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1 O dito e o apreendido: apropriação dos conceitos por parte dos alunos do ensino médio Zenaide soares dos santos Gatti 1 RESUMO. O presente artigo busca relatar a experiência ocorrida dentro do programa PDE, para professores do ensino público estadual do Paraná, notadamente no que se refere à aplicação e resultados obtidos com o projeto proposto, de intervenção em sala de aula. Verificar a apropriação de conceitos históricos por parte dos alunos do ensino médio em eja (educação de jovens e adultos) no CEEBJA de Toledo, unidade do centro, constituiu o objetivo da proposta. A escolha recaiu sobre revolução, classe social e gênero discutidos a partir do pensamento de Hannah Arendt, Edward Thompson e Joan Scott respectivamente, enquanto Heinhart Koseleck fundamentou a reflexão a respeito dos conceitos sua relevância histórica. Seguida de breve discussão teórico-metodológica o texto apresenta a experiência e seus resultados. PALAVRAS-CHAVE. Conceito. Revolução. Classe social. Gênero. INTRODUÇÃO O discurso grassante entre educadores pouco tem se alterado nas duas últimas décadas em relação àquilo apreendido pelos alunos e operacionalizado pelos mesmos. Ao contrário, as queixas vêm crescendo em relação à capacidade de leitura e interpretação daquilo lido, seja no ensino básico, fundamental, médio e nas universidades. Outro ponto de concordância entre os educadores é em relação à quantidade e qualidade do lido e as justificativas, invariavelmente pautam-se na concorrência desleal sofrida pela escola com o computador e tudo ali contido. Seria rasteira, no entanto, a avaliação da conjuntura educacional e ficaria comprometida a seriedade de qualquer pesquisa caso fosse responsabilizada apenas a inabilidade 1 Professor a 18 anos da rede pública estadual do Paraná, mestre em História e doutora em educação.

O dito e o apreendido: apropriação dos conceitos por parte ... · ... apropriação dos ... notadamente no que se refere à aplicação e resultados obtidos ... objetivo de investigação

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O dito e o apreendido: apropriação dos conceitos por parte dos

alunos do ensino médio

Zenaide soares dos santos Gatti1

RESUMO. O presente artigo busca relatar a experiência ocorrida dentro do

programa PDE, para professores do ensino público estadual do Paraná,

notadamente no que se refere à aplicação e resultados obtidos com o projeto

proposto, de intervenção em sala de aula. Verificar a apropriação de conceitos

históricos por parte dos alunos do ensino médio em eja (educação de jovens e

adultos) no CEEBJA de Toledo, unidade do centro, constituiu o objetivo da

proposta. A escolha recaiu sobre revolução, classe social e gênero discutidos

a partir do pensamento de Hannah Arendt, Edward Thompson e Joan Scott

respectivamente, enquanto Heinhart Koseleck fundamentou a reflexão a

respeito dos conceitos sua relevância histórica. Seguida de breve discussão

teórico-metodológica o texto apresenta a experiência e seus resultados.

PALAVRAS-CHAVE. Conceito. Revolução. Classe social. Gênero.

INTRODUÇÃO O discurso grassante entre educadores pouco tem se

alterado nas duas últimas décadas em relação àquilo apreendido pelos

alunos e operacionalizado pelos mesmos. Ao contrário, as queixas vêm

crescendo em relação à capacidade de leitura e interpretação daquilo

lido, seja no ensino básico, fundamental, médio e nas universidades.

Outro ponto de concordância entre os educadores é em relação à

quantidade e qualidade do lido e as justificativas, invariavelmente

pautam-se na concorrência desleal sofrida pela escola com o

computador e tudo ali contido. Seria rasteira, no entanto, a avaliação

da conjuntura educacional e ficaria comprometida a seriedade de

qualquer pesquisa caso fosse responsabilizada apenas a inabilidade

1 Professor a 18 anos da rede pública estadual do Paraná, mestre em História e doutora em educação.

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crescente na leitura realizada atualmente pelos estudantes. A

capacidade de ler um texto encontra-se relacionada ao domínio de

vocabulário, no caso específico de história, aos conceitos,

supostamente tratados ao longo das séries. Sem estes, qualquer

conhecimento possibilitador de abstração e compreensão da realidade

fica comprometido. Quando um professor fala de conceitos como

cidade, é necessário saber como as mesmas se constituíram ao longo

do tempo, logo conceituar cidade é saber diferenciar Atenas, Esparta,

Roma antiga, Tenochtichan no século XVI, de São Paulo, Tóquio e Beijim

em 2008.

As transformações na relação ensino e aprendizagem passam

necessariamente pelo conhecimento que o educador tem do seu ofício

e para tanto a pesquisa se apresenta imperiosa, e, realizá-la em seu

meio parece ser a maneira mais adequada de efetivar a compreensão

do exposto acima. Somente o conhecimento e a compreensão podem

levar a uma ação de mudança, tendo em vista a impossibilidade de

alterar o desconhecido.

Partindo deste pressuposto projetou-se o presente trabalho cujo

objetivo de investigação é a apropriação de conceitos de história, por

parte dos alunos do ensino médio em eja(educação de jovens e

adultos), a saber: revolução, classe social e gênero. Revolução é um

termo presente em todas as séries do ensino fundamental (5º a 8º

séries) e nos três de ensino médio. Expressões como revolução do fogo

e revolução agrícola aparecem na quinta série. No decorrer das séries

seguintes: revolução comercial, Revolução Inglesa, Revolução

Industrial, Revolução Francesa, Revolução Americana. Especificamente

na história do Brasil: Revolução Farroupilha e revolução

Constitucionalista de 1932. Tais conteúdos repetem-se no ensino

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médio. Logo o critério para a escolha do termo foi a repetição e seu uso

freqüente.

Classe embora recorrente em todo o ensino fundamental e médio é

difícil de ser tratado, pois, mesmo perpassando os conteúdos

permanentemente deixa de receber tratamento e cuidado em

momento específico, apresentando-se de maneira difusa, é

manejado pelo professor sem muito critério e serve para dar conta

de explicar tanto os conflitos ocorridos na Grécia e Roma antigas, no

escravismo moderno, no capitalismo, no período mercantilista,

durante a era da industrialização clássica quanto na atualidade. O

termo apresenta-se invariavelmente impreciso e fluido. Tais

constatações motivaram a escolha.

