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Titulo: O Direito Internacional Entre Dois Pós-Modernismos: A Ressignificação das Relações Entre Direito Internacional e Direito Interno Autor: Arthur Roberto Capella Giannattasio Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp. Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/ ISSN 1981-9439 Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

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Titulo: O Direito Internacional Entre Dois Pós-Modernismos: A

Ressignificação das Relações Entre Direito Internacional e Direito Interno

Autor: Arthur Roberto Capella Giannattasio

Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp.

Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/

ISSN 1981-9439

Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações

Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil.

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para

fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

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O DIREITO INTERNACIONAL ENTRE DOIS PÓS-MODERNISMOS: A

RESSIGNIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNACIONAL

E DIREITO INTERNO

Arthur Roberto Capella Giannattasio

RESUMO

Discute-se, a partir de um estudo de caso, a relação entre o Direito Internacional

e o interno, para entender as explicações de duas diferentes chaves-cognitivas

justificadoras da prevalência de um ou de outro.

O Caso LaGrand aponta para o tema da relação da ordem jurídica interna com a internacional, questão de fundamental importância para o pensamento jurídico

internacionalista, uma vez que, no momento da aplicação do Direito, deve-se optar pela

aplicação das disposições do Direito Internacional ou do Direito interno

A compreensão clássica, westfaliana, permeia concepções sobre as relações

entre o Direito Internacional e interno e sobre a prevalência de um ou de outro. Fundada

no instituto jurídico-político Moderno da Soberania, essa compreensão voluntarista do

Direito Internacional remete à superada discussão entre o dualismo e o monismo.

A inserção do Direito Internacional na Pós-Modernidade implicou a superação

dessa percepção clássica, impondo a reconstrução do conceito de Direito Internacional,

de seus princípios estruturantes e das soluções tradicionais. Dentro do Pós-Modernismo jurídico, existem dois modelos que explicam a

relação entre o Direito Internacional e o interno. Neste Pós-Modernismo Transicional,

os dois diferentes modelos buscam justificar, por motivos racionais de especialização

funcional temática (Governança Global), ou por razões axiológicas (Direitos Humanos),

a prevalência incondicional do Direito Internacional sobre o interno. Trata-se de

ambiente de transição, em que o modelo novo convive com o antigo, persistindo a

diferenciação entre ordem interna e internacional.

Palavras-chave: Caso LaGrand; monismo; dualismo; Pós-Modernidade

ABSTRACT

The paper discusses, starting from a case study, the relationship between

International Law and Domestic Law from the perspective of two main models.

LaGrand Case points to a fundamental issue in international legal thought, as it

is permeated by the discussion on the relationship between International Law and

Domestic Law: when applying the law, one must choose between the provisions of

International Law or those from Domestic Law.

Doutorando do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo (FADUSP); Graduando em Filosofia pela FFLCH/USP; pesquisador do

NEV/USP e da DireitoGV-FGV/SP.

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The classical westphalian explanation is the basis of conceptions about the

relationship between International Law and Domestic Law, as well as of interpretations

on the prevalence of one of them. Founded in the Modern political and legal institute of Sovereignty, this volitional apprehension of International Law refers to the surpassed

debate between dualism and monism.

The insertion of International Law in Post-Modernity surmounted this classical

comprehension, since its juncture imposed the reconstruction of Law and International

Law‟s conceptions, of their structuring principles, as well as of their traditional

solutions.

Within Legal Postmodernism, there are two understandings which explain the

relationship between International Law and Domestic Law. This Transitional

Postmodernism, due to rational motives of thematic functional specialization (Global

Governance), or due to axiological reasons (International Human Rights), believes that

International Law prevails unconditionally over Domestic Law, expressing a transitional context in which the new model coexists with the older one, remaining the

difference between the two legal orders.

Keywords: LaGrand Case; monism; dualism; Postmodernism

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1 INTRODUÇÃO

[D]o jurista também se exige a capacidade de escolher e de aprimorar as

instituições existentes, ou de criar outras novas, em função de objetivos que

lhe são propostos pelas necessidades da vida quotidiana. (COMPARATO,

1978, p. 470-1).

O direito internacional pós-moderno tem de enfrentar os problemas da vida e

do mundo. O mundo é o teatro no qual se faz o direito internacional pós-

moderno, como produto cultural e reflexo do tempo no qual se inscreve. Com

toda a vastidão e complexidade que isso acarreta. (CASELLA, 2006, p. 831).

O presente artigo trata, a partir de uma abordagem jusfilosófica, do clássico tema

da relação entre o Direito interno e o Internacional, com base em um breve estudo de

caso relacionado ao assunto. O objetivo de presente estudo consiste em apresentar e de

propor conclusões e questões renovadas sobre o referido tema clássico, a fim de

contribuir para o desenvolvimento do pensamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, optou-se por apresentar, de maneira bastante breve, as principais

questões em torno do Caso LaGrand, julgado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ),

em que se discute principal, mas não exclusivamente, o tema do descumprimento de

obrigação internacional, assumida por um Estado, de criar condições para haver a

proteção consular de estrangeiros, presos em seu território, por parte de seus respectivos

países de que são nacionais, nos termos da Convenção de Viena de Relações Consulares

de 1961 (CVRC), seja por meio da comunicação dos órgão consulares de determinado

país acerca da prisão de um de seus nacionais, seja por meio da informação da

existência desse direito de assistência ao estrangeiro preso.

Em outras palavras os Estados Unidos da América (EUA) deixaram de cumprir a

obrigação constante de Tratado Internacional, a CVRC, desconsideraram mandamentos

vinculantes emitidos pela própria CIJ, além de terem entendido não ter havido qualquer

prejuízo ao Direito Internacional pela não alteração da ordem jurídica positiva

processual interna em função de compromisso internacional assumido, na medida em

que não existiria qualquer obrigação no sentido de modificação do Direito interno em

razão do Direito Internacional.

O Caso LaGrand, como nos casos BREARD e AVENA e outros Nacionais

Mexicanos, toca o tema da relação da ordem jurídica interna com a internacional,

questão de fundamental importância para o pensamento jurídico internacionalista, uma

vez que, no momento da aplicação do Direito, deve-se optar pela aplicação das

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disposições do Direito Internacional ou do Direito interno (ACCIOLY; NASCIMENTO

E SILVA, 2002, p. 64-5).

A dificuldade de aplicação conjunta e concomitante de mais de um ordenamento

jurídico decorre do fato de que, por exigências típicas de um sistema do Direito, a saber,

a identidade, a singularidade e a totalidade (FERRAZ JR., 1976), consubstanciadas na

idéia de coerência e coesão sistêmico-funcionais (KELSEN, 2000, 2005; MÜNCH,

1996), em determinados pontos em torno de questões específicas, os tratamentos de

cada regime jurídico podem ser incompatíveis em razão de contradição ou de

contraditoriedade entre as disposições (ALVES, 2003).

Em outras palavras, nesses momentos de potencial aplicação de normas jurídicas

oriundas de regimes jurídicos distintos, há que se decidir pela prevalência de um ou de

outro para solucionar uma controvérsia sujeita àqueles dois regimes jurídicos

(ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 64-5), a fim de que a decisão seja

sistemicamente coerente e coesa – relação de homeostase dinâmica entre os elementos

intra-sistêmicos -, de tal modo que o resultado possa ser previsível, estável e seguro

(FARIA, J. H., 2004, p. 145-50; MÜNCH, 1996, p. 188-202).

Deve-se notar, entretanto, que, se dentre o pensamento jurídico internacionalista,

é possível identificar uma preferência pela prevalência do Direito Internacional sobre o

Direito interno, não se pode se esquecer de que essa posição da literatura jurídica de

Direito Internacional nem sempre foi, e nem é, de todo unânime entre os principais

autores de Direito Internacional, como poderá ser verificado oportunamente.

Ademais, não se pode deixar de mencionar que mesmo as práticas dos Tribunais

nacionais - nem mesmo dos principais Tribunais brasileiros – seguiu aquela posição,

devendo-se notar, nesse sentido, que essa postura de recusa da prevalência da ordem

jurídica internacional sobre a interna se trata de opção político-jurídica de resistência ao

Direito Internacional que não é exclusiva de países centrais no cenário político,

econômico e jurídico internacional.

Deste modo, o presente estudo examina, precisamente, sob uma perspectiva

jusfilosófica, o tema da relação entre o Direito Internacional e o Direito interno, a fim

de tentar compreender a sucessão histórica de modelos teóricos que tentaram explicar

essa interação sistêmica entre duas ordens jurídico-positivas diversas.

Não se pode deixar de perceber, inclusive, que cada um deles pretendeu fornecer

uma resposta, de acordo com seus critérios e parâmetros específicos, à dificuldade de

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lidar com a complexidade e com a diversidade de possíveis regimes jurídicos incidentes

sobre uma mesma situação juridicamente regulada, sempre com o objetivo de

determinar a prevalência de um ou de outro, ora a ordem jurídica internacional sobre a

interna, ora esta sobre aquela.

Nesse sentido, será possível identificar dois grandes grupos de pensamento que

tentam explicar a lógica de funcionamento da inter-relação entre Direito Internacional e

Direito interno, com o objetivo de tentar encontrar uma possível prevalência de um

regime jurídico positivo sobre outro. São eles, (i) o Modernismo Westfaliano; e o (ii)

Pós-Modernismo Transicional. Cada um deles oferece uma matriz cognitiva dotada de

aparato conceitual próprio, permitindo, segundo sua lógica e sua linguagem específicas,

identificar uma espécie de padrão de legalidade prevalecente.

Todavia, ao mesmo tempo em que se desenvolvem arsenais conceituais jurídicos

renovados, com objetivos singularmente direcionados em função das contingências e

das conjunturas histórico-sociais que perpassam e que alternam correntes de

pensamento filosófico, político e econômico distintas, há a dificuldade de

operacionalização desse aparato lingüístico constantemente re-criado pela literatura

jurídica que busca contribuir para o desenvolvimento concreto (HEGEL, 1980, p. 340-

6) do pensamento jurídico. Afinal,

a contemporaneidade não pode prescindir do estudo das bases do direito

internacional dos tempos precedentes, sob pena de se perder a compreensão

do papel e do alcance possível deste, na construção das normas e dos

respectivos mecanismos de implementação. (ACCIOLY; NASCIMENTO E

SILVA; CASELLA, 2009, p. 98).

A impossibilidade de desdobrar praticamente em ato o potencial que reside nas

diferentes soluções de cada modelo teórico (atualização: passagem da potência para o

ato) (HEGEL, 1980, p. 341) pode ser diagnosticada como decorrendo da persistência de

modelos explicativos e cognitivos anacrônicos, porque inviáveis e inaptos para lidar

com os novos elementos constituintes da realidade jurídico-político-econômica e

filosófica vigente.

O presente trabalho, assim, estrutura-se em quatro partes.

A primeira parte se destina à breve exposição dos principais aspectos do Caso

LaGrand, com o objetivo de ressaltar as questões e os problemas pertinentes ao tema

desta investigação. A insatisfação de juristas com relação às soluções práticas dadas

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pelo Direito positivo apontará para o caráter intrinsecamente jurídico-filosófico da

questão, justificando, inclusive metodologicamente, as abordagens de caráter histórico-

filosófico a serem feitas nas demais partes do texto.

A segunda parte centra sua discussão em torno da tentativa de compreender o

primeiro modelo explicativo das relações entre Direito Internacional e Direito interno, a

partir do paradigma jusfilosófico tipicamente Moderno-westfaliano. Após o exame dos

principais critérios que informam essa corrente, será possível apresentar, com finalidade

puramente cognitiva, em linhas bastante gerais, as duas principais – e clássicas –

vertentes desse modelo de pensamento, a saber, o monismo e o dualismo, com suas

diferentes soluções e ramificações.

Constatada a obsolescência do paradigma anteriormente tratado, tendo em vista

a inserção do Direito Internacional em contexto jusfilosófico e econômico diverso, de

caráter Pós-Moderno, será possível perceber, não apenas a superação do debate entre

monismo e dualismo, tendo em vista a impossibilidade de continuar a discussão em

termos Modernos dentro de ambiência em que não mais possuem a mesma significação,

mas também o surgimento de novo arcabouço conceitual que pretende lidar com as

mesmas questões.

Nesse sentido, a terceira parte tratará das vertentes de Pós-Modernismo

identificadas, a fim de tentar compreender de que maneira cada uma delas busca

resolver a questão da relação entre Direito Internacional e Direito interno, no sentido de

buscar pela prevalência de um sobre o outro.

