O Discurso - Estrutura Ou Acontecimento? (Michel Pêcheux)

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O Discurso - Estrutura Ou Acontecimento? (Michel Pêcheux) - 1983.

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  • Michel Fcheux

    0 DISCURSO

    ESTRUTURA OU ACONTECIMENTOTraduo: Eni Puecinelli Orlandi

    6a EDIO

    Fbntes

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Pcheux, Michel, 1938-1983O discurso: estrutura ou acontecimento / Michel Pcheux; traduo: Eni R Orlandi - 6 a Edio, Campinas, SP

    Pontes Editores, 2012.

    Bibliografia.ISBN 978- 85-7113-043-2

    1. Anlise do discurso 2. Lingustica 3. Semntica I. Ttulo

    90-1931CDD-410

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Anlise do discurso: Lingstica 4102. Anlise estrutural : Lingstica 4103. Anlise semntica: Lingstica 4104. Discurso: Anlise: Lingstica 410

  • Michel Pcheux

    0 DISCURSO

    ESTRUTURA OU ACONTECIMENTOTraduo: Eni Puccinelli Orlandi

    Pontes2012

  • Copyright 1988 Illinois University Press

    Ttulo original: Discourse: Structure or Event?

    Direitos cedidos para publicao em lngua portuguesa para Pontes Editores

    Coordenao Editorial: Ernesto Guimares Capa: Joo Baptista da Costa Aguiar Reviso: Vnia Aparecida da Silva

    Ernesto Guimares

    www.ponteseditores.com.br

    PONTES EDITORESRua Francisco Otaviano, 789 - Jardim Chapado 13070-056 - Campinas, SP Fone 193252.6011 Fax 193253.0769ponteseditores @ ponteseditores.com.br

    2012Impresso no Brasil

  • NDICE

    Nota ao Leitor . . ............ ........................................ 7

    I Introduo ............. 15

    II Cincia, Estrutura e Escolstica............... 29

    III Ler, Descrever, Interpretar ...... ................ 43

    Notas .................... .............................................. .. 59

    Bibliografia 67

  • NOTA AO LEITOR

    O que se pode depreender do percurso de Miche! Pcheux na elaborao da Anlise de Discurso que ele props uma forma de reflexo sobre a linguagem que aceita o desconforto de no se ajeitar nas evidncias e no lugar j-feito. Ele exerceu com sofisticao e esmero a arte de refletir nos entremeios.

    Assim, os princpios tericos que ele estabelece se alojam no em regies j categorizadas do conhecimento mas em interstcios disciplinares, nos vos que as disciplinas deixam ver em sua articulao contraditria. A ele faz trabalharem os procedimentos da Anlise de Discurso na (des) construo e compreenso incessante de seu objeto: o discurso.

    Em seu domnio especfico de reflexo, a Anlise de Discurso vai colocar questes para essas disciplinas,

  • sistematicamente. E, em seu trabalho, percorre menos o acmulo de conhecimentos positivos e mais os efeitos de certeza que esses conhecimentos produzem, fazendo a histria de suas cincias.

    A Anlise de Discurso quer se a considere como um dispositivo de anlise ou como a instaurao de novos gestos de leitura se apresenta com efeito como uma forma de conhecimento que se faz no entremeio e que leva em conta o confronto, a contradio entre sua teoria e sua prtica de anlise. E isto compreendendo-se o entremeio seja no campo das disciplinas, no da desconstruo, ou mais precisamente no contato do histrico com o lingstico, que constitui a materialidade especfica do discurso.

    Nesse seu presente trabalho, M. Pcheux fala da relao entre os universos logicamente estabilizados e o das formulaes irremediavelmente equvocas, investigando as relaes do descritvel e do interpretvel ao mesmo tempo em que percorre as formas de se fazer cincia: as sobredeterminantes e as de interpretao. Observando o entrecruzamento e a dessemelhana entre os objetos discursivos de talhe estvel e os que tm seu modo de existncia regido aparentemente pela prpria maneira como falamos deles, contorna a declarao de que uns so mais reais que outros, reconhecendo, ao invs disso, a existncia de vrios tipos de real.

    Refletindo ento sobre a questo da histria e do marxismo, no vai negar histria seu carter de interpretao, ao contrrio, aprofunda esse seu modo de existncia para poder compreend-la terica e critica

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  • mente, ou melhor, para compreender as formas de existncia possvel de uma cincia da histria. Desse modo d uma funo heurstica ao fato de que a histria aparenta o movimento da interpretao do homem diante dos fatos. Por isto a histria est colocada. E a Anlise de Discurso trabalha justamente no lugar desse aparentar, criando um espao terico em que se pode produzir o descolamento dessa relao, des- territorializando-a.

    Paralelamente, sem negar o percurso pelo marxismo, ele no entanto experimenta seus limites e se apresenta na sua responsabilidade como terico da linguagem: o de quem no protege e no se protege em Marx. Ao contrrio, aceita seu desafio entrecruzando trs caminhos: o do acontecimento, o da estrutura e o da tenso entre descrio e interpretao na Anlise de Discurso. Sem confundir suas crticas, como ele mesmo diz, com o covarde alvio de numerosos intelectuais franceses(?) que reagem descobrindo, afinal, que a "Teoria os havia intimidado.

    Ainda uma vez, M. Pcheux avana pelos entremeios, no deixando de levar em conta a presena forte da reflexo sobre a materialidade da linguagem e da histria, mesmo percorrendo agora esse espao das mltiplas urgncias do cotidiano, interrogando essa necessidade de um mundo semanticamente normal do sujeito pragmtico. Regio de equvoco e em que se ligam materialmente o inconsciente e a ideologia.

    Campinas, setembro de 1990

    Eni Pulcinelli Orlandi

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  • Este texto foi apresentado na Conferncia Marxismo e Interpretao da Cultura: Limites, Fronteiras, RestrL es na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, de 8 a 12 de julho de 1983.

  • I. INTRODUO

    Vocs conhecem a histria daquele velho terico/ erudito/marxista que queria fabricar sua biblioteca sozinho?

    Era naqueles longnquos tempos em que os marxistas pensavam poder construir tudo por si mesmos: a economia, a histria, a filosofia, a psicologia, a lin- gstica, a literatura, a sociologia, a arte. . . e as bibliotecas

    As dificuldades tinham comeado com a confuso entre parafuso, rosca e porca. Todos sabem, entretanto, que o sistema de base genrico-sexual da tecnologia elementar implica, como princpio estrutural, que as roscas e as porcas se casam. Mas reinava a esse respeito uma estranha confuso no marxismo: assim, o velho marxista tinha absoluta convico de estar equipado de

  • parafusos celibatrios marxistas, quando na verdade no dispunha seno de roscas. . . sem porcas.

    E toda vez que ele se punha a trabalhar, era a mesma coisa: ele juntava duas peas de madeira, cada uma com um buraco, em perfeita coincidncia. Colocava a rosca no buraco e girava, girava, girava. . . no vazio, sem nenhum resultado, de forma que sua construo estava sempre se desfazendo.

    Chegou gente de todo tipo, com toda espcie de porca, cada um lhe dizendo: olha isto! Isto tem talvez algo a ver com o que voc est fazendo, no? (com efeito, havia toda uma srie de porcas: porcas fenome- nolgicas, estruturalistas, hermenuticas, existenciais, discursivas, lingsticas, psicanalticas, epistemolgicas, desconstrutivistas, feministas, ps-modernas, etc. . .).

    Durante muito tempo, o velho marxista lhes respondia: deixem-me tranqilo, deixem-me fazer meu trabalho, sem me complicar ainda mais as coisas com suas porcas!. Mas agora nenhum marxista (ao menos nenhum marxista universitrio que se preze) daria uma resposta parecida: hoje o marxismo procura casar-se, ou contrair relaes extraconjugais. . .

    Para entrar na reflexo que empreendo aqui com vocs, sobre o discurso como estrutura e como acontecimento, imagino vrios caminhos muito diferentes.

    Um primeiro caminho seria tomar como tema um enunciado e trabalhar a partir dele; por exemplo, o

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  • enunciado On a gagn [Ganhamos] tal como ele atravessou a Frana no dia 10 de maio de 1981, s 20 horas e alguns minutos (o acontecimento, no ponto de encontro de uma atualidade e uma memria).

    Um outro caminho, mais clssico, na aparncia (mas o que clssico hoje?), consistiria em partir de uma questo filosfica; por exemplo, a da relao entre Marx e Aristteles, a propsito da idia de uma cincia da estrutura.

    Mas mltiplos saberes competentes logo me ameaam, surgindo com a espessura de suas referncias de todos os horizontes da filosofia e das cincias humanas e sociais; eles me lembram que no sou um especialista, nem de Marx, nem de Aristteles, nem da histria da filosofia. E que no disponho mais (ao menos por enquanto) de via de acesso especialmente preparada para o interior do imenso arquivo, oral e escrito, que se desdobra h dois anos em torno do 10 de maio de 1981.

    E ento? No seria melhor (terceiro caminho possvel) eu me ater sabiamente ao domnio profissional no qual encontro, bem ou mal, minha referncia: o da tradio francesa de anlise de discurso? 1. Por exemplo, levantando, na configurao dos problemas tericos e de procedimentos que se colocam hoje para essa disciplina, o da relao entre a anlise como descrio e a anlise como interpretao?

    Mas se me refugio nesta ttica de interveno, como evitar as muitas e longas consideraes prvias, necessrias a uma regulagem, um tuning mnimo entre o que eu gostaria de dizer e o que ser entendido?