Por último, gênero. Este ainda não aparece nos livros didáticos, pois

as lutas femininas incluem-se na história das mulheres, ainda

firmadas na separação biológica. Diferentemente de revolução e

classe, gênero é um termo que na historiografia foi conceituado

recentemente. Margareth Mead o cunhou nos anos 40 do século XX,

porém nos estudos acadêmicos aparecendo como objeto de

discussão e pesquisa é projeta somente nos anos 80. Uma breve

verificação entre os professores de história apontou para o fato de

que um grande número desconhece elementos importantes

constituinte da discussão, e, portanto não explicitam o mesmo.

Outros reservam um tempo para discutir um capítulo específico

presente no livro didático produzido por professores do Estado do

Paraná onde está presente a história das mulheres, porém admitem

não haver discussão conceitual posto desconhecerem-na. Gênero é

problemático por ser recente tanto em sua constituição simbólica

quanto na concretude em termos sociais, políticos e culturais, por

isso justifica-se a escolha.

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O professor de história passa invariavelmente de duas a três horas/aula

por semana com seus alunos; quatro anos de quinta a oitava série e

mais três no ensino médio, no ensino regular. Em eja, atualmente são

dez horas semanais divididas em três encontros, para o fundamental,

e, oito horas em dois encontros semanais para o médio, ambos em um

semestre. É este o tempo tido para cumprir sua função dando conta

dos conteúdos propostos pelas diretrizes curriculares. Os conteúdos

encontram-se no interior de temáticas e ambos organizados de acordo

com uma visão teórico-metodológica e até epistemológica ora

construída de maneira mais democrática ora mais impositiva. As

mudanças invariavelmente contemplam menos as necessidades

apresentadas pelos envolvidos no processo educacional e mais as

alternâncias de poder. O resultado são professores cansados de seguir

modismos e desinteressados por propostas, mesmo as inovadoras e

significativas, encaminham-se receosos, desconfiados para os cursos

de capacitação e a apresentação de algo, por vezes importantes,

inclusive por seus pares resulta em resistência e negação, sem se quer

conhecer a proposta.

Dentro do programa PDE o professor torna-se pesquisador, conhecendo

mais e melhor seu ofício, tenderá a compreender a necessidade de

inovação promovendo ele próprio a inclusão de conceituações atuais

cujo objetivo é dar conta de novas realidades tendo em vista as

mudanças provocadas por homens e mulheres outros mecanismos de

leitura desse novo real.

Ora os conteúdos são a centralidade, outras vezes as estratégias, ou

até as narrativas, os conceitos poucas vezes ou quase nunca, ocupam

tal lugar no interior deste processo. Uma afirmativa assim feita de

maneira aparentemente peremptória é confiável? A resposta é positiva,

posto ser resultado de observação atenta realizada ao longo dos

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dezoito anos de prática e mais proximamente no encontro dos

professores PDE em Faxinal do Céu, oportunidade em que os presentes

(em torno de cem) socializaram suas pesquisas. Tendo em vista a

exposição dos mesmos em pôsteres houve tempo para observação

detalhada apontando a conformidade entre a hipótese acima e aquilo

evidenciado pela exposição. A tônica centrava-se em conteúdos de

movimentos sociais, cultura afro-brasileira, consumismo entre os

jovens, identidade, o uso de recursos fílmicos e imagéticos em sala de

aula e dois trabalhos a respeito de gênero.

Um grupo de professores de história estava ausente (em torno de

trinta), logo no compto geral apenas duas pesquisas centram sua

investigação em conceitos, a da professora Vera Lúcia Scherer, de

Toledo, trabalha a partir da problemática da linguagem utilizada pelos

professores de história no ensino fundamental, especificamente nas

quintas séries, e, se esta possibilita a compreensão e a aprendizagem,

para tanto busca perceber as discrepâncias entre a proposta

apresentada e o aquilo expressado pelo professor em sala, além de

verificar junto aos alunos os termos e conceitos não compreendidos

durante as aulas. A outra pesquisa é a desta proponente. Portanto se

considerarmos o número de pesquisadores, em torno de 140, o risco de

permanência de certas problemáticas no ensino e aprendizagem de

história é grande.

Por uma série de motivos cuja discussão não cabe aqui os conteúdos

são tratados e os conceitos estão em seu interior, contudo cabe-se

perguntar: os alunos se apropriam? Quando chegam ao ensino médio

trazem consigo um cabedal mínimo que sirva como chave de leitura?

Operacionalizam tais conceitos?

Baseada no exposto acima parte-se do problema da apropriação dos

conceitos por parte dos alunos de ensino médio. Pensou-se a princípio

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ser insuficiente o número de três termos, porém a experiência apontou

ao final do trabalho um teria sido mais fácil de manejar.

REFERENDANDO A DISCUSSÃO. Os autores escolhidos para compor

a base da teoria e metodologia refletem as crenças da proponente

além das sugestões do orientador. Heinhart Koselleck pela erudição no

trato dos conceitos, Edward Thompson pelo avanço proposto nos de

classe e experiência e pela releitura sempre importante de Karl Marx,

Hannah Arendt pelas discussões inovadoras quando se trata de

revolução, além de Paulo Freire e Lev Semenovich Vigotsky por seus

estudos no processo do conhecimento e na relação ensino e

aprendizagem.

A centralidade do pensamento construtivista quanto ao

conhecimento pauta seus argumentos básicos na idéia de que as

reflexões permanentes, processo constante de montagem e

desmontagem de conceitos, os quais encontram-se intrinsecamente

ligados ao mundo físico e social ( Grossi, 1993), pois construir,

desconstruir e reconstruir estruturas de pensamento, julgamento e

argumentação são mais resultado de experiências vividas e menos

dádiva da natureza. Frente ao desafio do novo passa a abstraí-lo,

buscando entendê-lo conferindo-lhe significado ou resignificando-o

para então lhe dar sentido.

A intervenção consciente no mundo objetivado depende de uma

ação reflexionada, percebendo-se a distinção entre natureza e

cultura. Um dos papéis da educação, é precisamente, oferecer meios

para se pensar a realidade dos processos, problematizando-os, no

sentido dos educandos perceberem o estar-no-mundo para além das

determinações econômicas. Uma das formas plausíveis de realização

desta tarefa é o domínio dos conceitos e sua operacionalização, pelo

menos os elementares para cada idade série. Respeitar os limites de

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cada indivíduo, estudante, não significa negar a profundidade do

saber e com esta justificativa passar pelos conteúdos

superficialmente, sem oferecer instrumentos onde o resultado seja o

domínio da leitura do texto e do contexto.

