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O Direito do Mar e a fronteira marítima brasileira. A importância dos conceitos jurídicos de Mar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental para o desenvolvimento nacional Walfredo Bento Ferreira Neto Publicado em 10/2010. Elaborado em 09/2010. RESUMO Este trabalho visa abordar alguns reflexos para o Brasil advindos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982. Embora celebrado na década de 1980, esse tratado internacional é que rege, hoje, os ditames normativos de uma importante parcela do globo terrestre: o mar. Sabe- se que, conjuntamente ao processo de globalização, vem ocorrendo pressão de atores transnacionais no tocante à flexibilização dos Estados-nações, mais precisamente no que tange ao conceito político de território. Ao mesmo tempo em que alguns países se envolvem em uma rede mundial de comércio e de fluxo de mercadorias - e, alguns, até de pessoas -, outros impõem barreiras, tentando ora fortalecer seu Poder Nacional, ora rechaçar possíveis ameaças derivadas dos crimes internacionais, tais como o tráfico de entorpecentes, de armas, de pessoas e de biogenética. O Brasil, dentre outros em desenvolvimento, começa a despontar no cenário internacional, seja pelo índice de crescimento econômico atingido nos últimos anos, seja pela expansão de seus mercados consumidores, seja, ainda, pela quantidade (e qualidade) de seus recursos naturais. Desta forma, a preocupação com as suas fronteiras para a manutenção e o prosseguimento do Desenvolvimento torna-se objetivo crucial. A compreensão da importância dos conceitos jurídicos ligados ao Direito do Mar estabelecidos pela CNUDM e a implementação de medidas - políticas públicas - no âmbito interno, a fim de garantir a manutenção da soberania e do desenvolvimento, já é um bom começo. Palavras-chave: Direito do Mar. Fronteira marítima. Desenvolvimento nacional.

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O Direito do Mar e a fronteira marítima brasileira.

A importância dos conceitos jurídicos de Mar Territorial, ZonaContígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continentalpara o desenvolvimento nacional

Walfredo Bento Ferreira Neto

Publicado em 10/2010. Elaborado em 09/2010.

RESUMO

Este trabalho visa abordar alguns reflexos para o Brasil advindos da Convençãodas Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982. Emboracelebrado na década de 1980, esse tratado internacional é que rege, hoje, osditames normativos de uma importante parcela do globo terrestre: o mar. Sabe-se que, conjuntamente ao processo de globalização, vem ocorrendo pressão deatores transnacionais no tocante à flexibilização dos Estados-nações, maisprecisamente no que tange ao conceito político de território. Ao mesmo tempoem que alguns países se envolvem em uma rede mundial de comércio e de fluxode mercadorias - e, alguns, até de pessoas -, outros impõem barreiras, tentandoora fortalecer seu Poder Nacional, ora rechaçar possíveis ameaças derivadas doscrimes internacionais, tais como o tráfico de entorpecentes, de armas, depessoas e de biogenética. O Brasil, dentre outros em desenvolvimento, começa adespontar no cenário internacional, seja pelo índice de crescimento econômicoatingido nos últimos anos, seja pela expansão de seus mercados consumidores,seja, ainda, pela quantidade (e qualidade) de seus recursos naturais. Destaforma, a preocupação com as suas fronteiras para a manutenção e oprosseguimento do Desenvolvimento torna-se objetivo crucial. A compreensãoda importância dos conceitos jurídicos ligados ao Direito do Mar estabelecidospela CNUDM e a implementação de medidas - políticas públicas - no âmbitointerno, a fim de garantir a manutenção da soberania e do desenvolvimento, já éum bom começo.

Palavras-chave: Direito do Mar. Fronteira marítima. Desenvolvimento nacional.

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Sumário: 1. Introdução. 2. Da Fronteira Marítima. 2.1 Do Mar Territorial. 2.2Da Zona Contígua. 2.3 Da Zona Econômica Exclusiva. 2.4 Da PlataformaContinental e Plataforma Continental Estendida e sua importância para oDesenvolvimento Nacional.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo versará sobre a importância para o Brasil dos conceitosjurídicos contidos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar(CNUDM), assinada no dia 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay(Jamaica), em vigor, internacionalmente, desde 16 de novembro de 1994, e quetrouxe um grande arcabouço político-jurídico, estabelecendo a "fronteiramarítima" dos Estados costeiros.