Cabe ressaltar que o presente trabalho não pretende ter exaurido a apresentação

de modelos teóricos destinados a encaminhar para a solução do referido problema, visto

que a exposição desses dois principais não significa que não possam existir outros

modelos relevantes e pertinentes que dêem ao tema, a partir de perspectiva renovada,

soluções ainda mais interessantes.

Ademais, a apresentação dos modelos teóricos mais recentes especificamente

diagnosticados não decorre de qualquer preferência explícita e a priori por um ou por

outro, mas, sim, da intenção de tentar apresentar as diferentes tendências dos modos de

pensar o mesmo tema, para além da tradicional e superada discussão entre o monismo e

o dualismo.

Por fim, a quarta parte discutirá a importância de se continuar a se re-propor,

continuamente, e de modo insaciável, novas leituras de institutos e de temas jurídicos

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clássicos, a partir de diferentes referenciais teóricos e filosóficos mais próximos das

tendências mais recentes do pensamento e do conhecimento humanos contemporâneos.

2 O PONTO DE PARTIDA CASUÍSTICO DA REFLEXÃO FILOSÓFICA: O

CASO LAGRAND

Por que se pára para pensar e quem pára para pensar? Quem pára para pensar

são os juristas com interesses filosóficos em função dos problemas colocados

pelo Direito Positivo – problemas que não encontram solução e

encaminhamento no âmbito estrito do Direito Positivo. A Filosofia do Direito

é, assim, o campo dos juristas com interesses filosóficos, instigados, na sua

reflexão, pelos problemas para os quais não encontram solução do âmbito do

Direito Positivo. (LAFER, 2004, p. 54)

O presente tópico apresenta, de maneira sucinta, as principais questões

envolvidas no Caso LaGrand que se mostram pertinentes à temática a ser desenvolvida

no presente estudo, a saber, a necessidade de se escolher pela prevalência de uma das

duas ordens jurídicas que mantêm relação entre si na regulamentação de conflitos de

caráter internacional, a saber, o regime jurídico internacional e o interno.

Nesse sentido, é importante frisar que o caso a ser examinado detém a função,

neste estudo, de constituir ponto de partida de uma reflexão filosófica em torno do tema

escolhido para este trabalho, o que justifica, metodologicamente, a abordagem, de

caráter jusfilosófico internacional, a ser desenvolvida nos tópicos seguintes.

Trata-se de uma postura típica de uma abordagem de Filosofia do Direito

Internacional, uma vez que as dificuldades encontradas no desenvolvimento das práticas

em torno do Direito Internacional positivo – entendido como o Direito Internacional

vigente - convidam a parar para pensar, visando a encontrar o significado das coisas,

atribuindo-lhes um significado global, a fim de que se possa agir (LAFER, 2004, p. 54),

não apenas dentro do mundo, conforme as determinações da situação, mas também,

sobre ele, de modo a o alterar.

Há, dessa maneira, um desligamento provisório do mundo tangível, da realidade

dos fatos, a fim de perquirir soluções, novas ou antigas, para os problemas surgidos da

práxis (LAFER, 1979, p. 28, 93 e 98), ou seja, abandona-se, temporariamente, mas com

a pretensão de retornar em breve, a realidade ontológica, para refletir, com o escopo de

elaborar/encontrar uma solução, a partir dessa reflexão, para os problemas surgidos da

prática, para atuar sobre o mundo transitoriamente abandonado, para tentar uma

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transformação do mesmo a partir do pensamento e de seu resultado/produto, a solução

do presente, teoricamente formulada, para fins práticos futuros.

Apesar de invisível, a atividade do pensar irrompe no mundo das aparências.

Sócrates, como lembra Hannah Arendt, valeu-se da metáfora do vento para

explicar o seu impacto: os ventos são invisíveis, mas ainda assim o que eles

fazem é manifesto para nós e de alguma maneira sentimos a sua

aproximação. (LAFER, 1979, p. 86-7).

Note-se, inclusive, que “as questões referentes à vida social e aos produtos

culturais da atividade humana permeiam as ciências sociais e as humanidades”, não

sendo de propriedade exclusiva de qualquer ramo do conhecimento humano, devendo-

se evitar qualquer dogmatismo decorrente da obsessão por uma única via teórica

compreensiva (GIDDENS; TURNER, 1996, p. 7e 10).

Nesse sentido, não basta uma singela análise calcada apenas nos pressupostos e

nos conceitos jurídicos, devendo-se se utilizar de aparato auxiliar de outros ramos do

conhecimento humano, naquilo que interessam à reflexão jurídica, na exata medida em

que admitem, dentro de suas preocupações, um espaço para o estudo do Direito

(FERRAZ JR., 2001, p. 39-44; ROESLER, 2002, p. 82).

Assim, em outras palavras, a partir de determinadas questões suscitadas no caso

estudado, diante da insatisfação do encaminhamento prático obtido, será iniciado um

movimento de reflexão tipicamente filosófico em torno dos paradigmas jurídicos que

informam a lógica de funcionamento da relação entre o Direito Internacional e o Direito

interno, com a finalidade de expor a alternação histórico-filosófica de cada um dos

modelos teóricos identificados que pretendem solucionar ou trabalhar a questão dentro

de seu específico aparato conceitual.

Por esse motivo, enfim, é que se mostra indispensável a apresentação breve do

caso do qual a temática principal do presente estudo é depreendida de forma evidente,

na medida em que expõe, emblematicamente, como se compreende, nas práticas

internacionais, a relação entre Direito Internacional e o interno, de modo a se haver a

decisão da prevalência de um ou de outro.

Dentre os mais notórios episódios de descumprimento de normas jurídicas

internacionais, convencionais e costumeiras, por um país, em razão da opção pela

prevalência da aplicabilidade de sua norma jurídica interna, destacam-se as práticas

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estadunidenses relacionadas a posicionamentos da Corte Internacional de Justiça (CIJ)

nos casos BREARD, LaGrand e AVENA.

O primeiro deles, de 1998, se encerrou com a desistência do Paraguai após a

execução de BREARD sem que a Corte houvesse proferido decisão sobre o mérito.

Quanto ao mais recente, o caso AVENA de 2004, as conseqüências alcançaram o

extremo a ponto de levar os EUA a retirarem a aceitação de jurisdição da CIJ: “a

rejeição de um tribunal internacional já estabelecido não é uma infração leve”

(HABERMAS, 2006a, p. 97).

Algumas das motivações a esta gravíssima retirada podem ser encontradas na

combinação de uma pressão interna a um desprezo da administração da época em

relação às instituições e ao Direito Internacional, bem como em uma distorcida

interpretação da CIJ como interferência indevida ou ainda instância adicional a que se

apelaria apenas após o esgotamento dos recursos internos.

No entanto, o foco do presente trabalho se deterá no caso LaGrand, por

considerá-lo mais sintomático para o tema em questão, consistindo também no principal

precedente do caso que levaria a tal retirada da aceitação, bastante lembrar que “[o] caso

LaGrand foi precedente direto do caso AVENA.” (CASELLA, 2008, p.1261).

De nacionalidade alemã, Walter e Karl LaGrand foram morar ainda durante a

infância nos EUA – sem jamais, porém, deixarem de ser cidadãos alemães. Foram

detidos em Mariana (Arizona) em 7 de janeiro de 1982, sob acusação de roubo a banco

que levou à morte de um gerente e graves lesões em outro funcionário. Após

julgamento, foram condenados em 1984 por homicídio, tentativa de homicídio e roubo a

mão armada.

Oito anos após a condenação, os irmãos foram informados de que lhes era de

direito contatar o serviço consular alemão e contar com a proteção do mesmo – a que as

autoridades estadunidenses replicaram com a alegação de desconhecer a nacionalidade

de ambos. Os LaGrand passaram então a solicitar revisões por diversas vezes, até

mesmo à Suprema Corte, devido à violação do art. 36 da Convenção de Viena sobre

relações consulares.

Com fundamento na alegação de trânsito das sentenças em julgado, os pedidos

na ordem jurídica interna foram negados, sob a justificativa de que a reabertura dos

casos estaria impedida por vícios processuais.

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Karl foi executado com injeção letal em 24 de fevereiro de 1999, mas a

República Federal da Alemanha solicitou medida cautelar à CIJ a fim de impedir que o

irmão tivesse o mesmo fim antes do julgamento do caso.

Em 3 de março, o pedido foi aceito pela CIJ mas rejeitado pela Suprema Corte

Americana, que acabou por executar Walter na câmara de gás naquele mesmo dia,

conforme marcado.

A não suspensão foi sustentada por alegações de que não fora dado aos EUA

direito de defesa no que diz respeito ao pedido de medida cautelar, bem como que a

CVRC seria inaplicável ao caso por se restringir a funcionários consulares e

diplomáticos e finalmente que os obstáculos provenientes das divisões internas

jurisdicionais e a solicitação tardia impediam que o caso fosse suspenso.

Uma vez prevista pelo artigo 36 da Convenção de Viena a assistência consular

pelas autoridades do estado do qual é nacional o estrangeiro em julgamento, não se

mostra cabível a alegação de se querer criar “instância adicional de apelação” em

benefício deste.

Cabe apontar, ainda, que, além do descumprimento da medida cautelar, os EUA

ignoraram a reparação e o pedido de garantia pleiteados pela República Federal da

Alemanha, além de terem expressamente alegado perante a CIJ que não teriam a

obrigação de alterar sua ordem jurídica interna em função de compromisso assumido

internacionalmente.

A atuação dos Estados Unidos se conta como péssimo precedente no cenário

mundial e como retrocesso no esforço de implementação e aplicação

consistentes do direito internacional. (CASELLA, 2008, p. 1262).

Isso porque, enfim, os EUA deixaram de cumprir a obrigação constante de

Tratado Internacional, a CVRC, mas também simplesmente desconsideraram

mandamentos vinculantes emitidos pela própria CIJ, além de terem entendido não ter

havido qualquer prejuízo ao Direito Internacional pela não alteração da ordem jurídica

positiva processual interna em função de compromisso internacional assumido, na

medida em que não existiria qualquer obrigação no sentido de modificação do Direito

interno em razão do Direito Internacional.

O caso LaGrand é remetido a duas ordens de direitos: tanto da parte do Estado,

no sentido da proteção de seu nacional em território estrangeiro, quanto do indivíduo,

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que, enquanto estrangeiro, pode valer-se da devida assistência consular. Não apenas

constituições e sistemas nacionais podem assegurar os direitos fundamentais, mas

especialmente os tratados internacionais que podem implementá-los por meio da CIJ.

Uma vez signatário sem reservas da CVRC e de seu Protocolo facultativo, os

Estados Unidos se comprometem a acatar as decisões de tal Corte. A violação desta

norma internacional, portanto, “também fere e solapa as bases de direitos fundamentais

em relação aos estrangeiros [...] sujeitos ao direito interno e à interpretação deste pelos

tribunais nacionais [...]” (CASELLA, 2008, p.1259).

A relevância do caso se mostra, portanto, evidente:

[F]rom a purely juridical perspective, LaGrand is not primarly about the

death penalty. The main points it stands for are the binding force of

provisional measures indicated by the Court and the finding that consular

access is an individual right” (RODLEY, 2002, p. 318).

LaGrand deve também ser foco das atenções não apenas para que se evite novas

infrações do tipo, mas para que sejam revelados na pena de morte estadunidense alguns

“pequenos segredos sujos”, nas palavras de Joan FITZPATRICK:

that it is largely restricted to marginalized elements in the community, and

that the basic rights of capital defendants are often significantly violated

during the investigative and Trial phases of their cases. They often do not

raise timely objections to these deprivations, because their appointed counsel

fails to act on their behalf (FITZPATRICK, 2002, p. 309).

3 O PARADIGMA DO MODERNISMO WESTFALIANO: O VOLUNTARISMO

SOBERANO

Em uma época em que o nacionalismo é antiquado, os chamados movimentos

de renovação nacional são, ao que tudo indica, particularmente sujeitos a

práticas sádicas. (ADORNO, 2006, p. 137).

O direito político ainda etá por nascer, e é de presumir que nunca venha a

nascer. Grotius, o mestre de todos os nossos doutos nessa matéria, não passa

de uma criança e, o que é pior, uma criança de má-fé. Quando ouço elevarem

Grotius às nuvens e cobrirem Hobbes de execração, vejo quantos homens

sensatos lêem ou compreendem esses dois autores. A verdade é que seus

princípios são exatamente semelhantes; eles só diferem pela expressão.