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  • evocao de alguns nomes prprios (Saussure, Wittgenstein, Althusser, Foucault, Lacan.. .) ou a meno a campos do real (a histria, a lngua, o inconsciente...) no so suficientes para caracterizar uma posio de trabalho. . .

    No serei eu obrigado a comear por uma srie de chamadas" incidindo sobre pontos de definio que nada prova que no vo funcionar seno como signos de reconhecimento opacos, fetiches tericos?

    Ou ento vou eu tentar empurrar vocs nesta ultra rpida, por necessidade visita a um depsito de procedimentos tcnicos, prprios anlise de discurso?

    Ou ainda: devo tentar, pela apresentao de alguns resultados desses procedimentos, convenc-los de sua pertinncia e de seu interesse enquanto as pesquisas atuais tendem, antes de tudo, a produzir questes, mais do que a fazer valer a qualidade suposta das respostas"?

    Dizemos em francs que no se pode ir por quatro caminhos" quando se vai direto ao essencial... Mas qual seria, no caso, essa via maravilhosa do essencial, pela qual o negcio" do qual pretendo lhes falar colocar-se-ia sob seus olhos como um filme sem volta nem retoque?

    Considerando essa via como um mito religioso, prefiro me esforar em avanar entrecruzando os trs caminhos que acabo de evocar (o do acontecimento, o

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  • du estrutura e o da tenso entre descrio e interpretao no interior da anlise do discurso), retocando cada um deles pela efetivao parcial dos outros dois.

    I . "On a gagn [ " Ganhamos/7]

    Paris, 10 de maio de 1981, 20 horas (hora local): a imagem, simplificada e recomposta eletronicamente, do futuro presidente da Repblica Francesa aparece nos televisores. . . Estupor (de maravilhamento ou de terror): a de Franois Mitterand!

    Simultaneamente, os apresentadores de TV fazem estimativas calculadas por vrias equipes de informtica eleitoral: todas do F. Mitterand como "vencedor. No "especial-eleies desta noite, as tabelas de porcentagem pem-se a desfilar. As primeiras reaes dos responsveis polticos dos dois campos j so anunciadas, assim como os comentrios ainda quentes dos especialistas de politicologia; uns e outros vo comear a "fazer trabalhar o acontecimento (o fato novo, as cifras, as primeiras declaraes) em seu contexto de atualidade e no espao de memria que ele convoca e que j comea a reorganizar: o socialismo francs de Guesde a Jaurs, o Congresso de Tours, o Front Popular, a Liberao. . .

    Esse acontecimento que aparece como o "global * da grande mquina televisiva, este resultado de uma super-copa de futebol poltico ou de um jogo de repercusso mundial (F. Mitterand ganha o campeonato de Presidenciveis da Frana) o acontecimento jornalstico e da mass-media que remete a um contedo s-

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  • cio-poltico ao mesmo tempo perfeitamente transparente (o veredito das cifras, a evidncia das tabelas) e profundamente opaco. O confronto discursivo sobre a denominao desse acontecimento improvvel tinha comeado bem antes do dia 10 de maio, por um imenso trabalho de formulaes (retomadas, deslocadas, invertidas, de um lado a outro do campo poltico) tendendo a prefigurar discursivamente o acontecimento, a dar-lhe forma e figura, na esperana de apressar sua vinda. . . ou de impedi-la; todo esse processo vai continuar, marcado pela novidade do dia 10 de maio. Mas esta novidade no tira a opacidade do acontecimento, inscrita no jogo oblquo de suas denominaes: os enunciados

    F. Mitterand eleito presidente da Repblica Francesa

    A esquerda francesa leva a vitria eleitoral dos presidenciveis

    ou

    "A coalizaao socialista-comunista se apodera da Frana

    no esto evidentemente em relao nterparafrstca; esses enunciados remetem (Bedeutung) ao mesmo fato, mas eles no constroem as mesmas significaes (Sinn). O confronto discursivo prossegue atravs do acontecimento . . .

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  • E depois, no meio dessa circulao-confronto de formulaes, que no vo parar de atravessar a tela da TV durante toda a noite, surge um flash que ao mesmo tempo uma constatao e um apelo: todos os parisienses para quem esse acontecimento uma vitria se renem em massa na Praa da Bastilha, para gritar sua alegria (os outros no sero vistos nessa noite). E acontecer o mesmo na maior parte das outras cidades. Ora, entre esses gritos de vitria, h um que vai pegar" com uma intensidade particular: o enunciado On a gagn" [Ganhamos!"] repetido sem fim como um eco inesgotvel, apegado ao acontecimento.

    A materialidade discursiva desse enunciado coletivo absolutamente particular: ela no tem nem o contedo nem a forma nem a estrutura enunciativa de uma palavra de ordem de uma manifestao ou de um comcio poltico 2. On a gagn [Ganhamos"], cantado com um ritmo e uma melodia determinados (on-a-ga- gn/d-d-sol-d) constitui a retomada direta, no espao do acontecimento poltico, do grito coletivo dos torcedores de uma partida esportiva cuja equipe acaba de ganhar. Este grito marca o momento em que a participao passiva do espectador-torcedor se converte em atividade coletiva gestual e vocal, materializando a festa da vitria da equipe, tanto mais intensamente quanto ela era mais improvvel.

    O fato cie que o esporte tenha aparecido assim pela primeira vez em maio de 1981, com esta limpidez, como a metfora popular adequada ao campo poltico francs, convida a aprofundar a crtica das relaes entre o funcionamento da mdia e aquele da classe poltica", sobretudo depois dos anos 70 4.

    2 !

  • Em todo caso, o que podemos dizer que este jogo metafrico em torno do enunciado On a gagn" [Ganhamos"] veio sobredeterminar o acontecimento, sublinhando sua equivocidade: no domnio esportivo, a evidncia dos resultados sustentada pela sua apresentao em um quadro lgico (a equipe X, classificada na ensima diviso, derrotou a equipe Y; a equipe X est, pois, qualificada para se confrontar com a equipe Z, etc). O resultado" de um jogo , evidentemente, objeto de comentrios e de reflexes estratgicas posteriores (da parte dos capites de equipe, de comentadores esportivos, de porta-vozes de interesses comerciais, etc), pois sempre h outros jogos no horizonte. . ., mas enquanto tal, seu resultado deriva de um universo logicamente estabilizado (construdo por um conjunto relativamente simples de argumentos, de predicados e de relaes) que se pode descrever exaustivamente atravs de uma srie de respostas unvocas a questes factuais (sendo a principal, evidentemente: de fato, quem ganhou, X ou Y?").

    Questes do tpo *quem ganhou na verdade? em realidade? alm das aparncias? face histria?", etc aparecem como questes que no seriam pertinentes, e, no limite, at absurdas, a propsito de um resultado esportivo.

    Provavelmente, sso se prende ao fato de que a questo do jogo logicamente definida como estando contida em seu resultado: tal equipe ganhou" significa tal equipe ganhou o jogo em questo contra tal outra", ponto, acabou. s marcas e objetos simblicos suscetveis de se associarem a esta vitria (e, logo, de serem

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  • apropriados pelos torcedores que se identificam equipe) so apenas conotaes secundrias do resultado: no certo que se possa mostrar ou descrever o que a equipe vencedora ganhou.

    Tomados pelo ngulo em que aparecem atravs da mdia, os resultados eleitorais apresentam a mesma uni- vocidade lgica. O universo das porcentagens de resultados, munidos de regras para determinar o vencedor ele prprio um espao de predicados, de argumentos e relaes logicamente estabilizado: desse ponto de vista, dir-se- que no dia 10 de maio, depois de 20 horas, a proposio F. Mitterand foi eleito presidente da Repblica tornou-se uma proposio verdadeira; ponto final.

    Mas, simultaneamente, o enunciado On a gagn [Ganhamos] profundamente opaco: sua materialidade lxico-sinttica (um pronome indefinido em posio de sujeito, a marca temporal-aspectual de realizado, o lexema verbal gagner [ganhar], ausncia de complementos) imerge esse enunciado em uma rede de relaes associativas implcitas parfrases, implicaes, comentrios, aluses, etc isto , em uma srie heterognea de enunciados, funcionando sob diferentes registros discursivos, e com uma estabilidade lgica varivel 5.

    Assim, a interpretao poltico-esportiva que acaba de ser evocada no funciona como proposio estabilizada (designando um acontecimento localizado como um ponto em um espao de disjunes lgicas 6 seno com a condio de no se interrogar a referncia do sujeito do verbo gagner [ganhar], nem a de seus complementos elididos.

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  • Dois anos depois, a questo reaparece no circuito do debate poltico:

    On a gagn! ["Ganhamos!]. . . ns nos havamos regozijado do mesmo modo em cada vitria da esquerda, em maio de 36, na Liberao. Outros, antes de ns, tinham feito os mesmos discursos. "On a gagn! ["Ganhamos!]. E a cada vez era uma "experincia que no tinha durado muito, no atoleiro das abnegaes, dos entusiasmos, brilho sbito e fogo de palha, antes da recada, do desmoronamento e da derrota consentida. "On a gagn! ["Ganhamos!]. Ganhamos o qu, como, e por qu? 7

    a. Sobre o sujeito do enunciado: quem ganhou?

