vulneráveis.81

79 Trata-se de ensinamento de RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico. Madrid: Civitas, 1986, p. 26. O autor também cita um exemplo de analogia: “As relações que se dão entre uma companhia de barcos de vapor e seus passageiros, que tenham tomado camarotes para sua comodidade durante a viagem, não difere em nenhum aspecto essencial da que se dá entre o hoteleiro e seus hóspedes. (...) As duas relações, se bem que não são idênticas, apresentam uma analogia tão estreita que deveria ser-lhes de aplicação a mesma regra de responsabilidade. Somos da opinião, por conseguinte, de que o demandado deveria verdadeiramente ser considerado como responsável pelo dinheiro roubado ao demandante, sem necessidade de prova alguma de negligência.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 80 RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico, p. 29: “Quando os juristas falam de analogia, querem referir-se por comum a um procedimento argumentativo que permite transladar a solução prevista para um caso, a outro distinto, não regulado pelo ordenamento jurídico, mas que se assemelha ao primeiro enquanto que comparte com aquele certas características essenciais ou bem – para empregar a solução clássica recolhida pelo Código Civil espanhol – a mesma razão (eadem ratio). [Traduziu-se livremente do espanhol] 81 RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico, p. 35. “... A relação de analogia pode formular-se sempre como uma analogia de relações: se dois conceitos ou os objetos denotados pelos mesmos, por exemplo, dois casos jurídicos, A e B, são análogos porque compartem a característica x, dita relação pode expressar-se também assim: A está para x como B está para x. [Traduziu-se livremente do espanhol]

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Mais: o princípio do melhor interesse do idoso não se reduz a um princípio

setorial, aliás, “as denominadas ‘orientações setoriais’ nem sempre são eficientes

para a tutela da personalidade e dos direitos fundamentais da pessoa humana”82 .

Logo, o princípio de que se trata, é expressão do princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana considerada em suas peculiaridades. Em outras

palavras, “o princípio do melhor interesse do idoso, de base constitucional, é

consectário natural da cláusula geral de tutela da pessoa humana e, por excelência,

fonte da proteção integral que é devida ao idoso.”83

Entende-se que o princípio do melhor interesse do idoso é recepcionado

pelo art. 5º, § 2º da Constituição, no sentido de que os direitos e garantias

expressos nela não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados, recebendo, pois, a natureza de fundamental.

O direito à proteção integral, com absoluta prioridade e segundo o

princípio do melhor interesse é garantido pela Constituição na medida em que o

idoso é pessoa mais vulnerável que outras de diferente faixa etária, e seu

tratamento especial decorre do princípio constitucional da dignidade conferido à

pessoa humana. Essa dignidade faz urgente interpretar o direito a partir de um

olhar acerca das diferenças, possibilitando a convivência de distintas gerações

com o conhecimento do que as aproxima e afasta, preservando, antes de tudo, a

pessoa em sua situação singular. Destarte, “não existe um número fechado de

hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles

colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas”84, como a colisão de

interesses de pessoas idosas com outros interesses de crianças e adolescentes,

situação na qual haverá necessidade de uma minuciosa ponderação.

O princípio do melhor interesse do idoso apresenta-se como princípio

porque constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada

de decisões em benefício do idoso, possui dimensão de peso, a qual ganhará

relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-

se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que o melhor

interesse se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades 82 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70. 83 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 57. 84 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 156.

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jurídicas e fáticas; essas dadas por um caso concreto ou abstrato envolvendo o

idoso. 85

O princípio analisado possui como qualidade a determinação da realização

de um fim juridicamente relevante, qual seja, o melhor interesse do idoso, que só

será realizado se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação

demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim –

o melhor interesse do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como

necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática.

3.3 Análise Comparativa dos Princípios Assegurados à Criança, ao Adolescente e ao Idoso no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A Constituição da República de 1988 tratou, no seu Capítulo VII, da

família, da criança do adolescente e do idoso.

“A família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevê o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade da pessoa humana. Sua tutela privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o exame da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse pressuposto finalístico: merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes.”86 A fim de garantir a dignidade e a realização dos componentes mais

vulneráveis da família, a Constituição tratou de valorizá-la não como simples

instituição, mas como núcleo de tutela dos seus integrantes.87 Dentre eles,

encontram-se em situação de vulnerabilidade especial crianças, adolescentes e

idosos. Por isso, os princípios lhes assegurados em nível constitucional e

infraconstitucional serão objeto de análise.

85 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70: “Tome-se como exemplo o idoso em ‘situação de risco’ (art. 43, Lei 10.741/03), que resulta dentre outras causas do ‘abuso da família’ ou da ‘condição pessoal’ do idoso. A fórmula legal contém conceitos indeterminados e sua interpretação diante do caso concreto deverá atender não só as diretrizes fixadas pela lei, como (e principalmente) o melhor interesse do idoso, para que se efetive a proteção integral que lhe é assegurada pelo Estatuto.” 86 TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada em matrimônio. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 326-327. 87 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 350.

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Para comparar os princípios assegurados às crianças, aos adolescentes e

aos idosos foram formuladas as seguintes variáveis:

1ª. As disposições constitucionais, que se subdividem em: a. atribuições

constitucionais especiais em virtude da vulnerabilidade, b. o princípio do melhor

interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos, c. o sub-princípio da absoluta

prioridade de crianças e adolescentes em nível constitucional, d. o direito à

acessibilidade como expressão do princípio do melhor interesse das crianças dos

adolescentes e dos idosos, e. o direito ao cuidado como expressão do princípio do

melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos;

2ª. As disposições infraconstitucionais, que se subdividem em: a. das

legislações específicas em função da vulnerabilidade de crianças, adolescentes e

idosos, b. o princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos

idosos, c. o sub-princípio da proteção integral das crianças dos adolescentes e dos

idosos, d. o sub-princípio da absoluta prioridade outorgado às crianças, aos

adolescentes e aos idosos.

1ª Variável: As Disposições Constitucionais

a. Atribuições constitucionais especiais em virtude da vulnerabilidade.

Faz-se importante notar que nesse capítulo a Constituição concedeu

tratamento diferenciado a dois sujeitos da comunidade familiar: crianças,

adolescentes e idosos. É que se tutelam de maneira singular os membros mais

vulneráveis dessa comunidade, atribuindo-lhes princípios de proteção e direitos da

mesma linhagem diferenciados dos conferidos aos demais componentes.

O caput do art. 227 da Constituição da República dispõe em favor de

crianças e adolescentes que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.” O caput do art. 230, também da Constituição, prescreve em favor dos

idosos que:

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“A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida” Em comum, possuem tais atribuições em seu favor como dever da família,

da sociedade e do Estado. Ambos os artigos asseguram às crianças, adolescentes e

aos idosos os direitos à dignidade e à vida.

b. O princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos

idosos

Os princípios do melhor interesse da criança, do adolescente e do idoso

consistem em construções doutrinárias extraídas do art. 5º, § 2º da Carta

constitucional, mas provêm de momentos diferentes do mesmo dispositivo. O

princípio a proteger as crianças e adolescentes decorre de tratado internacional

ratificado pelo Brasil e o mesmo princípio favorável aos idosos decorre da não

exclusão de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios

adotados pela Constituição. Nessa hipótese, o princípio do melhor interesse do

idoso decorre do princípio da dignidade da pessoa humana em sua unicidade

quando envelhecida.88

c. O sub-princípio da absoluta prioridade de crianças e adolescentes

em nível constitucional

Assegura-se às crianças e adolescentes com absoluta prioridade, os direitos

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária. A letra da Lei Maior também lhes coloca a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão. Os

idosos não têm, a princípio, esta disposição de absoluta prioridade em seu favor.

Reza o § 3º do art. 227 em prol de crianças e adolescentes que:

“O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observando o disposto no art. 7º, XXXIII;

88 Nesse sentido, BARBOZA, Heloisa Helena. O melhor interesse do idoso, p. 71; “Constata-se implícito no preceito constitucional o princípio do melhor interesse do idoso, como expressão da proteção integral que lhe é devida com absoluta prioridade. Tal princípio, de inegável valia como critério hermenêutico, diante da complexidade da situação existencial do idoso, revela-se instrumento hábil na efetivação da tutela da dignidade das pessoas que se encontram num estado mais avançado da existência humana.”

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II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.” Os idosos também não gozam dos aspectos próprios da proteção especial

garantida ao menor exatamente porque eles foram estabelecidos de acordo com as

particularidades do grupo infanto-juvenil.

d. O direito à acessibilidade como expressão do princípio do melhor

interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos

Quanto ao direito à acessibilidade, o inciso II do parágrafo 1º e parágrafo

2º do art. 227 focou crianças e adolescentes portadores de deficiência física:

Veja-se o teor do art. 227, § 1ºe § 2º:

“§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como a integralização social do adolescente portador de deficiência, mediante treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.”89 Aos idosos, na forma do § 2º do art. 230, o que se garantiu foi a gratuidade

dos transportes coletivos urbanos desde que atingida a idade de sessenta e cinco

anos, independentemente de deficiência física, sensorial ou mental, nos seguintes

termos: “Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos

transportes coletivos urbanos.”

89 Grifou-se.

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O direito à acessibilidade é expressão do princípio do melhor interesse das

crianças dos adolescentes e dos idosos em nível constitucional, corroborado pelo

art. 15, § 4º do Estatuto do Idoso.

e. O direito ao cuidado como expressão do princípio do melhor

interesse das crianças, dos adolescentes e dos idosos

Quanto ao cuidado prestado a crianças, adolescentes e idosos, a

Constituição, usando de vocábulos diferentes, consagrou a solidariedade entre

gerações da mesma família voltada para os seus membros vulneráveis na forma do

art. 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar, educar os filhos menores, e os

filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade.” O direito ao cuidado especial, no seio da família, também é

expressão do princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes.90

Fazem jus ao mesmo cuidado especial advindo da família os idosos, segundo o

princípio do seu melhor interesse.91 Observe-se que o cuidado, tanto para crianças

e adolescentes, quanto o dirigido aos idosos, não se restringe à solidariedade

intergeracional no âmbito familiar, mas também à solidariedade que deve provir

da sociedade e do Estado em relação aos seus membros mais vulneráveis, em

razão da idade reduzida ou avançada.

2ª Variável: As Disposições Infraconstitucionais

90 PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1016: “Absolutamente incapaz de realizar, por si mesmo, a tarefa de prover a própria sobrevivência, o recém nascido encontra na mãe o cuidado, o refúgio e também a proteção para os perigos que se intensificam diante da vulnerabilidade extrema de sua condição. Evidencia-se a dependência do Outro para sua sobrevivência, não só aos perigos reais da vida, como também já se esboça essa dependência frente à própria vida psíquica do indivíduo. Assim, esse estado primordial de desamparo desempenha um papel decisivo na estruturação do psiquismo, que se constitui fundamentalmente na relação com o Outro, ou seja, o ser humano só sobrevive porque o outro o deseja. Essa é a origem de ser amado e cuidado, perpetuada no ser humano até a sua morte.” 91 PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1017: “Se a morte triunfa sobre a vida, que a vida se prepare para recebê-la, mostrando-se na glória de suas realizações. Por isso a escuta é tão importante, no convite à rememoração da história pessoal do idoso. Assim como a resolução possível de pendências, sempre, indefinidamente...até o último dos fins, num trabalho para a emergência do desejo, ou seja, para viabilizar à pessoa idosa estar num lugar de primazia ao fim da vida, para a celebração de sua existência.”

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a. As legislações específicas em função da vulnerabilidade de crianças,

adolescentes e idosos

A Lei 8. 069 de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

e dá outras providências, como a Lei 10. 741 de 2003 dispõe sobre o Estatuto do

Idoso e dá outras providências. De início, as duas leis preferiram chamar seu

conjunto de regras de estatuto, mas não é pela identidade de vocábulo em si que se

aproximam, mas, antes, porque ambas têm caráter protecionista das faixas etárias

sobre as quais discorrem pela sua intrínseca vulnerabilidade.

b. O princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos

idosos

Os princípios do melhor interesse de crianças, adolescentes e idosos, como

já se disse, apresentam-se como construções doutrinárias extraídas da formulação

prevista no parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da República. Como o princípio

do melhor interesse do idoso, de natureza constitucional, se compõe, além de

outros atributos, pelos sub-princípios da proteção integral e da absoluta prioridade

estabelecidos em prol das pessoas idosas, compreende-se, da mesma forma, que o

princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes se conforma não só,

mas também, por meio dos sub-princípios da proteção integral e da absoluta

prioridade concedida ao grupo infanto-juvenil.

c. O sub-princípio da proteção integral das crianças dos adolescentes e

dos idosos

O art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe em seu art. 1º que

“esta Lei dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente”, e o art. 3º

confirma assertiva ao afirmar que:

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” Aqui se encontra o sub-princípio da proteção integral das crianças e dos

adolescentes, tutelando-os do modo mais alargado, segundo suas necessidades

especiais.

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O art. 2º do Estatuto do Idoso dispõe:

“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação da sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” Consagra-se, assim, o sub-princípio da proteção integral do idoso no

sentido de ampará-lo da forma mais abrangente possível, conforme já observado.

Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto o Estatuto do Idoso

adotam literalmente o sub-princípio da proteção integral para as categorias

vulneráveis que resguardam, mas a maneira de tratá-los é distinta.

Enquanto o Estatuto do Idoso visa, assegurando por lei ou por outros

meios, todas as oportunidades e facilidades para preservar a saúde física e mental

das pessoas idosas, o Estatuto da Criança e do adolescente garante-lhes, também

por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes

facultar o desenvolvimento físico e mental. Note-se que o foco é diferente. Ao

idoso é dado o ensejo de preservar sua saúde psicofísica, ao passo que aos infantes

e púberes dá-se circunstância favorável para desenvolvê-la.

Ao tempo em que o Estatuto do Idoso prescreve a garantia de todas as

oportunidades e facilidades para o aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e

social do idoso, em condições de liberdade e dignidade, aos jovens é afiançado o

direito a crescer moralmente, espiritualmente e socialmente em condições de

liberdade e dignidade.

Assim, tudo que a pessoa de idade alcançou em termos de boa saúde deve

ser mantido e o que não obteve nessa seara, possibilitado, considerando as

atribulações próprias do envelhecimento. Para a criança e o adolescente o

universo de possibilidades em questões de saúde é maior, pois a menor idade traz

conjuntura facilitadora para seu desenvolver. As diferenças existem porque os

idosos se encontram em situação de vulnerabilidade em virtude da senescência

que caminha em sentido oposto ao da vulnerabilidade de crianças e adolescentes,

cuja fragilidade decorre de seu estado peculiar de desenvolvimento.

De todo modo, na medida de suas singularidades, tanto idosos quanto

crianças e adolescentes gozam da mesma tutela integral.

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d. O sub-princípio da absoluta prioridade outorgado às crianças, aos

adolescentes e aos idosos

Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º, caput:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Na mesma esteira, o Estatuto do Idoso dispõe em seu art. 3º, caput:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito à convivência familiar e comunitária.” Percebe-se que os artigos são praticamente idênticos, com diferença no

que diz respeito ao trabalho assegurado ao idoso, quando, às crianças e

adolescentes, assegura-se o preparo para o ingresso nele por meio do acesso à

profissionalização; e a referência à cidadania é feita somente em face do idoso, já

que numa acepção clássica, esta é adquirida “com a obtenção da qualidade de

eleitor, que documentalmente se manifesta na posse do título de eleitor válido.”92

De outro modo, mesmo na concepção clássica, essa prerrogativa consta como

direito fundamental constitucional do adolescente de dezesseis anos, na forma do

art. 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição da República, que prevê o voto

facultativo.

O que sobreleva em ambos os artigos consiste no abrigo do sub-princípio

da absoluta prioridade atribuída tanto aos idosos quanto às crianças e aos

adolescentes na efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária e a obrigação, na dicção do Estatuto do Idoso, ou o dever,

na dicção do Estatuto da Criança e do Adolescente, tanto da família, da

comunidade, da sociedade em geral e do poder público de assegurá-los.

A garantia de prioridade das crianças e dos adolescentes compreende, na

forma do parágrafo único do art. 4º do seu Estatuto:

92 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 348.

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“a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” Nesse ponto, há alguma assimetria e muitas similaridades na garantia de

prioridade auferida à população infanto-juvenil e à idosa.

A criança e o adolescente gozam de primazia no recebimento de proteção e

socorro em quaisquer circunstâncias na forma do art. 4º, parágrafo primeiro,

alínea a, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal primazia no recebimento de

proteção e socorro não foi garantida aos idosos pelo Estatuto do Idoso. Porém,

não se entende que haja uma resposta apriorística a garantir às crianças e aos

adolescentes primazia no recebimento de proteção e socorro em quaisquer

circunstâncias, quando os idosos sofrerem das mesmas necessidades de proteção e

socorro num caso de colisão de interesses de crianças, adolescentes e idosos, pois

ambas as categorias têm, numa interpretação constitucional, absoluta prioridade.

As aproximações estão contidas nas outras garantias de prioridade

estabelecidas nos Estatutos. Assim como o menor possui precedência de

atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública na forma do mesmo

artigo e parágrafo, na alínea b; o idoso também possui atendimento preferencial

imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de

serviço à população na forma do art. 3º, parágrafo único, inciso I, de seu Estatuto.

Ressalte-se que os beneficiários dessas normativas possuem atendimento

prioritário em relação às pessoas de outra faixa etária junto aos organismos

públicos. Crianças e adolescentes também têm primazia nos serviços de relevância

pública, que podem até ser privados. Idosos possuem, consoante a letra da Lei,

preferência de atendimento também nos ambientes privados. Ao idoso garantiu-se

ainda imediatez e individualização no seu atendimento.

Embora essas referências lingüísticas não estejam no Estatuto dos

menores, parece que a precedência lhes concedida nos serviços públicos ou de

relevância pública implica atendimento também imediato e individualizado.

Outras semelhanças relativas à prioridade dessas categorias vulneráveis

dizem respeito tanto à preferência na formulação e na execução das políticas

sociais públicas em seu favor contida tanto no art. 4º, parágrafo único, alínea c, do

Estatuto da Criança e do Adolescente e no art. 3º, parágrafo único, inciso II, do

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Estatuto do Idoso, quanto a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas

relacionadas com a sua proteção, consoante art. 4º, parágrafo único, alínea d, do

Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 3º, parágrafo único, inciso III, do

Estatuto do Idoso.

O Estatuto do Idoso foi ainda mais abrangente ao garantir aos anciãos a

prioridade, seja consentido frisar, na viabilização de formas alternativas de

participação, ocupação e convívio com as demais gerações, na priorização do seu

atendimento por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, na

capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e

gerontologia e na prestação de serviços, no estabelecimento de mecanismos que

favoreçam a divulgação de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de

envelhecimento, na garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência

social locais, na forma dos incisos III, IV, V, VI, VII e VIII do parágrafo único do

art. 3º. Além do mais, o Estatuto previu no art. 71, como reflexo do sub-princípio

da absoluta prioridade outorgada ao idoso, que:

“É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução de atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. § 1º. O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova da sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo. § 2º. A prioridade não cessará com a morte do beneficiado estendendo em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos. § 3º. A prioridade se estende aos processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos serviços de Assistência Judiciária. § 4º. Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis.” Essas prerrogativas, como efeito da absoluta prioridade atribuída

especificamente às pessoas na terceira idade, não são concedidas às crianças e aos

adolescentes, mas cada Lei, a seu modo, garante a ambos, na medida de suas

necessidades, proteção prioritária.

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3.3.1 A Análise Civil-Constitucional dos Princípios Assegurados Às Crianças, Aos Adolescentes e Aos Idosos

Apesar da disposição que consagra o sub-princípio da absoluta prioridade

de crianças e adolescentes em nível constitucional não se pode dizer que pessoas

dessa faixa etária tenham prioridade de proteção em relação aos idosos dentro do

sistema jurídico brasileiro. Isso ocorre porque a interpretação do Direito vincula-

se às escolhas e aos valores do ordenamento como um todo e é nesse sentido que

“fragmentos do mundo”93, como o dispositivo constitucional que tutela

prioritariamente crianças e adolescentes só “podem ser entendidos se se conhece o

mundo ao qual pertencem”94, e que elege como princípio fundamental a dignidade

da pessoa humana.

A partir da cláusula geral de tutela da pessoa humana extraída do princípio

constitucional de sua dignidade torna-se possível asseverar que “o seu conteúdo

não se limita a resumir os direitos tipicamente previstos por outros artigos da

Constituição, mas permite estender a tutela a situações atípicas.”95

É exatamente esse o caso do sub-princípio da absoluta prioridade que se

compreende também atribuído ao idoso de acordo com a axiologia constitucional.

Se, pela interpretação do art. 5°, parágrafo 2º da Constituição exsurge o princípio

do melhor interesse do idoso, do qual a absoluta prioridade é sub-princípio, resta

claro que a Constituição também acampa a absoluta prioridade como princípio em

favor do idoso, embora assim não disponha literalmente, pois “a negação do estar

em si mesmo do direito positivo implica a recusa de métodos puramente

lingüísticos da interpretação, como se a interpretação consistisse unicamente na

análise da linguagem, puramente formal, do legislador.”96

Isto posto, em caso de colisão de interesses atrelados a crianças,

adolescentes e a idosos, há de se fazer uma criteriosa ponderação dos direitos e

dos valores resguardados pelos princípios atribuídos a ambos, a fim de se decidir,

de acordo com as especificidades do caso concreto, quem gozará da absoluta 93 Expressão de PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 80. 94 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 80. 95 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 155. 96 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67.

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prioridade; no ponto específico desse trabalho, quem gozará da absoluta

prioridade no acesso à saúde. Logo, não há uma resposta apriorística de qual dos

interessados terá uma reposta favorável num conflito de razões. O intérprete,

nesses casos, deve adotar critérios para bem sopesar princípios, direitos ou

interesses que estejam em jogo. 97

Já se sugeriu que a primeira etapa adotada no processo de ponderação

fosse o arranjo dela, em que se analisariam todos os dados do caso e assuntos a ele

relacionados para se aferir exatamente o objeto do balanceamento; a segunda

etapa consistiria no desempenho da ponderação, quando se fundamentaria a

relação entre as importâncias sopesadas; a terceira etapa versaria sobre a

reconstituição da ponderação, com a elaboração de regras de preponderância entre

os itens componentes do sopesamento com aspiração de validade para casos

similares.98 Ainda assim, advertiu-se que o intérprete poderá usar outros critérios

para fazer o balanceamento, levando sempre em conta os princípios

constitucionais.99

Não há, por conseguinte, e nem pode haver, um resposta a priori para a

situação de confronto de interesses, de direitos ou de princípios protetivos de

crianças, adolescentes e idosos, a não ser que se trabalhasse com exemplos

elaborados em abstrato, o que não se pretende, dadas as limitações deste trabalho.

Dogmaticamente, tanto os infantes e púberes quanto os velhos são titulares da

proteção especial proveniente da família, da comunidade, da sociedade em geral e

97 Consoante AMARAL, Francisco. O código civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo-decisório. In: Revista Forense. Rio de Janeiro. Vol. 385. Maio/Junho de 2006, p. 98-99: “Não é demais repetir que a interpretação é hoje tema fundamental do pensamento jurídico, apresentando-se não mais como a investigação semântica das disposições normativas, visando à sua ‘aplicação’, mas como um problemático processo de realização do direito, ‘não sendo exagero afirmar que ‘no pensamento jurídico dos últimos decênios pode observar-se uma preocupação especial por todos os assuntos relativos à interpretação das normas jurídicas, centrando-se, ultimamente, quase todos os debates no processo de obtenção de decisões’. Verifica-se, assim, verdadeira mudança da perspectiva tradicional, que partia do sistema jurídico, por meio do raciocínio da subsunção, para o problema a resolver ou a própria decisão.” 98 Essas são formulações de ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 87 e 88. 99 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 88.

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do Poder Público, segundo os sub-princípios da tutela integral e absolutamente

prioritária, de acordo com o princípio do seu melhor interesse.100

O princípio do melhor interesse do idoso, seja consentido frisar, é

consectário do princípio da dignidade da pessoa humana, que não tolera um

tratamento formalmente igualitário e materialmente desigual entre pessoas de

idades díspares em virtude das vulnerabilidades acarretadas pela velhice. Logo, a

pessoa humana é tutelada tanto pelo direito constitucional quanto pelas leis

setoriais, em seus princípios e regras, levando-se em conta suas particularidades,

seu momento de vida, em uma palavra: sua unicidade, para que não seja lesada em

seus direitos, principalmente quando se trata da parte fraca de uma relação ou

situação jurídica levada ao Poder Judiciário para apreciação e decisão. 101

Nesse sentido, interpretar o direito dos idosos de acordo com o princípio

do seu melhor interesse significa, em questões relativas à sua saúde, não só

conceder-lhe esse direito fundamental de maneira prioritária em relação aos seus

outros direitos, mas também de lhe conferir prioridade no acesso à saúde em face

de direitos concorrentes da mesma estirpe de pessoas de outras faixas etárias.

Resta claro, portanto, que nas relações da pessoa idosa com o Estado ou

com a iniciativa privada na prestação de sua saúde, vigora o princípio do seu

melhor interesse como corolário de sua dignidade a guiar toda interpretação

dessas relações. Assim, “viver dignamente é viver com saúde e qualidade, daí a

importância e a relevância para as pessoas de mais idade de terem acesso a um

plano de saúde privado ou receberem um digno tratamento da saúde pública.”102

100 Em sentido diverso, DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p. 138: “...Havendo conflito de interesses entre a priorização no atendimento da criança ou adolescente, e da pessoa idosa, a prioridade deverá ser concedida aos primeiros (por força de disposição constitucional), permanecendo, após, a prioridade do idoso em relação aos demais cidadãos (por força de norma legal infraconstitucional).” 101 Observe-se, pois, o magistério de AMARAL, Francisco. O código civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo decisório. In: Revista Forense. Vol. 385. Maio/Julho de 2006, p. 97: “A interpretação jurídica não tem por objetivo descobrir o sentido e o alcance de uma regra jurídica, mas sim, constituir-se na primeira fase de um processo de construção ou concretização da norma jurídica adequada ao caso concreto. Apresentando-se as regras jurídicas como proposições lingüísticas de caráter geral, deve o intérprete, a partir do seu texto, construir a norma-decisão específica para o caso em tela, tendo em vista o ser humano in concreto, situado, não o sujeito de direito in abstracto, próprio do direito liberal da modernidade.” 102 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 390.

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Afinal, “nada representa mais a dignidade do ser humano do que sua vida

respeitada e a morte tranqüila.”103

103 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 390.

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4 A Saúde da Pessoa Idosa Como Direito Fundamental e o Papel do Estado na Sua Consecução 4.1 Notas Sobre a Historicidade dos Direitos Fundamentais

Antes de serem positivados, os direitos do homem já eram discutidos

principalmente pelos filósofos no âmbito do jusnaturalismo. A fim de justificar a

existência de direitos inatos, provenientes simplesmente da condição humana,

partiu-se da idéia de um estado de natureza, separado do aporte estatal, perante o

qual o ser humano possuía direitos reduzidos, porém essenciais, como a vida, a

liberdade e a propriedade.1 Nessa esteira, afirmava-se que: “o Direito como

ciência sistemática, divide-se em Direito Natural, que se funda em princípios

puramente a priori, e em Direito positivo (regulamentar), que tem por princípio a

vontade do legislador.”2 Para Kant, havia apenas um direito natural ou inato: a

liberdade. Segundo o filósofo, “a liberdade (independência do arbítrio de outro),

na medida em que possa subsistir com a liberdade de todos, segundo uma lei

universal, é esse direito único, primitivo, próprio de cada homem, pelo simples

fato de ser homem.”3 “Aqui é suficiente dizer que o conceito de liberdade próprio

à teoria liberal do Estado é o conceito de liberdade como não-impedimento.”4

Ressalta-se o pensamento de Kant, pois ele representa a etapa conclusiva

da primeira fase da história dos direitos do homem, que vai alcançar seu cume nas

declarações iniciais de seus direitos não mais enunciados por filósofos, mas pelos

detentores do poder de governo, que não se contentavam mais com a simples

existência abstrata de direitos naturais. 5 Naquele momento, ao final do século

XVIII, já se fazia indispensável que eles fossem materializados e reconhecidos

1 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: COUTINHO, Carlos Nelson. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73 e 74. 2 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. Tradução de: BINI, Edson. São Paulo: Ícone, 1993, p. 55. 3 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito, p. 55. 4 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução de: FAIT, Alfredo. Brasília: UNB, 1984, p. 74. 5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 73.

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pelo Estado. Ao mesmo tempo, Kant contribui para a formação do conceito de

Estado de Direito que possui interdependência com os direitos fundamentais,

esses, próprios de um Estado em que as leis são soberanas e que não partem do

arbítrio dos poderosos.6

Assim, a origem dos direitos fundamentais encontra-se na Declaração de

Direitos do Povo da Virgínia de 1776, um marco da Revolução Americana, e na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ponto máximo da

Revolução Francesa, mas é a primeira que representa o marco da passagem dos

direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais.7

Ainda imbuídos do espírito jusnaturalista, os direitos fundamentais

constantes das primeiras constituições escritas, surgem como direitos do indivíduo

frente ao Estado, delimitando uma área de não interferência estatal e um domínio

de autonomia do indivíduo face ao Poder Público, que deveria se abster de intervir

na esfera privada da vida das pessoas. Chama-se esta fase precursora dos direitos

fundamentais de primeira dimensão desses mesmos direitos civis e políticos,

atribuídos aos cidadãos, no início do constitucionalismo do Ocidente pelo Estado

Liberal.

Porém, significativos para o estudo da saúde da pessoa idosa como direito

fundamental são, principalmente, os denominados direitos de segunda dimensão,

surgidos no século XIX, quando já não havia tanta necessidade de se justificar a

existência de direitos em face do Estado, mas de assinalar que existem direitos

que devem provir dele.

Todavia, há de se ressaltar que não há incompatibilidade entre os direitos

fundamentais de primeira e os de segunda dimensão, tendo em vista que as

extensões de direitos fundamentais se complementam abrangendo, inclusive,

novas dimensões, todas baseadas na acepção de que a dignidade da pessoa

humana é o norte a guiar os direitos humanos de índole fundamental.

Como conseqüência da Revolução Industrial, do surgimento do

proletariado e das manifestações socialistas que reivindicavam mais que um

direito à liberdade formal, quer-se dizer, a liberdade perante a lei, passou a existir

um clamor por liberdade em bases materiais, que oferecesse aos menos 6 PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 32. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 47.

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favorecidos justiça social.8 Nascem, portanto, os direitos fundamentais sociais,

econômicos e culturais compostos pela vindicação do eficaz exercício das

liberdades positivas e com o condão de assegurar aos mais necessitados, igualdade

de oportunidades próprias de um Estado de Direito dirigido também pela justiça

material.9 Nesse passo, os direitos sociais firmam-se quão direitos de libertação

da necessidade e, ainda, quão direitos de promoção, cujo conteúdo é a

organização da solidariedade.10 Configuram-se também direitos à igualdade

substancial e gozam de um regime jurídico diferenciado defronte a uma

desigualdade de fato que, por seu implemento, será limitada ou superada.11

Concomitantemente, na virada para o século XX, surgem as expressões

primitivas do que seria o Estado do Bem-Estar Social, cujos direitos, consagrados

constitucionalmente, adjudicavam aos indivíduos prestações estatais que não

constituíam apenas uma abstenção no domínio de suas vidas particulares, mas um

agir efetivo por intermédio de atuações que garantissem um mínimo vital para sua

subsistência, tais como estabelecidos na Carta Mexicana de 1917 e na

Constituição de Weimar de 1919. Inclusive, a Constituição de Weimar foi o texto

inspirador de outras cartas constitucionais que se estabeleceram após o fim da

Segunda Grande Guerra, cujo intento era conjugar os direitos de liberdade com os

direitos econômicos, sociais e culturais.12 A chegada dessa segunda dimensão de

direitos fundamentais, notadamente em nível constitucional, obrigava o Estado a

8 PARCERO, Juan Antonio Cruz. Los derechos sociales como técnica de protección jurídica. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 89: “Seria ingênuo e inclusive torpe pensar que o problema dos direitos sociais é um problema exclusivamente jurídico; quando falamos de direitos sociais, fazemos referência a certos bens ou valores (justiça, igualdade, saúde, educação, et coetera), e mais especificamente, a uma série de pretensões ou demandas para obter ou garantir ditos bens ou valores que consideramos um meio para obter aquilo que chamamos justiça social.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 9 Segundo o que QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, assevera na p. 161: “A ‘igualdade de chances’ (não de condições), a concorrência de oportunidades, enfim, a alternativa da minoria a maioria, substituem-se hoje ao comando da ‘vontade geral’ como categorias gerais ‘legitimadoras’ da acção que o Estado entretanto assumiu no domínio da economia e da sociedade.” 10 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 105. 11 SANCHÍS, Luis Pietro. Los derechos sociales y el principio de igualdad sustancial. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 25 e 26. 12 PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 40.

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desempenhar prestações positivas, que se garantiam por intermédio de políticas

públicas interventivas. Dessa maneira, o conceito de direitos sociais se

correlaciona com o de Estado Social. Os direitos fundamentais ainda tiveram

reconhecimento no âmbito internacional por meio da expressiva Declaração de

Direitos Humanos da ONU datada de 1948 e, posteriormente, pelo Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.

Sem nenhuma dúvida os direitos sociais pressupõem um protagonismo do

Poder Público na medida em que tais direitos encampam prestações oferecidas

pelo Estado.13 O que se propugna por meio dos direitos sociais é um Estado que

pratique a justiça distributiva, que aceite a responsabilidade de garantir aos seus

membros uma base mínima de bem estar, que proporcione os meios adequados à

existência humana em condições de dignidade. “Alude-se aqui aos interesses de

natureza existencial: mínimo existencial e respeito à dignidade, no exercício do

princípio da igualdade, este válido não obstante as condições pessoais e a

idade.”14 Tem-se ciência de que o problema do idoso assume não só dimensões

individuais como, ao mesmo tempo, sociais.15 E os direitos sociais à prestações

“são direitos do indivíduo, (e portanto, também do idoso) frente ao Estado a algo

que – se o indivíduo possuísse meios financeiros bastantes e se encontrassem no

mercado uma oferta suficiente – poderia obtê-los também de particulares.”16, mas,

não tendo, cabe ao Poder Público prestá-los.

Atente, todavia, que não só direitos sociais geram custos para o Estado. Os

direitos civis e políticos também dependem de prestações positivas que não se

esgotam na abstenção estatal.17 A fim de tutelá-los, configura-se necessário que o

Estado gaste, por exemplo, com regulamentação, definindo o alcance e a restrição

13 PELÁEZ, Francisco J. Contreras. Derechos sociales: teoría e ideologia. Madrid: Tecnos, 1994, p. 17. 14 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340. [Traduziu-se livremente do italiano] 15 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340. 16 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 69. [Traduziu-se livremente do espanhol e se acrescentou (e também do idoso)] 17 Esta é a tese desenvolvida por HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass. The cost of rights – why liberty depends on taxes. New York: Norton and Company, 1999, passim.

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desses direitos, com regulação administrativa, com o exercício do poder de polícia

frente às agressões provenientes do próprio Estado ou de particulares, com a

efetivação das eleições para garantir o direito ao voto, entre outras despesas.18 A

propriedade, emblematicamente, é um direito civil que requer expensas estatais,

como o aparato da justiça civil e penal, com a força policial, com seus registros,

com os serviços de cadastro, com a fixação e o controle das zonas de uso do

solo.19

Do mesmo modo não é correto sustentar que os direitos sociais,

econômicos e culturais só se executam mediante prestações. Condutas omissivas

como as de não danificar a saúde, não deteriorar a educação ou não destruir o

patrimônio cultural, são maneiras de realizá-los mediante obrigações negativas.20

Como se vê, as dimensões de direitos civis e políticos e as de direitos

sociais, econômicos e culturais se intercruzam, de modo que a satisfação dos

primeiros não obsta a dos segundos e vice versa. Ambas as categorias

consubstanciam direitos de índole fundamental. Percebe-se a falácia de que

apenas os direitos sociais demandam ações positivas do Estado, pois os civis e

políticos também requerem atuações dessa natureza. Todos os direitos, enfim,

solicitam, em alguma medida, prestações positivas e negativas para auferirem

efetividade.

A diferença entre direitos civis e políticos e direitos sociais prestacionais

consiste no fato de que os custos dos segundos destinam-se às obrigações estatais

distributivas, que visam ao alcance da justiça social, como ocorre, por exemplo,

na prestação pública do direito à saúde às pessoas idosas. Na esfera jurídico-

política atual os direitos sociais “concretizam a obrigação do Estado de controlar

os riscos do problema da pobreza, que não podem ser atribuídos exclusivamente

18 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 137e 138. 19 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales, p. 137. 20 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales. In: Trabajo, derechos sociales y globalización: algunos retos para el siglo XXI Coordenador: ANTÓN, Antonio. Madrid: Talasa, 2000, p. 175 e 176.

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aos próprios indivíduos, restituindo um status mínimo de satisfação das

necessidades pessoais.” 21

4.2 A Saúde Como Direito Fundamental e Exigível

Não há dúvida de que os direitos são custosos para o Estado. A questão

dos custos, porém, não seria problemática se os recursos estatais fossem

suficientes para contemplar todo tipo de assistência que os cidadãos necessitam e

merecem, afinal, contribuem com tributos para que o Poder Público os gerencie

em benefício da sociedade.

Todavia, parece que em todo o mundo, mesmo nas nações mais ricas, a

dificuldade da escassez de recursos é empecilho para que o povo goze

satisfatoriamente dos direitos que devem provir do aparato governamental.22

Se essa discussão tem pertinência nos Estados Unidos, evidentemente, é

uma discussão central num país em desenvolvimento como o Brasil.23 Afinal,

quanto se deve investir em saúde no país? Em que medida os recursos públicos

devem ser alocados em prol da saúde de sua população idosa?

Várias propostas têm sido elaboradas pelos estudiosos da matéria e,

comumente, são discutidas teorias como a da “reserva do possível”, do “mínimo

existencial”, com base na doutrina majoritária alemã.

A locução “reserva do possível” contextualiza o dilema de cunho

econômico que se dá quando as necessidades sociais são ilimitadas e os recursos

21 BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.130. 22 Discorrendo sobre a justiça e o alto custo da saúde nos Estados Unidos da América, DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de: SIMÕES, Jussara. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 431-432, pergunta: “Mas quanta assistência médica uma sociedade razoável deve tornar acessível a todos? Não podemos oferecer a todos a assistência médica que os mais ricos entre nós podem comprar para si. Como decidir qual é o nível mínimo de assistência médica que a justiça exige que até os mais pobres tenham?” 23 Nesse sentido a obra de AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, passim.

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do Erário para supri-las, insuficientes. Nesse sentido, a sociedade teria que se

contentar com uma fronteira que demarca o que é possível para o orçamento

público, a fim de atendê-la. Todos os direitos subjetivos públicos sociais possuem

um custo, portanto, renomadas vozes sustentam que, para assumi-los, faz-se

cogente estejam eles atrelados à “reserva do possível”. Nesses termos, baseando-

se na formulação de Jellinek, afirma-se categoricamente que: “O status positivus

socialis, ao contrário do status positivus libertatis, se afirma de acordo com a

situação econômica conjuntural, isto é, sob a ‘reserva do possível’ ou na

conformidade da autorização orçamentária.”24

Historicamente, a expressão “reserva do possível” possui origem

germânica, formulada pelo Tribunal Constitucional Alemão, e não só diz respeito

à existência de reservas públicas suficientes como também à fronteira do razoável

para que os cidadãos exijam da sociedade por meio de prestações estatais, mesmo

que o Estado tenha condições de satisfazê-las.25

Há importantes colocações sobre a retórica da “reserva do possível” pelos

doutrinadores brasileiros e portugueses.

A primeira delas diz respeito ao fato de tal elaboração não ter sede na

Constituição alemã, mas sim em seu Tribunal Superior, acostumado a lidar com as

vicissitudes daquela comunidade “com base em realidades culturais, históricas, e,

acima de tudo, sócio-econômicas completamente diferentes” das brasileiras. 26

Sustenta-se que, ainda que a doutrina da “reserva do possível” tivesse emanado da

Carta alemã, parece também questionável a passagem desta formulação jurídica

própria do contexto alemão, portanto, do denominado primeiro mundo, para um

país com tantas mais desigualdades sociais como o Brasil.27

24 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Organizador: TORRES, Ricardo Lobo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 297.[ grifou-se] 25 BverfGE nº 33, p. 303. Decisão na qual a Corte decidiu pelo Estado não ter que criar tantas vagas nas universidades públicas para receber toda a gama de estudantes interessados em cursá-las. 26 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 51. 27 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 51.

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Todavia, caso se considere a “reserva do possível” um argumento válido

no âmbito pátrio, outra grande questão existente diz respeito a quem compete

decidir qual é a medida da “reserva do possível” para os direitos sociais. Seria do

legislador ordinário ou dos tribunais tal competência?

Posições merecedoras de respeito afirmam que essa atribuição

(competência) seria do titular do poder político, na medida em que a motivação

invocada fosse objetivamente constatada28e que a pré-ponderação seria do

legislador em face das possibilidades orçamentárias estatais, o que impediria o

alvedrio do Poder Judiciário acerca da alocação de recursos sem ter em conta o

entendimento do legislador político democrático.29 Em estreita síntese,

arguementa-se: “as opções que permitirão definir o conteúdo dos cidadãos a

prestações positivas do Estado têm de caber, portanto, a um poder constituído.”30

Portanto, à “reserva do possível” soma-se o argumento da reserva parlamentar em

matéria orçamentária, o que toca o princípio da separação de poderes.31

Dentro dessa mesma linha de argumentação entende-se, inclusive, que os

direitos sociais não seriam direitos originalmente fundamentais.32

Com todo respeito, e sem desprestigiar a relevância da discussão que ainda

se procederá em face às indagações postas, não se comunga da opinião que os

direitos sociais, reduzidos à reserva do possível, teriam que ser alocados tão

28 Nesse sentido, NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da república portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 294. 29 É o que assevera TORRES, Silvia Faber. Direitos prestacionais, reserva do possível e ponderação: breves considerações e críticas. In: Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Organizadores: GALDINO, Flávio e SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 785. 30 DE ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 192. 31 Consoante SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Ano 1. Vol. 1. Abril/2001, p. 35. 32 Referindo-se ao “mínimo existencial”, TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 177. Julho/Setembro, 1989, p. 29, assevera: “Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originalmente não fundamental (direito à saúde, à alimentação, etc.)...” Recentemente, o autor confirma a sua posição afirmando em A jusfundamentalidade dos direitos sociais. In: Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XII, Lumen Juris, 2003, p. 370, que: “... Esse é o caminho que leva à superação da tese do primado dos direitos sociais sobre os direitos da liberdade, que inviabilizou o Estado Social de Direito, e da confusão entre direitos fundamentais e direitos sociais, que não permite a eficácia destes últimos sequer na sua dimensão mínima.” [grifou-se]

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somente pelo legislador ordinário quando houver ofensa às disposições

constitucionais legitimadas pelo legislador originário, muito menos de que os

direitos sociais não consubstanciam direitos de origem fundamental.

Há de se constatar, contudo, que é grande a polêmica doutrinária e

jurisprudencial a girar em torno da exigibilidade judicial dos direitos sociais

prestacionais, entre os quais se inclui o direito à saúde, até porque, como já se

destacou, questiona-se, nesse particular, se direitos desse jaez fazem mesmo parte

do conjunto de direitos fundamentais.33

A resposta acertada parece ser a que reconhece os direitos sociais como

efetivos direitos fundamentais porque são princípios do Estado de Direito e fazem

parte do núcleo do constitucionalismo atual, possibilitando que as pessoas aufiram

um grau de humanização cabível em cada momento histórico. Nesse diapasão, os

direitos sociais possuem um núcleo irredutível, isto é, um limite ao alvedrio do

legislador, por constituírem prestações sem as quais os indivíduos não poderiam

sequer desenvolver sua liberdade.34 Dessa forma, a liberdade desponta como o

principal argumento em favor dos direitos sociais, no sentido de que a liberdade

jurídica, para fazer ou deixar de fazer algo, não possui qualquer valor se não

acompanhada da liberdade real (fática), de eleger o que fazer dentro do que se

permite; e tal liberdade, no âmbito da sociedade industrial hodierna, depende

essencialmente de atividades estatais.35

Nota-se, portanto, que a liberdade se estabelece como argumento em prol

tanto dos direitos de defesa quanto dos direitos prestacionais. Assim como os

direitos de defesa, os sociais também estão fulcrados na idéia de que a dignidade

da pessoa só pode ser alcançada com condições de liberdade para todos.36

Para justificar que os direitos fundamentais devem também assegurar a

liberdade fática, ressalta-se a importância dela para os homens, por lhes propiciar

condições de não viver abaixo de mínimas condições existenciais, de não lhes

condenar a nada fazer ou de não se verem excluídos da vida cultural de sua época.

33 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales, p. 178. 34 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales, p. 179. 35 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 73. 36 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 22.

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Ademais, esta forma de liberdade permite que o ser humano possa se desenvolver

livre e dignamente na comunidade social.37

Observe-se que a Constituição brasileira atual tratou dos direitos sociais

exatamente no seu Título II, que cuida dos direitos e garantias fundamentais,

atribuindo-lhes capítulo próprio, erguendo-os, de maneira ostensiva, à posição de

legítimos direitos fundamentais e, portanto, diferenciando-os da reminiscência

provinda da Carta de 1934 e das seguintes, anteriores à de 1988, que os positivava

no título da ordem econômica e social.38

Firmada a fundamentalidade dos direitos sociais como direitos que

viabilizam a liberdade real e de que esse predicado decorre de expressa disposição

da Constituição brasileira de 1988, pergunta-se: os direitos sociais possuem

garantia de ser sindicáveis perante os tribunais? Esta questão está diretamente

ligada à de quem possui competência para decidir acerca da “reserva do possível”,

caso se considere esse argumento válido para a prestação de direitos sociais

fundamentais.

A doutrina aponta uma objeção formal à judiciabilidade dos direitos

sociais fundamentais, no sentido de eles gerarem um deslocamento da política

social do parlamento para os tribunais e, no plano material, argumenta-se que os

direitos sociais não são conciliáveis, ou, pelo menos, entram em colisão, com as

normas constitucionais materiais que conferem direitos de liberdade, pois os

direitos fundamentais sociais são muito custosos e o Estado só distribui aquilo que

arrecada dos proprietários de bens por meio de tributos. 39

Mas, em resposta à oposição formal aos direitos sociais fundamentais,

portanto, em sua defesa, a mesma doutrina afirma em seguida que, de acordo com

a divisão de poderes e com a democracia, a atribuição de decidir acerca do

conteúdo dos direitos fundamentais é do legislador diretamente legitimado pelo

povo, porém, cabe aos tribunais, o papel de deliberar de acordo com o que o

legislador já tenha decidido.40

37 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 75. 38 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 17. 39 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 77-79. 40 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 77.

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O que parece correto é que, se há escassez de recursos financeiros, o que

estiver disponível será obrigatoriamente aproveitado na persecução dos direitos

considerados fundamentais pela normativa constitucional até que esses sejam

alcançados. Posteriormente sim, o legislador infraconstitucional poderá decidir em

que aplicar os recursos que sobejarem, se sobrarem, de acordo com as prioridades

decididas democraticamente em cada ocasião.

O direito fundamental à saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse

sentido, se os recursos do Erário são insuficientes, que se retirem insumos de

outras áreas não contempladas pelo Constituinte com a jusfundamentalidade que

fora outorgada a esse direito de cunho essencial, que envolve a integridade

psicofísica e a vida dos cidadãos. Fazer relativizações em face do direito à saúde

acaba por “levar a ‘ponderações perigosas’ e anti-humanistas do tipo ‘por que

gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?”41 ou, por que gastar

dinheiro com doentes idosos, principalmente com os muito idosos, se eles se

encontram biologicamente próximos da morte?42

Por tudo isso, sustenta-se que cumpre aos tribunais executar o que a

Constituição determina e que tal atitude não fere a democracia e nem o princípio

da tripartição de poderes.

Quanto à objeção material apontada, especialmente no que toca às

liberdades jurídicas de outros, entende-se que essas liberdades são afetadas em

medida reduzida, já que o que se garante por meio dos direitos fundamentais

sociais é um mínimo vital.43 Dentro desse mínimo, evidentemente, estão

englobadas prestações de saúde adequadas.

Há que se lembrar, inclusive, que a construção da teoria da “reserva do

possível” partiu de um tribunal alemão! Por que, então, os tribunais brasileiros

não poderiam discutir e decidir acerca de uma formulação originária do Poder 41 41 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 53. 42 Essa perspectiva desumana e utilitarista é analisada por ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008: “Sob a ótica utilitarista, como ser velho não é equivalente a estar doente ou ser incapaz de dar alguma contribuição à sociedade, a estigmatização e o abandono social atingem os dependentes e ineficientes, o que equivale a justificar, sob a ótica da utilidade, as situações de exclusão e abandono social daqueles que se verifica inviável a recuperação da capacidade distributiva.” 43 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 81.

