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O DIREITO ALIMENTAR CULTURAL QUILOMBOLA: O EXEMPLO KALUNGA DIAS, Vercilene Francisco 1 Palavras-Chave: Direito Alimentar Cultural., Quilombola Kalunga., Insegurança Alimentar. Resumo: Este artigo tem como esboço apontar de que maneira as políticas de segurança alimentar, adotadas pelo Estado contra a insegurança alimentar na Comunidade quilombola Kalunga, introduz na comunidade alimentos que, altera sua cultura e hábitos alimentares e viola de forma sutil seus direitos alimentares culturais, ao simplesmente introduzir esses alimentos, sem ao menos consulta-los. Assim como a insegurança alimentar parte do princípio do direito a alimentação adequada, como norma de Direitos Humanos, o respeito a cultura alimentar também deve prisma por esse mesmo princípio, pois, estudos demostra que há um vínculo fundamental, de seus modos alimentares com sua identidade cultural. Devendo o estado assegurar e respeitar como direito fundamental garantido, prezando sempre, pela soberania alimentar. A construção do pensamento exposto deriva do método qualitativo, uma vez que analisa a cultura alimentar da comunidade remanescente do Quilombo Kalunga, situada nos municípios de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre de Goiás, da experiência empírica de vivência da autora, que sempre esteve presente na comunidade com sua família, na prática, na “labuta” do povo Kalunga, em defesa de seus Direitos territoriais, culturais e respeito ao seu modo de ser e viver, plantar e colher. INTRODUÇÃO: A ideia de produzir um artigo que tratasse da questão dos direitos alimentar cultural das populações quilombolas, a ter como exemplo a Comunidade Quilombola Kalunga surgiu a partir de discussões no decorrer das aulas de Direito Agroalimentar, Territorialidades e Processos de Desenvolvimento. Percebi em meio a discursão, o quanto temos nossos direitos culturais alimentar violados todos os dias sem ao menos serem consultados sobre o que desejamos comer. Esta violação ocorre de forma sutil, silenciosa que até mesmo a própria comunidade não consegue entender sua essência, porém não tão sutil, que não seja capaz de ser percebido pela comunidade e alunos das escolas Kalunga, que as vezes preferem passar fome do que se alimentar com a merenda escolar que é distribuída pelo Estado. Assim como a segurança alimentar parte do principio do direito a alimentação adequada, como norma de Direitos Humanos, como bem diz MANIGLIA, 2009, p. 18, a garantia dos direitos alimentares culturais dos povos quilombolas também teve ser tratado como princípios de Direitos Humanos, pois a insegurança alimentar deve ser combatida, mas os direitos culturais de alimentação desses povos, devem ser assegurados e respeitados. Sabemos que a insegurança alimentar é um problema com dimensões globais, que tem como principal fator a pobreza, por dificultar acesso aos alimentos e aos meios 1 Mestranda em Direito Agrário pela UFG. Diplomada em Estudo Internacional em Litígio Estratégico em Direito Indígena pela PUC do Peru. Advogada Popular. Remanescente da Comunidade Quilombola Kalunga. E-mail: [email protected]

O DIREITO ALIMENTAR CULTURAL QUILOMBOLA: O ......No terceiro tópico, faz uma abordagem geral dos hábitos e cultura alimentar Kalunga, apresentando os principais alimentos produzidos

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O DIREITO ALIMENTAR CULTURAL QUILOMBOLA: O EXEMPLO KALUNGA

DIAS, Vercilene Francisco1

Palavras-Chave: Direito Alimentar Cultural., Quilombola Kalunga., Insegurança Alimentar. Resumo: Este artigo tem como esboço apontar de que maneira as políticas de segurança alimentar, adotadas pelo Estado contra a insegurança alimentar na Comunidade quilombola Kalunga, introduz na comunidade alimentos que, altera sua cultura e hábitos alimentares e viola de forma sutil seus direitos alimentares culturais, ao simplesmente introduzir esses alimentos, sem ao menos consulta-los. Assim como a insegurança alimentar parte do princípio do direito a alimentação adequada, como norma de Direitos Humanos, o respeito a cultura alimentar também deve prisma por esse mesmo princípio, pois, estudos demostra que há um vínculo fundamental, de seus modos alimentares com sua identidade cultural. Devendo o estado assegurar e respeitar como direito fundamental garantido, prezando sempre, pela soberania alimentar. A construção do pensamento exposto deriva do método qualitativo, uma vez que analisa a cultura alimentar da comunidade remanescente do Quilombo Kalunga, situada nos municípios de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre de Goiás, da experiência empírica de vivência da autora, que sempre esteve presente na comunidade com sua família, na prática, na “labuta” do povo Kalunga, em defesa de seus Direitos territoriais, culturais e respeito ao seu modo de ser e viver, plantar e colher.