Diferem também pelo método. Hobbes apóia-se em sofismas, e Grotius, em

poetas; tudo o mais lhes é comum. (ROUSSEAU, 1999, p. 646-7).

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O Modernismo westfaliano consiste no padrão clássico de Direito Internacional,

calcado no conceito típico de delimitação espacial de fronteiras estatais sujeitas a um

poder Soberano. Esses caracteres foram delineados pelos Tratados de Münster e de

Osnabrück, na Westfália, assinados em 24 de outubro de 1648,

quando triunfa o princípio da igualdade jurídica dos estados, estabelecem-se

as bases do princípio do equilíbrio europeu, e surgem ensaios de

regulamentação internacional positiva. Podem ser apontados não somente o

conceito de neutralidade na guerra, em relação aos estados beligerantes,

como também fazer paralelo, entre o princípio então adotado, da

determinação da religião do estado pelo governante, o que seria o ponto de

partida do princípio contemporâneo da não-ingerência nos assuntos internos

dos estados. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p.

64-5).

A Soberania, hoje anacronicamente defendida e protegida de modo

incondicional, configura-se como poder absoluto que não reconhece outro acima de si

(CAMPILONGO, 2007, p. VIII), remontando ao nascimento dos grandes Estados

nacionais europeus, apesar de não ter sido consolidada completamente em sua dimensão

externa (FERRAJOLI, 2007, p. 1-3), conforme um ainda persistente Projeto Moderno

de organização política das sociedades no mundo (FERRAJOLI, 2006).

Poder exclusivo e absoluto de alguma autoridade político-jurídica sobre

determinada circunscrição territorial, englobando todos os recursos minerais, naturais,

animais e humanos nela insertos, a Soberania se trata de uma potestas que se estende

sobre um dominium, mas que não encontra algo além dela sobre aquele território, por

ser a suprema potestas superiorem non recognoscens (FERRAJOLI, 2007, p. 1), dirige

tudo o que se encontra dentro daquela delimitação geográfica espacial: ar, terras, povos,

vegetação, animais, minérios, águas (rios e mares), etc., tudo de alguma forma, espécie

de território de propriedade estatal (aéreo, terrestre, líquido, humano, etc.).

Essa concepção ficou mais clara, e mais sincera/transparente, com a admissão,

por Hugo GRÓCIO, o pai do Direito Internacional, da possibilidade de considerar como

matáveis todos aqueles que se inserissem no território inimigo das colônias, inclusive

mulheres, crianças e prisioneiros, visto violarem o direito natural – assimétrico – de os

espanhóis poderem acessar os bens comuns (os recursos naturais, animais e vegetais)

(FERRAJOLI, 2007, p. 17-8).

De qualquer forma, a Soberania possui o caráter de ser poder absoluto,

exclusivo, supremo, inalienável e independente, “sem igual ou concorrente, no âmbito

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de um território, capaz de estabelecer normas e comportamentos para todos seus

habitantes.” (FARIA, 2004, p. 17). Ela se consolida internamente pela progressiva

monopolização dos instrumentos de violência e de Poder decisório e nomogenético pelo

Estado, por meio da eliminação dos particularismos locais, extinguindo a fragmentação

política medieval. Concentra-se o Poder nas mãos de um vértice único, dentro de uma

hierarquia piramidal rígida. (FARIA, 2004, p. 18-21).

Segundo este modo de compreensão de mundo, o Direito Internacional é produto

das manifestações de concordância dos Estados, ou ainda, da mera vontade (voluntas) dos

Estados, que assentem a regras jurídicas, de tal modo que a Soberania pode optar pela

limitação voluntária dela mesma (FARIA, 2004, p. 150-6) – assentimento que, tão quão

foi voluntariamente dado, pode ser retirado, um comportamento típico de um modelo

clássico “de um poder imperial que se esquiva de normas do direito internacional porque

estas limitam o seu próprio espaço de ação (HABERMAS, 2006a, p. 189) -.

Este modelo de compreender a formação do Direito Internacional decorre da

indevida subjetivação do fenômeno estatal, ou seja, da não acertada aplicação dos

preceitos da filosofia subjetivista (do sujeito), tipicamente Moderna, inaugurada por

René DESCARTES (GIANNATTASIO, 2009b), ao Estado. A Filosofia do sujeito

propõe que o ser cognoscente, para compreender o mundo, deve partir de seu próprio

ego, interpretando o mundo de acordo com a vontade e conforme a idéia do sujeito: o

sujeito (Estado) se mostra como o verdadeiro ponto de partida, o centro único, exclusivo

e Soberano do mundo jurídico (KELSEN, 2005, p. 549).

Não é sem motivo, inclusive, haver a atribuição, pelo Discurso Jusfilosófico

Político Moderno, de uma vontade ao Estado, qualificada, classicamente, de vontade

geral (ROUSSEAU, 2006). Mas não se deve se esquecer de que

o Estado não é uma unidade biofisiológica, e nem mesmo uma unidade

sociológica. A relação entre Estado e Direito é radicalmente diversa da

relação entre indivíduo e Direito. [...]. Acredita-se que o Estado seja um

objeto de regulamentação apenas porque a personificação antropomórfica

dessa ordem nos leva, primeiro,a equipará-lo a um indivíduo humano e,

então, a tomá-lo erroneamente por um indivíduo suprahumano. (KELSEN,

2005, p. 536)

Bastaria, nesse sentido, mencionar como interessante exemplo, não único, o

entendimento de Dionisio ANZILOTTI (1923, p. 39-40), que afirma serem fonte do

Direito Internacional Público os acordos das vontades manifestadas pelos Estados, de

55

modo expresso (Tratados Internacionais) ou tácito (costume), mas sempre o acordo

entre as vontades estatais.

Essa concepção permite compreender de duas maneiras distintas as relações

entre Direito Internacional e Direito interno, na medida em que é possível, com base em

divisão de fronteiras, distinguir dois regimes jurídicos, um nacional e outro

internacional. Podem eles ser ordenamentos independentes, sem quase contato algum

entre eles, ou ramos de um mesmo sistema jurídico, em que se mantém alguma relação:

a primeira escolha é apresentada pelos seguidores da visão dualista, enquanto que a

segunda é pregada pelos da corrente monista (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA;

CASELLA, 2009, p. 210-1).

Em apertada síntese, um interessante exemplo da visão dualista é a conclusão

apresentada por Carl TRIEPEL que, ao examinar as características do direito interno e

do direito internacional, entende que eles constituem sistemas jurídicos distintos,

passíveis de serem configurados como dois círculos que não se sobrepõem, mas que se

tangenciam, na medida em que regem relações diversas, não havendo concorrência, nem

conflitos, entre as fontes dos dois sistemas jurídicos: o direito interno regeria relações

intra-estatais e o direito internacional regularia relações interestatais (ACCIOLY;

NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 212; CASELLA, 2007c, p. 18).

Por outro lado, Hans KELSEN é um dos maiores defensores da visão monista,

entendendo não ser possível admitir a existência de dois sistemas jurídicos, igualmente

válidos e independentes, visto que, conforme sua concepção de Direito, as relações

entre o direito interno e o Direito Internacional convergem e se superpõem, havendo a

necessidade de se encontrar uma maneira que discipline essas duas categorias e a

relação entre elas, dentro de uma única ordem jurídica, com nuances e subdivisões, a

partir da imagem da pirâmide kelseniana de normas, em cujo vértice se coloca o

princípio pacta sunt servanda (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA,

2009, p. 211; CASELLA, 2007c, p. 19-20).

Assim, entre as duas possíveis relações entre Direito Internacional e direito

interno, o conflito entre as normas de ambas apenas surgirá, ou deverá ser cogitado, a

partir do momento em que se concebe a interação entre ambas de acordo com a

concepção monista, porque a unidade científica do sistema jurídico demanda que não haja

a possibilidade de contradições e de conflitos: a solução deve ser dada, entendendo-se que

uma, ou outra, deve prevalecer (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 64-5).

56

É neste ponto que se subdividem os seguidores da corrente monista, visto que,

(i) para alguns, há a prevalência das normas de Direito Internacional sobre as de direito

interno (Hans KELSEN, p. ex., por motivos práticos); enquanto que, (ii) para outros,

prevalecem as normas de direito interno sobre as de Direito Internacional. (ACCIOLY;

NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 65; ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA;

CASELLA, 2009, p. 211)

Há ainda aqueles que seguem uma posição intermediária, entendendo que a

supremacia de uma, ou de outra, depende de utilização de critérios temporais (the later

time rule), visto que possuiriam o mesmo status jurídico e hierárquico (monismo

moderado), conhecida também como teoria da legalidade ordinária dos tratados

internacionais. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 213)

A Corte Internacional de Justiça tem sido invariável ao reconhecer o caráter

preeminente do direito internacional. Em parecer de 1930, a Corte Permanente de

Justiça Internacional declarou ser princípio geralmente reconhecido, do direito

internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as

disposições de uma lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado. Além disso, a

própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados adotou em seu artigo 27 a

mesma regra: uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para

justificar o inadimplemento de um tratado. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA,

2002, p. 65)

No direito brasileiro, por sua vez, em relação ao conflito entre fontes vê-se certo

descompasso entre a doutrina, alinhada pela concepção do monismo kelseniano,

segundo a qual o tratado sempre deve prevalecer sobre a lei interna, ainda que se trate

da Constituição (Clóvis BEVILAQUA, Haroldo VALLADÃO, Vicente Marotta

RANGEL, Pedro LESSA, Philadelpho AZEVEDO, Vicente RÁO, Hildebrando

ACCIOLY e Carlos MAXIMILIANO), com algumas exceções com relação apenas a

este último aspecto (Oscar TENÓRIO, Francisco REZEK), e a interessante evolução da

jurisprudência pátria, com avanços e retrocessos, onde, por caminhos tortuosos,

equipara-se o tratado à lei interna, sujeitando estes às modificações supervenientes

decorrentes de alterações posteriores do ordenamento nacional, privando a norma de

direito internacional positivo de seu sentido e alcance. (CASELLA, 2007c, p. 22-7).

Essa situação configura descumprimento de obrigação pelo Estado contratante,

enquanto sujeito de direito internacional, em relação aos demais signatários do mesmo

57

instrumento: de fato, como lembra Haroldo VALLADÃO, a norma internacional tem

sua forma própria de revogação, a denúncia, que não toma forma de norma jurídica

interna, podendo-se cogitar de responsabilidade internacional do Estado em razão de

descumprimento de norma por força de ato de órgão interno (insegurança no plano

internacional). (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 215-6).

O julgamento que sedimentou a posição do STF com relação a esse tema foi o

RE 80.004 (1978), classificado pela doutrina como exemplo de monismo moderado,

momento, inclusive, do surgimento dessa terminologia. Nesse caso, o STF decidiu que

uma lei interna superveniente poderá afetar um tratado em vigor, com exceção daqueles

referentes à matéria tributária, em face do que dispõe o artigo 98 do CTN. Depois de

incorporado o tratado à legislação interna, encontra-se em iguais condições às demais

leis ordinárias (hierarquicamente inferior à Constituição, portanto), e todas as

contradições temporais que se apresentarem serão solucionadas com base em critérios

temporais de solução de antinomias aparentes (ver, ainda, entre outros, ADIN 1.480, CR

8.279 e HC 72.131); essa posição, ainda, foi seguida, em 1994, pelo STJ, em decisão

que expressamente faz referência ao RE 80.004. (ACCIOLY; NASCIMENTO E

SILVA; CASELLA, 2009, p. 213-4; CASELLA, 2007c, p. 27).

Esse julgamento consubstanciava falha técnica e distorção conceitual que parece

ter sido corrigida, porque nenhum país civilizado, e com pretensões de maior projeção

internacional, como o Brasil, pode aceitar uma interpretação nesse sentido. Aliás, deve-

se lembrar que a doutrina criticou essa posição, seja de forma sutil (Jacob DOLINGER,

José Carlos de MAGALHÃES e Hildebrando ACCIOLY), seja de maneira mais

incisiva (Celso Albuquerque de MELLO).

De uma forma, ou de outra, entendeu-se que o RE 80.004 representa um

retrocesso no tratamento jurisprudencial da matéria, visto estar fundamentada em

autores antigos e dualistas, como TRIEPEL: o STF, segundo Celso de MELLO, errou, e

não tem coragem de admitir seu erro, nem de o corrigir, constituindo uma orientação

restritiva e obsoleta. (CASELLA, 2007c, p. 28-30).