Nessa Convenção podem ser encontrados, entre outros, os conceitos jurídicos deMar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva, PlataformaContinental e Plataforma Continental Estendida, compondo, então, arecentemente denominada "Amazônia Azul".

Sabe-se que, conjuntamente ao processo de globalização, vem ocorrendo certapressão de atores transnacionais que pleiteiam uma maior flexibilização dosEstados nacionais, mais precisamente buscando a permeabilidade de seusterritórios. Ao mesmo tempo em que alguns países se envolvem em uma redemundial de comércio e de fluxo de mercadorias - e, em alguns lugares, até depessoas -, outros impõem barreiras aos fluxos migratórios e à entrada demercadorias, tentando, ora fortalecer seu Poder Nacional, ora rechaçandopossíveis ameaças derivadas dos crimes internacionais, tais como o tráfico deentorpecentes, de armas, de pessoas e de biogenética.

Como agravante, e mais uma "pitada" de complexidade a esse contexto, aescassez dos recursos naturais do globo e a ânsia em um crescente aumento doconsumismo - o que, por consequência, gera uma corrida atrás de energia -,aliados às ineficazes experiências de modelos de desenvolvimento sustentávelem grande escala, faz-se surgir o receio por parcela dos Estados-Nações emcomo garantir sua soberania e a continuidade de seu desenvolvimento.

O Brasil, assim como a Índia, a China e a Rússia, países denominados pela siglaBRIC’s, entre outros em desenvolvimento, começam a despontar no cenáriointernacional, seja pelo índice de crescimento econômico atingido nos últimosanos, seja pela expansão de seus mercados consumidores, seja, ainda, pelaquantidade (e qualidade) de seus recursos naturais, muitos apenas detectados,mas não explorados até o momento. Desta forma, a preocupação com amanutenção e o prosseguimento do Desenvolvimento torna-se objetivo crucial.

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À guisa de referencial teórico, serão abordadas as definições de fronteiramarítima, incluindo-se os conceitos de Mar Territorial, Zona Contígua, ZonaEconômica Exclusiva, Plataforma Continental e, a tão discutida, atualmente,Plataforma Continental Estendida, a qual legitima, por exemplo, a exploraçãoeconômica do Brasil em áreas além das 200 milhas náuticas, onde estáabrangida, verbi gratia, parte da camada do "pré-sal", e que compreende adenominada "Amazônia Azul".

DA FRONTEIRA MARÍTIMA

Nessa parte do trabalho buscar-se-á, como arcabouço conceitual-metodológico,principalmente (mas não exclusivamente), o Direito Internacional Público e ostratados firmados pelo Brasil junto aos Organismos Internacionais, pessoasjurídicas de direito público externo, assim reconhecidos consoante art. 42, doCódigo Civil nacional.

Além dos tratados e convenções a seguir, a própria Constituição Cidadã prevê,em seu art. 20, a preocupação no tocante a essa faixa de mar:

"São bens da União: V – os recursos naturais da plataformacontinental e da zona econômica exclusiva. VI – o marterritorial. (...) §1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, (...)participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, derecursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outrosrecursos minerais no respectivo território, plataforma continental, marterritorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira poressa exploração". (Art. 20, inc. V e VI e §1, CRFB/1988) (grifo doautor)

Mas foi a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM),assinada no dia 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay (Jamaica), e emvigor, internacionalmente, desde 16 de novembro de 1994, que trouxe o grandeembasamento político-jurídico, estabelecendo a "fronteira marítima" dosEstados costeiros.

Apesar de assinada apenas em 1982, o início da formulação da Convenção dasNações Unidas sobre o Direito do Mar deu-se a partir de 1958, em Genebra, naSuíça. Todavia, esta primeira tentativa malogrou, tendo sido necessária maisduas reuniões para, enfim, ser concluída a Convenção.