INTRODUÇÃO: A ideia de produzir um artigo que tratasse da questão dos direitos alimentar cultural das populações quilombolas, a ter como exemplo a Comunidade Quilombola Kalunga surgiu a partir de discussões no decorrer das aulas de Direito Agroalimentar, Territorialidades e Processos de Desenvolvimento. Percebi em meio a discursão, o quanto temos nossos direitos culturais alimentar violados todos os dias sem ao menos serem consultados sobre o que desejamos comer. Esta violação ocorre de forma sutil, silenciosa que até mesmo a própria comunidade não consegue entender sua essência, porém não tão sutil, que não seja capaz de ser percebido pela comunidade e alunos das escolas Kalunga, que as vezes preferem passar fome do que se alimentar com a merenda escolar que é distribuída pelo Estado. Assim como a segurança alimentar parte do principio do direito a alimentação adequada, como norma de Direitos Humanos, como bem diz MANIGLIA, 2009, p. 18, a garantia dos direitos alimentares culturais dos povos quilombolas também teve ser tratado como princípios de Direitos Humanos, pois a insegurança alimentar deve ser combatida, mas os direitos culturais de alimentação desses povos, devem ser assegurados e respeitados. Sabemos que a insegurança alimentar é um problema com dimensões globais, que tem como principal fator a pobreza, por dificultar acesso aos alimentos e aos meios

1Mestranda em Direito Agrário pela UFG. Diplomada em Estudo Internacional em Litígio Estratégico em Direito

Indígena pela PUC do Peru. Advogada Popular. Remanescente da Comunidade Quilombola Kalunga. E-mail:

[email protected]

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de produção, e impedir o cumprimento de um direito básico, que é a alimentação (CARVALHO e SILVA, 2013, p. 2). A construção do pensamento exposto é deriva do método dedutivo, de vivência da autora, que sempre esteve presente na comunidade com sua família, na prática, na “labutata” do povo Kalunga, na busca pelos seus Direitos territoriais, culturais e respeito ao seu modo de ser e viver, plantar e colher. Autora esta que presenciou as mudanças ocorridas na comunidade e hoje tenta entender esse fenômeno. O primeiro tópico do artigo, em apertada síntese, traz uma contextualização histórica acerca da formação da Comunidade Quilombola Kalunga, resistência, origem, reconhecimento e tombamento como Sitio Histórico Cultural Kalunga, assim bem, como o conceito de quilombo. No segundo tópico, nominado os Kalunga, traz o conceito e origem o preconceito a aceitação do nome Kalunga, apresentando as pluralidade e religiosidade da cultura povo Kalunga, exercida através das festividades, a luta pelo reconhecimento territorial, extensão territorial e composição continua a representar um espaço de resistência. No terceiro tópico, faz uma abordagem geral dos hábitos e cultura alimentar Kalunga, apresentando os principais alimentos produzidos e consumidos na comunidade, seu jeito de ser, plantar, produzir e viver culturalmente. No quarto e último tópico, discute acerca dos direitos culturais alimentar Kalunga, e algumas das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional presentes na comunidade atualmente. A justificativa da escolha do tema, também se deu pela trajetória da autora, que hoje busca através da pesquisa entender, as mudanças sociais, culturais, territoriais existente na sua comunidade Kalunga. O método utilizado deriva de pesquisa qualitativa, uma vez que analisa a cultura alimentar da comunidade remanescente do Quilombo Kalunga, situada nos municípios de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre de Goiás, da experiência empírica de vivência da autora, que sempre esteve presente na comunidade com sua família, na prática, na “labuta” do povo Kalunga, em defesa de seus Direitos territoriais, culturais e respeito ao seu modo de ser e viver, plantar e colher

1. A COMUNIDADE QUILOMBOLA KALUNGA

A comunidade quilombola Kalunga, remota de mais ou menos por volta de 1722, com a chegada do Bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva e seus escravos na região, para a exploração das minas de Goiazes. Foi em 1722, quando Bartolomeu Bueno, o Anhangüera, e João da Silva Ortiz fecharam o ciclo bandeirante, com a ocupação das terras centrais – que surgiu o Estado de Goiás, em pleno ciclo do ouro e da garimpagem. Utilizados como mão de obra escrava, os negros andavam cansados da submissão e dos castigos sofridos na exploração das "Minas dos Goyazes". Muitos fugiram, escondendo-se na mata, entre serras, num local de difícil acesso. A partir daí é que deu inicio a formação do quilombos, no município de Cavalcante, na região conhecida como Morro do Chapéu (hoje município de Monte Alegre), formando assim o povo Kalunga nessas regiões. ( COSTA, 2013, p. 14).

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Após algumas revoltas propostas pelos escravizados, eles saíram da fazenda e refugiaram-se nos lugares mais remotos que conseguiram chegar, entre os vãos, que se tornaram uma barreira protetora, formando naquela terra,que mais tarde se constituiria no território quilombola Kalunga, primeiro na região do Vão de Alma e posteriormente, com o crescimento da população e busca de espaço para plantio para sua subsistência o quilombo se expandiu para outras regiões. Assim, formada na região da Chapada serrado brasileiro cercado por milhares de cerras e morros “enrte vãos” e rios o que facilitou seu isolamento, formando ali pequenos agrupamentos de famílias, desenvolveu uma cultura própria, de religiosidade, festividades e a pratica do plantio, uma agricultura de subsistência policultura o uso de plantas medicinais, pratica herdada de seus antepassados.