Aqui se reafirma a condição humana em sua incompletude, sua

historicidade, seu destino social, mas principalmente a consciência

histórica como pressuposto da liberdade, e esta, como elemento

essencial da cognição.

Vigotsky trata a relação entre a palavra e seu sentido social como

algo intrínseco e indissociável, igualmente o faz entre pensamento e

linguagem. O pressuposto então é de que ao apreender o sentido

dos termos, novas percepções da realidade ocorrerão, provocando

alterações no conhecedor, e este terá condições de compreender-se

em sua historicidade. Retêm-se aqui a idéia de Paulo Freire e de

Marx. Para o primeiro os homens são incompletos e sua vocação se

consolida na relação social. O segundo afirma os homens e seu

eterno devir, embora objetivado no campo da produção, busca

transcendência, via conscientização. Hannah Arendt coloca a

liberdade como real quando há alguma forma de consenso, calcada

em ações onde um “nós” aponta o espaço dos homens na

pluralidade intermediada pelo diálogo, este levará ao consenso.

Ao fazer opções teórico-metodológicas os historiadores igualmente o

fazem em relação aos conceitos e estes constituem a base da escrita

da história. O professor, no interior do processo ensino e

aprendizagem, realiza processo semelhante, e mais, maneja os

mesmos buscando relacionar o escrito à vida objetivada. A

concretude do político, econômico e social, além das vivências e

representações culturais, passa a ser compreendida por intermédio

destes conceitos, muito embora nem sempre recebam o tratamento

adequado e o resultado seja ineficiente. Pode-se inclusive constatar

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em alguns momentos a inexistência de vinculação do sentido

histórico do termo ao conteúdo tratado e, portanto mais narrativa e

menos ciência. Esta lacuna passa a ter conseqüências no ensino de

história, disciplina muitas vezes vista mais como um cortejo necrófilo

e menos como construção conferindo aos envolvidos um ar de

desimportância.

A discussão a respeito dos conceitos se apoiará basicamente em

Koselleck, estudioso do tema afirma que um termo passa a ser

conceito quando consegue realizar a síntese, ou seja, torna-se

generalizante de uma realidade a partir do momento em que “ganha

abstração e teorização”, “relacionando-se sempre àquilo que quer

compreender” torna-se um “coletivo singular”, contudo tal processo

dá-se somente com sua “formulação em termos lingüísticos”. O

autor ainda considera o fato dos conceitos receberem tratamento

sempre na relação texto/contexto, em seu significado fundante e em

cadeia com outros conceitos, explicando que embora a palavra

possa ser a mesma, seus significados são distintos, tendo presente a

língua, o tempo e as circunstâncias. Estes se encarregam de alterar

o significado primeiro. Para realizar a referida tarefa se faz mister

buscar em fontes adequadas o entendimento para haver um certo

controle sobre aquilo denominado pelo autor como diacronia.

(Koseleck, 1992)

REVOLUÇÃO. De Aristóteles e Políbio como nos estudos astronômicos

até o século XV revolução possuía o sentido de recomeço ou retorno e

aplicava-se às formas de governo. Ainda em Hobbes e Locke é possível

perceber a forte herança posto a aplicação da idéia de restauração na

Revolução Gloriosa. No século XVII o Dicionário da academia francesa

“definia revolução como vicissitude, grande mudança na fortuna, nas

coisas do mundo” ( Furet, p. XVIII, 1989).

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A positividade do termo aparece num terceiro significado rompendo

com a idéia até então de revolução como inovação e desordem cujo

desejo pautava-se no retorno a ordem estabelecida, esta passa a ser

um “divisor de águas na experiência histórica do gênero humano,

mudanças em profundidade, abrindo novas etapas na marcha

ascensorial da civilização.” (idem, ibidem)

Com a revolução Francesa passa a representar todas as revoluções

passando o termo a ser um “coletivo singular. Nasce o sentido moderno

do termo, pois pela primeira vez estabeleceu-se a relação teoria-

prática, a filosofia portadora dos princípios da Modernidade no aspecto

das leis naturais se afirma ao estabelecerem-se os direitos

constitucionais no interior da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão. Precisamente nesta revolução percebe-se a teoria orientando

a ação estabelecendo uma nova ordem.

Mais tarde Karl Marx discutiria profundamente a questão da mudança

social, econômica e política de seu tempo e propôs para o termo

revolução o conceito de dissolução onde á velha ordem se oporia uma

totalmente nova rompendo inclusive com a estrutura. A revolução é

neste caso instrumento de emancipação de seus protagonistas

Sofrendo influência de Marx, porém dentro de contextos semelhantes

posteriores, Hannah Arendt e Reinhart Koselleck propõem novas

acepções e reconceituam o termo no século XX. Ambos alemães como

Marx, são marcados profundamente pela experiência da segunda

Guerra mundial e pelo nazismo de Hitler.

Arendt afirma a revolução como algo inteiramente novo, transformação

completa na sociedade, perpassa meras mudanças, opondo-se a idéia

de que qualquer alteração em determinada sociedade pudesse

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significar revolução, pois, libertação, no sentido revolucionário, “veio a

significar que todos aqueles que haviam sempre vivido na obscuridade,

sujeitos a qualquer que fosse o poder, não apenas no presente, mas

através de toda a história, não simplesmente como indivíduos, mas

como membros da vasta maioria da humanidade, os pobres e os

humildes, deveriam todos erguer-se e tornarem-se soberanos

supremos da terra.” (Arendt, 1988) Utópica por vezes, acusada de

romântica em outras, trás em seu conceito a marca da experiência

vivida durante o nazismo e propõe significado ao termo no sentido de

força política cujo caráter libertador traria novos horizontes para a

humanidade. Homens livres da opressão almejariam a “constituição da

liberdade”, precedida do pressuposto de libertação, teria concretude ao

construir nova forma de governo, pois é somente no espaço público,

onde homens compartilham politicamente, é possível excluir a

violência, esta é essencialmente característica de domínios pré-

políticos.

Dificilmente estas concepções arentianas serão encontradas em livros

didáticos produzidos até o momento, o pensamento da autora ainda

permanece restrito a alguns círculos acadêmicos e talvez por meio do

retorno à academia o professor do ensino fundamental e médio possa

conhecê-lo e também a outros. Sendo assim esta é uma oportunidade

de colocar o estudante em contato com novas formulações e, portanto

compreender a realidade por outro viés.