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Judiciário estrangeiro? Parece plausível, se transferida a formulação jurídica da

“reserva do possível” para o contexto brasileiro, sustentar que constitui tarefa da

doutrina e dos tribunais desenvolvê-la, evidentemente, considerando os aspectos

sócio-econômicos que a envolvem, bem como a situação social e econômica do

Brasil.44

Mas ainda há outros obstáculos para a exigibilidade judicial dos direitos

fundamentais como: i- a determinação da conduta devida, ii- a auto-restrição do

Poder Judiciário frente a questões políticas e técnicas, iii- a inadequação dos

mecanismos processuais tradicionais para a tutela dos direitos sociais, iv- a

escassa tradição de controle judicial na matéria.45

Em primeiro lugar, o problema de exigir a prestação dos direitos

fundamentais sociais tem a ver com a dificuldade de se especificar concretamente

qual seja a conduta devida pelo Estado, em outras palavras, no que consiste o

conteúdo do direito social. A essa assertiva é possível contra argumentar: o

entrave aludido não resulta próprio dos direitos sociais, haja vista ser difícil

também definir o conteúdo de outros direitos constitucionais, tais como, o

significado da propriedade ou o alcance da noção de igualdade. Nem por isso tais

direitos consentem em não auferir tutela jurisdicional, razão pela qual os sociais

também não devem deixar de recebê-la.46

A auto-restrição do Poder Judiciário frente a questões políticas e técnicas

leva em consideração que o Estado, ao definir que direitos sociais merecem sua

ação positiva, elege políticas públicas prioritárias e os juízes costumam considerar

que tais opções pertencem aos órgãos políticos e não a si. Entretanto, o que existe

é uma deficiência de ativismo judicial e a inconsciência de que o Pode Judiciário

não só pode, como também precisa resolver esse tipo de demanda, afinal, todas as

44 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 53: “No Brasil, como em outros países periféricos, é justamente a questão analisar quem possui legitimidade para definir o que seja ‘o possível’ na área das prestações sociais básicas face à composição distorcida dos diferentes entes federativos. Os problemas de exclusão social no Brasil de hoje se apresentam numa intensidade tão grave que não podem ser comparados à situação social dos países membros da União Européia.” 45 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles. Madrid: Trotta, 2002. p. 117- 132, passim. 46 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p. 122-123.

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situações em termos de direitos sociais envolvem questões políticas ou técnicas, e

se torna imperioso que o intérprete as enfrente, judicializando o que apenas

aparentemente possui teor técnico ou político, se há ações ou omissões

inconstitucionais por parte dos Poderes Públicos.47

A inadequação dos mecanismos processuais tradicionais para a tutela dos

direitos sociais existe porque, até recentemente, eles se desenvolveram para a

tutela dos direitos civis e trabalham com a noção de direitos subjetivos clássicos,

com dificuldade de lidar com os direitos subjetivos públicos. Nada obsta, todavia,

sejam criadas e desenvolvidas engenharias processuais a fim de sanar a violação

de obrigações que possuem como fonte, direitos sociais. Muito além disso já está

o Brasil que lida diuturnamente com ações civis públicas na defesa do

consumidor, do meio ambiente, das crianças e dos adolescentes e, recentemente,

dos idosos, por exemplo.48

A escassa tradição de controle judicial em matéria de direitos sociais é, ao

contrário do que parece, incentivo para que se criem novas crenças a partir das

atuais contingências. Há que se reverter essa cultura de não reclamar

judicialmente direitos fundamentais de caráter social porque, não provocar o

Judiciário gera retrocesso jurídico na medida em que é própria construção de

precedentes jurisdicionais que viabiliza a conformação de princípios de atuação

aplicáveis em processos análogos. Julgados favoráveis à prestação estatal de

direitos sociais promovem uma mudança de atitude dos tribunais em face dessas

questões e estimula os menos afortunados a buscar justiça material por essa via.49

Nesse sentido, já se percebe que as pessoas idosas, mesmo com toda sua

vulnerabilidade, têm se articulado para, por intermédio do Poder Judiciário, obter

exames, próteses, remédios e objetos, como por exemplo, fraldas descartáveis –

que se integram na categoria de medicamentos – a fim de receber a tutela de seu

direito à saúde na medida das necessidades próprias da terceira idade. Tão

importante como a atitude dos anciãos, tem sido o ativismo judicial nessa matéria,

47 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p. 127-129. 48 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p.129-131. 49 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p.131-132.

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pois, na grande maioria dos casos consultados, a reposta do Poder Judiciário foi

favorável à pretensão dos idosos em matéria de saúde, que não os consideraram

quaisquer pessoas a procura de atendimento, mas sim, pessoas com a

particularidade de idosas a buscá-lo.

Observe-se, por exemplo, o pedido de prótese concedido na forma dessa

ementa:

“Agravo de instrumento. Antecipação de tutela determinando o fornecimento de aparelho ortopédico pelo Estado. Sapato especial para correção de encurtamento de membro inferior, ocasionado por acidente. Súmula nº 65 do TJ/RJ. Deriva-se dos mandamentos dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela. Função terapêutica do aparelho, objetivando o tratamento da deformidade física sofrida pelo autor. Incidência do art. 15, § 2º, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Artigo 557, caput, do CPC.” Ademais, em questões de saúde, há de ser ter em conta o caráter de

emergência da prestação buscada por meio de uma decisão judicial, posto que o

indeferimento de tal pedido, especialmente a um idoso, pode acarretar

comprometimento irreversível nas suas condições psicofísicas, ou mesmo o

sacrifício de sua vida, razão pela qual se impõe a consideração do direito à saúde

como um direito subjetivo do indivíduo invocável judicialmente.50 Levando-se em

conta, muitas vezes, a emergência da prestação reclamada, torna-se urgente a

tutela jurisdicional em caráter liminar.

Conscientes de estar lidando com a vida e a dignidade da pessoa humana

envelhecida, os tribunais têm concedido antecipadamente o direito pleiteado nessa

seara, não obstante a proibição legislativa ordinária de concessão de tutela

antecipada contra o Poder Público e a orientação do Supremo Tribunal Federal no

sentido da constitucionalidade dessa legislação.51

50 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Nº 10. Salvador, Janeiro/ 2002, p. 13. 51 Nesse sentido impõe-se a colocação de BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 127: “Uma pessoa na velhice possui uma condição física naturalmente mais debilitada, o que não lhe permite suportar, durante muito tempo, uma patologia qualquer. O que seria suportável para uma pessoa jovem ou adulta, pode ser fatal para o idoso e, assim, o rápido atendimento pode ser a diferença entre a vida e a morte.”

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Veja-se a ementa em favor da marcação urgente de exames para um ser

idoso:

“Constitucional. Marcação de Exame Médico. Paciente idoso. Decisão agravada que deferiu antecipação de tutela para marcação de exames médicos necessários ao réu, ora agravado, no prazo de 48 horas sob pena de multa fixada em R$ 300,00. Obrigação Solidária dos entes federativos. Matéria pacificada pela Súmula nº 65 deste egrégio Tribunal de Justiça. Deriva-se dos mandamentos dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela”52 Aliás, a referida súmula nº 65 do TJRJ contraria o entendimento de

proibição de tutela antecipada contra o Poder Público, o que se confere em seus

próprios termos: “Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da

Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da

União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e

conseqüente antecipação de tutela.”

Como ressaltado, a doutrina também opina no sentido de que, o garantido

por meio dos direitos fundamentais sociais, é um mínimo vital.53 No Brasil,

desenvolve-se a teoria do “mínimo existencial” e em Portugal, alguns

doutrinadores preferem a expressão “mínimo social”, tradução exata da

formulação pioneira alemã, ao se referir a tais direitos. Mudando o vernáculo,

tanto ao discorrer sobre “mínimo vital”, “mínimo existencial” ou “mínimo

social”, os jurisconsultos têm tratado de questões que se aproximam, embora

chegando a conclusões diferentes, no sentido do quanto se pode assegurar aos

indivíduos em matéria de direitos sociais, dentre os quais se destaca a saúde,

direito de natureza prioritária, já que pressuposto para o gozo de qualquer outro

direito fundamental.

O “mínimo existencial” é construção teórica que não possui presciência na

Constituição, mas se encontra relacionada ao conceito de liberdade, aos princípios

constitucionais que prevêem a igualdade, às imunidades e privilégios dos cidadãos

que dele necessitam e aos desideratos da Declaração Universal dos Direitos dos

52 TJRJ. Agravo de Instrumento nº 2006.002.12199. Agravante: Município do Rio de Janeiro. Agravado: Adilson Mattoso de Gouvêa. Relator: Desembargador Marco Antonio Ibrahim. Julgada em 2007. 53 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 81.

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Homens, possuindo, portanto, status constitucional.54 Tal construção relaciona-se

também com o problema da pobreza, especialmente da pobreza absoluta,

mediante a qual não há possibilidade de inércia do Estado, pois, sem um mínimo

indispensável à própria existência, não há sequer como falar de sobrevida dos

homens e se cessam as “condições iniciais de liberdade”.

O “mínimo existencial” tem força de direito, pois está implícito no

princípio da dignidade da pessoa humana e na idéia de um Estado Social de

Direito.55 Como os direito sociais podem ser apreciados quão implementadores da

justiça social, ligados ao dever comunitário de promoção da pessoa humana,

infere-se que esses direitos positivos são expressão direta do Estado Social de

Direito, que, além de abarcar os direitos de defesa e liberdade do Estado Liberal

clássico – na medida em que a relação entre as duas dimensões de direitos

fundamentais é complementar e não excludente – provoca uma distribuição justa

e adequada dos bens aos mais necessitados.56 Nesse termos, o Estado coloca o

“mínimo existencial” em prática quando, por exemplo, realiza prestações de

serviço público gratuitamente, como acontece com a assistência à saúde apesar da

falta de contraprestação, por meio da engenharia advinda da Constituição que

prevê a imunidade tributária, ou por subvenções e auxílios financeiros como

ocorre no fornecimento não oneroso de remédios à população que deles carece.57

Considera-se importante registrar que a idéia de um “mínimo existencial”

não enfraquece os direitos sociais. Pelo contrário, ela aumenta as chances de que

os desprovidos de condições de obtê-los por si, os recebam na estatura do

essencial, o que garante sejam prestados com a máxima eficácia.58 Ressalte-se que

o “mínimo existencial” tem sua extensão aprofundada e, inclusive, maximizada,

na medida da essencialidade do bem que o Estado vá prestar,59 porque sua

54 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais, p. 29 e 42. 55 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais, p. 30-32. 56 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 19. 57 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos, p. 268. 58 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos, p. 268. 59 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas, p. 215.

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substância é parte do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana,60

razão pelo qual o “mínimo existencial” em matéria de saúde, e, particularmente,

em questões que envolvam a saúde da pessoa idosa, direito de ordem prioritária e

componente do teor do princípio da dignidade da pessoa humana, é,

evidentemente, alargado. 61

Especialmente no que concerne ao direito à saúde, pode-se afirmar que ele

constitui não só direito de defesa, no sentido de respeito à integridade psicofísica

do ser humano e de afastamento dos atos degradantes e desumanos, como também

direito à prestações por parte do Estado em prol dos titulares de um direito

subjetivo público que reclama medicamentos, exames de várias ordens,

atendimento médico e hospitalar, ou seja, toda gama de fornecimento para a

concreta realização desse direito fundamental dentro do limite do razoável, que

afasta, por exemplo, tratamentos odontológicos não imprescindíveis, ou

medicamentos de laboratórios caros, quando existem sucedâneos da mesma

composição química e na mesma posologia a um custo menor.62

60 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, p. 125. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 61: “O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para o homem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as conseqüências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.” Ressalte-se que quando o autor refere-se aos direitos fundamentais está se referindo, inclusive, aos direitos sociais aos quais chama de direitos fundamentais sociais. [grifou-se] SARLET, Ingo Wolfgang, em Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 2, salienta: “Consoante já assinalado, por mais que se queira advogar a causa dos adversários da constitucionalização de um direito à saúde (como, de resto, dos demais direitos sociais), a nossa Constituição vigente, afinada com a evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, não só agasalhou a saúde como bem jurídico digno de tutela constitucional, mas foi mais além, consagrando a saúde como direito fundamental, outorgando-lhe, de tal sorte, uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria.” 62 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 13, nota 16.

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Dessa maneira posicionou a decisão analisada, que, sem desmerecer o

direito à saúde da pessoa idosa, leva em consideração a doutrina do mínimo

existencial:

“...No mais, correta a r. sentença monocrática, devendo o réu fornecer os medicamentos PROPALA 250-50 mg; SIFROL 0,25, mg e SUPLAN 25 mg, todos na quantidade de 3 caixas, até o dia 5 de cada mês através de receituário médico, na quantidade e pelo tempo que for necessário, mediante comprovação periódica, devendo para isso a autora portar receitas atualizadas, facultando ao réu, no entanto, o fornecimento de substância genérica, que contenha o mesmo princípio ativo do medicamento objeto do pedido e da sentença, necessário ao tratamento da saúde da autora.”63

Nessa linha de raciocínio, portanto, deve ser entendido o “mínimo

existencial” em matéria de saúde, lembrando ainda que esse mínimo, porque

composto por condições básicas para a subsistência, permanece ínsito no princípio

maior da dignidade da pessoa humana, razão pela qual é merecedor da máxima

eficácia jurídica.64

Há, contudo, substanciosa crítica às doutrinas de origem germânica acerca

da “reserva do possível” e do “mínimo existencial” na conjuntura constitucional

brasileira.

As aproximações das Constituições brasileira e alemã são várias, até

porque muitos enunciados da Constituição de 1988 tiveram forte influência da Lei

Fundamental Alemã. Todavia, não é o que acontece em sede de direitos sociais,

praticamente inexistentes na vigente Lei Fundamental de Bonn, que não

incorporou em seu conteúdo nenhum dos direitos sociais de segunda dimensão

que faziam parte da anterior Constituição de Weimar, pela julgada má experiência

com essa última.65

Explica-se: a Constituição de Weimar, datada de 1919, foi uma das

pioneiras em matéria de positivação de direitos sociais e influenciou várias 63 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.59432. 9ª Câmara Cível. Apelante: Município de Saquarema. Apelado: Ministério Público. Relator: Desembargador Roberto de Abreu e Silva. Julgada em: 8. 01. 2007. [Grifou-se] 64 No mesmo sentido, DE BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 248. 65 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: A Constituição Concretizada: Construindo Pontes com o Público e o Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 36-38.

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constituições ocidentais. Mas, na ótica do pós-guerra alemão, ela significou uma

Carta fracassada, até mesmo um contributo para proliferação do regime nazista a

partir de 1933 e suas formulações de cunho social foram entendidas, tanto pela

direita, quanto pela esquerda, como “promessas vazias do Estado burguês”.66

Corrobora esse entendimento o fato de o primeiro ato governamental do Reich

alemão, o chamado Conselho do Povo, ter sido o restabelecimento da proteção ao

trabalhador e a fixação de prazo para a positivação de novas políticas sociais em

1918, que, no ano seguinte, são incorporadas à Constituição de Weimar –

especialmente no que concerne à saúde – na forma de direitos previstos nos

artigos 7, 7º, 8º, 119 e 161.67

Por isso, em 1949, o Poder Constituinte rechaçou a normativa que atribuíra

direitos sociais prestacionais, não lhes conferindo quase nenhum espaço. Apesar

do conceito de Estado Social estar contido no art. 20 da Lei Fundamental, os

intérpretes não lhes designam a conformação de direitos, mas de “mandados”,

sem o condão de instituir direitos subjetivos passíveis de concretização.68

Note-se, entretanto, que a teoria do “mínimo social” é formulação alemã

que diz respeito aos direitos fundamentais de primeira dimensão, os chamados

direitos de liberdade, e não aos direitos de segunda dimensão, onde se inserem os

direitos sociais e, respectivamente, o direito à saúde. Trata-se tal “mínimo” de

construção desse mesmo pós-guerra “que tinha de superar a ausência de qualquer

Direito Fundamental Social na Carta de Bonn, sendo baseada na função de estrita

normatividade e jurisdicionalidade do texto constitucional.”69

Veja-se, pois, que a transferência da dogmática do mínimo social para o

Brasil, aqui desenvolvido pela doutrina como mínimo existencial, abarcando

apenas os direitos sociais – dentre eles o direito à saúde – não parece de todo

acertada, pois não há juristas que defendam que dificuldades orçamentárias

66 Expressão de KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 38. 67 DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 22. 68 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 39-40. 69 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 60.

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possam restringir a um mínimo existencial a consecução dos direitos

fundamentais de primeira dimensão, que também podem ser custosos.70

70 Sem desconsiderar os argumentos da “reserva do possível” e do “mínimo existencial” o Supremo Tribunal Federal posicionou-se, consoante nosso entendimento, no sentido de o Poder Judiciário dever imiscuir-se nas questões, que, antes de tudo, têm base constitucional. STF. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgada em 29.04.2004: “Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental promovida contra veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material: “§ 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.” O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Requisitei, ao Senhor Presidente da República, informações que por ele foram prestadas a fls. 93/144. Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo após o veto parcial ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo. Em virtude da mencionada iniciativa presidencial, que deu causa à instauração do concernente processo legislativo, sobreveio a edição da já referida Lei nº 10.777, de 24/11/2003, cujo art. 1º - modificando a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 10.707/2003) - supriu a omissão motivadora do ajuizamento da presente ação constitucional. Com o advento da mencionada Lei nº 10.777/2003, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, editada para reger a elaboração da lei orçamentária de 2004, passou a ter, no ponto concernente à questionada omissão normativa, o seguinte conteúdo material: “Art. 1º O art. 59 da lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: ‘Art.59, § 3º Para os efeitos do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza. § 4º A demonstração da observância do limite mínimo previsto no § 3º deste artigo dar-se-á no encerramento do exercício financeiro de 2004.’ (NR).” (grifei) Cabe registrar, por necessário, que a regra legal resultante da edição da Lei nº 10.777/2003, ora em pleno vigor, reproduz, essencialmente, em seu conteúdo, o preceito, que, constante do § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), veio a ser vetado pelo Senhor Presidente da República (fls. 23v.). Impende assinalar que a regra legal em questão - que culminou por colmatar a própria omissão normativa alegadamente descumpridora de preceito fundamental - entrou em vigor em 2003, para orientar, ainda em tempo oportuno, a elaboração da lei orçamentária anual pertinente ao exercício financeiro de 2004. Conclui-se, desse modo, que o objetivo perseguido na presente sede processual foi inteiramente alcançado com a edição da Lei nº 10.777, de 24/11/2003, promulgada com a finalidade específica de conferir efetividade à EC 29/2000, concebida para garantir, em bases adequadas - e sempre em benefício da população deste País - recursos financeiros mínimos a serem necessariamente aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Não obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da

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Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional: “DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do

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Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado ‘livre espaço de conformação’ (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais

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Mas o direito social à saúde é peculiar, pois o direito à vida encontra-se

atrelado a ele. E a tutela da vida não requer apenas atitudes de defesa à integridade

psicofísica da pessoa humana por parte do Estado, mas também atitudes positivas

dele, uma vez que a proteção desse direito fundamental clássico depende também

da prestação de serviços públicos, a fim de que os indivíduos não passem por

graves intimidações à sua própria liberdade. Assim, o critério da viabilidade

orçamentária poderá ser relativizado quando a querela jurisdicional envolver a

vida humana, direito constitucional fundamental de primeira dimensão, cuja

eficácia – a preservação da integridade psicofísica da pessoa humana – depende

de condições materiais oferecidas pelo Estado.71 Nesse sentido, o fragmento do

julgado que condena o Município a prestar medicamentos adequados às

necessidades de pessoa idosa:

como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.” (grifei) Todas as considerações que venho de fazer justificam-se, plenamente, quanto à sua pertinência, em face da própria natureza constitucional da controvérsia jurídica ora suscitada nesta sede processual, consistente na impugnação a ato emanado do Senhor Presidente da República, de que poderia resultar grave comprometimento, na área da saúde pública, da execução de política governamental decorrente de decisão vinculante do Congresso Nacional, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 29/2000. Ocorre, no entanto, como precedentemente já enfatizado no início desta decisão, que se registrou, na espécie, situação configuradora de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental. A inviabilidade da presente argüição de descumprimento, em decorrência da razão ora mencionada, impõe uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro-Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar. Cumpre acentuar, por oportuno, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, estranhos à competência desta Corte, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175). Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de controle normativo abstrato de constitucionalidade, qualquer que seja a sua modalidade (ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD - ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar - enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata (...)” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, julgo prejudicada a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da perda superveniente de seu objeto. Arquivem-se os presentes autos.” 71 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 47.

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“...Pouco importa que o medicamento pleiteado não conste da lista de entidade administrativa. Na presente demanda, objetiva-se a proteção de um direito individual fundamental, qual seja, o direito à vida. Como já salientado, assegurar o direito à vida a uma pessoa, propiciando-lhe medicação específica que lhe alivie o sofrimento e a dor de uma moléstia ou enfermidade irreversível, é garantir-lhe o direito de sobrevivência, finalidade do Estado. Em face de sua magnitude constitucional e, pois, social, referido direito não pode se submeter a exigências administrativas – ipso facto, hierarquicamente inferiores aos comandos constitucionais e legais – que obstaculizem sua efetiva proteção. Em suma, o procedimento aludido pela municipalidade é inconstitucional e ilegal, pois contrário à concretização do direito individual fundamental à vida digna. Não prospera o argumento referente à ausência de previsão ou insuficiência de recursos orçamentários, uma vez que o custeio da saúde municipal deve constar, por exigência constitucional, de sua dotação orçamentária, a qual recebe, inclusive, contribuição da União, através de repasses do SUS. Ademais existe a viabilidade de compensação entre os órgãos dos entes federados, consoante o inciso VII, do art. 35, da Lei 8.080/90. Nesse esteio, inadmissível o cidadão ver-se prejudicado, por conta de eventuais entraves burocráticos, sobrelevando-se o direito à saúde e à vida esculpidos no rol do art. 5º da Constituição Federal, com os quais o Estado não pode barganhar, pois que norteados pelos princípios fundamentais da República, consubstanciados na cidadania e na dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da CRFB) [...] Na espécie, restou demonstrado pela documentação que se cuida de pessoa idosa, com 72 anos de idade (fls.07), cuja natural condição revela a imprescindibilidade do uso continuado dos remédios para preservação de sua saúde. Diante dessas considerações incide também a tutela específica estatuída pelo art. 15, caput e § 2º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)”72

O precedente ora estudado também leva em conta que o direito pleiteado

tem aplicação imediata na forma do art. 5º, § 1º da Constituição da República:

“Deveras, a Constituição da República denomina ‘direitos individuais’ o conjunto de direitos concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade e, nos termos do § 1º do seu art. 5º, as normas definidoras desses direitos têm aplicação imediata, inserindo-se, portanto, o fornecimento de medicamento aos carentes, na esfera da atuação obrigatória do Poder Público, na preservação da vida”73

Noutro sentido, que com o trazido à baila não se desarmoniza, já se

posicionava a doutrina de que não só o direito aos medicamentos, como medidas

de preservação da vida e consectários do direito à saúde, merecia a aplicação

imediata proveniente do art. 5º, § 1º da Constituição. Assim, os direitos sociais do

art. 6º, entre os quais se destaca o direito à saúde, não obstante sua colocação

72 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.50395. 2ª Câmara Cível. Apelante: Município de Barra Mansa. Apelado: Raimundo da Cunha. Relatora: Desembargadora: Suimei Meira Cavalieri. Julgada em: 24. 11. 2006. 73 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.50395. 2ª Câmara Cível. Apelante: Município de Barra Mansa. Apelado: Raimundo da Cunha. Relatora: Desembargadora: Suimei Meira Cavalieri. Julgada em: 24. 11. 2006.

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topográfica no âmbito da Carta brasileira, estariam sujeitos à idêntica

aplicabilidade imediata dos contidos no rol do art. 5º, por também conformarem

direitos fundamentais, logo, capazes de ordenar aos Poderes Públicos a maior

eficácia na sua concretização. Desse modo proclama-se que os enunciados

normativos que contêm direitos fundamentais devem ser imediatamente aplicados,

sem a necessidade da ingerência do legislador para que, definitivamente, não

fiquem à espera da disponibilidade dos órgãos estatais.74

Pelo exposto, não se entende que os direitos fundamentais sociais

plasmados na Constituição necessitem, para se efetivar, de opções políticas do

legislador em função do pluralismo ideológico ou por força de limitações jurídicas

de fato,75 já que a previsão constitucional parece suficiente para justificar sua

prelação pelo poder constituinte originário, de conformação absolutamente

democrática. Todavia, para os que assim não entendem, basta observar, no que

toca o direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro, a legislação

infraconstitucional que reafirma a sua jusfundamentalidade. A Lei Orgânica da

Saúde (Lei 8.080 de 1990) dispõe em seu art. 2º que: “A saúde é um direito

fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis

ao seu exercício.” E o Estatuto do Idoso prevê o direito à saúde dentro do Título II

da Lei 10.741, que trata dos direitos fundamentais da pessoa idosa.

Nesses casos, quando já se implantou o serviço público que vá atender um

direito fundamental, o não prestá-lo em desobediência à lei ordinária, dá ensejo ao

mandado de segurança, também pelo fato de o impetrante ser titular de um direito

subjetivo em face do Estado:76

“DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. REEXAME OBRIGATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. [...] 2- SENTENÇA QUE RECONHECEU O DEVER DO MUNICÍPIO DE FORNECER DETERMINADOS MEDICAMENTOS À IMPETRANTE,

74 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 9. 75 Posição de DE ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, p. 386. 76 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 32.

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PORTADORA DA DOENÇA DE PARKINSON, UMA VEZ QUE ESTA NÃO TEM CONDIÇÕES DE SUPORTAR OS SEUS ELEVADOS CUSTOS. 3- É DEVER SOLIDÁRIO DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS GARANTIR A SAÚDE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS, 6º, 23, II, 24, XII, 194, 195, 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DA LEI 8.080/90, BEM COMO DO ART. 15, § 2º, DO ESTATUTO DO IDOSO, LEI 10.741/2003.”77

Outra ementa da mesma Câmara Cível também concede segurança à

pessoa idosa portadora de doenças próprias da velhice, nos mesmos termos da

supra citada:

DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. REEXAME OBRIGATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. [...] 2- SENTENÇA QUE RECONHECEU O DEVER DO MUNICÍPIO DE FORNECER DETERMINADOS MEDICAMENTOS À IMPETRANTE, PORTADORA DE OSTEOPOROSE SENIL, INSUFICIÊNCIA VASCULAR CEREBRAL COM ATAQUES ESQUÊMICOS TRANSITÓRIOS UMA VEZ QUE ESTA NÃO TEM CONDIÇÕES DE SUPORTAR OS SEUS ELEVADOS CUSTOS. 3- É DEVER SOLIDÁRIO DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS GARANTIR A SAÚDE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS, 6º, 23, II, 24, XII, 194, 195, 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DA LEI 8.080/90, BEM COMO DO ART. 15, § 2º, DO ESTATUTO DO IDOSO, LEI 10.741/2003.”78

Apesar de os precedentes analisados fazerem expressa menção ao art. 15, §

2º do Estatuto do Idoso, há o que se criticar em sua fundamentação na medida em

que observam que a parte que requer a segurança não tem condição de suportar os

elevados custos do medicamento que requerem. O referido artigo e parágrafo

dispõem expressamente: “Incumbe ao Pode Público fornecer aos idosos,

gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como

próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou

reabilitação.” Ora! Parece claro que o Estatuto do Idoso não deixou margem de

dúvidas para que todos os idosos, bem ou mal abastados, tenham o direito de

recebê-los gratuitamente.79

77 TJRJ. Recurso do duplo grau obrigatório de jurisdição. nº 2006.009.00252. 7ª Câmara Cível. Impretrante: Lucy Cunha Paulsen . Impretrado: Município de Niterói. Relatora: Desembargadora Helena Candida Lisboa Gaede. Julgada em: 4. 04. 2006. 78 TJRJ. Recurso do duplo grau obrigatório de jurisdição. nº 2006.009.00050. 7ª Câmara Cível. Impretrante: Carminda Couto Justi. Impretrado: Município de Barra do Piraí. Relatora: Desembargadora Helena Candida Lisboa Gaede. Julgada em: 18. 04. 2006. 79 A fim de esclarecer o sentido de prótese e órtese, vale-se da lição de VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do idoso comentado, p. 39: “Há uma classificação ortodoxa entre órtese e

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Trata o art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso de norma protetiva do ser

humano vulnerabilizado pela idade e pelo convívio com mais doenças que a

população jovem não vivencia, e, por tais vicissitudes, passível de se super

endividar por gastos com medicamentos ou de ter sua existência reduzida ao

consumo deles.80 Por essas razões e pelo princípio do melhor interesse do idoso,

as prestações de medicamentos, exames laboratoriais, e afins serão gratuitas para a

pessoa idosa, sem se questionar sua condição financeira. Aliás, onde a Lei não

restringiu o direito, não cabe ao intérprete fazê-lo. “A problemática do idoso não

se exaure na tutela do cidadão, somente, ou do cidadão pobre; é preciso superar a

lógica típica da emergência e ‘olhar adiante’, e em tempo realizar uma situação

fundada sobre o fisiológico.”81

Melhor, nesse sentido, parece a decisão que se baseia na normativa

constitucional, na Lei do SUS e, principalmente, no art. 15, § 2º do Estatuto do

Idoso, sem tocar nas condições sócio-econômicas do idoso para obrigar o

Município à prestação de remédios e fraldas geriátricas, como se entrevê:

“Tratam os presentes autos, de Apelação interposta as fls. 55/62 por ente federativo municipal, em ação que veicula pretensão de obrigação de

prótese, diferenciando-as, eis que a lei não pode ter palavras inúteis ou equivalentes. E não contém, porque as palavras não são sinônimas. A prótese consiste num dispositivo implantado no corpo para suprir a falta de um órgão[...] Órtese já se distingue claramente pois é apenas um dispositivo, instrumento ou artifício para a recuperação parcial de um membro ou órgão já existente e ineficaz por si só. Uma perna mecânica e uma dentadura são próteses; um aparelho corretivo para os dentes pode ser uma órtese (serve para pôr os dentes em ordem).” 80 Nesse sentido, Faculdade de Farmácia, UFMG, Belo Horizonte e ENSP Sergio Arouca, FIOCRUZ, Rio de Janeiro. Composição dos gastos com medicamentos utilizados por aposentados e pensionistas com idade igual ou superior a 60 anos em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. In: Cadernos de Saúde Pública. V. 23. nº 6. Rio de Janeiro. Junho, 2007, p. 1: “O objetivo do presente estudo foi analisar a composição dos gastos privados com medicamentos utilizados por indivíduos com 60 anos ou mais de idade, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. A população estudada foi uma amostra representativa de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) nessa faixa etária e residentes no Município de Belo Horizonte, entrevistados num inquérito domiciliar. Foram calculados os gastos mensais com medicamentos obtidos no setor privado e analisada sua composição considerando as características dos medicamentos. Responderam ao inquérito 667 indivíduos. Foi observado um gasto mensal privado médio de R$ 122,47 (US$ 38,91) com os medicamentos utilizados pelos participantes. Os grupos terapêuticos que representaram uma maior proporção dos gastos totais foram: sistema cardiovascular (26%), sistema nervoso (24%) e trato alimentar e metabolismo (15%). Em relação à categoria de registro dos medicamentos utilizados, os medicamentos de referência foram responsáveis por uma maior proporção dos gastos totais (54%). Os resultados deste estudo podem subsidiar políticas destinadas a melhorar o acesso a medicamentos e às condições sanitárias da população idosa brasileira.” 81 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano]

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fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de autor idoso, com fundamento nas normas constitucionais que informam a solidariedade dos entes integrantes da República quanto à manutenção da saúde dos cidadãos (arts. 1º, 23 e 196, CF), bem como, de normas do plexo legislativo ordinário instituidoras e reguladoras do Serviço estatal relativo à saúde (SUS) (arts. 4º e 6º, I. ‘d’, da Lei 8.080/90), matéria já reiteradamente julgada pela jurisprudência sendo inclusive objeto de verbete sumular (súmula 65 do TJERJ), por isso não oferecendo qualquer dificuldade devido ao teor eminentemente técnico da questão, de forma a conferir segurança bastante para o proferimento de decisão monocrática no presente processo. A matéria discutida refere-se ao ajuizamento de ação de obrigação de fazer em função da negativa por parte da autoridade e/ou órgão municipal quanto ao fornecimento dos medicamentos: I- CONSEDILOL; II- NIMODIPINA; III- LISINOPRIL; IV- AAS; V- BENERVA, bem como FRALDAS DESCARTÁVEIS, constantes nas prescrições médicas de fls. 10, bem como do decisum de fls. 51/54, à paciente idoso (art. 15, § 2º, Lei 10.741/03) que sofre de Hipertensão Arterial Sistêmica e Isquemia Cerebral, não tendo o município réu comprovado motivo legítimo para a negativa.[...] Pelo exposto, acolhendo os pareceres do MP em primeiro e segundo graus, com fundamanto no art. 557, caput, CPC, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO POR MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE.”82

O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu acerca do fornecimento

de medicamento gratuitamente para pessoa idosa com fulcro na Constituição da

República, porém, sem mencionar o Estatuto do Idoso; assinalando tratar-se de

pessoa desprovida de recursos financeiros:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. IDOSO. LEGITIMAIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS (MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO). ARTS. 196 E 198, § 1º, DA CF/88. PRECEDENTES DO STJ. FRECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadimissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/ STF e 211/STJ. 2. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde. 3. O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços de saúde prestados à população. Legitimidade passiva do Estado configurada. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”83

82 TJRJ. Apelação Cível nº 7877/2006. 16ª Câmara Cível. Apelante: Município de São Gonçalo. Apelado: Adir Neves Rodrigues. Relator: Desembargador Gerson Arraes. Julgada em: 21. 03. 2006.

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Nesse entorno, faz-se apologia à referência ao Estatuto do Idoso, pois

somente ele promove, com a gratuidade de medicamentos, de órteses e próteses,

de recursos relativos ao tratamento, habilitação e reabilitação, sem entrar no

mérito da situação financeira, a desospitalização da pessoa idosa. Quer-se que os

idosos obtenham as referidas prestações de forma gratuita não só, mas também,

para que possam viver em seu lar, na sua intimidade e na medida do possível,

afastados de um hospital ou de uma clínica, onde estariam internados. Pretende-se

que o idoso seja o mais independente possível de médicos, enfermeiros e

equipamentos específicos de instituições de atendimento à saúde, vivendo e se

desenvolvendo em seu habitat natural, tendo em vista que são altos os números de

morbidade e mortalidade de pacientes idosos hospitalizados.84

Por fim, começa-se a perceber o que adiante será reforçado: a temática do

“mínimo existencial”, certamente válida para evitar desperdícios e gastos

desproporcionais ao necessário à dignidade da pessoa humana, quando aplicada à

saúde das pessoas de idade avançada, não é, e sequer pode ser, tão mínima assim.

Vale aqui ressaltar o valor do cuidado que lhes deve ser consignado por sua

extrema vulnerabilidade física, psíquica e social. Amparar o idoso na forma

propugnada pela Constituição significa saber cuidar de sua senescência com as

singularidades que ela carrega. A desigualdade de fato dos idosos é a principal

motivação desse tipo de tratamento jurídico diferenciado em seu favor,

constituído por política pública advinda do Legislativo por meio de disposições

como a do art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso.

Portanto, o cuidado na seara da saúde em conformidade com a Lei 10.741

de 2003, atribui novas regras, além das previstas pela Constituição e pelas Leis do

SUS, para um sistema de saúde pública específico para o idoso, oferecendo-lhe

algumas prerrogativas a mais do que as destinadas às pessoas de idade jovem ou

83 STJ. Recurso Especial nº 828.140- MT (2006/0067547-0). Primeira Turma. Recorrente: Estado do Mato Grosso. Recorrido: Maria Euzébia do Nascimento. Relatora: Ministra Denise Arruda. Julgado em 20. 03.2007. [grifou-se] 84 Conforme observado por AMARAL, Ana Cláudia Santos, COELI, Claúdia Medina, ESTEVES DA COSTA, Maria do Carmo, CARDOSO, Vânia da Silva, DE TOLEDO, Ana Lúcia Araújo, FERNANDES, Carla Rodrigues. Perfil de morbidade e mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro. Novembro/Dezembro/2004, p.1616-1626.

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adulta, certamente com base nas suas aludidas condições especiais de

vulnerabilidade e no consectário princípio do seu melhor interesse.

4.3 O Direito à Saúde da Pessoa Idosa e o Papel do Estado na Sua Consecução

Revela-se paradoxal que o Brasil possua uma Constituição tão adiantada

em termos de direitos sociais e se configure uma das dez nações com a maior

economia do mundo, ao passo que trinta milhões de brasileiros vivem na situação

de indigência, sem um mínimo de condição de gozo dos serviços públicos básicos

como os de assistência social, moradia e saúde.85

A Constituição da República brasileira de 1988, em seu art. 196, diz que a

saúde é direito de todos e dever do Estado. A saúde é direito subjetivo, portanto,

“refere-se necessariamente a um sujeito para significar que ele goza de uma certa

posição favorável.”86 O direito subjetivo à saúde tem como titulares todos os seres

humanos do Estado brasileiro, razão pela qual trata-se de direito subjetivo

público, pois, a generalidade dos indivíduos está apta a gozar da situação

favorável de recebê-lo, conseqüentemente, todos os indivíduos podem exigi-lo do

Estado, porque sua prestação consubstancia dever dele.

Esse dever, na forma do artigo citado, é garantido mediante políticas

sociais e econômicas. Tais políticas públicas devem visar: i. à redução do risco de

doença e de outros agravos, ii. ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação, na forma do referido art. 196.

Observa-se, portanto, que a primeira política em prol da saúde traçada pelo

Estado tem caráter preventivo. Ao se referir à redução do risco de doença e de

outros agravos o texto constitucional remete a certas necessidades humanas para

uma vida saudável, tais como, higiene, saneamento básico, água potável,

alimentação adequada, segurança no trabalho, segurança no consumo de produtos

ou serviços, vacinação para evitar deficiências, meio ambiente sadio, entre outras, 85 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 26. 86 ASCENÇÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 38.

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a fim de que a saúde se mantenha e se previnam doenças e outros riscos como

epidemias, acidentes de trabalho ou acidentes de consumo, por exemplo.87

Em segundo lugar, a ordem constitucional elege como política, ações e

serviços que serão prestados quando a saúde já estiver, em algum patamar,

combalida, visando, à sua promoção, proteção ou recuperação. Nesses casos, as

políticas de prevenção às doenças e outros agravos devem somar-se às ações que

atuam diretamente sobre a debilidade apresentada.

O acesso à saúde é universal, porque imbuído da obrigação de abranger a

universalidade do povo do Estado brasileiro. 88

O Sistema Único de Saúde implementou-se para assegurar a saúde de

todos que dele precisarem e o escolherem. Criado pela Constituição brasileira de

1988, dois anos depois se regulamentou pelas Leis 8.080 de 1990 e pela Lei

8.142, também de 1990. É composto pelo conjunto de ações e serviços de saúde

oferecidos por instituições públicas federais, estaduais e municipais, e, de maneira

complementar, pela iniciativa privada que se vincule ao seu sistema.89 Ao

contrário do que se possa imaginar pela realidade social encontrada na saúde

pública, o SUS não foi criado para atender apenas à população carente, tal como

uma política de assistência social ou somente aos seus contribuintes, como ocorre

com as prestações previdenciárias.90 A universalidade a que a Lei alude significa

que o sistema público de saúde brasileiro destina-se a todos indistintamente.91

87 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde. Rio de Janeiro. Editora Rio, 2005, p. 79: “O princípio de que é dever do estado garantir a saúde ‘mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos’ contempla, de forma explícita, o reconhecimento da multicausalidade e de determinação social, econômica e política do processo saúde-doença.” 88 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde, p. 79: “O conceito de universalidade de cobertura é análogo ao reconhecimento de todos à saúde. Há quem o questione, por julgar que não corresponde à realidade ou às diferenças de consumo médico, que ocorrem na sociedade, relacionado a fatores socioeconômicos ou psicossociais e diferenças culturais.” 89 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil. In: Programa Multiplica SUS: Curso Básico Sobre O SUS: (Re) descobrindo O SUS Que Temos Para Construirmos O SUS Que Queremos. Brasília, 2007, p. 37 e 38. 90 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 158. 91 Não há, contudo, como se desprezar as experiências de quase vinte anos com o SUS, como bem explana BAHIA, Ligia. O SUS e os desafios da universalização do direito à saúde: tensões e padrões de convivência entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. In: Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Organizadores: LIMA, Nísia Trindade, GERSCHMAN, Silvia e EDLER, Flávio Coelho. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 410: “Na

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Trata-se de um sistema, porque formado por várias instituições de nível federal

estadual e municipal, bem como pelo setor privado, contratado ou conveniado,

possuindo todos esses órgãos o mesmo corpo sistemático único, isto é, com a

mesma filosofia de atuação em todo território nacional.92

O acesso à saúde pública tem concepção igualitária, de modo que todos os

seres humanos que recorram ao Estado tenham o mesmo nível de tratamento, sem

qualquer tipo de discriminação. No entanto, há de se observar que igualdade no

serviço público de saúde significa o implemento de ações estatais nas regiões que

mais necessitam dele, de modo que seria até inconstitucional a construção de um

hospital público em região predominantemente abastada de recursos materiais,

que se sirva de atendimentos privados, em detrimento da sua instalação nas

regiões onde há escassez e pobreza.93

Nesse sentido, a Constituição brasileira de 1988 não consagra um modelo

de Estado mínimo, “que tende a atribuir todos ou quase todos esses encargos aos

indivíduos ou a grupos privados”94 e também não recepciona a concepção de

Estado social de Jorge Miranda, “que aceita assumir os custos de satisfação de

necessidades básicas, embora não os das demais necessidades a não ser na medida

do indispensável para assegurar aos que não podem pagar as prestações os

mesmos direitos a que têm acesso aqueles que as podem pagar,”95 mas o que o

autor mencionado chama de Estado assistencial, “que tende, pelo contrário, a

confiá-los ao Estado.”96 Cumpre registrar que a maioria da população brasileira

prática, as diretrizes legais do SUS, embora intactas, não foram suficientes para conter movimentos que o moldaram segundo princípios distintos dos promulgados pela Constituição de 1988. Quinze anos após seu batismo legal, o SUS é considerado por uma grande parcela de dos profissionais da saúde, órgãos da imprensa, determinadas autoridades governamentais, empresários e sindicalistas como um sistema para pobres. A solução aparentemente realista e eficaz para acomodar as tensões tem sido encarada pelos otimistas como etapa de um processo de amadurecimento que evoluirá para a conformação de um sistema de fato único. Os pessimistas o vêem como demonstração cabal da ineficiência do público e da imprescindibilidade do privado. Ambas as interpretações supõem a impossibilidade de uma universalização, em curto prazo, e, de certo modo, admitem uma complementaridade harmoniosa entre sistemas diferenciados pelo status socioeconômico das demandas.” 92 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38. 93 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 161. 94 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395. 95 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395 e 396. 96 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395.

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depende do Sistema Único de Saúde numa proporção de 75%. Apenas 20 a 25%

do total de habitantes possuem plano privado de saúde.97

Jungida à universalidade e à igualdade nas prestações de saúde existe uma

regra que, embora não mencionada pela Constituição, encontra-se implícita na

acepção social própria do direito à saúde pública no Estado brasileiro. Trata-se da

regra da gratuidade dos serviços públicos de saúde, corroborada pelo art. 43 da

Lei 8.080 de 1990: “a gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada

nos serviços públicos contratados, ressalvando as cláusulas dos contratos e

convênios estabelecidos com as entidades privadas.”

Ressalte-se que as ações e serviços em prol da saúde são de ordem pública,

logo, não podem ser afastados por pessoa alguma que se conforme em não recebê-

los. Esse tipo de negociação com o Estado é vedado.

Na forma do art. 197, a Constituição dispõe sobre a relevância pública das

ações e dos serviços públicos de saúde que integram uma rede regionalizada e

hierarquizada constituindo um sistema único, consoante seu art. 198. Assim, a

rede de atendimento do Sistema Único de Saúde distribui-se por regiões, de

acordo com necessidades dadas em virtude da sua extensão geográfica e da

densidão populacional. A hierarquia corresponde à divisão da rede em

atendimentos de grau primário, de baixa, de média e de alta complexidade. Nesse

sentido, sugere-se que os Estados mantenham hospitais de alta complexidade,

visto que possuem um conhecimento regional da situação da saúde em seus

confins e os Municípios mantenham a responsabilidade pelos procedimentos

primários e de baixa complexidade, de forma que bem se integrem Estados e

Municípios a fim de racionalizar custos sem prejudicar usuários.98

Tem-se, pois, um sistema único, que não admite a existência de outros

sistemas de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes dos incisos I,

II e III do art. 198:

i. “descentralização, com direção única em cada esfera de governo;” que

condiz com a hierarquia e a regionalidade já mencionados. Aqui, descentralizar

significa dotar o Município da obrigação de, primordialmente, executar os 97 BAHIA, Ligia. O SUS e os desafios da universalização do direito à saúde: tensões e padrões de convivência entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro, p. 436. 98 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 165.

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serviços de saúde, por reconhecer as demandas locais e possuir capacidade de

desenvolver ações preventivas e de tratamento mais condizentes e satisfatórias de

acordo com sua realidade. Recorde-se que o art. 30, inciso VII da Constituição diz

que “compete aos Municípios [...] prestar, com a cooperação técnica e financeira

da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.” Nesse

ponto, as atividades da União e até mesmo dos Estados, acabam sendo

subsidiárias às do Município, que lhes entregará aquilo que não for de sua alçada

por abranger extensão regional ou nacional e os procedimentos que não puder

realizar de maneira adequada, sempre contando, nos dizeres do art. 30, com a

cooperação técnica e financeira da União e do Estado. Todavia, a descentralização

pode ser revertida se o Município ou o Estado incorrerem em práticas ilegais na

forma do art. 4º, parágrafo único, da Lei 8.142 de 1990 que dispõe: “O não

atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos

requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em (sic) que os recursos

concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela

União.”99

A direção única em cada esfera de governo significa que, no âmbito da

União, tal direção executar-se-á pelo Ministério da Saúde e nos Estados, Distrito

Federal e Municípios, a exercerão as Secretarias de Saúde ou órgãos equivalentes,

de acordo com o art. 9º da Lei 8.080 de 1990, que regulamenta a normativa

constitucional.

ii. “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,

sem prejuízo dos serviços assistenciais;” significando que o usuário do sistema

deve ser visualizado em seu todo, e não como um amontoado de partes, inclusive,

inserido numa comunidade, de modo que as ações de saúde devem se voltar tanto

para o usuário quanto para o ambiente em que se encontra, a fim de prevenir

doenças e a realizar devidamente o tratamento.100

Já a prioridade atribuída às atividades preventivas inclui fornecer

medicamentos aos que necessitam, mesmo que não estejam hospitalizados.

Quanto aos serviços assistenciais, o Sistema Único de Saúde possui o dever de

prestá-los integralmente, independente do tipo de doença ou agravo apresentado 99 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 166-167. 100 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38.

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pelo indivíduo, da complexidade e do custo do seu tratamento, ainda que a

patologia apresentada não se inclua na sua listagem de serviços usuais.101

iii. “participação da comunidade”; como ferramenta de gestão

participativa, a qual confere espaço à formulação, execução, influência, também

por meio do povo, nas políticas públicas democraticamente consideradas

prioritárias, além de arredar exercícios paternalistas e implementar a

responsabilidade comunitária.102 Tratada na Lei 8.080 de 1990 em seu art. 7º,

inciso VIII, a participação da comunidade foi desenvolvida na Lei 8.142 de

1990.103

Atente, inclusive, para a importância do dispositivo do parágrafo 4º que dá

grande importância às posições dos usuários do sistema: “A representação dos

usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao

conjunto dos demais seguimentos.”

Certo é que, se o Estado tem o dever de prestar saúde à população, os

recursos para tal múnus possuem um manancial. Assim, o parágrafo primeiro do

referido art. 198 diz que o Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do

art. 195, por toda a sociedade, com recursos do orçamento da seguridade social,

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras

fontes. Observa-se, portanto, que o povo, beneficiário do direito à saúde, por meio

de tributos pagos ao Estado, é, em princípio, quem o abastece de expedientes, os

quais lhe serão retransmitidos na forma de políticas públicas de prevenção,

promoção, proteção e recuperação da sua saúde.104 Mas, como dito, não apenas o

101 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 170-171. 102 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 171. 103 A Lei 8.142 de 1990 em seu art. 1º criou a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. Segundo reza o parágrafo 1º desse artigo: “A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.”103 E o parágrafo 2º subseqüente, completa: “O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais da saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.” 104 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde, p. 79: “O conceito de seguridade social, envolve ações de ‘iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos à saúde, previdência e assistência social’ (Título VIII, Cap. II, Seção I, art. 194, da Constituição Federal). Ao incluir a saúde nesse conceito, superou o conceito tradicional de

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orçamento da seguridade social destinar-se-á à saúde, a ele serão adicionados

recursos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Todavia, a experiência demonstra que o Estado brasileiro ainda não

conseguiu atingir a meta de prestar assistência sanitária adequada e suficiente para

que cada ser humano tenha o digno tratamento de sua saúde e a preservação de

uma vida digna.

O Sistema Único de Saúde demanda maior racionalidade, de modo que

serviços sejam oferecidos mediante as necessidades da população e não como se

observa hoje, em muitos lugares, a presença de hospitais altamente equipados e

médicos especializados sem a contrapartida de serviços básicos de saúde e

clínicos gerais; ademais, necessita de grau maior de eficiência para resolver as

questões de saúde e doença com qualidade, valendo-se de técnicas mais

adequadas, de acordo com a realidade local e a disponibilidade de recursos, esses,

devendo ser usados da melhor maneira possível, afastando o desperdício. Os

equipamentos da saúde pública também devem ser apropriados para lograr os

resultados que deles se esperam e os profissionais treinados para bem exercer suas

funções.105

Mas o maior problema do Sistema Único de Saúde parece ser seu

financiamento. Ele conta com contribuições sociais sobre o faturamento e o lucro,

na forma do art. 195, inciso I da Constituição que, conforme gerenciadas,

mostram-se absolutamente insuficiente para garantir o custeio das suas despesas.