Vivendo isolados, o meio para sobreviver era plantado e colhendo seu próprio alimento de subsistência, plantavam de tudo que pudesse vir a se produzir e servisse para o consumo ou troca, criava galinha e caçavam, até por volta de 1982, quando se iniciou o contato pela Universidade Federal de Goiás, através da antropóloga Mari de Nasaré Baiocchi com o povo Kalunga, por meio do projeto denominado Kalunga - Povo da Terra.

No ano de 1991 foi reconhecida pelo estado de Goiás com Sitio Histórico e Patrimônio da Humanidade, por meio da Lei Complementar Estadual nº11.409 de janeiro de 1991. Conforme Artigo 1º da Lei;

Constitui patrimônio cultural e sítio de valor histórico a área de terras situada nos

vãos das Serras do Moleque, de Almas, da Contenda Calunga e Córrego Ribeirão dos Bois, nos Municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, no Estado de Goiás, conforme estabelecem o § 5º do art. 216 da Constituição Federal e o art. 163, itens I e IV, § 2º, da Constituição do Estado de Goiás” (GOIÁS, 1991).

Hoje é uma das maiores riquezas do povo Kalunga, que abrigam mais de 20

comunidades nativas.

Com mais de 20 comunidades nativas que preservam uma cultura remanescente dos quilombolas, o Sítio Histórico do Patrimônio Cultural Kalunga é uma das maiores riquezas culturais do município de Cavalcante. Dentro do Quilombo são quatro os núcleos dos Kalungas: Vão de Almas, Vão do Moleque, Ribeirão dos Bois e Contenda. (COSTA, 2013, p. 16).

A primeira comunidade Quilombola de Goiás a ser certificada, está localizada geograficamente na região noroeste de Goiás distribuída em três Municípios, Cavalcante Teresina e Monte Alegre, formando o Sítio Histórico Kalunga e abriga a maior Comunidade Quilombola do Brasil, possuindo uma área de mais de 263 mil hectares, com cerca de 900 famílias, aproximadamente 5 mil habitantes Quilombolas Kalunga, que é composta por negros, que descendem de pessoas que foram escravizadas que resistiram ao processo escravagista e alforriados, liberto que se juntaram e formaram o Quilombo. Foge as origem o significado do nome Quilombo, porem alguns antropólogos e

historiadores descrevem e conceituam Quilombo como uma regiões de difícil acesso habitadas por negros que foram escravizados e resistiram a escravidão, formaram pequenos grupos que viviam em coletividade, “quilombo era toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em partes despovoada, ainda

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que não tenha ranchos levantados nem se achem pilões neles”(MOURA, p.16,1987).

Hoje apesar de algumas Comunidades ainda ser de difícil acesso, todas são acessíveis, seja por barcos ou a cavalo, acessos esse que veio com a visibilidade da situação em que se encontravam a população Kalaunga que viviam em situação de extrema pobreza e desamparo estatal. 2. OS KALUNGAS

A origem do nome da Comunidade se deu entre os Kalungas por dois motivos, o primeiro seria por causa de um Rio chamado Kalunga localizado na região de Monte Alegre de Goiás, o segundo por causa da planta de nome” Kalunga”, planta nativa do cerrado, bastante amarga que é utilizado como remédio para a cura de doenças pela população Kalunga. Os mais antigos contam que o nome Kalunga entre as pessoas da comunidade já usado como motivo de ofensa, para ofender alguém, minguem gostava de ser chamado de kalungueiro, por cousa dos preconceitos que sofriam quando vinham da comunidade para a cidade. Hoje é outra história os kalungueiro se orgulham de ser chamados de Kalunga e até quem não é Kalunga quer ser. Calunga ou Kalunga é o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e

libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades autossuficientes e que viveram a mais de trezentos anos isolados em regiões remotas, de difícil aceso, próximas à Chapada dos Veadeiros. Nas comunidades, nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás” (COSTA, 2013, p. 28).

O nome Kalunga pode ser encontrado de duas formas com “c” ou “k” de acordo com o mini Aurélio 7ª Ed. o nome Calunga com “c” coisa qualquer de tamanho reduzido “boneco pequeno, já o nome com “k” alguns historiadores e antropólogos ressalta que o nome Kalunga com “k” tem origem africana Bantu e seu nome é atribuídos aos povos do Congo e Angola, traz as seguintes definições. [...] Kalunga enquanto palavra de origem africana - Bantu – tem também múltiplos

significados: boneca de madeira, a lunga ou calunga; palavra mágica; ‘O mar divinizado dos angoleses’; Deus das profundezas do globo terrestre. Kalunga, mar, campo sagrado para repouso dos ancestrais (cemitério). Kalunga em Quimbundo é tratamento de ‘pessoas ilustres’, de ‘homem nobre’ e, ainda, “lugar sagrado, de proteção. (BAIOCCHI, 1999, p. 41) [....]