A fonte básica de pesquisa de conceitos, pelos estudantes, no

presente, são os dicionários da língua portuguesa. Verifica-se a

inexistência de dicionários próprios de história, nas escolas e

igualmente o desuso por parte do professor de tal instrumento para

pesquisa. Levando, por vezes, à incorporação daquilo comumente

posto por um lingüista e não por historiadores. O resultado é a

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descontextualização, elemento imprescindível no processo de ensino e

aprendizagem desta disciplina.

Isto pode ser comprovado na medida da verificação do termo revolução

em dicionários onde rebelião, revolta, conflagração, sublevação

aparecem-se junto a idéia de transformação radical e violenta tanto em

estruturas políticas, econômica e social quanto nos aspectos científicos

ou artísticos.

CLASSE SOCIAL. Classe social diferentemente de revolução é um

termo delineado a partir da constituição das sociedades capitalistas e

mais precisamente tratada nos estudos de Karl Marx. As estruturas

sociais anteriores como as do feudalismo, escravismo ou ainda na

Grécia e Roma Antiga possuíam outras formas de estratificação,

portanto devido a sua complexidade não serão aqui tratadas, pois

ultrapassaria o objetivo desta pesquisa. Igualmente requer registro o

fato da conceituação do termo classe estar estreitamente veiculado

aos estudos sociológicos, logo a historicização parte do século XIX. A

proposição é partir precisamente de Marx e posteriormente Thompson.

Em Marx classe possui dois sentidos indissociáveis: primeiramente

aquele determinado pelo fator econômico determinado pelas relações

de produção e o outro quando os indivíduos tomassem consciência de

sua situação estabelecendo interesses comuns e objetivos políticos.

Thompson realiza exame das práticas sociais e do cotidiano e os

aponta como objeto das ciências humanas, pois sendo forjadas na

experiência, constituem estas, por excelência, matéria-base do

historiador. A filiação de do autor é o materialismo histórico, contudo

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destaca de maneira singular a ambivalência humana do ser sujeito e

objeto, tanto sofrendo as determinações históricas quanto realizando

por meio da ação, tornando-se assim agente.

A classe acontece quando alguns homens, como resultado de

experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e

articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra

homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos

seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida,

pelas relações de produção em que os homens nasceram - ou

entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma

como essas experiências são tratadas em termos culturais:

encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas

institucionais. (Thompson, 1987, p.10)

A experiência social é tomada neste sentido de “autofazer-se”, como

processo ativo que se deve tanto à ação humana como aos

condicionamentos sociais. A classe ocorre justamente aí: como

resultado de experiências comuns de homens e mulheres, na

articulação das identidades e dos interesses. A experiência é o

resultado das relações de produção enquanto a consciência relaciona-

se aos aspectos culturais, nas idéias, valores e tradições, é o auto-

reconhecimento produzido no interior do processo histórico, é o modo

como as pessoas se enxergam numa sociedade com determinada

estrutura, suportam a exploração e identificam interesses antagônicos;

no curso das lutas. Neste processo descobrem-se como uma classe, ou

seja, passam a ter “consciência de classe”.

GÊNERO. O poder aparece onde menos se vê e a imposição do mesmo

é realizada com o consentimento daquele que o sofre. Estas são duas

afirmações de Pierre Bourdieu ao tratar a questão do Poder Simbólico.

O referido autor empresta ainda ao presente trabalho sua tese a

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respeito da Dominação Masculina onde desnaturaliza tal estrutura de

dominação colocando como construção histórica. Bourdieu (1999)

contribui de maneira significativa nas questões educacionais na

medida em que discute as instituições sociais e seu papel de

reprodução colocando o imperativo da des-historicização das mesmas

liberando-as dos entraves para convertê-las em forças

transformadoras.

A ação política, condição da vida em comum, por excelência

processada no espaço público, prenuncia o novo, possibilidade de uma

nova simetria entre o mesmo e o privado. Este último permaneceu por

milhares de anos como lugar do feminino. Tais discussões pensadas no

interior dissimétrico da crise da tradição ocidental são sensível e

profundamente tratadas por Hannah Arendt, filósofa alemã que viveu

até 1975, pressupostos aos quais estará filiado o presente texto.

Conceitos como vida activa, composta por labor: trabalho repetitivo,

com um fim em si mesmo, sem característica de posteridade, próprio

de escravos e mulheres, seres sem direitos a existência pública, logo

distantes da ação e da existência política; obra é o trabalho de

fabricação, edificação, garantia de re-conhecimento, próprio dos

homens, embora sem a plena vivência pública realizem sua existência

com certa liberdade; já a ação caracteriza-se pela compreensão da

realidade por meio da ação política, ou seja, espaço público e ação

garantem a liberdade humana, a certeza de pertença (Arendt, 1993). A

questão feita é: as lutas sociais e femininas possibilitaram o exercício

da liberdade? Ao ocupar a cena pública as mulheres romperam com

certas tradições e construíram saberes novos?

Embora compondo a metade da humanidade e gerando a outra

metade, as mulheres foram tratadas como seres secundários, no curso

histórico das diversas sociedades tanto concretamente quanto nos

registros. Estes contemplavam o feminino longamente ao discorrer a

respeito de seus defeitos ou de como deveriam ser as atitudes

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esperadas de tal sexo. Os compêndios produzidos a partir de

representações masculinas possuíam assinatura de religiosos (padres,

bispos) ou compostos a partir do discurso médico buscando normatizar

os fazeres e pensares femininos.

Indistintamente a mulher passou a ser objeto e sujeito de pesquisas

recentemente. Englobada na categoria humanidade recebe olhar

mais atento a partir do momento que irrompe à cena pública

peremptoriamente nos movimentos sufragistas e mais recentemente

com o feminismo. Facilitado pela expansão dos meios de

comunicação, sua presença e insatisfação se fez notar

acentuadamente.

Novos problemas, novas abordagens, novos objetos aliados à

história vista de baixo, resultante de reflexões históricas sobre o

povo, minorias (embora as mulheres não sejam minoria quanto ao

número, foram assim tratadas no curso histórico), provocaram

alterações significativas no sentido da compreensão do real e de

como indivíduos e grupos constroem representações diferenciadas

de tal. Em decorrência de novas reflexões históricas com auxílio da

antropologia e da sociologia, passou-se a compreender que as

representações do real, para homens, mulheres, negros, brancos,

não são as mesmas. Em decorrência disso inicialmente a categoria

mulheres passa a elucidar melhor tais diferenças, contudo gera uma

série de novas discussões onde o próprio termo passa a ser tratado

com certa desconfiança, e, a expressão gênero surge somando às

tantas incertezas mais uma. Enquanto o termo mulher carrega o

peso da segmentação biológica, gênero seria adequado por tratar

feminino e masculino como construções culturais.