    A sintaxe da lngua francesa permite atravs do on indefinido, deixar em suspenso enunciativo a designao da identidade de quem ganhou: trata-se do "ns dos militantes dos partidos de esquerda? ou do "povo da Frana? ou daqueles que sempre apoiaram a perspectiva do Programa Comum? Ou daqueles que, no mais se reconhecendo na categorizao parlamentar di- reita/esquerda, se sentem, no entanto, liberados subitamente pela partida de Giscard d^staing e de tudo o que ele representa? Ou daqueles que, "nunca tendo feito poltica, esto surpresos e entusiasmados com a idia de que enfim "vai mudar?. . .

    O apagamento do agente induz um complexo efeito de retorno, misturando diversas posies militantes com a posio de participao passiva do espectador eleito-

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  • rai, torcedor hesitante e ctico at o itimo minuto.. . em que o inimaginvel acontece: o gol decisivo marcado e o torcedor voa em apoio vitria. O enunciado On a gagn [Ganhamos] funde aqueles que ainda acreditavam nisso com aqueles que j no acreditavam 8.

    b . Sobre o complemento do enunciado: ganhou o qu, como, por qu?

    Uma espiada no dicionrio nos ensina que o verbo gagner [ganhar] se constri:

    com um sujeito animado (um agente dotado de vontade, de sentimento, de inteno, etc): ganhar a vida, ganhar tanto por ms;

    * ganhar em uma competio, ser o vencedor;

    ganhar em um jogo de azar, ser o vencedor do grande prmio;

    ganhar terreno, espao, tempo (sobre o adversrio);

    ganhar galardes, uma medalha. . .

    ganhar um lugar, um posto, um lugar (cf. voltar para seu posto);

    ganhar a simpatia de algum, ganhar algum (homens, aliados, simpatizantes. . .);

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  • ou com um "sujeito inanimado" (uma coisa, um processo desprovido de vontade prpria, de sentimento, de inteno): so ento "agentes" que se tornam objetos:

    o calor, o frio, o entusiasmo, o sono, a doena, a alegria, a tristeza. . . me, o, nos ganham (se apoderam de mim, dele, de n s.. .).

    Que parte, cada um desses funcionamentos lxico- sintticos subjacentes, tomou na unidade equvoca desse grito coletivo que repercutiu? "On a gagn" ["Ganhamos"]. . . A alegria da vitria se enuncia sem complemento, mas os complementos no esto longe: ganhamos o jogo, a partida, a primeira rodada (antes das legislativas); mas tambm (em funo do que precede) ganhamos por sorte, como se ganha o grande prmio quando nem se acredita; e, claro, ganhamos terreno sobre o adversrio, j com a promessa de ocupar posies neste terreno e, antes de tudo, ocupar com toda legitimidade o lugar do qual se governa a Frana, o lugar do poder governamental e do poder do Estado; "A esquerda toma o poder na Frana" uma parfrase plausvel do enun- ciado-frmula "on a gagn" ["ganhamos"], no prolongamento do acontecimento.

    O poder a tomar: enfim, alguma coisa que se poderia mostrar, a ttulo de complemento do verbo gagner [ganhar]. No certo que se possa mostrar de forma unvoca aquilo de que se trata9. Q "poder" aparece, efetivamente, ora como um objeto adquirido (justo resultado de um grande esforo, ou efeito inesperado

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  • da sorte; de toda forma, o bem supremo que vai administrar o melhor para o bem de todos), ora como um espao resistente conquista, no confronto contnuo contra as feodalidades de toda ordem (que tudo fizeram para que isto jamais acontecesse e que continuam a resistir) ora como um ato performativo a se sustentar (fazer o que se diz), ora como novas relaes sociais a serem construdas.

    On a gagn [Ganhamos]: h dois anos o equvoco da frmula trabalha a esquerda nos postos governamentais, tanto quanto nas diferentes camadas da populao; ela trabalha aqueles que acreditam nisto e aqueles que esto em falta quanto crena; aqueles que esperam um grande movimento popular e aqueles que se resignam ao a-politismo generalizado; os responsveis e os outros, os homens de aparelhos e os simples particulares . . . De onde resulta um doloroso estiramento entre duas tentaes para escapar questo:

    a tentao de negar o equvoco do acontecimento do dia 10 de maio, por exemplo, fazendo-o coincidir completamente com o plano logicamente estabilizado das instituies polticas (sim ou no, a esquerda est no poder na Frana? se sim, tiremos as conseqncias. . . )

    ou ento a de negar o prprio acontecimento, fazendo como se, finalmente, nada tendo acontecido (o que ganhamos?), os problemas seriam estritamente os mesmos se a direita estivesse no poder 10.

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  • Ceder a uma ou outra dessas duas tentaes separaria definitivamente as duas esquerdas uma da outra, entregando as duas ao adversrio (E se a direita viesse a retomar o poder na Frana ns * veramos muito tarde o que ns teramos perdido).

    A partir do exemplo de um acontecimento, o do dia 10 de maio de 1981, a questo terica que coloco , pois, a do estatuto das discursividades que trabalham um acontecimento, entreeruzando proposies de aparncia logicamente estvel, suscetveis de resposta unvoca ( sim ou no, x ou y, etc) e formulaes irremediavelmente equvocas.

    Objetos discursivos de talhe estvel, detendo o aparente privilgio de serem, at certo ponto, largamente independentes dos enunciados que produzimos a seu respeito, vm trocar seus trajetos com outros tipos de objetos, cujo modo de existncia parece regido pela prpria maneira com que falamos deles:

    uns devem ser declarados mais reais que outros?

    h um espao subjacente comum ao desdobramento de objetos to dessemelhantes?

    So essas as questes que gostaria de abordar agora.

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  • 1L CINCIA, ESTRUTURA E ESCOLSTICA

    Supor que, pelo menos em certas circunstncias, h independncia do objeto face a qualquer discurso feito a seu respeito, significa colocar que, no interior do que se apresenta como o universo fsico-humano (coisas, seres vivos, pessoas, acontecimentos, processos. . .), h real", isto , pontos de impossvel, determinando aquilo que no pode no ser assim"* (O real o impossvel. . . que seja de outro modo).

    No descobrimos, pois, o real: a gente se depara com ele, d de encontro com ele, o encontra.

    Assim, o domnio das matemticas e das cincias da natureza lidam com o real na medida em que se pode dizer de um matemtico ou de um fsico que ele encontrou a soluo de uma questo at ento no

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  • resolvida: e diz-se tambm que um aluno, face a um exerccio de matemtica ou de fsica "encontrou tal parte do problema (ele "acertou tal ou tal questo), enquanto se perde no resto.

    Um grande nmero de tcnicas materiais (todas as que visam produzir transformaes fsicas ou biofsicas) por oposio s tcnicas de adivinhao e de interpretao de que falaremos mais adiante, tm que ver com o real: trata-se de encontrar, com ou sem a ajuda das cincias da natureza, os meios de obter um resultado que tire partido da forma a mais eficaz possvel (isto , levando em conta a esgotabilidade cta natureza) dos processos naturais, para instrumentaliza-los, dirigi os em direo aos efeitos procurados.

    A esta srie vem se juntar a multiplicidade das "tcnicas de gesto social dos indivduos: marc-los, identific-los, classific-los, compar-los, coloc-los em ordem, em colunas, em tabelas, reuni-los e separ os segundo critrios definidos, a fim de coloc-los no trabalho, a fim de instru-lcs, de faz-los sonhar ou delirar, de proteg-los e de vigi-los, de lev-los guerra e de lhes fazer filhos. . . Este espao administrativo (jurdico, econmico e poltico) apresenta ele ^tambm as aparncias da coero, lgica disjuntiva: impossvel que tal pessoa seja solteira e casada, que tenha diploma a que no o tenha, que esteja trabalhando e que esteja desempregado, que ganhe menos de tanto por ms e que ganhe mais, que seja civil e que seja militar, que tenha sido eleito para tal funo e que no o tenha sido, etc. . .

    Esses espaos atravs dos quais se encontram estabelecidos (enquanto agentes e garantia dessas lti

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  • mas operaes) detentores de saber, especialistas e responsveis de diversas ordens repousam, em seu funcionamento discursivo interno, sobre uma proibio de interpretao, implicando o uso regulado de proposies lgicas (Verdadeiro ou Falso) com interrogaes disjuntivas (o estado de coisas A ou no-A?) e, correlativamente, a recusa de certas marcas de distncia discursiva 11 do tipo "em certo sentido, "se se desejar, "se podemos dizer, "em um grau extremo, "dizendo mais propriamente, etc (e, em particular, a recusa de quaisquer aspas de natureza interpretativa, que deslocariam as categorizaes; por exemplo, o enunciado: "Fulano muito "militar no civil, enunciado que , alis, perfeitamente dotado de sentido).

    Nesses espaos discursivos (que mais acima designamos como "logicamente estabilizados) supe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaos reflete propriedades estruturais indpendentes de sua enunciao: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrio adequada do universo (tal que este universo tomado discursivamente nesses espaos).

    E o que unifica aparentemente esses espaos discursivos uma srie de evidncias lgico-prticas, de nvel muito geral, tais como:

    um mesmo objeto X no pode estar ao mesmo tempo em duas localizaes diferentes;

    um mesmo objeto X no pode ter a ver ao mesmo tempo com a propriedade P e a propriedade no-P;

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  • um mesmo acontecimento A no pode ao mes- mo tempo acontecer e no acontecer, etc.