A cultura do povo Kalunga é cheia de tradições saberes etc., quem visita os Kalunga logo percebe que, apesar dos séculos de invisibilidade e discriminações vividas, há uma outra história muito mais bonita. Apesar de não esconder as marcas deixadas por um passado escravista, o povo Kalunga traz consigo uma bela cultura de festas, rezas, novenas e folias tradicionais, saber e conhecimento, herdada de seus antepassados. Nos Kalunga apesar das dificuldades durante o ano há várias festas e comemorações em louvor a muitos santos. Do final de setembro até final de março as festas e comemorações são poucas, devido ao tempo de plantio até a colheita, neste período só se cuida do plantio

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das roças de arroz, mandioca, feijão, milho, abóbora, melancia, quiabo, maxixe, entre outros, mas durante esse período acontece algumas comemorações para reunir os amigos mais próximos. Em dezembro tem reza de Menino Deus/Jesus, em janeiro tem festa de São Sebastião e Folia de Santo Reis e folia de Roça de São José, essa última folia só e soltada quando há um período de seca muito forte, sem chuva e as plantações estão morrendo, e consiste na passagem nas roças brincando, cantando e dançando no meio das plantações, pedindo chuva a São José. Em abril a rezas sábado de aleluia e Domingo de Páscoa, mas as melhores e maiores festas acontece após o plantio e colheita das roças, essa festa duram mais de dois ou três dias e reúne pessoas da comunidade toda e várias pessoas do país. Em maio folia do Divino, em junho acontece os festejos de Santo Antônio e São João em datas variais em cada região, em algumas comunidades comemoram-se os dois santos em uma festa só. Em julho tem o festejo da Salinas no Vão do Moleque do dia 12 a 20 e agosto acontece o festejo do Vão de Almas festa de Nossa Senhora das Neves de 05 a 12 e Nossa Senhora D’Abadia de 12 a 15, em setembro festejo do Vão do Moleque em louvor a Nossa Senhora do Livramento, São Gonçalo e São Sebastião. Além dos símbolos - que concebem riqueza de detalhes e de valores empregados

pelas pessoas da comunidade as divindades religiosas, os rituais são elementos que representam o hábito da religiosidade e devoção de nos Kalunga durante esses eventos, o ato de beijar a bandeira, os “giros” da folia onde um grupo de foliões leva a bandeira em todas as casas da comunidade. As orações e a dança da curraleiras, sussa, o batuco e canto das rodas, são exemplos dos rituais que fazem parte das crenças e alegria das pessoas das nossa comunidade Kalunga” (COSTA,2013, p. 59).

É nessas festas que a comunidade se reúne para fazer batizados e casamentos e, os familiares que de alguma forma estão morando fora retornam à Comunidade para participarem das festividades, são datas de reencontros de familiares e amigos. As festas e as folias são regadas a muita comida, bebida, rezas, danças, cantos, em fim de muita alegria. Em depoimento de Dona Getulia, relatado no trabalho de conclusão de curso de Costa,V.S a saúde também está ligada a tradição e a religião, (COSTA, 2013, p. 35). Os conhecimentos as ervas medicinais que são utilizados ate hoje suste bens

efeitos, é uma maneira de estarmos esvaziando os hospital e que as pessoas não precisa sair da comunidade para ter cura das doenças mais simples que deparamos no dia a dia. Tem também os benzimentos, os trabalhos das parteiras e a ligação das pessoas com as tradições e curas, através das promessas que fazemos pedido aos nossos Santos, que são padroeiro e temos testemunham das curas através das promessas. (Getulia, 2013) (COSTA, 2013, p. 35).

Além das festas tradicionais, o povo Kalunga desenvolveu suas próprias técnicas de plantios, usando os conhecimentos que adquiriu quando trabalhavam nas fazendas, aprendeu a observar o clima para saber qual era a melhor época para o plantio, plantado e colhendo seu próprio alimento, a produção servia para o consumo e/ou troca, criavam galinha e caçavam. Aprenderam a usar os recursos da natureza (plantas medicinais), para cura dos males que surgiam na comunidade.

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Os nossos antepassados aprenderam a conhecer o ambiente ao seu redor e distinguir no meio do mato o que serviria ou não para o seu sustento. Para garantir o alimento, passaram a observar e a reconhecer o tempo das chuvas, lua e os sinais da seca. Tudo isso era necessário para saber regular o plantio das roças, por exemplo. Aprenderam a caçar para quando faltasse a carne do gado que eles mantinham nos pastos nativos e das galinhas criadas na beira da casa. (COTAS,

2013, p. 24). Segundo o autor “muitas dessas coisas eles já sabiam, era isso o que tinham feito a vida toda, na roça, na mina ou na cidade, a diferença é que agora, em vez de trabalhar como escravos, podiam fazer tudo isso para si mesmos, para manter sua própria vida com dignidade” (COSTA,2013, p. 24). São saberes culturais, tradições herdadas de nossos antepassados, que foram transferidos de geração em geração, e que hoje é parte de tudo que nos define como povos que somos.