Parece que, ciente da dificuldade de se implementar um sistema de saúde

gratuito e para todos no contexto econômico e social brasileiro, o próprio

documento constitucional, em seu art. 199, previu que a assistência à saúde é livre

à iniciativa privada, de forma a complementar o Sistema Único de Saúde, mas

segundo diretrizes traçadas pelo Estado, que privilegiam entidades filantrópicas e

sem fins lucrativos, na forma do parágrafo 1º do artigo citado. Dessa maneira, o

Poder Público regula e fiscaliza a assistência privada à saúde, que se dá por meio

dos chamados planos privados de saúde que, pagos por seus usuários,

complementam o Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público

‘seguro-social’. Esse compreende apenas os direitos dos contribuintes diretos, enquanto o de seguridade envolve direitos de contribuintes e não contribuintes, estes cobertos pelas receitas tributárias, portanto, por toda a sociedade.” 105 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38.

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ou convênio, realizados com o órgão estatal de acordo com o parágrafo primeiro

do referido artigo.

Percebe-se uma ordem de prioridade no oferecimento dos serviços de

saúde. Em primeiro lugar a saúde deverá ser prestada pelas unidades públicas.

Caso sejam essas incapazes de atender a todos os casos, em segundo lugar, o

Poder Público priorizará entidades filantrópicas e sem fins lucrativos; só em

último caso, comprovada a carência do setor público e filantrópico sem fins

lucrativos é que o Sistema Único de Saúde pode realizar contratos ou convênios

com instituições privadas, que possuem finalidade de lucro, desde que exerça seu

poder de polícia a fim normatizar, fiscalizar e controlar a atuação desses serviços.

Ao Poder Público também é conferido o direito de se ressarcir dos

dispêndios que sofrer com o acolhimento de um cidadão que possua plano privado

de saúde por opção, ou por contrato empregatício. É que a gratuidade do Sistema

Único de Saúde ocorre entre ele e os cidadãos, mas não entre ele e as empresas

privadas prestadoras de serviços de saúde, de modo que o próprio art. 32 da Lei

9.656 de 1998, a chamada Lei dos Planos de Saúde, determina que as operadoras

dos planos devem ressarcir as instituições públicas ou privadas integrantes do

SUS, quando estas prestarem serviços de atendimento à saúde abrangidos pelos

respectivos contratos.

Desse modo, evita-se o locupletamento sem causa justa do setor privado

em desfavor do órgão público, pois, se o consumidor paga pela manutenção de

sua saúde, nada mais justo que, quando atendido na esfera pública, tenha os ônus

do seu tratamento repassado à instituição privada que deve se responsabilizar por

ele. Trata-se, portanto, de um importante instrumento da própria coletividade de

se compensar do gravame em que incorreu.

Dentre todas as pessoas que necessitam do acesso à saúde, os idosos

encontram-se na categoria de pessoas que necessitam mais. Isto ocorre em virtude

do próprio envelhecimento que torna o corpo e a mente humana, em medida

maior, suscetíveis de adoecer. Em caráter preventivo, os idosos precisam de

condições especiais para viver sua maturidade de maneira saudável; se doentes,

pela fragilidade que a idade lhes impõe, necessitam de uma tutela incisiva do

Estado para recuperar e promover sua saúde.

No Título II do Estatuto do Idoso, que versa sobre os direitos fundamentais

da pessoa idosa consta inserido, no Capítulo IV, o direito à saúde.

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Dentre as políticas públicas mais importantes para garantir a vida digna do

idoso destacam-se as de saúde traçadas pelo seu Estatuto, na forma do art. 15, § 1º

que disciplina que a prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas

por meio de políticas sociais previstas nos incisos, II, II, III, IV e V do artigo

aludido. Em princípio, cumpre observar o significado de prevenção e de

manutenção da saúde do idoso. Prevenção quer dizer: chegar antes que a doença

ou agravo estejam instalados, evitar que o idoso tenha sua saúde debilitada;

enquanto manutenção expressa a tomada de medidas necessárias para a

conservação ou permanência da situação de saúde do idoso. Ambas tratam-se de

medidas profiláticas, sendo que, aqui, manutenção denota também o intuito de,

pelo menos, não deixar que a saúde do idoso se torne mais precária do que se

encontra. A fim de efetivar tanto a prevenção quanto à manutenção da saúde do

idoso haverá, por parte do Poder Público, na forma dos incisos citados:

I – “cadastramento da população idosa em base territorial;” ou seja, o registro

público da população idosa no território brasileiro, inclusive para saber onde há

maior concentração da população envelhecida e suas condições existenciais a

fim de envidar esforços para sua proteção;

II – “atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;” para que o

idoso tenha atendimento peculiar em suas especificidades num local onde

possam ser realizados, rapidamente, primeiros socorros, curativos, cirurgias

pequenas, exames de baixa complexidade, de modo que o idoso não precise

ficar na espera de acolhimento em um grande hospital ou clínica que possuam

outras especialidades que não a geriátrica e gerontológica;

III – “unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas

de geriatria e gerontologia social;” que significa a manutenção, pelo Poder

Público, de hospitais e clínicas de referência voltadas especialmente para o

idoso.

Geriatria é a parte da medicina voltada para as doenças próprias dos

velhos106 e gerontologia é a ciência que estuda as problemáticas da velhice sob

106 Todas as pesquisas sobre a saúde dos idosos são muito recentes e remontam ao século passado. Segundo DOLL, Johannes, O campo interdisciplinar da gerontologia. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 93: “A

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todos os seus aspectos: biológico, clínico, histórico, econômico e social. Aqui o

legislador preferiu dar ênfase à gerontologia social, ou seja, a que trata dos

aspectos sociais da velhice. Todavia, um gerontólogo não se preocupará apenas

com as condições sociais de uma pessoa envelhecida, pois é característica inerente

à gerontologia sua interdisciplinaridade;107

IV – “atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que

dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos

abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins

lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios

urbano e rural;” nos casos em que a pessoa idosa necessite, por circunstâncias

da sua própria doença ou por impossibilidade de locomoção,108 de não sair do

seu lar, seja ele seu domicílio ou instituições como asilos e similares. Essa

política pública abrange os ambientes das cidades e os rurais;

V – “reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das

seqüelas do agravo à saúde;” onde se visa, norteados por geriatras e

gerontólogos, a restituir o idoso ao estado anterior, isto é, o de saúde, por meio

do arrefecimento das conseqüências do agravo sofrido.

palavra ‘geriatria’ foi introduzida em 1909 pelo médico Ignatz L. Nascher, um defensor desta especialidade médica.” 107 Sobre gerontologia DOLL, Johannes, O campo interdisciplinar da gerontologia, p. 97-98, esclarece: “O específico da gerontologia seria, portanto, a transformação e aplicação de conhecimentos advindos de outras áreas [...] A gerontologia caracteriza-se por ser uma ciência que usa um leque de trabalhos mono, multi e interdisciplinares, mas o específico aqui é a interação dos resultados desses trabalhos, no sentido de construção de conhecimentos e teorias específicos sobre o envelhecimento.” 108 As etiologias mais freqüentes de imobilidade do idoso, segundo MARINI, Maria Fernanda De Vito, BAISI, Paulo Paiva e BARBOSA, Rosiane Caseli. Imobilidade e suas implicações – síndrome de imobilidade. In: Geriatria: Fundamentos, Clínica e Terapêutica. Editores: DE CARVALHO FILHO, Thomaz e PAPALÉO NETTO, Matheus. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 720, são: “Neurológicas: cerebrovasculares, neurodegenerativas, acidente vascular encefálico, neuropatias, Doença de Parkinson, etc. Musculoesqueléticas: osteoartrose, seqüelas de fraturas, problemas nos pés, deformidades, osteoporose, osteomalácia, causas musculares, amputação, síndrome pós-pólio, etc. Cardiovasculares: insuficiência cardíaca, insuficiência coronária, insuficiência vascular periférica. Respiratórias: doença pulmonar obstrutiva crônica, dependência de oxigenioterapia. Sensoriais: visuais, auditivas, Quedas. Iatrogênicas: medicamentos, imobilidade forçada por restrição física, etc. Psíquicas: depressão, perda da motivação, medo de cair, isolamento social. Desnutrição. Condições ambientais inadequadas: iluminação, piso, degraus, etc. Hospitalização prolongada.”

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A política pública emanada do Sistema Único de Saúde visa a atender a

todos, e, entre todos, especialmente à pessoa idosa, como consta do caput do art.

15 do Estatuto do Idoso, pautando-se nas regras já aludidas da universalidade, da

igualdade, da gratuidade, da integralidade, da regionalização e hierarquização de

serviços, da descentralização, da direção única e da participação social,

adicionando-lhe a prerrogativa da prevenção do agravo à sua saúde, conforme já

destacado e a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os

idosos.109

As doenças que afetam preferencialmente os idosos, tornando-os ainda

mais vulneráveis, têm sido estudadas pela geriatria. O Sistema Único de Saúde

quer que lhes seja dispensada atenção especial e, para cumprir esse desiderato

cabe, em princípio reconhecê-las.

De início, se discorre acerca das chamadas injúrias geriátricas, quais

sejam: a imobilidade, a instabilidade, a insuficiência cognitiva, a incontinência e a

iatrogenia.

A imobilidade provoca a incapacidade de deslocamento do idoso sem a

ajuda de outra pessoa para satisfazer suas necessidades diárias. Mesmo uma

imobilidade temporária, por exemplo, a que decorre de reabilitação de fratura do

fêmur, tem o condão de gerar atrofia muscular, aumento de reabsorção dos ossos,

rigidez articular, o que aumenta as possibilidades de incontinência e de úlceras de

pressão. Quando duradoura a constância no leito, prejudica-se a ventilação das

bases dos pulmões, podendo ocasionar alojamento de processos de infecção. Essa

complexidade de acontecimentos patológicos gera efeito dominó, com sucessivos

problemas de saúde desencadeados concomitantemente, o que desafia a medicina

geriátrica.110 Como conseqüências da imobilidade tem-se “a perda da

independência, constipação intestinal, risco de trombose venosa, embolia

109 “É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.”

110 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria. In: Sinais e Sintomas em Geriatria. 2 ed. Editores: GUIMARÃES, Renato Maia e CUNHA, Ulisses Gabriel de Vasconcelos. São Paulo: Atheneu, 2004, p. 3.

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pulmonar, úlceras de decúbito, osteoporose”,111 podendo também acarretar

instabilidade postural, incontinências e insuficiência cerebral.

Outro problema comum nos idosos é a instabilidade postural que gera altos

índices de fratura em idosos devido às quedas. A instabilidade postural decorre da

perda de equilíbrio advinda de outras doenças e, como conseqüência, provoca

contusões e feridas, fraturas e lesões no sistema nervoso central nas situações

mais gravosas, além de abalar psicologicamente o idoso por lhe causar o receio de

outra queda e por poder causar imobilidade.112

Os fatores que proporcionam instabilidade postural podem ser mais

comuns na própria velhice, como o “déficit sensorial, cognitivo, doenças

neurológicas, osteoartrose, miopatias, doenças cardiovasculares, vestibulares e

transtornos do humor”113, mas também podem advir de um ambiente impróprio

para a pessoa idosa, tais como: “iluminação inadequada, pisos escorregadios,

mobiliário, vestuário e o transporte não adaptado às necessidades desse

usuário.”114 O uso de remédios e o abuso no uso do álcool ou de outras drogas

também geram instabilidade.

A insuficiência cognitiva embaraça a independência funcional e autonomia

do idoso, uma vez que compromete as funções encefálicas e a habilidade

intelectual. Há, em certos idosos, dificuldades de memória recente, lentificação do

curso do pensamento, dificuldades no uso da linguagem.115 O comprometimento

cognitivo leve atinge 7% dos idosos acima de 65 anos e se identifica por: queixa

de dificuldade de memória confirmada por parente ou cuidador, distúrbio de

memória constatado em teste neuropsicológico específico, queixa de dificuldade

no aprendizado e da atenção concentrada, queixa de fadiga mental, no entanto,

com funções cognitivas gerais preservadas – com exceção do comprometimento

de memória – manutenção das atividades da vida diária e ausência de critérios 111 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais, p. 263. 112 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 113 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 114 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 115 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 284-285.

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clínicos suficientes para a confirmação da doença de Alzheimer ou outro processo

demencial.116

Mas os idosos são freqüentemente assolados por demências que se

dividem em degenerativas, decorrentes de um processo de atrofia cerebral

progressiva como a demência de Alzheimer, a demência com corpos de Lewy, a

demência frontotemporal, também conhecida como doença de Pick, a demência

resultante da doença de Parkinson,117 e, eventualmente, por demências adquiridas

como a vascular, que provoca acidentes vasculares cerebrais, traumas crânio

encefálicos, associadas a processos infecciosos como meningoencefalite, AIDS,

entre outros e ao uso de certas substâncias como álcool e outras drogas.118

A partir de uma doença cerebral, o idoso pode apresentar seqüelas que

levam à instabilidade postural, às incontinências e à imobilidade.119 Pacientes que

apresentam doenças mentais constituem um enorme encargo para suas famílias e

seus cuidadores, razão pela qual esses também devem ser tratados numa

perspectiva de suporte.120

A incontinência pode ser urinária, fecal, ou ambas ao mesmo tempo.

Apresenta-se como a perda involuntária de urina e/ou fezes que constitui um

problema que atenta contra a dignidade da pessoa idosa, causando-lhe

deterioração da qualidade de vida e da auto estima, isolamento social e

hospitalização; além de lhe acarretar situações deficitárias de higiene e saúde

ocasionando maus odores, lesões na pele, infecções recorrentes e quedas,

resultando, pois, em instabilidade postural e, em casos mais graves,

imobilidade.121

Chama a atenção o fato de certos trabalhadores da saúde não darem a

devida importância às grandes manchas de urina nos lençóis de um idoso e se

preocuparem imediatamente quando percebem uma gota de sangue. Trata-se de

116 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 286-287. 117 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 288-295. 118 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 288. 119 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 263. 120 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4. 121 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262.

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uma inversão de valores já que a mancha de sangue é facilmente identificável,

podendo mesmo ser trivial, enquanto as causas de incontinência urinária são

complicadas assim como também suas conseqüências. A imobilidade de um idoso

pode desencadear diarréia espúria e incontinência fecal. Por meio do toque retal e

da realização de enema pode resolver-se o que parecia crônico, pois a

incontinência pode ser cuidada, mesmo considerando que, nesses casos, o

tratamento tem seus limites.122

Por fim, iatrogenia é a complicação decorrente de uma ação ou omissão

médica. Quanto às ações, podem ser medicamentosas, como o uso imoderado de

remédios que, com o fito de sanar todos os sintomas apresentados pela pessoa

idosa, terminam sendo maléficos, a ponto de causarem instabilidade postural,

incontinência, insuficiência cerebral e imobilidade; podem ser prescrições

dietéticas muito severas que, ao invés de causar benefícios, acarretam danos; pode

ser até a chamada iatrogenia da palavra, onde idoso, parentes e cuidadores

confiam tanto nas opiniões médicas que nem as questionam. Dessa ausência de

conhecimento nascem concepções erradas como: “o problema é da velhice”, “não

há o que fazer” e assim se instala a iatrogenia por omissão, que exclui o idoso da

reabilitação física ou psíquica pela crença equivocada de que não é possível

readquirir autonomia funcional. Há casos em que o tratamento pode reverter a

depressão e a confusão mental, mas, por ignorância quanto aos benefícios dos

antidepressivos, apegados aos riscos de que ouviram falar, tais medicamentos não

são prescritos e, por não receberem terapêutica adequada, os idosos são

comumente considerados senis.123

Em segundo lugar, para orientar as ações do Sistema Único de Saúde, há

dados importantes acerca da freqüência de determinadas doenças que levam o

idoso à hospitalização. Foram extraídos de pesquisa do ano de 2003, cujo objetivo

constava em listar os procedimentos mais reiterados num universo de 2.340

procedimentos relacionados pelo próprio SUS.

O estudo demonstra que, no início da velhice, entre na faixa etária de 60 a

64 anos para o sexo feminino, o Sistema Único de Saúde hospitalizou 10,21% de

casos de insuficiência cardíaca coronariana, 9,75% de doenças pulmonares, 3,81% 122 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4. 123 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4 e 5.

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de crises hipertensivas, 3,80% de enteroinfecções, 3,73% de diabetes sacarino,

3,63% de AVC agudo, 2,53% de colecistectomia, 2, 41% de crise asmática,

1,93% de desnutrição, desidratação e anemia, 1,68% de intercorrência em

paciente oncológico, 1,52% em diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,25% de

colpoperineoplastia, 1,25% de outros procedimentos perfazendo um total de

239.297 atendimentos. Nessa investigação, optou-se por excluir as internações em

psiquiatria, que, se incluídas, assumiriam a terceira posição, com uma freqüência

de 13.596 casos. Para os homens da mesma faixa etária o Sistema Único de Saúde

internou 10,7% de insuficiência cardíaca e coronariana, 10,19% de doenças

pulmonares, 4,37% de AVC agudo, 3,15% de herniografia inguinal, 2,40% por

crise hipertensiva, 2,37% de desnutrição, desidratação e anemia, 2,21% de

enteroinfecções, 1,96% por intercorrência em paciente oncológico, 1,93% de

diabetes sacarino, 1,70% para diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,64% por

crise asmática, 1,62% por hemorragias digestivas, 55,89% por outros motivos,

num total de 260.766 atendimentos. Para tais resultados foram omitidos também

os procedimentos de internações psiquiátricas.124

A mesma pesquisa esclarece que na faixa etária dos idosos muito

envelhecidos, com 80 ou mais anos, a hospitalização feminina deu-se em 16,60%

por doenças pulmonares, em 15,72% por insuficiência cardíaca ou coronariana,

em 7,20% por AVC agudo, em 4,37% por desnutrição, desidratação e anemia, em

4,29% por enteroinfecções, em 2,91% por crise hipertensiva, em 2,42% por

diabetes sacarino, em 1,84% em diagnóstico e/ou primeiro atendimento, em

1,80% por cirurgia de fratura trasnstrocanteriana, em 1,77% por cuidados

prolongados, em 1,69% por hemorragias digestivas, em 1,65% por crises

asmáticas, em 37,74% por outras causas, num total 262.632 atendimentos. Para os

homens dessa faixa etária 19,63% das internações foram causadas por doenças

pulmonares, 15,39% por insuficiência cardíaca e coronariana, 6,89% por AVC

agudo, 4,40% por desnutrição, desidratação e anemia, 3,79% por enteroinfecções,

2,11% por crises hipertensivas, 1,77% por hemorragias digestivas, 1,77% por

diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,75% por crise asmática, 1,68% por

pielonefrite, 1,37% por diabetes sacarino, 1,34% por afecções do aparelho 124 NUNES, André. O envelhecimento populacional e as despesas do sistema único de saúde. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 434-435.

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urinário, 38, 11% por outros males, numa quantia de 214.570 atendimentos,

lembrando que não foram computadas as internações de ordem psiquiátrica.125

Com base nesses estudos é possível que o Sistema Único de Saúde tenha

conhecimento a respeito das doenças que afetam preferencialmente a pessoa idosa

direcionando atenção especial a elas na recuperação, mas, principalmente, em

nível preventivo. A prevenção das moléstias revela-se sempre positiva, pois, além

de garantir a saúde do maior número de idosos, diminui os gastos do sistema

público com a institucionalização dos longevos que, para além do estritamente

necessário, não é maneira de se viver dignamente.126

As especificidades a respeito da saúde da pessoa idosa trazidas à baila pelo

Estatuto do Idoso no que diz respeito ao papel do Estado na prestação desse

direito de ordem fundamental confirmam, diante da indiscutível vulnerabilidade

física, psíquica e social dos anciãos, que o seu direito à saúde possui natureza

prioritária e que esforços, como a regulamentação da Emenda Constitucional

número 29 de 13.09.2000, entre outros, especialmente os orçamentários – pedra

angular da saúde pública brasileira – devem ser envidados para sua adequada

prestação, como reflexos do princípio do melhor interesse do idoso na prestação

pública de saúde.

À guisa de conclusão da análise da saúde da pessoa idosa como direito

fundamental, do papel do Estado na prestação desse direito e de passagem para o

estudo da saúde da pessoa idosa prestada pela iniciativa privada, torna-se

importante sustentar que:

125 NUNES, André. O envelhecimento populacional e as despesas do sistema único de saúde. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60?, p. 444-445. 126 CAMARANO, Ana Amélia e PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento populacional na agenda das políticas públicas. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 278: “Os ‘presumidos’ elevados custos de saúde da população idosa são, em parte, decorrentes do modelo de saúde adotado. Os custos de financiar uma população idosa com uma alta incidência de doenças crônico-degenerativas serão muito maiores do que o de financiar uma população ativa e saudável. Quer dizer, a forma como os serviços de saúde são organizados numa sociedade é um determinante importante destes custos [Lloyd-Sherlock (2002)]. Medidas preventivas na área de saúde, [Estima-se, por exemplo, que a diminuição das hospitalizações no período do inverno dos anos de 2000 e 2001, devido às campanhas de vacinação contra a gripe, seja da ordem de 77, 6% segundo os dados do MS...] como, por exemplo, as voltadas para o envelhecimento saudável e para a manutenção da capacidade funcional, podem melhorar a qualidade de vida da população idosa e postergar a demanda de cuidados de longa permanência.” [Grifou-se]

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“A superação da precisa separação entre o público e o privado é urgente. Tal separação – freqüentemente exacerbada ao ponto de serem representadas como contraposições – respondem somente algumas vezes a razões acadêmicas, mas não são integramente coerentes com a reconstrução do ordenamento enquanto sistema unitário e complexo. A civilidade de um País mede-se não pelo número de maquinas, dos telefones, mas do tratamento reservado às pessoas com maior dificuldade, aos marginalizados, aos deficientes, da efetiva atuação histórica na centralidade da pessoa.” 127

127 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 345. [Traduziu-se livremente do italiano]

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5 A Saúde da Pessoa Idosa Prestada Pela Iniciativa Privada 5.1 A Eficácia Horizontal do Direito Fundamental à Saúde

Em virtude da escassez de recursos do Poder Público no que concerne a

prestação do direito à saúde à população brasileira, surgem os chamados planos de

saúde prestados pela iniciativa privada.1 A grande maioria da população idosa

brasileira, no entanto, depende do Estado para ter acesso à saúde e sofre com os

velhos e corriqueiros problemas advindos da superlotação dos hospitais, carência

de equipamentos médicos adequados em decorrência da insuficiência de políticas

públicas eficientes e da ausência de governantes que primem por elaborar um

orçamento que dê à saúde a condição de primazia, de todo sabido que ela possui

para a vida humana em dignidade.

Desse modo, a partir da década de 60, a medicina suplementar de natureza

privada ganhou espaço exatamente em virtude das deficiências da rede pública.

Em 1964, por meio de convênios estabelecidos entre algumas empresas e a

previdência social, iniciou-se uma política de incentivo à disponibilização privada

da saúde. Às empresas atribuía-se a competência de se responsabilizar pela

prestação da assistência médica aos seus empregados e, concomitantemente,

dispensava-se sua contribuição ao serviço de assistência social.

A Volkswagen foi a primeira empresa a realizar tais convênios que

fizeram desenvolver a medicina de grupo até o ano de 1979, quando cessou essa

modalidade de serviço. Procurando uma alternativa à aludida medicina de grupo,

em 1967, criou-se a primeira cooperativa médica denominada Unimed, que

cresceu em diversas regiões do Brasil a ponto de, atualmente, se posicionar como

a maior cooperativa desse seguimento no país. Em 1966, o Decreto-Lei 73

instituiu o seguro saúde, cujas operações só se iniciaram em 1976 em virtude de, 1 BOTTESINI, Maury Ângelo e MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53: “Os planos de saúde se inserem num nicho criado pelo descompasso entre a necessidade de uma proteção universal à saúde e assistência médico-hospitalar, instituído como um direito de todos e dever do Estado pelo art. 196 da CF, e a carência de recursos públicos necessários para garantirem a execução eficiente das políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco doença e outros agravos. É a insuficiência de recursos financeiros que permitam prover o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde que faz aparecer o chamado mercado para a medicina suplementar privada.”

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somente nesse ano, o Conselho Nacional de Seguros Privados emitir Resolução a

autorizar operações nessa atividade. Na Resolução 11 de 1976 estabeleceu-se o

chamado “Reembolso de Assistência Médica e/ou Hospitalar”, que dava aos

segurados o direito de, após usufruir dos serviços médicos e hospitalares

desejados, reembolsar-se pelo pagamento auferido.

Reguladas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados –, que

exigia condições mínimas para quem atuasse no setor, além de fiscalizá-lo, nas

décadas de 70 e 80 surgiram as primeiras seguradoras de saúde. A Comind foi a

primeira delas, seguida pela Itaú. Em 1984, surgiu a Bradesco e em 1986, a Sul

América.2

Com o advento da Constituição da República de 1988 estabeleceu-se que a

assistência à saúde é livre à iniciativa privada.3

A assistência privada à saúde teve importante marco em 1998, quando se

promulgou a Lei 9.656, que legisla especificamente sobre planos de saúde.Tais

planos são contratos cujo objeto é a transferência onerosa de riscos à iniciativa

privada referentes à futura necessidade de assistência médica e hospitalar.4 Assim,

uma pessoa ou uma empresa pagam aos planos de saúde para que esses provejam

a assistência necessária por ocasião da doença daqueles que se asseguram

mediante esse tipo de ajuste.5

Apresenta-se como um contrato aleatório, pois o surgimento da moléstia

do segurado é futuro e incerto, mas, uma vez que ele ou seus dependentes estejam

doentes, o plano deverá tratá-los mediante serviços de assistência médica e

2 MACERA, Andréa Pereira e SAINTIVE, Marcelo Barbosa. O mercado da saúde suplementar no Brasil. Disponível em : www.fazenda.gov.br. Outubro/2004. 3 Art. 199 da CR/1988: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativos.” 4 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 489. 5 Nos termos da Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 que alterou a Lei 9.656 de 1988 em seu art. 1º, inciso I: “Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não da rede credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.”

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hospitalar ou reembolsá-lo da quantia despendida.6 Ademais, há incerteza de que

o segurado vá ou não se curar, porém, existe uma obrigação de resultado nesse

tipo contratual que vincula o plano a oferecer serviços de medicina, exames,

reembolso de quantias, medicamentos, alimentação, com qualidade e adequação,

para a recuperação do segurado.7

Os contratos de planos de saúde são regidos pela Lei 9.656 de 1988,

porém, como se tratam de contratos de consumo, em que o fornecedor é a

operadora do plano8 e consumidor o segurado, rege-se também pelo Código de

Defesa do Consumidor.9 Todavia, a Lei de planos de saúde prescreve em seu art.

35-G: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de

produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei

8.078, de 1990”.10 Ora! Se as relações travadas entre as partes são relações de

consumo o Código de Defesa do Consumidor não se aplica subsidiariamente.

Essa regra parece inconstitucional na medida em que a defesa do

consumidor é direito de índole fundamental, promovido pelo Estado na forma de

lei específica, consoante art. 5º, inciso XXXII da Carta Magna brasileira. O

Código do Consumidor, como Lei especialíssima na tutela de todas as relações de

consumo, aplica-se prioritariamente aos contratos entre usuários e operadoras de

6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 490. 7 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 490. 8 De acordo com a Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 que alterou a Lei 9.656 de 1998 em seu art. 1º, inciso II, “Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere o produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo.” 9 Confirma essa assertiva, GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 118 e 119: “Já no tocante aos sujeitos que figuram na relação de consumo, pode-se afirmar, com tranqüilidade, que as empresas que prestam serviços de assistência à saúde, mediante remuneração, são consideradas típicas fornecedoras. Prestam um serviço condicionado a evento futuro, mediante recebimento de contraprestação pecuniária. Atuam tais empresas, a rigor, como intermediárias, gestoras, cuja função é reter os recursos recebidos, reuni-los em um fundo comum para, quando da ocorrência de um evento, dar-lhe a devida cobertura, seja financeira, seja assistencial por meio de rede própria, credenciada, ou referenciada. Enquadram-se, com efeito, na descrição do caput do art. 3º, inserindo-se, dessa forma, em um dos pólos da relação de consumo. No outro pólo, estão os consumidores, seus dependentes ou agregados, que adquirem ou utilizam esses produtos ou serviços, como destinatários finais, considerados típicos consumidores, de acordo com o art. 2º, caput do CDC, ou consumidores equiparados, conforme os arts. 2º, parágrafo único; 17 e 29 do CDC. Portanto, as relações entre os consumidores e as empresas que oferecem serviços de assistência à saúde estão amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor.” 10 Grifou-se.

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planos de saúde e a Lei que os rege, também se aplica imediatamente em suas

especificidades, desde que não contrarie o referido Código. Outra interpretação

feriria o titular de um direito fundamentalíssimo de ser defendido e protegido,

tutelado também pelo art. 170, inciso V, da Constituição da República de 1988,

como princípio da ordem econômica e financeira; previsto muito antes de a Lei

8.078, de 1990 entrar em vigor, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias da referida Carta.

Com efeito, se houver antinomia entre a Lei de planos de saúde e os

princípios ou as regras do Código de Defesa do Consumidor prevalecerão os

enunciados normativos do segundo que regem todas as relações de consumo haja

vista sua ordem hierárquica superior, posto que oriundos de mandamento

constitucional que incide com superioridade sobre as legislações setoriais.11

Essas mesmas observações servem para as seguradoras de saúde cuja

regulamentação ficou a cargo da Lei 10.185 de 2001, que vedou sua operação em

quais quer outros ramos ou modalidades que não a saúde.

Outro marco nessa matéria constitui a entrada em vigor da Lei 9.961 de

2000, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, e estabelece

sua competência e finalidade.12

No caso específico da pessoa idosa, a Lei de planos de saúde – nos termos

da Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 – tentou, pioneiramente, tutelar o 11 Posição pioneira nesse sentido, é a de MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p.633: “Ainda hoje a lei especial de 1998 determina, em seu art. 35-G, que se aplicam ‘subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei 8.078, de 1990’. Repita-se que este artigo da lei especial não está dogmaticamente correto, pois determina que norma de hierarquia constitucional, que é o CDC (art. 48 do ADCT), tenha apenas aplicação subsidiária à norma de hierarquia infraconstitucional, que é a Lei 9.656/98, o que dificulta a interpretação da lei e prejudica os interesses dos consumidores que queira proteger. Sua ratio deveria ser a aplicação cumulativa de ambas as leis, no que couber, uma vez que a Lei 9.656/98 trata com mais detalhes dos contratos de planos privados de assistência à saúde do que o CDC, que é norma principiológica e anterior à lei especial. Neste sentido, importante repetir que há superioridade hierárquica do CDC, que deveria ser aplicado prioritariamente, como concorda parte da doutrina.” 12 Art. 1º da Lei 9.961 de 2000: “É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro-RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.” Art. 3º da Lei 9.961 de 2000: “A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.”

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consumidor idoso prevendo, no inciso I do art. 35-E, que a legislação tivesse

efeitos retroativos no sentido de sujeitar à autorização da Agência Nacional de

Saúde qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com

mais de sessenta anos, nos contratos de assistência privada à saúde. No entanto, a

Confederação Nacional de Saúde propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade

questionando todo o conteúdo do art. 35-E. O Supremo Tribunal Federal decidiu:

“Medida cautelar deferida, em parte, no que tange à suscitada violação do artigo 5º, XXXVI, da Constituição, quanto ao artigo 35-G, hoje, renumerado como artigo 35-E pela Medida Provisória 1908-18, de 24 de setembro de 1999; ação conhecida, em parte, quanto ao pedido de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 10 da Lei 9656/1998, com a redação dada pela Medida Provisória 1908-18/1999, para suspender a eficácia apenas da expressão ‘atuais e’. Suspensão da eficácia do artigo 35-E (redação dada pela MP 2.177-44/2001) e da expressão ‘artigo 35-E’, contida no artigo 3º da Medida Provisória 1908-18/99.”13 Note-se que, apesar de a Lei de planos de saúde com as alterações da

Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 ter, em inúmeras de suas disposições, o

intento de salvaguardar o consumidor, não há, nessas relações contratuais, uma

igualdade material entre a operadora de saúde e o usuário do plano ou seguro.14 A

operadora afigura-se como fornecedora do serviço de saúde em um contrato

oneroso, cativo e de longa duração15 e o usuário do plano é consumidor, um

13 STF, Medida Cautelar Em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1. 931-8 Distrito Federal. Requerente: Confederação Nacional de Saúde – Hospitais Estabelecimentos e Serviços – CNS. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Julgada em: 21.08.2003. [Grifou-se] 14 Doravante será utilizada a palavra plano para se referir aos planos ou seguros de saúde já que a Lei 10.185 de 2001 opera o seguro na forma do art. 1º, inciso I e § 1º da Lei 9.656 de 1998 que utiliza a terminologia plano. Lei 10.185 de 2001, art. 1º: “As sociedades seguradoras poderão operar o seguro enquadrado no art. 1º, inciso I e § 1º, da Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, desde que estejam constituídas como seguradoras especializadas nesse seguro, devendo seu estatuto social vedar a atuação em quaisquer outros ramos ou modalidades.” 15 MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de ‘ações afirmativas’ em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 208 e 209, explica o que vem a representar um contrato cativo de longa duração, verbis: “Com o avançar da idade do consumidor, com o repetir de contribuições ao sistema e com o criar de expectativas legítimas de transferência de riscos futuros de saúde, os consumidores só tem a perder saindo de um plano. Assim, por exemplo, passados mais de 15 anos de convivência e cooperação contratual, rescindir o contrato ou terminar a relação contratual seria altamente negativo para os consumidores. Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores. [...] Efetivamente, o contrato de planos de saúde é um contrato para o futuro, um contrato assegurador do presente, em que o consumidor deposita sua confiança na adequação e qualidade dos serviços médicos intermediados ou conveniados, deposita sua confiança na previsibilidade da cobertura leal destes eventos futuros relacionados com saúde. É um contrato típico da pós-modernidade: um fazer de segurança e confiança, um fazer complexo, um fazer em

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vulnerável: economicamente, ou tecnicamente, ou cientificamente, ou em face à

publicidade maciça ou mesmo em todas essas modalidades de vulnerabilidade.16

Se idoso, o consumidor é, juridicamente, um hiper vulnerável, pois somadas às

suas vulnerabilidades de consumidor, possui também as de caráter psicofísico e

social em virtude da idade avançada.17

O elemento da catividade encontra-se relacionado com o cumprimento do

tempo de carência visto que, se o consumidor mudar de plano, terá de passar por

esse período novamente com outra operadora a fim de receber a assistência

securitária.

A carência consiste em um período determinado no início do contrato,

durante o qual não há possibilidade de o consumidor usar integralmente os

serviços oferecidos pelo plano. Por conta da carência, o consumidor pode não ter

o direito de, imediatamente, ter acesso a exames, consultas ou internações

oferecidas pelo plano, embora já pague a ele. Só com a transposição desse prazo o

consumidor terá o gozo irrestrito de tudo àquilo que seu contrato dispuser. Dessa

forma, o consumidor fica preso, cativo ao contrato firmado e dependente do

fornecedor em quem confiou para lhe prestar os serviços de saúde.

O plano de saúde trata-se de um pacto de execução de trato sucessivo, o

que significa durabilidade do contrato, pois ele “sobrevive com a persistência da

obrigação, muito embora ocorram soluções periódicas.”18 “O que o caracteriza é o

fato de que os pagamentos não geram a extinção da obrigação que renasce.”19

cadeia, um fazer reiterado, um fazer de longa duração, um fazer de crescente essencialidade. É um contrato oneroso e sinalagmático, de um mercado em franca expansão, onde a boa-fé deve ser a tônica das condutas.” 16 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 320. 17 Consoante MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de plano de saúde e de planos funerários frente aos consumidor idoso, p. 194: “Tratando-se do consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos) é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, um leigo que necessita de forma premente de serviços, frente á doença ou à morte iminente, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração denominados de ‘planos’ de assistência à saúde...” 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol 3. 11ª ed. Atualizado por: FICHTNER, Regis. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 70. 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Vol 3, p.70.

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Para o consumidor idoso é desejado que sua obrigação de pagar as

prestações mensais subsista, pois assim também persiste a obrigação do plano de

arcar com a assistência à sua saúde.

Nesse tipo de relação entre privados, observa-se relação assimétrica entre

uma parte mais forte e outra de inferioridade fática, especialmente quando se trata

de pessoa idosa.20

Os contratos de assistência à saúde prestados pela iniciativa privada são

contratos de adesão realizados em massa, onde o consumidor idoso não é livre

para fazer suas proposições. Ele apenas adere ao que está posto pelo plano, sem

discussão das cláusulas contratuais.21 O que o leva a pactuar é a necessidade de

assegurar sua saúde que, se deixada aos cuidados do Poder Público, poderá não

ser cuidada devidamente quando a doença acometê-lo.22

Apesar dessa inegável desigualdade entre os contraentes, torna-se

alentador para a parte vulnerável ter conhecimento de que a iniciativa privada, que

põe tais planos à disposição dos consumidores, incorre em limitações na sua

autonomia, posto que se encontra subordinada à jusfundamentalidade do direito à

saúde. Trata-se da tutela objetiva dos direitos fundamentais, instituída para além

20 MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de ‘ações afirmativas’ em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso, p. 194: “Tratando-se de consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos) é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, frente à doença ou à morte iminente, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração denominados de ‘planos’ de serviços de assistência à saúde...” 21 Conforme aduz ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 302: “Um fenómeno similar de despersonalização das relações contratuais e de automatismo na atividade destinada a constituí-las é patenteado pela praxe de contratação standartizada, através do emprego de condições gerais, módulos e formulários, predispostos antecipadamente, por uma parte, para uma massa homogénia e indiferenciada de contrapartes (contratos de massa): aqui a aceitação – do consumidor, do utente, do inquilino, etc. – resume-se, no máximo, a um simples acto de adesão mecânica e passiva ao esquema pré-formulado, muito longe do significado que, na época clássica do liberalismo contratual, se atribuía ao conceito de ‘declaração de vontade’: também aqui a declaração contratual se traduz num comportamento socialmente tipicizado. No fenómeno dos contratos standard, há, pois, um outro aspecto saliente, que consiste no abuso de poder económico que a parte ‘forte’ ( predisponente) exerce em prejuízo das partes ‘débeis’, a si contrapostas no mercado (‘aderentes’)...” 22 Assim, ROPPO, Enzo. O contrato, p. 317: “... Ele não é livre – como vimos – de discutir e contribuir para determinar o conteúdo do regulamento contratual; mas não é livre, sequer, na alternativa de contratar ou não contratar, porque quando a adesão ao contrato standard constitui o único meio de adquirir bens ou serviços essenciais e indispensáveis á vida de todos os dias, trata-se, na realidade, de uma escolha obrigada...”

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da tutela subjetiva que cuida de identificar as pretensões do indivíduo contra o

Estado. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais exige que o Poder Público

não só se abstenha de lesar direitos fundamentais, mas ainda que proteja aqueles

que podem sofrer danos dessa ordem por agressões vindas de terceiros como as

operadoras dos planos de saúde.23 Atualmente, mostram-se rotineiras as relações

jurídicas entre privados marcadas pela desigualdade de condições entre os

sujeitos. Desse modo, é de todo importante a compreensão de que a parte fraca,

porque titular de um direito fundamental, é também titular de um direito subjetivo

à proteção por parte do Estado contra abusos do contraente detentor do poder

econômico. 24

Parece claro o poder de uma operadora de planos de saúde em face do

consumidor idoso que nela deposita a confiança de ter suas legítimas expectativas

atendidas quando moribundo. Por conta disso, a eficácia horizontal dos direitos

fundamentais entre particulares revela-se tão importante, pois se demonstra capaz

de humanizar as relações onde, por desigualdades explícitas, possa ser violada a

dignidade da pessoa humana. Logo, a atividade econômica deve regular-se por

imposições estatais que minimizem a inferioridade do idoso diante das suas

necessidades existenciais de obtenção da saúde, mediante prestações de um ator

privado cujos interesses, são, evidentemente, patrimoniais. 25

Emblemático, nesse diapasão, trata-se do chamado “caso Lüth”, leading

case onde a Corte Constitucional alemã pronunciou-se, pioneiramente, sobre a

23 Nesse sentido, SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 133-143. 24 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 163 “... O Estado não tem apenas o dever de respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas tem o dever de fazer com que outros cidadãos os respeitem. Assim, o titular de um direito fundamental é também titular de um direito subjetivo à proteção do Estado contra intervenções de terceiros.” 25 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. Tradução de: GUTIÉRREZ, Ignácio. Madrid. Civitas, 1995, p. 78 e 79: “Pressupõem uma situação jurídica e fática aproximadamente igual dos interessados. Onde falta tal pressuposto, e a autonomia privada de um conduz a falta de liberdade do outro, desaparece todo o fundamento e se traspassa todo o limite, o indispensável equilíbrio deve ser encontrado por outra via, a da regulação estatal, cuja eficácia freqüentemente requer uma conexão de preceitos de Direito Público e Privado.” [ traduziu-se livremente do espanhol]

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incidência dos direitos fundamentais não só em face do Estado, mas também

frente a particulares.

O aduzido caso revela um cineasta que apoiara o regime nazista,Viet

Harlan, em situação de estréia de seu novo filme. Erick Lüth, então presidente do

Clube de Imprensa em Hamburgo conclama distribuidores das fitas, donos de

cinemas e teatros, e aos alemães decentes a não distribuir, não apresentar e não

assistir ao filme, respectivamente.

Lüth é processado pelo produtor e pelo distribuidor da obra por perdas e

danos no juízo cível, com base no disposto no parágrafo 826 do BGB: “quem,

contrariando os bons costumes, causar dano a outrem ficará obrigado a indenizá-

lo.” Assim, Lüth é condenado em 22 de novembro de 1951 pelo Tribunal Estadual

de Hamburgo, sob pena de multa ou de prisão determinada judicialmente, a deixar

de convidar os donos dos teatros e distribuidores a não exibir o filme e, ao público

alemão, a não assisti-lo.

O Tribunal Estadual de Hamburgo vislumbra, por meio da atitude de Lüth,

um convite ao boicote, conduta considerada contrária aos bons costumes.

Observe-se que a sentença do juízo cível só analisa o caso com base na

legislação civil pátria. A decisão não cogita dos mandamentos constitucionais. Há,

em juízo cível, perfeita subsunção do fato à regra do BGB.

Porém, Lüth recorre ao Tribunal Constitucional Alemão com base no

direito fundamental à liberdade de opinião – no Brasil mais comumente chamado

de liberdade de expressão – presente no art. 5º da Lei Fundamental Alemã em seu

número 1, especialmente em sua primeira frase que dispõe: “Toda pessoa tem o

direito de manifestar e difundir livremente sua opinião, por escrito e por meio da

imagem e de esclarecer sem entraves em fontes acessíveis a todos.”

A sentença do Tribunal Constitucional reforma a que condenou Luth com

base nos seguintes argumentos: i. uma sentença de um tribunal estadual pode

violar um direito fundamental se não levar em conta o próprio direito

fundamental; ii. A proibição da expressão de Lüth faz com que ele não possa

influenciar outras pessoas a se unirem à sua opinião com respeito à reparação em

favor de Harlan; iii. Todos os poderes do Estado, inclusive o Judiciário, recebem

diretrizes de impulso da Constituição cujos valores não são neutros, porém

objetivos e optam pelo livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade do

ser humano. Desse modo, todas as decisões de Direito Civil devem estar de

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acordo com o espírito da Constituição; iv. Uma sentença que desconsidera a

vinculação do Direito Civil aos direitos fundamentais viola os direitos

fundamentais; v. A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais

supremos, pois é expressão direta da personalidade humana na sociedade e é, em

certo sentido, o fundamento de toda liberdade; vi. São os limites do direito

fundamental que vão determinar o teor normativo das leis gerais; vii. Nesse

sentido, contra a liberdade de expressão de Harlan, o autor do filme, que o art. 5

não protege a expressão de uma opinião por si, mas pelos efeitos espirituais ou

prejudiciais a terceiros que possam advir dessa manifestação. Nesse caso, deve

haver uma ponderação dos bens jurídicos.26

Por igualdade de razão, do mesmo modo que o direito fundamental à

liberdade de expressão incidiu horizontalmente numa relação entre privados,

hodiernamente, cada vez mais, é importante que outros direitos fundamentais

umbilicalmente ligados à dignidade da pessoa humana possuam essa incidência

nas situações privadas, especialmente naquelas em que a prestação do contrato de

natureza existencial será oferecida por um agente que atua no mercado, portanto,

cuja atividade tem, a priori, cunho mercantilista.27

26 Consultou-se a compilação de SCHWABE, Jürgen. In: Cincuenta años de jurisprudencia del tribunal constitucional federal alemán. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2003. Nos termos da ementa da sentença: “1. Os direitos fundamentais são, antes de tudo, direitos de defesa do cidadão em face do Estado, sem embargo, nas disposições sobre direitos fundamentais da Lei Fundamental incorpora-se também uma ordem de valores objetiva, que, como decisão fundamental constitucional, é válida para todas as esferas do direito.

2. No direito civil desenvolve-se indiretamente o conteúdo legal dos direitos fundamentais, por meio das disposições de direito privado. Abrangem, antes de tudo, disposições de caráter coercitivo, que são realizáveis de maneira especial pelos juízes, mediante cláusulas gerais. 3. O juízo cível pode violar, com sua sentença, direitos fundamentais – parágrafo 90 BverGG – , quando desconhece os efeitos dos direitos fundamentais no direito civil. O Tribunal Constitucional Federal examina as sentenças dos tribunais civis somente por violações aos direitos fundamentais, mas não de maneira genérica, por erros de direito. 4. Disposições de direito civil também podem ser as ‘as leis gerais’ no sentido do art.5 número 2 da LF e podem limitar os direitos fundamentais à liberdade de opinião. 5. As leis gerais para o estado democrático livre, devem ser interpretadas à luz do especial significado do direito fundamental da liberdade de opinião. 6. O direito fundamental do art. 5 LF protege não só a expressão de uma opinião como tal, mas também os efeitos espirituais que se produzem por meio da expressão de uma opinião. 7. A expressão de uma opinião, que contém um chamado ao boicote não viola necessariamente os bons costumes do parágrafo 826 do BGB, pois podem estar justificadas constitucionalmente mediante a liberdade de opinião ao ponderar todas as circunstâncias do caso.” [ traduziu-se livremente do espanhol] 27 Consoante SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988, p. 112-113: “Para além dessa vinculação (na dimensão positiva e negativa) do Estado, também a ordem comunitária e, portanto, todas as entidades privadas e os

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A perspectiva em casos de relações contratuais travadas no espaço privado

entre pessoas idosas e operadoras de planos de saúde é de que estas últimas são

titulares do poderio econômico, razão pela qual representam perigo para o gozo do

direito fundamental à saúde desses consumidores hiper vulneráveis.28 Incumbe,

pois, ao Estado, protegê-los. Muitas vezes caberá ao intérprete determinar que, no

caso em espécie, seja invocado o direito fundamental frente a violação provinda

de um particular.29

particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, por sua natureza igualitária e por exprimir a idéia de solidariedade entre os membros da comunidade humana, o princípio da dignidade da pessoa vincula também no âmbito das relações entre os particulares. No que diz com tal amplitude desse dever de proteção e respeito, convém que aqui reste consignado que tal constatação decorre do fato de que há muito já se percebeu – designadamente em face da opressão socioeconômica exercida pelos assim denominados poderes sociais – que o Estado nunca foi (e cada vez menos o é) o único e maior inimigo das liberdades Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica, privatizações, incremento assustador nos níveis de exclusão e, para além disso, aumento do poder exercido pelas grandes corporações internas e transnacionais...” 28 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales? In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 302: “ São evidentes, com efeito, as analogias entre o poder público e o poder privado, um poder que aflora como tal naquelas situações caracterizadas por ‘uma disparidade substancial entre as partes’. Esta falta de simetria permite que a parte que por razões econômicas ou sociais se encontra em ‘posição dominante’ condicione a decisão da parte ‘débil’. O que se exerce nesses casos é um poder formalmente privado (no que concerne à sua fonte e aos sujeitos implicados), mas que se exerce com formas de coação e autoridade similares substancialmente às próprias dos poderes públicos.” [ traduziu-se livremente do espanhol] 29 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?, p. 311: “ A lógica dos direitos fundamentais conduz indefectivelmente a esse cenário, aponta para um crescente protagonismo dos juízes, um protagonismo que não conduz necessariamente ao caos ( nos sistemas de case law não reina precisamente o caos), mas sim um Estado de Direito eminentemente jurisdicional.” [ traduziu-se livremente do espanhol] A assertiva de BILBAO UBILLOS confirma-se no Brasil atual mediante a análise de precedente no qual o Poder Judiciário reconheceu a afronta de terceiro aos direitos fundamentais dos consumidores idosos numa relação de natureza privada encontra-se no Agravo de Instrumento nº 06663/ 2005 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em que figurava como agravante o Banco Itaú S. A. e como agravado o Ministério Público. Do voto da relatora Desembargadora Helda Lima Meireles colhem-se os seguintes argumentos extraídos da ementa do voto: “Agravo inominado. Artigo 557, § 1º, CPC. Ação civil pública. Instalação e mantença, de maneira permanente e regular, de caixa convencional para atendimento prioritário de portadores de deficiência e mobilidade reduzida, no andar térreo da agência do Banco-réu, em Cabo Frio, sob pena de multa diária. Pretensão amparada na Lei Maior da República, no Estatuto do Idoso, no CDC e na Lei Estadual n º 4.347/04. Alegação de ausência de legitimidade ativa do Ministério Público, falta de interesse de agir e ausência dos pressupostos exigíveis para concessão da liminar. 1- O aspecto referente à disponibilidade dos direitos individuais homogêneos não afasta a possibilidade de tratamento coletivo da presente quaestio, pois é assente o entendimento no sentido de que a relevância social da matéria, ou a extensão do direito a que se pretende tutelar, atribui a esse mesmo direito a natureza indisponível. 2- Via eleita – ação civil pública – cabível, e presença da necessidade da propositura da ação. Configuração do interesse de agir.