    Ora, esta homogeneidade lgica, que condiciona o logicamente representvel como conjunto de proposies suscetveis de serem verdadeiras ou falsas, atravessado por uma srie de equvocos, em particular termos como lei, rigor, ordem, princpio, etc que "cobrem * ao mesmo tempo, como um patchwork heterclito, o domnio das cincias exatas, o das tecnologias e o das administraes 12.

    Esta "cobertura"' lgica de regies heterogneas do real um fenmeno bem mais macio e sistemtico para que possamos a ver uma simples impostura construda na sua totalidade por algum Prncipe mistifica- dor: tudo se passa como se, face a essa falsa-aparncia de um real natural-social-histrico homogneo coberto por uma rede de proposies lgicas, nenhuma pessoa tivesse o poder de escapar totalmente, mesmo, e talvez sobretudo, aqueles que se acreditam "no-simplrios": como se esta adeso de conjunto devesse, por imperiosas razes, vir a se realizar de um modo ou de outro.

    Se descartamos todas as explicaes que no o so na medida em que elas so apenas comentrios dessa mesma adeso h talvez um ponto crucial a considerar, do lado das mltiplas urgncias do cotidiano; mas colocar em jogo este ponto supe suspender a posio do espectador universal como fonte da homogeneidade lgica e interrogar o sujeito pragmtico, no sentido Kantiano 13 e tambm no sentido contemporneo do termo.

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  • ida de que os espaos estaolizados seriam impostos do exterior, como coeres, a este sujeito pragmtico, apenas pelo poder dos cientistas, dos especialistas e responsveis administrativos, se mostra insustentvel desde que se a considere um pouco mais seriamente.

    O sujeito pragmtico isto , cada um de ns, os simples particulares face s diversas urgncias de sua vida tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lgica: isto se marca pela existncia dessa multiplicidade de pequenos sistemas lgicos portteis que vo da gesto cotidiana da existncia (por exemplo, em nossa civilizao, o porta-notas, as chaves, a agenda, os papis, etc) at as grandes decises da vida social e afetiva (eu decido fazer isto e no aquilo, de responder a X e no a Y, etc. . . ) passando por iodo o contexto scio-tcnico dos aparelhos domsticos (isto , a srie dos objetos que adquirimos e que aprendemos a fazer funcionar, que jogamos e que perdemos, que quebramos, que consertamos e que substitumos) . . .

    Nesse espao de necessidade equvoca, misturando coisas e pessoas, processos tcnicos e decises morais, modo de emprego e escolhas polticas, toda conversa (desde o simples pedido de informao at a discusso, o debate, o confronto) suscetvel de colocar em jogo uma bipolarizao lgica das proposies enunciveis com, de vez em quando, o sentimento insidioso de uma simplificao unvoca, eventualmente mortal, para si-mesmo e/ou para os outros.

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  • De nada serve negar essa necessidade (desejo) de aparncia, veculo de disjunes e categorizaes lgicas: essa necessidade universal de um mundo semanticamente normal, isto , normatizado, comea com a relao de cada um com seu prprio corpo e seus arredores imediatos (e antes de tudo com a distribuio de bons e maus objetos, arcaicamente figurados pela disjuno entre alimento e excremento).

    E tambm no serve de nada negar que esta necessidade de fronteiras coincide com a construo de laos de dependncia face s mltiplas coisas-a-saber, consideradas como reservas de conhecimento acumuladas, m- quinas-de-saber 14 contra as ameaas de toda espcie: o Estado e as instituies funcionam o mais freqente- mente pelo menos em nossa sociedade - como plos privilegiados de resposta a esta necessidade ou a essa demanda.

    s coisas-a-saber representam assim tudo o que arrisca faltar felicidade (e no limite simples sobre- vida biolgica) do sujeito pragmtico: isto , tudo o que o ameaa pelo fato mesmo que isto exista (o fato de que seja real, qualquer que seja a tomada que o sujeito em questo tenha ou no sobre a estrutura do real); no necessrio ter uma intuio fenomenol- gica, uma pegada hermenutica ou uma apreenso espontnea da essncia do tifo para ser afetado por essa doena15; mesmo o contrrio: h coisas-a-saber (conhecimentos a gerir e a transmitir socialmene), isto , descries de situaes, de sintomas e de atos (a efe-

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  • tuar ou evitar) associados s ameaas multiformes de um real do qual "ningum pode ignorar a lei porque esse real impiedoso.

    O projeto de um saber que unificaria esta multiplicidade heterclita das coisas-a-saber em uma estrutura represeiltvel homognea, a idia de uma possvel cincia da estrutura desse real, capaz de explicit-lo fora de toda falsa-aparncia e de lhe assegurar o controle sem risco de interpretao (logo uma auto-leitura cientfica, sem falha, do real) responde, com toda evidncia, a uma urgncia to viva, to universalmente "humana, ele amarra to bem, em torno do mesmo jogo dominao/resistncia, os interesses dos sucessivos mestres desse mundo e os de todos os condenados da terra. .. que o fantasma desse saber, eficaz, administrvel e transmissvel, no podia deixar de tender historicamente a se materializar por todos os meios.

    A promessa de uma cincia rgia conceptualmente to rigorosa quanto as matemticas, concretamente to eficaz quanto as tecnologias materiais, e to onipresente quanto a filosofia e a poltica!. . . como a humanidade poderia ter resistido a semelhante pechincha?

    Houve o momento da escolstica aristotlica, procurando desenvolver as categorias que estruturam a linguagem e o pensamento para fazer delas o modelo e o organon de toda sistematizao: questes disjuntivas em utrum (ou. . . ou) sobre a divindade, o sexo dos anjos, os corpos celestes e terrestres, as plantas e os animais, e todas as coisas conhecidas e desconhecidas. .. Quantos catecismos no estruturaram redes de questes- -respostas escolsticas?

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  • I H o momento moderno contemporneo do rigor positivo, aparecido no contexto histrico da constituio, enquanto cincias, da fsica, da qumica e da biologia, associado emergncia de uma nova forma de Direito (organizado em corpo de proposies) e tambm em um novo lance do pensamento matemtico: um novo organon, construdo contra o aristotelismo e apoiado na referncia s "cincias exatas", procura por sua vez homogeneizar o real, desde a lgica matemtica at os espaos administrativos e sociais, atravs do mtodo hipottico-dedutivo experimental, e as tcnicas de "administrao de prova".

    E, last but not least, h o momento da ontologia marxista, que pretende de seu lado produzir as "leis dialticas" da histria e da matria, outro organon parcialmente semelhante aos dois precedentes, partilhando de qualquer modo com eles o desejo de onipotncia - "a teoria de Marx todo poderosa porque verdadeira" (Lenin). No seu conjunto, os movimentos operrios no puderam visivelmente resistir a este presente extraordinrio de uma nova filosofia unificada, capaz de se institucionalizar eficazmente, enquanto componente crtieo/organizador do Estado (o Estado existen- te/o Estado futuro): o dispositivo de base da ontologia dialtica marxista (com O Capital como arma absoluta, "o mssil mais poderoso lanado na cabea da burguesia") se mostrou tambm capaz do mesmo modo que todos os saberes de aparncia unificada e homognea de justificar tudo, em nome da urgncia16.

    O neo-positivismo e o marxismo formam assim as "enistemes" maiores de nosso tempo, tomadas em um

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  • encavalamento parcialmente contraditrio em torno questo das cincias humanas e sociais; tendo, no centro, a questo da histria, isto , a questo das formas de existncia possvel de uma cincia da histria.

    A questo aqui no de saber se O Capital e as pesquisas que dele derivaram produziram o que chamei "coisas-a-saber: mesmo para os adversrios, os mais ferozes, do marxismo, o processo de explorao capitalista, por exemplo, constitui incontestavelmente uma coisa-a-saber, da qual os detentores de capitais aprenderam a se servir tanto, e, s vezes, melhor que aqueles que eles exploram 17. O mesmo acontece, para a luta de classes e vrias outras "coisas-a-saber.

    A questo sobretudo a de determinar se as coh sas-a-saber sadas do marxismo so, ou no, suscetveis de se organizar em um espao cientfico coerente, integrado em uma montagem sistemtica de conceitos tais como foras produtivas, relaes de produo, formao scio-econmica, formao social, nfraestrutura e superestruturas jurdico-poltica e ideolgica, poder de Estado, etc. . . do mesmo modo que, por exemplo, a descoberta galileana pode constituir a matriz cientfica coerente da fsica, no sentido atual desse termo 18.

    O momento da ruptura galileana abriu a possibilidade de uma construo do real fsico enquanto processo, delimitando o impossvel prprio a este real, atravs de relaes reguladas combinando a construo de escritas conceptuais e a de montagens experimentais (colocando assim em jogo uma parte do registro das

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  • tcnicas materiais evocadas mais acima). Desse modo, os primeiros instrumentos (planos inclinados, guindastes, etc. . . ) utilizados pela fsica galileana eram inevitavelmente antecipados no espao tecnolgico pr-galileano; e no prprio desenvolvimento da fsica que tais instrumentos se transformaram para se adaptar s necessidades intrnsecas desta, com, em efeito de retorno, a produo de objetos tcnicos industrializados indefinidamente alargada, associada a uma nova diviso tcnico-social do trabalho (eruditos, engenheiros e tcnicos) que faz tambm a fsica aparecer como uma cincia social 19.