Há indícios de uma eventual tendência de reorientação da jurisprudência do

STF, ao menos se for analisado o fundamentado voto proferido pelo Ministro Gilmar

Ferreira MENDES, no RE 466.343-1/SP, no qual, em linhas gerais, assinala o

entendimento de como deve ser feita a inserção dos tratados na ordem jurídica interna,

após a Constituição de 1988, afirmando a necessidade de se revisitar a orientação

58

jurisprudencial do STF, sendo anacrônica a tese da legalidade ordinária dos tratados

internacionais, por haver uma tendência mundial do constitucionalismo contemporâneo

de prestigiar as normas internacionais, principalmente as que inserem o homem como

centro de suas preocupações (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2009, p. 214;

CASELLA, 2007c, p. 33-8).

De qualquer modo, deve-se notar, por fim, que a discussão diferenciadora entre

monismo e dualismo apenas remete a algum sentido dentro de um discurso jurídico-

filosófico e político tipicamente moderno westfaliano, na medida em que nos dois

modos de pensamento e de compreensão Pós-Modernos, a serem expostos a seguir, o

exclusivismo estatal voluntário, fundado na Soberania, perde seu sentido, restando

superado, ou infrutífero, o debate, ao menos nos termos clássicos do pensamento

moderno westfaliano, entre monismo e dualismo.

Pode a reflexão sobre o papel histórico, que poderia ter a desempenhado o

dualismo, no contexto da Alemanha e da Itália, o final do século XIX e início

do século XX, ensejar a superação da visão e da aplicação deste – embora

sob a suposta forma mitigada de dualismo moderado, tal como se anunciava

não faz muito – e ensejar revisão do corte epistemológico entre conceitos

universais e expedientes específicos no Brasil, preparando o caminho para a

adoção mais ampla do direito internacional pós-moderno em nosso

ordenamento e na ordenação das relações do estado com os seus pares, na

ordem externa, bem como em relação aos demais agentes (não estatais)

internacionais. (CASELLA, 2006, p. 838).

4 O CONTEXTO DA PÓS-MODERNIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL

[A]quele que segue estes singulares caminhos não encontra ninguém, o que é

próprio destes “singulares caminhos”. Ninguém vem em nosso auxílio; é

preciso livrar-nos de todos os perigos, de todos os azares, de todas as ciladas,

de todos os temporais. [...].

Desde que o mundo é mundo, nenhuma autoridade permitiu tornar-se objeto

de crítica [...]. (NIETZSCHE, 2008, p. 9-10).

O mundo não vai se dobrar ante a vontade daqueles que venham impor

fórmulas prontas, sem discussão: o progresso intelectual da humanidade se

faz na medida em que se formularam indagações críticas; é preciso

questionar o mundo e o estado deste (CASELLA, 2007b, p. 14).

Maurice MERLEAU-PONTY (2004), em 1948, ao contrapor o pensamento

tradicional ao que se encontrava em gestação em sua época, acenara para a

impossibilidade de se perpetuar um arcabouço conceitual, cognitivo e perceptivo

tipicamente calcado nos moldes do clássico mundo da ciência, exatamente por ele não

59

ser capaz de fornecer uma representação do mundo que seja completa, na medida em

que, ao primar pela inteligência, desprezava a dimensão da percepção dos sentidos.

Seu Discurso Filosófico é arquitetado em direção a uma crítica ao Discurso

Filosófico Moderno, iniciado pelo movimento deflagrado pela Filosofia de René

DESCARTES (GIANNATTASIO, 2009b), por ele entendido como clássico, mas não

pretende negar “o valor da ciência como instrumento do desenvolvimento técnico ou

como escola de precisão e de verdade.” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 5). Na verdade,

o autor aponta para a insuficiência dos critérios norteadores da reflexão da Ciência e do

Discurso Filosófico Moderno, tendo em vista que o mundo percebido, captado pelos

sentidos, é por ele ignorado como fonte do engano, do não-saber.

A breve menção à reflexão de Maurice MERLEAU-PONTY se mostra relevante

para o presente estudo, não tanto em razão dos pressupostos fenomenológicos ou das

conclusões construídas pelo pensamento deste autor, mas, sim, pelo fato de apontar para

um específico dado, muitas vezes ignorado, de caráter metafísico, porque primeiro, no

direcionamento da arquitetura da concepção de Direito, a saber, a medida em torno do

qual são constituídos todos os princípios estruturantes do Direito – inclusive do Direito

Internacional -, toda a base reflexiva e conceitual relacionada em torno do fenômeno

jurídico, bem como todo a repertório instrumental operacional.

É preciso estudar e tratar o direito, e especificamente o direito internacional,

como parte de fenômenos mais amplos e que tem relação direta e necessária

com o tempo e contexto no qual se inscrevem e do qual derivam.

(CASELLA, 2009a, p. 68).

A medida, como fundamento hipotético do pensamento – hipótese de início do

pensamento -, e em função da qual todo o arcabouço teórico e prático do Direito é

concebido, é o critério que deve ser adequadamente compreendido para que se possa

conhecer, de modo mais completo possível, o Direito, seus ramos, seus institutos e suas

respostas práticas às demandas que se lhe apresentam. Mas se deve tentar entender a

idéia de medida, e de que modo ela influencia da formação do Direito Internacional.

A continuidade da reflexão de Maurice MERLEAU-PONTY permite apreender

a noção do campo semântico de medida. De certa forma, o pensamento clássico pode

ser visto limitado, por outros motivos, uma vez que não considerava, para a formação de

seu instrumento de busca do conhecimento, bem como do próprio conhecimento, a

dimensão da animalidade, ou melhor, a existência de outros modos de compreender o

60

mundo, residente nos animais, nos homens primitivos, nas crianças e nos loucos, em

desacordo com o padrão tipicamente Moderno e artificial do homem civilizado, maduro

e são (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 29-40).

Em outras palavras, o pensamento Moderno estava desprovido da escala de

conhecimento, enquanto método de aproximação do mundo, de sua constituição, e de

construção do saber, fornecido pelos outros modos de existência que não o padrão

artificialmente construído por um Discurso Filosófico específico. Em outros termos,

faltava-lhe, por preconceito, a medida de perspectiva cognitiva dos outros serem que

“habitam [o mundo] à sua maneira” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 30).

Há que se notar, nesse sentido, a existência de diferentes padrões de mensuração

do mundo, com o objetivo de o conhecer. Mais do que isso, a inúmeras escalas

constitutivas do pensamento, dos modos de pensar, bem como do próprio saber, variável

de acordo com as condições subjetivas do ser cognoscente, ou mesmo conforme as

condições objetivas que o envolvem.

O uso de uma única régua para apreender a realidade, ou mesmo para construir o

conhecimento sobre a mesmo, sempre será limitado, com resultados incompletos,

insuficientes e insatisfatórios, motivo pelo a medida não pode ser universalizada, sob

pena de se inviabilizar o processo de conhecimento e o de explicação da realidade, ou

mesmo de operacionalização da mesma.

Essa constatação da existência de diferentes medidas deve ser aplicada para o

objeto do presente estudo no seguinte sentido: não há como compreender o fenômeno

jurídico inserto na crise da Pós-Modernidade a partir do aparato conceitual puramente

Moderno. Se se pretende conhecer o Direito Internacional na Pós-Modernidade, de

modo a aperfeiçoar os conceitos clássicos para serem operacionalizados nessa nova

(des)ordem, deve-se entender, minimamente, a que se propõe a Pós-Modernidade,

desvencilhando-se dos preconceitos e das premissas tipicamente Modernas.

Em outros termos, não há como conceber a operacionalização de uma chave-

cognitiva e operacional típica de construção de acordo com o paradigma do discurso da

filosofia jurídico-política Moderna em um contexto em que se constatam os

descaminhos do Projeto Moderno (HABERMAS, 1987b, 1992).

Deve-se notar que a Pós-Modernidade é um fato que não pode ser negado, e com

o qual se deve buscar lidar, na medida em que ele se instalou de modo definitivo

(BITTAR, 2005a, p. 100; CASELLA, 2009a, p. 168),

61

a pós-modernidade não se põe como escolha, mas como fato da vida: o

mundo mudou, e as percepções culturais têm de enxergar o mundo e tentar

captá-lo, a sua operação se porá como necessidade: é preciso entender o

mundo, tal como o temos, hoje (CASELLA, 2007b, p. 10).

A característica primeira da Pós-Modernidade é sua incapacidade de gerar

consensos (BITTAR, 2005a, p. 99), na medida em que insere a variável da incerteza em

todos os elementos constituídos sob a égide do pensamento Moderno, de modo a

questionar sua validade, ou ainda, de modo a desnaturalizar, a superar e a destruir as

“doces ilusões e confortos” das certezas do conhecimento obtido pela reflexão anterior

da modernidade (CASELLA, 2007b, p. 13, 2009b, p. 9).

Inscreve-se o direito como produto do tempo histórico e do contexto cultural.

O direito há de ser entendido não como mera técnica, mas como parte de

construção humana, entre história e cultura, como entre política e moral:

produto do seu meio e do seu tempo, o direito internacional põe a nu a

fragilidade que os direitos internos tentam disfarçar sob a aparência de

coerência dos sistemas nacionais, coerência essa muito mais ilusória que

efetiva. (CASELLA, 2009b, p. 2).

Em Direito internacional, deste modo, vive-se em período em que vigem

constelações pós-nacionais que questionam os frutos das lições da Modernidade

(HABERMAS, 2001, 2002, 2006a). A forma de organização política da sociedade

internacional em torno de Estados nacionais, de acordo com as diretrizes do modelo da

Paz de Westfália de 1648 (CASELLA, 2007a; FERRAJOLI, 2007, p. 40), mostra estar

esgotando toda a sua capacidade de lidar com a complexidade que se coloca a sua frente

(HABERMAS, 1993, p. 82), fruto das inúmeras desconstruções operadas no âmbito da

Filosofia Política (HABERMAS, 2001), da Filosofia do Direito (FERRAJOLI, 2006,

2007; KELSEN, 1989, p. 469 apud FERRAJOLI, 2007, p. 4), do Direito Internacional

Público (CASELLA, 2006) e da Sociologia (SANTOS, 1995, 2003), entre outros ramos

do conhecimento e da atividade cultural humana, como as Ciências (SANTOS, 1988) e

as Artes (CASELLA, 2007b).

Enfim, encontra-se em um momento de transição, em que os paradigmas da

Teoria Geral do Estado sofrem uma crise de degenerescência epistemológica (TOJAL,

1997). Nesse sentido, há a flexibilização da tipicamente Moderna e rígida noção de

Soberania estatal, associada à progressiva desconsideração dos limites estabelecidos

pelas fronteiras nacionais, bem como o surgimento de novas arenas de Poder e de

62

produção de normas jurídicas para além do fenômeno estatal (CASELLA, 2009b, p. 10;

FARIA, 2004; HABERMAS, 2006a, p. 183-4).

No direito internacional, a configuração, estritamente estatal, vigente durante

séculos, deu lugar ao contexto pós-moderno, no qual claramente os estados

não mais conseguem fazer operar o sistema internacional como todo. Assim o

tempo histórico e o contexto cultural obrigam a rever os fundamentos do

direito internacional pós-moderno, para que este não se desligue da realidade,

mas alcance a necessária efetividade de sua implementação como mecanismo

regulador da convivência entre sujeitos e agentes do contexto internacional.

(CASELLA, 2009a, p.168).

Dessa forma, deve-se notar que o Direito Internacional, em ambiente Pós-

Moderno, não mais se apresenta de modo tão internacional – entre nações, ou melhor,

entre Estados-nações – como pretendia o clássico pensamento jusfilosófico político

Moderno. (CASELLA, 2006, p. 838). Há, de fato um pluralismo de fontes do Direito, e

mesmo um pluralismo de sujeitos de Direito Internacional (CASELLA, 2009b, p. 7) que

desestabiliza a ordem internacional anterior, entendida de acordo com as concepções

superadas tipicamente Modernas, inserindo a variável da desordem internacional,

fragmentada, uma perspectiva ínsita ao Direito Internacional no século XXI (ACCIOLY;

NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 97; CASELLA, 2007b, p. 13).

Foi possível identificar a emergência de duas principais correntes Pós-

Modernistas no Direito Internacional, cada uma fornecendo respostas diferentes para a

questão da relação entre Direito Internacional e o Direito interno, de modo a determinar

a prevalência de um regime jurídico sobre o outro conforme seus específicos critérios, a

serem examinadas a seguir.