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Por outro lado, há que se considerar em que medida a autonomia privada

de um contraente possa ser restringida pelo Poder Público, no intuito de protegê-

lo, quando em situação de fraqueza. Para os pensadores liberais, a autonomia

privada era atributo de todos os cidadãos que, livres e iguais, não necessitavam da

intervenção estatal no domínio de suas autodeterminações.30 Contudo se

reconhece, especialmente nos dias de hoje, que onde não há igualdade entre os

atores privados que se relacionam, a esfera de autonomia da parte débil revela-se

muito pequena. Isto posto, chega-se a conclusão de que não é o Estado que

primeiramente intervém para equalizar uma situação de desigualdade, mas antes, é

a situação de desigualdade que impede que haja, com efeito, a manifestação

límpida da autonomia privada, demandando interferência estatal.31

Nos contratos de planos de saúde o consumidor idoso busca um bem

fundamental para si: a proteção da sua saúde, direito de ordem prioritária na

velhice, razão pela qual, nesses casos, a tutela do Estado para o alcance desse

objeto deve ser a mais incisiva. Se a saúde não tivesse a qualidade de essencial

para a pessoa, ou seja, se fosse supérflua, menor seria o intervencionismo estatal

na relação privada. Mas, quanto mais essencial for o bem da vida sujeito a uma

situação relacional, mais vulnerável também se encontra o consumidor, pois

necessita dele. É que quando se tem necessidade vital de um produto ou de um

3- A ponderação das repercussões da liminar concedida revela sua correção, não sendo teratológica. Proteção da dignidade humana e da saúde. Incidência da Súmula nº 59 deste Tribunal de Justiça. 4- Razoabilidade do prazo fixado para cumprimento da obrigação imposta (cinco dias) e da multa diária pelo descumprimento (hum mil reais), diante da possibilidade econômica da Instituição Financeira. 5- Agravo inominado desprovido.” [ grifou-se] 30 Essa perspectiva de análise é bem ilustrada por HELD, David. Modelos de democracia. Madrid: Alianza Editorial, 2001, p. 335:‘... O estado existe para salvaguardar os direitos e liberdades dos cidadãos, que são, em último termo, os melhores juízes de seus próprios interesses; o estado é a carga que os indivíduos têm que suportar para garantir seus próprios fins; e o estado deve estar restrito enquanto ao seu âmbito, e limitado enquanto à sua prática, para garantir o máximo de liberdade possível a cada cidadão. O liberalismo tem estado e está preocupado com a criação e defesa de um mundo em que os indivíduos ‘livres e iguais’ possam prosperar com o mínimo de estorvo político. [Traduziu-se livremente do espanhol] 31 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?, p.334: “Quanto maior seja a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação, maior será a margem de autonomia privada cujo sacrifício é admissível porque falta então o pressuposto ou fundamento da proteção dessa autonomia. Dito de outro modo, o grau de autonomia real das partes pode ser um critério válido e útil para resolver os possíveis conflitos. Quanto menor seja a liberdade da parte ‘débil’ da relação, maior será a necessidade de proteção.” [Traduziu-se livremente do espanhol]

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serviço, a pessoa humana não está livre para prescindir de tal bem.32 Por isso,

entre outros fatores como a hiper vulnerabilidade jurídica do idoso, o dirigismo

estatal apresenta-se intenso nas relações entre privados nas quais a prestação da

saúde é o objeto do contrato. 33

Nessa medida, em um pacto cujo objeto é a saúde de um ser humano idoso

prestada pela livre iniciativa propõe-se, diante da incidência de princípios nas

relações interprivadas, que se dê menos intensidade ao princípio da liberdade

negativa e da igualdade formal, nos quais se baseia a livre iniciativa, e, da mesma

forma, menor densidade ao princípio infraconstitucional da autonomia privada,

que, por sua vez, rege com primazia, as relações contratuais onde há igualdade

entre os contraentes. Parte-se, para tanto, do seguinte entendimento: quando não

há, em essência, igualdade entre os contraentes, terão proeminência os princípios

fundamentais da igualdade substancial e da solidariedade social na interpretação

de um caso concreto.34

32 Nesse sentido, manifesta-se NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 453: “Os contratos que versem sobre a aquisição ou utilização de bens que, considerando a sua destinação, são tidos como essenciais, estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção da parte vulnerável – assim entendida a parte contratante que necessita do bem em questão –; e, vice-versa, no extremo oposto, os contratos que tenham por objeto bens supérfluos regem-se predominantemente pelos princípios do direito contratual clássico, vigorando aqui a regra da mínima intervenção heterônoma.” 33 Ao analisar a autonomia privada e a igualdade a que alude a Constituição portuguesa PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 105-106, formula raciocínio que se considera também pertinente para a Constituição brasileira: “Uma imposição constitucional de actuação estatal pautada pela remoção dos obstáculos a uma efectiva igualdade entre os cidadãos não pode, desde logo, a um nível geral, deixar de determinar uma orientação legislativa e jurisdicional no sentido de integrar as posições de desequilíbrio contratual através de medidas tuteladoras da capacidade negocial real das partes contratualmente débeis. Isto é, para além dos pontuais – embora importantes – afloramentos de uma directa tutela constitucional de categorias contratuais mais fracas, pode-se extrair da Constituição uma orientação – que há-de ter um papel informador e directivo na concepção de institutos civilísticos muito importante – de tutela das posições contratualmente débeis, que não pode deixar de se repercutir na forma de entendimento e de aplicação do princípio da autonomia privada em termos gerais e que, em alguma medida, há-de poder ser directamente invocável judicialmente.” 34 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito à pessoa humana. In: Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar. v. 2. Abril/Junho/2000: “Entre controvérsias, aplausos e objeções, o direito civil assistiu ao deslocamento de seus princípios fundantes, do Código Civil para a Constituição, em difusa experiência contemporânea, da Europa Continental à América Latina. Tal realidade, vista por muitos com certo desdém, na tentativa de reduzi-la a fenômeno de técnica legislativa - ou mesmo à mera atecnia -, revela processo de profunda transformação social, em que a autonomia privada passa a ser remodelada por valores não patrimoniais, de cunho existencial, inseridos na própria noção de ordem pública.” [grifou-se]; WIEACKER, Franz, História do direito privado moderno. Tradução de: HESPANHA, A. M. Botelho. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1967, também revela a importância da Jurisprudência dos valores na determinação da função social dos direitos privados: “O combate no séc. XIX entre formalismo e naturalismo, jurisprudência dos conceitos e realização de finalidades (jurisprudência dos interesses

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Sabe-se, porque corriqueiro, que pessoas idosas por muitos anos

asseguradas em sua saúde mediante planos privados não gozam da pretendida

assistência no momento em que mais precisam, por argumentos arbitrários das

prestadoras de saúde que não medem esforços para alegar que o consumidor não

tem o direito que pleiteia, principalmente se esse direito custa caro. A iniciativa

privada visa prioritariamente ao lucro e não a objetivos humanitários, razão pela

qual o ser idoso depara-se com o paradoxo de ter pagado pelo cuidado de sua

saúde e não obtê-lo. Parece que o grande perigo enfrentado pelo regime

democrático brasileiro não é mais o golpe de Estado, mas “o golpe do mercado”,

pois se revela inadmissível que o Estado brasileiro, ao alcançar a democracia, um

modelo de inclusão social e se encontrar calcado no princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana permita tamanha mercantilização da saúde, condição

inarredável de vida. 35 36

Ademais, a Constituição da República, por força do art. 6º, assevera que a

saúde é direito fundamental social. Ao atribuir fundamentalidade ao direito à

saúde a Constituição permite aos atores sociais que exercem a livre iniciativa na

forma do art. 199 aufiram lucro, considerando, contudo, que seus benefícios

econômicos nesse tipo de negócio se reduzem pelos matizes fundamentais do

e aplicação teleológica da lei) atingiu na moderna jurisprudência das valorações um certo grau de equilíbrio; na determinação destes valores coube uma certa influência à relação entre o espaço de liberdade e a função social dos direitos privados.” [grifou-se]. 35 Consoante TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 57: “Na democracia capitalista globalizada, de pouca serventia mostram-se os refinados instrumentos de proteção dos direitos humanos, postos à disposição pelo direito público, se as políticas públicas e a atividade econômica privada escaparem ao mecanismo de controle jurídico, incrementando a exclusão social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. Na era dos contratos em massa e na sociedade tecnológica, pouco eficazes mostram-se os mecanismos tradicionalmente empregados pelo direito civil, como a responsabilidade civil fundada na culpa, sendo indiscutíveis os riscos sociais decorrentes da atividade econômica, mais e mais sofisticada, impondo-se a busca de soluções de índole objetiva, preferencialmente preventivas, não meramente ressarcitórias, em defesa de uma melhor qualidade de vida e da realização da personalidade.” 36 Veja-se também DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 320: “A partir de 1980, no Brasil, algumas formas de violência podem ter diminuído, como as perseguições e violações por motivos políticos. No entanto, outras violações aumentaram, como a dos direitos sociais, as execuções extrajudiciais, as violências físicas dos agentes de Estado contra populações marginalizadas ou em situação precária, no campo e na cidade. O mesmo ocorreu com a violência do mercado livre, sem regulação, na era neoliberal.[ Grifou-se]

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direito à saúde, estreitamente ligados às condições de vida do ser humano e ao

princípio maior da sua dignidade. Nesse sentido, remonta-se também ao

fundamento constitucional da livre iniciativa que se encontra nos valores sociais

que ela provê.37 Ao tratar-se de obrigação contraída pelo consumidor de pagar

periodicamente para que sua saúde seja assistida por um ator privado, o valor

social da livre iniciativa encontra-se exatamente na prestação do sinalagma

contratual, ou seja, o direito à saúde, que, além de fundamental é, nesses casos, o

próprio objeto do contrato.

Se, por via de argumentos liberais como a força obrigatória de um contrato

lesivo, ou da livre manifestação da vontade do consumidor hiper vulnerável,

retiram dele a prestação da saúde para privilegiar aspectos econômicos favoráveis

à empresa, a atividade dela afasta-se da valoração social que lhe é atribuída pela

Constituição. Significa dizer que o exercício da atividade econômica deve atentar

não só para os lucros que visa a auferir, mas também para o alcance das

necessidades existenciais e das expectativas geradas em razão do tipo de atividade

que executa. Quanto mais proteção constitucional recebem, tanto o objeto de um

contrato quanto o titular do direito subjetivo, tal como a pessoa idosa, mais atenta

deve estar a livre iniciativa para que atinja os valores sociais, que a torna também,

merecedora da tutela constitucional.

Numa palavra: o tratamento que a Constituição da República dá à

atividade econômica – tanto no art. 1º, inciso IV, que subordina a livre iniciativa à

persecução dos valores sociais, quanto no art. 170, que se refere à ordem

econômica em seu caput – é no sentido de mantê-la atrelada à existência digna de

todos e à justiça social.38

Observe-se que pessoas que se asseguram contra a doença por planos

privados de saúde podem ser pobres ou ricas. Contudo, as que discutem cláusulas

37 Segundo AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 37: “No direito brasileiro, são princípios constitucionais, superiores, que se projetam no direito privado, os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” [Grifou-se] 38 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 171: “A justiça social passa a ser o princípio estruturante da atividade econômica inserta no artigo 170 da Constituição. É, na realidade, a adoção expressa de um novo credo em matéria constitucional, em que o paradigma adotado ultrapassa os sistemas das liberdades meramente formais desaguando nos direitos sociais econômicos. E esta autêntica mudança social e econômica projeta-se intensamente na própria estrutura contratual e no tráfico jurídico.”

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abusivas ou impedimentos lesivos levantados pelo plano em momentos

dramáticos de suas vidas, precisando da tutela do Judiciário para usufruir um

direito, não são ricas. Essas pagam pelo serviço de saúde e depois decidem acerca

de se restituírem ou não pela via do Judiciário. São os contribuintes pobres ou os

que não possuem condições de arcar com o tratamento do qual necessitam, que

morrem ou sofrem demasiadamente ao aguardar uma posição favorável do órgão

jurisdicional.

De todo modo, o reconhecimento da lesão no âmbito do contrato constitui

um avanço que se realiza pelo dirigismo do Estado na esfera privada, fazendo com

que pactos onde vigoravam a desigualdade no conteúdo das prestações sejam

revistos de modo que se viabilize o equilíbrio contratual.

5.2 A Lesão Em Contratos de Plano de Saúde Realizados Com o Consumidor Idoso: Hipóteses de Incidência e Análise de Casos

Sobre a lesão pode-se dizer que se trata da desproporção entre as

prestações aferida no momento da formação do contrato.

Nesse passo, relata-se também que a lesão apresenta-se como um instituto

jurídico que remonta ao Direito Romano:39 “na fase imperial do ius romanum é

que se aponta o monumento fundamental do instituto da lesão.”40

Relaciona-se o surgimento da lesão a dois fragmentos do Código do

Imperador Justiniano, que faziam menção a duas Constituições, de Diocleciano41

e Maximiliano.42

39 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 1-35, passim.; ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato. Teoria geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 265-266; DA SILVA, Luís Renato Ferreira. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 70, cuja ressalva elucida que a única assertiva segura a ser feita sobre a lesão é ter sido versada pelo Direito Romano. As demais asserções sobre a sua origem nos textos legais, a hermenêutica aplicada ao instituto, sua ideologia, são tratados contraditoriamente pelos juristas romanistas. 40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 10. 41 Cf. MIRABELLI, Giuseppe. Rescissione (Diritto Civile). In: Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET, V. 15, 1968, p. 580. 42 O Código de Justiniano dizia, segundo tradução de PEREIRA, Caio Mário da Silva, Lesão nos contratos, p. 13.:“ ‘Se tu ou teu pai houver vendido por preço menor uma coisa de maior preço, é eqüitativo que, restituindo tu o preço aos compradores, recebas o fundo vendido intercedendo a

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Note-se, que o critério para se verificar a ocorrência da laesio enormis no

Direito Romano era objetivo:43 se a venda fosse efetuada por quantum menor que

a metade do valor do bem, estaria configurada a lesão, que daria direito ao lesado

de rescindir o contrato, obtendo de volta a coisa, ou de receber o seu valor

restante.44

Relata-se ainda que, com o renascimento do estudo do Direito Romano

pela Escola de Bolonha, o instituto da lesão volta ser analisado pelos glosadores,

os quais, tendo dificuldade de concebê-lo como um instituto autônomo, desligado

dos vícios de consentimento, acrescentam à sua configuração um elemento

anímico do comprador, o chamado dolus re ipsa 45.

Por sua vez, os canonistas criam a laesio enormissima, no caso de a

vantagem obtida com a lesão da outra parte ultrapassar dois terços do valor do

bem.46 Já na Idade Moderna, o Código de Napoleão acolhe a lesão como vício do

consentimento47 aplicada, todavia, apenas em situações excepcionais como em

autoridade do juiz, ou, se o comprador o preferir, recebas o que falta para o justo preço. Menor porém presume-se ser o preço, se nem a metade do verdadeiro preço foi paga.’ ” 43 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 34, verbis: “Foi conceituada a lesão como um vício de apuração objetiva do próprio contrato...” 44 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 35, “O que se observa coma a laesio enormis do Direito Romano é isto: foi criada como um vício objetivo do próprio contrato, e como tal aplicada.” 45 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 40, “Aquele que vende a coisa por menos de metade, certamente foi enganado pelo comprador. Não é possível que alguém seja levado a um ato desta sorte, sem a preexistência de qualquer hábil manobra da outra parte. Mas, nada falando os textos a respeito, nem acusando as circunstâncias de que se revestia uma tal venda o processo fraudulento, era preciso imaginar o modo de se ligarem os dois fenômenos. Uma venda assim só se compreenderia pelo dolo do comprador. E este dolo estava entrosado no próprio contrato, caracterizado na essência suspeita do ato - dolus re ipsa.” 46 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 45, “Foi devido aos canonistas que se criou a chamada laesio enormissima, sem fundamento na lei romana. Quando o vendedor era enganado além dos dois terços do valor da coisa, considerava-se que os princípios que regiam a lesão enorme eram insuficientes para atender a esta situação, e imaginaram-se novos: a lesão enormíssima não apenas viciava o contrato, tornando-o rescindível, mas ia além, importando na sua inexistência como ato jurídico.” 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 59, “O Código Civil francês adotou , pois, a rescisão dos contratos lesivos, enunciando no art. 1.118 o princípio, segundo o qual a lesão é um vício do consentimento, compreendido que está este inciso na seção encimada pela epígrafe Du Consentement”; GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 28 comenta a respeito da ideologia que inspirou o dispositivo legal do Code que contém positivada a lesão, “...Quando alguém se encontra em tais condições que, se tivesse conhecido toda a extensão da lesão não teria celebrado o contrato, não se pode dizer que consentiu, pois ninguém consente espontaneamente em grandes perdas.”

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casos de partilha e compra e venda imobiliária, onde trata da venda de imóveis por

preço menor que 7/12 do valor de mercado.48 A ideologia liberal do Code não

permitiu grande expansão à lesão, mas ao espírito individualista e à diretriz de

plena liberdade contratual.

No Brasil, embora a lesão tenha constado das Ordenações do Reino, que

aqui vigoraram antes e depois de proclamada a Independência,49 “em homenagem

ao princípio da autonomia da vontade, vários Códigos, dentre os quais o nosso,

suprimiram-na.”50 Ainda assim, leis posteriores ao Código Civil brasileiro de

1916,51 inclusive em sede constitucional,52 positivaram a repressão à usura real e,

com o advento da Lei da Economia Popular, formulou-se importante construção

que, através da instituição penal do crime de usura, entendeu serem nulos os

contratos em que esta fosse manifesta por contrariar o artigo 145 do Código Civil

brasileiro de 1916.53

48 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 171. 49 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 89. 50 Cf. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 27. 51 Cf. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Aspectos do código de defesa do consumidor. In: Revista AJURIS. V. 52. Porto Alegre. Julho/1991, p. 178-179. 52 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 129: “A Constituição de 1934 reflete esta animadversão à usura que se apossou da consciência coletiva, ao estatuir no art. 117, parágrafo único, a proibição da usura, punida na forma da lei.”; também na p. 130, “Simultâneo ao golpe de estado de 10 de novembro de 1937, a Carta Constitucional, então outorgada, repisou o princípio no art. 142, num inciso simples e peremptório: ‘A usura será Punida’. Atravessando o Estado Novo, o mesmo preceito foi conservado pelo Constituinte de 1946, numa fórmula de horizontes mais amplos: ‘A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei.’” 53 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 163, “Na lei de Economia Popular, a intenção do legislador foi a punição do delito de usura, a que não podia ficar estranha a conseqüência cível.’ Diante deste dispositivo Caio Mário aduz na p. 167: ‘Esse é o delito de usura real, isto é, o instituto penal da lesão. Sua projeção juscivilística é manifesta. Delito, ilícito penal. E, como é nulo o ato jurídico quando for ilícito o seu objeto (Código Civil, art.145, nº II), aí teríamos a nulidade dos contratos em que uma das partes, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra, obtém lucro patrimonial excedente de um quinto do valor corrente ou justo.”; GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 31, manifestou posição divergente: “Diferentes, assim, no fundamento, na configuração, na sanção que se lhes aplica e por tantos outros traços incisivos, lesão e usura são desenganadamente inassimiláveis. O esforço que se vem fazendo no sentido de adaptar a usura ao conceito de lesão mais não passa do que vã tentativa para salvar uma noção completamente decadente, travestindo-a com indumentária que se não ajusta à sua envergadura.”

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No entanto, apenas com o advento do Código de Defesa do Consumidor a

lesão é abertamente positivada no Brasil seguida pelo Código Civil de 2002 em

seu art. 157.

No caso de planos de saúde prestados à pessoa idosa serão analisadas as

hipóteses de lesão previstas no Código de Defesa do Consumidor por tais planos

tratam-se de relações de consumo. A lesão é, por três vezes, mencionada na

legislação consumerista para situações diferenciadas de desequilíbrio contratual

presente no momento da contratação.

A lesão está contida na primeira parte do inciso V, do artigo 6º, do Código

do Consumidor, razão pela qual a referida Lei concede ao consumidor lesado o

direito de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais.54 Está contida também no artigo 39, inciso V, que veda ao

fornecedor de produtos ou serviços exigir do consumidor vantagem

manifestamente excessiva,55 e, enfim, consta positivada na regra do artigo 51,

inciso IV, que dispõe serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais

relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que estabeleçam obrigações

consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem

exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou com a eqüidade. Estabelece

ainda o parágrafo primeiro deste mesmo artigo os casos em que se presume a

vantagem, sem desconsiderar, contudo, outras possíveis presunções.56

54 Cf. DA SILVA, Luís Renato Ferreira. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor, p. 92, “No Brasil, em face do diploma dos consumidores, sustenta-se a possibilidade de revisão por incidência do art. 6º, V, que refere à revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, o que não é outra coisa senão a figura da lesão.”; também DE ALMEIDA, João Batista. A revisão dos contratos no código do consumidor. In: Revista de direito do Consumidor. São Paulo. Revista dos Tribunais. V. 33. Janeiro/Março/2000, p. 145, “...O código de defesa do consumidor estabeleceu como direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V, 1ª parte), o que coincide com a noção de lesão.” 55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 211, “Numa aproximação notória e até mesmo vocabular com os extremos da lesão, o art. 39, ao cogitar de ‘práticas abusivas’ por parte do fornecedor (genericamente considerado) proíbe exigir do consumidor ‘vantagens manifestamente excessivas’. Nesta passagem está presente um dos requisitos da ‘lesão qualificada’ - a prestação ‘exageradamente exorbitante da normalidade’ ou desproporcional ao que o fornecedor oferece.” 56 Em regra, presume-se exagerada, segundo o § 1º do art. 51, a vantagem que, nos termos dos incisos seguintes: “I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”

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O primeiro caso sob análise trata de plano de saúde contratado em 1986.

Na época do julgamento a consumidora, já possuía 72 anos de idade e havia

sofrido queda com fratura de braço necessitando, para tanto, de uma prótese. A

operadora do plano, na situação, a apelante, negou-se a autorizar e custear a

implantação da prótese necessária ao restabelecimento da apelada sob o

argumento de ausência de cobertura e inaplicabilidade do Código de Defesa do

Consumidor e da Lei 9.656 de 1998. Do voto do desembargador relator que nega

provimento ao recurso extraem-se os seguintes argumentos:

“Não é crível e juridicamente aceitável, que a apelada suporte os custos de um plano de saúde por cerca de 20 anos e, no último quadrante de sua vida, já acometida de doenças e fraquezas típicas da idade avançada, veja negada a cobertura para este ou aquele procedimento cirúrgico, para este ou aquele complemento, porque o plano não oferece cobertura. Quando determinada cirurgia está coberta pelo plano, deve ser entendido que todos os suprimentos médicos indispensáveis ao bom êxito do ato médico também estejam, sob pena de se encontrar o consumidor em desvantagem exagerada. Agora na difícil condição de paciente, literalmente “aberto” na mesa de operações e discutindo com o plano se ele está pagando esta ou aquela prótese. Além da ofensa à própria dignidade da pessoa humana, o comportamento dos planos de saúde beira a própria conduta criminosa. Cobrir a operação cirúrgica e não cobrir o material indispensável ao pleno sucesso do ato é o mesmo que negar eficácia ao contrato.”57 No segundo caso, por meio de uma apelação cível, a operadora de plano

de saúde objetivava ver-se livre do serviço de enfermagem domiciliar após

cirurgia de gastrotomia, alegando a pré-existência de cláusula contratual limitativa

do tempo de prestação de seus serviços. Tratava-se a apelada de pessoa idosa de

92 anos na época do julgamento. O Tribunal considerou abusiva a recusa da

apelante de prestar seus serviços necessários à apelada nos seguintes termos:

“Trata-se de cláusula abusiva inserta em contrato de prestação de serviços de saúde limitativa de tempo para assistência de enfermagem domiciliar, portanto nula de pleno direito. Afigura-se abusivo impor tempo de tratamento para doença coberta pelo seguro. Complicações de toda ordem podem surgir ampliando-se compulsoriamente o tempo de tratamento. Pretender livrar-se o segurador dessas conseqüências não é limitar o seu risco, porque o risco foi assumido quando da cobertura do serviço. O que pretende, na realidade, é limitar a responsabilidade assumida e isso a tornaria inválida.

57 TJRJ. Apelação Cível nº 29.414/2005. 16ª Câmara Cível. Apelante: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda. Apelada: Maria da Conceição Morais de Andrade Luna. Relator: Desembargador Rogério de Oliveira Souza. Julgada em: 8.11.2005. [grifou-se]

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Não há como prever-se o tempo em que o segurado necessitará do serviço oferecido. No caso, trata-se de pessoa idosa, com 92 anos, submetida a cirurgia delicada e contratante por mais de dez anos dos serviços oferecidos pela seguradora. Entender de forma diversa é ignorar o princípio da boa-fé nas relações contratuais, norte de todo e qualquer contrato. Nessa esteira configura-se abusiva a cláusula limitativa de tempo para a prestação de serviço de nursing care, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada se afigurando incompatível com a eqüidade, máxime porque compromete a finalidade da avença e rompe o almejado equilíbrio contratual [...] No entanto, quanto a multa diária, merece guarida o recurso, tão somente para reduzi-la de R$1.000,00 (mil reais), para R$200,00 (duzentos reais), eis que mais compatível com sua finalidade e com o princípio da razoabilidade.”58

No terceiro caso analisado, o plano de saúde negou o pagamento de

despesas relativas à implantação de stent em decorrência de cirurgia de

angioplastia em paciente idoso, alegando limitações contratuais nesse sentido. A

operadora do plano apelou da decisão de primeiro grau que a condenou não só a

arcar com tais despesas, mas também à indenização por dano moral. Extrai-se

parte do voto do relator no recurso de apelação:

“O recurso de apelação interposto pela Ré não merece acolhimento devendo ser mantida a condenação. Com efeito, a condenação da parte Ré ao custeio das despesas relativas ao procedimento cirúrgico e ao pagamento da indenização por danos morais é a única medida que se afigura justa, uma vez que em jogo está a vida da pessoa que necessita a realização da intervenção cirúrgica com a implantação do stent e por se tratar de fato que, induvidosamente, causaria abalo moral em qualquer pessoa, principalmente, naquelas mais idosas e que se encontram com a saúde debilitada. No que concerne a alegação no sentido da ausência de previsão contratual para o custeio da intervenção cirúrgica pleiteada no recurso não merece acolhida uma vez que a hipótese versa sobre procedimento de urgência, insuscetível de ser negada a cobertura pela seguradora diante do risco iminente à vida da autora.

58 TJRJ. Apelação Cível nº 9.574/06. 4ª Câmara Cível. Apelante: CABERJ- Caixa de Assistência à Saúde. Apelado: João Petillo. Relator: Desembargador Sidney Hartung Buarque. Julgada em: 9.05.2006. [grifou-se] Em precedente semelhante cuja ementa se transcreve, observa-se referência à clausula abusiva prevista no contrato para negar provimento ao recurso : TJRJ. Agravo de Instrumento nº 2004.002.24085. 6ª Câmara Cível. Agravante: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde LTDA. Agravado: Candido Bonfim Leitão. Relator: Desembargador Francisco de Assis Pessanha. Julgada em:31.05.2005: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO-SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO ATRAVÉS DE ATENDIMENTO DOMICILIAR (HOME CARE). LIMITAÇÃO. CLÁUSULA ABUSIVA IMPRESSA EM DOCUMENTO UNILATERAL. A Constituição da República e o Código de Defesa do Consumidor são diplomas legais que se complementam para prestigiar a dignidade da pessoa humana, o resguardo da saúde do cidadão, a proteção aos idosos e afastar as cláusulas abusivas redigidas nos contratos. Havendo negativa da empresa de seguro-saúde em prestar assistência ao associado, deve o julgador superar eventuais limitações contratuais e agir para preservar a vida do ser humano com a saúde extremamente fragilizada e que poderá vir a falecer se o tratamento recomendado vier a sofrer solução de continuidade. [...] RECURSO DESPROVIDO” [grifou-se]

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Assim, as limitações contratuais impostas são nulas de pleno direito e não podem impedir que a cirurgia se realize com o conseqüente custeio pela seguradora. A alegação acerca da irretroatividade do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/98, também não merece acolhida, uma vez que a relação entre as partes é nitidamente de consumo e o Código de Defesa do Consumidor ao trazer normas protetivas ao consumidor deve ser interpretado e aplicado, mesmo tendo a relação contratual entre as partes se estabelecido antes da sua vigência.”59

No quarto caso, analisa-se agravo de instrumento interposto por plano de

saúde que, unilateralmente, rescindiu contrato coletivo realizado com pessoas

idosas. Essas propuseram liminar, que lhes foi concedida, no sentido de obrigar o

plano a cumprir suas obrigações sob pena de multa a ser fixada na hipótese de

descumprimento. Observe-se que a própria Lei dos Planos de Saúde em seu art.

13 parágrafo único, inciso II, letra b, prevê que: “são vedadas a suspensão do

contrato e a denúncia unilateral, salvo por fraude ou não pagamento da

mensalidade por período superior a sessenta dias, a cada ano de vigência do

contrato.”

Do voto sobreleva o seguinte:

“Ademais, o nobre representante ministerial trouxe à colação aresto do Egrégio STJ, 3ª Turma, no Recurso Especial nº 602.397 do Rio Grande do Sul, relatado pelo Ministro Castro filho, publicado em 1º de agosto do ano passado, cuja ementa, que tudo sintetiza, é assim redigida: “é nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença.” Por fim bem argumentou o “parquet” ser inaceitável que pessoas idosas, de uma hora para outra, fiquem sem assistência de uma entidade hospitalar de renome, sem o concurso de sua vontade, sem justa causa para tal.”60 No quinto caso, observou-se que o reajuste da mensalidade no plano de

saúde de pessoa idosa por mudança de faixa etária constitui prática abusiva que

configura a lesão, além de ferir o Estatuto do Idoso em seu art.15, § 3º, que dispõe

ser vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores

diferenciados em razão da idade. Seguem os argumentos da ementa:

59 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.17226. 13ª Câmara Cível. Apelante: Bradesco Saúde S/A. Apelado: Sônia Tereza Ramos Nasser. Relator: Desembargador Carlos Santos de Oliveira. Julgada em: 06.07.2006. [grifou-se] 60 TJRJ. Agravo de Instrumento nº 22239/2005. 6ª Câmara Cível. Agravante: OMINT Serviços de Saúde LTDA Agravado: Amarino Carvalho de Oliveira e outros. Relator: Desembargador Luiz Felipe Haddad. Julgada em: 27.04.2006 [grifou-se]

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“Cuidando-se de contrato de relação de consumo incidem no caso sub judice as normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 6º, V, 51, X, XIII e XV), interpretando-se as disposições contratuais em favor do consumidor (art. 47). O Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/03, art.15, § 3º) como as demais leis do ordenamento jurídico possuem eficácia imediata a partir de sua vigência.[...] O princípio do equilíbrio econômico do contrato aplica-se a ambas as partes, pressupondo a indicação pelo fornecedor e o conhecimento prévio pelo consumidor das regras do jogo, especialmente, quanto à previsão dos percentuais de reajustes incidentes em cada faixa etária, não podendo o fornecedor arbitrária e unilateralmente impor suas condições no curso do ajuste, sob a alegação infundada de mutualismo. Não merece provimento o recurso, corrigindo-se de ofício a r. sentença monocrática para adequar a parte dispositiva aos limites do pedido inicial, declarando a nulidade, tão somente, do reajuste da mensalidade do plano de saúde, em razão da faixa etária da autora, por configurar-se prática abusiva repudiada pelas normas consumeristas, mantendo-se o valor de R$183,43, e os reajustes decorrentes de perdas inflacionárias. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”61

Por derradeiro, aponta-se precedente que reconheceu a abusividade de

cláusula contratual, uma vez que fora prevista no contrato possibilidade de

rescisão unilateral por parte do plano de saúde, usada por ele quando pessoa idosa

se negou a aceitar o aumento da prestação de seu contrato. A 4ª Turma do STJ

decidiu, por unanimidade, manter a decretação da nulidade da referida cláusula,

conforme entendimento prévio do TJSP:

“ ‘Com efeito, sendo a autora octogenária (nascida em 06.01.1912), a prevalecer tal denúncia unilateral, certamente não teria a mesma possibilidade de ingresso em outra empresa similar, ficando, assim, desassistida de assistência médico-hospitalar, para a qual contribuiu desde 1992. Nesse passo, não se pode olvidar que nos contratos de adesão, a teor do art. 54 do suso mencionado diploma legal, só se admite cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvada a hipótese a que alude o § 2º do artigo anterior, que não se aplica à hipótese dos autos. O recurso comporta provimento parcial, pois, para o fim de se considerar ineficaz a denúncia do contrato por abusividade, permanecendo hígida a relação contratual entre as partes, nos moldes e limites contratados, afastada, entretanto, a pretensão em indenização por danos morais [...]’ De efeito, na interpretação que deu aos fatos e ao contrato celebrado entre as partes litigantes, a Corte estadual concluiu que a cláusula que permitia a rescisão unilateral fora utilizada pela Unimed, ré, como resultado de uma negociação frustrada de aumento da mensalidade, à qual se opusera a autora, já de idade avançada, por impossibilidade de suportar com os encargos financeiros. Em tais circunstâncias, não há como o STJ chegar a entendimento diverso sem o detido exame dos fatos da causa e da cláusula em comento, inclusive, como se disse acima, porque mais do que a redação do contrato propriamente dita, a

61 TJRJ. Apelação Cível nº 2005.001.32472. 9ª Câmara Cível. Apelante: Grupo Hospitalar do Rio de Janeiro Apelado: Therezinha da Silva Soares. Relator: Desembargador Roberto de Abreu e Silva. Julgada em: 14.02.2006. [grifou-se]

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questão é mais complexa, pois na verdade o que teria acontecido é um uso da previsão avençada, porém para forcejar a aceitação de um aumento do custeio do plano de saúde. Indubitavelmente, as Súmulas n. 5 e 7 incidem na espécie. Ante o exposto, não conheço do recurso especial. É como voto.”62

Tal como observado, a lesão é um instituto reinserido na legislação

brasileira a fim de equilibrar relações contratuais onde uma parte fraca admite

previsões excessivamente onerosas no momento da formação do contrato ou sofre

por meio de práticas abusivas da parte forte. De todo modo, cláusulas abusivas e

práticas do mesmo jaez são revistas pelo Poder Judiciário no intuito de tutelar a

pessoa consumidora de planos de saúde, especialmente a idosa, pois, como dispõe

o art. 39, inciso IV, “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre

outras práticas abusivas: prevalecer-se da fraqueza ou da ignorância do

consumidor tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,

para impingir-lhe seus produtos ou serviços.”

Verifica-se, contudo, que a existência de uma cláusula lesiva não há de,

por si, invalidar o contrato. É que o Código de Defesa do Consumidor preconiza a

conservação dos contratos na medida das justas expectativas de ambas as partes

contraentes. Nos casos analisados, observou-se que o contrato subsistiu a despeito

da nulidade das cláusulas abusivas de modo que houve, efetivamente, proteção e

defesa do consumidor. Na forma em que dispõe o art. 51, § 2º, da legislação

consumerista: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o

contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,

decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.”

No mais, observou-se que o princípio do equilíbrio contratual funciona

como expressão dos princípios constitucionais fundamentais da igualdade

substancial e da solidariedade social. Este último marca forte presença nas

relações privadas de prestação da saúde, inclusive, ao superar a clássica idéia de

mutualidade dos contratos de seguro e ganhar terreno no que diz respeito às

prestações pagas pela pessoa idosa nessa seara.

62 STJ. Recuso Especial nº 242.084-SP. 4ª Turma. Recorrente: Unimed Ribeirão Preto – Cooperativa de Trabalho Médico. Recorrida: Catharina Zema da Silva. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Julgado em: 25.04.2006.

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5.3 Da Mutualidade dos Contratos de Seguro à Solidariedade dos Contratos de Plano de Saúde Realizados Com Pessoas Idosas

A mutualidade é comum em contratos de seguro.63 Nesses pactos, a

empresa seguradora responsabiliza-se por recolher e administrar prestações

denominadas prêmios, pagas periodicamente por aqueles que, querendo se

precaver do evento danoso chamado sinistro, arcam com tais prestações periódicas

módicas pois, em caso de sinistro, serão ressarcidas com os recursos maiores que

procedem do montante de prêmios. “É assim que operam as sociedades de seguros

mútuos, pois nelas os associados dividem entre si os prejuízos que a qualquer

deles advenham dos riscos por todos enfrentados.”64 “Vê-se, portanto, que uma

empresa de saúde e uma seguradora têm que constituir um fundo comum com

recursos alheios.”65

Apesar de nos contratos de planos de saúde também haver divisão mútua

de ônus, esse contrato não se desenvolve como um contrato de seguro qualquer.

Em primeiro lugar, ele possui legislação própria, proveniente de leis especiais que

não cuidam de seguros corriqueiros como os de bens móveis e imóveis.

Tanto a Lei 9.656 de 1998, quanto a Lei 10. 185 de 2001, tratam

unicamente de disposições a respeito de planos ou seguros privados de assistência

à saúde. A saúde afigura-se como bem imaterial, existencial e não patrimonial:

“apresenta-se mais como aspecto inseparável da pessoa, vista como valor

unitário.”66 Desse modo, para além da mutualidade comum em contratos de

63 Nesse diapasão o magistério de MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 172: “... Cooperar é associar-se com outro para benéfico mútuo ou para divisão mútua de ônus. Nesta segunda definição encontramos o elemento da mutualidade [...] Note-se que a mutualidade se reporta ao benefício e não à existência de uma contraprestação formal da relação contratual. A mutualidade de benefícios reporta-se ao elemento material e substantivo objeto das transações e, neste sentido, define-se a partir da idéia de equilíbrio substancial nas trocas.” 64 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28 ed. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 331. 65 LOPES, José Reinaldo de Lima. Consumidores de seguros e planos de saúde (ou, doente também tem direitos). In: Saúde e Responsabilidade: Seguros e Planos de Assistência Privada à Saúde. Coordenadores: MARQUES, Cláudia Lima, LOPES, José Reinaldo de Lima, PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32. 66 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 159.

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seguros comuns, nesse especificamente estudado, o que une as pessoas que

participam da carteira de uma determinada operadora de planos é a

solidariedade.67

Há de se esclarecer ainda que, pelo fato de o consumidor idoso ter

reconhecidas suas condições intrínsecas de inferioridade de vigor físico e, muitas

vezes, até de embaraço social, recebe tutela privilegiada na forma da Lei, que

incide sobre as relações privadas de toda ordem, e não poderá, pelo amparo legal

que lhe é auferido, ser afastado do acesso à saúde privada. Na forma do art. 14 da

Lei dos planos privados de assistência à saúde ninguém poderá, por motivo de

idade, ser impedido de participar do contrato. Com o Estatuto do Idoso, as pessoas

idosas passaram também, pela exegese do art. 15, § 3º, a estar protegidas contra a

cobrança de valores diferenciados pelos planos de saúde em razão da idade nas

prestações periódicas que realizam, pelo fato de essa prática revelar-se

discriminatória, portanto, vedada.68 Todavia, é certo que pessoas idosas adoecem

mais e usam mais do plano do que as pessoas jovens. Por isso, se reconhece

vivamente nos planos de saúde o elemento da solidariedade, que abarca a

mutualidade, mas representa mais que ela, pois possui valor moral que implica

cooperação.69 “A solidariedade enquanto preocupação de uns com os outros com

67 Consoante MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 175: “A relação de solidariedade, em contraste com a relação de cooperação, refere-se a um conjunto de regras mais amplo e complexo. Ela se reporta a um conjunto de regras de julgamento que impõem um certo tipo de vinculação essencial entre as suas partes, que as torna articuladas e reciprocamente afetadas, tendo em vista uma medida que se desenvolve no interior mesmo desse conjunto. Assim, por exemplo, dentro de um ethos comunitário, o dever de responsabilidade ou de ajudar, “ser solidário” em relação a membro deste grupo é definido relacionalmente, a partir da lógica interna desta mesma comunidade. No âmbito do Direito Social, o conceito de justiça social realiza a tarefa de ser de medida cambiante e reflexionante deste grau de vinculação, vale dizer, do esquema de solidariedades.” 68 O mesmo raciocínio solidarístico em questões que envolvem a saúde de pessoas mais vulneráveis é utilizado em relação aos portadores da AIDS. Segundo MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 270-271: “Um exemplo disto é a interpretação jurídica que proíbe a exclusão da proteção a vítimas da Aids e portadores do vírus HIV em contratos de saúde. Tal cláusula obrigatória importa no aumento do custo dos planos de saúde, e pode significar desvantagem para alguns consumidores melhor protegidos que se consideram fora do grupo de risco de contaminação do HIV. A inclusão da cláusula obrigatória de não-exclusão, contudo, pode ser defendida do ponto de vista da racionalidade voltada para a necessidade específica de alguns consumidores. Neste caso, a racionalidade fundante da opção pelas cláusulas obrigatórias seria tanto a necessidade específica daqueles que contraem a doença, como a identidade do grupo afetado (tanto a “need-orientation” como a “person-orientation). O princípio jurídico justificador desse tipo de necessidade seria a idéia de solidariedade, implícita no conceito de Justiça Social.” 69 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 492-493: “Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei

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base num sentimento de comunidade e valores comunitários assume um caráter

eminentemente moral”.70

Tem-se discutido, a propósito, a aplicação do Estatuto do Idoso no que diz

respeito aos reajustes de contraprestações pecuniárias por mudança de faixa etária

nos pactos anteriores a ele, firmados na vigência da Lei 9.656 de 1998, ou mesmo

anteriormente a ela, quando regidos apenas pelo Código de Defesa do

Consumidor. O vértice da questão encontra-se no entendimento de alguns

intérpretes de que, aplicado o Estatuto a esses contratos, haveria retroatividade da

Lei que protege o idoso, o que ofenderia o princípio da irretroatividade das leis

adotado pelo Brasil no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República e no

art. 6º e incisos da Lei 4.657 de 1942, conhecida como Lei de Introdução ao

Código Civil Brasileiro.

Nesse sentido, o TJRJ já decidiu pelo reajuste de prestação pecuniária, em

quase 90 por cento, com fulcro nos seguintes argumentos extraídos do voto

acolhido por unanimidade:

“O contrato instituidor do plano de saúde aqui analisado foi celebrado após a vigência da Lei 9.656/98 – que admitia o reajuste das mensalidades do plano com base na idade do contratante, desde que previstas no contrato as faixas etárias e os percentuais de reajuste – e antes da vigência do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) – cujo art. 15, § 3º, vedou a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade (observe-se que idoso, de acordo com o art 1º da Lei nº 10.741/2003, é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. A autora somente veio a completar 60 anos em 2006, quando já se encontrava em vigor o Estatuto do Idoso. Importa saber qual diploma seria aplicável ao contrato: a Lei nº 9.656/98, vigente quando da celebração do contrato, ou a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), vigente quando a autoria completou 60 anos. Tenho que a Lei aplicável é a Lei nº 9.656/98. Estabelece o art. 15 da referida Lei:

9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente não só como mutualidade [...], mas como cooperação com os consumidores, como divisão paradigmático-objetiva e não subjetiva da sinistralidade, como cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, como possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, como organização do sistema para possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco... Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a “expectativa mútua de que [em um contrato] nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra”. Em outras palavras, o legislador consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, de que os consumidores todos são cativos e de que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que os outros, impõe a solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores.” 70 MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 177.

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Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos que tenham o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E. Parágrafo único. É vedada a variação que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos. Da leitura do dispositivo transcrito se extrai que os contratos só poderão sofrer reajuste por mudança de faixa etária se neles estiverem expressamente previstos as faixas etárias e os percentuais de reajuste. A lei apenas estabelece um tipo de contrato para cada faixa etária, a qual determinará o valor das mensalidades. Além dessa norma, a Resolução CONSU nº 06/98 da ANS, em seu artigo 1º, estabelece as faixas etárias, determinando o máximo de 07 (sete) faixas, quais sejam: 1ª faixa- zero a 17 (dezessete) anos 2ª faixa- 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos 3ª faixa- 30 (trinta) a 39 (trinta e nove) anos 4ª faixa- 40 (quarenta) a 49 (quarenta e nove) anos 5ª faixa- 50 (cinqüenta) a 59 (cinqüenta e nove) anos 6ª faixa- 60 (sessenta) a 69 (sessenta e nove) anos 7ª faixa- 70 (setenta) anos ou mais [...] O contrato celebrado pela autora previu as faixas etárias e os percentuais de reajuste, conforme se vê da cláusula 12 (fls.31), estando, por conseguinte, de acordo com o estabelecido na Lei 9.656/98. Na verdade, o contrato celebrado previu apenas 6 faixas de reajuste, embora pudesse ter previsto até 7 faixas. Importa saber se o último reajuste, previsto para ocorrer quando a autora completasse 60 anos de idade, pode prevalecer, considerando que a autora somente completou 60 anos de idade quando já em vigor o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), cujo artigo 15 proibiu tratamento diferenciado do idoso (considerando como tal aquele com idade igual ou superior a 60 anos de idade, nos termos do art. 1º do Estatuto) nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.[...] Sucede que o contrato aqui examinado é anterior ao Estatuto do Idoso. Previu reajuste a partir de 60 anos quando não havia norma proibitiva de tal reajuste. A empresa de seguro saúde, ao estabelecer o referido reajuste agiu estritamente dentro da lei. E a contratante do plano firmou o contrato ciente de suas condições.[...] Intocável, aqui, a proteção ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal). O contrato foi celebrado, repita-se, na vigência da Lei de Planos de Saúde e, embora a empresa ré [sic], na ocasião, não tivesse completado 60 anos de idade, a empresa de seguro já tinha direito ao reajuste, uma vez que o reajuste previsto dependia apenas da ocorrência de condição pré-estabelecida, inalterável ao arbítrio da contratante. É o que estabelece o art. 6º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil.[...] Por outro lado, não se demonstrou que a cláusula de reajuste tenha estabelecido prestação desproporcional, seja abusiva ou coloque o consumidor em extrema desvantagem, violando as regras dos artigos 6º, V, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Os valores das mensalidades dos contratos de seguro-sáude e os respectivos reajustes decorrentes da mudança de faixa etária são precedidos de estudos atuariais. Não há dúvida de que o valor contratado inicialmente com a autora levou em consideração a possibilidade de reajuste por ocasião da mudança de faixa etária, quando a contratante, supostamente, poderá utilizar com mais freqüência o plano de saúde, trazendo mais despesas para a empresa de seguros.

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Em outras palavras, a autora somente pagou inicialmente aquele valor porque o contrato previu que haveria um reajuste quando a autora completasse 60 anos de idade. Não fosse a previsão desse reajuste, certamente o valor inicial seria maior.[...] Se o reajuste previsto torna o valor do plano de saúde alto para a autora, isso é fato que se lamenta, mas não tem repercussão de natureza jurídica, porque não retira a validade da cláusula contratual questionada.[...]”71. Não parece correta tal interpretação.

Aplicar o estabelecido no art. 15, § 3º do Estatuto do Idoso a prestações de

trato sucessivo não faz com que a Lei prejudique o ato jurídico perfeito.

Compõem a categoria de atos jurídicos perfeitos todos aqueles que se

realizaram antes da vigência do Estatuto do Idoso, os quais a Lei nova não visa a

abarcar. Porém, ao completar 60 anos de idade, o consumidor de planos de saúde

será discriminado se lhe cobram, diferenciadamente e em razão da idade, as novas

contraprestações pecuniárias que se estabelecem sob a vigência da nova Lei.

Torna-se necessário pontuar que o art. 6º da Lei 4.657 de 1942 inicia-se

proclamando que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral”. Essa é a regra. As

exceções são as ressalvas de respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido

e à coisa julgada.

O voto analisado parece não ter certeza do que quer proteger. Ora fala do

ato jurídico perfeito, que, consoante dicção legal exposta no § 1º do referido art.

6º, consubstancia “o [ato] já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se

efetuou”, o que não abarca os efeitos dos atos jurídicos de uma relação

continuativa em que, cada prestação de trato sucessivo, revela-se um novo efeito

do ato jurídico; ora remete ao § 2º do mesmo art. 6º, que se refere aos direitos

adquiridos, nos seguintes termos: “Consideram-se adquiridos assim os direitos

que seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do

exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio

de outrem.”

A respeito do termo pré-fixo trata-se do chamado termo inicial ou

suspensivo, quando, a partir dele, pode-se exercer o direito. O termo também

possui a qualidade de ser certo, o que o diferencia da condição que é

71 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.49125. 5ª Câmara Cível. Apelante: Vera Lucia Cozac. Apelado: Bradesco Saúde S.A. Relator: Desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade. Julgada em: 1º.11.2006. [grifou-se]

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obrigatoriamente incerta.72 Logo, nota-se que completar 60 anos não se apresenta

como termo pré-fixo, pois é incerto que alguém chegue a essa idade. Assim, a

hipótese do termo pré-fixo não incide no caso analisado. O que se tem quando um

plano de saúde estabelece que, atingida a idade de 60 anos, haverá reajuste da

contraprestação pecuniária paga pelo consumidor, é uma condição suspensiva,

situação em que “a autolimitação da vontade trabalha no rumo de estatuir a

inoperância da manifestação volitiva, até que o acontecimento se realize”73

Ocorre que o aludido parágrafo refere-se à condição preestabelecida

inalterável ao arbítrio de outrem.