    As conseqncias intelectuais da descontinuidade galileana se marcam pelo fato que, para no importa que fsico hoje, Aristteles no nem um colega, nem o primeiro fsico: Aristteles simplesmente um grande filsofo. Uma outra marca desta descontinuidade que a fsica galileana e ps-galileana no interpreta o real mesmo se, bem entendido, o movimento que ela inicia, o da construo do real fsico como processo, no deixa de ser objeto de mltiplas interpretaes.

    A questo que coloco aqui a de saber se Marx pode, ou no, ser considerado como o Galileu do continente histria 20. H um impossvel especfico histria, marcando estruturalmente o que constituiria o real? H uma relao regulada entre a formulao de conceitos e a montagem de instrumentos suscetveis de aprisionarem esse real? E podemos discernir, com o advento do pensamento de Marx, uma descontinuidade tal que o real histrico deixasse de ser objeto de interpretaes divergentes,, ou contraditrias, para ser cons-

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  • titudo, por sua vez, em processo (por exemplo, em "processo sem sujeito nem fim(ns), segundo a clebre frmula de L. Althusser)?

    constatao da "crise do marxismo hoje sufi- centemente admitida para que eu seja direto, dizendo: tudo leva a pensar que a descontinuidade epistemolgica associada descoberta de Marx se mostre extremamente precria e problemtica. Marx no nem o primeiro historiador, nem o primeiro economista, no sentido em que Galileu seria o primeiro fsico: Tucdides, que no aparentemente um colega para os atuais praticantes de historiografia21, seguramente um historiador tanto antes como depois de Marx. Tudo que podemos supor eventualmente que Tucdides no ser lido da mesma maneira, se esta leitura levar ou no em conta a "obra de Marx (quer dizer, de fato, tal ou tal leitura de tal ou tal texto assinado por Marx ou Marx-Engels. etc). Mas no podemos dizer exatamente o mesmo de todo grande pensamento que surge na histria? Na falta de ser o fundador da cincia da histria, Marx seria um grande filsofo: um pensamento da importncia da de Aristteles. . .

    O que poderia acontecer o que, de certo modo aconteceu que Marx foi considerado como. . . o primeiro terico marxista, a despeito da famosa frase pela qual ele rejeitou este adjetivo categorizante, que certos companheiros seus j haviam forjado enquanto ele vivia, por derivao a partir de seu prprio nome.

    O fato de que Marx tenha assim recusado se reconhecer nos efeitos iniciais associados "recepo" s-

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  • cio-histrica de sua obra foi quase sempre entendida como uma denegao, significando de fato: "Eu, KarI Marx, sou efetivamente marxista.. . mas no no sentido em que se entende comumente. Nesse ponto preciso comea, me parece, a temtica aristocrtica da "boa leitura oposta s ms leituras (banais e falaciosas), da interpretao justa, sempre em reserva quanto as interpretaes errneas, da verdade como tlos de um processo de retificao potencialmente infinito.

    A fantstica srie de efeitos escolsticos de desdobramentos da leitura (exotrico/esotrico, Marx lido por X/Marx lido por Y, etc) ao qual "o mafcxismo deu lugar desde o comeo, com um adiamento quase indefinido do momento da experincia decisiva, no seria ento to espantosa: o impossvel prprio estrutura do real histrico isto , o real visado especificamente pela teoria marxista seria literalmente inapreensvel nas "aplicaes da dita teoria. O mesmo ponto apo- rtico surge por um outro vis, o da questo dos "instrumentos: se consideramos (como o caso, h um sculo, para uma parte no negligencivel da humanidade) marxismo como a cincia da histria posta em prtica pelo proletariado, devemos admitir que os praticantes da cincia em questo foram constrangidos a "emprestar do mundo social-histrico existente, logo pr-marxista, toda uma srie de instrumentos (instituies ou "aparelhos, formas de organizao, de prticas, etc) para que esta cincia-prtica pudesse se constituir ao mesmo tempo como espao de conhecimento e como fora de interveno na histria.

    Na medida em que se trata de intervir na histria obedecendo suas leis (o que pressupe que as "coisas-a-

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  • saber que concernem histria, a sociedade, a poltica. . . tm a estrutura das leis do tipo cientfico-gali- leano) absolutamente compreensvel que, como os planos inclinados e os guindastes de Galileu, os primeiros "instrumentos utilizados tenham sido to dessemelhantes de suas novas finalidades "cientficas, to inadequados a sua funo transformadora, em uma palavra. .. to grosseiros. (S os utopistas inveterados podem crer que possvel construir ex nihilo tais instrumentos scio-polticos negando magicamente "o peso do passado).

    Mas o problema crucial, que, medida em que se desenvolvem as "aplicaes do marxismo como cincia-prtica, os novos instrumentos, rgos ou aparelhos (re)construdos sob sua responsabilidade "cientfica continuam a se parecer, grosso modo, com as estruturas anteriores s vezes com agravantes que so mais do que deslizes acidentais: em particular o mesmo patchwork, a mesma falsa-aparncia da homogeneidade lgica encaixando a estabilidade discursiva prpria s cincias da natureza, s tcnicas materiais e aos procedimentos de gesto-controle administrativo no deixou de reinar nas diferentes variantes do marxismo. Em outros termos, e para dizer a coisa brutalmente, os instrumentos no seguiram a teoria nas suas "aplicaes . . . o que pode tambm se entender como o indcio que a cincia-prtica em questo no foi jamais (ainda?) aplicada verdadeiramente. . .

    Mas falar assim, ainda supor um "verdadeiro marxismo de reserva, um marxismo "inincontr- vel 22. . . , no fundo, repetir a denegao do prprio

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  • Marx a propsito da interpretao de sua obra; ainda identificar-se ao gesto de Marx, no que ele tinha de mais autoprotetor.

    Vamos parar de proteger Marx e de nos proteger nele. Vamos parar de supor que as coisas-a-saber que concernem o real scio-histrico formam um sistema estrutural, anlogo coerncia conceptual-experimental galileana23. E procuremos medir o que este fantasma sistmico implica, o tipo de ligao face aos especialistas de todas as espcies e instituies e aparelhos de Estado que os empregam, no para se colocar a si mesmo fora do jogo ou fora do Estado(!), mas para tentar pensar os problemas fora da negao marxista da interpretao: isto , encarando o fato de que a histria uma disciplina de interpretao e no uma fsica de tipo novo.

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  • III. LER, DESCREVER, INTERPRETAR

    Interrogar-se sobre a existncia de um real prprio s disciplinas de interpretao exige que o no-logica- mente-estvel no seja considerado a priori como um defeito, um simples furo no real.

    supor que entendendo-se o "real em vrios sentidos possa existir um outro tipo de real diferente dos que acabam de ser evocados, e tambm um outro tipo de saber, que no se reduz ordem das coisas- a-saber ou a um tecido de tais coisas. Logo: um real constitutivamente estranho univocidade lgica, e um saber que no se transmite, no se aprende, no se ensina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos.

    O movimento intelectual que recebeu o nome de estruturalismo (tal como se desenvolveu particular-

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  • mente na Frana dos anos 60, em tomo da lingstica, da antropologia, da filosofia, da poltica e da psicanlise) pode ser considerado, desse ponto de vista, como uma tentativa anti-positivista visando a levar em conta este tipo de real, sobre o qual o pensamento vem dar, no entrecruzamento da linguagem e da histria.

    Novas prticas de leitura (sintomticas, arqueolgicas, etc . . . ) aplicadas aos monumentos textuais, e de incio aos Grandes Textos (cf. Ler o Capital), surgiram desse movimento: o princpio dessas leituras consiste, como se sabe, em multiplicar as relaes entre o que dito aqui (em tal lugar), e dito assim e no de outro jeito, com o que dito em outro lugar e de outro modo, a fim de se colocar em posio de "entender a presena de no-ditos no interior do que dito.

    Colocando que "todo fato j uma interpretao (referncia antipositivista a Nietzsche), as abordagens estruturalistas tomavam o partido de descrever os arranjos textuais discursivos na sua intrincao material e, paradoxalmente, colocavam assim em suspenso a produo de interpretaes (de representaes de contedos, Vorstellungen) em proveito de uma pura descrio (Darstellung) desses arranjos. As abordagens estruturalistas manifestavam assim sua recusa de se constituir em "cincia rgia da estrutura do real. No entanto, veremos daqui a pouco como elas puderam ceder por sua vez a este fantasma e acabar por aparentar uma nova "cincia rgia . . .

    Mas preciso antes sublinhar que em nome de Marx, de Freud, e de Saussure, uma base terica nova,

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  • politicamente muito heterognea, tomava forma e desembocava em uma construo crtica que abalava as evidncias literrias da autenticidade do vivido", assim como as certezas cientficas" do funcionalismo positivista. Lembro como, no incio de Ler o Capital, Althusser marca o encontro desses trs campos:

    Foi a partir de Freud que comeamos a suspeitar do que escutar, logo do que falar (e calar) quer dizer: que este quer dizer" do falar e do escutar descobre, sob a inocncia da fala e da escuta, a profundeza determinada de um fundo duplo, o quer dizer" do discurso do inconsciente este fundo duplo do qual a lingustica moderna, nos mecanismos da linguagem, pensa os efeitos e condies formais" (p. 14-15).

    O efeito subversivo da trilogia Marx-Freud-Saus- sure foi um desafio intelectual engajando a promessa de uma revoluo cultural, que coloca em causa as evidncias da ordem humana como estritamente bio-social.