As discussões, os impasses e os problemas metodológicos vindos à

tona, com a Nova História, devem ser encarados para além de seus

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limites; de empecilho à possibilidade, amparado pesquisadores das

diversas áreas do social quando por vezes lançassem sobre o

presente e o passado um novo olhar, mais perscrutador, mais crítico.

Muitos dos resultados são positivos, especialmente se pensarmos,

por exemplo, que o feminismo foi, ou é, um movimento, mas que a

história das mulheres não se encerra aí. Muito ao contrário. Há uma

clara percepção de que toda vez que se abre um documento

anteriormente lido, estudado, pelo qual anteriormente se escreveu a

história, sob um novo olhar, vem à tona um número significativo de

sujeitos históricos não antes percebidos. Neste momento, é

extremamente relevante pensar a história do passado como fruto de

pensares presentes. Isso leva a pensar nas resistências travadas

pelo sexo feminino no decorrer da história seus aprendizados e

conquistas, as rupturas de tradições cristalizadas e por vezes até

retrocedendo. Feminino e masculino foram, ao longo do tempo, em

distintas sociedades, forjados material e culturalmente,

determinando separação de papéis sexuais somados à divisões

étnicas e de classe, cristalizaram-se passando a ser tratados como

manifestações naturais biológicas não passíveis de transformações.

A Década da Mulher, de 1975 a 1985, marcou indelevelmente

distintos pontos do planeta, todavia seria difícil afirmar ineditismo

nas discussões e reivindicações, cuja gênese se perde no tempo. As

admitir-se a luta feminina somente a partir do sufragismo ou das

lutas feministas, nega-se a existência de resistências coevas,

marcadamente aquelas travadas cotidianamente e que marcaram a

história da presença de homens e mulheres neste planeta.

Igualmente resultaria na negação efetiva das mulheres como

sujeitos da história.

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A Dominação masculina (Bourdieu, 1999) é imposta pelo dominante,

mas igualmente vivenciada pelo dominado, de maneira suave,

invisível à suas próprias vítimas, exercida via comunicação e

conhecimento ou desconhecimento. Socialmente tal poder se exerce

em nome de uma língua, estilo de vida, cor da pele ou sexo, situação

essa paradoxal, pois transforma história em natureza e

arbitrariedades culturais em naturais. O masculino e o feminino são

construções arbitrárias e contingentes, processaram-se ao longo da

história da humanidade e somente a força do poder simbólico

consegue colocá-la como se as relações sempre tivessem sido dessa

maneira.

A assimetria entre os sexos deve ser buscada em construções

culturais, mas não somente, a análise da vida material, das

condições de produção onde se desqualifica certos sujeitos para

então explorá-los. A divisão social do trabalho esconde da mesma

forma uma divisão sexual do trabalho que na verdade é resultado de

escolhas orientadas.

O feminismo dos anos 60 e 70 foi um momento importante, crucial,

pois a idéia da diferença, da alteridade, implicando em mudança da

sociedade (Bobbio, 1992) prova de que a história das mulheres

reafirmava a questão do devir, negando e derrubando mitos,

denunciando assimetrias, questionando papéis, saberes, poderes

imbricados no cotidiano da sociedade moderna como verdades

prontas e acabadas, frutos da “natureza” feminina e masculina. A

primeira, ser imperfeito, nascida de uma costela curva de Adão.

Depois, sem retidão, personalidade fraca, mesquinha, deveria ser

mantida no recôndito do lar no mundo privado, condenada à finitude,

ao labor, ao fazer repetitivo e inalterado.

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O feminismo é fundamental por denunciar a opressão sofrida pelas

mulheres e coloca-se contrário à desigualdade material cuja

conseqüência é a desqualificação estratégia forjada no sentido de

construir o discurso e a prática de uma de inferioridade. A visão

conflituosa entre os sexos e a luta por igualdade mostrou ser ao

longo do tempo variaram conforme o lugar e a condição histórica a

qual se encontrava a mulher. (idem, ibidem)

Foi no interior das ciências sociais, na década de 70, que surgiu o

conceito gênero, tendo como centralidade a proposição de transcender

um sistema de relações baseado na separação social tendo como base

o sexo. Masculino e feminino passa a ocupar de maneira cada vez mais

freqüente o lugar dos termos homem e mulher, sendo este um esforço

de compreender os papéis sexuais a partir de construções

socioculturais e não apenas como determinação sexual procurando

compreender por um lado o processo da dominação masculina e por

outro a subordinação feminina.

“...uma modificação na condição da Mulher requer (e

provoca) uma modificação em nossa compreensão do

homem... A ameaça radical colo cada pela história das

mulheres situa-se exatamente neste tipo de desafio à

história estabelecida; as mulheres não podem ser

adicionadas sem uma remodelação fundamental dos

termos, padrões e suposições daquilo que passou para a

história objetiva, neutra e universal no passado, porque

essa visão da história incluía em sua própria definição de

ser mesma a exclusão das mulheres” (Scott, 1992, p. 90).

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A idéia do relacional passa a estar presente, um somente existe em

relação ao outro e a dominação exercida com a submissão do outro.

Este passa a ser um dispositivo possibilitador de reflexões que

ultrapassam a escrita da história das mulheres a partir da

vitimização e do miserabilismo, abrindo possibilidade de discutir os

agentes sociais, suas práticas e representações considerando o

político, relações de poder, conflitos próprios da vida em sociedade e

historicamente construídos.

“Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas

sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma

primeira de representar as relações de poder." (Scott, 1992). Este é o

pressuposto de filiação da presente pesquisa, pensar o feminino e o

masculino no sentido da elaboração de seus significados ao longo da

história.

A partir do exposto acima ocorreu a construção dos textos destinados

aos alunos, sendo a base teórica mantida, apenas em nível acessível

de acordo com o perfil dos alunos. Mantiveram-se o conceito central de

revolução em Hannah Arendt, de classe social em Edward Thompson e

gênero em Joan Scott, todos principiados por uma breve historicização,

totalizando uma página e meia para cada tema.