As duas correntes identificadas se inserem dentro de um Pós-Modernismo de

caráter Transicional, qual seja, um que articula suas respostas em critérios racionais,

ainda que diferentes entre si (especialização funcional temática e setorial de caráter

técnico ou axiológico-finalístico), que justificam, apriorística e incondicionalmente, a

prevalência do Direito Internacional sobre o interno.

Ambas partem do pressuposto de não mais ser o Estado o único sujeito de

Direito Internacional, nem sua vontade o único e exclusivo centro produtor de normas

jurídicas e tomador de decisões políticas fundamentais, exatamente por abandonar o

monismo estatal Soberano de detenção do Poder (FARIA, 2004).

63

E talvez se possa aposentar o dualismo, como visão de dicotomia entre uma

ordem interna e outra ordem estanque, esta internacional, concepção

superada pela evolução do direito internacional pós-moderno. (CASELLA,

2006, p. 838).

4.1 O Pós-Modernismo Transicional e as Razões de sua Solução

[N]a medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus

integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente. (ADORNO,

2006, p. 137).

Obviamente, nenhum processo histórico instaura uma nova ordem, ou uma

nova fonte de inspiração de valores sociais, do dia para a noite, e o viver

transitivo é exatamente um viver intertemporal, ou seja, entre dois tempos,

entre dois universos de valores, enfim, entre passado erodido e presente

multifário. (BITTAR, 2005a, p. 100, grifos do autor).

O Pós-Modernismo transicional pode ser entendido como uma vertente que

compreende a Pós-Modernidade como um contexto sócio-histórico bastante singular,

caracterizado pela transição (BITTAR, 2005a, p. 96; CASELLA, 2007b, p. 16).

Enquanto período contemporâneo, não mais totalmente Moderno, porque não

mais se pauta exclusivamente pelo Discurso Filosófico-Político Moderno, mas também

não inteiramente um modelo completamente novo e alternativo, trata-se de momento

específico de transição, em que o modernismo clássico e o pós-modernismo novo

coexistem, persistindo cada um deles nos discursos e nas práticas jurídicas nacionais e

internacionais (BITTAR, 2004). De fato,

[a] pós-modernidade chega para se instalar definitivamente, mas a

modernidade ainda não deixou de estar presente entre nós, e isto é fato. Suas

verdades, seus preceitos, seus princípios, suas instituições, seus valores [...]

ainda permeiam grande parte das práticas institucionais e sociais, de modo

que a simples superação imediata da modernidade é ilusão [...]. (BITTAR,

2005a, p. 100).

Há, desse modo, a constatação da obsolescência do modelo anterior, que, por

força do contexto cultural, passa a sofrer um processo de desconstrução, apesar de

continuar a ser aprendido, ensinado, reproduzido, e até aplicado, exatamente por não ter

havido a consolidação do novo sistema de princípios, de normas e procedimentos

culturais (CASELLA, 2007b, p. 15). Alguns autores preferem denominar esse período

de transição, por isso mesmo, de neomodernidade, em que inúmeras adaptações dos

64

preceitos da Modernidade devem sofrer adaptações (KESSEDJIAN, 2002, p. 290 apud

CASELLA, 2009b, p. 10-1).

A transição paradigmática envolve, necessariamente um processo de

resistência contínua e conjugada contra os fortes, complexos, arraigados e

enraizados valores da modernidade que se insculpiram com ares de

eternidade no horizonte da sociedade ocidental; (BITTAR, 2005a, p. 100).

No Direito Internacional, a variável transicional da Pós-Modernidade implica o

reconhecimento da não-exclusividade do Estado como sujeito do Direito Internacional,

na medida em que partilha tal condição com Organizações Internacionais (OIs) e com

os seres humanos. Percebe-se, deste modo, que a ordem jurídica internacional não mais

se fundamenta nos parâmetros westfalianos do consenso estatal voluntário e, nesse

sentido, haveria outros centros nomogenéticos jurídicos internacionais para além dos

Estados, como as OIs e fóruns multilaterais (CASELLA, 2006, 2009b; CANÇADO

TRINDADE, 2006a, 2006b, 2006c; FARIA, 2004; KUNTZ, 2003).

Diante da constatação da não exclusividade, ou mesmo da perda de centralidade,

do Estado nas dinâmicas políticas e jurídicas internacionais, o pensamento Pós-

Moderno transicional reconhece haver a prevalência do Direito Internacional sobre o

Direito interno, tendo em vista que ainda é possível diferenciar dois regimes jurídicos

distintos (Estado não desapareceu da arena jurídica internacional, mas também não é

único ou exclusivo, sendo, assim, mais um), mas coordenados sistêmica e

funcionalmente a partir da ordem internacional, que passa a pautar a Agenda Jurídica

nacional (FARIA, 2004, p. 178 e 25-9) – inclusive, propondo a desconsideração integral

dos limites jurídicos e físicos estabelecidos pelas fronteiras por sistemas de regulações

jurídicas funcionais que penetram no território, apesar das fronteiras, por meio do

Direito privado! -.

Estados e demais global players de caráter não-estatal, como corporações

multinacionais, organizações não-governamentais, fóruns multilaterais, mecanismos de

concertação não institucionalizados, e OIs, convivem na arena jurídico-política

internacional, cada um buscando sua própria política, mas se influenciando

reciprocamente.

Se os Estados não mais se mostram mais capazes de assegurar, por si, as

fronteiras do próprio território, os meios de subsistência da própria subsistência ou

mesmo a independência no processo de deliberação de sua política interna, em razão da

65

existência e da atuação desses outros entes não-estatais, por outro lado, os Estados

continuam a ser os agentes políticos e econômicos mais importantes, na medida em que

apenas eles possuem o mínimo necessário de legitimidade internacional para atuar sobre

as esferas da vida individual (HABERMAS, 2006a, p. 183-4).

Convivem elementos Modernos e Pós-Modernos nesse ambiente em transição, e

que determinam um específico direcionamento para a questão da relação entre o Direito

Internacional e o interno, no sentido de determinar qual deve prevalecer sobre o outro

(tensão estabilidade e mutabilidade). Há o abandono definitivo do debate entre uma

concepção monista e, outra de caráter dualista, por parecer prevalecer, por motivos de

ordem racional, e não mais voluntaristas, o entendimento de que se trata de uma única

ordem jurídica, pautada sempre pelos mandamentos normativos do Direito Internacional.

Desconsidera-se o discurso dualista (CASELLA, 2006, p. 838) por se perceber

haver a coexistência da fonte de Direito Internacional estatal com a fonte oriunda de

outros centros, como OIs e fóruns multilaterais, todas não propriamente voluntárias,

mas de fundamento racional técnico, temático ou finalístico, mas que, exatamente por

esse motivo, sobrepõem-se aos resultados da atividade nomogenética estatal quando há

incompatibilidade entre uma e outra ordem jurídica.

Deste modo, apesar se poder encontrar explicações teóricas que mostrem a

insuficiência da continuidade da aplicação e da execução do modelo Moderno para a

condução das questões da vida cotidiana, persiste a utilização de seu arcabouço

conceitual e de seus institutos jurídicos (BITTAR, 2005a, p. 102), não apenas para

explicar, mas também para movimentar processos novos das práticas jurídico-políticas

internacionais que se mostram incompatíveis com a lógica clássica.

Foi possível diagnosticar a existência de dois modelos de sistema de Direito que,

em ambiente de transição pós-moderno, tentam lidar com o tema da relação entre o

Direito Internacional e o direito interno, em ambos havendo a prevalência das normas

jurídicas da ordem internacional sobre a de origem interna.

Os dois modelos se articulam em torno de critérios racionais, a saber, (i)

Regimes Jurídicos de Governança Global, em que a razão da prevalência do Direito

Internacional sobre o interno é de caráter técnico-funcional, especializado setorial e

tematicamente; e (ii) Direito Internacional dos Direitos Humanos, em que o motivo

de prevalência do Direito Internacional sobre o interno decorre de razões finalísticas de

66

prevalência axiológica dos Direitos Humanos. Cada um deles será brevemente

examinado, a seguir.

4.1.1 Regimes Jurídicos de Governança Global

A postmodern approach to institution‐building (and not nation‐building)

should adapt itself to the logic of plural legal regimes and try to establish

“rules of collision” for the management of different legal regimes.

(LADEUR, 2009, p. 1359-60).

[A]s fronteiras se tornam permeáveis - ou mais permeáveis - a decisões

tomadas no exterior. O que importa, para caracterizar a nova situação, é a

incapacidade crescente do Estado, por seus processos interiores, de

neutralizar os efeitos de fatores externos. Desde o início da era moderna, essa

vulnerabilidade nunca foi tão ampla quanto hoje, em tempos de paz.

(KUNTZ, 2003, p. 49).

Os Regimes Jurídicos de Governança Global se constituem a partir da

constatação do fenômeno da fragmentação (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004) a

partir da expansão e do aprofundamento do fenômeno da globalização (KUNTZ, 2003).

Essa concepção de regime jurídico global, fundada na percepção da entrada do

Direito Internacional na Pós-Modernidade (LADEUR, 2009, p. 1357), possui

fundamentos bastante precisos em torno de ideais tipicamente liberais, a tal ponto que

foi possível inclusive, aos “neoliberais nos anos 90, através da rápida globalização

econômica, deixar[em]-se inspirar pelo sonho da extinção do Estado.” (HABERMAS,

2006a, p. 175): tratava-se, a final, do vislumbre da potencial imagem do regime jurídico

global/transnacional sem o Estado (TEUBNER, 2006).

De fato, a integração, em alta velocidade, dos mercados, intensificando a

circulação de bens, de serviços, de tecnologias, de capitais, de culturas e de informações

globalmente, implicou profundas transformações na ordem mundial ocorridas no último

quarto do século XX. Houve a erosão, ou ainda, a relativização, dos principais conceitos

do modelo jurídico tipicamente Moderno, como a Soberania estatal e o Poder de o

Estado determinar, por si só, políticas econômicas e sociais internas, por meio da

desconcentração, da descentralização e da fragmentação de seu Poder decisório e

nomogenético (FARIA, 2004, p. 7-8). Há uma verdadeira reordenação do “tabuleiro

global” em dimensões econômica, política e militar (KUNTZ, 2003, p. 46-7).

67

“No nível internacional”, segundo David Held, “ocorrem disjunções entre a

idéia de Estado como em princípio capaz de determinar o próprio futuro e a

economia mundial, as organizações internacionais, as instituições regionais e

globais, a lei internacional e as alianças militares que operam para conformar

e restringir as opções dos Estados-nações individuais.” (KUNTZ, 2003, p.

50).

A fragmentação do Direito Internacional em regimes jurídicos globais

setorialmente específicos está relacionada à complexificação da sociedade, em que o

Direito Global tematicamente especializado é reflexo da diferenciação sistêmico-

funcional da sociedade global em diferentes racionalidades (econômica, político, social,

comercial, ....) mais ou menos institucionalizadas (FISCHER-LESCANO; TEUBNER,

2004, p. 1004).

Em razão dessa fragmentação intensa, há uma crescente complexificação da

sociedade, de tal modo que há o incremento de incerteza e de riscos, exigindo a

necessidade de mais regimes regulatórios circunstacialmente destinados para cada

tema/setor especializado, por meio de normas jurídicas flexíveis para regular as “micro-

estruturas” de cada um desses setores especializados, dotados de racionalidade social

específica, da sociedade funcionalmente diferenciada (KJAER, 2009, p. 484-5): “The

law must therefore adapt itself to the existence of a wide variety of overlapping and

multi-level networks, which are not only profoundly a-hierarchical, but also encompass

a wide variety of actors, both public and private.” (KJAER, 2009, p. 484-5).

Aplica-se, desta forma, como pressuposto de entendimento deste modelo de Direito,

um específico padrão de organização social que informa a estrutura geral do contexto dentro

do qual o novo modelo de Direito se estrutura (KJAER, 2009, p. 483), qual seja

an adequate pattern of social organization for a radically fragmented and

globalized society in a “network of networks” of heterarchical social

relationships generating collective order as a secondary transsubjective effect

of individual cooperation and coordination under conditions of uncertainty.

(VIELLECHNER, 2009, p. 517-8).

