16
O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 5 - Março de 2014 DO CORPORAL MENTAL Ator e poeta Lucas Fiorindo empresta seus versos para a coluna #Sarau SOBRE O TEMPO Paula Mariá estreia a coluna "Vida" e mais pág 08 UM NAMORO À DISTÂNCIA SEM CÁLCULOS POSSÍVEIS Resenha de Alyson Santos sobre o filme Her, de Spike Jonze pág 14 pág 15 Toda criança é uma artista. O problema é continuar artista enquanto se cresce Pablo Picasso

O Duque #05

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: O Duque #05

1março

O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 5 - Março de 2014

DO CORPORAL MENTAL

Ator e poeta Lucas Fiorindo empresta seus versos para a

coluna #Sarau

SOBRE O TEMPO

Paula Mariá estreia a coluna "Vida"

e mais

pág 08

UM NAMORO À DISTÂNCIA SEM

CÁLCULOS POSSÍVEIS

Resenha de Alyson Santos sobre o � lme Her, de Spike Jonze

pág 14

pág 15

Toda criança é uma artista.O problema é continuar artista

enquanto se crescePablo Picasso

Page 2: O Duque #05

2

Page 3: O Duque #05

3março

As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

CONSELHO EDITORIALDezembro - Janeiro / Edição nº 04 / Ano I

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

EDITOR-CHEFEMiguel Fernando

EDITORGustavo Hermsdor� Mtb 9966

CO-EDITORALuana Bernardes

REVISORZé Flauzino

COLABORADORES

DESIGN EDITORIAL E REPORTAGEM

CAPA E ILUSTRAÇÕES

Paula Mariá - Vida (página 08)Rodrigo Corrêa - Psicologia (página 09)Gilmar Leal Santos - Poesia (página 11)Donizeti Pugin - Filoso� a (página 13)Alyson Santos - Cinema (página 14)Lucas Fiorindo - #Sarau (página 15)

Aline JorgeAgência Vermelho Panda

Impressão: Jornal O DiárioTiragem: 3.000 exemplares16 Páginas / Tablóide Americano

Críticas, dúvidas ou sugestõ[email protected]

Departamento Comercial44 9959-8472

Departamento de [email protected]

Fale com O [email protected]

facebook.com/jornaloduque

www.oduque.com.br

@jornaloduque

PARA REINVENTAR

O MUNDOBRINCANDOO que seria do mundo se a arte

fosse levada mais a sério? Se a capacidade de criação artística de uma pessoa valesse tanto

quanto o que ela tem no bolso? Parece utópico pensar assim, mas na mente de uma criança pouco importa se aquela nota vale dez ou cem reais, elas querem a mais bonita.

Enquanto criança nos interessa o co-lorido, o curioso, o desafi ador. Desenhar é refazer o mundo, só que do seu jeito. E daí se ela acha que a girafa deveria ser azul? Que um leão com asas fi caria muito melhor ou que toda casa tem chaminé. Ela está certa e deve ser incentivada. Por isso, a pauta da nossa quinta edição traz como tema principal a Arte e a Educação nos dias de hoje.

Separada em dois títulos, os jornalis-tas Cibele Chacon e Elton Telles traçaram um breve paralelo sobre a educação artís-tica em Maringá, dos primeiros desenhos à pós-graduação em arte na contempora-neidade. Para acompanhar a pauta, con-vidamos a ilustradora maringaense Aline Jorge a emprestar seus traços delicados para nossa capa e para as páginas inter-nas. Acompanhe na página 04.

Para essa edição, nosso time de co-lu-nistas ganha um belíssimo reforço, Paula Mariá, que estreia a coluna Vida com uma refl exão a respeito do tempo, na página 8. Virando a página, você vai encontrar mais uma síntese muito bem arquitetada e construída pelo nosso colu-nista de psicologia Rodrigo Corrêa, que escolheu o valor do riso como assunto.

Na poesia, Gilmar Leal Santos nos presenteia com um comentário a respeito da nova cena da poesia paranaense. Quer saber quem são? Dá uma olhada na pá-gina 11. Fechando a parte opinativa dessa quinta edição do Duque, o mestrando em fi losofi a Donizeti Pugin nos questiona: Poderia a ciência errar? A resposta você encontra na página 13.

Quem gosta de cinema vai se deliciar com a resenha feita pelo cinéfi lo Alyson Santos, sobre o fi lme Her, do diretor e roteirista Spike Jonze. E fechando nossa primeira edição do ano, convidamos o ator Lucas Fiorindo para emprestar uma de suas belas poesias para a coluna #Sa-rau.