Nada há que leve a compreender tal condição preestabelecida como

inalterável à vigência de uma nova Lei que disciplina a matéria e é expressamente

contrária a esse tipo de pactuação. Nessa discussão não há arbítrio de outrem a

incidir sob uma condição pré-pactuada, mas sim uma nova Lei de ordem pública a

incidir nos efeitos que, em sua vigência, produz o negócio jurídico.

Em suma: “o ato jurídico perfeito é o que já se consumou segundo a

norma vigente ao tempo que se efetuou; o direito adquirido é o que já se

incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular.”74 No

caso em tela não há, pois, hipótese de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido.

Nesse sentido, não ocorre a inconstitucionalidade prevista pelo art. 5º, inciso

XXXV, da Constituição da República, na aplicação do art. 15, § 3º, do Estatuto do

Idoso às prestações pagas pela pessoa idosa ao seu plano de saúde.

Além do mais, não aplicar o disposto no Estatuto do Idoso aos contratos

firmados anteriormente à sua vigência poderá gerar retrocesso jurídico, na medida

em que, a nova Lei, informada pelo princípio do melhor interesse do idoso,

concretiza o dever fundamental constitucional de amparo às pessoas idosas que

representa as demandas da sociedade de seu tempo, as quais reclamam

solidariedade para com os anciãos, tendo em vista sua inclusão social.75

72 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 575. 73 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 564. 74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol 1. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,

p. 98. 75 Nesse sentido observa PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 138: “... O direito, precisamente pela necessidade de se acomodar às exigências novas, tem necessidade de formular novos conceitos e estabelecer novos preceitos, sob a influência do princípio, segundo o qual a nova lei traz consigo a presunção de que é melhor e é mais perfeita que

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Caso se siga a linha de pensamento do acórdão estudado, um consumidor

de plano de saúde antigo, anterior à Lei 9.656/98 e ao Estatuto do Idoso que faça

60 anos daqui a 10 anos terá, se prevista no contrato a majoração da prestação

paga ao completar esse tempo de vida, um aumento, em razão da idade, no que

despende para assegurar sua saúde. Se no mesmo contrato houver a cláusula que

permite outro reajuste quando o idoso completar 70 anos, ele terá mais um

aumento por conta da idade na contraprestação pecuniária paga. Veja-se bem:

haverá vinte e três anos de vigência do Estatuto do Idoso e as pessoas idosas ainda

estarão sendo discriminadas em virtude da idade avançada nos contratos de plano

de saúde.

Com relação ao argumento de que “não se demonstrou que a cláusula de

reajuste tenha estabelecido prestação desproporcional, seja abusiva ou coloque o

consumidor em extrema desvantagem, violando as regras dos artigos 6º, V, e 51,

IV, do Código de Defesa do Consumidor”, entende-se também de maneira

diversa.

O aumento na faixa de quase 90 por cento para o consumidor que

completa 60 anos de idade é abusivo sim e atenta contra o Código de Defesa do

Consumidor por colocá-lo em desvantagem manifestamente exagerada.

Observe-se que para os contratos celebrados ou adaptados à Lei 9.656/98,

antes da vigência do Estatuto do Idoso, a ANS já previa que os preços da última

faixa etária não deveriam ser superiores a seis vezes o preço da primeira faixa e

que os consumidores com idade igual ou superior a 60 anos que possuíssem o

plano há mais de 10 anos não poderiam sofrer reajuste por mudança de faixa

etária. Atualmente, a ANS voltou a determinar na Resolução Normativa 63 de

2003, que o valor fixado para a última faixa etária que se permite reajuste, agora

com base no estabelecido no Estatuto do Idoso, de 59 anos ou mais, não pode ser

superior a seis vezes o valor da primeira, de 0 a 18 anos. Ademais, a Resolução

estabelece que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixa não pode ser

superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixa.

Mas, se há precedente que nega a vigência do Estatuto do Idoso no caso de

reajustes por mudança de faixa etária, há, por outro lado, julgado do mesmo a antiga, e de que atende ao reclamo indisfarçável do progresso jurídico. A qualificação dessa melhoria não pode ser aferida por um rígido paradigma abstrato, mas deve ser buscada com critério relativo, dentro das contingências ambientais: melhor, porque mais conveniente à solução dos problemas da hora que passa.”

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Tribunal que, por unanimidade, compreende o direito intertemporal nessa matéria

de maneira absolutamente diversa e plenamente favorável ao melhor interesse do

idoso que avençou plano de saúde antes da vigência do seu Estatuto:

“A única matéria a ser dirimida, diz respeito à possibilidade de aplicação do art. 15, §3º, da Lei nº 10.741/03, que, assim, dispõe: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.” Cabe dirimir se esta disposição legal, posterior à avença das partes, tem incidência no contrato, objeto da demanda.[...] Há que se distinguir, como referido, entre os atos jurídicos instantâneos e aqueles em que a relação jurídica é continuativa. Nessa segunda modalidade, ao menos no tocante a relações jurídicas de tempo indeterminado, a lei nova atingirá o período da avença sob a sua vigência, inexistindo qualquer discussão doutrinária a este respeito, inclusive no concernente à sua suposta inconstitucionalidade. A lei nova, pois, não incide sobre o ato, mas atinge seus efeitos futuros, de sorte que se preserva o dogma do respeito ao ato jurídico perfeito. Ora, o Estatuto do Idoso veio, na verdade, a atingir os efeitos futuros à sua vigência do contrato firmado pelas partes [...]”76 É o que parece correto numa interpretação não só literal do artigo em

questão, mas teleológica e sistemática do Estatuto do Idoso.

De acordo com a ANS, são as seguintes as faixas etárias que passaram a

ser obrigatórias e que devem estar expressas no contrato de plano de saúde: 1ª: de

0 a 18 anos; 2ª: de 19 a 23 anos; 3ª: de 24 a 28 anos; 4ª: de 29 a 33 anos; 5ª: de 34

a 38 anos; 6ª: de 39 a 43 anos; 7ª: de 44 a 48 anos; 8ª: de 49 a 53 anos; 9ª: de 54 a

58 anos; 10ª: para 59 anos ou mais.

5.3.1 Os Demais Reajustes das Prestações Pecuniárias Pagas Pelo Consumidor Idoso

É importante ressaltar que as prestações pagas por usuários de planos de

saúde não se reajustam apenas por variação de faixa etária. Se a pessoa idosa está

resguardada do reajuste por idade – uma de suas modalidades – o mesmo não

ocorre em relação aos “anuais” ou “por aumento de sinistralidade”. Atente que as

76 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.17477. 2ª Câmara Cível. Apelante: Sul América Companhia de Seguro Saúde. Apelado: Jorge Paulo Ramos. Relator: Desembargador Carlos Eduardo da Fonseca Passos. Julgada em: 17.04.2006. [grifou-se]

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maiores reclamações dos consumidores de contratos de planos de saúde referem-

se aos reajustes em geral.77

Os reajustes anuais têm por escopo manter o equilíbrio econômico da

operadora em razão da perda do poder aquisitivo da moeda pela inflação.78

Todavia, são conhecidos também como reajustes “por variação de custos

assistenciais”, decorrentes da majoração do preço de serviços como exames,

atendimento clínico ou hospitalar, honorários médicos, entre outros, cobrados

pelos seus prestadores ao plano. Para a ANS, subdividem-se em reajuste por

variação de custos assistenciais de pessoa física e de pessoa jurídica.

Ressalte-se que as pessoas físicas que celebraram contratos antes da

vigência da Lei 9.656 de 1998 terão reajustes anuais na forma do disposto pelo

art. 28 da Lei 9.069 de 1995, que instituiu o Plano Real, e de acordo com os

índices pactuados entre consumidores e fornecedores, a não ser que os referidos

pactos tenham sido adaptados à Lei 9.656 de 1998.79

Nos demais ajustes dessa espécie – em que se enquadram aqueles firmados

pelo indivíduo ou pela família pessoalmente e as autogestões não patrocinadas,

isto é, financiadas com recursos exclusivos do consumidor – os reajustes são

indicados pela ANS e só podem ocorrer uma vez por ano, na data do aniversário

do contrato.

Os índices máximos admitidos pela ANS foram, no período que

compreende maio de 2005 ao final de abril de 2006, de 11, 69%, conforme a

Resolução Normativa 99 de 2005; no período concernente a maio de 2006 a abril

de 2007, de 8,89%, conforme disposição da Resolução Normativa 128 de 2006.

Observe-se que as operadoras de saúde ficam condicionadas ainda à avaliação e à

77 Disponível no site www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 78 Disponível no site www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 79 Dispõe a Medida Provisória 2.177 de 2001 que altera a Lei 9.656 de 1988 em seu art. 35 § 5º: “A manutenção dos contratos originais pelos consumidores não-optantes tem caráter personalíssimo, devendo ser garantida somente ao titular e a seus dependentes já inscritos, permitida apenas a inclusão de novo cônjuge e filhos, e vedada a transferência da titularidade, sob qualquer pretexto a terceiros.” Observe-se também o § 6º: “Os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, contratados até 1º de janeiro de 1999, deverão permanecer em operação, por tempo indeterminado, apenas para os consumidores que não optarem pala adaptação às novas regras, sendo considerados extintos para fins de comercialização.”

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autorização da ANS para a aplicação dos reajustes uma vez que os percentuais

indicados podem ser inferiores, dependendo da operadora.80

Já nos contratos com pessoas jurídicas, as regras para o reajuste anual ou

de custos deve estar previamente posta no contrato. Esses contratos são divididos,

consoante orientação da ANS, em contratos com patrocinador e contratos sem

patrocinador. Nesses últimos, a pessoa jurídica responsável pela agregação do

grupo não se responsabiliza pelo pagamento à operadora, de modo que os

pagamentos são feitos diretamente pelos consumidores. Por isso, a ANS entende

que, nos planos realizados com pessoa jurídica sem patrocinador, os índices dessa

espécie de reajuste devem ser ditados por ela.

Por outro lado, a ANS posiciona-se no sentido de não estabelecer os

índices dos contratos com pessoa jurídica patrocinadora, sendo esses

caracterizados pelo fato de a pessoa jurídica ser, total ou parcialmente,

responsável pelo pagamento das contraprestações pecuniárias à operadora de

saúde. 81 Nesse sentido, a ANS leva em consideração uma suposta mobilidade

desses contratos, pela inexistência de carência e por haver oferta mais competitiva

entre as operadoras, além da maior capacidade de negociação dos contratantes que

são empresas ou entidades sindicais.82

Há severas críticas às posturas da ANS nessa espécie de reajuste.

A primeira delas diz respeito ao conformismo diante da própria

denominação do reajuste anual como “decorrente de custos assistenciais”.

Compreende-se que, por trás dessa denominação, exista uma grande abertura para

que os planos de saúde se utilizem de índices de reajustes abusivos, sob o pálio de

tal variação de custos, que não correspondam exatamente à variação inflacionária

no período mínimo de um ano. Essa atitude das operadoras estaria a ofender

frontalmente o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 51.83

80 SCHIMITT, Cristiano Heineck. Reajustes em contratos de planos e seguros de assistência privada à saúde. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. Outubro/Dezembro/2006, p. 60 e 61. 81 SCHIMITT, Cristiano Heineck. Reajustes em contratos de planos e seguros de assistência privada à saúde. p.62. 82 MACERA, Andréa Pereira e SAINTIVE, Marcelo Barbosa. O mercado da saúde suplementar no Brasil. Disponível em : www.fazenda.gov.br , p. 27, Outubro, 2004. 83 Art. 51 do código de Defesa do Consumidor:

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Em segundo lugar, o fato de a ANS estabelecer tratamento diferenciado

em relação à sua atuação na fixação de índices de reajuste anual entre os planos

realizados com pessoa física e aqueles realizados com pessoa jurídica – também

chamados de planos coletivos – revela-se, de todo, despido de razão.

O que ocorre é que os consumidores dos planos coletivos têm os índices de

reajuste de seus contratos determinados pelas operadoras, de maneira unilateral e

esvaziada de regulação, o que só lhes prejudica. Inclusive, a política de omissão

da ANS com relação aos reajustes dos contratos coletivos acaba por criar

ambiente propício para que as operadoras desestimulem a comercialização de

planos individuais, já que se apresenta mais favorável indicar os índices ao seu

alvedrio, livre de qualquer intervenção. Outra conseqüência reside na criação de

duas categorias distintas de consumidores: aqueles que podem ser submetidos a

um aumento a critério exclusivo das operadoras e aqueles que se encontram

submetidos à regulação da ANS e aos seus critérios para a fixação do índice de

reajuste cabível.

Nada justifica esta posição da ANS, já que a agência foi criada, na forma

do art. 3º da Lei 9.961 de 2000, seja consentido frisar, tendo por ‘finalidade

institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à

saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com

prestadoras e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de

saúde no País.’

Isto posto, parece ser atribuição da ANS regular os reajustes de todas as

operadoras de saúde, sem qualquer tipo de diferenciação, pois, mesmo quando o

contrato se estabelece com pessoa jurídica, ela é mera intermediária de uma

relação travada entre operadora e consumidores – funcionários, sindicalizados ou

associados – representados. Atente que a única exigência da ANS para esses

reajustes é que lhes sejam informados pela Internet em até 30 dias após a sua

aplicação, como disposto no art. 2º da Instrução Normativa nº 13 de 2006,

proveniente da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos. O parágrafo 2º

“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que: X- permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. XIII- autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua celebração.”

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deste mesmo artigo ainda esclarece que, para cada período de 12 meses, deverá a

operadora comunicar à ANS se houve reajuste, revisão ou manutenção da

prestação pecuniária. 84

Ora, a regulação existe para incrementar a eficiência dos sistemas críticos,

por meio de métodos interventivos regulatórios que coíbam falhas sociais em

relações interprivadas consideradas sensíveis pelos legisladores, como, no caso,

todo tipo de assistência privada à saúde.85

Por fim, pesquisa datada de meados de 2006 anunciou que 76,2% dos

novos contratos de plano de saúde figuravam-se como coletivos e que esse

percentual tenderia a aumentar a cada ano. A pesquisa anunciou também que num

universo de mais de 36 milhões de usuários de planos de saúde, mais de 30

milhões não tinham seus contratos regulados pela agência.86 Portanto, a omissão

da ANS quanto à regulação dos reajustes de contratos coletivos abarcaria a maior

parte do mercado destes, o que se avalia como inadmissível, tendo em vista que a

regulação de todo o setor é de sua competência.

Passando o exame para outro tipo de reajuste que ocorreria por aumento de

sinistralidade, convém assinalar que ele consiste na majoração da mensalidade por

parte da operadora em razão da variação a maior dos sinistros, tais como,

cirurgias, doenças e tratamentos médico-hospitalares, dentro de determinado

período de tempo.

Considera-se tal reajuste ilegal, pois faz parte da atividade da operadora

suportar os riscos da atividade que exercita, dentre elas, fazer o cálculo das

probabilidades e fixar o valor das mensalidades, reajustáveis, como já se viu, uma

vez ao ano.87 Transferir tais riscos periódicos ao consumidor, mesmo se previstos

em contrato, é colocá-lo em desvantagem exagerada, o que constitui cláusula

abusiva, proibida na forma do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do

Consumidor.

84 Disponível no site www.ans.gov.br, consultado no dia 10.04.2007. 85 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 136. 86 Disponível em www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 87 Conforme admitido pela Lei nº 9.069 de 1995, que criou o Real.

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188

De acordo com a Resolução Normativa nº 19 de 2002 ainda havia a

possibilidade de um reajuste “por revisão técnica” nos planos de saúde

contratados até 1º de janeiro de 1999. No entanto, desde a 76ª reunião da Diretoria

Colegiada da ANS, realizada em 19 de outubro de 2003, decidiu-se não mais

aplicar esse tipo de reajuste.

Resta claro, pelo exposto, que se ao consumidor idoso é vedada a

majoração da prestação pecuniária paga em razão do avanço de sua idade, ele terá,

pelo menos, sua mensalidade aumentada anualmente. O reajuste anual parece

suficiente para manter o contrato atualizado com as variações inflacionárias, de tal

modo que permita a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da

operadora de saúde.

Para o consumidor que possui gastos mais altos para manter sua existência

digna na terceira idade, trata-se de um avanço poder contar com certa estabilidade

no que concerne aos custos da proteção privada de sua saúde. Essa conquista do

Estatuto do Idoso coaduna-se, vale a pena acentuar, com as diretrizes

constitucionais de igualdade substancial e de solidariedade social que a sociedade

brasileira, apesar de todas as mazelas ainda existentes, passa a viver.

Portanto, parecem estar mutuamente obrigados, a prestadora do plano de

saúde, o Estado, a família, e a sociedade, a participar da realização dos sub-

princípios da proteção integral e prioritária segundo o melhor interesse dessas

pessoas de idade adiantada. A extensão que se dê aos sub-princípios da proteção

integral e prioritária guiados pelo princípio do melhor interesse da pessoa idosa

dirige, evidentemente, não só posturas do Estado, da família e da generalidade

anônima das pessoas que compõem a sociedade, mas também do espectro de

sociedade representado pela cadeia de consumidores jovens que integram o plano,

o qual, por natureza de seguro em modalidade especial disciplinada pela Lei 9.

656 de 1988, não perde seu caráter de mutualidade que, em contratos de planos de

saúde, implica mais: cooperação, divisão de riscos entre os contraentes, numa

palavra, solidariedade.88

88 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340: “A questão [do idoso] se coloca em termos de justiça distributiva e requer esforço do Estado baseado no princípio da solidariedade e no pluralismo público-privado das intervenções estatais. Um esforço que diz respeito não exclusivamente à República, mas também aos particulares individualmente e as formas associativas alternativas e voluntárias, enquanto genuínas expressões do humanismo social.” [Traduziu-se livremente do italiano e se acrescentou “do idoso”]

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Observa-se, pelo exposto, que pela incidência horizontal do princípio

constitucional da igualdade substancial num caso concreto, o princípio também

constitucional da solidariedade social ganha força, posto que ambos se

complementam e reforçam seu conteúdo marcadamente humanístico. Eles se

ocupam menos da segurança jurídica no mundo dos negócios que envolvem

situações jurídicas existenciais – como a prestação pelo plano de saúde a pessoas

idosas – e implementam justiça contratual onde há desigualdades de fato.

Em suma, tanto a eficácia horizontal irradiante do direito fundamental à

saúde nas relações interprivadas, quanto a lesão como técnica de repressão das

cláusulas abusivas e a regulação legislativa e administrativa nos reajustes de

prestações pecuniárias pagas pelo consumidor idoso aos planos, relacionam-se

com o fenômeno de funcionalização do direito privado, que relativiza a esfera de

autonomia privada nos negócios jurídicos no sentido de poder visualizá-la não

mais num sentido meramente individuocentrista, mas também numa perspectiva

funcional.

5.4 A Autonomia Privada Em Uma Perspectiva Funcional89

A autonomia privada nasceu do individualismo do Estado Liberal burguês

que tinha no indivíduo, a causa de todo o direito. Entendia-se que o indivíduo era

livre para se auto-determinar segundo a sua vontade e com a mínima intervenção

estatal nos negócios pactuados.

Juntamente com os princípios da intangibilidade dos contratos e da

relatividade dos efeitos contratuais em relação a terceiros, o princípio da

autonomia privada compunha a tríade pilar da teoria contratual clássica. Garantia-

se a liberdade do ato de contratar para consolidar o comércio e as trocas que

surgiam com força após o período do feudal, expurgado pela revolução dos

franceses e pela ascensão do capitalismo. 90 Fazia-se necessário também que o

89 Tomou-se emprestado esse subtítulo cuja formulação originária pertence à AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução, p. 365. 90 Consoante BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 32: “Num primeiro momento afirmam-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e

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trabalhador alçasse personalidade jurídica para que pudesse contratar sua força de

trabalho com o proprietário dos meios de produção.91

Tal autonomia manifesta-se quanto a liberdade de contratar propriamente

dita, quanto a liberdade de estipular o contrato e também quanto a liberdade de

determinar o conteúdo do contrato.92

Cumpre anotar que a suposta liberdade de contratar atribuída às partes

supõe também a igualdade delas para deliberar acerca de com quem se contrata e

do conteúdo contratual. Fala-se em suposição porque, na prática, nem sempre há

liberdade genuína de pactuar, visto não haver igualdade substancial entre os

pactuantes. Isso ocorre nos contratos de adesão firmados entre operadoras de

planos de saúde e pessoas idosas, que possuem necessidade de ajustar tais

contratos da maneira que lhes são oferecidos. Não se quer dizer, entretanto, que

não exista autonomia privada por parte do consumidor e da operadora, mas ela

apresenta-se hoje mitigada, especialmente quando a vontade é emitida pela pessoa

idosa, notadamente hiper vulnerável em termos jurídicos.93

Reconhece-se, atualmente, que a autonomia privada tem sua extensão

diminuída pelos interesses de cunho social que estejam em jogo e, nesse diapasão,

pode-se afirmar que, cada vez mais, a autonomia privada deve ser vista também

numa perspectiva funcional, diversa da clássica, cuja “concepção do

funcionamento econômico e social parte do pressuposto que o negócio, como

produto da autonomia privada, realiza, por si só, e automaticamente, a função que

lhe é reservada.” 94

reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado.” 91 Assim, PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 8 e 9. 92 GOMES, Orlando. Contratos. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 22. 93 MARQUES, Cláudia Lima, ao versar sobre o mesmo tema utiliza a expressão ‘vulnerabilidade especial’ para o consumidor pessoa idosa em Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de plano de saúde e de planos funerários frente aos consumidor idoso, p. 194: “A vulnerabilidade econômica destes aposentados e pessoas com mais de 60 anos é clara, ainda mais frente a fornecedores organizados em cadeia [...] denominei esta vulnerabilidade de especial. Efetivamente, parece-me que, nestes contratos cativos de longa duração com pessoas naturalmente mais afetadas com problemas de saúde, como os idosos, é identificável uma vulnerabilidade especial do consumidor ‘fraco’...” 94 Classicamente entendeu-se que a função de determinado negócio seria alcançada se houvesse liberdade do sujeito jurídico, nos seguintes temos apresentados por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 12 e 13: “.... Isto é, desvaloriza-se a função porque se

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Afirma-se, portanto, que um contrato realizado com um idoso não se

encontra baseado apenas na autonomia privada, pois ele não se prende somente ao

auto-regulamento.95 Já é de amplo conhecimento que a relação contratual

contemporânea possui fontes outras além do contrato: a lei, os usos, a eqüidade. 96

De todo modo, o contrato não subsiste esvaziado da vontade. Essa ainda

representa a força motriz de todo ajuste, compreendido também como esfera de

expressão do livre desenvolvimento da pessoa humana, uma das manifestações do

princípio constitucional da sua dignidade. Mas a vontade está limitada ao que a

lei, com seu intervencionismo, determina. E como se mantém atualíssima a

máxima de que “entre o forte e o fraco é liberdade que oprime e a lei que

liberta”97, os olhos do intérprete hão de se voltar para o que a Lei brasileira aduz

no sentido de a liberdade de contratar exercitar-se, na forma do art. 421 do Código

Civil brasileiro, em razão e nos limites da função social do contrato.

De acordo com o disposto no art. 421 do Código Civil brasileiro, cuja

incidência abrange todos os tipos de contratos – empresariais, de pessoas em

situação de igualdade material; civis, entre pessoas que não são empresárias nem

consumidoras; de consumo, entre consumidores e fornecedores em situação de

desigualdade substantiva – estão sujeitos e limitados à função social que

desempenham. Cumpre esclarecer que, no ajuste de fornecimento da saúde por

planos privados, sua função social encontra-se também no fornecimento adequado

da saúde e não na obtenção de lucros astronômicos esquivando-se de prestá-la por

meio de cláusulas contratuais no mínimo discutíveis que, se impõem grave confia que o seu preenchimento resultará tão somente da liberdade do sujeito jurídico: a utilização dessa liberdade basta para garantir o funcionamento em termos óptimos da vida econômica e social. [...] Finalmente, importa acentuar que a tendência que progressivamente se veio afirmando, de tornar essencial para a definição do negócio jurídico a ideia da função que ele desempenha, corresponde, por paradoxal que se afigure, a algum subverter do conceito. Não porque, como já se disse, a noção clássica não contenha uma idéia de função, mas porque essa noção é justamente contraditória com a que hoje tende a afirmar-se.” 95 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 341: “Ao enfrentar a problemática do idoso, é preciso inspirar-se no critério que, reconhecendo o caráter central da pessoa, realize a finalidade de ‘domesticar’, mediante a prevalência do político sobre o econômico, as férreas leis econômicas intervindo sobre fatores sobre os quais se fundam essas leis. A proteção do idoso se traduz em uma forma de proteção e promoção da pessoa.” [Traduziu-se livremente do italiano] 96 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 141-142. 97 Frase célebre do Padre Lacordaire, no original: ‘Entre le fort e le flaibe c`est la liberté qui opprime et la loi qui affranchit’

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prejuízo ao consumidor vulnerável, mais prejudiciais são para o consumidor idoso

hiper vulnerável.98

Busca-se uma nova roupagem para a autonomia privada de modo que ela

esteja agora funcionalizada à persecução de objetivos sociais e solidarísticos como

impõem os objetivos da Constituição da República de uma ordem livre, justa e

solidária, implantada também com base nos paradigmas do Estado Social. “A

autonomia privada como poder de autodeterminação não encontra mais

justificativa e mérito em si: o juízo de merecimento sobre o ato de autonomia

privada é positivo apenas quando o ato corresponda a uma função que o

ordenamento considere útil e social”99

Isto posto, não há mais espaço para uma liberdade absoluta e os institutos

de direito privado não devem apenas arcar com as restrições provindas da ordem

pública. Além disso, eles devem ser restabelecidos conforme a legalidade

constitucional.100 Assim “serão legítimas quaisquer medidas interventoras no

âmbito da iniciativa económica privada que tenham por objecto ou finalidade a

salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos.’101 Frise-se, pois, a

necessária intervenção legislativa e judicial no âmbito de contratos de plano de

saúde realizados com a pessoa idosa, pelo fato de o objeto desses ajustes tratar-se

da prestação privada da saúde, direito de índole fundamental e prioritário na

terceira idade.

98 Trata-se aqui da função social do contrato como imposição de deveres positivos aos contraentes na forma defendida por MARTINS-COSTA, Judith, citando Almeno de Sá em Notas sobre o princípio da função social dos contratos. In: Rervista Literária de Direito. Agosto/ Setembro/2004, p. 19: “... A partir dessa concepção percebe-se decorrerem várias eficácias próprias ao art. 421, que podem ser repartidas nos dois grandes grupos acima sinalizados, quais sejam, as eficácias intersubjetivas e eficácias transubjetivas. No primeiro grupo está a possibilidade de imposição de deveres positivos aos contratantes, pois o direito subjetivo de contratar (direito de liberdade) já nasce conformado a certos deveres de prestação. A eficácia positiva visa impulsionar ‘condutas dirigidas a um activo favorecimento e promoção de justificados interesses da contraparte, o que vem adquirir um particular relevo, ainda que não exclusivamente, no domínio das perturbações que possam ocorrer no decurso da execução do contrato.’” 99 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 138. [traduziu-se livremente do italiano] 100 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 21. 101 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 208.

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No Brasil, a funcionalização dos direitos privados inaugurou-se pela

atribuição constitucional que limitou o direito à propriedade à realização de sua

função social asseverando que “a ordem econômica, fundada no trabalho humano

e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social”102. Para tanto, a Constituição da República de 1988

traçou metas para o intérprete se basear, no caso de a propriedade não cumprir a

sua função social quando tratou, também constitucionalmente, da política urbana,

da política agrícola, fundiária e da reforma agrária.103

Desse modo, a função social do contrato trazida a lume pelo Código Civil

insere-se no movimento de funcionalização dos direitos subjetivos que não mais

representam apenas o facultas agendi, um poder assegurado pela ordem

jurídica.104 “É também verdade que o direito subjetivo não é expressão ilimitada

do poder individual, capaz de se exercer com o sacrifício dos outros indivíduos ou

de maneira absoluta.”105 Portanto, o poder de contratar, como expressão da

autonomia privada, segue funcionalizado às situações jurídicas existenciais que

venha a estabelecer, com destaque para as operações contratuais cujo objeto é a

prestação da saúde, situação digna da máxima tutela.106

102 Caput do art. 170 da Constituição da República brasileira de 1988. 103 Nesse sentido, TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 279: “A construção, fundamental para a compreensão das inúmeras modalidades contemporâneas de propriedade, serve de moldura para uma posterior elaboração doutrinária, que entrevê na propriedade não mais uma situação de poder, por si só e abstratamente considerada, o direito subjetivo por excelência, mas ‘una situazione giuridica soggetiva tipica e complessa’, necessariamente em conflito ou coligada com outras, que encontra a sua legitimidade na concreta relação jurídica na qual se insere.” 104 Cf. MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 158: “Atualmente admite-se que os poderes do titular de um direito subjetivo estão condicionados pela respectiva função, e a categoria do direito subjetivo, posto que histórica e contingente como todas as categorias jurídicas, não vem mais revestida pelo ‘mito jusnaturalista’ que a recobria na codificação oitocentista, na qual fora elevada ao status de realidade ontológica, esfera jurídica de soberania do indivíduo.” 105 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol I, p. 33.

106 Aponta-se para a observação de BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tomo I. Tradução de: DE MIRANDA, Fernando. Coimbra: Coimbra Editora, 1969, p. 348: “O direito – e já antes do direito, a consciência social – aprova e protege a autonomia privada, não na medida em que segue um capricho momentâneo, mas naquela que em que persegue um objectivo e típico interesse para a modificação do estado de facto e se dirige a funções sociais dignas de tutela.”

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Importa considerar nesse viés, que não se exaure na estrutura dos institutos

jurídicos, mas que vai ao encontro das suas funções, que o direito agora se opera

como instrumento de direção social,107 incorporado à sociologia jurídica, num

sentido de promover as condutas objetivadas.108.

Todavia, a atribuição de função social à liberdade de contratar apresenta-se

como novidade, já que postulada pela codificação brasileira de 2002, por isso, os

contornos desse mandamento ainda são dotados de certa imprecisão.109 Enquanto

ao proprietário que não der à sua propriedade a devida função social acometem-se

sanções oriundas da Constituição, tais como, no âmbito da cidade, parcelamento

ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial

progressivo no tempo ou mesmo desapropriação com pagamento mediante títulos

da dívida pública, assim como, no campo, desapropriação mediante indenização

com títulos da dívida agrária; ao contratante que não observar o que se designou

como função social do contrato, não há, prevista em lei, qualquer punição pelo

descumprimento do preceito.

Ao passo que, didaticamente, a Constituição informa que a função social

da propriedade rural é alcançada quando, simultaneamente, de acordo com

critérios e graus de exigências estabelecidos em Lei, forem observados os

requisitos do aproveitamento racional e adequado, da utilização adequada dos

recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, da observância das

disposições que regulam as relações de trabalho, da exploração que favoreça o

bem estar dos proprietários e dos trabalhadores,110 não é dito pelo legislador

quando a função social do contrato se realiza.

107 BOBBIO. Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de: VERSIANI, Daniela Beccaria. Barueri: Manole, 2007, p. 79. 108 LAFER, Celso. Apresentação à edição brasileira. In: DA Estrutura À Função: Novos Estudos De Teoria Do Direito. Barueri: Manole, 2007, p. LII. 109 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 221: “São amplas e, logo, imprecisas as bases conceituais da função social do contrato, ora amarradas à cláusula geral de solidariedade, ora à quebra do individualismo, tendo em vista a igualdade substancial, ora a tutela da confiança dos interesses envolvidos e do equilíbrio das parcelas do contrato.” 110 Segundo LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução de: DE FRADERA, Vera Maria Jacob. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 312: “A função permite o exercício de faculdades como as que se reconhecem ao proprietário, mas ao mesmo tempo se impõem deveres, como os que resultam do uso regular desse direito conforme a uma finalidade social. Esta tarefa impõe ao titular o dever de cumprir ou de desenvolver uma atividade tendente a

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Portanto, definir o significado de uma função social para o contrato é

tarefa para a doutrina e a jurisprudência desenvolver. Nesse sentido, “devemos

tentar recolher da estrutura dos textos legais o que a letra não diz diretamente, a

sua voz possível, para assim iniciar a responsável construção da sua dogmática.” 111

De antemão observa-se que a liberdade de contratar é que se encontra

limitada à função social do contrato, a qual constitui também sua razão de ser.112

“A idéia dos limites impostos à liberdade contratual resulta do próprio fenômeno

da publicização do Direito Privado, através da interferência do Estado nas

relações havidas entre os particulares, em atenção às exigências do bem comum,

do interesse coletivo.”113

Tais implicações estão correlacionadas com a idéia de solidariedade nas

contratações, onde sobreleva que ambas as partes retirem do ajuste “vantagens em

condições paritárias, ou seja, enquanto houver uma equação de utilidade e justiça

nas relações contratuais.”114

A função de um contrato de plano de saúde realizado com a pessoa idosa

consiste em garantir adequadamente o acesso ao bem existencial que

consubstancia a saúde. A utilidade existencial desse bem contratado com idosos

apresenta-se como critério relevante no exame das questões contratuais.115 Assim,

o eixo para se alcançar a função social do contrato de objeto existencial encontra-

se na devida prestação do bem da vida de que trata o ajuste.116

lograr o objetivo proposto. Para tais fins a função outorga poderes, faculdades, direitos e deveres num feixe unificado pela finalidade que lhe confere homogeneidade.” 111 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 17. 112 Nas palavras de MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 17: “Tendo em conta, pois, uma perspectiva estrutural do Código Civil, constata-se, de imediato, que o art. 421 indica três sendas que vale a pena trilhar: a) inaugura a regulação, em caráter geral do direito contratual; b) refere a função social como limite da liberdade de contratar; e c) situa a função social como fundamento da mesma liberdade.” 113 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. In: Revista de Direito Civil. Ano 12, nº 45, julho/setembro/1988, p. 147. 114 DA SILVA, Luis Renato Ferreira. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão com a solidariedade contratual. In: O Novo Código Civil e a Constituição. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.137. 115 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 380. 116 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 20.

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Esse raciocínio parte da idéia de que a função social do contrato realiza-se

de maneira intrínseca, intersubjetiva, ou entre as partes,117 o que remete à “grande

cláusula contratual de solidariedade, sem que haja um imediato questionamento

acerca do princípio da relatividade dos contratos” 118 Nesse sentido, apresenta-se o

enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro

de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em outubro de 2006: “o

princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as

partes contratantes.” Dessa maneira, “a função social não opera apenas como um

limite externo, é também um elemento integrativo do campo de função da

autonomia privada no domínio da liberdade contratual”.119 Aqui considera-se

função como “um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de

outrem, jamais em poder do próprio titular”120 e social o que diz respeito a um

interesse socialmente útil, no caso de contratos de planos de saúde pactuados com

a pessoa idosa, de uma utilidade existencial baseada na essencialidade de seu

objeto.121

A função social do contrato trata-se de um princípio a reger toda a

disciplina contratual e, como tal, funciona como mandado de otimização. Isto é:

ordena-se que a função social do contrato seja realizada “na maior medida

possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.122 Contudo, a

autonomia privada representada pela liberdade de contratar também consubstancia

um princípio, o que faz com que haja, de pronto, uma limitação desse segundo

117 Posição sustentada por BUENO DE GODOY. Claudio Luiz. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110-130, passim, da qual se comunga. 118 Cf. NALIN, Paulo. A função social do contrato no futuro código civil brasileiro. In: Revista de Direito Privado. Ano 3, nº 12. Outubro/ Dezembro/2002, p. 56. 119 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 19. 120 Formulação de COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. 121 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 14: “É também com base na função social do contrato que se postula uma diferenciação entre contratos à luz da essencialidade do bem de cuja aquisição ou utilização se trate.” 122 ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 86.

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princípio que será exercido em razão e nos limites da função social do contrato, ao

qual a Lei atribui proeminência.123

No âmbito de um direito civil constitucionalizado, o princípio da função

social do contrato requer que o pacto estabelecido não seja somente instrumento

da circulação de riquezas no exercício da liberdade contratual, mas, antes, um

catalisador da justiça social, que proteja o contratante mais fraco diante de um

outro ostensivo e poderoso, de modo que sejam tuteladas as situações jurídicas

existenciais que, em última análise, corroboram com a efetividade do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de pensamento, também se aprovou na I Jornada de Direito

Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça

Federal em setembro de 2002, o enunciado de número 23, de acordo com o qual

“a função social do contrato prevista no artigo 421 do novo Código Civil não

elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse

princípio, quando presentes estejam interesses metaindividuais ou interesse

individual relativo à dignidade da pessoa humana.”

É nesse sentido que se fala numa autonomia privada em perspectiva

funcional, ou seja, naquela submetida aos interesses relativos à dignidade das

pessoas idosas doentes, as quais necessitam que seu direito existencial à saúde

seja prestado com eficiência, sem obstrução, visando ao seu bem estar psicofísico

e social.124

Para a operadora de planos de saúde vale o argumento de que “a liberdade

de iniciativa, entendida como liberdade de criação empresarial ou de livre acesso

ao mercado, somente é protegida enquanto favorece o desenvolvimento nacional e

123 Consoante AMARAL, Francisco. Os princípios jurídicos na relação obrigatória. In: Revista Forense. Rio de Janeiro. Vol. 381. Setembro/Outubro de 2005, p. 75: “No campo das obrigações, sua principal expressão [o autor refere-se à expressão da autonomia privada] está no art. 421, que reafirma a liberdade contratual, desde que exercida nos limites da função social do contrato, o que é uma das manifestações da socialidade do direito e, por isso mesmo, um dos limites intrínsecos ao exercício dos direitos subjetivos.” 124 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II, p. 14: ‘Sustenta-se que há uma função social específica a ser reconhecida a contratos que tenham por objeto, por exemplo, serviços essenciais e que é essa função que justifica, em última instância, a tutela específica que se criou, tanto na lei, quanto na jurisprudência, aos serviços essenciais.’

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a justiça social. Trata-se, portanto, de uma liberdade meio ou liberdade

condicional”.125

Em síntese: a liberdade de contratar exerce-se, atualmente, em razão da

função social do contrato. Quer-se dizer que a autonomia privada deve perseguir a

função social de um determinado contrato de tal forma que ele se coadune com as

escolhas axiológicas do sistema brasileiro. Destarte, a liberdade de contratar –

como a de realizar ou não o pacto, ou a dos termos desse pacto – deverá ser

garantida pelo ordenamento jurídico pátrio. “Mas ela só o será se o sistema

reconhecer mérito social àquele contrato. Ou, antes, se vir nele um interesse

social, ainda que seja, também, o desenvolvimento da pessoa, expandindo suas

virtualidades, promovendo, então, sua dignidade.”126

Abraça-se, por fim, a definição de função social do contrato entendida

como:

“O dever imposto aos contratantes de atender – ao lado dos próprios interesses individuais perseguidos pelo regulamento contratual – a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos. Tais interesses dizem respeito, dentre outros, aos consumidores, à livre concorrência, ao meio ambiente, às relações de trabalho.”127 Além da função social do contrato, há outro importante princípio que rege

a prestação da saúde privada à pessoa idosa. Trata-se da boa-fé objetiva, mandado

de otimização que orienta atitudes de lealdade, confiança e verdade entre os

contratantes no desenvolvimento da relação contratual.

125 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres, p. 6-7. 126 Consoante BUENO DE GODOY. Claudio Luiz. Função social do contrato: os novos princípios contratuais, p.121. 127 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: A Parte Geral do Novo Código Civil: Estudos Na Perspectiva Civil-Constitucional. Coordenador: TEPEDINO, Gustavo. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. XXXII. [Grifou-se]

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5.5 O Princípio da Boa-fé Objetiva Como Dever de Informar o Consumidor Idoso

A boa-fé não deve ser definida de maneira geral, pois tal tentativa seria

incapaz de abarcar o alcance e a riqueza de sua noção.128 “A boa fé traduz um

estágio juscultural, manifesta uma Ciência do Direito e exprime um modo de

decidir próprio de certa ordem sócio-jurídica.”129

Relata-se que, a princípio, o Direito Romano fez referência apenas a fides,

que significa fé130 e, posteriormente, houve uma evolução tanto no que diz

respeito à expressão, como no que diz respeito ao seu significado, “da fides,

passou-se à fides bona e à bona fides.”131 Ao longo de séculos, a boa-fé passou

por vários processos de diluição e de difusão, razão pela qual possui uma

ambivalência e capacidade de renovação que permanece até os nossos dias.132

Atualmente, a doutrina divide a boa-fé em subjetiva e objetiva. A má-fé

constitui-se a antítese da boa-fé subjetiva, pois revela a intenção de lesar alguém.

A boa-fé subjetiva consiste num estado de ânimo do sujeito. “Diz-se ‘subjetiva’

justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do

sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.”133

A boa-fé subjetiva comporta um estado de conhecimento ou

desconhecimento que serve para aplicação em temas concernentes ao Direito das

Coisas, tais como, à matéria de frutos ou benfeitorias, ou em relação à usucapião,

por exemplo.134

128 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997, p. 17-18. 129 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 18. 130MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 54. 131 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 71. 132 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 147 133 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000, p. 411. 134 DE AZEVEDO, Antônio Junqueira. Responsabilidade pré-contratual no código de defesa do consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 18. Abril/Junho/1996, p. 25.

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Já a boa-fé objetiva consiste em atitudes de fidelidade, honestidade,

retidão e probidade. Não se trata de um simples estado de ânimo, mas de ações

próprias do homem reto. “Traduz um valor ético que se exprime em um dever de

lealdade e correção no surgimento e desenvolvimento de uma relação

contratual.”135 Para se observar se há boa-fé objetiva “levam-se em consideração

os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos,

não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente

subsuntivo.”136

Agir de boa-fé objetiva equivale a agir lealmente em relação ao outro que

é seu parceiro contratual, considerando suas justas expectativas depositadas no

vínculo.

No Brasil a boa-fé objetiva apresenta-se codificada. Foi tratada

pioneiramente no Código de Defesa do Consumidor como princípio norteador de

toda interpretação na seara consumerista no art. 4º, inciso III, que cuida de

viabilizar os princípios em que se funda a ordem econômica, sempre com base na

boa-fé, e no art. 51, inciso IV, que considera abusivas as cláusulas incompatíveis

com a boa-fé. Atualmente, a boa-fé está contida também no Código Civil

brasileiro de 2002, no artigo 113, como regra de interpretação, com a seguinte

disposição: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e

os usos do lugar da sua celebração.”; no artigo 187, que normatiza o abuso do

direito, definindo limites: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que,

ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico

e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” e no artigo 422, criando deveres, ao

dispor: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,

como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”137

135 AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 37. 136 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 411. 137 Embora a boa-fé objetiva tenha surgido com o advento do Código de Defesa do Consumidor mister salientar que ela já era prevista como regra de interpretação na esfera contratual no artigo 131 do Código Comercial e na opinião de vários juristas. Veja-se, a propósito, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II, p. 15: “A boa-fé como princípio contratual fora consagrada expressamente no CDC (arts 4º, III e art. 51, IV). Muito antes, porém, a boa-fé encontrava-se prevista no art. 131 do CCom como regra de interpretação contratual. A despeito da inexistência de preceito genérico que consagrasse o dever de agir com boa-fé no

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À boa-fé objetiva atribuem-se três funções: de cânone hermenêutico-

integrativo, de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos e de norma

de criação de deveres jurídicos.138

Como norma de criação de deveres jurídicos a boa-fé objetiva

reponsabiliza-se pelo fiel cumprimento dos ‘chamados deveres principais, ou

deveres primários da prestação – constituindo estes o núcleo da relação

obrigacional e definindo o tipo contratual’139 bem como dos deveres

secundários140 e ainda os chamados deveres laterais, anexos ou instrumentais,141

em cuja classificação inserem-se os deveres de informação.

Os deveres de informação tratam-se, na verdade, de verdadeiras

obrigações no sentido de que “a relação contratual obriga não somente ao

cumprimento da obrigação principal (a prestação), mas também ao cumprimento

das várias obrigações acessórias ou dos deveres anexos àquele tipo de contrato”142

Quer-se dizer, portanto, que no contrato de plano de saúde é dever da

operadora não só prestar o serviço de saúde, mas também assegurar ao

consumidor deveres anexos de informação que são próprios deste ajuste, tais

âmbito das relações contratuais em geral, a doutrina apontava a incidência da boa-fé em todo e qualquer contrato. Em obras dedicadas aos contratos, muitos autores definiam, mesmo no sistema do Código anterior, a boa-fé como princípio cardeal dessa disciplina.” 138 Essa proposição foi elaborada por WIEACHER, Franz. El principio general de la buena fé. Tradução de: LOS MOZOS. Jose Luis. Madrid: Civitas, 1982, e seguida por vários juristas brasileiros. 139 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 437. 140 Segundo MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 438: “Os deveres secundários, por sua vez, subdividem-se em duas grandes espécies: os deveres secundários meramente acessórios da obrigação principal, que se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a obrigação principal (v.g., na compra e venda o dever de conservar a coisa vendida ou de transportá-la, ou o de embalá-la), e os deveres secundários com prestação autônoma, os quais podem revelar-se como verdadeiros sucedâneos da obrigação principal (como o dever de indenizar resultante da impossibilidade culposa da prestação, ou o dever de garantir a coisa, mediante a prestação de garantia autônoma, tal qual o contrato de garantie à la première demande, conhecido no comércio internacional), podendo ainda ser autônomos ou coexistentes com o dever principal (v.g., o dever de indenizar, por mora ou cumprimento defeituoso, que acresce à prestação originária).” 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 438. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 220, utiliza para a denominação dos direitos anexos também a palavra secundários. 142 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 220.

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como, no período pré-contratual, conhecido como fase das tratativas: o tipo de

plano, a rede de médicos e hospitais conveniados, os riscos, a qualidade do

serviço, a cobertura do plano, assim entendidos seu período de carência e suas

exclusões de responsabilidade com a máxima clareza, atentando para a hiper

vulnerabilidade desse consumidor que, se na terceira idade resolve pactuar um

contrato dessa natureza, está mesmo a necessitar da tutela de sua saúde. 143

Observando a obrigação como um processo, todos os dados oferecidos

como informação durante a fase pré-contratual deverão acompanhar a obrigação,

integrando-a, e hão ser, tal e como propostos, oferecidos na fase de execução

como meio de impedir a violação do princípio da transparência, decorrente da

boa-fé objetiva e previsto no art. 6º, incisos III e IV do Código de Defesa do

consumidor como direito básico. Assim, o consumidor que desde a juventude se

assegurou da doença por meio de plano privado de saúde merece, nessa etapa da

vida, auferir informações contínuas e estritamente adequadas à vulnerabilidade de

sua idade pelo fornecedor.

Faz-se imprescindível firmar, que, por suas condições intrínsecas, o

consumidor idoso também se encontra hiper vulnerável face à publicidade

enganosa ou abusiva advinda dos planos de saúde.144

143 Segundo o magistério de MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 227: “Esta inversão de papéis, isto é, a imposição pelo CDC ao fornecedor do dever de informar sobre o produto ou o serviço que oferece (suas características, seus riscos, sua qualidade) e sobre o contrato que vinculará o consumidor, inverteu a regra do caveat emptor (que ordenava ao consumidor uma atitude ativa: se quer saber detalhes sobre o plano de saúde, informe-se, descubra o contrato registrado no Rio de Janeiro ou em São Paulo...atue ou nada poderá alegar) para a regra do caveat vendictor (que ordena ao vendedor ou corretor de planos de saúde que informe sobre o conteúdo deles, riscos, exclusões, limitações etc.”

144 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 391: “Apesar de não mencionar isso expressamente, o art. 37 do CDC preocupa-se com o idoso exposto à publicidade, como prática comercial (art. 29 do CDC). A publicidade discriminatória contra idosos é proibida, como aquela que ‘seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança’ (art. 37, § 2º do CDC). Como consumidor equiparado, o idoso pode ser induzido em erro (§ 1º do art. 37), como demonstra caso judicial envolvendo denominação de clínica geriátrica que incluiu, em seu nome, nome de hospital famoso no local de comercialização de seus serviços. Assim ementa: ‘Propriedade industrial-Marca nominativa-Nome de hospital-Uso da mesma expressão em nome comercial de sociedade geriátrica-Antecipação de tutela no sentido de abstenção-Agravo de Instrumento. A geriatria é um ramo da medicina que se ocupa com as doenças dos idosos. Assim, quando uma sociedade comercial, em seu nome, usa o vocábulo ‘geriátrico’, sucedido de expressão idêntica ao nome de um hospital, em princípio induz, perante o público, que a sociedade comercial é uma entidade ligada ao hospital, porquanto se ocupa com atividade afim. Agravo desprovido’ (TJRS, 5ª Câm. Cív., AGI 598023299, rel. Dês. Irineu Mariani, j. 26.03.1998.)Em outras palavras, as exigências de boa-fé em relação ao consumidor idoso são mais altas, há que se reconhecer sua

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De tal maneira, o princípio da boa-fé objetiva como dever de informar

adequadamente a pessoa idosa apresenta-se essencial nos contratos de plano de

saúde visto que, sobrelevam nesses ajustes, a causa fim do contrato e a necessária

proteção contra condutas que firam o direito desse consumidor especial – hiper

vulnerável em questões relacionadas à assistência privada de sua saúde e mais

suscetível às práticas emocionais e agressivas de venda – de estar plenamente ciente de

todas as condições do ajuste celebrado para que não se deixe enganar e aufira a

necessária tutela jurídica do seu direito fundamental e prioritário à saúde também

na esfera privada.

vulnerabilidade em matéria de saúde (por exemplo, limitando a publicidade de remédios e dos profissionais da medicina), há que reconhecer que é mais suscetível às práticas emocionais e agressivas de venda, muitas proibidas pelo art. 39 do CDC.” [grifou-se]

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6 A Política Nacional do Idoso e Seu Estatuto como Precursores de Movimentos Democráticos a Serem Desenvolvidos no Estado Brasileiro Em Prol dos Direitos da Pessoa Idosa

6.1 O Exercício da Cidadania do Idoso no Estado Democrático de Direito

A Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso constituem marcos

legislativos para a tutela da pessoa idosa no Brasil.