3. CULTURA ALIMENTAR KALUNGA O povo Kalunga possui suas peculiaridades a alimentares bem definida por sua culturalidade, meio e forma de produção, levando em consideração questões ambientais e climáticas. No sentido de que, consideram a preservação do meio em que vivem e reproduzem seus alimentos interligado acultura e sobrevivência, abrangendo todo seu conjunto organizacional ambienta e cultural, pois sem preservar não tem onde produzir. Com relação ao clima geralmente sua produção anuaria leva em consideração o problema climático, ou seja, depende da quantidade de chuva para produção das variedades que no território produzem, exemplo; se chove bastante plantão muito arroz, se não, plantam pouco arroz e muita mandioca e gergelim entre outro que consegue reproduzir com pouco quantidade de água. Como saber se tal ano será chuvoso ou não? isso é descoberto ao longo da estação não chuvosa e com o inicio da estação chuvosa, com o estudo e observação dos sinais da natureza, meus avós costumavam observar as estrelas, a posição que o vento ventava, o barulho das primeiras chuvas e ate o cantar dos pássaros, por meio desses sinais é possível saber se o clima será bom ou ruim para plantação no ano. Tudo começa pela plantação das roças, a maioria da população Kalunga vive da agricultura de subsistência, por meio da plantação das roças, como descrito por Baiocchi (1999), com a plantação de pequenas áreas, sem utilização de maquinas ou insumos químicos. Ainda a criação de bovinos, suínos e aves, o extrativismo de frutos do cerrado, e o cultivo de frutas e verduras nas hortas e pomares. O povo Kalunga procura fazer suas plantações em terras mais férteis, próximo a algum curso de água ou no “Capão” cerado fechado, são construídas próximos a residência, porém a maioria mantém uma certa distância das residências, distância que permita um bom acesso, cuidado e transporte dos produtos, para seu armazenamento nas “dispensa” de suas residências. Os kalungas utilizam-se de técnicas milenar conhecida como roça de toco, pousio ou coivara, passadas de geração a geração, “patrimônio” da cultura carratense,

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tecnologia utilizada amplamente por agricultores familiares, sertanejos, indígenas e quilombolas há séculos” (UGARELLI, 2009, P.49) Roça de toco, toda vida foi roça de toco aqui nunca num teve roça arada, não! Ou

é na boca da enxada, na foice, no machado. Nóis faz um acero em volta pro fogo não sair, porque não pode. Ai nóis faz a roça, planta ela com três ano, quatro, cinco, até seis ano planta, larga essa e faz outra, com pouco tempo aquela que largou já ta capoeirão, já ta de volta. Volta de novo, por que às vezes tem um estirão de mata, aí vai roçando, vai rompendo, vai rompendo, aí vai deixando pra traz as capoeiras, quando termina, lá na frente já pode volta cá em baixo que já tá no ponto de começá de novo (UNGARELLI, 2009, p.49).

Técnica da qual os kalunga ultiza há gerações, impondo respeito e cuidado com a biodiversidade cultural e com o meio ambiente existente na comunidade, que apos um certo tempo de uso, são deixadas em repouso por um tempo aproximado, podendo variar de acordo com a necessidade da terra. O período de pousio, contudo, pode variar bastante de acordo com necessidade de

terras. O tempo mínimo citado ao longo das entrevistas foi de doze anos em regiões com maior pressão populacional, até cinquenta anos ou mais, em áreas com abundancia de terras produtivas. Entretanto, todos os entrevistados estimaram que o tempo mínimo de descanso da terra era algo entre 12 e 20 anos, a depender do tipo de solo (FERNANDES, 2014, p.75).

As variedades produzidas nas roças Kalungas, são listadas por vários autores, entre eles (BAIOCCHI, 1999 e UNGARELLI, 2009, sendo um dos produtos mais populares a mandioca, pois tem mais facilidade de produção no território, seguido por feijão, arroz, milho, abobora gergelim, banana, batata doce, cana de açúcar, berinjela, mamão, algodão, fumo, quiabo, pimenta, jiló, melancia, maxixe, batata, batata-doce, amendoim e cabaça etc. Apesar da grande variedade existes muitas se perderam ao longo do tempo e meio de não extinguir, são as trocas das sementes criolas existes na comunidade, que possui seu meio de cuidados, seleção e conservação das sementes.

De antigamente o que nós fazia era assim: aquele milho que não bichava e que era bom, nós depois dobra, deixava na roça até depois dá uma chuva. Ai esse milho, levava pra casa e separava pra plantar no outro ano. De antes era assim que fazia. Ai tem gente que fala que se colocar no litro de coca (garrafa PET) não brota depois por que não tem ar, mas nasce sim. Eu sempre guardo assim. Mas também tem que esperar pra colher na lua boa, que não caruncha [...] Bom é na lua minguante, colhe nela que não dá bichinho nenhum, não nasce nada se guardar no litro direitinho” (Morador do Vão de Almas) (FERNANDES, 2014, p.80.)