Aproveite a leitura!

Os editores.

Page 4: O Duque #05

44

Toda criançaé uma artista.

O problemaé continuar

artista enquanto se cresce

Pablo Picasso

Page 5: O Duque #05

5março

Especial //

Cola, papel e tesoura sem ponta. Hora da bagunça ou de tarefas não muito criativas e marcadamente repetitivas. É exatamente esse o pensamento de muitas pessoas quando fala-mos sobre o ensino de Artes nas escolas. Ou ainda, há aquela lembrança do aluno que co-piava melhor a obra original e sempre tirava a maior nota enquanto o resto da turma amar-gava a ideia da falta de talento. Os trabalhos com bolinhas de crepom também tomaram o tempo de muita gente que fi cava com os de-dos coloridos de tanto enrolar o papel. Mas, será que a educação e a arte caminham juntas apenas com esse tipo de atividade nas escolas ou algumas coisas estão mudando?

Nem sempre, um artista de verdade é aquele que copia a obra O Grito com traços perfeitos ou que faz colagens incríveis das obras de Picasso. Embora a metodologia tradicional seja direcionada à qualidade do produto fi nal, não faz o menor sentido que o trabalho seja igual ao original, ao menos é o que diz a professora de artes Luciana Bor-ges: “De que adianta uma cópia da Monalisa se o próprio aluno não têm consciência e liberdade criativa para desenvolver os pró-prios traços?”, questiona. Luciana acrescenta, ainda, que valoriza o ensinamento histórico e social das artes para que, dessa maneira, o aluno tenha a liberdade de construir a própria criação. “Eu desenvolvo muitas atividades de interpretação nas quais não há certo ou er-

rado, apenas a construção de signifi cados que tenham relação com a época da obra e o estilo do pintor”, diz.

Esse tipo de trabalho pode ser mais sim-ples com alunos maiores, mas não adianta muito explicar quem foi Van Gogh, Aleijadin-ho, Shakespeare ou Chaplin para quem tem por volta de cinco anos. Talvez, seja mais ou menos como explicar física quântica a uma jornalista que escreve para um jornal de artes. Mas é na Educação Infantil que o encanto pe-las artes começa, quando as crianças ensaiam os primeiros traços e já percebem diferentes tonalidades. É nessa fase que o lápis de cor se torna um dos brinquedos preferidos e os pequenos já conseguem associar tonalidades e desenhar um céu azul ou um sol amare-lo. E utilizando o lema “é brincando que se aprende”, a professora Bruna Figueiredo per-mite a livre expressão. “Nas aulas, nós ligamos uma música, eu forneço diversos tipos de ma-teriais e não interfi ro na criação de nenhum aluno. É claro que eu converso e, nessas con-versas, surgem ideias, mas nada que atrapalhe a naturalidade do que estão fazendo. É tudo muito espontâneo”, diz. A psicóloga clínica e educacional Gescielly Tadei defende que o processo de educação formal, inclusive o de artes, precisa dessa coordenação mesmo, já que ninguém produz o que não conhece ou questiona o que não lhe foi ensinado.

E quem pensa que apenas de pinturas sobrevive uma aula de artes, está muito en-ganado. André Anelli já deu aulas de teatro no ensino regular e também defende a me-todologia do aluno como criador, ainda que no tipo de atividade que ensina seja essencial

o auxílio do professor na construção da obra de maneira mais direta. Para ele é uma pena as escolas encararem o teatro apenas como adorno para datas especiais, porque nesse tipo de trabalho a criança se descobre cor-poralmente e aprende a trabalhar em grupo, além de desenvolver de maneira bastante am-pla a imaginação e se permitir. Gescielly en-dossa ainda mais a importância da arte como auxiliadora para que a criança se torne um ser humano racional, com inteligência hábil para lidar com os confl itos das relações humanas. “A arte permite a sensibilidade necessária para a compreensão e relação com o outro. Esse outro é o coleguinha de sala, a família, o vizinho, o professor”, fi naliza.

Talvez não seja tão simples para a maio-ria das pessoas traçar cinco ou seis retas para fazer um castelo ou ter um guarda-chu-va com apenas dois riscos. Mas isso André Malka, 28, sempre tirou de letra. Hoje, não faz dos desenhos um ofício, mas continua fazendo do lápis e do papel companhei-ros inseparáveis. Agradece, por na época do colégio, ter tido a liberdade para criar e con-seguir elaborar o próprio estilo, ainda que sob influência de revistas ou livros de arte. “Apesar de no colégio a matéria focar em for-mas e cores, eu utilizo muito do que vi nos meus desenhos, como por exemplo, fazer de-senhos ampliados através do quadriculado. Coisas básicas mesmo”, diz. Ele acrescenta ainda que, independente da metodologia de ensino, é preciso ser criativo e ter talento. “Por mais que uma pessoa queira jogar bola, não significa que seja boa nisso. Com a arte, é a mesma coisa.”