    Restituir algo do trabalho especfico da letra, do smbolo, do vestgio, era comear a abrir uma falha no bloco compacto das pedagogias, das tecnologias (industriais e bio-mdicas), dos humanismos moralizantes ou religiosos: era colocar em questo essa articulao dual do biolgico com o social (excluindo o simblico e o significante). Era um ataque dando um golpe no narcisismo (individual e coletivo) da conscincia humana (cf. Spinoza e seu tempo), um ataque contra a eterna negociao de si" (como mestre/escravo de seus gestos, palavras e pensamentos) em sua relao com o outro-si.

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  • Em uma palavra: a revoluo cultural estruturalista no deixou de fazer pesar uma suspeita absolutamente explcita sobre o registro do psicolgico (e sobre as psicologias do "ego, da "conscincia, do "comportamento ou do "sujeito epistmico). Esta suspeita no , pois, engendrada pelo dio humanidade que fre- qentemente se emprestou ao estruturalismo; ela traduz o reconhecimento de um fato estrutural prprio ordem humana: o da castrao simblica.

    Mas ao mesmo tempo, esse movimento anti-nar- csico (cujos efeitos polticos e culturais no esto, visivelmente, esgotados) balanava em uma nova forma de narcisismo terico. Digamos: em um narcisismo da estrutura.

    Esse narcisismo terico se marca, na inclinao estruturalista, pela reinscrio de sus "leituras no espao unificado de uma lgica conceptual. A suspenso da interpretao (associada aos gestos descritivos da leitura das montagens textuais) oscila assim em uma espcie de sobre-interpretao estrutural da montagem como efeito de conjunto: esta sobre-interpretao faz valer o "terico como uma espcie de metalngua, organizada ao modo de uma rede de paradigmas. A sobre-interpretao estruturalista funciona a partir de ento como um dispositivo de traduo, transpondo "enunciados empricos vulgares em "enunciados estruturais conceptuais; esse funcionamento das anlises estruturais (e em particular do que poderamos chamar o materialismo estrutural ou o estruturalismo poltico) permanece assim secretamente regido pelo modelo geral da equivalncia interpretativa. Para esquematizar:

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  • Seja o enunciado emprico PI (por exemplo: "o rosto do socialismo existente est desfigurado)

    . . . PI no significa de fato outra coisa que. . .

    . .. o mesmo em termos tericos que dizerque. . .

    . . . dito de outro modo. . .

    . . . quer dizer. ..

    . . . o enunciado terico P2 (por exemplo "a ideologia burguesa domina a teoria marxista).

    antes de tudo esta posio de desvio terico, seus ares de discurso sem sujeito, simulando os processos matemticos, que conferiu s abordagens estruturais esta aparncia de nova cincia rgia, negando como de hbito sua prpria posio de interpretao.

    O paradoxo desse incio dos anos 80, que o deslizamento do estruturalismo poltico francs, seu desmoronamento enquanto cincia rgia (que no entanto continua a produzir efeitos notadamente no espao latino-americano) coincide com um crescimento da recepo dos trabalhos de Lacan, Barthes, Derrida e Fou- cault no domnio anglo-saxo, tanto na Inglaterra quanto na Alemanha, assim como nos EUA. Assim, por um estranho efeito de oscilao, no momento preciso em que a Amrica descobre o estruturalismo, a intelectualidade francesa vira a pgina, desenvolvendo um res-

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  • sentimento macio face a teorias, suspeitas de terem pretendido falar em nome das massas, produzindo uma longa srie de gestos simblicos ineficazes e performa- tivos polticos infelizes.

    Esse ressentimento um efeito de massa, vndo "de baixo: uma espcie de contra-golpe ideolgico que fora a refletir, e que no poderia ser confundido com o covarde alvio de numerosos intelectuais franceses que reagem descobrindo, afinal, que a "Teoria os havia "intimidado!

    A grande fora dessa reviso crtica, colocar impiedosamente em causa as alturas tericas no nvel das quais o estruturalismo poltico tinha pretendido construir sua relao com o Estado (eventualmente sua identificao ao Estado e especialmente com o Partido- Estado da revoluo). Este choque em retorno, obriga os olhares a se voltarem para o que se passa realmente "em baixo, nos espaos infraestatais que constituem o ordinrio das massas, especialmente em perodo de crise.

    Em histria, em sociologia e mesmo nos estudos literrios, aparece cada vez mais explicitamente a preocupao de se colocar em posio de entender esse discurso, a maior parte das vezes silencioso, da urgncia s voltas com os mecanismos da sobrevivncia; trata-se, para alm da leitura dos Grandes Textos (da Cincia, do Direito, do Estado), de se pr na escuta das circulaes cotidianas, tomadas no ordinrio do sentido (cf por exemplo, De Certeau, A Inveno do Cotidiano, 1980).

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  • Simultaneamente, o risco que comporta esse mesmo movimento bastante evidente: o que consiste em seguir a linha de maior inclinao ideolgica e se conceber esse registro do ordinrio do sentido como um fato de natureza psico-biolgica, inscrito em uma dis- cursividade logicamente estabilizada. Logo, o risco de um retorno fantstico para os positivismos e filosofias da conscincia.

    Urna reunio como esta poderia ser a ocasio para desmanchar alguns desses riscos, situando os modos e os pontos de encontro maiores. De meu lado, (mas exprimo a um ponto de vista que no me pessoal: uma posio de trabalho que se desenvolve na Frana atualmente24) eu sublinharia o extremo interesse de uma aproximao, terica e de procedimentos, entre as prticas da "anlise da linguagem ordinria (na perspectiva anti-positivista que se pode tirar da obra de Wittgenstein) e as prticas de "leitura de arranjos discursivo-textuais (oriundas de abordagens estruturais).

    Encarada seriamente (isto , de outro modo que apenas uma simples "troca cultural) essa aproximao engaja concretamente maneiras de trabalhar sobre as materialidades discursivas, implicadas em rituais ideolgicos, nos discursos filosficos, em enunciados polticos, nas formas culturais e estticas, atravs de suas relaes com o cotidiano, com o ordinrio do sentido. Esse projeto s pode tomar consistncia se ele permanecer prudentemente distanciado de qualquer cincia rgia presente ou futura (que se trate de positivismos ou de ontologias marxistas).

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  • Esta maneira de trabalhar impe um certo nmero de exigncias que preciso explicitar em detalhe, e que no posso evocar aqui seno rapidamente, para acabar:

    1. A primeira exigncia consiste em dar o primado aos gestos de descrio das materialidades discursivas. Uma descrio, nesta perspectiva, no uma apreenso fenomenolgica ou hermenutica na qual descrever se torna indiscernvel de interpretar: essa concepo da descrio supe ao contrrio o reconhecimento de um real especfico sobre o qual ela se instala: o real da lngua (cf. J. Milner, especialmente em UAmour de la Langue). Eu disse bem: a lngua. Isto , nem linguagem, nem fala, nem discurso, nem texto, nem interao con- versacional, mas aquilo que colocado pelos lingistas como a condio de existncia (de princpio), sob a forma da existncia do simblico, no sentido de Jakobson e de Lacan.

    Certas tendncias recentes da lingstica so bastante encorajadoras desse ponto de vista. Aparecem tentativas, alm do distribucionalismo harrisiano e do gerativismo chomskiano para recolocar em causa o primado da proposio lgica e os limites impostos anlise como anlise da sentena (frase). A pesquisa lingstica comearia assim a se descolar da obsesso da ambigidade (entendida como lgica do "ou . . . oun) para abordar o prprio da lngua atravs do papel do equvoco, da elipse, da falta, etc. .. Esse jogo de diferenas, alteraes, contradies no pode ser conce

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  • bido como o amolecimento de um ncleo duro lgico: a equivocidade, a "heterogeneidade constitutiva (A expresso de J. Authier) da lngua corresponde a esses "artigos de f enunciados por J. Milner em "A Roman Jakobson ou le Bonheur par la Symtrie (in Ordre et Raisons de Langue, Seuil, Paris, 1982, p. 336):

    " nada da poesia estranho lngua

    nenhuma lngua pode ser pensada completamente, se a no se integra a possibilidade de sua poesia.

    Isto obriga a pesquisa lingstica a se construir procedimentos (modos de interrogao de dados e formas de raciocnio) capazes de abordar explicitamente o fato lingstico do equvoco como fato estrutural implicado pela ordem do simblico. Isto , a necessidade de trabalhar no ponto em que cessa a consistncia da representao lgica inscrita no espao dos "mundos normais. tambm o argumento que desenvolvemos, F. Gadet e eu, no texto La Langue Introuvable (Mas- pero, Paris, 1981).

    O objeto da lingustica (o prpria da lngua) aparece assim atravessado por uma diviso discursiva entre dois espaos: o da manipulao de significaes estabilizadas, normatizadas por uma higiene pedaggica do pensamento, e o de transformaes do sentido, escapando a qualquer norma estabelecida a prior, de um trabalho do sentido sobre o sentido, tomados no relanar indefinido das interpretaes.

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  • Esta fronteira entre os dois espaos tanto mais difcil de determinar na medida em que existe toda uma zona intermediria de processos discursivos (derivando do jurdico, do administrativo e das convenes da vida cotidiana) que oscilam em torno dela, l nesta regio discursiva intermediria, as propriedades lgicas dos objetos deixam de funcionar: os objetos tm e no tm esta ou aquela propriedade, os acontecimentos tm e no tm lugar, segundo as construes discursivas nas quais se encontram inscritos os enunciados que sustentam esses objetos e acontecimentos 25.