O Estatuto, posterior à Política Nacional do Idoso, surge a partir de

movimentos sociais que visam a garantir cuidado especial ao grupo de pessoas

vulneráveis pelo estado adiantado da idade que lhes torna mais frágeis

biopsicosocialmente.1 Sua finalidade não é atribuir à pessoa idosa superioridade

jurídica em relação às demais.2 Pelo contrário. O que se objetiva é colocar a

pessoa idosa no mesmo nível de possibilidades jurídicas das jovens, pois, com a

1 Para GONH, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais, ongs e terceiro setor: perspectivas para a solução das questões da velhice no Brasil. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1023: “Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construída por atores pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demanadas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir de interesses comuns de seus participantes. Essa identidade que decorre da força do princípio da solidariedade é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.” 2 Observe-se, seguindo o raciocínio de GONH, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais, ongs e terceiro setor. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, que o Estatuto do Idoso provém de movimentos sociais com objetivo de inclusão de grupos vulneráveis de toda ordem, p. 1022 : “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Reforma Sanitária que levou à criação do SUS (Sistema Único de Saúde), a Política Nacional do Idoso, a criação de dos diferentes conselhos diretores de políticas dos direitos da mulher, das pessoas portadoras de deficiências e dos idosos, a criação dos conselhos nacionais, estaduais e municipais dos idosos e a implementação de outras estruturas de mediação entre o Estado e a sociedade civil são exemplos vivos da conquista e da força da participação organizada dos cidadãos. Trata-se, ademais, da geração de espaços de negociação e de equacionamento de conflito de interesses, reflexo do surgimento de uma cultura participativa nova na sociedade brasileira.”

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idade avançada, o ser humano perde, em grande medida a vitalidade, tornando-se

mais fragilizado não só no campo pisicofísico, mas também socialmente.3 O

Estatuto do Idoso pretende assegurar à pessoas dessa faixa etária, situação jurídica

e social de igualdade em relação às demais e pretende, pelos procedimentos que

contém positivados, dar eficácia social às aludidas situações.4

Ao tempo que o Estatuto protege o idoso dos agravos ocasionados pela

idade avançada – que pode lhe acarretar debilidades pelo seu reduzido vigor

físico, incluindo, por vezes, enfermidades; das agressões que lhes são dirigidas

nos ambientes público e privado, nesse último, especialmente nas relações

familiares e contratuais, – não pode ser considerado uma Lei assistencialista.5

Observa-se antes, que o Estatuto possui matizes protecionistas que, a fim de 3 A vulnerabilidade da pessoa idosa encontra-se não só na sua maior propensão física à doença, mas também na sua fragilidade psíquico-social que advém da certeza da proximidade da morte. Nesse sentido, PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1013: “Apontamos para a velhice como um momento especial da vida do indivíduo, quando se encontra em condições de vulnerabilidade frente e a maiores possibilidades de adoecer, não mais com a consciência da finitude, apenas, que lhe consagrou a maturidade, mas, agora, com a consciência da própria morte.” 4 Segundo SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 223 a 225, a eficácia da norma vigente pode ser vista pelo viés jurídico e pelo viés social estando ambas, contudo, em íntima conexão: “ ... Podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente ( juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos, ao passo que a eficácia social ( ou efetividade) pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma ( juridicamente eficaz ), quanto o resultado concreto decorrente – ou não – dessa aplicação. [...] Na verdade, o que não se pode esquecer é que o problema da eficácia da eficácia do Direito engloba tanto a eficácia jurídica, quanto a social. Ambas – a exemplo do que ocorre com a eficácia e a aplicabilidade – constituem aspectos diversos do mesmo fenômeno, já que situados em planos distintos ( o do dever-ser e o do ser ), mas que se encontram intimamente ligados entre si, na medida em que ambos servem e são indispensáveis à realização integral do Direito.” Por meio dos mecanismos trabalhados nesse capítulo pretende-se alcançar não só a aplicabilidade da norma no sentido da eficácia jurídica, mas a aplicabilidade da norma no que tange aos direitos da pessoa idosa a lhe dar, como resultado concreto, eficácia social. 5 BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1037 defende posturas da sociedade compatíveis com o direito fundamental à liberdade e a autonomia das pessoas expressos na Constituição da República e também no Estatuto do Idoso, especialmente no art 10 § 2º. A autora diz: “Mudanças sociais significativas podem derivar da alteração de conceitos arraigados que, ao preconizar uma postura paternalista e assistencialista, dificultam a inserção do idoso na sociedade. Ao contrário, a busca da consolidação de uma política de direitos, onde o idoso é considerado como um cidadão com direitos e deveres, significa em investir em sua melhor adaptação social.” Dispõe o § 2º do art. 10 da Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003; “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.” [grifou-se]

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remover obstáculos ao efetivo desenvolvimento da pessoa idosa, atribuem a ela

alto grau de autonomia para traçar os rumos de sua vida com liberdade de escolha

na forma dos já analisados arts. 2º e 10 que implicam responsabilidade ainda que

na doença, conforme dispõe o art. 17.6

Assim é que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da

pessoa humana e da cidadania, o referido Estatuto confirma tais princípios em

seus arts. 2º e 3º, ao despertar e estimular os idosos a buscar tratamentlo

compatível com sua dignidade de seres humanos numa atitude pró ativa que, no

ambiente público, desenvolve-se a partir da democracia participativa, no exercício

da cidadania.7

A obviedade de que o Estatuto do Idoso apresenta avanço legislativo nas

questões referentes aos direitos das pessoas idosas não pode encobrir a

necessidade de se desenvolver uma dogmática a partir dele, voltada especialmente

para a eficácia social de seu conteúdo normativo, especialmente no cuidado em

que o Poder Público e a Iniciativa Privada devem destinar à saúde da pessoa

idosa. Considera-se errôneo supor que a vigência de uma Lei, por si, faça com que

ela seja efetivada em sua amplitude teleológica e sistemática em prol das pessoas

idosas. Note-se que tal grupo vulnerável mereceu específica atenção em sede

legislativa pela evidente marginalidade na qual se encontra e a promulgação da

citada Lei é fruto de movimentos sociais que visam, também por intermédio do

6 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340: “As diversas normas, que se inspiram na idade avançada, devem para tanto ser dotadas de uma justificativa racional, de modo tal a assumir a devida relevância, nos diversos setores do ordenamento jurídico, como intervenções estatais destinadas a remover eventuais obstáculos de fato ao efetivo desenvolvimento do idoso.” [Traduziu-se livremente do italiano] 7 A concepção de cidadania para as pessoas idosas no ambiente contemporâneo é reconstruída para além do direito do cidadão de votar e ser votado. Trata-se de uma nova cidadania ou de uma cidadania redefinida, de forma que pessoas idosas participam de movimentos sociais (lutas políticas) em busca do direito à igualdade na sua alteridade em face das pessoas jovens, como mostra, a partir de um discurso genérico, ou seja, não elaborado especialmente para idosos, DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana. In: Cultura e Política Nos Movimentos Sociais Latino-Americanos: Novas Leituras. Organizadores: ALVAREZ, Sonia E., DAGNINO, Evelina, ESCOBAR, Arturo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 86: “A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos. Essa concepção não se limita a provisões legais, ao aceso a direitos definidos previamente ou à efetiva implementação de direitos formais abstratos. Ela inclui a invenção/criação de novos direitos, que surgem de lutas específicas e de suas práticas concretas. Nesse sentido, a própria determinação do significado de ‘direito’, e a afirmação de algum valor ou ideal como direito, são, em si mesmas, objeto de lutas políticas. [...] Além disso, essa redefinição inclui não somente o direito à igualdade, como também o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade.”

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Direito, à inclusão desse segmento da população brasileira. Objetiva-se que, por

meio do Estatuto do Idoso afinado com os princípios constitucionais da dignidade

da pessoa humana, da cidadania, da liberdade positiva, da igualdade material e da

solidariedade social, outras ações sejam implementadas nas esferas públicas e

privadas em busca da emancipação jurídico-social da pessoa idosa.8

Nesse sentido, o Estatuto do Idoso apregoa em seu art. 46 que a política de

atendimento ao idoso não será realizada apenas por meio de ações

governamentais, mas pelo conjunto articulado delas com outras não

governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As

políticas que visam a atender as necessidades dos idosos são dever do Estado e da

sociedade, razão pela qual a Política Nacional do Idoso, que traçou pioneiramente

as ações a serem desenvolvidas para esse fim, continuam em vigor na forma

disposta pelo art. 47 do Estatuto do Idoso.9 E a Política Nacional do Idoso tem

por finalidade claríssima, plasmada em seu art. 1º “assegurar os direitos sociais do

idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação

efetiva na sociedade.” Essa perspectiva de pessoas idosas autônomas no que diz

respeito às suas individualidade e socialidade é confirmada pelas diretrizes da

Política Nacional do Idoso, que em seu art. 3º, inciso I, aponta para a garantia dos

seus direitos de cidadania e de participação na comunidade como dever da família,

8 Dar eficácia social às Leis que preconizam mudança no status quo têm sido, há muito, preocupação de juristas e sociólogos. Antes do Estatuto do Idoso já havia a Constituição da República de 1988 e leis protecionistas dos vulneráveis pela idade avançada, como a 8.842 de 1994 que, na forma do art. 53 do Estatuto do Idoso, continuou a vigorar supervisionando, acompanhando, fiscalizando e avaliando políticas nacionais para as pessoas idosas, as quais sempre encontraram dificuldades em concretizar-se. Nesse sentido, BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1038: “A Constituição Federal de 1998 veicula um conceito de cidadão que não estava presente nas cartas anteriores, pois considera a assistência social , a previdência social e a assistência à saúde direitos de todo cidadão. A partir dos novos princípios constitucionais, tanto a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei 8742/93), como a Política Nacional do Idoso (PNI – Lei 8842/94) reafirmam estes conceitos, considerando o idoso como cidadão com direitos e deveres. Para que essa legislação possa efetivamente contribuir para a melhoria das qualidades de vida dos mais velhos, é preciso traduzi-la em políticas públicas e sociais que possibilitem o alcance dos objetivos de proteção e de inclusão social deste contingente populacional.” Compreende-se que o grande desafio de agora, consiste em dar ampla e irrestrita eficácia social não só as políticas traçadas pela Lei 8.884 de 1994, mas também ao Estatuto do Idoso. 9 Dispõe o art. 47 do Estatuto do Idoso: ‘ São linhas de ação da política de atendimento: I – políticas sociais básicas, previstas na Lei n. 8.842 de 4 de janeiro de 1994; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem...’

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da sociedade e do Estado. Mais: a referida Lei também elege como finalidade o

dever do idoso de participar das políticas em seu benefício.

Significa que a pessoa idosa não é uma destinatária inerte das ações em

sua promoção, mas sim participativa, capaz de argumentar, argüir, contra-

argumentar, convencer e justificar suas proposições de forma atuante. Dessa

maneira deve ser compreendido o inciso IV, do referido artigo 3º: “o idoso deve

ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas

através desta política.” Corroborando com essa diretriz, o 3º artigo do Estatuto do

Idoso refere-se expressamente à efetivação, com absoluta prioridade, do direito à

cidadania das pessoas idosas.

Nesse contexto, torna-se essencial preparar o espaço público para que o

cidadão idoso nele possa transitar e se desenvolver.10 O Estado brasileiro

constitui-se democrático11 e de direito.12 Mas a democracia não se revela de uma

só maneira, haja vista que depende das características da sociedade em que se

insere. E uma sociedade pode ser conservada ou modificada com base nos valores

de uma época, da cultua de um povo e de um determinado momento histórico e

social.

Faz-se necessário, então, apontar para o modelo democrático da Grécia,

bem como das tradições republicana e liberal para, ao visualizar a complexidade

10 Para PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, as normas referentes às pessoas idosas existem também para evitar percalços que dificultem ou impeçam o desenvolvimento do idoso, p. 168: “As diversas previsões normativas, que se inspiram na idade avançada, devem sempre ter uma justificação em termos de razoabilidade, de maneira a assumir relevância, nos diversos setores do ordenamento, como intervenções voltadas a remover eventuais obstáculos de fato ao efetivo desenvolvimento do idoso.” [grifou-se] 11 Para CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. In: Coleção Fundação Mário Soares. Direção de: SOARES, Mário. Edição Gradiva, s. d. p. 32, a teorização do Estado de direito encontra-se assentada em duas idéias básicas: “O Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou está sujeito à soberania do Estado.” 12 Convidado a participar dos chamados ‘cadernos democráticos’ dirigidos por Mário Soares CANOTILHO, José Joaquim Gomes, em Estado de Direito, debruça-se sobre a temática Estado de Direito e do Estado de não Direito e afirma que, embora seja possível definir ambos, há que se conceber o Estado de Direito a partir do conhecimento do que se configura Estado de não direito. Na p. 12 o autor esclarece: “Estado de Direito é um Estado ou forma de organização político-estadual cuja actividade é determinada e limitada pelo Direito.” Mas continua na p. 13 observando: “Tomar a sério o estado de Direito implica, desde logo, recortar com um rigor razoável o seu contrário – o ‘Estado de não direito’. Três idéias bastam para o caracterizar: (1) é um estado que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em que o direito identifica coma ‘razão do Estado’ imposta e iluminada por ‘chefes’; (3) é um estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito.”

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do sentido da democracia nesses quadros, seja possível construir a brasileira

delineando as possibilidades da pessoa idosa no ambiente pátrio, concretizando

seu direito à proteção integral e prioritária, segundo o princípio de seu melhor

interesse que aponta para o livre desenvolvimento de sua personalidade, inclusive

como cidadã.

É certo que as discussões sobre democracia são tão antigas como as

civilizações e, ao passar em revista alguns modelos de democracia pontuando

aspectos das experiências legadas, encontram-se dados para reflexão e proposição

de uma democracia mais participativa, que permita, também mais, a inclusão

social de seres humanos e grupos marginalizados na sociedade brasileira.

Nesse propósito, averigua-se que a Grécia antiga é considerada o

nascedouro da política.13 Na polis grega, o Estado possuía autoridade maior e os

cidadãos acatavam às lideranças porque “a pólis era, idealmente, uma comunidade

de iguais, os politai, que determinavam a política em debate aberto e

organizado”.14

Apesar do ideal de igualdade entre os cidadãos, a polis parece, de perto,

menos isonômica do que se proclamava. Observam-se, antes, diferenças em

relação à riqueza, que acarretavam, para os pobres, extrema dificuldade, senão

impossibilidade, por falta de tempo, de finanças, de distância, entre outras, de

participar dos debates nas assembléias que ocorriam apenas em quarenta dias

durante todo o ano.15 Porém, a estrutura por meio da qual a política se desenvolve

na Grécia, é parte do legado deixado para as civilizações posteriores, em suas

múltiplas acepções.16 Pois, não obstante as diferentes posições que cada membro

do povo gozava,17 para muitos estudiosos, na polis Atenas a democracia se

13 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação. Organizador: FINLEY. M. I. Tradução de: DE ALMEIDA, Yvette Vieira Pinto. Brasília: UNB, 1998, p. 32. 14 WINTON, R. I. e GARNSEY, P. Teoria Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação. Organizador: FINLEY. M. I. Tradução de: DE ALMEIDA, Yvette Vieira Pinto. Brasília: UNB, 1998, p. 49. 15 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação, p. 38. 16 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação, p. 45. 17 Observe-se que HORNBLOWER, Simon. Creacioony desarrollo de las instituiciones democráticas en la antigua Grecia. In: Democracia. El Viaje Inacabado, Organizador: DUNN J., Barcelona: Tusquests Editores, 1995, p. 25, atenta para o fato de que essa era uma democracia de excluídos, tais como as mulheres e os escravos.

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desenvolveu de forma sofisticada e complexa, usando inclusive da via

participativa, ideário complexo de, na prática, se desenvolver hodiernamente.18

Neste contexto, verifica-se outro legado de Atenas: o de uma igualdade

formal, onde os homens, em verdade, não são iguais como participantes do

processo deliberativo, bem como não apresentam condições de vida

assemelhadas. Registra-se essa faceta da democracia ateniense, principalmente

porque, ainda hoje, por volta de dois mil e quinhentos anos após a relatada

experiência, várias formas de governo mantinham, ou ainda mantêm as mulheres

fora do debate democrático. Os negros e pardos também sofrem por desigualdades

explícitas, resquícios dos regimes escravocratas que, até pouco tempo, vigoravam

no continente americano, inclusive no Brasil. Aliás, genericamente, a

desigualdade entre os homens é problema enfrentado não só por mulheres e afro-

descendentes, mas por um contingente muito maior de vulneráveis que se

destacam em situações concretas nas democracias da atualidade. A fim de

confirmar esta assertiva, basta lembrar da situação de inferioridade social

enfrentada também por índios, homo-afetivos, deficientes físicos e mentais,

desempregados, menores abandonados, e pessoas idosas, objeto específico desse

trabalho, porque fazem parte de minorias qualitativas em virtude de suas

fragilidades específicas no âmbito pessoal e também no contexto social do Brasil

contemporâneo. Contra a pessoa idosa alia-se ao preconceito e à marginalização

com que a sociedade oprime todas essas minorias, sua situação de vulnerabilidade

psicofísica decorrente da própria idade.

Sobremaneira importante, e oriundo do legado grego, revela-se também a

exaltação que os vivos faziam dos mortos de guerras, para preservar o civismo dos

18 HORNBLOWER, Simon. Creacioony desarrollo de las instituiciones democráticas en la antigua Grecia, p. 13. Também MARCONDES, Danilo. Iniciação da história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 41, aponta para a forma de democracia desenvolvida na Grécia por volta de 500 a. C. : “A democracia representa exatamente a possibilidade de se resolverem, através do entendimento mútuo, e de leis iguais para todos, as diferenças e divergências existentes nessa sociedade em nome de um interesse comum. As deliberações serão tomadas, assim, em reuniões de cidadãos, as assembléias. Isso significa que as decisões são tomadas por consenso, o que acarreta persuadir, convencer, justificar, explicar. [...] a linguagem, o diálogo, a discussão rompem com a violência, o uso da força e do medo, na medida em que, em princípio, todos os falantes têm no diálogo os mesmos direitos (isegoria): interrogar, questionar, contra-argumentar.”

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vivos, e, nesse sentido, a virtude cívica aparece indissociável do regime político,

ou seja, da esfera pública da vida das pessoas na polis.19

O civismo também está presente na tradição republicana renascentista, em

que virtude significa patriotismo e espírito público, ou seja, o modelo republicano

busca o bem da comunidade acima do bem pessoal e familiar.20

Contemporaneamente, os axiomas republicanos têm sido repensados a

partir do que foi chamado de “humanismo cívico”21, de modo a colocar “no

espaço da vida pública o local privilegiado da manifestação dos valores mais

elevados da condição humana”22, recuperando-se, ainda, a importância das

discussões que envolvem temas do interesse da coletividade.23 Compreende-se,

assim, que a experiência republicana não deve ser resgatada materialmente, mas

há uma apologia do resgate teórico.24 Esse resgate visa, atualmente, a formular

idéias de acordo com a capacidade de agir de nossos municípios, estados ou

países, em nome dos interesses deles próprios. 25

Mas todo resgate precisa ser conjecturado com seu tempo. Portanto,

considera-se acerca da “elaboração de um conjunto de proposições em torno das

condições de manutenção da igualdade de direitos em uma sociedade cuja

natureza é objetivamente competitiva”26 e onde pessoas e grupos em situação de

inferioridade social, como as idosas, encontram-se marginalizadas.

O que parece muito interessante na tradição republicana, revisitada à luz

do atual momento histórico, social e ideológico, é estimular o homem a valorizar

tanto o espaço quanto o bem público e a se preocupar com temas afeitos à

19 TUCIDIDES. Historia da guerra do peloponeso. 2 ed. Tradução de: CURY, Mario da Gama. Brasília: UNB, 1986, p. 100. 20 HELD, David. Modelos de democracia, p. 63. 21 Expressão de BIGNOTTO, Newton. Pensar a República. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 52. 22 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 52. 23 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 52. 24 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 61. 25 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 63. 26 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 62.

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comunidade, afastando o individualismo exacerbado, numa perspectiva

solidarista. 27

Propõe-se, então, o debate público, pela via da cidadania participativa,

acerca dos valores de uma sociedade que deve tender não para o

individuocentrismo, mas para o homem imerso numa esfera humanista e plural.

Nesse ambiente, faz-se obrigatório não apenas existir, mas coexistir e, nesse

sentido, cooperar, colaborar, compartilhar e participar por meio da cidadania,

visando ao desenvolvimento e à emancipação da coletividade em geral e dos

grupos vulneráveis na sociedade contemporânea marcada por diferenças de toda

ordem.

O ideal de igualdade, ainda que meramente formal na Grécia antiga, até

hoje é almejado não só em bases formais, diante da lei, mas também de maneira

substancial, atenta às distintas necessidades de determinado grupo, que dependem

de suas especificidades.

Note-se, pois, que há ideais que não se perdem no passar do tempo para a

consecução de uma democracia desejável.

Nesse sentido, o legado da liberdade – maior apótema da tradição liberal –

revela-se cada vez mais importante para uma democracia em sua acepção negativa

(poder fazer ou não fazer) 28, mas, principalmente, na sua acepção positiva

(possuir meios para fazer ou não fazer) 29, e a fraternidade, que, até muito depois

27 Ensina TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico. In: Direito Público Romano e Política. Organizadores: TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra, CAMARGO, Margarida Lacombe e MAIA, Antonio Cavalcanti. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 154-155, que: “Em seu sentido clássico, a expressão espaço público remete a locais específicos de manifestações que visam ao público ou aqueles em que são examinados, debatidos e decididos assuntos de interesse público. São espaços, institucionalizados ou não, na medida em que constituem lugares tradicionais de discussão e deliberação. Como notamos em trabalho anterior, os espaços públicos na Antiguidade identificam-se aos centros de decisão da res publica, ao foro, às assembléias, aos tribunais, às praças e aos mercados. Debruçando-nos com mais vagar sobre o assunto, pudemos observar que, na verdade, não apenas os locais, mas determinadas atividades e/ou situações conduziram à construção de um verdadeiro espaço público. Modernamente, a concepção de espaço público abarca não apenas os locais físicos das reuniões de interresse público (não necessariamente vinculados à idéia de poder público, visto que, por exemplo, os movimentos sociais não lhes são institucionalmente associados), mas o próprio procedimento que regula os debates de interesse público, as regras que presidem os processos de discussão e de propostas de interesse público.” 28 BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade. Tradução de: COUTINHO, Carlos Nelson. 5 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 49. Veja-se também BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre liberdade. Tradução de: FERREIRA, Wamberto Hudson. Brasília: UNB, 1981, p. 136-137. 29BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade, p. 51.Veja-se também BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre liberdade, p. 144.

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da tradição liberal não passou de retórica, deve ser cultivada densamente, pois os

seres humanos precisam, para conviver, de se ajudar de maneira recíproca.

Observe-se que a tradição se apresenta como marco para a democracia

fundada em atitudes de não-sujeição do homem, em certas circunstâncias, frente

ao próprio Estado, cujo poder passa a estar limitado pelo estímulo do exercício de

direitos positivos pelo cidadão.30 O legado da tradição liberal encontra-se,

inclusive, na separação entre homem e Igreja31 e, ainda, no incentivo ao

aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mercado, de acordo com o

esforço pessoal de cada homem, portanto, não mais por meio de uma herança de

sangue.32 Liberdade e igualdade para todos são os lemas do modelo liberal

propagado não só pela França revolucionária, mas também, pelos Estados Unidos

da América.

Tanto a Declaração americana de Direitos do povo da Virgínia de 1776,

quanto a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,

reconhecem pioneiramente, a existência de direitos humanos fundamentais.33 Há

que se ressaltar ainda a influência de filósofos franceses como Rousseau e

Montesquieu sobre os americanos revolucionários ao levarem o princípio

democrático e a teoria da separação de poderes à Constituição Americana de

1787.34 Com as Constituições de mexicana de 1917 e a alemã de Weimar de 1919,

o segundo pós-guerra inaugurou a entrada significativa dos direitos econômicos,

sociais e culturais nas cartas constitucionais.35

Posteriormente, por meio da influência da Declaração Universal dos

Direitos do Homem de 1948, o valor da dignidade da pessoa humana passa a ser

reconhecido nas constituições posteriores à 2ª Grande Guerra.36 Com base em tal

30 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 29-30. 31 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación. In: Guerra, Política y Moral. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 2001, p. 93. 32 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación, p. 101. 33 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 47. 34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 48. 35 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 52, 53 e 90. 36 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.104.

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declaração obtém-se também a afirmação universal e positiva dos direitos

humanos em face do Estado que, porventura, esteja violando-os37.

Hodiernamente, através de movimentos sociais levados a cabo pelo exercício da

cidadania, politizam-se lutas nos espaços públicos e privados. Caso travadas nesse

último, tornam-se também lutas da coletividade, tendo como objeto garantir a

dignidade da pessoa humana por meio não só da eficácia vertical, mas também

horizontal dos seus direitos fundamentais, especialmente em relação à saúde das

pessoas idosas.38

É certo que os legados da Revolução Francesa e da Revolução Americana

para a construção de um modelo democrático adequado à realidade atual

apresentam-se imbricados, pois, tanto a revolução da burguesia francesa contra os

privilégios medievais do clero, da nobreza monárquica e dos senhores feudais;

quanto a revolução dos colonos americanos, partiram rumo à emancipação dos

homens em busca da liberdade e, dessa maneira, correlacionam-se.39 O impacto

das duas revoluções no cenário ocidental repercute até os dias atuais.

Principalmente a Revolução Francesa e seus princípios basilares “constituíram, no

bem como no mal, um ponto de referência obrigatório para os amigos e para os

inimigos da liberdade, princípios invocados pelos primeiros e execrados pelos

segundos.”40

37 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación, p. 30. 38 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações contratuais privadas, especialmente naquelas cujo objeto do contrato é a prestação da saúde merece atenção da sociedade já que os direitos fundamentais de índole constitucional não estão confinados à esfera pública. Nesse sentido, movimentos sociais que visam a assegurar a saúde da pessoa idosa em relações contratuais que ela trava com a iniciativa privada tornam-se políticos, e dizem respeito, portanto, ao que é púbico, pois que afetam a coletividade. Essa assertiva parte da observação de DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana, p. 95: “Ao formular uma visão ampliada de democracia e operacionalizá-la em termos de luta pela cidadania, os movimentos sociais transmitem também uma visão alternativa do que é considerado político nas sociedades latino-americanas. A própria existência de movimentos sociais afetou as noções de sujeitos e espaços políticos [...] Na medida em que participam da disputa entre os diferentes projetos de democracia, junto com outros atores políticos que compartilham da mesma perspectiva, os movimentos sociais oferecem novos parâmetros para essa disputa e aragem contra as concepções reducionistas da democracia e da própria política. Ao politizar o que não é concebido como político, ao apresentar como público e coletivo o que é concebido como privado e individual, eles desafiam a arena política a alargar seus limites e ampliar sua agenda.” [grifou-se] 39 BOBBIO. Norberto. A era dos direitos, p. 89. 40 BOBBIO. Norberto. A era dos direitos, p. 92.

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A liberdade e o poder de autodeterminação dos homens mostram-se

indispensáveis para o seu desenvolvimento e o alcance de melhores condições de

vida para si próprios e para a coletividade de que fazem parte. Não pode haver

crescimento baseado na escravidão e na opressão, porque seres humanos

desenvolvem preferencialmente seus dons e aptidões num ambiente onde possuam

ferramentas para que, efetivamente, possam ousar, experimentar, criar, por meio

da liberdade positiva. O regime democrático também favorece o desenvolvimento

social e, aliando o princípio da liberdade aos princípios democráticos da cidadania

e da soberania popular, os povos podem, paulatinamente, conseguir avanços em

prol de uma democracia cada vez mais forte em legitimidade, com vistas também

a assegurar os direitos fundamentais constitucionais. Dentre tais, o direito à saúde

de índole social, é condição para o exercício do direito à liberdade no exercício da

cidadania posto que “os ideais deliberativos da igualdade, da liberdade e da

abertura só podem se concretizar se determinadas condições sociais estão

garantidas para todos os participantes.”41

Cidadania “é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo

político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela

representação política.”42 Compreende-se que o cidadão não possui somente o

direito de participar do governo elegendo líderes representantes do povo, porque a

cidadania, direito fundamental e político, lhe atribui certo grau de influência nas

decisões do governo. O poder político não consiste apenas no direito de participar

do processo eletivo votando e sendo votado. Se o cidadão elege seus

representantes e só nas próximas eleições vota de novo, distancia-se por longo

período do processo democrático, pois, nesse intervalo, idéias são debatidas,

votadas, tornam-se leis. Portanto, afastar a população do procedimento

deliberativo pode fazer com que as decisões do parlamento e do governo sejam

apenas formalmente democráticas, mas essencialmente oligárquicas, já que o

poder estará concentrado nas mãos de poucos que, embora eleitos pelo povo,

decidem questões relevantes na vida de todos de maneira que não aquela que o

41 DE SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In: A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 324. 42 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 346-347.

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povo necessitaria ou desejaria. Trata-se da chamada democracia elitista na qual o

Legislativo não representa grupos de pessoas e suas aspirações, mas uma elite

detentora do poder econômico que se enriquece mais cada vez que as políticas

públicas voltam-se para seus interesses.43

Torna-se, nesse sentido, necessária a abertura do processo democrático pós

eleitoral, de modo que o cidadão opine em audiências públicas, participando

ativamente das questões que versem sobre seu direito à igualdade substancial,

cobrando do Estado a concretização dessa igualdade por meio de ações

positivas.44 Só de tal maneira a democracia alcançará sua legitimidade ideal, uma

vez que os valores considerados prioritários para a sociedade, de acordo com a

ponderação casuística dos axiomas positivados como princípios fundamentais pela

Constituição da República, nortearão a atuação do Estado em suas diversas

dimensões, influenciando a vida dos cidadãos em situações singulares e plurais.45

A cidadania, do modo mais extensivo que se propõe, trata-se, portanto, de

condição indispensável para que a democracia se legitime, a fim de atender não só

ao interesse da maioria, mas também das minorias, numa sociedade onde a

43 Segundo DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “Na prática, a democracia brasileira – para uma grande parte da população – restringe-se ao ritual eleitoral. E, dessa forma, a democracia é limitada e está apoiada em um estado de direito que pune, controla e violenta as diferentes minorias – que, em seu conjunto, se transformam em imensas maiorias.” Também DE SOUZA NETO. Cláudio Pereira. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais, p. 324-325: “As teorias democrático-elitistas possuem como um de seus elementos centrais o reconhecimento de que o poder econômico, em contextos de desigualdade social, mantém com o processo político uma relação tendente ao estabelecimento de elites políticas vinculadas às elites econômicas. Daí a importância de que a igualdade não e restrinja a sua dimensão formal, mas se projete também para o campo econômico-social.” 44 Nesse aspecto são importantes as considerações CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva; elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 49: “Quando o constitucionalismo ‘comunitário’ brasileiro observa, na Constituição Federal, o alargamento da positivação constitucional das aspirações por mais igualdade, não se refere, obviamente, aos direitos dos cidadãos à ações negativas por parte dos Estado e, portanto, ao dever de abstenção, mas sim aos seus direitos de ações positivas por parte do poder público, ou seja, dever de ação. Ao dever de ação corresponde, portanto, o direito à prestações.” 45 Parece ser nessa linha de raciocínio que VIEIRA, José Ribas propõe ‘um constitucionalismo renovado, uma fundamentação democrática para o debate principiológico’ em: A estrutura constitucional e a democracia deliberativa: o contexto brasileiro. In: Temas de Constitucionalismo e Democracia. Organizado por: VIEIRA, José Ribas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 147-151.

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dignidade humana sobreleva como valor essencial e supremo, que dá unidade de

sentido à Constituição.46

Note-se, portanto, que o germe da ideologia da liberdade lançada pelos

franceses revolucionários deixa importante e inafastável legado para as

civilizações contemporâneas. Aliás, os apótemas da Revolução Francesa:

liberdade, igualdade e fraternidade são axiomas que contêm vários direitos do ser

humano.47

Ressalte-se, entretanto, que o que tal revolução conseguiu, num primeiro

momento, foi liberdade para a contratação e a aquisição da propriedade, logo, a

necessária igualdade de todos perante a lei, algo bastante inferior ao que está

contido na carga valorativa desses três axiomas.48 Entretanto, para a época, tratou-

se de um avanço. Cabe à sociedade atual adequar esse legado às necessidades

atuais.49 Afinal, não pode existir democracia sem liberdade e, ao mesmo tempo, a

46 Atente, contudo, conforme DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “E se, apesar da existência de uma Constituição democrática, o exercício da cidadania plena é praticamente inexistente para a maior parte da população brasileira, nos encontramos diante de um paradoxo em que a exclusão, a injustiça social e o terrorismo de um não-estado de direito servem de base de sustentação para uma ‘democracia sem cidadania’, ou para uma cidadania de baixa intensidade.” 47 Segundo BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa (por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 154: “Nós viveremos sempre da Revolução Francesa, do verbo dos seus triunfos, do pensamento dos seus filósofos, cujas teses, princípios, idéias e valores jamais pereceram e constantemente se renovam [...] Aquela revolução prossegue, assim, até chegar aos nossos dias, com o Estado social cristalizado nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Uma vez universalizados e concretizados, hão eles de compor a suam política de todos os processos de libertação do Homem.” 48 A assertiva é corroborada por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 83, ao dissertar sobre a liberdade proclamada pelos burgueses e fruto da Revolução Francesa anota que: “O essencial a preservar para a sobrevivência da sociedade organizada capitalisticamente, não são todos os direitos de liberdade, mas apenas aqueles que são directamente implicados pela organização económica, isto é, a propriedade e a liberdade contratual.” 49 PRATA, Ana, A tutela constitucional da autonomia privada, propõe o que chama de ‘reformulação da noção de liberdade jurídica’, de modo que a liberdade atinja a todos e não desconsidere a realidade social, funcionando como meio para que a dignidade da pessoa humana se realize. A autora diz na p. 84: “ ... O reflexo da contradição entre a concepção de homem como entidade individual e a inserção social real deste, e a sua resolução só pode passar por uma reformulação da noção de liberdade jurídica, que não aliene a realidade social, que tenha em conta o caráter instrumental da liberdade relativamente à realização da dignidade humana, que não ignore o confronto inelutável entre o exercício da liberdade por uns e a liberdade de todos numa comunidade.”

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liberdade é o pilar mais forte sobre o qual se ergue qualquer regime

democrático.50

Desse modo é que se propõe crítica positiva ao liberalismo, pois a

liberdade deve ser preservada, afinal, Estado liberal e Estado democrático estão

entrelaçados: no sentido do liberalismo à democracia, porque são necessárias

certas liberdades para o exercício correto do poder democrático e, no sentido

oposto, da democracia ao liberalismo, pela necessidade do poder democrático, que

garante a efetividade das liberdades fundamentais.51 Essas últimas manifestam-se

como “liberdades instrumentais”52, para que se alcancem igualdade política e,

ainda, oportunidades isonômicas, – econômicas e sociais – envolvidas pela idéia

de liberdade substantiva para todos os homens.53

6.2 Sobre O Modelo Democrático no Brasil Pós Regime Ditatorial e Os Direitos Fundamentais da Igualdade, da Liberdade e da Solidariedade na Constituição da República Brasileira de 1988

Como vários países da América Latina, o Brasil conquistou o sufrágio

universal imbuído da “esperança de que o fim das ditaduras significasse a

consolidação do Estado de Direito”54 e de que a proteção dos direitos humanos

50 No entanto, faz-se importante a seguinte assertiva de DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “As expectativas de ampliação das liberdades públicas e de efetivação das prática sociais e políticas democráticas são corroídas com a manutenção dos ‘pontos negativos oligárquicos’, das incivilidades de um não estado de direito. É justamente esse quadro que possibilita o preconceito contra inúmeros segmentos sociais – pobres, favelados, trabalhadores sem terra, moradores de rua, prostitutas, homossexuais, jovens – principalmente das classes populares, idosos, afro descendentes, indígenas, portadores de deficiência física, etc. Esses segmentos sociais são entendidos como disfuncionais para o modelo capitalista neoliberal, chamados por Zygmunt Bauman de ‘consumidores falhos’ ou ‘lixo humano’. [Grifou-se] 51 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7 ed. Tradução de: NOGUEIRA, Marco Aurélio. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 32-33. 52 Expressão usada por SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de: MOTTA, Laura Teixeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 11. 53 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 11. 54 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina. In: Democracia, Violência e Injustiça, O Não Estado De Direito Na América Latina.

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fosse estendida a todos os cidadãos.55 Todavia, a miséria e a marginalização de

tantas pessoas fazem com que a cidadania no cenário nacional perca seu sentido

para um grande número de excluídos, o que consubstancia, em última análise, um

estado de não direito para os vulneráveis, discriminados ou marginalizados. 56

Dentre eles, apesar do avanço legislativo que se iniciou na Constituição de

1988 e atualmente abrange a Política Nacional do Idoso e seu Estatuto, encontra-

se ainda o grupo de pessoas idosas, principalmente quando sem condições de

arcar com a preservação do seu direito à saúde, tornam-se moribundas. A

preservação da saúde da pessoa idosa garante sua participação na vida pública,

pois, se a idade longeva já fragiliza o corpo, incapacita esse corpo se doente.

Assim, até para que as pessoas idosas possam reivindicar melhores condições de

saúde para si, é necessário que elas gozem de saúde, sob pena de estar

definitivamente afastadas do exercício da cidadania, o que fere, em última análise,

o direito à liberdade.

Acrescente-se que os idosos de hoje tiveram, em sua juventude num

regime ditatorial, reduzidas oportunidades de se educar para o exercício da

cidadania participativa com vistas à solução dos problemas que lhes afetam.57

Portanto se reconhece que há óbices ao exercício da democracia

participativa pelos idosos, que devem ser conhecidos e enfrentados tais como:

pessoas com nível educacional apropriado para argumentar, formular perguntas,

contra-argumentar, de modo a auferir convencimento pelo poder de persuasão;

gozo de tempo para se empreender esforços; disposição para se esforçar; medidas

adequadas para os fins objetivados entre outros, como a dificuldade imposta pela

Organizadores: MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo, PINHEIRO, Paulo Sérgio. Tradução de: PINHEIRO, Ana Luiza. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 11. 55 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 11. 56 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 14 e 22. 57 Segundo BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1040: “O processo de redemocratização que está em curso restabeleceu-se principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, mas, na prática, não são muitas as mudanças na vida dos cidadãos brasileiros. Os que hoje têm 60 anos, em sua grande maioria, tiveram pouco acesso à educação formal e, por força do regime de governo vigente entre 1961 e 1984, tiveram pouquíssimas chances de encabeçar ou mesmo de fazer parte de propostas de gestão democrática ou participativa.”

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burocracia aos movimentos populares para desestimular os cidadãos da discussão

e da deliberação.58

E esses entraves não podem ser desconsiderados sob pena de se promover

uma democracia participativa de grupos vulneráveis desarticulada, sem poder de

convencimento em face da superioridade de preparo das elites que possuem o

status quo. 59 Nesses quadros, é possível que se consiga participação formal dos

grupos vulneráveis que não alcance, por conseguinte, a inclusão social dos seus

marginalizados.60

O grupo vulnerável das pessoas idosas brasileiras deve, antes, ser educado

para o exercício da participação e, mais do que isso, incentivado a educar-se e a

almejar a participação como meio não só de alcançar os resultados pretendidos,

como também de promover sua auto-estima, sua integridade perante a sociedade e

a capacidade de institucionalizar suas proposições.61

Convenha-se ainda que, proceder comparação dos mandamentos

constitucionais que têm como objetivo construir uma sociedade livre, justa e

solidária, com o deprimente palco de oprimidos pelas mazelas das grandes cidades

e do campo em certos locais onde não há infra-estrutura para se viver, como

serviços básicos de água potável, luz, esgoto, saneamento e um meio ambiente

58 MATOS, Nelson Juliano Cardoso Matos. Teoria do estado: uma introdução crítica ao estado democrático liberal (notas críticas à teoria hegemônica da democracia a partir do paradigma participacionista). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 204-208. 59 Cf. BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania, p. 1040, a respeito da insuficiente educação formal dos idosos de hoje no Brasil. 60 Para evitar esse resultado BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1039-1041, estuda minuciosamente o que chama de gestão participativa e examina um conjunto de comportamentos do grupo com vistas a consolidar o processo participativo. Destaca-se a observação que a autora faz na p. 1039: “A metodologia empregada para o alcance dos objetivos pode ter passos variados, mas deve guiar-se por participação ativa, realização de reuniões permanentes de planejamento e de avaliação por grupos, rotação de responsabilidades, tomada de decisões por consenso, socialização das informações, disciplina e vigilância coletivas, descentralização e integração, e formação de espaços fora do ambiente específico do projeto. Os pilares do processo participativo são capital humano e social dos participantes.” [grifou-se] 61 BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1040, manifesta-se nesse sentido: “Administrar serviços, programas e projetos direcionados aos idosos, a partir destes conceitos, pode otimizar resultados e proporcionar melhoria significativa na auto-estima e na qualidade de vida deste segmento, renovando a esperança e a motivação de enfrentamento das dificuldades.”

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apropriado para uma existência saudável, revela-se, de todo, paradoxal.62 A gestão

orçamentária da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios devia

empenhar recursos para suprir esse mínimo de condições essenciais para a vida

humana, pois, no espectro apresentado, não pode existir liberdade positiva e muito

menos justiça social. 63 Os bens são tão mal distribuídos que o Brasil se afigura

mundialmente como um dos países mais desiguais em qualidade de vida.64 Uma

das razões desse fenômeno encontra-se no fato irrefutável de o Brasil, em muitos

aspectos, seguir o modelo econômico dos Estados Unidos, onde há concentração

de riquezas produzida pela globalização neoliberal em proporções escandalosas.65 66

São ainda muitíssimo discrepantes da realidade do dia-a-dia os objetivos,

também constitucionais, de erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais, porque o contexto de grandes iniqüidades

62 Aqui se faz cabível o resgate da concepção de urbs, consoante TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico, p. 162: “Assim, do próprio termo urbs, designado inicialmente Roma, a cidade das cidades, derivam os vocábulos urbano, urbanismo, indicativos da vida nas cidades, dos sistemas de vida nelas em vigor. Estes últimos têm sido objeto de estudos cada vez mais numerosos, na medida em que a qualidade de vida nas grandes cidades se degrada, por fatores de natureza diversa e que levam muitas vozes a reivindicar um direito à cidade, i. e., a condições dignas de vida urbana.” 63 Aliás, é importante destacar que desde o ano de 1994 consta positivado no parágrafo único do art. 8º da Lei 8. 842, que: ‘Os ministérios da saúde, educação, trabalho, previdência social, cultura, esporte e lazer devem elaborar proposta orçamentária, no âmbito de suas competências, visando ao financiamento de programas nacionais compatíveis com a política do idoso.’ 64 FRY, Peter. “Cor e estado de direito no Brasil”. In: Democracia, Violência e Injustiça, O Não Estado De Direito Na América Latina. Organizadores: MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo, PINHEIRO, Paulo Sérgio. Tradução de: PINHEIRO, Ana Luiza. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 209. 65 Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 34, que faz tal asserção referindo-se aos Estados Unidos. Considera-se pertinente usar a mesma colocação para o modelo brasileiro. 66 A propósito manifesta-se DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 321: “Também o Estados Unidos, que serve de referência para as teorias evolucionistas, não pode servir de exemplo. O desenvolvimento econômico e a estabilidade da institucionalidade democrática, em uma sociedade liberal, não asseguram a diminuição das diferentes formas de violência. Os acontecimentos recentes na cidade de Nova Orleans, após a passagem do furacão Katrina, revelaram uma sociedade desigual, violenta e socialmente injusta. Para muitas correntes críticas ao modelo hegemônico, a sociedade capitalista liberal de massas favorece uma série e violências sociais, formas de exclusão, intolerâncias raciais, etc.”

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econômicas só faz ampliar as disparidades entre ricos e pobres.67 A Constituição

também proclama a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação e, ao invés,

convivemos com toda espécie de exclusão e violência por conta desses

preconceitos que se mantêm.68 Apesar de na Constituição da República Federativa

do Brasil possuir, em seu artigo 1°, referência a um Estado Democrático de

Direito que tem, nos incisos II e III, como princípios fundamentais a cidadania e a

dignidade da pessoa humana, sabe-se dos oceanos de exclusão na esfera da

política e de indignidade social em que vários seres humanos subsistem.

Por tanta disparidade entre o conteúdo normativo e a prática “os pobres

vêem a lei como um instrumento de opressão a serviço dos ricos e poderosos.”69 E

poderia ser diferente?

Parece que o caminho a ser trilhado a fim de modificar tais situações de

descrença e de iniqüidades sociais, ainda que paulatinamente, encontra-se na

efetivação de uma democracia participativa dos membros das várias classes e

grupos sociais.70 As pessoas que se encontram à margem da dignidade humana

precisam exercitar sua cidadania e ter voz ativa para reivindicar o que precisam

67 PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina”, p. 22. 67 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 23. 68 Consoante DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 36: “A democracia, em sociedades como a brasileira, apóia-se em um estado de direito formal que pune preferencialmente os segmentos vulneráveis, não lhes garantindo segurança e o acesso à justiça. São as ‘não-elites’. Os vulneráveis são aqueles a quem se dirige a violência sem lei.” 69 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 23. 70 Segundo GUTMANN, Amy. Identity in democracy. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2003, p. 193: “Em políticas democráticas são particularmente importantes as identidades dos grupos por causa dos números somados (pelo menos quando eles são meticulosamente contados). Sem habilidade para engajar num grupo de ação coordenado, maiorias singulares estão menos longe dos politicamente influentes e efetivos. Indivíduos desavantajados que são tratados injustamente não podem moldar um esforço bem sucedido, afastados de um movimento social, sem aliados à sua causa. Aliados podem tornar fácil organizarem-se baseados nas mútuas identidades preferíveis a interesses pessoais, especialmente onde haveres coletivos estão em jogo. Indivíduos que não se identificam com a causa não possuem razões pessoais para se sacrificar por um movimento social. A identidade com um grupo pode promover essa razão e promover benefícios intangíveis assim como inclusão social que motivam indivíduos a trabalhar juntos para combater a injustiça.” [ traduziu-se livremente do inglês]

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diretamente, e não só por representantes que elegem e depois os esquecem.71 A

democracia meramente representativa constitui seu modelo elitista que só

promoverá os grupos vulneráveis até onde convier às elites.72

Por tais razões, os cidadãos idosos, como minoria qualitativa, têm que

atentar para a necessidade de se unir a fim de implementar, por procedimentos

institucionalizados, vias de participação que façam com que suas vozes sejam

ouvidas.73 Do mesmo modo, o processo de inclusão social passa pela

conscientização de que os menos abastados de toda ordem, terão força política

maior numa sociedade de mercado, se inseridos em associações ou sindicatos,

bem mais próximos de um ideal comum, por isso, engajados na busca de soluções

que atendam seus associados.74 A partir da capacidade de organização,

participação e de representação substantiva por seus pares, grupos socialmente

vulneráveis como o formado pelas pessoas idosas ganham projeção pública, o que

torna tangível a possibilidade de confirmação das suas posições e de suas

71 DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “Os governos democraticamente escolhidos, ao adotarem políticas restritivas, de acordo com o receituário neoliberal, foram incapazes de solucionar os problemas sociais, não aplicando políticas públicas com o objetivo de acabar com a incivilidade social, o arbítrio, a violência e a ação desregulada e voraz do mercado. Prevalece uma histórica cultura oligárquica por meio das práticas sociais e políticas de negação da cidadania, baseadas no clientelismo, no assistencialismo e na intimidação da população mais pobre e miserável. O bem público acaba por se submeter às necessidades dos interesses particulares.” 72 Cf. COHEN. Jean L. e ARATO. Andrew. Sociedad civil y teoría política. Tradução de: MAZZONI, Roberto Reyes. México: Fondo de Cultura Econômica, 2000, p. 24: “O modelo elitista de democracia orgulha-se de propiciar uma explicação operativa e empiricamente descritiva das práticas e dos estados cuja forma de organização política se considera democrática. Nele não há nenhuma pretensão de que os votantes estabeleçam a agenda política ou tomem decisões políticas eles não engendram os temas a tratar nem elegem as políticas. De sobra, os líderes (partidos políticos) agregam os interesses e decidem quais terão de ser relevantes politicamente. Ademais, eles selecionam os temas e estruturam a opinião pública . A verdadeira função do voto é simplesmente eleger elites políticas que aspiram ao poder e aceitar sua liderança.” [traduziu-se livremente do espanhol] [grifou-se] 73 Para BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1040: “Para que se possa propor um processo de gestão participativa ou democrática de serviços prestados a idosos, é preciso, antes de tudo, acreditar no potencial dos mais velhos e na sua capacidade de gerir a própria vida, considerá-los como cidadãos com direito e deveres e vê-los como sujeitos sociais que têm papéis sociais significativos.” 74 Essa proposição é defendida por COHEN. Jean L. e ARATO. Andrew. Sociedad civil y teoría política, p. 9: “Não obstante, a legalização dos sindicatos, as negociações coletivas, a co-determinação e outros elementos similares atestam a influência da sociedade civil sobre a econômica e permitem que esta última desempenhe uma papel mediador entre a sociedade civil e o sistema de mercado.” [traduziu-se livremente do espanhol]

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reivindicações.75 Dessa maneira, pensa-se que o grupo vulnerável da terceira

idade passaria a deter condições mais favoráveis para alcançar emancipação social

e jurídica num regime capitalista – modelo econômico adotado pelo Brasil –, bem

como na era da globalização – fenômeno inafastável em nossos tempos –, desde

que numa moldura social e democrática, a qual proceda à “transformação de

trocas desiguais em trocas de autoridade compartilhada”76 assim como a

“construção de mecanismos de controlo democrático”77 aliados à efetiva

fundamentabilidade aos direitos do humanos, previstos para todos em sede

constitucional e para os homens em suas situações singulares como prevêem

legislações especiais, entre elas, por exemplo, a Consolidação das Leis do

Trabalho para os assalariados, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para

pessoas deixa faixa etária e o Estatuto do Idoso para as pessoas idosas.78

Desse modo, parece haver condições a fim de que se constituam

instrumentos para uma globalização contra-hegemônica, imbuída de valores

sociais e humanistas. 79

No caso brasileiro deve considerar-se fortemente o que os princípios

fundamentais contidos no artigo 1º da Constituição preceituam: o Estado

75 DA ROCHA. Sônia Maria, GOMES, Maria das Graças Cunha e LIMA FILHO, João Batista. O protagonismo social da pessoa idosa: emancipação e subjetividade no envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1034 assinalam que: “Os espaços públicos refletem a aglutinação da vontade pública, consolidada em formas de participação política horizontais (associativismo voluntário). Neste sentido, a sociedade civil, com seu conjunto de associações voluntárias independentes do sistema econônomico e político-administrativo, absorve, condensa e conduz, de maneira ampliada, para a esfera pública, os problemas emergentes das esferas privadas do mundo da vida.” 76 Expressão de SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais, p. 74. 77 SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais, p. 74 . 78 GUTMANN, Amy, em Identity in democracy, p. 193, enfatiza que: “Além do mais, identidades dos grupos são, longe, tipicamente mais do que instrumentos de políticas públicas para seus membros. Elas provêem suporte mútuo e um senso de pertença que por outro lado poderia estar faltando na vida de muitas pessoas e algumas o fazem sem incutir injustiça aos outros. Isto significa que completamente a parte das demandas de justiça, nós podemos apreciar quereres das pessoas – de fato igualmente necessidades – de mútuo suporte e senso de pertencimento que a identidade de grupos pode prover. Identificando que grupos provêem mútuo suporte nas bases da mútua identidade também pode ajudar a mitigar as inseguranças da vida econômica e social em sociedades capitalistas competitivas.” [traduziu-se livremente do inglês] 79 Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. In: Reconhecer Para Libertar: Os Caminhos do Cosmopolitismo Multicultural. Rio de Janeiro: Civilização, 2003, p. 438 e ss.