Para essa concepção, a Pós-Modernidade no Direito Internacional deve ser

entendida como estando caracterizada pela lógica de fragmentação heterárquica e

relacional, ínsita à Globalização (VIELLECHNER, 2009, p. 527). Há, nesse sentido, a

transformação das estruturas organizacionais, despedaçando as concepções tipicamente

Modernas de hierarquia, as distinções ente público e privado (KJAER, 2009, p. 483), e

68

de existência de um único centro detentor do Poder decisório dotado de capacidade

nomogenética (FARIA, 2004, p. 53-5).

Assim, o regime jurídico global consiste em uma rede (cadeia de redes) maior de

série de regulações jurídicas em rede de origem privada, pública não-estatal e estatal de

caráter nacional, transnacional, internacional, intergovernamental e supranacional, que

devem se coordenar harmonicamente (VIELLECHNER, 2009, p. 528) por critérios

diferenciação sistêmico-funcional em linhas setoriais especializadas (FISCHER-

LESCANO; TEUBNER, 2004), em que a ordem é gerada de modo acêntrico, por meio

de racionalidade relacional entre redes jurídicas globais de regulação temática

(VIELLECHNER, 2009, p. 518).

A globalização produz, dessa forma, um efeito no modelo de Direito em que

acompanha processos maiores de auto-organização societal no sentido de constituir

redes não-estatais, desterritorializadas, auto-organizadas (VIELLECHNER, 2009, p.

524-5), em que o Direito é constituído por estruturas legais heterárquicas e

policêntricas: “The rise of networks is taking place at all levels – locally, nationally,

regionally, and globally; the result is the emergence of a system of multi-level

networks.” (KJAER, 2009, p. 488).

Beyond the traditional forms of territorial separations, a new “sectoral

principle of differentiation,” which deploys its eigen‐rationality (specific

rationality), is emerging. The new legal system follows a logic of

networking: more and more transnational legal regimes come to the forefront

that generate, observe, and manage their own rules. The reflexive potential of

private “regimes” for the management of rules differs from the normative

systems of the past. This evolution corresponds to the above‐mentioned rise

of network‐like hybrid organisations and inter‐relationships (“flat

hierarchies”) in the economy. (LADEUR, 2009, p. 1358, grifos do autor).

Deste modo, em suma, essa concepção percebe uma sociedade internacional

globalizada, articulada reticularmente, sem vértices ou centros únicos de Poder, porque

heterárquica e acêntrica, onde a regulação jurídica deixa de se orientar por critérios de

soberania territorial, mas, sim, por critérios sistêmico-funcionais, temática e

setorialmente funcionalmente especializados (LADEUR, 2009, p. 1358-9, 1362 e 1365).

“Transnational communities,” or autonomous fragments of society, such as,

the globalized economy, science, technology, the mass media, medicine,

education and transportation, are developing an enormous demand for

regulating norms which cannot, however, be satisfied by national or

international institutions. Instead, such autonomous societal fragments satisfy

their own demands through a direct recourse to law. Increasingly, global

69

private regimes are creating their own substantive law. They have recourse to

their own sources of law, which lie outside spheres of national law-making

and international treaties. (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p.

1010).

Segundo tais critérios, estariam as regulamentações jurídicas não-estatais

fundadas em razões técnicas advindas de fóruns multilaterais e de OIs que,

definitivamente, determinariam as diretrizes de conduta dos indivíduos e dos Estados

(Regime Jurídico Global Financeiro, Bancário, Comercial, Trabalhista, Penal,

Econômico, de Direitos Humanos, de Propriedade Intelectual, Lex Mercatoria, Lex

Digitalis,...) (BRAITHWAITE; DRAHOS, 2004; FARIA, 2004, p. 39; FISCHER-

LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 1010-1; SLAUGHTER, 2004; VIELLECHNER,

2009, p. 519-20).

Nesse sentido, os problemas do Direito inserto em Economia Globalizada, cada

vez mais extravasam os limites do Estado (KUNTZ, 2003, p. 53; LADEUR, 2009, p.

1357), que passa a ter sua orientação nomogenética orientada por arenas que se

encontram em ambiente estranho ao modelo jurídico tradicional tipicamente Moderno.

Trata-se de um Projeto Pós-Moderno de uma ordem descentralizada, para além do

Estado (VIELLECHNER, 2009, p. 526), e acima dele: transnacional, significa a

desconsideração e a sujeição do Direito interno com relação ao Direito não interno, não-

estatal, Internacional, classificado como transacional ou global.

Nesse ambiente Pós-Moderno, portanto, permanece a figura do Estado-nação

Soberano (persistência de elementos tipicamente Modernos no ambiente de transição)

(VIELLECHNER, 2009, p. 526), mas ele detém menor autonomia com relação à

ambiência externa, exatamente por seus poderes legais terem sido esfacelados em muito

(HABERMAS, 2006a, p. 184; KUNTZ, 2003, p. 52).

[A]s condições de operação da economia, [...] limitam a eficácia dos meios

tradicionais da política econômica e, portanto, da autoridade formal do

Estado. Isso não quer dizer que as políticas fiscal e monetária tenham perdido

utilidade, nem que as políticas de desenvolvimento se tenham tornado

inócuas. Significa apenas que a integração cada vez mais estreita dos vários

mercados sujeita as economias, cada vez mais amplamente, às conseqüências

de decisões tomadas fora do território nacional. Nesse novo quadro, podemos

acrescentar, direitos associados à regulação dos mercados – trabalhistas por

exemplo – tendem a perder eficácia, porque se alteram as condições de

proteção de seus detentores formais. (KUNTZ, 2003, p. 50-1).

70

Este Direito Global está, dessa forma, fragmentado em linhas setoriais sociais

temáticas, e não territoriais, sendo que a colisão de regimes jurídicos não mais seria

entre a ordem jurídica interna e a Internacional, visto haver a incondicional supremacia

da regulação jurídica transnacional diferenciada tematicamente, mas, sim, entre os

setores da regulação jurídica temática (Comércio versus Meio-Ambiente, ...)

(FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 999-1000).

Esse modelo de sistema legal impõe que se pense a reelaboração da concepção

de conflitos entre regimes jurídicos, bem como dos critérios destinados a os solucionar,

na medida em que não mais se trata da contraposição entre Direito Internacional e

Direito interno (debate do tradicional monismo), mas, sim, de choques de

racionalidades setorialmente especializadas (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004).

Nesse sentido, a solução não deve seguir a resposta tipicamente Moderna de

caráter hierárquico, à imagem e semelhança das respostas dadas pelo Estado-nação, mas,

sim, de acordo com a supramencionada lógica de rede (FISCHER-LESCANO;

TEUBNER, 2004, p. 1002 e 1004; LADEUR, 2009, p. 1358): heterarquia acêntrica, em

que a integração possua “natureza eminentemente sistêmica, acima de tudo alicerçada na

especialização e „mercantilização‟ do conhecimento, na eficiência, na tecnologia, na

competitividade, na produtividade e no dinheiro.” (FARIA, 2004, p. 52, grifos do autor).

De qualquer maneira, para não extrapolar os objetivos do presente estudo, deve-

se notar que este modelo de sistema legal constata que sempre há a prevalência da

regulação jurídica não-estatal, elaborada para além das fronteiras do Estado, em âmbito

transnacional, em razão de especialização sistêmico-funcional temática e setorial, sobre

a pretensa regulamentação jurídica, sobre os mesmo temas, realizada por meio do

Direito positivo interno do Estado.

O Direito passa a existir e a ser produzido em esferas diversas da estatal, para

além de seus limites, desenvolvido de acordo com a lógica de diferenciação funcional,

global, com a rápida expansão de OIs e de regimes regulatórios temáticos que se

estabelecem como ordenamentos jurídicos autônomos, de origem setorialmente

especializada (fragmentação setorial).

Formam-se, assim, regimes jurídicos transterritoriais que possuem um alcance

definido por questões temáticas, e não em razão de limites ou de fronteiras territoriais

(não mais de acordo com o paradigma do Modernismo westfaliano), havendo, dessa

forma, uma validade global que ignora – e que até despreza, além de desconsiderar – as

71

fronteiras estabelecidas pelos ordenamentos jurídicos estatais por seu Direito positivo:

global law without a State (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 1007-9;

TEUBNER, 2006).

O comportamento particular dentro dos Estados, e mesmo a ação estatal, é

completamente orientado “de fora” por um regime jurídico não-estatal, superior a seus

limites – transterritorial, global, ou mesmo, internacional -, ainda que a figura do Estado

Soberano persista (FARIA, 2004, p. 29 e 37): o Moderno (não mais) e o Pós-Moderno

(não ainda) convivem neste período de transição.

[T]he rise of global forms of co‐ordination beyond public international law

can no longer be regarded as anomalous deviation from the right way of

statebased law, but as the expression of an evolutionary step towards new

forms of the self‐organization of societal norms which go beyond the official

legal system. (LADEUR, 2004, p. 7 apud VIELLECHNER, 2009, p. 520).

4.1.2 Direito Internacional dos Direitos Humanos

Exprimir a dimensão do humano, como sujeito de direito internacional é a

grande transformação em curso no direito internacional pós-moderno. Assim

se pode reescrever a relação do indivíduo com o estado, e deste com a

dimensão social, da gestão pública. Esta se inscreve, como necessidade e

como imperativo de ação, e norteador de rumos: de nada adianta falar em

governabilidade, em escala nacional, ou governança global, se não se tiver

conteúdo que faça da dignidade humana o valor central da gestão e do

governo, local, estadual, federal, ou mundial Serão somente discursos vazios.

(CASELLA, 2009b, p. 5, grifos do autor).

A sistemática internacional, como garantia adicional de proteção, institui

mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando

o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e

liberdades fundamentais. (PIOVESAN, 2003, p. 61).

O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge como resposta às

atrocidades ocorridas durante o Pós-Segunda Guerra mundial (BITTAR; ALMEIDA,

2006, p. 544; CASELLA, 2007a, p. 17; MIRAGEM, 2005, p. 308 e 311-2; PIOVESAN,

2003, p. 59), de certa forma buscando superar a conclusão de Hannah ARENDT de que

de nada adianta conservar a condição de homem no Estado, porque ela não impede o

cometimento das maiores atrocidades contra aqueles que se encontram desprovidos da

qualidade de cidadão (ARENDT, 2004, p. 333-4).

Constatada a obsolescência do modelo de Direito Internacional legado e herdado

fundado na voluntariedade estatal – um Direito Internacional interestatal, porque

72

constituído à imagem e semelhança dos Estados, e para estes exclusivamente -, o

contexto Pós-Moderno percebe o Direito Internacional como fruto racional da sociedade

civil internacional, com o objetivo de o tornar mais próximo possível de uma dimensão

humana (CASELLA, 2006, p. 1290-1), de modo a evitar o recometimento das barbáries

experienciadas pela humanidade na Segunda Guerra Mundial (BITTAR; ALEMIDA,

2006, p. 546).

Direito internacional pós-moderno não mais somente como emanação dos

estados e da vontade destes, projetada para o plano externo, mas construindo

dimensão humana mais abrangente. Que venha o ser humano a ocupar papel

e espaço de atuação específicos no direito internacional pós-moderno é

necessário e desejável, mas, todavia, não se tem os modelos específicos para

a canalização e a veiculação de tal atuação. (CASELLA, 2006, p. 1291).

Segundo esta específica concepção de encaminhamento do Direito Internacional

no ambiente da Pós-Modernidade, a inserção do homem como exercendo um papel

central na formação do Direito Internacional é o valor fundante e fim deste contexto

Pós-Moderno, no qual os Direitos Humanos se inserem como critério e baliza primeiros,

quase que metafísicos, para que a Justiça, para além da técnica, seja o objetivo a realizar

em uma ordem internacional dos Direitos Humanos que pretenda proteger a vida, a

liberdade e a dignidade humanas, em todos os Estados, por todos os Estados, sem

restrições (CASELLA, 2006, p. 1290).

A idéia fundamental é a de que haja a alteração do Direito Internacional para que

ele se adeqüe a seu contexto histórico de progressiva afirmação dos Direitos Humanos,

de modo a o tornar teleologicamente humano por um progressivo processo histórico de

humanização do Direito Internacional, inclusive por meio da atribuição da condição de

sujeito de Direito Internacional ao ser humano (CANÇADO TRINDADE, 2006a,

2006b, 2006c, p. 143-4; CASELLA, 2007a, p. 41). O objetivo é “rumar à ordenação

humana do mundo[, ...] instaurar regimes de co-regulação normativa, onde se combine a

presença e a atuação do ser humano, no plano internacional, ao lado dos estados, como

princípio central da boa governança.” (CASELLA, 2009b, p. 11, grifos do autor).