Nos cercados ao redor das residências, os Kalungas costumam plantar alimentos em pequenas escalas, como verduras, frutas, legumes, as hortas são raras na comunidade, mas em algumas famílias plantam-se pequenas quantidades em Girau, cercados ou a beiras dos riachos, para facilitar a regar irrigação, já que a maioria da comunidade não possui agua encanada. Outras variedades encontradas na comunidade são os vários frutos do cerrado, que são extraídos e fazem parte do cardápio alimentício do povo Kalunga, são; Jatobá, Curriola, Pequi, Caju, Gueroba Verdadeira, Coco da Indaia (Pindoba), Baru, Buriti, Cagaita, Licuri, Mangaba, Coco Xodó (Macaúba), Baquarí, Catulé, Puxa-puxa, Araçá, Mama-cadela, Gueroba, Murici, Gabiroba verdadeira. Cagaita, Mutamba,

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Marmelada, Azedinha, Condeça, Pinha, Bruto, Manga, etc., “são frutas, destinadas para o consumo in natura, confecção de polpas, geleias e doces, como é o caso da cagaita, mangaba, mama-cadela, muricí, cajuí, puxa-puxa e gabiroba” (FERNANDES, 2014, p.98) As variedades Indaiá (Pindoba) e Macaúba (Xodó) são usadas não só para a

confecção de óleos, mas também para a produção do leite, extração da castanha e raspagem do dendê (polpa). O Babaçu também pode ser usado para a extração do óleo de coco, muito apreciado na cultura Kalunga, tanto para a culinária quanto para fins medicinais e estéticos (FERNANDES, 2014, p.99).

Alguns frutos são levados até a cidade para ser vendido de porta em porta ainda in natura, outras são transformadas em polpas, doces, geleia para ser usada no consumo do dia e para venda. Esses gêneros alimentícios descritos anteriormente, além da carne de vaca, de porco, de caça, galinha e peixe, fazem parte da vida, do cardápio alimentício do povo Kalunga, de sua cultura, de sua territorialidade partido da perspectiva de a alimentação Kalunga faz parte de sua identidade cultural. Os Kalunga fazem três refeições diárias, café da manhã, almoço e jantar. Geralmente o café da manhã poder ser acompanhado por uma tapioca, beiju, biscouto enroladinho, farofa de ovo, cuscuz, paçoca de gergelim, etc., ou simplesmente uma xícara de café ou chá, antes de sair no mundo como diz minha avó. O almoço é a principal refeição do dia, traz sempre um cardápio simples composta por arroz, feijão, abobora, maxixe, jiló, mandioca ou seu derivado “farinha” e geralmente alguma carne quando a tem, seja, carne de vaca, caça, porco, frango ou peixe. O Almoço é a principal refeição do dia. Seus pratos, característicos da culinária

sertaneja e goiana, são, na maioria dos casos, de fácil e rápido preparo, baseados na dupla “feijão com arroz”, tão popular ao longo do território nacional. Os principais ingredientes são o arroz, o feijão, a abóbora, o quiabo, o maxixe, jiló e a mandioca (Tabela 16). Entretanto, alguns produtos industrializados vêm ganhando força dentro dessa refeição, como é o caso do macarrão e o do óleo de soja, substituto barato e prático da banha e dos óleos artesanais (FERNANDES, 2014, p.104)

No jantar repetem o mesmo cardápio do almoço, a vezes apresenta uma ou outra variação, mas dentro do cardápio alimentício tradicional Kalunga, “o jantar tradicional Kalunga é uma repetição do almoço, tanto em quantidade quando nas variedades ofertadas. Algumas vezes, ainda se realiza uma refeição tardia, pós jantar, muito similar ao café da manhã, mas em menor quantidade” (FERNANDES, 2014, p.106) Quanto aos horários variam um pouco entre famílias e entre localidades, geralmente nas famílias que costumam levantar-se cedo, tudo inicia mais cedo, ou seja, levanta cedo, almoça por voltadas 11:00hrs ao meio dia, e janta antes das sete, antes do anoitecer, isso é mais comum, nas regiões que não possui energia, sendo que, nas regiões que possui energia esses horários costumam variar. Os temperos Kalunga são bem simples, quase sempre com os mesmos ingredientes, variando uma vez ou outra, são compostos dos seguintes ingredientes, alho, cebola quando compra na cidade, cheiro verde (coentro, cebolinha, alho), açafrão, e as variedades de pimentas. São pratos simples com temperos simples, mas com uma forma de fazer, que torna o alimento carregados de sabores e culturalidades ancestrais.