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Democrático de Direito brasileiro ergue-se sobre pilares básicos: um de ordem

internacional-pública, a soberania; dois de ordem político-democrática, a

cidadania e o pluralismo político; outros dois de caráter humanista e social, a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A dignidade da pessoa, como fundamento do Estado pátrio, redimensiona

as construções jurídicas para o alcance prioritário do que afeta o ser humano, a lhe

atribuir dignidade em qualquer situação. A livre iniciativa e o trabalho têm sua

fundamentabilidade reconhecida desde que visem aos valores sociais, ou seja, sua

qualificação como fundamentais decorre do fato de proporcionarem atendimento

das expectativas e necessidades sociais.80 E a cidadania, princípio fundamental da

República na forma do inciso II do 1º artigo da Constituição é o instrumento do

povo para manifestar sua vontade política não apenas para eleger representantes

ou se fazer eleger. Ela deve ser antes, manifestação contínua do cidadão em

quaisquer assuntos que afetem a dignidade humana de pessoas ou grupos

vulneráveis.

Nesse sentido, formas de democracia representativa e formas de

democracia direta e participativa devem se conciliar, a fim de mobilizar setores

sociais para a implementação de políticas públicas prioritárias. 81

Ademais, como já assinalado, o conceito de democracia representativa

deve ser revisto. Torna-se, pois, necessária “a distinção entre a representação

política e a argumentativa do cidadão.”82 A representação política, por

instrumento do voto, dirige-se aos Poderes Executivo e Legislativo, mas a

representação argumentativa dos cidadãos, cabe a eles diretamente – seja

consentido frisar, desde que aparelhados com efetivo poder de negociação – e

também ao Poder Judiciário.

80 Essa perspectiva é trabalhada por LEITE, Fábio Carvalho. Os valores da livre iniciativa como fundamento do estado brasileiro, In: Direito, Estado e Sociedade, nº 16, Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2000, passim, veja-se, especialmente, p. 81. 81 SADER. Emir. Para outras democracias. In: Democratizar a Democracia: Os Caminhos Da Democracia Participativa. Organizador: SANTOS, Boaventura de Souza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 649- 678. 82 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado social democrático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. In: Revista de Direito Administrativo. Tradução: HECK, Luís Afonso. Vol. 217, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 66.

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Com o Poder Judiciário a atuar de maneira racional e argumentativa,

oxigenam-se os excessos ou as lacunas dos outros poderes sujeitos a lobbies,

acordos, pressões que o dinheiro e as relações de poder proporcionam e que

afetam diretamente direitos do cidadão. O Judiciário tem o munus da pulverização

da atuação desses dois poderes num Estado Democrático tripartite, por via da

reflexão do processo político e pela interpretação constitucional dos direitos

fundamentais. “Se um processo de reflexão entre coletividade, legislador e

tribunal constitucional se estabiliza duradouramente pode ser falado de uma

institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado constitucional

democrático.”83

Portanto, não há democracia sem uma forte estrutura de direitos

fundamentais, já que eles são a base de um Estado de Direito e o Estado de

Direito propicia, simultaneamente, a existência dos direitos fundamentais.84

Note-se que, no Brasil, a dignidade humana é o princípio fundamental

vetor e o maior dos direitos fundamentais, que dá unidade axiológica ao sistema

de direitos humanos derivados dele.85 A dignidade da pessoa humana trata-se do

grande manancial conformado por outros valores essenciais numa democracia e

assentados na Constituição brasileira de 1988: tratam-se da igualdade, da

83 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado social democrático, p. 66. 84 Nesse sentido, PERES LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 19: “O constitucionalismo atual não seria o que é sem os direitos fundamentais. As normas que sancionam o estatuto dos direitos fundamentais, junto àquelas que consagram a forma de Estado e as que estabelecem o sistema econômico, são as decisivas para definir o modelo constitucional de sociedade. Sem que se queira considerar estas três questões como compartimentos estanques, toma-se conta de sua inseparável correlação. Assim, dá-se um estreito nexo de interdependência, genético e funcional, entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, já que o Estado de Direito, para existir, exige e implica garantir os direitos fundamentais, principalmente porque esses exigem e implicam, para sua realização, ao Estado de Direito.” [Traduziu-se livremente do espanhol e se grifou] 85 A abordagem da dignidade como princípio máximo constitucional e fonte dos direitos fundamentais é abordada por vários autores. Cf.: TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a constitucionalização do direito civil, p. 1-22, passim, também BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito, especialmente na p. 61, também BODIN DE MORAES. Maria Celina, O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, p. 109-146, passim, também SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988, p. 81-149, passim; também MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo código civil, In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 69-73, passim.

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liberdade e da solidariedade.86 Esses axiomas são ambivalentes, pois se

apresentam, ao mesmo tempo, como direitos fundamentais e princípios

constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Verifica-se, portanto, que o

arcabouço axiológico dos apótemas da Revolução Francesa insurge como pilar

para a contínua construção de um Estado de Direito democrático.

Embora em sua origem francesa o direito à liberdade tenha sido explorado

principalmente na sua acepção negativa, com a não-intervenção estatal nos

negócios mercantis, é imperioso que, numa democracia também participativa, ele

funcione no seu modelo positivo, como autodeterminação. Assim, liberdade é

atributo da cidadania, que tem como objetivo especial a discussão pública dos

cidadãos acerca de temas afeitos à comunidade em que se inserem. Desse modo,

afigura-se necessária a cultura de debate e deliberação pelos cidadãos do que lhes

diga respeito direto (considerando as especificidades de um grupo, como, por

exemplo, o das pessoas idosas) ou indireto (considerando as demandas de outros

grupos que interessam os primeiros porque ambos convivem na mesma esfera

social, como outros seguimentos da sociedade discutindo, por exemplo, questões

que afetam a qualidade de vida das pessoas idosas). Nesse sentido, liberdade, na

acepção democrática, consubstancia também direito fundamental político, que

garante a participação de todos e que fortalece a cidadania e a legitimidade dos

atos do governo, pois os interessados, diretos e indiretos, participam do processo

deliberativo.87 Revela-se, pois, indispensável uma “cidadania inclusiva”,88 de

modo que o processo de argumentação e deliberação gere inserção social, pela

colaboração de todos os envolvidos, na medida de sua experiência.89

A igualdade, outro ícone da Revolução Francesa, desenvolveu-se naquele

momento só no sentido do homem perante a lei, já que isso se fazia necessário, a 86 Parte-se para análise dos direitos fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade como conteúdos do princípio da dignidade da pessoa humana a partir da colocação de SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, que, na p. 56, explica: “...Na essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa.” 87 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 24. 88 Expressão usada por DAHAL. Robert. Sobre a democracia. Tradução de: SIDOU, Beatriz. Brasília: UNB, 2001, p. 112. 89 Cf. HABERMAS Jürgen. A inclusão do outro. Tradução de: SPEBER, George e SOETHE, Paulo Astor. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 55.

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fim de consolidar o capitalismo, desconsiderando, portanto, desigualdades de fato

sempre existentes.90

Mas atualmente, novas injunções demonstram pluralismo na vida das

pessoas, pois, na alteridade que lhes faz únicas, experimentam realidades diversas,

como a decrescência do vigor físico nas pessoas mais velhas em face da vitalidade

juvenil. Porém, há identidade de todos na sua condição de humanos e é necessário

que, não só, mas também por meio do Estado Democrático, lhes seja garantida

igualdade material em situações de desigualdade substancial.91 Se há algo que une

uma pessoa às outras é sua condição humana. Assim, o sentido de pertencer a uma

comunidade de iguais, ainda que na alteridade, deve fazer com que todos

percebam que ninguém é só e que não se pode estar sempre só. Precisa-se do

outro e outro também precisa de outros tantos até por conta da pluralidade das

pessoas e das atividades exercidas por elas. Nessa medida, é fundamental que

cada ser e que cada agrupamento humano reconheça a necessidade peculiar do

outro, para que a vida social possa se harmonizar e, até mesmo, para que as

pessoas se complementem. Dessa compreensão advém o respeito por

equiparações via determinação legal, por meio de ações afirmativas, de ações de

classe, entre outros instrumentos que visam à igualdade real.92 Em verdade, o bem

feito ao vulnerável é revertido num ambiente social favorável também aos mais 90 O raciocínio elaborado para justificar a igualdade mesmo onde havia desigualdade contratual, especialmente nas relações de trabalho é bem desenvolvido por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 87: “Porque todos os indivíduos são iguais, é possível aplicar-lhes a lei (hipotética, abstracta e geral), mas, simultaneamente, é a lei, com tais características, que assume como iguais os indivíduos, isto é, é porque são iguais à face da lei que são iguais entre si.” 91 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, corrobora com o que se sustenta e acrescenta conceber o princípio da igualdade atrelado não apenas a um Estado de Direito, mas a um Estado Social de Direito, p. 341: “O Estado social é enfim Estado produtor da igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o caso, a prestações positivas; a promover meios; se necessário, para concretizar comandos normativos de isonomia.” Antes, na p. 341, ao expor a importância do princípio da igualdade, diz: “Conduzido para fora das esferas abstratas, o princípio da igualdade, inarredavelmente atado à doutrina do Estado social, já não pode ignorar o fator ideológico nem tampouco as demais considerações de natureza axiológica. Ideologia e valores entram assim a integrar o conceito de igualdade, provocando uma crise para a velha igualdade jurídica do antigo Estado de Direito.” 92 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. (O direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 5: “Essas políticas sociais, que nada são do que tentativa de concretização da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de ‘ação afirmativa’ ou, na terminologia do direito europeu ‘discriminação positiva’.”

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abastados. Basta pensar não só, mas emblematicamente, nas questões de

segurança. Note-se que a exclusão social é, em grande parcela, responsável pela

violência dos pobres contra os ricos, efeito rebote da indiferença desses em

relação àqueles.93

A necessidade de harmonização e a possibilidade de complementação dos

seres humanos advêm de sua própria condição de “animal político”94. Se não é

possível viver sem conviver, torna-se imperiosa a solidariedade nas relações

sociais.95

Nesse contínuo, se os direitos à liberdade e à igualdade apresentam-se

mais antigos, embora essenciais no espaço político democrático, o direito à

solidariedade social, que na Revolução Francesa recebeu o nome de fraternidade,

com forte conteúdo moral e religioso, parece só ter sido valorizado em sua

acepção política no final do século XIX e início do século XX em diante.96 Apesar

disso, atualmente “o discurso solidarista corresponde a uma nova forma jurídico-

política.”97 Já não se pensa mais numa democracia apartada da solidariedade

social, porque “a democracia só pode encontrar sua verdadeira essência em suas

múltiplas forças potenciais. Sua experiência repousa sobre a multiplicidade de

suas faces e no seu caráter pluralista.”98

93 DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 315: “Direta ou indiretamente, a violência se alimenta das desigualdades. E a desigualdade em escala global ampliada e em ritmo acelerado, produzida pela globalização hegemônica neoliberal, expande a exclusão social, a precarização da vida, através da abstenção do Estado da responsabilidade pública social, sendo uma pré-condição para a generalização e da violência.” 94 Expressão consagrada por ARISTÓTELES em, Política. Tradução de: GUIMARÃES, Torrieri. São Paulo: Martins Claret, 2003, p. 14, § 9 da obra de Aristóteles. 95 Mais uma vez torna-se interessante o resgate da Urbs na concepção de espaço público dos dias hodiernos. TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico, explica na p. 170 que: “Os diversos significados que a concepção do espaço público da Urbs faz emergir fortalecem a convicção de ser plural a noção que deles pode se deduzida. O espaço público urbano é um espaço de realização das atividades comunitárias, de natureza política, econômica, jurídica e religiosa, mas é também um espaço de projeção social, de desempenho de determinados ritos, de assunção de certos comportamentos, de busca da solidariedade social.” 96 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 187. 97 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade, p. 187. 98 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade, p. 276.

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Outra faceta do solidarismo, essencial para a construção de uma

democracia de inclusão, está contida no ideal de tolerância. E aqui, apesar das

nuances morais desta virtude, seu enfoque é político. Assim, quando os homens

não são capazes de sentir amor e respeito pela alteridade, resta-lhes fazer uso da

tolerância.99 Desse modo, compreende-se não ser possível exigir que os seres

humanos sintam-se solidários, mas é admissível a exigência de que ajam

solidariamente, de acordo com o Direito posto.100 Portanto, o ato de solidarizar se

impõe, para que a democracia dos Estados de Direito de hoje subsista fortificada

pela inserção global de todos que fazem parte de dada sociedade.101

O processo de inclusão por via da solidariedade aproxima-se também da

igualdade, porque, em vários sentidos “os indivíduos esperam uns dos outros uma

igualdade de tratamento que parte do princípio de que cada pessoa considere cada

uma das outras como ‘um dos nossos’.”102 No âmago do direito à solidariedade,

encontram-se os ideais de proximidade, pertença, comunhão, partilha,

reciprocidade.103 A solidariedade também está relacionada com a liberdade, pois,

99 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução de: BRANDÃO, Eduardo. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 188. 100 Como coloca BODIN DE MORAES, Maria Celina. O princípio da solidariedade. In: Os Princípios da Constituição de 1988. Organizadores: PEIXINHO, Manuel Messias, GUERRA, Isabela Franco, NASCIMENTO FILHO, Firly. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 188, nota 77: “Não se quer exigir que alguém sinta algo de bom pelo outro; apenas que se comporte como se o sentisse. Um único exemplo será o bastante para demonstrar que não há dificuldades em se exigir, não apenas do Pode Público mas também dos particulares, o dever de respeito e solidariedade para com o(s) outro(s). O patrão que dava a seu empregado favorito, além do salário, uma quantia a mais às vésperas das festas natalícias foi, durante algum tempo julgado bondoso, generoso, solidário. O legislador, entendendo que não deveria contar com esse comportamento voluntário, e que devia estendê-lo a todos os empregados, estabeleceu a obrigação de ser solidário aos empregadores, por ocasião do Natal, determinando o pagamento do chamado 13º salário.” 101 Observe-se, nesse particular, as críticas de ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008: “Não obstante a retórica habitual ressalte a velhice, na prática, a mesma é expressão de solidão, abandono e perda. O mesmo acontece em relação à solidariedade, onde se verificam déficits e distorções não só na medida vertical e, portanto, nas políticas públicas que tornem efetiva a cidadania ativa dos idosos, como também no plano horizontal, em que se constata a ausência de diálogo intergeneracional.” 102 HABERMAS Jürgen. A inclusão do outro, p. 42. 103 HÄRBELE, Peter atesta que o Tribunal Constitucional Federal alemão, baseado na Lei Fundamental compreende que a noção de dignidade humana está atrelada à idéia de igual dignidade do outro. Veja-se, a propósito. El estado constitucional. Tradução de: FIX-FIERRO, Héctor. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2001, pp. 171-172: “Os conceitos científico-sociais da identidade comprovam ademais outra idéia jurídica: na dignidade humana se concebe incluída também a relação com o tu. O reconhecimento da ‘igual dignidade humana do outro’ constitui a ponte dogmática em direção a adequação relativa ao tu da dignidade humana [...]

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no “ ‘desenvolvimento como liberdade’, as liberdades instrumentais ligam-se

umas às outras e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral.”104

Mas cabe ressaltar que, nem sempre, solidariedade e liberdade caminham

de mãos dadas. Em certos momentos, para que o direito à solidariedade se

implemente, hão de ser afastadas liberdades negativas e a igualdade no sentido

formal.

Observe-se que o conteúdo de liberdade, de igualdade e de solidariedade

terá expressão mais ou menos restrita quando num caso concreto. Afinal, todos os

vieses de um caso demandam sopesamento, por meio de uma ponderação racional

e coerente.

A partir da Constituição de 1988 e de seu conteúdo democrático e

emancipatório, o Brasil deu passos largos rumo ao desenvolvimento social, de

modo que, em qualquer tempo vindouro, liberdade, igualdade e solidariedade

serão sempre direitos fundamentais no estado pátrio pois compõem o princípio

maior da dignidade da pessoa humana. Firmada a fundamentalidade desses

direitos e princípios do estado democrático, seja consentido frisar não ser possível

que, como direitos, porque fundamentais, jamais se restringirão e de que, como

princípios constitucionais, terão o mesmo nível de intensidade na interpretação de

um caso concreto. Na hipótese de colisão entre eles, haverá balanceamento e um

receberá peso maior que o outro, e este outro será relativamente ou absolutamente

afastado, dependendo do juízo de ponderação e de proporcionalidade exigido em

face da exata situação, concreta ou abstratamente elaborada, sempre em prol da

preponderância do princípio da dignidade humana da pessoa idosa.105 Observe-se

que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre encontrada na ponderação

casuística desses princípios que conformam o seu conteúdo. Porém, o princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana é imponderável.

A referência ao ‘outro’, ao ‘tu’, ao ‘próximo’, ao ‘tu’ e ao ‘irmão’ ( no sentido da fraternidade de 1789), hoje também ‘a irmã’, é uma parte integral do princípio jurídico-fundamental da dignidade humana.” [traduziu-se livremente do espanhol] 104 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 25. 105 Segundo ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Tradução: HECK, Luís Afonso. Vol. 217. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 68, “Não existe catálogo de direitos fundamentais sem colisão de direitos fundamentais e também um tal não pode existir.”

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Diante dessa realidade, percebe-se que “a ponderação como parte de um

exame de proporcionalidade [...] é o problema nuclear da dogmática dos direitos

fundamentais e a razão principal para a abertura dos catálogos de direitos

fundamentais.”106

Cabe ressaltar ainda – pelo fato do que se está prestes a referir incrementar

o exercício da ponderação, tornando-a mais sofisticada – que os ambivalentes

direitos e princípios fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade

possuem no universo contemporâneo, significados polivalentes.

A polivalência da liberdade e da igualdade relaciona-se com seus

múltiplos sentidos: à liberdade negativa, em face da lei, adiciona-se o direito à

liberdade positiva, autodeterminada, que se desenvolve por meio da cidadania

argumentativa e participativa; à igualdade formal de todos perante a lei, alia-se o

direito à igualdade substancial entre os homens, a fim de tornar equânimes suas

oportunidades de desenvolvimento. No mesmo sentido de emancipação social,

agrega-se à liberdade positiva e à igualdade substancial o que se conhece,

hodiernamente, por solidariedade social, que induz à colocação de todos, com

seus argumentos, identidades, alteridades e pluralismos, porque, apesar das

diferenças que separam, a humanidade e a inserção na vida em sociedade impõem

uma aproximação inclusiva dos homens.107

Para arrematar numa palavra: “temos o direito a ser iguais quando a

diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos

descaracteriza.”108

106 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático, p. 63. 107 Baseando-se em Michael Walzer, CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva, p. 88 arremata bem este ponto: “Mas é a tolerância política a regra da democracia. É ela que permite uma confrontação ativa desatas convicções, crenças e engajamentos singulares. Ainda que as identidades sociais sejam irredutíveis a qualquer padrão único ou universal, ainda que o particularismo seja a marca da natureza humana, nada disso inviabiliza uma coexistência humana pacífica. Se o consenso definitivo é inalcançável e se estamos condenados a viver em meio ao conflito, é a tolerância política que faz da política democrática uma atividade permanente. É ela que obriga os indivíduos a argumentar, deliberar e assumir responsabilidades permanentes.” 108 Frase cunhada por SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos, p. 458.

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6.3 Instrumentos Para Assegurar a Eficácia Social dos Direitos da Pessoa Idosa

Com vistas a alcançar para os vulneráveis situação de igualdade

substancial e por meio da solidariedade social, ações afirmativas e de classe

apresentam-se como instrumentos adequados a viabilizar a igualdade dos grupos

sociais em situação de desigualdade de fato. A Política Nacional do Idoso e

Estatuto do Idoso, cujos planos de ação e abertura incentivam o implemento de

outros programas sociais em prol da pessoa idosa, são exemplos de ações

afirmativas com vistas ao direito à igualdade material dos idosos e da superação

de sua marginalização diante da sociedade utilitarista, sobremaneira ocupada com

o custo-benefício, que privilegia a produção, a competitividade, a celeridade, a

eficiência, a bela aparência de tudo que é novo. A velhice, por todas as suas

vicissitudes, aproxima-se de outros valores como a experiência, a sabedoria, a

certeza de não ser possível competir com o processo de envelhecimento, em

virtude da sua naturalidade, porque envelhecer e morrer são inerentes à natureza

do ser humano. 109

Nessa altura, conclama-se o direito à igualdade substantiva, por tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, o que induz ao oferecimento

de oportunidades concretas para os grupos socialmente inferiorizados.110 Num

mundo pluralista como o hodierno, a diversidade é algo comum, haja vista que as

necessidades das pessoas não são as mesmas e também dependem de condições

específicas em que cada agrupamento humano se insere.

Quando as diferenças são reconhecidas também pelo Poder Judiciário

pode-se dizer que ele atua no sentido de promover políticas públicas a partir do

conteúdo de igualdade e de solidariedade que emanam da sua decisão. Ademais,

109 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 343: “Entre produção, eficientismo de um lado e tutela da pessoa do outro, freqüentemente verificam-se confrontos que o sistema tem resolvido a favor do personalismo e em detrimento de uma concepção fundada exclusivamente na análise econômica do direito e sua valoração de custos e benefícios.” [Traduziu-se livremente do italiano] 110 Ensina HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha. Tradução de: HECK, Luís Afonso. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1988, p. 330: “O princípio da igualdade proíbe uma relação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regra igual; a questão é, quais fatos são iguais e por isso não devem ser regulados desigualmente.”

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se sentenças judiciais dão efetividade ao princípio da igualdade material alcança-

se justiça social.111 Assim, é imperioso sejam as pessoas idosas colocadas em

condições ideais de igualdade em relação às jovens para, a um só tempo, obter

acesso universal e igualitário à saúde consoante mandamento constitucional.

Observe-se que, “com o objetivo de colocar todos os membros da sociedade em

condições iguais de competição pelos bens da vida considerados essenciais, faz-se

necessário, muitas vezes, favorecer uns em detrimento de outros.”112

Significa que, em questões de saúde, pessoas idosas tal como crianças e

adolescentes, possuem pelo princípio do seu melhor interesse, tutela prioritária em

face de pessoas de outra faixa etária exatamente pelo fato da compleição

psicofísica e social das últimas se apresentar mais favorecida enquanto a das

primeiras mais frágil. Percebe-se, então, que para se concretizar o princípio de

igualdade, é preciso promovê-la, não por meio de ações reparatórias cujo objeto é

111 Há julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que, efetivando os valores da Constituição brasileira, aplicam o princípio da igualdade para tutelarem, em certas medidas, alguns vulneráveis. Ao analisar o direito à igualdade das pessoas idosas opta por apresentar precedente que concretiza o direito à igualdade substancial julgando correto o incentivo à contratação de pessoas, já não tão jovens, portanto, mais vulneráveis no mercado de trabalho. STF. Ação direta de Inconstitucionalidade n º1276- São Paulo. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Julgada em: 29.08.2002. Publicada no Diário de Justiça em: 29.11.2002. Ementa: “Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o carater extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade, da isonomia...’ Ao que parece, o princípio da igualdade substantiva é que norteou a política emanada do Legislativo e confirmada pelo Judiciário. Também acerca da ilegalidade do limite de idade no concurso de Fiscal de Tributos, STJ. Ação Rescisória nº 1114- Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Felix Ficher. Publicada no Diário de Justiça em:21.10.2002. Ementa: ‘ Ação Rescisória. Acórdão rescindendo proferido em recurso em mandado de segurança. Administrativo. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. Concurso público. Requisitos. Limite de idade. CF, art. 7º, XXX. Não se aplica a Súmula nº 343 do STF, pois a quaestio envolve violação a artigos da Lex Máxima. II - A CF/88, em seu art. 7º, XXX, aplicável aos serrvidores públicos por força do art. 39, § 2º, proíbe a infundada diferenciação na admissão para o serviço público por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil. Hipótese em que o limite máximo de idade de 35 anos fixado para o concurso público para Fiscal de Tributos Estaduais é ilegal por falta de razoável amparo jurídico. Tal exigência não se justifica por não ser indispensável para o bom cumprimento da função a ser exercida. Precedentes. Pedido rescisório procedente.” 112 DA SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Princípio constitucional de igualdade. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 61.

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indenizar um dano legado,113 mas sim por instrumento de ações distributivas, que

objetivam oferecer igualdade de oportunidades às pessoas envelhecidas.114

Parece, portanto, mais fácil convencer a sociedade a solidarizar-se com as

dificuldades de uma etapa da vida que, em princípio, todos hão de passar; o que

não acontece no caso de discriminações positivas em razão de raça, deficiência

psicofísica ou sexualidade. De fato, as conseqüências do envelhecimento a afetar

diretamente as pessoas idosas poderão ser experimentadas por cada ser humano. É

comum também que o sofrimento pela falta de saúde adequada na terceira idade

toque os jovens cujos afetos a vivenciam e contribua para lhes dotar de uma

consciência humanista acerca das dificuldades naturais da idade avançada a ponto

de se conduzir para a efetivação dessas políticas legislativas, que, se não

implementadas nada valem, assim como escritos numa folha de papel que não se

concretizam.115

Se alguns agravos físicos ou psíquico-sociais próprios da velhice são

inexoráveis à condição humana, ações afirmativas consagradas pela Política

Nacional do Idoso e pelo seu Estatuto constituem conquista social brasileira, de

113 No sentido de reparar efeitos cumulativos de discriminações sociais vividas no passado por minorias raciais, étnicas, de crenças religiosas e outros, veja-se DOS SALES SANTOS, Augusto. Ação afirmativa e mérito individual. In: Ações Afirmativas Contra As Desigualdades Raciais. Organizadora: LOBATO, Fátima. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 96. 114 As ações distributivas baseiam-se na compreensão de que o comportamento ético – de um ser humano para com outro – abarca o conteúdo da justiça distributiva conforme postulado por Aristóteles em Ética à Nicômacos. Tradução de: CURY, Mário da Gama. 3 ed. Brasília: UNB, 1985, pp. 96-97: “...O justo nesta acepção é o meio termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional. [...] O justo nesta acepção é portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso um quinhão se torna muito grande e o outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno.” 115 VIEIRA, Oscar Vilhena e DUPREE, A. Scott. Reflexão acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. In: SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, Nº 1, 2004, p. 53: “Concedemos aos outros os direitos que desejamos que nos concedam. Teoricamente, reciprocidade se relaciona com a diferença. Ela nos dá uma razão para esperar que pessoas diferentes necessariamente devam ser tratadas como desejamos ser tratados. Portanto, ouvimos porque queremos ser ouvidos, e respeitamos a propriedade alheia porque queremos assegurar nossa propriedade. A reciprocidade não expressa qualidade transcendental alguma, de bem ou de mal. Ela não implica que assassinato, tortura, fome, analfabetismo e doenças evitáveis sejam maus em si mesmos. Reciprocidade significa que não posso aceitar certas coisas para os outros, a menos que as aceite para mim mesmo.”

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sorte que não se referem a medidas temporárias, mas definitivas, em prol do bem

estar das pessoas idosas.116

Logo, ações afirmativas apresentam-se na forma de instrumentos

promocionais da igualdade substancial para grupos de pessoas vulneráveis que se

afiguram como minorias, como são, no Brasil, os idosos.117 Nesse país é

corriqueiro que, no sentido numérico, “minorias” seja o termo adequado para os

mais abastados de toda ordem.118 Há de atentar, por conseguinte, que aqui o

significado de minorias não quer fazer, necessariamente, alusão ao sentido

numérico do termo.119 O que identifica as minorias para o Direito é o contexto

concreto de vulnerabilidade, de marginalização, ou ainda de discriminação, em

que se encontram os membros de um grupo ou uma pessoa em face das maiorias,

dado pelas situações de desigualdade fática vivenciadas entre elas e não por meras

questões numéricas. Quando se averigua que pessoas ou grupos sofrem por

exclusão social a ponto de necessitarem da afirmação da sua igualdade material,

torna-se possível pensar que se tratam de minorias a necessitar de políticas

públicas que visem à sua emancipação. São, portanto, as situações postas que vão

indicar quem gozará de prerrogativas por meio de ações afirmativas.120

116 Embora dissertando exemplificativamente a respeito de outras minorias, a posição de MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, também defende a existência de políticas afirmativas perenes, p. 60: “É o caso, por exemplo, das comunidades indígenas e de quilombolas, cujas especificações, sobretudo as diretamente relacionadas a sua identificação, saúde, habitat, requerem, por certo, o implemento de programas e políticas governamentais de caráter permanente.” 117 Há autores que preferem o termo discriminação positiva de origem européia, a ação afirmativa, de origem norte-americana como MAGRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira. A despeito da diferença do vernáculo tanto a ação afirmativa quanto a discriminação positiva visam a alcançar, na prática, os mesmos resultados de igualdade de oportunidades para os vulneráveis, marginalizados ou vítimas do preconceito. 118 O mesmo raciocínio é desenvolvido por PIRES, Maria José Morais. A discriminação positiva no direito internacional e europeu dos direitos do homem. In: Revista de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, nºs 63 e 64, 1995, p. 52, referindo-se ao caso da África do sul como o mais flagrante de minorias numéricas corresponde ao grupo dominante naquela sociedade. 119 No mesmo sentido, entre outros tantos, destaca-se MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, p. 82, pela simplicidade e clareza que dá à idéia de minorias: “Na identificação das minorias o critério quantitativo dá lugar a valores qualitativos dá lugar a valores qualitativos, tais como os elementos sociais, econômicos e políticos aos quais s submete o grupo social, tratado de forma desigual e injusta em comparação com os demais membros da sociedade.” 120 MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, p. 64 também elege as pessoas idosas como grupo vulnerável sujeito às políticas afirmativas em virtude de sua saúde encontrar-se fragilizada perante as doenças que acometem principalmente pessoas dessa faixa etária.

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Numa palavra: “...A ação afirmativa tem por finalidade implementar uma

igualdade concreta (igualdade material), no plano fático, que a isonomia

(igualdade formal), por si só, não consegue proporcionar.”121 Portanto, a definição

de ações afirmativas deve abranger o seu caráter político, cujos objetos principais

são a proteção do direito constitucional à igualdade em substância e o afastamento

de vulnerabilidades, discriminações e preconceitos que afetam grupos compostos

por seres humanos considerados minorias, visando também à conscientização

pedagógica de toda a sociedade frente às intoleráveis desigualdades, de modo que

essas, por meio dos procedimentos afirmativos, sejam afastadas e que o

imaginário coletivo as considere mesmo execráveis.122

Para colocar em prática o mecanismo afirmativo, revela-se essencial

determinar quem serão os beneficiários das ações afirmativas e como elas serão

operacionalizadas, de modo a não criar outras marginalizações e novas tiranias de

valores e grupos.123 Desse modo, os programas em prol de minorias não devem

121 DE MENEZES, Paulo Lucena. Ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 29. 122 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, p. 6 e 7: “Concebidas pioneiramente pelo Direito dos Estados Unidos da América, as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de uma caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que sua concepção, implantação e delimitação participam todos os órgão estatais essenciais, aí incluindo-se o Poder Judiciário, que ora se apresenta com o seu tradicional papel de guardião da integridade dos sistema jurídico como um todo, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação. Construção intelectual destinada a viabilizar a harmonia e a paz social, as ações afirmativas, por óbvio, não prescindem da colaboração e da adesão das forças ativas, o que equivale dizer que, para o seu sucesso, é indispensável a ampla conscientização da própria sociedade acerca da absoluta necessidade de se eliminar ou de se reduzir as desigualdades sociais que operam em detrimento das minorias.” 123 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Tradução de: GASCÓN, Marina. Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 125: “Os princípios e os valores devem ser controlados para evitar que, adquirindo caráter absoluto, se convertam em tiranos.” [traduziu-se livremente do espanhol]

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provocar novas discriminações por conta de uma super proteção dos que estavam

antes à margem da igualdade.124

No que toca as pessoas idosas é possível afirmar que sua proteção

privilegiada, a partir da exegese do Estatuto do Idoso imbricada com os princípios

da Constituição da República de 1988, não causa a referida tirania das antigas

minorias. É que, enquanto algumas pessoas idosas morrem, outras alcançam

sessenta anos e passam a fruir da tutela especial atribuída pela Lei. Assim, as

pessoas jovens nunca serão minorias qualitativas que sofrem pelos atributos

conferidos às idosas. Note-se que essas possuem tutela preferencial em face das

jovens por uma questão de necessidade. Atente que, também os jovens, já terão

gozado da intervenção legal no sentido de seu melhor interesse quando crianças e

adolescentes. E não há mais quem diga que o Estatuto dessas últimas fez com que

se tornassem tiranas, porque efetivamente possuem condições de vulnerabilidade

particularíssimas que, depois de determinada idade, cessam-se. A partir de então,

os adolescentes que se tornam jovens terão responsabilidade social para com

idosos que serão um dia, bem como para com crianças e adolescentes que foram.

O importante é cuidar da pessoa humana em suas circunstâncias e na

medida de suas necessidades. Para o direito não importa se o homem inicia sua

vida, encontra-se no meio dela ou no final. A vida está jungida ao princípio

constitucional da dignidade e, para que todos usufruam de igual dignidade social,

determinados instrumentos formulados pelo direito para as fases em que as

vulnerabilidades são imanentes à condição humana, contribuem para o alcance de

igualdade material entre as pessoas na sua alteridade de fato.

Saliente-se, pois, que o tratamento diferenciado na infância, na

adolescência e na velhice é cíclico, de modo que não há possibilidade de se

argumentar que as pessoas idosas exercem tirania em face das mais bem dotadas

de atributos naturais inerentes à juventude. Nesse sentido, “a discriminação

razoável é autorizada e se faz mesmo necessária, sob pena de se esvaziar o

princípio, também constitucional, da igualdade substancial.”125

124 DA SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Princípio constitucional de igualdade, p. 64, afirma que, não se pretende com a ação afirmativa apenas trocar os beneficiários de uma estrutura excludente para, com isso, criar outra, formada agora por aqueles que eram considerados maiorias. 125 TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, Ano 3. v . 10 Abril /Junho/ 2002, p. 155.

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Historicamente, as ações afirmativas objetivavam temas de interesse

público em sentido estrito, como a experiência de haver quotas para negros nas

universidades americanas, a fim de facilitar o acesso de todos à educação, uma

vez que pessoas da raça negra eram – e ainda são – minorias, no sentido de se

apresentarem marginalizadas, discriminadas, numa palavra: vulneráveis em

relação à população de cor branca nos Estados Unidos da América.126

Observa-se, na atualidade, que o mecanismo afirmativo também se

constitui adequado para enfrentar situações privadas nas quais o desequilíbrio

entre as partes não se mostra de interesse coletivo, como, por exemplo, a situação

do sócio minoritário em face dos majoritários em sociedades e associações.127

Esse alargamento de abrangência das ações afirmativas ocorre porque situações de

desigualdade extrema, que atentam contra o princípio da igualdade, podem

126 As pessoas da raça negra também sofrem marginalização e discriminação no Brasil onde já existem ações afirmativas com o intuito de corrigir essas distorções tais como: a Constituição do Estado da Bahia de outubro de 1989 que no seu art. 289 dispõe que sempre que for veiculada publicidade estadual com mais de duas pessoas será assegurada a inclusão de uma da raça negra; projeto de Lei 650/99 que institui ações afirmativas em prol da população brasileira afrodescendente, com ênfase em campanhas educativas; destinação de cota de 20% no preenchimento de cargos e empregos públicos, nos acesso a vagas no curso superior e nos contratos do FIES, no prazo de 50 anos modificação, gratuita e a pedido, do registro civil e certidão de nascimento quanto à cor e características étinicoculturais; projeto de Lei 3.198/2000 que institui o estatuto da igualdade racial, com ênfase nas áreas de saúde, educação, terras de quilombos, do trabalho, dos meios de comunicação, além de e estabelecer sistema de cotas em concursos públicos e uma ouvidoria permanente; portaria 1.156/2001 do Ministério de Estado da Justiça que instituiu o programa de ações afirmativas do Ministério da Justiças, com ênfase no preenchimento de cargos de direção e assessoramento superior , com estabelecimento de metas (porcentagem) de participação de certos grupos como o composto por afrodescendentes; concorrência nº 3/2001 do STF que estabelece em edital a contratação de serviços a observância de 20% de negros e negras no recrutamento e seleção de profissionais pela contratanda; projeto de Lei nº 6.912/2002, que institui ações afirmativas em prol da população brasileira afrodescendente, com destaque para campanhas educativas, incentivo a candidaturas em cargos eletivos; destinação de cotas para o preenchimento de cargos e empregos públicos e no acesso às universidades públicas e privadas; Lei 4.151/2003-RJ, que institui nova disciplina sobre o sistema de cotas para estudantes da rede pública de ensino, negros, minorias étnicas e pessoas com deficiências para o ingresso mas universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro; projeto de Leinº 3.627/2004 com instituição de sistema especial de reserva de vagas para estudantes egressos das escolas públicas, em especial, negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior; Medida provisória 213/2004 que institui o programa universidade para todos, o PROUNI em prol de estudantes brasileiros não portadores de diploma de curso superior, dentre os quais alunos e professores da rede pública, alunos bolsistas da rede privada, pessoas com deficiência, negros e indígenas. Esses dados foram colhidos da obra de MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, pp. 127-129. 127 TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro, p. 138.

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ocorrer nos espaços públicos e privados e os princípios constitucionais incidem,

segundo a melhor doutrina, em relações de natureza pública ou privada. 128

Anote-se que a situação de inferioridade das pessoas idosas encontra-se no

ponto de congruência entre a esfera pública e a privada. Se, no ambiente privado,

os velhos são maltratados ou enganados por sua vulnerabilidade que advém da

idade, não se pode dizer que esse problema contempla uma situação desprovida de

interesse coletivo.

Ao contrário da hipótese de sócios minoritários oprimidos pelos

majoritários nas relações privadas de sociedade ou associação, onde inexiste

interesse coletivo de intervir na situação de desigualdade embora sua equalização

seja adequada pela circunstância de desequilíbrio entre eles,129 nas questões dos

idosos há amplo interesse particular deles mesmos, de sua famílias, mas também

do Estado e da sociedade, posto que, amparar a pessoa idosa é mandamento

constitucional e sua proteção é de interesse público imediato confirmado pela

Política Nacional do Idoso e por seu Estatuto.

Note-se que quando o parágrafo único do art. 3º do Estatuto do Idoso

expõe, exemplificativamente, dos incisos I a VIII, o que compreende a garantia de

prioridade dada à pessoa idosa, refere-se a finalidades cujos contornos serão

desenhados, na prática, por iniciativa de seus sindicatos, do Ministério Público,

das sentenças judiciais, das proposições da sociedade, da comunidade em que se

inserem e também da iniciativa privada.130

128 No sentido da incidência direta dos direitos constitucionais fundamentais nas relações entre privados destaca-se pioneiramente no Brasil TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas, p. 66: “... A proteção dos direitos humanos não mais pode ser perseguida a contento se confinada no âmbito do direito público, sendo possível mesmo aduzir que as pressões do mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem favorecer uma conspícua violação à dignidade da pessoa humana, reclamando por isso mesmo um controle social com fundamento nos valores constitucionais. [...] A constituição da República, ponto de equilíbrio entre as diversas forças políticas nacionais, oferece parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada. Seja por seu caráter compromissório, seja pela maior estabilidade do processo legislativo necessário à sua revisão, seja por sua posição hierárquica no ordenamento jurídico, deve ser utilizada sem qualquer cerimônia pelo operador, aproveitando-se da opção do constituinte pela intervenção nos institutos de direito civil, como propriedade, família, atividade empresarial, relações de consumo.” 129 Nesse sentido os próprios TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro, p. 136. 130 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, p. 41, refere-se às ações afirmativas promovidas por diversos atores sociais: “Tratam-se de mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência

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Afastando-se um pouco da análise das ações afirmativas, mas tendo-as

como pano de fundo, cumpre assinalar que o Estatuto do Idoso possui

mandamentos de índole proibitória, bem como tipifica crimes contra a pessoa

idosa do art. 96 ao art. 109 da Lei, estabelecendo sansões a quem praticá-los,

acrescidos das alterações nos arts. 110, 121, 133, 140, 141, 148, 159, 183, do

Decreto-Lei nº 2.848 de dezembro de 1940, no art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688 de

outubro de 1941, no art. 1º da Lei 9.455 de abril de 1977, no art. 18 da Lei nº

6.368 de outubro de 1976, de acordo com seus arts. 110 a 113. Nesses casos, o

direito funciona como técnica social específica capaz de encorajar condutas lícitas

e desencorajar condutas ilícitas por instrumento do princípio da imputação que

persuade o ser humano a agir de acordo com o dever ser sob pena de sanção

atribuída pela ordem jurídica.

Porém, tanto os enunciados normativos de índole proibitória quanto os que

determinam penalidades aos infratores dos preceitos legais são reduzidos no

referido Estatuto. O que sobreleva nesta Lei e na Lei da Política Nacional do

Idoso são outros enunciados normativos que direcionam para o respeito, a

conscientização e a humanização do Estado, da família, da sociedade, da iniciativa

privada, para as vicissitudes da terceira idade, de modo que, retornando às

políticas afirmativas, afirma-se que elas possuem ainda o condão de levar a

sociedade à reflexão do seu porquê, o que, em última análise, gera críticas ou

aplausos.131 O importante é que a partir de uma ação afirmativa promocional dos

interesses de grupos socialmente inferiorizados, todos são tocados por ela, pois os

debates acerca da sua juridicidade aparecem na mídia, há discussões sobre o tema,

e as comunidades freqüentemente não sabem se ela implanta realmente a justiça

pois privilegia uns em detrimento de outros. O que se quer pontuar é que a

jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.” 131 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, esclarece a importância de as ações afirmativas não possuírem apenas conteúdo proibitivo e relaciona sua natureza multifacetária com a inculcação de novas questões como as anti-discriminatórias no imaginário coletivo, pp. 40-41: “Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral e específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo.”

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experiência de uma ação afirmativa não permite mais a indiferença em relação ao

outro, o que já constitui grande avanço, além de outros em prol da igualdade que a

política afirmativa alcança.132

Com o manancial decorrente dos princípios constitucionais da dignidade

humana, da liberdade positiva, da solidariedade social e da igualdade substancial

o Estatuto do Idoso possui ferramentas para fazer pela pessoa idosa em situações

relacionadas com sua vida e a saúde, muito em prol do dever de amparo extraído

também da Constituição. É que o próprio Estatuto compreende não ser bastante os

princípios e regras instituídos por ele para que as pessoas idosas alcancem

patamar de igualdade social ao qual ele visa. Com os olhos voltados para a

efetivação de suas normas o Estatuto impõe ao Estado a obrigação de “garantir à

pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais

públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de

dignidade.”133 Este mandamento quer que a vida e a saúde dos idosos não seja

tutelada somente quando já violados seus direitos humanos levados, assim, ao

Poder Judiciário para que os salvaguarde de privações ilícitas já ocorridas: a vida

e saúde da pessoa idosa devem ser protegidas prioritariamente por meio da

efetivação dessas políticas públicas e sociais de ação, conscientização e

humanização da sociedade perante sua vulnerabilidade.

Portanto, só pelo implemento de novas políticas públicas prioritárias,

posto que se relacionam com a eficácia social do direito constitucional também

prioritário de assegurar a saúde da pessoa idosa, é que se auferirá o estatuído em

prol da saúde do idoso nos termos do art. 15, § 1º do Estatuto do Idoso. Assim,

para manter e preservar a saúde da pessoa idosa prioritariamente, o Poder Público

132 Uma das mais influentes vozes na defesa do consumidor no Brasil atentou, antes da promulgação do Estatuto do Idoso para a necessidade de se formularem ações afirmativas em benefício da pessoa idosa consumidora de plano de saúde. Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte, p. 222: “Sem querer realizar uma conclusão stricto sensu para este trabalho gostaria, porém, de frisar que este estudo demonstrou de forma inequívoca a importância e a premência da ciência do Direito privado assegurar uma necessária e mínima ‘solidariedade na doença e na morte’ através de uma engenharia mais justa para estes contratos cativos de longa duração, de planos funerários e planos de saúde. A atuação de ‘discriminação positiva’ do consumidor idoso ainda é pequena no Brasil e o Direito do consumidor representa apenas um aspecto das necessidades de ações afirmativas em favor dos idosos na sociedade brasileira. Esperamos que o sistema jurídico brasileiro, em especial o Estado-legislador e o Estado-executivo, possam realizar as necessárias ‘ações afirmativas’ para a proteção do consumidor idoso...” 133 Art. 9º da Lei nº 10. 741 de outubro de 2003.

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deverá, entre outras ações: cadastrar a população idosa em base territorial, efetivar

o atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios, criar unidades

geriátricas de referência com pessoal especializado nas áreas de geriatria e

gerontologia social, propiciar ao idoso atendimento domiciliar, incluindo

internação nos meios urbano e rural, possibilitar a reabilitação orientada pela

geriatria e pela gerontologia no intuito de reduzir seqüelas decorrentes de agravo,

além de legislar acerca do atendimento especializado que terão os idosos

portadores de deficiência ou com limitação incapacitante, como ordena a Lei.

No seguimento da análise dos mecanismos democráticos que visam a

assegurar o direito à igualdade substantiva das pessoas idosas, também as ações

de classe devem ser apreciadas.

Observam-se, na tradição constitucional dos Estados Unidos da América,

movimentos do povo, de maneira direta, no exercício do poder político e, nesse

contexto, inclui-se a class action.134

A class action norte-americana ainda pode ser definida como: “o

procedimento em que uma pessoa, considerada individualmente, ou um pequeno

grupo de pessoas, enquanto tal, passa a representar um grupo maior ou classe de

pessoas, desde que compartilhem, entre si, um interesse comum.”135 Relata-se que

a origem das class actions norte americanas remonta ao Direito inglês do século

XVII136, do chamado Bill of Peace que possibilitava, por instrumento da

representatividade, propor ou sofrer ações provenientes de um interesse comum,

portanto, cujo número de representados era tão grande que inibia ações

individuais.

134 PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos Relevantes da tutela coletiva dos consumidores no direito italiano em face do direito comunitário europeu: ‘class actions’ norte-americanas e a experiência brasileira. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n 38. Abril/ Junho/2001, p. 48: “um dos institutos fundamentais do processo civil norte-americano, fundada sob a igualdade, pressupõe de fato a existência de um número elevado de titulares em posições individuais de vantagem sobre o plano substancial, permitindo um tratamento processual unitário e simultâneo em razão da presença em juízo de um único expoente da classe.” 135 BUENO, Cássio Sacarpinella. As class actions norte americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta, p. 93. 136 Nesse sentido, ALVIM, Arruda. A ação civil pública – sua evolução normativa significou crescimento em prol da proteção às situações coletivas. In: A Ação Civil Pública Após 20 anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75.