Assim, o valor central a nortear as concepções jurídicas deverá ser a dignidade

humana, inclusive nas relações entre Direito Internacional e Direito interno. Trata-se de

um “novo direito, que visa proteger a vida. No século XX, este direito tem um nome:

73

Direito Internacional dos Direitos Humanos[, que deve ser entendido como minimum

dos povos].” (BITTAR; ALMEIDA, 206, p 540), detendo, dessa forma, valor universal:

Não existiria apenas um direito internacional, mas um direito de caráter

supranacional – os direitos humanos – estando a liberdade de ação dos

Estados circunscrita a este direito. (MIRAGEM, 2005, p. 319).

Nesse sentido, por haver a conversão dos direitos humanos em tema de legítimo

interesse comunidade internacional, há um grande esforço de se buscar reconstruir os

Direitos Humanos como o paradigma e o referencial ético destinador a orientar a ordem

jurídica contemporânea (PIOVESAN, 2003, p. 59).

Por se inserir em uma preocupação jurídica internacional, independentemente da

regulação estatal, é a disposição jurídica internacional que incorpora o tema da proteção

dos Direitos Humanos, universalmente, que deverá prevalecer sobre o Direito interno

em hipóteses de incompatibilidade. Trata-se da “ordenação teleologicamente humana do

mundo, por meio do direito internacional pós-moderno.” (CASELLA, 2009b, p. 5).

Esse novo conceito é a inerência da dignidade do ser humano. Isso significa

que a liberdade e a igualdade em dignidade e direitos surgem com o

nascimento do ser humano e o acompanha, de modo inseparável e

incondicional, no decorrer de sua existência. Não dependendo, em absoluto,

de qualquer outro título ou condição. [...].

O Direito à vida foi estabelecido para os cidadãos do mundo, já que o Estado

Nazista, além de ser assassino, era genocida. Reprimir o genocídio foi uma

das primeiras tarefas do DIDH. [...].

[O] genocídio de Hitler é parte de uma política de governo; aos olhos do

Estado Nazista, trata-se de uma atividade legal. Para que a comunidade

internacional pudesse punir o crime de genocício, era preciso tipificá-lo. É o

que faz a Convenção de 1948. (BITTAR; ALMEIDA, 2006, p. 546 e 550,

grifos do autor).

A idéia é assegurar “a maior efetividade possível na tutela e promoção de

direitos fundamentais” (PIOVESAN, 2003, p. 60-1), por meio dos sistemas globais e

regionais de proteção dos Direitos Humanos, independentemente do nível de proteção –

e de desproteção, intencional ou não – concedido pelo Estado, ou até mesmo contra ele.

Trata-se da forte tendência de reforçar o discurso de necessidade de proteção dos

Direitos Humanos para assegurar a Paz e a Segurança Internacional, não apenas se

cingindo ao fenômeno volitivo do Direito Internacional.

A Pós-Modernidade no Direito Internacional impõe um modelo conceitual que

pretende reconstituir o modelo jurídico internacional apresentado em torno da inserção

74

da dimensão humana nas relações entre Estados (inter-nacional), inclusive com a

atribuição da qualidade de sujeitos de Direito Internacional para os Homens, porque o

sistema internacional entre Estados, tal qual foi concebido na Idade Moderna, mostra

não mais inteiramente sustentável à luz das práticas atuais nas relações entre os povos

(novo modelo conceitual em construção de aproximação do Direito Internacional dos

Direitos Humanos). O Direito Internacional em contexto Pós-Moderno é, inclusive,

entendido como um Direito na Idade dos Direitos Humanos (CASELLA, 2009b, p. 6).

Lembre-se, assim, que o Conselho de Segurança deve agir no sentido de

promover e de manter a Paz global, ainda que por meio de intervenção nos Estados, por

a Paz não ser a ausência de guerra, mas, sim, a não violação de Direitos Humanos.

Ainda que haja Estados que não se filiem à ONU, ela deverá agir no sentido de que eles

cumpram, respeitem e promovam os Direitos Humanos, de modo a assegurar a Paz

Internacional.

O questionamento do voluntarismo estatal ocorre, deste modo,

concomitantemente, com a intersecção entre Direito Internacional e Direito Humanos,

em que a opção racional é o direcionamento do jurídico a partir dos Direitos Humanos.

O que reflete, em suma, o esgotamento do modelo clássico do exclusivismo do Estado-

nação, mas a transformação em curso para um modelo ainda não finalizado.

[O] único elemento de aglutinação dos indivíduos adotado como critério de

validade de fenômenos de ordem moral e jurídica passa a ser o denominado

paradigma dos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana,

observando-se a partir deles os desafios de promoção e garantia desses

direitos universais. (MIRAGEM, 2005, p. 328).

5 O PODER E A IMPOTÊNCIAS DAS TEORIAS: A EDUCAÇÃO EM DIREITO

INTERNACIONAL

Apesar de invisível, a atividade do pensar irrompe no mundo das aparências.

Sócrates, como lembra Hannah Arendt, valeu-se da metáfora do vento para

explicar o seu impacto: os ventos são invisíveis, mas ainda assim o que eles

fazem é manifesto para nós e de alguma maneira sentimos a sua

aproximação. (LAFER, 1979, p. 86-7)

Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e

importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a

barbárie contra a qual se dirige toda a educação. (ADORNO, 2006, p. 119).

A efetiva prevalência do Direito interno sobre o Direito Internacional não é

prática corrente exclusiva de ações narcísicas, instrumentais, auto-interessadas e

75

estratégicas de países centrais nas relações políticas, econômicas e jurídicas

internacionais, na medida em que são passíveis de serem encontradas também dentre

entendimentos não tão remotos de países em desenvolvimento, com o objetivo de se

esquivar da obrigação internacional ou de a contornar, tornando-a ineficaz.

Por mais que haja inúmeras teorias no pensamento jurídico internacionalista que

possam tentar explicar a prevalência teórica do Direito Internacional sobre o Direito

interno – ou mesmo justificar a necessidade dela –, deve-se perceber que todas elas

podem estar desvinculadas das práticas político-jurídicas correntes ou oportunistas.

Nesse sentido, de nada adianta haver a construção dos mais diferentes modelos

teóricos voltados à busca da arquitetura de uma maneira específica de compreensão e de

visão de mundo se não há a preocupação em as difundir no período de formação das

concepções jurídicas daqueles que atuarão dentro do mundo do Direito.

Apenas por uma abordagem instrumentalmente diversa de um objeto jurídico é que se

poderá tentar desenvolver novas compreensões acerca do mesmo, de modo a permitir a

construção de novas possibilidades de compreensão, pela literatura jurídica, sobre este mesmo

objeto. De fato, a utilização de viés de análise diferenciado viabiliza a confecção de diferentes

possibilidades de significação sobre o mesmo objeto (ALVES, 2003, p. 298; CAMARGO,

1982), atribuindo-lhe novas finalidades e funções, conforme cada uma das compreensões

construídas. O objeto é, assim, construído de forma renovada.

Se o Direito, enquanto linguagem, constitui a realidade, não sendo, ainda, algo

desvinculado de sua prática consciente na realidade (FERRAZ JR, 2001, p. 34-40;

LOPES, 2004, p. 24-46), apenas por meio da construção de um novo patamar

lingüístico-significativo de compreensão de um mesmo objeto, a partir de uma

interpretação mediada por aparato conceitual instrumental renovado, não tradicional, é

que se poderá constituir nova realidade.

Isso porque novas interpretações diferentes sobre um objeto significam a

abertura de um nova série de possibilidade contingentes de formas de compreensão do

mundo e, portanto, do direcionamento deste, a partir de uma nova compreensão sobre

um instituto jurídico, porque o estudo de um objeto significa o construir (ALVES, 2003,

p. 298) e, se o objeto é o Direito, uma compreensão renovada do Direito, significa uma

reestruturação da arquitetura institucional e social da realidade (LOPES, 2004).

Nesse sentido, deve-se compreender a maneira pela qual se apresenta o

fenômeno jurídico, hoje, a fim de que se possa cogitar da alteridade, na medida em que

76

o Direito não é, mas está, “assim”, construído de determinada maneira histórica e

culturalmente específica, mas que poderia ser completamente diversa. Produto humano,

nunca natural, porque histórico-cultural, admite outras possibilidades de conformação

constitutiva e operacional, estando sempre aberta à mutação.

Com efeito, em tempos em que utopias de um fracassado Projeto Moderno de

emancipação parecem estar estilhaçadas, estando fadadas ao esquecimento, e em que

esperanças sobre um futuro promissor, promitente de felicidade (HABERMAS, 1987b,

1992), aparentam estar fragmentadas, apenas por meio de renovação das compreensões,

voltadas para a constituição do novo, e somente mediante a cogitação da alteridade

(SANTOS, 1997), é que se pode esperar a construção de um futuro que divirja do

passado (HABERMAS, 1993) determinante do presente insatisfatório.

Afinal, Educação em Direito Internacional para quê?

Após a ocorrência do maior espetáculo de carnificina humana, decorrente da

afirmação incondicional da ordem jurídica estatal nacional interna sobre a ordem

internacional durante a Segunda Guerra Mundial,

determinadas leis de um Estado aparta[ra]m-se dos princípios e valores que

governa[va]m o direito internacional ou contraria[ra]m as expectativas da

comunidade internacional, [ainda] que dotadas de efetividade e ainda que

correspond[esse]m aos anseios da comunidade nacional, não pode[ria]m [ter

sido] consideradas normas jurídicas e, sim, simples exercício do poder de

coerção, destituído de legitimidade [reductio ad hitlerum]. [...].

Dir-se-ia que, na Alemanha, de Hitler, ou na Itália, de Mussolini, havia

identidade entre o ordenamento jurídico e as aspirações da nação, seduzida

pela doutrina oficial. Nesse sentido, as normas nazistas ou fascistas traduziam

valores nacionais. Contudo, não coincidiam com princípios acatados pela

comunidade internacional como um todo. Daí sua injuridicidade.

(MAGALHÃES, 2005, p. 26-7 e 28-9).

Nesse sentido, após as barbáries da Primeira Guerra Mundial,

a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a

educação[, ... e] a pouca consciência existente em relação a essa exigência e

as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo

nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que

depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas

(ADORNO, 2006, p. 119).

Todo e qualquer processo de Educação, inclusive em Direito Internacional, não

pode ignorar a premissa de conduzir à emancipação, em busca de evitar o

recometimento de Auschwitz, principalmente quando se constata que a prática

77

discursiva que pauta e que estrutura a condução das relações internacionais não se

alterou significativamente nos últimos anos (ADORNO, 2006, p. 120 e 139).

De fato, persistem as psicóticas opções por um nacionalismo agressor,

tipicamente Moderno, avesso aos imperativos racionais – sistêmicos ou axiológicos -,

ou de crenças de juridicidade, que determinam, respectivamente, o primado de uma

ordem jurídica internacional, ou o primado do Direito fundado na plural e

constantemente mutável condição humana.

Não se pode ignorar o peso e a imensa pressão dos elementos objetivos

existentes sobre as pessoas, ou seja, não se pode deixar de se conscientizar a

persistência de uma racionalidade Moderno-westfaliana, estritamente estatal-

nacionalista e voluntarista, que ainda concebe o Direito Internacional como mero fruto

da voluntas estatal, por ele livremente derrogável ou dispensável, conforme sua

conveniência (ADORNO, 2006, p. 122-3 e 143).

No entanto, não se pode deixar de se orientar por um objetivo de busca de um

“esclarecimento geral que, que produz[a] um clima intelectual, cultural e social que não

permita tal repetição; [...] um clima em que os motivos que conduziram ao horror

tornem-se de algum modo conscientes” (ADORNO, 2006, p. 123), porque a cega força

de uma realpolitik não pode impedir a constituição de um estado de consciência

coletivo que perceba o status quo como não-natural, porque fruto de um processo

histórico sistêmico de direcionamento da formação e da conformação de seus contornos

(ADORNO, 2006, p. 129-32, 144-5 e 185) que, exatamente por ser espacial e

temporalmente cultural, não é imutável, porque passível de contínuas reconstituições.

Conscientizar sobre o presente é fundamental, mas sua mera descrição como

imposição incontrastável não deve ser o objetivo da Educação em Direito Internacional,

que deve buscar, por seus mecanismos, impor, antisistemicamente, a negatividade do

presente (ADORNO, 2009), a fim de que o passado-presente insatisfatório não

permaneça sendo a única possibilidade do futuro (HABERMAS, 1993).