    Este carter oscilante e paradoxal do registro do ordinrio do sentido parece ter escapado completamente intuio do movimento estruturalista: este nvel foi objeto de uma averso terica, que o fechou toialmente no inferno da ideologia dominante e do empirismo prtico, considerados como ponto-cego, lugar de pura reproduo do sentido 26.

    De passagem, os estruturalistas acreditavam assim na idia de que o processo de transformao interior aos espaos do simblico e do ideolgico um processo EXCEPCIONAL: o momento herico solitrio do terico e do potico (Marx/Mallarm), como trabalho extraordinrio do significante.

    Esta concepo aristocrtica, se atribuindo de facto o monoplio do segundo espao (o das discursividades no-estabilizadas logicamente) permanecia presa, mesmo atravs de sua inverso proletria, velha certeza elitista que pretende que as classes dominadas no inventam jamais nada, porque elas esto muito absorvidas

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  • pelas lgicas do cotidiano: no limite, os proletrios, as massas, o povo. . . teriam tal necessidade vital de universos logicamente estabilizados que os jogos de ordem simblica no os concerniriam! Neste ponto preciso, a posio terico potica do movimento estruturalista insuportvel 27. Por no ter discernido em qu o humor e o trao potico no so o " domingo do pensamento , mas pertencem aos meios fundamentais de que dispe a inteligncia poltica e terica, ela tinha cedido, antecipadamente, diante do argumento populista de lirgn- cia, j que ela partilhava com ele implicitamente o pressuposto essencial: os proletrios no tm (o tempo de se pagar um luxo de) um inconsciente!

    2. A conseqnca do que precede que toda descrio quer se trate da descrio de objetos ou de acontecimentos ou de um arranjo discursivo-textual no muda nada, a partir do momento em que nos prendemos firmemente ao fato de que "no h metalingua- gem est intrinsecamente exposta ao equvoco da lngua: todo enunciado intrinsecamente suscetvel de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (a no ser que a proibio da interpretao prpria ao logicamente estvel se exera sobre ele explicitamente). Todo enunciado, toda seqincia de enunciados , pois, linguisticamente descritfvel como uma srie (lxico-sin- taticamente determinada) de pontos de deriva possveis, oferecendo lugar a interpretao. nesse espao que pretende trabalhar a anlise de discurso.

  • E neste ponto que se encontra a questo das disciplinas de interpretao: porque h o outro nas socie dades e na histria, correspondente a esse outro prprio ao linguajeiro discursivo, que a pode haver ligao, identificao ou transferncia, isto , existncia de uma relao abrindo a possibilidade de interpretar. E porque h essa ligao que as filiaes histricas podem-se organizar em memrias, e as relaes sociais em redes de signiicantes.

    De onde o fato que as coisas-a-saber que questionamos mais acima no so jamais visveis em desvio, como transcendentais histricos ou epistemes no sentido de Foucault, mas sempre tomadas em redes de memria dando lugar a filiaes identificadoras e no a aprendizagens por interao: a transferncia no uma interao , e as filiaes histricas nas quais se inscrevem os indivduos no so " mquinas de aprender .

    Desse ponto de vista, o problema principal determinar nas prticas de anlise de discurso o lugar e o momento da interpretao, em relao aos da descrio: dizer que no se trata de duas fases sucessivas, mas de uma alternncia ou de um batimento, no implica que a descrio e a interpretao sejam condenadas a se entremisturar no indiscernvel.

    Por outro lado, dizer que toda descrio abre sobre a interpretao no necessariamente supor que ela abre sobre no importa o que : a descrio de um enunciado ou de uma seqnda coloca necessariamente em jogo (atravs da deteco de lugares vazios, de elipses, de negaes e interrogaes, mltiplas formas de

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  • discurso relatado.. .) o discurso-outro como espao virtual de leitura desse enunciado ou dessa seqncia.

    Esse discurso-outro, enquanto presena virtual na materialidade descritvel da seqncia, marca, do interior desta materialidade, a insistncia do outro como lei do espao social e da memria histrica, logo como o prprio princpio do real scio-histrico. E nisto que se justifica o termo de disciplina de interpretao, empregado aqui a propsito das disciplinas que trabalham neste registro.

    O ponto crucial que, nos espaos transferenciais da identificao, constituindo uma pluralidade contraditria de filiaes histricas (atravs das palavras, das imagens, das narrativas, dos discursos, dos textos, etc. . .), as coisas-a-saber" coexistem assim com objetos a propsito dos quais ningum pode estar seguro de saber do que se fala", porque esses objetos esto inscritos em uma filiao e no so o produto de uma aprendizagem: isto acontece tanto nos segredos da esfera familiar privada" quanto no nvel "pblico" das instituies e dos aparelhos de Estado. O fantasma da cincia rgia justamente o que vem, em todos os nveis, negar esse equvoco, dando a iluso que sempre se pode saber do que se fala, isto , se me compreendem bem, negando o ato de interpretao no prprio momento em que ele aparece.

    3. Este ponto desemboca sobre a questo final da discursividade como estrutura ou como acontecimento.

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  • A partir do que precede, diremos que o gesto que consiste em inscrever tal discurso dado em tal srie, a incorpor-lo a um "corpus, corre sempre o risco de absorver o acontecimento desse discurso na estrutura da srie na medida em que esta tende a funcionar como transcendental histrico, grade de leitura ou memria antecipadora do discurso em questo. A noo de "formao discursiva emprestada a Foucault pela anlise de discurso derivou muitas vezes para a idia de uma mquina discursiva de assujeitamento dotada de uma estrutura semitica interna e por isso mesmo voltada repetio: no limite, esta concepo estrutural da discursividade desembocaria em um apagamento do acontecimento, atravs de sua absoro em uma sobre- interpretao antecipadora.

    No se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerlito miraculoso, independente das redes de memria e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, s por sua existncia, todo discurso marca a possibilidade de uma desestru- turao-reestruturao dessas redes e trajetos: todo discurso o ndice potencial de uma agitao nas filiaes scio-histricas de identificao, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiaes e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construdo ou no, mas de todo modo atravessado pelas determinaes inconscientes) de deslocamento no seu espao: no h identificao plenamente bem sucedida, isto , ligao scio-histrica que no seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma "infelicidade no sentido performativo do termo

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  • isto , no caso, por um erro de pessoa, isto , sobre o outro, objeto da identificao.

    mesmo talvez uma das razes que fazem que exista algo como sociedades e histria, e no apenas uma justaposio catica (ou uma integrao supra-or- gnica perfeita) de animais humanos em interao...

    A posio de trabalho que aqui evoco em referncia anlise de discurso no supe de forma alguma a possibilidade de algum clculo dos deslocamentos de filiao e das condies de felicidade ou de infelicidade evenemenciais. Ela supe somente que, atravs das descries regulares de montagens discursivas, se possa detectar os momentos de interpretaes enquanto atos que surgem como tomadas de posio, reconhecidas como tais, isto , como efeitos de identificao assumidos e no negados.

    Face s interpretaes sem margens nas quais o intrprete se coloca como um ponto absoluto, sem outro nem real, trata-se a, para mim, de uma questo de tica e poltica: uma questo de responsabilidade.

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  • NOTAS

    1. Esta tradio refervel bibliografieamente por uma srie de publicaes, em particular dos nmeros da revista L a n - gages (11, 13, 23, 24, 37, 41, 52, 55, 6 2 . . . ) . Cf. igualmente a recente coletnea M a tria lits D iscu rsives, PUL, Lille, 1981.

    * N . do T. Em francs la une que joga com o sentido de nico (u n e), ao mesmo tempo em que evoca o canal [chaine] francs de televiso mais importante (U n e). Tentamos aqui reproduzir o efeito de sentido: global (o que pega tudo, e a G lob o).

    2 . Cf., por oposio, os slogans polticos clssicos dos anos 60-70, construdos sobre os ritmos de marcha: ce ne st/ quun dbut/continuons le/com bat! C s /um com eo/ continuemos o /com bate] ou nous voulons/nous aurons/ sa t is fa c t io n ! [ns querem os/ns terem os/sa/tisfao].

    3 . Apesar dos gritos, trombetadas e agitao que acompanham a ao dos jogadores, a no-participao direta dos espectadores nesta ao permanece com o condio do acontecim ento esportivo.

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  • 4 . Trata-se antes de tudo do vedetariado poltico, voluntrio ou no, determinado pela bipolarizao eleitoral, feita pela mass-media, dos confrontos parlamentares em regime presidencialista: a psicologizao dos conflitos, atravs da retrica do suspense, da reconciliao e da disputa, vai de par com uma informao das bases que passa agora mais rpida pelo canal de T V que pelos canais hierrquicos internos das organizaes sindicais e polticas. O todo se coloca no contexto de uma crise profunda da esquerda qual a crise do marxismo faz eco de modo especfico. D a Nova F ilosofia ao Tudo foi por gua abaixo aparecido em 1978 ( Frana, tua filosofia, tua poltica, etc esto se mandando!) emerge um a deriso objetiva e subjetiva da poltica suscetvel de desembocar na carnavalizao : cf. por exem plo o papel do cm ico popular francs Coluche, fazendo pose de lanar sua candidatura nas eleies presidenciais de 1981, com o apoio desesperado e irnico de uma parte da inteligentsia. Esta evoluo da alta inteligentsia francesa se efetuou por etapas: os intelectuais dos anos 60 se engajaram em seus trabalhos com o a gente se engaja em uma guerra (eventualmente uma guerra c iv il). Pouco a pouco, a figura central passou da luta poltica para o confronto com o anjo do espao solitrio da escritura. Hoje, a nova forma que tende a se impor a da performance (m ais freqentemente em solo, mais raramente em eq u ip e): significao esportiva do termo se junta, lateralmente, a conotao do espetculo, induzida pelo uso anglo-americano do termo performance.Essa evoluo no arrisca melhorar a relao bastante doentia que uma parte da inteligentsia americana entretm tradicionalmente com os incompreensveis produtos intelectuais franceses, relao marcada por uma oscilao equvoca entre a fascinao dos grandes-padres e o cm ico (deliberado ou no) dos clowns da cultura.