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No Brasil, as influências das class actions têm incidência na averiguação

das possibilidades do mandado de segurança coletivo e da ação civil pública

assegurarem igualdade para todos os membros de determinada classe a pleitear

judicialmente a tutela de um interesse comum.137

Para parte da doutrina que tenta fazer um paralelo identificando os pontos

em comum da class action e do mandado de segurança coletivo brasileiro138, seria

possível ampliar seu sentido de modo que a expressão, entidade de classe, fosse

entendida como “qualquer coletividade de pessoas que se reunam em torno de

objetivos comuns, exatamente no sentido que a common law confere às class

actions.”139

Esta proposta retrata modo plausível para o julgamento de questões que

dizem respeito a grupos que, notadamente, não possuem instrumentos adequados

de acesso à justiça por meio dos quais postulem seus interesses específicos. O

mandado de segurança coletivo, interpretado desse modo extenso, poderia tutelar

esses grupos de cidadãos vulneráveis, funcionando como meio de acesso à justiça

e, simultaneamente, à democracia de inclusão.

Por outro lado, distintos posicionamentos doutrinários identificam na Lei

da Ação Civil Pública, nº 7. 347 de 24 de julho de 1985, com os acréscimos que

lhe conferiram a Constituição da República de 1988 e o Código de Defesa do

Consumidor de 1990, similaridade em relação às class actions norte-americanas,

no sentido de ambas buscarem a tutela coletiva e o acesso à justiça com

efetividade.140

137 BUENO, Cássio Sacarpinella. As class actions norte americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta. In: Revista de Processo. Ano 21, nº 82, Abril/ julho/1996, p. 96: “Parece que pode ser afirmado, neste contexto, que o vetor da igualdade justifica este tratamento como ação coletiva: com uma penada, estará definida qual a situação normativa que deve ser a prevalecente.” 138 Cf. definição do art. 5º . LXX – “O Mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interessasses dos seus membros ou associados”

139 PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos Relevantes da tutela coletiva dos consumidores no direito italiano em face do direito comunitário europeu, p. 61. 140 Assim, MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: Ação Civil Pública – 15 anos. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais/2001, p. 717: “A ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class action brasileira.” Também

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Portanto, a tutela coletiva de direitos no Brasil inspirada nas class actions

for damages norte-americanas, está presente na Lei nº 7. 347, que disciplina as

ações civis públicas, na Constituição da República de 1988, em seu art. 129, III,

ao tratar da proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos; no Código de Defesa do Consumidor de 1990,

especialmente em seus arts. 81, 82, 87, 90, 91 a 100; no Estatuto da Criança e do

Adolescente de 1990, constando dos arts. 208 a 224 e também no Estatuto do

Idoso de 2003, em seus arts. 78 a 92.

Os interesses concernentes à saúde e qualidade de vida das pessoas idosas

consubstanciam direitos sociais e são agasalhados não só pelos arts. 6º e 196 ao

200 da Constituição da República, mas pelo mandamento constitucional do art.

230, que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever amparar os idosos

assegurando sua participação na comunidade também por meio das ações de

classes por danos ou ameaças de danos coletivos que estejam a sofrer.141 O dever

de amparo extraído do referido dispositivo constitucional refere-se abertamente à

preservação da dignidade e do bem estar das pessoas idosas, além da garantia do

seu direito à vida.

Numa sociedade onde o risco prevalece num meio ambiente depredado

pela selvageria do capitalismo, em contratos de prestação de saúde onde, via de

regra, há cláusulas adesivas de conteúdo abusivo, só discutidas quando o

contratante vulnerável necessita do serviço de saúde; onde esses mesmos pactos

GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir o aceso à justiça com efetividade. In: A Ação Civil Pública Após 20 anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 29. 141 Observe que a doutrina concebe a ação civil pública como instrumento para a implementação de políticas públicas e utiliza do mesmo vocábulo atribuído à ação afirmativa, qual seja, discriminação positiva, para se referir ao direito processual que visa ao acesso coletivo à justiça quando em jogo interesses comuns. Nesse sentido, MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: A Ação Civil Pública Após 20 Anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 560: “Como sabemos, o direito processual coletivo moderno alterou tais regras admitindo a tutela de interesses transindividuais, de grupos (não apenas individuais) por órgãos representativos, assegurando discriminações positivas visando à efetividade do acesso à justiça e redefinindo os limites da coisa julgada e ampliando o papel ativo do juiz na condução do processo.” [grifou-se] Adiante, na p. 565, baseando em princípios de índole social e acordos de solidariedade o autor assevera: “... A ação civil pública se tornou um instrumento de política e de influência na gestão de políticas públicas e que, em grande medida, o meio da sua operacionalização se realiza e vivifica por meio de regras de julgamento fundadas em princípios gerais de direito. Significa também que ela se torna um instrumento de luta política, informada e formadora da opinião pública, e não apenas da implementação de direitos patrimoniais.”

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são realizados em massa, numa celeridade que implica um consentimento

hesitante do consumidor e que cabe exatamente na rapidez em que todas as

situações contratuais de consumo se dão na sociedade de massas, há, certamente, a

necessidade de uma tutela coletiva que proteja os vulneráveis, e mais ainda, os

hiper vulneráveis, que nem possuem condições de se aperceber do caráter ilícito

dos atos atentatórios ao meio ambiente ou à justiça contratual.

Noutros casos, se os hiper vulneráveis se dão conta da injustiça contra si,

mas não sabem como litigar ou não possuem condições econômico-sociais para

fazê-lo, há mais um argumento em favor da justiça coletiva que beneficia todas

essas pessoas fragilizadas pelas leis do mercado, sem que elas precisem acessar

individualmente o Poder Judiciário.142 Nesse sentido, a eficácia social da tutela

jurisdicional coletiva na sociedade massificada encontra-se intimamente ligada ao

acesso coletivo à justiça e à instrumentalidade do processo, seu instrumento

catalisador.143

Outro argumento em prol da justiça coletiva está ligado à extensa

legitimidade que lhe é atribuída. O Estatuto do Idoso, seguindo copiosa legislação

que permeia tanto a Lei das Ações Civis Públicas, quanto o Código de Defesa do

Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente empresta, não só ao

Ministério Público que tem a tutela coletiva como uma de suas funções

institucionais, conforme inciso III do art. 129 da Constituição da República, mas

também concorrentemente, na forma de seu art. 81, à União, aos Estados ao

Distrito Federal, aos Municípios, à Ordem dos Advogados do Brasil bem como às

associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os

seus fins institucionais a defesa dos direitos e interesses da pessoa idosa,

legitimidade para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos,

individuais indisponíveis ou homogêneos.

Manifestação pioneira em seus argumentos foi proferida pelo Superior

Tribunal de Justiça acerca da legitimidade do Ministério Público para propor ação

civil pública em favor da saúde da pessoa idosa, direito individual indisponível:

142 Nesse sentido, CAPPELLETTI, Mauro. A tutela dos interesses difusos. Tradução de: AZEVEDO, Tupinambá Pinto. In: Revista Ajuris, nº 33, s. d., p. 169-182. 143 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, passim.

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“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART 127 DA CF/88. ESTATUTO DO IDOSO. DIREITO À SAÚDE. 1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com pedido de tutela antecipada, objetivando que o Estado do Rio Grande do Sul fornecesse medicamento à pessoa idosa, sob pena de multa diária. 2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor de menor, o fornecimento de medicamento. 3. Deveras o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 5. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 27 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 7. Sob esse enfoque, se destaca a Constituição Federal no art. 230: ‘A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida.’ Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129). 8. O direito à saúde, esculpido na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 9. Outrossim, o art. 74, inc. III, da lei 10.741/2003 revela a autorização legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como ‘substituição processual’. 10. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ admite ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052/RS, Ministro HUMBERTO MARTINS, DJ 17.08.2006; REsp 822712/RS, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.04.2006; REsp 819010/SP, Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 02.05.2006). 11. O direito á saúde assegurado ao idoso é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts, 2º, 3º e 15, § 2º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), senão vejamos: Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual, e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à

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cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (...) Art. 15 É assegurada atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. § 1º (...) § 2º Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. 12. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Estadual.”144

Esse posicionamento tem sido corroborado por decisão mais recente do

mesmo tribunal cuja ementa sucintamente assevera:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDICAÇÃO NECESSÁRIA AO TRATAMENTO DE SAÚDE. IDOSO. LEI 10.741/2003. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. 1. O STJ, recentemente, pacificou entendimento de que o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direito individual indisponível à saúde do idoso. 2. Recurso especial provido.”145

Note-se que, de acordo coma Lei, não só o Ministério público possui

legitimidade para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos,

individuais indisponíveis ou homogêneos. Tome-se em conta que a abrangência

da legitimidade conferida aos movimentos em prol da pessoa idosa possui caráter

inclusivo e democrático, pois os interessados diretos em sua tutela judicial, ou

seja, elas mesmas por intermédio das associações que as representam, poderão

pleitear em juízo, inclusive com maior conhecimento de causa, as necessidades do

seu corpo coletivo, de acordo com suas demandas peculiares.146 Sem

desconsiderar a importância de ações visando à tutela de direitos individuais

144 STJ. Recurso Especial nº 851.174- RS (2006/0104574-3). Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: 24.10.2006. 145 STJ. Recurso Especial nº 878.960-SP (2006/0187015-1). Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Município de Santos. Segunda Turma. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Julgado em: 21.08.2007. 146 No mesmo sentido, GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir o aceso à justiça com efetividade, p. 31.

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indisponíveis de um idoso, faz-se importante salientar que parecem ainda mais

vantajosas ações visando à tutela de interesses coletivos das pessoas idosas.

Observe-se que as ações de classe propostas por sindicatos de idosos ou

entidades que visam à sua proteção pleiteiam judicialmente direitos fundamentais

de natureza coletiva, e, também por isso, de ordem social, de modo que, se tais

demandas judiciais forem julgadas favoravelmente a dada política pública em prol

da pessoa idosa tal precedente fará também política nesse sentido.147

Ademais, o art. 82 do Estatuto do Idoso dispõe que: “para a defesa dos

interesses e direitos protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de

ações pertinentes” o que corrobora o princípio norteador do melhor interesse da

pessoa idosa.148

Para finalizar, considera-se pertinente a seguinte observação:

“O Estatuto do Idoso, por si só, não é suficiente para concretizar e fazer cumprir as suas determinações, o que significa que cada vez mais o movimento social dos idosos, tendo estes como verdadeiros atores e protagonistas coletivos, deverá empenhar-se na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais e pela cidadania. Enfim, essas conquistas só serão plenamente alcançadas se revertermos a participação tutelada do idoso para uma proposta de cidadania emancipada, onde o idoso se torne verdadeiramente a(u)tor protagonista – ‘sujeito testemunha’ – de sua própria história, com a co-participação de toda a sociedade, sem que os idosos dependam que se lute por eles, mas que estejamos aliados na luta com eles.”149

147 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, registra na p. 742 o reconhecimento da judiciabilidade das políticas públicas. 148 Nesse sentido, DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A tutela coletiva e o estatuto do idoso. In: Revista da Emerj, nº 32, vol. 8/2005, p. 194: “O legislador quer deixar bastante claro que está disposto a defender o interesse dos idosos a qualquer custo. Não se deve obstar, portanto, com o amparo nesse dispositivo legal, qualquer argumento formal ou de natureza procedimental, devendo o juiz fazer uso do princípio da fungibilidade em prol do idoso. E mais, havendo dúvida, quer nos parecer que a interpretação deve ser sempre favorável ao idoso.” 149 PAZ, Serafim Fortes. Movimentos sociais: participação dos idosos. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 249-250.

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7 Conclusões

As conclusões desse trabalho foram expostas ao longo do seu

desenvolvimento, por meio dos argumentos sustentados. Nesse momento

pretende-se compilá-las de maneira resumida no intuito de dar arremate às idéias

centrais defendidas.

1ª Considera-se juridicamente vulnerável todo ser humano com idade igual

ou maior que 60 (sessenta) anos. Da vulnerabilidade de fato da pessoa idosa, por

intrínsecas e peculiares condições de fragilidade física, psíquica ou social, decorre

sua vulnerabilidade jurídica. A vulnerabilidade jurídica da pessoa idosa é razão

para a Lei atribuir igualdade substancial, por meio de direitos especiais, onde há

desigualdade de fato. Todavia, a vulnerabilidade dos anciãos não se coaduna com

a restrição dos seus direitos de personalidade e da sua capacidade de fato, que

permanecem incólumes.

2ª Apesar de haver várias teorias biológicas e psicológicas acerca do

envelhecimento humano, o que torna impossível um conceito homogêneo de

idoso; muito embora parte da doutrina já tenha se manifestado pouco à vontade

com a determinação da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso,

destinados a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou

superior a 60 (sessenta) anos, com o receio de cometer injustiças a partir da

fixação de um critério meramente cronológico, pensa-se que, na seara legal, não

estabelecer um marco para o início do gozo de direitos especiais em função da

velhice seria mais problemático. A falta de uma determinação legal de quem seja

idoso para os fins da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso daria azo a

subjetivismos de toda ordem, o que acabaria por privilegiar uns em detrimento de

outros, diante das novas legislações de cunho protecionista da pessoa idosa. O

critério adotado pela Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso parece

adequado posto que, além de informado por estudos da Organização Mundial de

Saúde a respeito do envelhecimento, coadunar-se com a técnica legislativa

brasileira de fixar a idade para o exercício de certos direitos e deveres compatíveis

com um determinado corte etário.

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3ª O idoso doente possui vulnerabilidade exacerbada, razão pela qual deve

ser adequadamente informado sobre as intervenções nos domínios de seu corpo e

mente a fim de optar pelo tratamento que lhe for reputado mais favorável. A

informação acerca do tratamento proposto para o doente idoso será adequada se

levar em conta também as vulnerabilidades oriundas de seu estado de saúde.

Serão determinantes dos procedimentos médicos, as vontades manifestadas pelo

idoso absolutamente e relativamente capaz, desde que assistido. O idoso incapaz

será representado pelas pessoas a que o parágrafo único do art. 17 do Estatuto do

Idoso faz referência.

Diante de doença terminal, defende-se a possibilidade de o idoso optar por

tratamentos paliativos que não posterguem sua vida de maneira fútil, mas, ainda

que ele queira, não há que deixá-lo doente sem qualquer tipo de tratamento para o

alívio das dores e dos mal estares. Na certeza de doença incurável, o direito deve

dar preponderância à qualidade de vida da pessoa idosa em relação à quantidade,

aplicando-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana no ambiente

privado. Porém, se o paciente idoso prefere a distanásia, é direito seu ter acesso a

ela, pelo mesmo princípio da dignidade da pessoa humana, que lhe dota de poder

de autodeterminação.

Só a supremacia dos interesses coletivos limitará o exercício do

consentimento informado do doente idoso em caso de ele ser portador de

enfermidade transmissível a outras pessoas.

4ª Proclamar saúde de acordo com o critério da Organização Mundial de

Saúde: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social além da ausência

de afecção ou doença” parece utópico na terceira idade, pois – ressalvados casos

raros de anciãos a gozar da saúde referida, que deverá ser preservada pela

Medicina e pelo Direito – comumente faz parte do envelhecimento um processo

biológico intrínseco, declinante e universal, no qual se podem reconhecer marcas

físicas e fisiológicas inerentes, não mais possíveis de apagar.

Na maioria dos casos, considera-se mantido o estado de saúde da pessoa

idosa em termos médicos e jurídicos se, apesar de possuir determinada afecção,

ela experimenta qualidade de vida, capacidade funcional e preservação de sua

autonomia.

5ª Dentre os direitos fundamentais de todas as pessoas, a saúde desponta

como direito de natureza prioritária da pessoa quando idosa. Identifica-se a saúde

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como direito prioritário da pessoa idosa por três motivos. Em primeiro lugar, pela

freqüência e pela rapidez em que, na terceira idade, a saúde se esvai; tornando o

idoso mais suscetível aos agravos psicofísicos e ao alijamento social que colocam

em xeque a vida saudável, sem a qual não há uma existência envolta pela

dignidade. Em segundo lugar, pelo fato de o direito à saúde – aliado aos direitos à

previdência ou à assistência e à moradia, todos de índole fundamental social –

funcionar como pressuposto para que se exercitem outros direitos dos idosos,

tanto individuais, quanto sociais. Em terceiro lugar, pela necessidade de se

conferir às pessoas idosas prioridade no acesso à saúde em face de direitos

concorrentes da mesma estirpe de pessoas de outras faixas etárias, em virtude da

menor capacidade de resistência do idoso para aguardar o tratamento de saúde.

6ª O art. 12 do Estatuto do Idoso inaugura uma nova regra de prestação de

alimentos às pessoas idosas a fim de melhor protegê-las.

Enquanto o Código Civil, em seu art. 1.696, determina que a obrigação

alimentícia recai, entre ascendentes e descendentes, nos parentes mais próximos

em grau e o art. 1.697 complementa que, só na falta de ascendentes a obrigação

alimentar caberá aos descendentes, de acordo com a ordem de sucessão e também

que, só na falta dos descendentes, a obrigação caberá aos irmãos; o referido art. 12

dispõe que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os

prestadores.”

Desse modo, o idoso é senhor da opção de acionar o cônjuge ou o parente

melhor abastado como seu alimentante para que obtenha, o mais brevemente

possível e com maior certeza, a prestação da qual necessita sem justificar por que.

De certo modo, o alimentante também resulta beneficiado por esta regra,

pois não sofrerá grave prejuízo em sua fortuna já que, contrariamente ao regime

de alimentos do Código Civil em que não cabe solidariedade, na forma proposta

pelo Estatuto do Idoso ela consta instituída entre pais, filhos, netos, irmãos e

cônjuge. Portanto, o alimentante poderá, na forma do art. 283 do Código Civil,

usar de seu direito de regresso em face dos demais devedores solidários.

7ª Critica-se a inexistência de um conceito legal de idoso no Brasil, o que

dá ao legislador o arbítrio de fixar a idade que queira para a aferição dos direitos

da pessoa idosa sem um critério científico que justifique porque aquela idade foi

escolhida para o início da fruição de determinado direito. Esta situação merece

críticas mais severas quando impõe uma idade acima dos 60 (sessenta) anos para

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o gozo da assistência social por pessoa idosa não só vulnerabilizada em razão da

idade, mas também em razão de sua condição miserável, na forma do art. 34 do

Estatuto do Idoso.

8ª Todos os diversos direitos atribuídos aos idosos devem ser

constantemente perseguidos pelo Direito. Compreende-se que o gozo de outros

direitos contribuem para que o idoso aufira condições ainda mais saudáveis de

vida. Entretanto, em circunstâncias extremas, esses outros direitos podem até

faltar, mas a saúde, no sentido oposto ao da doença, não. Sem saúde não há vida

em condições mínimas de dignidade para o idoso, razão pela qual se reafirma que

ela é direito prioritário da pessoa idosa.

9ª O direito de amparo da pessoa idosa previsto pelo art. 230 da

Constituição da República brasileira, pelo seu conteúdo de significado e por sua

relevância atual, pode ser equiparado aos direitos fundamentais e ter, em seu

favor, o mesmo tratamento destinado a esses pela interpretação do art. 5º, § 2º da

Constituição, já que objetivo desse artigo é o de expandir e aperfeiçoar o catálogo

de direitos fundamentais por meio do critério da atipicidade.

10ª A discussão sobre princípios é relativamente recente, iniciada no

segundo quartel do século passado. Desse modo, o Direito ainda não alcançou

homogeneidade na definição de princípios e se encontra em desenvolvimento a

construção dos seus significados e das suas possibilidades de aplicação na

interpretação jurídica. Portanto, mesmo que suscetíveis à crítica, as proposições

acerca dos princípios apresentadas nesse trabalho, contêm critérios desenvolvidos

pelos teóricos a direcionar o intérprete na visualização e na aplicação dos

princípios, haja vista a necessidade inarredável de encontrá-los no âmbito do

ordenamento e de aplicá-los na tarefa de interpretação do Direito dos dias atuais.

11ª Três princípios podem ser extraídos da interpretação do Estatuto do

Idoso iluminada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: os

sub-princípios da proteção integral do idoso e da absoluta prioridade outorgada ao

idoso que conformam o princípio do melhor interesse do idoso.

12ª O princípio do melhor interesse do idoso constitui critério teleológico-

objetivo da interpretação a justificar a tomada de decisões em benefício do idoso,

possui dimensão de peso, a qual ganhará relevância no sopesamento com outros

princípios que com ele colidam, apresenta-se na modalidade de comando de

otimização, ou seja, ordena que o melhor interesse do idoso se realize na maior

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medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas dadas por um

caso concreto ou formuladas em abstrato que envolvam o idoso. O referido

princípio possui como qualidade a determinação da realização de um fim

juridicamente relevante, o melhor interesse do idoso, que só será realizado se

adotado certo comportamento: sua interpretação e aplicação demandam avaliação

da correlação entre o estado de coisas colocado como fim – o melhor interesse do

idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como necessária, isto é, a

efetividade do princípio na prática.

13ª O sub-princípio da proteção integral e o sub-princípio da absoluta

prioridade consubstanciam um só princípio: o do melhor interesse do idoso. Isso

ocorre porque os princípios precisam, para se realizar, de uma concretização

através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio.

Mas o princípio do melhor interesse do idoso é a idéia diretiva que serve de base a

estes sub-princípios. Assim, da mesma forma que a proteção integral e a absoluta

prioridade compõem o princípio do melhor interesse do idoso, este indica a

direção dessa proteção e dessa prioridade, num movimento de junção de

significados que gera uma acepção compatibilizada: a pessoa idosa faz jus à tutela

integral e prioritária de acordo com seu melhor interesse.

14ª A regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil de que “é obrigatório o

regime da separação de bens no casamento de pessoa maior de 60 (sessenta) anos”

contraria o princípio do melhor interesse do idoso, na medida em que contraria o

sub-princípio da sua proteção integral por desrespeitar sua capacidade de fato e o

desenvolvimento livre de sua personalidade nas decisões acerca de sua vida

privada. O princípio do melhor interesse do idoso, extraído de Lei posterior ao

Código Civil e especialíssima na tutela do idoso ilumina a interpretação acerca

dos interesses dessa pessoa incidindo em face Lei ordinária anterior. Na

ponderação da referida regra do Código Civil com o arcabouço axiológico do

princípio do melhor interesse do idoso – que visa a preservar a saúde física e

mental do idoso, além de seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e

social em condições de liberdade e dignidade – prevalecerá esse que, em última

análise, tutela a integridade psíquica do idoso, substrato de seu direito à saúde,

tornando, pois, inválida a regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil.

Ademais, a normativa constitucional, hierarquicamente superior às leis

ordinárias, elege como objetivo fundamental da República promover o bem de

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todos, sem preconceitos de idade, na forma do art. 3º, inciso IV, razão derradeira

pela qual se defende a invalidade da regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil,

por sua inconstitucionalidade.

Com base nessa assertiva também se considera materialmente

inconstitucional e, por conseqüência, inválido, o dispositivo do art. 40, § 1º, inciso

II, da própria Constituição da República ao prescrever que o idoso, quando

servidor público, terá de se aposentar, compulsoriamente, aos setenta anos.

15ª Os direitos das crianças, dos adolescentes e dos idosos, conforme se

extrai das legislações pátrias, possuem várias aproximações. O princípio do

melhor interesse do idoso se constrói em analogia com o princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente, porque crianças, adolescentes e idosos

compartem a mesma característica que os particulariza: a vulnerabilidade jurídica

em razão da idade.

16ª Os princípios do melhor interesse da criança, do adolescente e do idoso

são construções doutrinárias extraídas do art. 5º, § 2º da Carta Constitucional, mas

provêm de momentos diferentes do mesmo dispositivo. O princípio do melhor

interesse das crianças e dos adolescentes decorre de tratado internacional

ratificado pelo Brasil. O princípio do melhor interesse do idoso decorre da não

exclusão de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios

adotados pela Constituição. Compreende-se que o princípio do melhor interesse

do idoso é garantia de proteção das pessoas idosas, decorrente do princípio da

dignidade da pessoa humana idosa em sua unicidade de ser encanecido e,

portanto, recepcionado pelo art. 5º, § 2º da Constituição.

17ª A Constituição da República dispõe em seu art. 227 que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Note-se que o dispositivo constitucional não faz referência à absoluta

prioridade do idoso no gozo desses direitos. Mas, se pela interpretação do art. 5°,

parágrafo 2º da Constituição exsurge o princípio do melhor interesse do idoso, do

qual a absoluta prioridade é sub-princípio, resta claro que a Constituição também

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acampa a absoluta prioridade como princípio fundamental a favorecer o idoso na

interpretação jurídica.

Destarte, em caso de colisão de interesses atrelados a crianças,

adolescentes e a idosos, há de ser feita criteriosa ponderação dos direitos e dos

valores resguardados pelos princípios atribuídos a ambos, a fim de se decidir, de

acordo com as especificidades do caso concreto, quem gozará da absoluta

prioridade. Nesse estudo, sobreleva a decisão de quem gozará da absoluta

prioridade no acesso à saúde a partir de um caso concreto.

18ª As dimensões dos direitos civis e políticos e as dos direitos sociais,

econômicos e culturais se intercruzam de modo que a satisfação dos primeiros não

obsta a dos segundos e vice versa. Ambos consubstanciam direitos de índole

fundamental. Não só os direitos sociais demandam ações positivas do Estado, pois

os civis e políticos também requerem atuações dessa natureza.

A diferença entre direitos civis e políticos e direitos sociais prestacionais

consiste no fato de que os custos dos segundos destinam-se às obrigações estatais

distributivas, que visam ao alcance da justiça social, como ocorre na prestação

pública do direito à saúde às pessoas idosas.

19ª Ciente da posição doutrinária que não considera os direitos sociais

legítimos direitos fundamentais, defende-se tese oposta: os direitos sociais são

direitos fundamentais porque princípios do Estado de Direito que fazem parte do

núcleo do constitucionalismo hodierno a possibilitar que as pessoas aufiram um

grau de humanização cabível no momento histórico atual. Os direitos sociais – por

sua fundamentabilidade – possuem um núcleo irredutível, isto é, um limite ao

alvedrio do legislador, por constituírem prestações sem as quais os indivíduos não

podem sequer desenvolver sua liberdade. A liberdade é o principal argumento em

favor dos direitos sociais, pois a liberdade jurídica, para fazer ou deixar de fazer

algo, não possui qualquer valor se não acompanhada da liberdade real (fática), de

eleger o que fazer dentro do que se permite. Tal liberdade depende,

essencialmente, de prestações estatais.

A Constituição brasileira de 1988 trata dos direitos sociais no seu Título II,

que cuida dos direitos e garantias fundamentais, portanto, eleva-os à posição de

legítimos direitos fundamentais. A saúde é direito social fundamental previsto

pelo art. 6º, caput da Constituição da República.

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20ª A teoria da “reserva do possível” para os direitos a prestações estatais

trata-se da principal objeção apresentada pela doutrina à sindicabilidade dos

direitos sociais fundamentais perante o Poder Judiciário. Parte da doutrina

compreende que a judicialização de questões concernentes aos direitos

prestacionais gera deslocamento da política social do parlamento, responsável

pela destinação orçamentária, para os tribunais.

Defende-se que, embora de acordo com o princípio da divisão de poderes e

com o regime democrático adotado pelo Estado brasileiro a atribuição de decidir

acerca do conteúdo dos direitos fundamentais seja do legislador diretamente

legitimado pelo povo, cabe aos Tribunais o papel de deliberar de acordo com o

que o legislador originário já tenha decidido, principalmente em nível

constitucional, se provocado.

Por conseguinte, o critério da viabilidade orçamentária baseado na teoria

da “reserva do possível” poderá ser relativizado quando a querela jurisdicional

envolver a saúde da pessoa humana, direito constitucional fundamental cuja

eficácia – a preservação da integridade psicofísica da pessoa – depende de

condições materiais que devem ser oferecidas pelo Estado, mesmo que por

mandamento do Poder Judiciário.

21ª Defende-se que a destinação de um “mínimo existencial” para os

direitos sociais não os enfraquece. Pelo contrário, ela aumenta as chances de que

os desprovidos de condições de obtê-los por si, os recebam na estatura do

essencial, com garantia de que sejam prestados com a máxima eficácia e sem

desperdícios. Contudo, o “mínimo existencial” tem sua extensão maximizada na

medida da essencialidade do bem prestado pelo Estado porque sua substância é

parte do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, em

matéria de saúde da pessoa idosa, direito de ordem prioritária e componente do

teor do princípio da dignidade da pessoa humana, o “mínimo existencial” é,

evidentemente, alargado.

Cabe asseverar que a transferência da dogmática do “mínimo social” para

o Brasil, aqui desenvolvido pela doutrina como “mínimo existencial”, abarcando

apenas os direitos sociais – dentre eles o direito à saúde – não parece de todo

acertada, pois não há juristas que defendam que dificuldades orçamentárias

possam restringir a um mínimo existencial a consecução dos direitos

fundamentais de primeira dimensão que também podem ser custosos.

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22ª Os direitos sociais do art. 6º da Constituição da República, entre os

quais se destaca o direito à saúde, estão sujeitos à aplicabilidade imediata dos

direitos individuais previstos no rol do art. 5º da Constituição, por também

conformarem direitos fundamentais.

23ª O art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso determina que: “Incumbe ao Poder

Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de

uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao

tratamento, habilitação e reabilitação”, razão pela qual não há motivo para que as

decisões judiciais justifiquem a procedência de tais reclamos da pessoa idosa por

conta da sua pobreza.

A Lei decidiu por conceder aos anciãos a prerrogativa de obter tais

recursos por intermédio do Estado, independentemente de sua condição

financeira. Aliás, o acesso à justiça só se justifica no caso da negativa do Poder

Público de fazer o que a Lei lhe atribui. Portanto, é direito de todo idoso requerer

ao Poder Público que lhe forneça, gratuitamente, medicamentos, especialmente os

de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao

tratamento, habilitação e reabilitação.

A desigualdade de fato dos idosos é a principal motivação do tratamento

jurídico diferenciado em seu favor, que se constitui por meio desse tipo de política

pública.

24ª Os contratos de planos de saúde são regidos pela Lei 9.656 de 1988,

porém, como se tratam de contratos de consumo em que o fornecedor é a

operadora do plano e consumidor o segurado, rege-se também pelo Código de

Defesa do Consumidor. Todavia, a Lei de planos de saúde prescreve em seu art.

35-G: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de

produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei

8.078, de 1990”. Ora! Se as relações travadas entre as partes são relações de

consumo, o Código de Defesa do Consumidor não se aplica subsidiariamente.

Essa regra padece de inconstitucionalidade na medida em que a defesa do

consumidor é direito de índole fundamental, promovido pelo Estado na forma de

lei específica, consoante art. 5º, inciso XXXII da Carta Magna brasileira. O

Código do Consumidor, como Lei especialíssima na tutela de todas as relações de

consumo, aplica-se prioritariamente aos contratos entre usuários e operadoras de

planos de saúde e a Lei que os rege, também se aplica imediatamente em suas

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especificidades, desde que não contrarie o referido Código. Outra interpretação

feriria o titular de um direito fundamentalíssimo de ser defendido e protegido,

tutelado ainda pelo art. 170, inciso V, da Constituição da República, como

princípio da ordem econômica e financeira; previsto muito antes de a Lei 8.078,

de 1990 entrar em vigor, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias da aludida Constituição.

Portanto, em caso de antinomia entre os mandamentos da Lei de planos de

saúde e os princípios ou as regras do Código de Defesa do Consumidor,

prevalecerão os enunciados normativos do segundo, que regem todas as relações

de consumo, haja vista sua ordem hierárquica superior, posto que oriundos de

mandamento constitucional que incide com superioridade defronte às legislações

setoriais.

25ª Apesar da desigualdade material entre o consumidor de um plano de

saúde e seu respectivo fornecedor a iniciativa privada que põe tais planos à

disposição dos consumidores terá sua autonomia reduzida, posto que subordinada

à jusfundamentalidade do direito à saúde. Trata-se da tutela objetiva dos direitos

fundamentais, instituída para além da tutela subjetiva que cuida de identificar as

pretensões do indivíduo contra o Estado.

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais exige que o Poder Público

não só se abstenha de lesar direitos fundamentais, mas ainda que proteja aqueles

que podem sofrer danos dessa ordem por agressões vindas de terceiros como as

operadoras dos planos de saúde.

26ª Nos contratos de planos de saúde o consumidor idoso busca um bem

fundamental para si: a proteção da sua saúde, direito de ordem prioritária na

velhice, razão pela qual, nesses casos, a tutela do Estado para o alcance desse

objeto deve ser a mais incisiva.

Se a saúde não tivesse a qualidade de essencial para a pessoa, ou seja, se

fosse supérflua, menor seria o intervencionismo estatal na relação privada. Mas,

quanto mais essencial for o bem da vida sujeito a uma situação relacional, mais

vulnerável também se encontra o consumidor, pois necessita dele. Quando se tem

necessidade vital de um produto ou de um serviço, a pessoa humana não está livre

para prescindir de tal bem. Por isso, entre outros fatores como a hiper

vulnerabilidade jurídica do idoso, o dirigismo estatal apresenta-se intenso nas

relações entre privados nas quais a prestação da saúde é o objeto do contrato.

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Em um pacto cujo objeto é a prestação da saúde a um ser humano idoso

proporcionada pela livre iniciativa propõe-se, diante da incidência dos princípios

nas relações interprivadas, que se dê menos intensidade ao princípio da liberdade

negativa e da igualdade formal, nos quais se baseia a livre iniciativa, e, da mesma

forma, menor densidade ao princípio infraconstitucional da autonomia privada,

que, por sua vez, rege com primazia, as relações contratuais onde há igualdade

entre os contraentes. Parte-se, para tanto, do seguinte entendimento: quando não

há, em essência, igualdade entre os contraentes, terão proeminência os princípios

fundamentais da igualdade substancial e da solidariedade social na interpretação

de um caso concreto.

27ª A saúde é direito fundamental social. Dada a fundamentalidade ao

direito à saúde, é permitido aos atores sociais que exercem a livre iniciativa a

obtenção lucro, considerando, contudo, que seus benefícios econômicos nesse tipo

de negócio se reduzem pelos matizes existenciais do direito à saúde, estreitamente

ligados às condições de vida do ser humano e ao princípio maior da sua

dignidade.

Nesse sentido remonta-se também ao fundamento constitucional da livre

iniciativa que se encontra nos valores sociais que ela provê. Ao tratar-se de

obrigação contraída pelo consumidor de pagar periodicamente para que sua saúde

seja assistida por um ator privado, o valor social da livre iniciativa encontra-se

exatamente na prestação do sinalagma contratual, ou seja, o direito à saúde, que,

além de fundamental é, nesses casos, o próprio objeto do contrato. O exercício da

atividade econômica deve atentar não só para os lucros que visa a auferir, mas

também para o alcance das necessidades existenciais e das expectativas esperadas

em razão do tipo de atividade que executa, pois, quanto mais proteção

constitucional recebem tanto o objeto de um contrato quanto o titular do direito

subjetivo, tal como a pessoa idosa, mais atenta deve estar a livre iniciativa para

que atinja os valores sociais, que a torna também merecedora da tutela

constitucional.

28ª Os princípios constitucionais fundamentais da igualdade substancial e

da solidariedade social informam o princípio infraconstitucional do equilíbrio

contratual, procurando tutelar a parte vulnerável da relação travada. A equalização

das prestações trata-se de um mecanismo que visa à proteção da parte mais fraca.

Dá-se, portanto, ênfase ao tratamento paritário entre contratantes materialmente

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desiguais em detrimento da liberdade negativa de ambos. Cuida-se, nesse

diapasão, de se fazer justiça no conteúdo do contrato por meio não mais da

liberdade desmedida e da autonomia das vontades não situada no caso concreto,

mas de reconhecer que, onde há diferenças, torna-se necessário que se busque o

equilíbrio para se alcançar o direito justo nas relações contratuais. O dirigismo do

Poder Público na esfera privada realiza-se, muitas vezes, pelo reconhecimento da

lesão no conteúdo do contrato, fazendo com que pactos onde vigoravam a

desigualdade no conteúdo das prestações sejam revistos de modo que se viabilize

o reequilíbrio contratual em prol da pessoa idosa como demonstraram vários casos

analisados.

29ª Pelo fato de o consumidor idoso ter reconhecidas suas condições

intrínsecas de inferioridade de vigor físico e, muitas vezes, até de embaraço social,

recebe tutela privilegiada na forma da Lei, que incide sobre as relações privadas

de toda ordem, e não poderá, pelo amparo legal que lhe é auferido, ser afastado do

acesso à saúde privada. Na forma do art. 14 da Lei dos planos privados de

assistência à saúde ninguém poderá, por motivo de idade, ser impedido de

participar do contrato.

Com o Estatuto do Idoso, as pessoas idosas passaram também, pela

exegese do art. 15, § 3º, a estar protegidas contra a cobrança de valores

diferenciados pelos planos de saúde em razão da idade nas prestações periódicas

que realizam, pelo fato de essa prática revelar-se discriminatória, portanto,

vedada.

Contudo, é certo que pessoas idosas adoecem mais e usam mais do plano

que as pessoas jovens. Por isso, se reconhece vivamente nos planos de saúde o

elemento da solidariedade, que abarca a mutualidade, mas está além dela, pois

possui valor moral que implica cooperação da população jovem que compõe o

plano diante das idosas, respeitando e concretizando o princípio de seu melhor

interesse.

30ª O art. 15 § 3º do Estatuto do Idoso disciplina: “É vedada a

discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores

diferenciados em razão da idade.”

Isto posto, tem-se discutido a aplicação dessa regra do Estatuto do Idoso

nos pactos anteriores a ele que previam reajustes de contraprestações pecuniárias

por mudança de faixa etária. O vértice da questão encontra-se no entendimento de

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alguns intérpretes de que, aplicado o Estatuto a esses contratos, haveria

retroatividade da Lei que protege o idoso, o que ofenderia o princípio da

irretroatividade das leis adotado pelo Brasil no art. 5º, inciso XXXVI, da

Constituição da República e no art. 6º e incisos da Lei 4.657 de 1942, conhecida

como Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

Defende-se que aplicar o estabelecido no art. 15, § 3º do Estatuto do Idoso

a prestações de trato sucessivo não faz com que a Lei prejudique o ato jurídico

perfeito. Compõem a categoria de atos jurídicos perfeitos todos aqueles que se

realizaram antes da vigência do Estatuto do Idoso, os quais a Lei nova não visa a

abarcar. Porém, ao completar 60 anos de idade, o consumidor de planos de saúde

será discriminado e ferido, tanto no dever de amparo de ordem constitucional

fundamental que lhe é assegurado, como no princípio do seu melhor interesse, se

lhe cobram diferenciadamente e em razão da idade, as novas contraprestações

pecuniárias que se estabelecem sob a vigência da nova Lei de ordem pública e

reconhecido interesse social, mesmo que anteriormente a ela tenha-se pactuado de

modo diverso.

31ª Concebe-se, atualmente, diminuída a extensão do princípio da

autonomia privada pelos interesses de cunho social que estejam em jogo e, nesse

diapasão, pode-se afirmar que, cada vez mais, a autonomia privada deve ser vista

também numa perspectiva funcional.

O poder de contratar, como expressão da autonomia privada, segue

funcionalizado às situações jurídicas existenciais que venha a estabelecer, com

destaque para as operações contratuais cujo objeto é a prestação da saúde, situação

digna da máxima tutela. Desse modo, a função social do contrato trazida a lume

pelo Código Civil, insere-se no movimento de funcionalização dos direitos

subjetivos que não mais representam apenas o facultas agendi, um poder

assegurado pela ordem jurídica. O direito subjetivo não é mais expressão ilimitada

do poder individual, capaz de se exercer com o sacrifício dos outros indivíduos ou

de maneira absoluta.

A função de um contrato de plano de saúde realizado com a pessoa idosa

consiste em garantir adequadamente o acesso ao bem existencial que

consubstancia a saúde. A utilidade existencial desse bem contratado com idosos

apresenta-se como critério relevante no exame das questões contratuais. Portanto,

o eixo para se alcançar a função social do contrato de objeto existencial encontra-

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se na adequada prestação do bem da vida de que trata o ajuste. Esse raciocínio

parte da idéia de que a função social do contrato também se realiza de maneira

intrínseca, intersubjetiva, ou entre as partes.

Apesar de a função social do contrato constar de formulação recente,

positivada pelo art. 421 do Código Civil brasileiro de 2002, cujos contornos

demandam ainda muito trabalho da doutrina e dos Tribunais, defende-se, a priori,

que a função social do contrato consubstancia um princípio infraconstitucional,

portanto, um mandado de otimização onde o vocábulo função remete a um poder

de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em poder do

próprio titular e o adjetivo social diz respeito a um interesse socialmente útil, no

caso de contratos de planos de saúde pactuados com a pessoa idosa, de uma

utilidade existencial baseada na essencialidade de seu objeto, necessário à garantia

da dignidade da pessoa humana.

32ª A boa-fé objetiva também consubstancia um princípio, mandado de

otimização do dever de informar adequadamente a pessoa idosa e se apresenta

como essencial nos contratos de plano de saúde visto que, sobrelevam nesses

ajustes, a causa fim do contrato e a necessária proteção contra condutas que firam

o direito desse consumidor especial – hiper vulnerável em questões relacionadas à

assistência privada de sua saúde e mais suscetível às práticas emocionais e

agressivas de venda – de estar plenamente ciente de todas as condições do ajuste

celebrado, para que não se deixe enganar e aufira a necessária tutela jurídica do

seu direito fundamental prioritário à saúde na esfera privada.

33ª A obviedade de que o Estatuto do Idoso apresenta avanço legislativo

nas questões referentes aos direitos das pessoas idosas não pode encobrir a

necessidade de se desenvolver uma dogmática a partir dele, voltada especialmente

para a eficácia social de seu conteúdo normativo, especialmente no cuidado em

que o Poder Público e a Iniciativa Privada devem destinar à saúde da pessoa

idosa.

Considera-se errôneo supor que a vigência de uma Lei, por si, faça com

que ela seja efetivada em sua amplitude teleológica e sistemática em prol das

pessoas idosas. Note-se que tal grupo vulnerável mereceu específica atenção em

sede legislativa pela evidente marginalidade na qual se encontra e a promulgação

da citada Lei é fruto de movimentos sociais que visam, também por intermédio do

Direito, a inclusão para esse segmento da população brasileira. Objetiva-se que,

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por meio do Estatuto do Idoso afinado com os princípios constitucionais da

dignidade da pessoa humana, da cidadania, da liberdade positiva, da igualdade

material e da solidariedade social, outras ações sejam implementadas nas esperas

públicas e privadas em busca da emancipação jurídico-social da pessoa idosa.

34ª A partir do resgate teórico grego e republicano, propõe-se o debate

público, por via da cidadania participativa dos idosos e das associações que os

representam, acerca dos valores de uma sociedade que deve tender não para o

individuocentrismo, mas para o homem imerso numa esfera humanista e plural.

Nesse ambiente, faz-se obrigatório não apenas existir, mas coexistir e, nesse

sentido, cooperar, colaborar, compartilhar e participar por meio da cidadania,

visando ao desenvolvimento e à emancipação da coletividade em geral e dos

grupos vulneráveis na sociedade contemporânea marcada por diferenças de toda

ordem.

35ª A partir do legado da tradição liberal sustenta-se que liberdade e o

poder de autodeterminação dos homens mostram-se indispensáveis para o seu

desenvolvimento e o alcance de melhores condições de vida para si próprios e

para a coletividade de que fazem parte. Não pode haver crescimento baseado na

escravidão e na opressão, porque seres humanos desenvolvem preferencialmente

seus dons e aptidões num ambiente onde possuam ferramentas para que,

efetivamente, possam ousar experimentar, criar, por meio da liberdade positiva. O

regime democrático também favorece o desenvolvimento social e, aliando o

princípio da liberdade aos princípios democráticos da cidadania e da soberania

popular, os povos podem, paulatinamente, conseguir avanços em prol de uma

democracia cada vez mais forte em legitimidade, com vistas também a assegurar

os direitos fundamentais constitucionais. Dentre tais, o direito à saúde de índole

social, é condição para o exercício do direito da liberdade no exercício da

cidadania. No que tange especialmente às pessoas idosas, a preservação de sua

saúde, mais do que para as jovens, garante sua participação na vida pública, pois

se a idade, por si, já fragiliza o corpo idoso, incapacita esse corpo se doente.

Assim, até para que as pessoas idosas possam reivindicar melhores condições de

saúde para si, é necessário que elas gozem de saúde, sob pena de estarem

definitivamente afastadas do exercício da cidadania, o que fere, em última análise,

o direito à liberdade.

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36ª Liberdade, igualdade e solidariedade são direitos fundamentais e

princípios fundamentais no Estado brasileiro e compõem o princípio maior da

dignidade da pessoa humana. Todavia, não é possível que, como direitos, porque

fundamentais, jamais se restrinjam e que, como princípios constitucionais, tenham

o mesmo nível de intensidade em qualquer interpretação. Na hipótese de colisão

entre eles, haverá balanceamento e um receberá peso maior que o outro, e este

outro será relativamente ou absolutamente afastado, dependendo do juízo de

ponderação e de proporcionalidade exigido em face da exata situação, concreta ou

abstratamente elaborada. A fim de alcançar a necessária preponderância do princípio da dignidade

humana da pessoa idosa num caso concreto, sempre se estará ponderando

liberdade, igualdade e solidariedade. Observe-se que a dignidade da pessoa

humana deve ser sempre encontrada na ponderação casuística desses princípios

que conformam o seu conteúdo. Porém, o princípio fundamental da dignidade da

pessoa humana é imponderável.

Os ambivalentes direitos e princípios fundamentais da liberdade e da

igualdade possuem, no universo contemporâneo, significados polivalentes. A

polivalência da liberdade e da igualdade relaciona-se com seus múltiplos sentidos:

à liberdade negativa, em face da lei, adiciona-se o direito à liberdade positiva,

autodeterminada, que se desenvolve por meio da cidadania argumentativa e

participativa; à igualdade formal de todos perante a lei, alia-se o direito à

igualdade substancial entre os homens, a fim de tornar equânimes suas

oportunidades de desenvolvimento. No mesmo sentido de emancipação social,

agrega-se à liberdade positiva e à igualdade substancial o que se conhece,

hodiernamente, por solidariedade social, que induz à colocação de todos, com

seus argumentos, identidades, alteridades e pluralismos, porque, apesar das

diferenças que separam, a humanidade e a inserção na vida em sociedade impõem

uma aproximação inclusiva dos homens.

37ª Com o manancial decorrente dos princípios constitucionais da

liberdade positiva, da solidariedade social e da igualdade substancial, sempre

guiados pelo princípio maior da dignidade da pessoa humana, que se aplicam

infraconstitucionalmente na interpretação de casos concretos a envolver a pessoa

idosa, o Estatuto do Idoso possui ferramentas para fazer por ela, em situações

relacionadas à saúde, muito em prol do dever de amparo extraído também da

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Constituição. É que o próprio Estatuto compreende não ser bastante os princípios

e regras instituídos por ele para que as pessoas idosas alcancem patamar de

igualdade social ao qual ele visa. Com os olhos voltados para a efetivação de suas

normas o Estatuto impõe ao Estado a obrigação de “garantir à pessoa idosa a

proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que

permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.” Este

mandamento quer que a vida e a saúde dos idosos não seja tutelada somente

quando já violados seus direitos humanos levados, assim, ao Poder Judiciário para

que os salvaguarde de privações ilícitas já ocorridas. A vida e saúde da pessoa

idosa devem ser protegidas prioritariamente por meio da efetivação de políticas

públicas e sociais de ação, conscientização e humanização da sociedade perante

sua vulnerabilidade.

Portanto, só pelo implemento de novas políticas públicas prioritárias, por

intermédio de ações afirmativas, posto que se relacionam com a eficácia social do

direito constitucional também prioritário de assegurar a saúde da pessoa idosa, é

que se auferirá o estatuído em prol da saúde do idoso nos termos do art. 15, § 1º,

do seu Estatuto. Assim, para manter e preservar o direito à saúde da pessoa idosa

de ordem prioritária, o Poder Público deverá, também com prioridade: cadastrar a

população idosa em base territorial, efetivar o atendimento geriátrico e

gerontológico em ambulatórios, criar unidades geriátricas de referência com

pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social, propiciar ao

idoso atendimento domiciliar, incluindo internação nos meios urbano e rural,

possibilitar a reabilitação orientada pela geriatria e pela gerontologia no intuito de

reduzir seqüelas decorrentes de agravo, além de legislar acerca do atendimento

especializado que terão os idosos portadores de deficiência ou com limitação

incapacitante, como ordena a Lei.

38ª O Estatuto do Idoso, seguindo copiosa legislação que permeia tanto a

Lei das Ações Civis Públicas, quanto o Código de Defesa do Consumidor e o

Estatuto da Criança e do Adolescente empresta, não só ao Ministério Público que

tem a tutela coletiva como uma de suas funções institucionais, conforme inciso III

do art. 129 da Constituição da República, mas também concorrentemente, na

forma de seu art. 81, à União, aos Estados ao Distrito Federal, aos Municípios, à

Ordem dos Advogados do Brasil bem como às associações legalmente

constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os seus fins institucionais

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a defesa dos direitos e interesses da pessoa idosa, legitimidade para as ações cíveis

fundadas em seus interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou

homogêneos, como instrumento democrático de persecução da efetividade dos

direitos da pessoa idosa, dentre eles, do seu direito à saúde, de ordem prioritária.

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