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4. DIREITOS CULTURAIS ALIMENTAR DO POVO KALUNGA

A alimentação adequada é um direito humano universal, reconhecido e ratificado no Brasil pelo Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, que o Estado deve garantir respeitando os diferentes modos culturais de produção e alimentação dos diferentes povos. Consagrado como um direito constitucional em 2010 por meio da Emenda Constitucional nº 64, que incluiu a alimentação entre os direitos sociais, fixados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988). O povo Kalunga possui suas peculiaridades com relação a seus hábitos alimentares, como visto, a alimentação do povo Kalunga faz parte de sua identidade cultural, pois, “Muito mais que um ato biológico, a alimentação humana é um ato social e cultural” (MACIEL, 2004, P.25) Indo mais além de sua dimensão biológica, a alimentação humana como um ato social e cultural faz com que sejam produzidos diversos sistemas alimentares (MACIEL,2005, p.49)A Constituição Federal, assegura em seu artigo 216; [...]que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL,1988)

Que o poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento [...], e que os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei, ou seja, não seria o desrespeito aos modos culturais alimentícios dos povos quilombolas pelo próprio Estado ao estabelecer, e impor politicas e planos de alimentação e nutrição dentro das comunidades quilombolas e principalmente nas escola sem ao menos os consultar ou procurar equiparar esses plano ao modos e costumes alimentícios dessa população. Garante no artigo 215, a todos o pleno exercício dos direitos culturais o acesso às fontes culturais, apoio e incentivo a valorização e a difusão das manifestações culturais, bem como, a proteção as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e de grupos participantes do civilizatório nacional. No artigo 216-A, assegura a colaboração e participação, conjunta do Sistema Nacional de Cultura, nos processos de gestão e promoção de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, entre os entes da Federação e a sociedade, com o objetivo de promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. Ou seja, fica bem claro que o Estado por meio de suas políticas públicas, deve trabalhar em colaboração com as comunidades quilombolas na elaboração inclusive de planos alimentícios da Merenda Escolar, para não ferir direitos coletivos

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garantidos na constituição e nas normas internacionais que o Brasil é signatário, devendo trabalhar em prol da garantia da soberania alimentar desses povos Estudo realizado em 2011 e publicado no Caderno de Estudos; Desenvolvimento Social em Debate, onde foram levantados dados em 55 municípios de 14 estados. Foram visitados 97 territórios quilombolas, nos quais vivem 40.555 pessoas, em 9.191 domicílios distribuídos em 169 comunidades. O levantamento levou em conta as comunidades que receberam o título de posse coletiva da terra, entre 1995 e 2009, mostra que mais da metade (55,6%) de quilombolas adultos, estão em situação de insegurança alimentar no Brasil, quando trata de crianças e adolescentes o percentual é de 41,1%, quando analisado por região, a maior taxa de insegurança alimentar é encontrada no Baixo Amazonas (79,1%), e a menor em comunidades do Semiárido (15,9%). O estudo também engloba o nordeste paraense, com 43% das crianças vulneráveis, o norte maranhense (45,7%), o norte Semiárido (31,7%) e o Centro-Sul (18%), o que demostra uma situação de grande vulnerabilidade vivenciada pelos quilombolas. Nos últimos anos, o Estado brasileiro, por meio de seus órgãos e instituições, utiliza desses dados para implementar Programas de alimentação que desrespeita totalmente a cultura desses povos, para combater a insegurança alimentar. A insegurança alimentar e nutricional é um fato muito presente em varias comunidades quilombolas do Brasil, conforme demostrado. A Segurança Alimentar e Nutricional é definida na Lei nº 1.346/2006, em seu artigo 3º, como sendo; [...]a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de

qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006),

Na comunidade Kalunga a implantação dessas políticas de segurança alimentar, além, do Programa Bolsa Família, que reduziu drasticamente a insegurança alimentar na comunidade, em conciliação com distribuição de sestas básicas as famílias Kalunga e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que visa ofertar alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, introduzindo na culinária quilombola produtos externos, sendo mais frequente em algumas regiões da comunidade mais que em outras. As cestas básicas é ofertada pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), por meio da Associação Quilombo Kalunga (AQK), que distribui mensalmente um conjunto de alimentos considerados essenciais às famílias (FERNADES, 2014, p. 109), que é composta por, 1kg de leite em pó, 1kg de macarrão, 2 kg de arroz, 1kg de fubá, 2kg de açúcar, 2 L de óleo de soja, 4 kg de feijão, e 3 kg de farinha de mandioca fina(FERNADES, 2014, p. 109). Já com relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, em Estado de Goiás, o planejamento alimentar escolar é feito pela Superintendência de Gestão, Planejamento e Finanças da Secretaria de Estado da Educação, por meio da Gerência da Alimentação Escolar que é responsável pelo planejamento, execução, controle, monitoramento e avaliação de todos os projetos e/ou programas referentes ao Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE da Educação Básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio) e Educação de Jovens e Adultos, a exemplos os