Na introdução da CNUDM, mais precisamente em seu preâmbulo, já se detectaos principais objetivos e fomentadores de sua existência. Abaixo seguem algunstrechos:

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"Animados do desejo de solucionar, num espírito de compreensão ecooperação mútuas, todas as questões relativas ao direito do mar (...).Reconhecendo a conveniência de estabelecer por meio desta Convenção,com a devida consideração pela soberania de todos os Estados, umaordem jurídica para os mares e oceanos (...) e promova os usos pacíficos(...), a utilização eqüitativa e eficiente de seus recursos, a conservaçãodos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meiomarinho (...).". (CNUDM, 1982, Preâmbulo)

Antes mesmo da assinatura da CNUDM, segundo RANGEL (2005), as nações jáestabeleciam como princípio consagrado, por meio da Resolução nº 2.749(XXV), de 17 de dezembro de 1970, da Assembléia Geral das Nações Unidas, oseguinte:

"(...) os fundos marinhos e oceânicos e o seu subsolo para alémdos limites de jurisdição nacional, bem como os respectivosrecursos são patrimônio comum da humanidade e que aexploração e o aproveitamento dos mesmos serão feitos em benefício dahumanidade em geral, independentemente da situação geográfica dosEstados". (Res. n. 2.749, 1970, ONU, apud Vicente Marotta Rangel, 2005,p. 249-) (grifo do autor)

No Brasil, a CNUDM foi aprovada pelo Congresso Nacional ainda em 1987,tendo sido ratificada a 22 de dezembro de 1988 e promulgada pelo Decreto n.1.530, de 22 de junho de 1995. Todavia, segundo Francisco Rezek, a Lei n.8.617/93 já havia causado algumas alterações: a redução da extensão do MarTerritorial (de 200 para as 12 milhas marítimas) e a adoção do conceito deZona Econômica Exclusiva (ZEE), correspondente as 188 milhasadjacentes ao Mar Territorial.

Na verdade, os conceitos utilizados pela Convenção não trouxeram,expressamente, o termo fronteira, mas sim algumas definições queamalgamaram a extensão da soberania e a possibilidade de exploraçãoeconômica de um país no mar – seus limites.

2.4.1 MAR TERRITORIAL

O primeiro e importantíssimo conceito trata do Mar Territorial. Segundo J. F.Rezek (2005, p. 307) Mar Territorial "é a extensão da soberania do Estadocosteiro além de seu território e de suas águas interiores". Para este autor,dentro desse conceito estão abrangidos o leito do mar, o respectivo subsolo e,ainda, o espaço aéreo sobrejacente. Rezek construiu essa definição a partir dosarts. 2º e 3º, ambos da CNUDM.

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Essa ideia de soberania do Estado costeiro está intrinsecamente ligada aoimperativo de defesa do território. Para se ter uma noção acerca de suaimportância, ao romper do século XVIII adotava-se três milhas náuticasmarítimas como Mar Territorial. Isso se justificava pelo alcance máximo daartilharia costeira à época.

No século XX, e por volta da II Guerra Mundial (II GM), alguns Estadosestenderam – sempre mediantes atos unilaterais – a largura dessa área (4, 6, 9 emesmo 12 milhas náuticas marítimas).

A partir de 1952, diversos países da América Latina – a começar pelo Chile,Equador e Peru – decidiram estender esse limite até as duzentas milhas,correspondendo a 370 quilômetros, aproximadamente. Justificaram, tais países,essa medida, tendo em vista as necessidades de ordem econômica. Nesse caso éfácil perceber o grande motivo: os três países têm como parte substancial desuas economias a pesca industrial em águas salgadas, sobretudo peloaproveitamento da qualidade e da quantidade do pescado, como consequênciada corrente marítima fria de Humboldt (ou do Peru) e da existência de uma áreade ressurgência.

Os Estados Unidos não ficaram para trás: também logo após a II GMreivindicaram o limite de 200 milhas para o mar territorial, "tendo em vista anecessidade de proteger o seu território contra armas de longo alcance"(MATTOS, 1990, p. 70).

O Brasil adotara o critério das 200 milhas náuticas, por lei, apenas em março de1970, tendo sido o 9º país da região a adotar esta medida. Mas essa extensão edelimitação não ocorreram apenas na América Latina: na Guiné, fixou-se 80milhas; na Islândia, 50 (o que, inclusive, lhe custara um litígio com a Grã-Bretanha).

Portanto, tem-se como Mar Territorial a faixa adjacente ao litoral de 12milhas náuticas, a contar da linha de base do território. Por sua vez, linha debase é a linha litorânea de maré mais baixa (baixamar).

A doutrina, baseada na CNUDM, alerta que essa soberania não é absoluta comoa do território, pois está submetida a alguns senões. Como por exemplo, há odireito de passagem inocente, reconhecido em favor dos navios – mercantes oude guerra – de qualquer Estado.