CibeleChacon

Jornalista

A CRIAÇÃO DE ADÃOde Michelângelo, na visão

de Eduardo Henrique Dias Gonçalves dos Santos,

de 8 anos.

Page 6: O Duque #05

6

Especial //

Uma aula “cabeçuda” de matemática, se-guida pela expressão corporal e criativa de uma aula de teatro. Não é comum encon-trar essa grade nas instituições de ensino de Maringá, pois são pouco os colégios que en-caram as duas disciplinas citadas, por exem-plo, no mesmo pé de igualdade. A maioria das escolas privadas que opta em contratar um professor para lecionar grupos de teatro ou de qualquer outra forma de manifestação artística consideram essas aulas como ativi-dades extracurriculares: sem avaliação, sem o peso da obrigatoriedade e, por vezes, sem a estrutura adequada para selar o aprendi-zado.

Há dois anos a Escola Saint James In-ternational School, pioneira no ensino bilíngue na nossa cidade, incluiu o teatro na sua grade curricular básica e oferece aulas semanalmente aos pequenos do 2o ano do Ensino Fundamental, crianças entre 6 e 7 anos de idade. Contando com as turmas de manhã e tarde, são mais ou menos 15 alu-nos que deixam a imaginação rolar e per-sonifi cam em cima do palco clássicos que vão de Monteiro Lobato a Charles Dickens. “As aulas de teatro permitem que as crian-ças se soltem mais, sejam mais articuladas, e isso é um requisito fudametal para o bom desempenho social”, opina a coordenadora pedagógica Janeth Belido.

Quanto às escolas públicas, atualmente a Secretaria Municipal de Educação (Seduc) leva adiante o projeto Educação Integral,

que visa ampliar a aprendizagem em múlti-plas áreas e linguagens do conhecimento, promovendo o acesso dos alunos de 5 a 10 anos à produção cultural universal e aos conhecimentos historicamente acumula-dos para, desta forma, permitir que com-preendam o mundo em que vive. O progra-ma é ativo desde 2009 e abrange 25 das 49 escolas da rede municipal de ensino, sendo as aulas opcionais e ministradas no contra turno. As disciplinas de cunho artístico variam em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

Maringá quase perde o talento da acadêmica de Artes Cênicas Flavia Kriki, 21, que, por falta de opção nas universi-dades, resolveu prestar Letras na UEM. Assim que abriu o curso almejado, não pensou duas vezes em partir para outra. “O diferencial que encontrei no curso de Ar-tes Cênicas é que na arte não há uma con-venção a ser seguida, que estipula ‘isto está certo e isto esta errado’; o que mais vale é o desenvolvimento”, complementa. Flavia estudou o Ensino Fundamental em colégio público e, buscado na memória, resume o

seu contato escolar com a arte a “pinturas no caderno que valiam nota e danças em datas comemorativas.” Já no Ensino Médio em rede privada, o conhecimento, segundo ela, era pouco atrativo para os estudantes por ser exclusivamente teórico.

Apesar de apontar o pouco incentivo e o caráter instrumental da Educação Artís-tica nas escolas em geral – algo que vem alterando lentamente –, a estudante reco-nhece a aproximação da arte promovida pelas instituições, mas alfi neta o fato dessas aulas não aliarem o conhecimento teórico com o prático.

E se cursos de graduação vinculados à área artística em Maringá pecam pela di-versidade, a existência de especializações é uma realidade menos satisfatória. A profes-sora Deborah Kemmer coordena o único curso de pós-graduação na cidade ligado diretamente à área: Arte na Contempo-raneidade, que trabalha com processo de criação em artes, docência e gestão de pro-jetos artísticos e culturais. Criado no ano passado, a primeira turma recebe o diplo-ma em julho deste ano.

EltonTelles

Jornalista

Arte como carreira acadêmica

MONA LISAde Da Vinci, também

recriado pelo pequeno Eduardo.

Page 7: O Duque #05

7março

Page 8: O Duque #05

8

Vida //

- Não uso relógio.- E por que não?- Não quero saber que horas são.