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO. Realizado o estudo teórico-metodológico,

haverá o contato com a escola CEEBJA de Toledo, com a diretora e o

professor da disciplina e da turma específica. Em seguida produzir-se-á

os textos a respeito dos conceitos a serem trabalhados. O contato com

os alunos ocorrerá em quatro momentos distintos: apresentação inicial

da proponente e do trabalho, encontro para verificação do

conhecimento a cerca dos conceitos. Esta etapa será realizada em

quatro horas/aula, com gravação das conversas, tendo antes prévia

19

autorização para tanto. Em aula seguinte ( dois encontros para não ser

cansativo) trabalhar os textos produzidos especialmente para a

intervenção acompanhado de recursos de áudio e vídeo. Ao final do

segundo encontro se verificará como os alunos se apropriaram daquilo

tratado.

Um mês mais tarde outra avaliação ocorrerá. Esta tem como objetivo

perceber a operacionalização dos conceitos trabalhados, verificando

em que medida os mesmos permaneceram e se os alunos conseguem

perceber os conceitos de revolução, classe social e gênero em sua lida

diária, tanto em fatos quanto nos discursos, os quais podem ser em

jornais, revistas, internet, músicas, narrativas em quadrinhos e outros.

Tudo isso será descrito e fará parte do artigo final e do OAC, onde

estarão disponibilizados aos colegas a trajetória da investigação,

problemáticas principais e sugestões de trabalho.

A APLICAÇÃO DO PROJETO. Em uma turma de ensino médio,

matutino, com 11 alunos de faixa etária entre 20 e 53 anos de idade, 5

do sexo feminino e 6 masculino, se processou a experiência proposta.

Em agosto houve a entrega do projeto à direção, contato com o

professor em uma pequena reunião. Em setembro, nos dia 01, 03, 08,

10 e 16 e em outubro no dia 13 o trabalho se deu em sala, na efetiva

proposição do projeto. No primeiro encontro, no dia primeiro de

setembro, a conversa inicia girou em torno do programa PDE e do

porquê de minha presença e seu significado. Segundo os próprios

alunos havia desconhecimento do processo de formação dos

professores.

20

Para iniciar a temática dos conceitos discorreu-se a respeito do

conhecimento e de sua relação com a leitura e o olhar sobre o mundo,

os homens e mulheres como seres históricos. A palavra, o termo e o

conceito igualmente foram explorados procurando apresentar e

exemplificar a diferença entre aquilo posto pelos dicionários da língua

portuguesa e o sentido dentro da história.

Inicia-se, após o intervalo, a discussão em torno de revolução. A

solicitação foi para expressarem-se livremente, sem medo de errar,

tendo em vista a importância de saber quais imagens e significado lhes

vinha à mente quando se referiam ao termo. O primeiro a manifesta-se

falou em mudança, na seqüência apareceu revolta, Diretas Já, “aquele

para tirar o Collor de Mello do poder”, “significa também uma reunião”.

Quando perguntado porque revolução significa reunião o aluno

responde que ” sem reunião não tem revolução, pode se juntar no

mundo inteiro, se a pessoa não ta satisfeita com o poder, faz reunião,

uma revolução.” Ao ser questionado se quando falava em reunião, se

referia a um grupo de pessoas com intenções em comum ela responde

“ que depende o caso, cada caso é um caso, tem reunião de vários

tipos, tem reunião de vários tipos” , outro aluno completa “ uma

revolução tem que enxergar o sentido, revolução não é reunião”.

Apareceram expressões “acho que revolução é a Francesa com

Napoleão Bonaparte, pra mim ela mexeu com um país que na frança

inteira, NE, num país inteiro, num foi só num estado. Para outra é

mudança “ Revolução Industrial, a força, a mão-de-obra, passou-se a

usar mais máquinas, usar mais inteligência porque é através da

inteligência que você toca as máquinas” O aluno anterior volta a dizer

que “ Revolução poderia ser uma coisa assim, vamos nos reunir, vamos

arrumar, arrumar aquilo que nóis não tamos satisfeito”.

21

Tendo ouvido todos se percebeu, embora não de forma unânime, um

conceito presente, o de revolução como mudança, transformação, logo,

havia incorporação daquilo normalmente proposto dentro dos

conteúdos de história comumente presentes nos livros didáticos e

tratados pelos professores. Tendo realizado tal levantamento sugere-se

a leitura do texto produzido para a discussão. A cada parte lida seguia-

se a explicação e abertura de espaço para questionamento, sempre

explicando o sentido de termos menos conhecidos e contextualizando

cada momento histórico referendado.

Embora o novo apresente-se invariavelmente como desafio no sentido

da aprendizagem é menos custoso se comparado a desconstrução

tendo em vista a incorporação de habitus, neste caso específico de

pensamento. Cristalizados ao longo do tempo, assentados em camadas

superpostas, determinadas formas de conhecer requerem esforço

redobrado em sua desconstrução. É precisamente a problemática

enfrentada pelo professor quando pretende propor nova forma de olhar

para antigas práticas, o mesmo o é para o caso recorrente. Propor

pensar revolução e classe social por outro viés requereria esforço

redobrado tendo em vista as afirmativas anteriores estarem sendo

postas há décadas.

Contextualizar o período e o porquê da opção pela visão de Hannah

Arendt, a respeito de revolução, se fazia imperioso. A opção, em

termos de recursos para maior compreensão da proposta, recaiu sobre

uma produção cinematográfica americana cuja temática central é a

idéia de experiência. Uma jovem de família judia, radicada nos Estados

Unidos. Para além do desinteresse a personagem apresenta tédio e

impaciência quando seus pais e tios evocam o período da Segunda

Guerra Mundial, a ascensão do nazismo e mais precisamente as

22

dolorosas experiências vividas por muitos deles nos campos de

concentração e na luta sobre humana pela sobrevivência.

É no interior deste contexto que se busca explicar o pensamento

exprimido por Arendt e propor novo olhar para a realidade atual tendo

presente que aquilo proposto durante a revolução Francesa, embora

seja de fundamental significância, no presente, não dá mais conta de

explicar uma série de situações além de esvaziar em parte o sentido de

devir.

Após a apresentação do filme retoma-se toda aparte final da discussão

e inicia-se a preparação para a temática seguinte, classe social. Os

alunos, ao serem questionados, apresentaram as seguintes

conceituações: classe como “ grupo de pessoas que pertence a

sociedade”, “posição na sociedade”, “empregado, gerente, dono”, “

escala social”, “ classe alta, média e baixa”, “ rico e pobre”.

Neste caso a explicação ocorreu no sentido de elucidar diferenças entre

castas, estamentos e classes, cada uma em seu contexto histórico,

objetivando a percepção da diferença no tempo e no espaço. Em

seguida houve a leitura do texto, abrindo espaço para

questionamentos e esclarecimentos.