Mas lembra também os doutrinadores que essa relativização – a passageminocente – deve ser rápida e contínua, vez que há proibição de realização demanobras militares, atos de propaganda, pesquisas e buscas de informações,atividade de pesca, levantamentos hidrográficos etc.

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2.4.2 ZONA CONTÍGUA

O segundo conceito criado pela CNUDM foi o de Zona Contígua, que é umaárea reservada às medidas de fiscalização, no que concernir à alfândega, àimigração, à saúde e, ainda, à disciplina regulamentar dos portos e do trânsitopelas águas territoriais. Essa Zona não poderá ir além das 24 milhas marítimas,contadas da mesma linha de base do Mar Territorial. Isso é o que consta do art.33 da CNUDM.

É, portanto, na Zona Contígua que o Estado costeiro exerce ações de naturezapreventiva, visando impedir a ocorrência de delitos ou de outras anormalidadesno território nacional. É o caso, verbi gratia, das inspeções sanitárias emnavios, para fins de conferência da qualidade dos gêneros transportados, ou dasbarreiras fitossanitárias criadas, eventualmente, com a finalidade de impediralguma epidemia no território (nos últimos anos destacam-se a da gripe aviáriae, mais recentemente, a da gripe suína).

Nessa faixa de 12 milhas náuticas, após o Mar Territorial, é que o País costeirotambém inibe a entrada de imigrantes ilegais (de forma clandestina) no seuterritório, ou, ainda, evita que seres humanos sejam transportados de formadegradante, remontando-se, de certo modo, ao período do tráfico negreiro.Também nos últimos anos, inúmeros foram os casos de imigrantes clandestinos(a maioria africanos) terem adentrado o território brasileiro, utilizando-secomo porta de acesso o mar, mesmo com a fiscalização e o controle já existente.

Dentro desse aspecto, convém trazer à tona a recente edição da LeiComplementar (LC) Nr 136, de 25 de agosto de 2010, que fez alteraçõesimportantes na LC 97, a qual dispõe sobre as normas gerais para a organização,o preparo e o emprego das Forças Armadas. Com base nessas alterações, aMarinha do Brasil (MB) recebera uma série de atribuições subsidiárias para afiscalização e o maior controle sobre essa porção territorial: tratou-se daextensão do poder de polícia - preventivo ou repressivo - a esta Força Armada.

Seguiu tais alterações o já proposto e modificado pela LC Nr 117/2004, a qualatribuía apenas ao Exército o poder de polícia na faixa de fronteira terrestre doPaís , de forma integrada ou não. Agora, com o advento dessa nova LC, asTrês Forças estão legitimadas a atuarem com esse poder na faixa fronteiriça .

2.4.3 ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA

O terceiro conceito, agora muito mais ligado à exploração econômica, vem ser ode ZEE (Zona Econômica Exclusiva). Segundo Rezek (2005, p. 303-) é"uma faixa adjacente ao Mar Territorial e cuja largura máxima é de 188 milhas

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náuticas contadas a partir do limite exterior daquele, com o que perfazem 200milhas, a partir da linha de base".

O art. 56, da CNUDM, expõe os direitos concernentes ao Estado costeiro sobreessa faixa de água. Inclui-se a soberania, no que diz respeito à exploração e aoaproveitamento, a conservação e a gestão dos recursos naturais, vivos ou nãovivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar e seu subsolo. Também autoriza ainvestigação científica marinha e a produção de energia, a partir da água, dascorrentes e dos ventos, e atribui como um dever a proteção e a preservação domeio marinho.

Apenas levando-se em conta essa Zona com fins de exploração econômica epesquisa científica, soma-se para o Poder Nacional brasileiro uma área de cercade 3.500.000Km (ver Figuras 1 e 2).

2.4.4 DA PLATAFORMA CONTINENTAL E PLATAFORMACONTINENTAL ESTENDIDA E SUA IMPORTÂNCIA PARA ODESENVOLVIMENTO NACIONAL

Após definir Mar Territorial, Zona Contígua e Zona Econômica Exclusiva(Figura 1), a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabeleceu oconceito de Plataforma Continental, cujo teor é de suma importância para oBrasil, sobretudo nos dias atuais.

FIGURA 1: CORTE TRANSVERSAL E VISTA DO MAR TERRITORIAL, ZEEE PLATAFORMA CONTINENTAL, COM A RESPECTIVA DIMENSÃO.

Fonte: Marinha do Brasil.