A teoria da relatividade deve ter en-contrado no tempo seu maior parceiro. Sua prova viva e concreta. O que é, no mínimo, irônico, já que o grande obje-tivo da relativização é fugir da concre-tude. Mas, queira ou não, nada é mais relativo do que o tempo.

É preciso ter muita coragem para não saber que horas são. Coragem e mais um monte de outros adjetivos difíceis de se ter: Compreensão, cui-dado, atenção e responsabilidade. As horas são o amparo do tempo. São a parte matemática, estática. Tão visível que nos deixa a impressão de que o tempo é quase palpável. Embora nunca o toquemos.

A verdade é que o tempo é um baita de um moleque pós-moderno. Um adolescente temperamental, cheio de fases e relativismos, com o qual não

conseguimos lidar. Então resolvemos – talvez até por livre e espontânea von-tade – colocar nossos relógios.

Nos apoiamos firmemente nos relógios e calendários. Calculamos, planejamos e tudo parece mais tran-quilo. Transformamos a vida em blocos sólidos e está tudo bem, temos enfim, controle sobre o nosso tempo. É claro que sempre dá para culparmos o tra-balho, mas sejamos sinceros, você não costuma tirar seu relógio nos dias de folga e sempre olha que horas são antes de sair de casa, não é mesmo?

É muito mais fácil ter, no pulso, no bolso ou na parede um número exato que nos indique o que fazer. Caso o contrário, talvez precisemos encarar não apenas o que, de fato, queremos, mas também o que podemos e precisa-mos fazer.

Não saber que horas são significa se colocar inteiramente à disposição de si mesmo e do mundo ao redor. Algo que, acredito eu, ser uma das poucas ver-

dades universais – e aqui, cara relativi-zação, não quero te desafiar, mas por favor apoie-se no tempo, não me tire algumas verdades universais – é que todo mundo sonha em fazer apenas o que queria fazer. O difícil é encontrar quem banque isso.

Encarar olhos nos olhos quem nós somos e o que realmente queremos fazer é muito mais doloroso do que olhar no planejamento do mês e fazer exatamente o que – sem nem saber porquê – planejamos fazer. Aceitar as próprias vontades é reconhecer a própria existência em um nível muito profundo. E isso é trabalho para uma vida inteira.

Além disso, quando se encara o tempo sem relógios, tudo depende. E, sejamos sinceros, lidar com essa incon-stância exige muita maturidade. Para não saber que horas são, é preciso saber ter respeito. Respeito pelo próprio cor-po e seu funcionamento. Respeito pela natureza e tudo o que ela traz consigo.

O sol, as chuvas, os ventos. A noite e o dia que, sem o amparo dos números do maquinário, se mostram muito mais surpreendentes do que se imagina.

Não dá mais para ignorar o sol nascendo, a noite chegando, o calor restringindo, a chuva estagnando. A terra, provando que surgiu da mesma poeira cósmica que a carne, nos deixa tão vulnerável quanto nosso próprio organismo. Está aí a maior semelhança entre o mundo e a nossa vida: Ambos são difíceis demais de serem encarados.

Por isso os fantasiamos. Os coloca-mos em pequenas janelas que chama-mos de dias, horas, minutos, segundos. E as culpamos. Culpamos as janelas cri-adas por nós mesmos por toda a nossa lamúria. Enquanto o tempo segue ac-ontecendo, dentro de nós, nas nossas mãos. Nos invadindo insistentemente pelo tato. Querendo que paremos de olhar para os números e olhemos para o dia que, com ou sem relógio, está nascendo. Dentro e fora de nós.

sobre o tempo ColunistaPaulaMariá

Page 9: O Duque #05

9março

Rodrigo Gonçalves

Corrêa

Psicologia //

O amor se opõe ao riso. Como a se-gurança e a liberdade, compartilham o movimento do mesmo pêndulo, sen-do o ápice de um a negação do outro. Muito embora, ambas as manifestações pareçam carregar uma mesma identi-dade, unifi cados pela imagem de alegria e pela proximidade com a ideia de felici-dade, é na relação entre o Eu e Outro que se mostram de naturezas diversas.

Isso porque é preciso insensibilizar-se para rir. É preciso, mesmo que por um instante, livrar-se de qualquer empatia com aquele de quem se ri. Experimente o leitor, para validar por sua própria experiência o valor do que é dito aqui, identifi car-se com o objeto do riso, colo-car-se próximo, imaginar-se como ele. Se o exercício for efetivo e a solidariedade afl orar, o riso, de imediato, cessará.