No quarto encontro optou-se por iniciar com uma dinâmica. A mesma

consiste em anotar na frente de um papel as características próprias da

mulher e no verso as de homem. Propositadamente não se colocou

termos como masculino e feminino, pois o objetivo era levar a

discussão gerada pelo impasse presente de que muitas vezes fica difícil

precisar aquilo que é exclusivamente de um e de outro. O resultado:

23

para alguns características de homens e mulheres eram mais ou

menos as mesmas e destacaram sinais físicos externo como barba,

bigode, falar grosso, ou saia, vestido e maquiagem, porém a maioria se

fixou em aspectos do caráter, do psicológico: carinhosa, responsável,

conquistador, esperto, vaidosa, mandona, valente trabalhador. Por fim,

alguém destacou a diferença biológica como a gravidez.

Ao colocar em evidência os escritos os próprios alunos iam de dando

conta do quão estanque era a classificação pó eles estabelecida a

princípio. Então de onde vêm tais construções? Esta foi a interrogação.

Neste momento propus o termo gênero, o qual foi interpretado como:

“estilo”, “difícil”, “personalidade”, “mais calmo”, “estilo como as

pessoas se comportam”, “poder”, “gênero alimentício”, “ na língua

portuguesa o gênero literário lírico”, “hereditário” e por fim alguém

afirmou como “qualidade, gênero masculino e feminino”.

A opção neste caso específico foi historiar mais detidamente o feminino

e sua construção em relação ao masculino, notadamente dentro do

modelo cristão ocidental de feminilidade pautados nos símbolos Eva e

Maria e a cristalização dos mesmos tanto nas práticas quanto nas

representações. Apontou-se o gênero como construção sócio cultural e

no sentido de ainda ser novidade no teórico e no concreto. As reflexões

são recentes e a projeção da mulher no espaço público ainda reflete o

peso da história de dominação. Referendou-se igualmente “os poderes”

femininos sabendo-se não ser somente no espaço público sua

ocorrência, destacando a possibilidade de rompimento de tal situação.

O encaminhamento para o trato do termo gênero foi semelhante aos

anteriores: leitura do texto, comentários, momento de tirar dúvidas.

Somente no encontro posterior procurei estabelecer relações entre as

24

temáticas retomando os conceitos e propondo pensar revolução, classe

social e gênero como componentes históricos da luta de homens e

mulheres por cidadania visando a construção de uma sociedade mais

igualitária. Neste momento, conforme combinado com os alunos,

iniciou-se a avaliação cujo objetivo consistia em diagnosticar o nível de

compreensão, apropriação e operacionalização dos conceitos. O

trabalho consistiu em procurar imagens em revistas as quais

evocassem mais proximamente a compreensão de cada um a respeito

dos assuntos tratados e mais precisamente dos conceitos.

Múltipla eram as possibilidades: montar uma pequena história única,

relacionar um conceito ao outro, tratá-los individualmente. O

importante era apontar o entendimento de cada um, fazendo uso de

imagens atuais (as revistas eram edições mais ou menos recentes, dos

últimos três anos) com aquilo anteriormente tratado. A atividade

ocupou o restante da aula.

Finalmente a última etapa processada um mês após, objetivava

verificar a real compreensão, pois se acredita que se houve

aprendizagem efetiva há permanência configurando-se uma

representação e esta permanece produzindo operacionalizações,

igualmente procurar perceber se os mesmos expõem suas angústias ou

até se a questão da aprendizagem é importante para eles como o é

para os educadores. Optou-se pela construção de uma narrativa, por

parte dos alunos, servindo para expressar o seguinte: O que ainda

vocês se lembram dos conceitos trabalhados? Os conceitos chamaram

a atenção, por quê? Vendo televisão, ouvindo o rádio, ao ler jornais ou

revistas alguma notícia chamou a atenção, tendo em vista os

conceitos? O que acreditam que poderia ser feito para os estudantes

aprenderem mais e melhor? De que maneira você aprende mais e

melhor?

25

Notadamente se faz mister no primeiro momento explicitar algumas

das características do grupo para então expor os resultados. A turma

composta por doze alunos entre vinte e cinqüenta e três anos. Os três

mais jovens, do sexo masculino, evidenciaram menor interrupção no

processo educacional formal, pois aos vinte ou no máximo aos vinte e

um concluirão o ensino médio, os demais contam histórias de falta de

oportunidade e de abandono da escola pelo trabalho, notadamente as

mulheres, duas delas, hoje na faixa dos quarenta anos, casaram-se aos

quatorze, momento no qual o estudo tornava-se desnecessário, na

visão da sociedade da época, isto segundo seus respectivos

depoimentos. Apenas o aluno de cinqüenta e três anos apresentou uma

versão diferente, o mesmo afirmou entender-se, em sua época que ter

o ginásio era o suficiente, considerava-se então importante tal

formação e desnecessária sua seqüência, pois, onde residia, no Rio de

Janeiro, haviam colégios do chamado científico. A média de tempo de

afastamento da escola foi de vinte a vinte e cinco anos, poucos

advindos de escolas rurais multiseriadas, mas a maioria aponta sua

formação inicial como fraca.

Outra questão a destacar é fato de todos serem trabalhadores, embora

não haja grande novidade nisso, se faz necessário colocar em pauta os

horários e a jornada enfrentada. Tal situação reflete em quesitos

indispensáveis visando a avaliação do projeto, quais sejam:

assiduidade e pontualidade. Por trabalharem à noite ou residirem no

interior muitos chegam algum tempo após o início e não raras vezes se

retiram antes da aula encerrar-se. As faltas são freqüentes e nos seis

encontros apenas em um estavam todos, inclusive nas avaliações; na

primeira dez e na segunda, sete.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES. Inicialmente a reação, ao ler as

produções, foi de decepção, mesmo podendo fazer uso dos textos e

das anotações por vezes apontadas no caderno, muitas se quer

reproduziram aquilo posto, outros reafirmaram o senso comum. Pouca

ou nenhuma relação fizeram entre as imagens e os conceitos ou

contestaram o exposto. Aparece em dois trabalho a guerra embora

esta não tenha sido relacionada à revolução, afirmam “a guerra não é

solução para a solução dos problemas”. Logo se percebe a associação

entre revolução e guerra. Torna-se impossível para o educador ignorar

certas dificuldades evidenciadas por terminadas afirmações, a saber,

“a guerra como fundamental para ter um país bom e chegar no poder”

O mais coerente de acordo com aquilo trabalhado apontou: revolução

como “mudança da construção humana”; classe social “é formada por

homens com interesses em comum”. Nove entre dez repetiram classe

social no sentido de separar ricos e pobres.