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação

e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria

igualmente questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de well

adjusted people, pessoas bem ajustadas, em conseqüência do que a situação

existente se impõe precisamente no que tem de pior. (ADORNO, 2006, p.

143, grifos do autor).

78

Esta é a importância e a força de uma educação em Direito Internacional que

estimule a constante renovação de seus pressupostos, uma vez que permite criar, a partir

do presente, um mundo alternativo possível (alteridade) (CASELLA, 2006, p. 26;

STIELTJES, 2001, p. 319), porque pensado pelo homem (ALVES, 2003, p. 357), com

potencial de modificação da realidade, por servir de base de comparação com o mundo

real, de forma a estimular um outro agir para que este possa chegar o mais próximo

possível do estado concebido, ainda que, efetivamente, a este não se chegue nunca.

[S]e os homens não cultivam o ideal de um mundo melhor, eles perdem algo.

Se o único ideal dos homens é a busca da felicidade pessoal, por meio do

acúmulo de bens materiais, a humanidade é uma espécie diminuída.

(HOBSBAWM, 2000, p. 191)

Representa, nesse sentido, a importância, a força e o objetivo do parar para

pensar, da tarefa do filósofo (HABERMAS, 2006b), que pretende alterar a realidade,

ainda que inicialmente apenas pela alteração dos valores disseminados, canalizando-os

para a criação de um algo, no futuro, que produza uma realidade diferente (BITTAR,

2005b, p. 21-2), devendo a “crítica deste realismo supervalorizado [....] ser uma das

tarefas educacionais mais decisivas [...].” (ADORNO, 2006, p. 145).

Dessa forma, é possível constatar uma possível persistência de deformação e de

conformação da educação jurídica brasileira vigente em torno de temas fundamentais do

Direito Internacional Público, bastando lembrar ter deixado de ser obrigatório o ensino

de Direito Internacional das Faculdades de Direito do país no início dos anos setenta.

Apenas com o novo currículo mínimo obrigatório, a partir de 1994, é que se

reintroduziu o ensino deste ramo do Direito: até então, seu estudo havia desaparecido de

inúmeros cursos de Graduação em Direito brasileiros (CASELLA, 2006, p. 662-3).

O fenômeno seria cômico se não fosse trágico, visto ter ocorrido em boa

parte das faculdades de direito do país, todavia mostra os seus efeitos, em

relação a toda essa geração, que se graduou entre a vigência dos currículos

mínimos obrigatórios dos cursos de graduação em direito, de 1972, até o

advento do novo currículo de 1994, fez e ainda faz carreira, sem nada ter

aprendido de direito internacional, quer público quer privado. (CASELLA,

2006, p. 663).

Essa opção de política educativa permitiu a deformação, e não a formação, dos

bacharéis em Direito no Brasil, que foram substituídos, ou até mesmo convencidos, por

fautores da Realpolitik, os analistas internacionais que, formados na Escola Realista, de

79

Hans MORGENTHAU, segundo o qual é da natureza humana aspirar cada vez mais ao

Poder (HABERMAS, 2006a, p. 173), apenas acreditam ser o único critério determinante

e regulador da realidade os interesses do mercado e o poder de tomada de decisões

(ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 97).

“Esses frutos ainda estão sendo encontrados.” (CASELLA, 2006, p. 663), visto

se perpetuar, ainda, uma crença de que as ”relações entre os Estados [são] dominadas

exclusivamente pelo interesse por poder e [pel]a acumulação de poder.”, em que

“arranjos jurídicos [...] reflet[em] constelações de interesses instáveis e transitórios entre

potências” (HABERMAS, 2006a, p. 173) que efetuam um cálculo racional egoísta

expandido ao extremo, excessivamente concentrado no interesse próprio, incapaz de

perceber o outro ou qualquer elemento além de si (ADORNO, 2008, p. 30); são, enfim,

lembrando Hans KELSEN (2002, p. 136), em 1937, ao avaliar a Tese de Umberto

CAMPAGNOLO,

sintomas característicos do nosso tempo, assinalado pelo desmoronamento da

Sociedade das Nações e por uma notável debilitação da eficácia do direito

internacional. Nessa situação, é compreensível que – diante de duas possíveis

interpretações da realizada jurídica – primazia do direito internacional ou

primazia do ordenamento jurídico estatal -, a segunda tome novamente a

frente e seja preferida, sobretudo pelos autores mais jovens.

No entanto, é imprescindível também que haja uma preocupação com a

construção transformadora de uma específica sensibilidade dentre os estudiosos do

Direito, a fim de que o Direito concebido, positivado, estudado e aplicado, qualquer que

seja ele, Internacional, interno, transicional, heterárquico ou pós-moderno, em suma,

esteja voltado à preservação da comunidade geral dos homens, o (CÍCERO, 1999, p.

71), fruto de uma Educação em Direito internacional que motive um modo de agir

politicamente refletido que esteja a serviço da humanidade (ADORNO, 2006, p. 160).

A educação como ferramenta fundamental. E o direito, no contexto pós-

moderno, como condição para a sobrevivência da humanidade neste novo

milênio. (CASELLA, 2009a, p. 69).

Neste sentido, é fundamental relembrar a importância que deteve a idéia

tipicamente Republicana de Estado de Direito para a constituição do Estado Moderno,

tendo em vista que a idéia de República está associada, deste modo, à idéia de

“Governo” ou de “império das Leis”, ou ainda, a “Estado de Direito”, “expressões que

80

declaram, na sua acepção mais imediata, a prescrição de que os que mandam também

obedeçam [...].” (CARDOSO, 2004, p. 45-6).

Se não há como se pensar em Estado de Direito em âmbito internacional, ao

menos que se lembre da importância do governo das Leis nas relações internacionais,

primando, a final, pela Soberania do Direito (KRABBE, 1906 apud CASELLA, 2006,

p. 1263), desde que afinado à constantemente inconstante medida humana, tendo em

vista que “a pesar de todo, parece que la idea del Derecho sigue siendo más furte que

cualquier outra ideologia de poder.” (KELSEN, 1943, p. 204).

Nesse sentido, não se pode esquecer de que o direito se trata de uma

superestrutura, uma ferramenta técnica de viabilização da vida humana em sociedade,

qualidade que não deve ser ignorada, mas sempre relembrada, sempre de acordo com as

decisões dadas pela política (CASELLA, 2009a, p. 67-8 e 71), ainda que ela decorra de

deliberação de prevalência do Homem plural e diverso sobre o Direito cristalizado e

rigidamente inflexível em razão de sua totalização por determinada visão – inclusive a

visão sobre os Direitos Humanos! -. “É preciso acreditar no espaço e no papel do

direito internacional, como condição de sobrevivência da humanidade. É enfático

Chrsitan Tomuschat, no seu curso geral na Haia (1999).” (ACCIOLY; NASCIMENTO

E SILVA; CASELLA, 2009, p. 97, grifos do autor), “para evitar que a humanidade

soçobre no caos e na anarquia.” (CASELLA, 2007a, p. 26). .

Apenas assim se poderá garantir a subsistência da comunidade geral dos

homens, enquanto homens, afastando qualquer dimensão de uma animalidade egoísta,

ou a possibilidade de sobrevida dos artefatos humanos sobre o próprio Homem, ambos

nutrientes daquele antagonismo mútuo estimulado por anacrônicos e psicóticos

nacionalismos narcísicos, pretensamente justificados por algum discurso ideológico

(LUKÁCS, 2001). Apenas assim é possível “cultiv[ar], prote[ger] e preserv[ar] a paz e a

unidade do gênero humano” (CÍCERO, 1999, p. 71).

6 CONCLUSÕES

[O] que é um pensamento discursivo novo e criativo, senão um pensamento

que se exprime de modo diverso ou de modo original em relação às coisas

ordinárias do senso comum? Dizer a mesma coisa de maneiras diversas

produz sempre algo novo, muitas vezes surpreendente.). (ALVES, 2003, p.

349).

81

A influência histórica e a importância absoluta de uma idéia não dependem

nunca da sua novidade, mas sim da profundidade e da força com que foi

compreendida e vivida. (JAEGER, 1979, p. 302).

O presente estudo pretendeu discutir o tema da relação entre o Direito

Internacional e o Direito interno, com o objetivo de tentar entender as maneiras de

explicação e de tratamento do mesmo segundo três diferentes chaves-cognitivas de

caráter jusfilosófico internacional.

Para iniciar a atividade de reflexão filosófica em torno do tema, como toda

reflexão típica de Filosofia do Direito, foi necessário partir de uma situação fática que

provocasse o sentimento de insatisfação com relação à solução dada pelo Direito

positivo vigente, incitando o jurista a parar para pensar o significado das coisas, sempre

com o objetivo de retornar à realidade para a solucionar de modo diverso e inventivo.

Nesse sentido, a primeira parte deste estudo consistiu em uma brevíssima

exposição dos principais elementos do caso LaGrand, apontando para a questão de ter

havido um consciente e deliberado descumprimento de normas jurídicas internacionais

constantes de Tratados Internacionais, ou de normas de origem costumeira ou

decorrentes de medida ordem jurisdicional internacional, por parte dos EUA, em razão

de aspectos e de dispositivos de Direito interno.

Essa situação concreta, em que se evidencia o choque de normas jurídicas

distintas, originadas de regimes jurídicos diversos – o doméstico e o internacional –

convida ao parar para pensar, com o objetivo de tentar compreender as relações entre as

duas esferas de normatividade jurídica, no sentido perceber a sucessão histórica de

racionalidades que pudessem justificar o discurso de prevalência de um Direito sobre o

outro, ou do outro Direito sobre o um.

Foi possível identificar a existência de um Discurso Jusfilosófico Internacional

de caráter clássico, de origem westfaliana, que permeia as práticas, os discursos e as

concepções sobre as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno e a

eventual prevalência de um ou de outro. Fundada no instituto jurídico-político

Moderno da Soberania, nos moldes westafalianos, essa compreensão voluntarista do

Direito Internacional remete à superada discussão entre o dualismo e o monismo.

Em seguida, foi apresentada a superação da percepção clássica do Direito

Internacional em razão da inserção deste em contexto Pós-Moderno: a crise da Pós-

Modernidade impôs a reformulação do conceito de Direito e de Direito Internacional, a

82

reelaboração dos princípios estruturantes do Direito Internacional, a reconstrução de

determinadas compreensões sobre o fenômeno jurídico, bem como o repensar das

soluções tradicionalmente construídas pelo pensamento jusfilosófico internacional

anterior, visto que a medida tipicamente Moderna de se apreender e de se explicar o

mundo não mais estaria apta a mensurar e a operacionalizar o entendimento e as práticas

Pós-Modernas, dotadas de escalar completamente diversa.

Nesse sentido, dentro do Pós-Modernismo jurídico Transicional, foi possível

divisar a existência de duas vertentes que tentam entender o modo de relação entre o

Direito Internacional e o interno.

O Pós-Modernismo Transicional, a despeito da diferença significativa dos dois

modelos identificados e apontados, por motivos racionais técnicos e de especialização

funcional de caráter temático (Governança), ou por razões teleológicas (dignidade da

pessoa humana), entende haver a prevalência incondicional do Direito Internacional

sobre o interno, tout court. Há, assim, resquícios Modernos em um ambiente de

transição, em que o modelo novo, não consolidado, convive com o antigo, persistindo a

diferenciação entre ordem interna e internacional, ainda que a primeira esteja sempre

sujeita à última por imperativos racionais, sejam eles sistêmicos, sejam eles axiológicos.

Por fim, em último lugar, o presente estudo pretendeu apontar para o fato da

importância da Educação, em Direito Internacional, contra a barbárie, e para a

emancipação.

Diante da insatisfação com relação ao tempo presente, em que persiste uma

prática afinada a um Discurso Jusfilosófico Político Internacional anacrônico, clássico,

tipicamente Moderno, mostra-se fundamental estimular um pensamento constantemente

renovado, crítico e inovador, com o objetivo de, pela reconstituição lingüística dos

signos formadores dos conceitos, permitir a propositura contínua da alteridade dos

modelos e das chaves-cognitivas formadoras das concepções que sustentam as práticas

nas relações internacionais atuais e futuras, visando a um devir que não sejam

unilateralmente uma reprodução do triste e não tão remoto passado.

83

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