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cardápios da alimentação escolar, que são elaborados por representantes das Unidades Escolares, com base em sugestões e orientações dos nutricionistas, sem ao menos levar em consideração os hábitos alimentares e culturais das populações quilombolas. Pois o estado elabora os cardápios levando como impar o embasamento legais estabelecidas na Resolução CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013. – Resolução Nº 26 de 17 de Junho de 2013, para atender, em média, às necessidades nutricionais da população. Apesar da exigência de nutricionista na preparação dos cardápios escolares, nas comunidades quilombolas isso é realidade fictícia, pois grande parte dos municípios não contam com nutricionista para fazer esse tipo de cardápio. Estudos feitos pelo Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição do Escolar da Universidade Federal de Goiás e da Região Centro-Oeste (CECANE UFG/ Centro-Oeste), intitulado “Alimentação, saúde e qualidade de vida de escolares quilombolas de Goiás, mostra que;

As modificações nos hábitos alimentares de comunidades quilombolas pode ser evidenciadas na alteração do perfil nutricional dessas populações onde a Insegurança Alimentar e Nutricional ocorre concomitante ao aumento dos índices de excesso de peso. Estudo de perfil nacional com essas comunidades evidenciou um contraste entre situações de desnutrição por déficit estatural em 18,7% no conjunto de crianças com até cinco anos e níveis preocupantes de prevalência de risco de sobrepeso (18,7%), sobrepeso (4,1%) e obesidade (1,3%)8 (FORTUNATO, 2014,p.45)

São políticas imposta a comunidades, aos adultos e crianças sem ao menos lhes consultar e as mesma sem opções, e em situação de insegurança com medo de passar fome aceitam, pois, o estado não lhes oferece alternativa diferente. Algumas das variedades presentadas não agrada a população, inclusive as crianças reclamam muito da merenda escolar, segundo a merendeira N.F de uma escola do Vão do Moleque. “as vezes muitas crianças chegam a passar fome, outras até trazem seus próprios lanches (farofa de peixe, de ovo, paçoca) para não ter que comer do cardápio do dia, que tem que ser seguido conforme determinação da secretaria de Educação”. Essas interferências do mundo externo, sem observar os costumes do povo Kalunga aos poucos modifica e vem transformando o paladar identitário desse povo que luta para manter sua cultura viva, já que; As Políticas de segurança alimentar implementadas na comunidade Kalunga, além de atenderem necessidades básicas de alimentação produção, deves atender requisitos como, meio de produção, acesso e consumo, devem atender requisitos costumeiros próprios da identidade desse povo. Apesar desses alimentos distribuídos e consumido pela população Kalunga, cumprir com parte do objetivo de política pública de combate a insegurança alimentar e nutricional, sua composição desrespeita o quesito da autenticidade dos produtos produzidos e consumidos na Comunidade ao ofertar, alimentos que não estão de acordo com os valores alimentares Kalungas, como por exemplo produtos com agrotóxicos, e que desrespeitam o paladar identitário e as tradições gastronômicas dessa população (FERNANDES, 2014, p.117).

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O estudo dos direitos alimentares da população quilombolas, demostra que há um vínculo fundamental, de seus modos alimentares com sua identidade cultural que deve ser respeitado como direito fundamental garantido, que é o;

[...] direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação a toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de gestão, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental (VIA CAMPESINA, 2007)

Trabalhando a soberania alimentar com a população, desde a produção ao consumo e comercialização de alimentos internos, para que não precise trazer para dentro da comunidade produtos alimentícios externos desvinculados da cultura local. CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao analisar a situação quilombola Kalunga, que possui uma identidade cultural vinculada aos seus hábitos alimentares, consegue-se constatar que seus direitos alimentares e identidade cultural, está a todo momento sendo desrespeitadas, principalmente pelo Estado que deveria protege-lo assim, como determina a legislação nacional. O Estado por meio de políticas públicas de combate a insegurança alimentar, impõe e introduz, produtos alimentares a comunidade que, sem alternativa e com medo de passar fome, na falta de uma política que trabalhe a soberania da comunidade na produção consumo e comercialização de seus produtos, para que não precise introduzir em sua alimentação diária, produtos externos, que rompe com todo um paladar identitário, acaba sendo aceito pela comunidade. Essas políticas vêm desde benefícios sociais como o Programa Balsa Família(PBF) a distribuição de cestas básicas, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que apesar de suprir com as necessidades alimentícias da população quilombola Kalunga, não protege ou ao menos preservar seus direitos culturais alimentares. Que a meu ver, mesmo sendo um direito constitucionalmente garantido, não há preocupação do estado com relação a essa proteção, nem ao mesmo com relação ao controle alimentar nas escolas quilombolas, onde estudos mostra que parte da população entra-se com sobrepeso. Nesse sentido é necessário, que se crie políticas eficaz, de oportunidades e viabilidade/condições a essas comunidades, para que possa garantir a soberania alimentar nas sem necessidade de estar trazendo de fora o que tem condições de produzir internamente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Kalunga Povo da Terra, 3ª Edição, Editora UFG, Goiânia, 2013. BALDI, César Augusto. A renovação do direito agrário e os quilombos: identidade, território e direitos culturais. Revista da Faculdade de Direito UFG, v. 37, n. 2, p. 196-234, jul./dez. 2013.

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