    5 . A anlise de discurso, tal com o ela se desenvolve atualmente sobre as bases evocadas mais acima, se d precisamente com o objeto explicitar e descrever montagens, arranjos scio-histricos de constelaes de enunciados.

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  • 6 . Observamos aqui um efeito implcito de traduo para- frstica da forma F. Mitterand foi eleito presidente. Ou seja: on a gagn [ganhamos]. Na passagem, on se identifica a F. M itterand, . .

    7 . Jacques Mandrin, L e S ocia lism e en F ran ce, p. 19.

    8 . Nas manifestaes de nascimento do acontecimento do dia 10 de maio de 1981, h (entre outros presentes estranhos) o paradoxo do papel involuntariamente facilitador desempenhado pela direo do PCF: com o se, desencadeando uma sbita polm ica anti-PS, os dirigentes comunistas tivessem, eles prprios, acentuado a perda da influncia global da corrente comunista (e de suas capacidades m obilizadoras) e livrado a esquerda da hipoteca de uma tomada de poder dominada por um pr-sovietismo mais ou menos confesso (a referncia ao balano globalmente positivo do socialism o existente).D e onde se segue: um governo de esquerda que engaja uma poltica audaciosa de reformas estruturais profundas (as nacionalizaes, por exem plo) mas sem a mobilizao popular que d everia (em boa anlise marxista clssica) sustentar e controlar o estabelecimento dessas reformas. Como se o PCF e a CG T tivessem perdido totalmente sua capacidade histrica de mobilizao, e com o se essa capacidade mobilizadora permanecesse irrecupervel para as outras organizaes e movimentos de esquerda. Ainda que hoje, na Frana, sobretudo a oposio (as foras de direita, novas direitas e extrema-direita) que se m obiliza. . .

    9 . Cf. Jacques Mandrin: N s tom am os o poder no sentido exato do termo?, op. cit. p. 119.A vitria da Esquerda em maio de 81, advinda do fundo de mais de 20 anos de fracassos eleitorais, evoca esta situao chapliniana do infeliz que se esfora, sem descano, em lanar uma bola numa cesta e que, a cada vez, erra o lance. A t o m om ento em que, exausto, ele se volta e se vai, jogando negligentemente a bola por cima do ombro: a que, suprema faccia da h is t r ia ... a bola cai direitinho d e n tro da cesta! Este deslocamento in

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  • coerente no apaga o trabalho obstinado da pacincia infeliz, Mas tampouco no a transfigura, em um longo projeto finalmente concludo: a poltica francesa tomada inteiramente nesse deslocamento.

    10. D eixo de lado as posies da direita, bem ilustradas intelectualmente pelos escritos recentes de Baudrillard sobre o xtase do socialism o. On a gagn [Ganhamos] interpretado com o a esquerda, a gente est pagando (para ver, para rir?) e, em seguida, a gente ganho pela esquerda com o por um processo, um a doena: Isso germina, germina, incuba, explode e invade tudo de uma s vez. exatamente com o em A lien . A esquerda, o monstro de A lie n . A 1'O m bre d e s M a jo r it s S ilencieuses, p. 97.

    11. Eu me refiro aqui noo de marcas de distncia que fo i objeto de pesquisas recentes: cf. em particular J. Authier Paroles Tenues D istance, in M a t ria lit s D is- cu rsives (op. c it.); cf. igualmente as anlises desenvolvidas por D. Sperber sobre as noes de reproduo, de descrio e de interpretao em L e S a v o ir d es A n th ro p o lo g u es, Hermann, Paris, 1982.

    12. O real das cincias da natureza apreendido por elas atravs do impossvel que surge no entrecruzamento de escritas conceptuais reguladas e m ontagens experimentais tecnicamente controladas. Desse ponto de vista, trivial lembrar que as matemticas so tambm um a cincia experimental, cujas montagens so as escrituras elas prprias.

    O real das tecnologias materiais recobre parcialmente o das cincias da natureza, na medida em que as tecnologias constituem um elem ento indispensvel s experimentaes destas, mas que vo largamente alm , atravs do uso de uma massa de objetos tcnicos: a relao com a disjuno lgica vira do lado mgico (com seus ritos eficazes, seus tabus e suas proibies).Quanto ao real das gestes administrativas, que se apresenta, em nossos dias, de boa vontade, com o um real tcnico de tipo particular (cf. as tecnologias sociais), ele est fundamentalmente do lado do proibido, mesmo

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  • se ele se estabelece em nossas sociedades industriais em particular sobre o real das tecnologias e sobre o das cincias da natureza, nele encontrando os meios de gerir o imenso registro da produo, e igualmente o da destruio.

    13. Kant: Chamo pragmtica (regra de prudncia) a lei prtica que tem com o m otivo a felicidade ( C rtica da R a z o P u ra ) .

    14. Cf. os trabalhos sobre as artes de m emria. Em particular A. Yate The r t o f M e m o ry , Londres 1966; tr. fr. U A r t de la M em o ire , Paris, Gallimard, 1975.

    15. U m a vez que foi posto fogo em uma granja, a propagao do incndio depende da estrutura do madeiramento e das aberturas, da natureza e da disposio dos materiais e dos objetos que ela contm, da direo do vento, etc e no da vontade expressa pelo incendirio (de suas imprecaes, palavras de vingana, etc).

    16. Justificar no equivale a produzir. A escolstica no produziu a inquisio, o marxismo no engendrou o Gulag, o neo-positivismo no inventou a servido voluntria, nem o desejo de um controle cientfico universal. Mas a capacidade justificadora desses sistemas filosficos , no entanto, absolutamente incontestvel.

    17. Pouco importa no caso, que esses saberes sejam negados. Todo mundo os leva em conta praticamente, com o um pedestre leva em conta os carros para no se deixar atropelar, mesmo se professa, por outro lado, o idealismo filosfico!

    18. Cf. a perspectiva discontinusta engajada pelos trabalhos de A. Koyr face ao continusmo de Duhem .

    19. Cf. o recente livro de J.-M. Lvy-Leblond, V E s p r i t du sei, Fayard, 1981.

    20 . Esta questo recebeu uma resposta afirmativa explcita no quadro do estruturalismo histrico dos primeiros trabalhos althusserianos, colocando o materialismo histrico como cincia da histria.

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  • 21 . Fao aluso aqui a um artigo recente de N . Loraux, historiadora, intitulado Thucydide nEst pas un Collgue.

    22. Esta expresso retoma o ttulo de um livro de D . Lin- denberg L e M a rx ism e In tro u va b le , (Calmann-Lvy, Paris, 1975) percorrendo alguns dos avatares histricos desse jogo de esconde-esconde entre os marxismos eruditos (da ctedra universitria) e os marxismos vulgares (os catecismos para o uso das massas). O neo-marxismo anglo-americano amplamente, nos seus desenvolvimentos atuais, um efeito universitrio (ligado em grande parte s recadas do estruturalismo poltico europeu), isto , um marxismo sem rgos . . . que no sejam intelectuais. O que no quer, alis, dizer que, com a ajuda do esprito pragmtico da cultura anglo-americana, este efeito no tenha repercusses sobre o campo cultural, ideolgico e poltico, e que ele no reserve alguma surpresa aos que celebram o fim do marxismo!

    23. Um a expresso com o a lgica do capital remete a um real a propsito do qual h coisas-a-saber. M as seria concebvel responder com um sim ou no questes totais do tipo o governo francs atual ope-se lgica do capital?, ou ento, N s tomamos, no sentido exato do termo, o poder? (J. Mandrin, op. c it , p. 119).

    24 . Para maiores detalhes sobre o desenvolvimento atual da anlise de discurso na Frana, ver os nmeros 4 e 6 da revista M o ts , e o conjunto da coletnea j citada, M a t ria lits D iscu rsives (em particular os artigos de J. J. Courtine e J.-M. Marandin Quel Objet pour lAnalyse de D iscours? e de A. Lecomte La Frontire Absente). Ver igualmente J.-M. Marandin Approches M orphologiques en Analyse de D iscours.

    25 . Cf. as observaes anteriores a propsito dos referenciais possveis associveis ao enunciado On a gagn! [Ganhamos!]. Poderamos evidentemente desenvolver observaes de mesma ordem sobre expresses com o a vontade do povo, a liberdade (de pensar/de preos), a austeridade vs o rigor, etc.

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  • 26. Este problema constitui um dos pontos fracos da reflexo althusseriana sobre os Aparelhos Ideolgicos de Estado, e das primeiras aplicaes desta reflexo no domnio da anlise de discurso na Frana.

    27. O dio ao ordinrio nutre o culto anti-intelectualista desse mesmo ordinrio: um certo estruturalismo esotrico alimentou o dio anti-filosfico, expresso, por exemplo, pela sociologia de P. Bourdieu.

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