Gênero por ser inusitado é mais facilmente absorvido, porém o

referendam menos na relação masculino/feminino e mais

homem/mulher, aparecendo a luta pelos direitos, pelo reconhecimento

da igualdade e o sonho romântico do casamento. A construção

sociocultural em nenhum momento aparece.

A avaliação subseqüente ocorreu em treze de outubro, e, conforme o

exposto anteriormente objetivou verificar o quanto havia permanecido

e a atitude dos alunos diante desta forma de trabalho. Construir um

texto narrativo sem o uso de material escrito, apenas procurando

responder os questionamentos anteriormente expostos.

27

Quanto aos conceitos e sua forma de tratamento, no interior de

conteúdos, foram unânimes em destacar sua relevância afirmando “

tudo nos fazem lembra dos conceitos que foram trabalhado, porque

eles estão presentes em nosso dia a dia”, contudo igualmente

destacam o fato de não lembrarem: “não lembro muito bem a respeito

do que trabalhamos”, “ na época achei que tinha aprendido bastante

mas para ser cincera já esqueci tudo”, “ não me lembro de nada” . Para

ocorrer o aprendizado reafirma o discurso corrente para que fique em

minha mente teria que estar lendo sobre eles várias vezes, mas como

isso não é possível, já me esqueci de quase tudo,”.

Admite-se a importância da leitura, a necessidade de sua prática diária,

contudo paralelamente usam sempre o argumento da falta de tempo

desfilando uma lista de prioridades, nisto reforçam a visão cultural da

formação escolar no sentido de responder à necessidades econômicas

e de reconhecimento social, ter emprego melhor, não ser ignorado

pelos demais, “ser alguém”. Chama atenção o fato de colocar em

terceira pessoa “acho que eles têm que querer aprender...”, como se a

pessoa não fosse estudante e nem identifica-se com o processo.

Em relação aos conceitos é possível avaliar a produção positivamente

se comparada com a primeira, notadamente ao realizarem relações.

Muitos conseguem estabelecer conexões significativas destacando

reportagens a respeito de mulheres mutiladas sexualmente e as

questões de gênero realizando nexos importantes com revolução.

Outros destacam as relações de classe repetindo a separação entre

ricos e pobres. Revolução, termo mais destacado e melhor conhecido

ao ser avaliado o quesito oralidade, neste momento desaparece.

O gênero aparece em três narrativas, cujo destaque é a relação

masculino/feminino e suas determinações socioculturais. Tal fato me

levou a refletir sobre a máxima de que é mais fácil aprender algo novo

28

do que desaprender para aprender de outra forma, aja vista a

insistência de repetir classe e revolução conforme construções mentais

anteriores, ou seja, os conceitos propostos para serem pensados

diferentemente daquilo cristalizado apresentam-se demasiadamente

reticentes.

Ao conversar com os professores estes reafirmam o cansaço em repetir

determinados conteúdos e os alunos demonstrarem fastio pela

repetição, contudo aprendem pouco ou quase nada, posto esquecerem

rapidamente ou então passada a avaliação, o que foi retido não

consegue dar conta de operacionalizar novas informações fazendo uso

daquilo trabalhado. As relações inexistem e o conteúdo é visto como

algo ‘vencido’, descartado. Neste sentido a defesa de trabalhar os

conteúdos por meio dos conceitos, ou temáticas, me parece uma forma

de tornar menos vazio o conhecer, inviabilizando o descartar daquilo

anteriormente estudado. Obviamente o estudo da história por meio de

temas está contemplado no DCE, notadamente dentro do ensino

médio, porém no fundamental a organização é cronológica. Sem entrar

na polêmica discussão, algo, aliás, não cabível neste artigo, defendo

que a organização cronológica conteudista não leva se quer ao domínio

de ferramentas essenciais ao estudante do ensino fundamental e

menos ainda à formação da consciência histórica.

Se no ensino médio a proposta é temática, a qual oportuniza tratar

mais proximamente os conceitos, encontra o professor despreparado e

resistente à mesma. Ocorre a exposição do tema, trabalha-se imagens

fílmicas e outros recursos, contudo aos serem questionados percebe-se

que fica é menos os conceitos pautados em cientificidades e mais o

discurso do professor cuja narrativa é pautada na descrição das

características e nos conflitos. Acostumados a concentra-se na fala e

deixando de lado a leitura dos textos, os alunos captam fragmentos

29

passando a ter uma noção geral sem especificar ou dar conta de

análise mais verticalizada. Na somatória dos conteúdos e até das

temáticas passa a ser difícil encontrar algum discernimento tornando-

se um emaranhado sobressaindo-se algum entendimento e muita

confusão . Ao fazer a experiência de perguntar direto o que é, o aluno

descreve de tudo menos o solicitado. Para ficar claro exemplifico outra

experiência anteriormente realizada repetidas vezes por mim. Ao tratar

da temática feudalismo procuro conceituá-la e posteriormente

explicitar suas características, conflitos, contradições, o papel da igreja,

da nobreza e a vida dos servos. Durante a avaliação solicito a

conceituação perguntando o que é feudalismo. As respostas são até

interessantes, aqueles cuja presença é contínua em sala constroem um

texto, porém destaca e repetem praticamente tudo aquilo posto, sem,

contudo escrever feudalismo é isto

Ao final desta experiência, embora limitada pelo tempo e pelas

contingências próprias do momento, somadas ao tempo de educadora

da proponente, além da conversa com colegas inclusive da área de

física e matemática, é possível, pelo menos neste momento concluir

que se faz mister eleger um determinado número de conceitos, de três

a seis e trabalhá-los durante o ano todo tendo presente o fato destes

encontrarem-se presentes em vários conteúdos sendo revolução classe

social e gênero pertinentes e passíveis de investigação que servirão

de base para todo um ano ou semestre de trabalho. Ao tomar uma

temática possível como a “era das revoluções” é um terreno fértil para

tratar as experiências e as lutas de classe e ponto central no sentido de

discutir os novos papéis femininos. Afirmo com isto que a apropriação

dos conceitos por parte dos estudantes requer o conhecimento destes

por parte dos professores e um esquema de trabalho onde a idéia de

processo de aprendizagem esteja presente, o imediatismo compromete

os resultados, logo somente a retomada contínua poderá reverter o

quadro atual.

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REFERÊNCIAS

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