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Ressalva-se que, a partir deste conceito, é que a Petrobras e, por conseguinte, oEstado brasileiro, vem conseguindo, legitimamente, realizar a exploração dasreservas de hidrocarbonetos de parte da denominada camada do "pré-sal".

A Plataforma Continental, consoante o art. 76, da CNUDM, em seus §§ 4º e 6º,significa, geograficamente, a parte do leito do mar adjacente à costa que nãoexceder a 200 metros de profundidade e que, a uma boa distância do litoral,cede lugar às inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos.

Observa a Convenção de Montego Bay (1982) que o limite exterior daplataforma continental coincidirá com o limite da ZEE (200 milhas náuticas, apartir da linha de base do litoral), a menos que o bordo exterior da margemcontinental – isto é, o limiar da área dos fundos marinhos – esteja ainda maisdistante: neste caso, o bordo será o limite da plataforma, desde que nãoultrapasse a extensão total de 350 milhas náuticas.

Por conseguinte, tem-se, então, que a Plataforma Continental poderá seestender além das 200 milhas da ZEE, nos locais em que ela não atingir os 200metros de profundidade, criando-se, assim, a definição de PlataformaContinental Estendida (Figuras 2).

FIGURA 2 – PROPOSTA BRASILEIRA JUNTO À ONU

Fonte: http://www.mar.mil.br/menu_v/ccsm/imprensa/am_azul_mb.htm

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A fim de atribuir o direito à exploração nessa Plataforma Estendida (além daZEE), a CNUDM exigiu, como requisito, a instauração de uma comissão: aComissão de Limites da Plataforma Continental, na qual os países interessadosdeveriam depositar os mapas e as informações pertinentes para dar a devidapublicidade do pleito. Tudo isso ocorreria junto à Secretaria-Geral das NaçõesUnidas.

O Brasil, para atingir esta finalidade, ainda em 1986, efetivou o LEPLAC(Levantamento da Plataforma Continental), que se estendeu até 1996, com aconfecção de mapas que traçaram as linhas determinantes do limite exterior daPlataforma Continental do território brasileiro.

Destacaram-se duas grandes porções: o cone que se prolonga a partir da Foz doRio Amazonas e o trecho do Espírito Santo ao Uruguai (Figura 3).

No período de 30 de agosto a 17 de setembro de 2004, na sede da ONU, emNova Iorque, ocorrera a defesa da tese brasileira, representada por integrantesda Marinha do Brasil, da Petrobrás e da comunidade científica com vocação paraa área de Oceanografia. A esse grupo foi atribuída a denominação de"Bandeirantes das Longitudes Salgadas" (SERAFIM, 2006) em referência aoalargamento das fronteiras brasileiras só que, desta vez, não da terrestre (comofora a partir de 1700), mas sim da marítima.

FIGURA 3 – ZEE E PLATAFORMA CONTINENTAL ESTENDIDA

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Fonte: http://www.mar.mil.br/menu_v/ccsm/imprensa/am_azul_mb.htm(adaptado)

É a essa área, compreendendo cerca de 4.500 milhões de quilômetrosquadrados, ou seja, mais da metade do território terrestre do Brasil, que osespecialistas atribuem a expressão "Amazônia Azul".

Além das explorações de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) pode sercitada como importância dessa área o seguinte: mais de 90% do comércioexterior do País é feito por transporte marítimo; a pesca; minerais, como ocobalto, a platina, o manganês e o sulfeto; a biogenética e a farmacologia;possibilidade de água potável; 80% da população brasileira vive a menos de200Km do litoral .

3 CONCLUSÃO

No atual cenário da globalização e da multilateralidade das decisões em escalamundial, percebe-se que os Estados-nações se vêem apreensivos a respeito dofuturo de sua existência. Seja pelas inúmeras e cíclicas crises econômicas àsquais foram submetidos quase que a totalidade dos países do globo (quiçáapenas "de fora" os que já vivem em crise permanente), seja pelos seus reflexosno campo psicossocial e político.

Com o contínuo aumento de demanda por produtos, e, em consequência, porenergia para fabricá-los, necessário se torna aos Estados detentores de recursosnaturais em abundância, muitos dos quais nem explorados, a preocupação com amanutenção dos requisitos de sua respectiva existência: a soberania, o territórioe o povo (além da finalidade, citada por alguns doutrinadores ).

A partir da década de 1990, sobretudo no seu final, nota-se um preparativo dospaíses para o ingresso no século XXI. No Brasil não ocorrera diferente: com oaumento do tráfico internacional de entorpecentes e de demais ilícitos quepermeiam suas fronteiras, e com a descoberta de novas jazidas dehidrocarbonetos ao longo de sua costa, o País se viu na necessidade deaprimorar não só a disciplina do uso e das concessões, mas também a forma demanutenção/garantia desses recursos, tendo como pano de fundo o binômio daSegurança e do Desenvolvimento Nacional.

Uma das soluções encontradas fora a elaboração e promulgação da LeiComplementar Nr 97, de 09 de junho de 1999, a qual, cumprindo o previsto noart. 142, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabeleceua organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.

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Em 02 de setembro de 2004 é sancionada outra Lei Complementar, a de Nr 117,alterando alguns dispositivos da LC 97/99, e atribuindo ao Exército Brasileiro opoder de polícia na faixa de fronteira terrestre (150Km ao longo das fronteiras).A importância dessa faixa é revelada pela Constituição Federal de 1988, em seuart. 20, §2º, onde, aliás, também recebe seu conceito: "fundamental para defesado território nacional".

No último dia 25 de agosto, por meio da edição da Lei Complementar Nr 136,fruto do Projeto de Lei Nr 543/2009, o poder de polícia foi estendido à Marinhado Brasil e à Força Aérea. Pode-se apreender, portanto, nessa recente evoluçãoda história política do Estado brasileiro, um incremento do papel estatal nassuas "linhas" delimitadoras de poder: as fronteiras.

Pelas dimensões e na escala em que se está trabalhando - cerca de 17.000km defronteira terrestre e de 8.500km de fronteira marítima - sem contar os espaçosaéreo e cibernético -, atrelado às novas e grandiosas descobertas de petróleo egás natural na camada do "pré-sal", em regiões marítimas inseridas na ZonaEconômica Exclusiva e na Plataforma Continental Estendida, o Estado brasileiroestá se vendo na necessidade de aperfeiçoar a forma de controle sobre essa vastae riquíssima área.

A compreensão da importância dos conceitos político-jurídicos ligados aoDireito do Mar estabelecidos pela CNUDM e a implementação de medidasestatais - políticas públicas - no âmbito interno, a fim de garantir a manutençãoda soberania e do desenvolvimento, já é um bom começo.

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Walfredo Bento Ferreira Neto(http://jus.com.br/956088­walfredo­bento­ferreira­

neto/publicacoes)

Pós-graduando em Direito Público e em Direito Militar.Bacharel em Direito. Licenciado em Geografia. Professor deGeografia na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)

Seismic Reflection and Refraction Experiments. Brasília, 1994. Disponível em:www.scielo.br/pdf/rbg/v17n1/v17n1a07.pdf.. Acesso em: 27 set. 2010.

NOTAS

1. Sobre faixa de fronteira terrestre e o poder de polícia atribuído ao ExércitoBrasileiro, ver artigo O poder de polícia atribuído ao ExércitoBrasileiro na faixa de fronteira terrestre. Um enfoquegeográfico, geopolítico e jurídico.disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/13580 (http://jus.com.br/revista/texto/13580) >.

2. Poder de polícia – art. 78, Código Tributário Nacional. Para o uso dessepoder deve-se, sempre, atentar para os princípios daproporcionalidade/razoabilidade, a fim de se evitar o abuso de poder(excesso ou desvio), conforme MELLO (2008) e FERREIRA NETO (2009),verbigratia.

3. Para detalhamento da delimitação da Plataforma Continental, em sua versãoestendida e sobre o LEPLAC, ver artigos de J. M. de Souza disponível em:www.info.Incc.br/leppetr2.html (http://www.info.incc.br/leppetr2.html) e naRevista Brasileira de Geofísica, Vol. 17(1), 1999, disponível em:www.scielo.br/pdf/rbg/v17n1/v17n1a07.pdf.

4. Ataliba Nogueira apud Dalmo de Abreu Dallari, 1995, p. 61.

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FERREIRA NETO, Walfredo Bento. O Direito do Mar e a fronteira marítimabrasileira. A importância dos conceitos jurídicos de Mar Territorial, ZonaContígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental para o

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desenvolvimento nacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2657, 10 out.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17519>. Acesso em: 14 fev.2014.