Isso porque o riso é leve demais para carregar consigo qualquer solidariedade.

Veja, o riso está longe de ser um ato gratuito, neutro, amoral: é antes um juízo de valor que aponta, como uma denúncia daquele que ri, o ridículo e o desajeitado, naquele que é alvo do riso. Agora que te-mos o riso à nossa frente, mais despido que de costume, convidamos você leitor a olhá-lo com mais atenção.

Parece haver uma convicção geral de que o riso é algo tão puramente bom e saudável que encontra sua fi nalidade nele mesmo. Quem já teve a oportuni-dade de assistir a entrevista de algum dos humoristas de stand up de maior renome no cenário nacional pode constatar por si próprio como essa crença se propaga, quase como um imperativo da classe. Dizem eles que o teor e o alvo de suas pia-das são selecionados pelo riso do público. De forma que eles próprios, os humor-istas, não tem responsabilidade sobre aquilo que dizem: se houver risos é por

que o público concorda e se não houver é por que não há importância. O próprio Danilo Gentili já se auto intitulou como “prostituta do riso”, conceito bastante explicativo. Ele fará o que for necessário para que o riso se manifeste. Contudo, pode-se perceber um padrão pouco ino-cente quanto ao teor e ao alvo da maioria das piadas que, geralmente, depreciam grupos que pouco passam sem depre-ciação, como gays, negros, pobres, defi -cientes. Todos estes sendo grandes em número e pequenos em poder.

Está claro que o grande alvo do hu-mor são as minorias sociais. Talvez os humoristas façam isso sem perceber que o fazem. Mas o fato permanece. Ao apontar o ridículo naqueles que já estão marginalizados, esses humoristas só es-tão reafi rmando e legitimando os valores de quem domina sobre aqueles de quem é dominado. Só fazem realçar os contor-nos de preconceitos que já se apresentam insuportavelmente nítidos.

Começamos esse texto contrastando amor e riso. Não à toa. Pretendíamos fa-zer notar que enquanto o objeto de amor é exaltado por aquele que ama, o objeto do riso é diminuído por quem ri. Ou seja, há no riso uma dupla revelação que nos informa daquele que ri, o que despreza e naquele de quem se ri, o que lhe é de-sprezado.

Há um compromisso ético no riso, ainda que, desconhecido por uns e es-quecido por outros. Um compromisso velado por um fetiche de liberdade que supõe ser o riso uma manifestação livre de sentido moral. Uma liberdade que não passa mesmo de fetiche, já que não existe assim, em estado puro, sendo a condição natural da estrutura de toda liberdade, compor-se densamente de uma carga de responsabilidade da qual é inseparável.

Do valordo riso(a tÍtulo de desculpa)

colunista

Page 10: O Duque #05

10

Page 11: O Duque #05

11março

Poesia //

PÍLULAS AZUIS E VERMELHAS E TRÊS POETAS DO PARANÁ

“Não sou pessimista, sou um otimista informado!”. Li este aforismo num texto do Cristovão Tezza; não procurei no Google para saber se o dito seria uma paráfrase de outro escritor. Sem o oráculo, fi ca o crédito para o Cristovão.

É que eu estava aqui a pensar na utilidade da poesia nos dias de hoje e o motivo que leva-ria alguém a se interessar em ler poesia - e ler sobre poesia - com tanta coisa esquisita acon-tecendo neste mundo vasto mundo. Concluí que a nossa realidade é como se fosse uma televisão provida de centenas de canais e que todos os programas fazem parte de um único BBB mundial onde somos todos confi nados e espectadores ao mesmo tempo. Cada canal é uma realidade própria que podemos assistir ou zapear aleatóriamente; desta maneira, tere-mos o Egito num canal, o Maranhão noutro, naqueloutro estará o rolezinho nos shoppings; política, teatro, Afeganistão, Lady Gaga, virais e tudo o mais que existe têm seus canais. En-tendido o enredo, fi ca claro que este é um ca-nal da poesia. A poesia tem a difícil missão de nos tirar da realidade para contemplar. Con-templar como verbo intransitivo. Contemplar com o signifi cado de transcender. A poesia é precisa. Necessária para que humanos contin-uemos, ainda que eu não consiga defi nir se a poesia seria a pílula azul (blissful ignorance of illusion) ou a pílula vermelha (painful truth of reality) que tomamos.

Se bem que às vezes a poesia é pílula azul, outras é pílula vermelha; é como a tal natureza da luz: é onda e é, também, partícula. Mas aí é outro assunto. Get off of my cloud!

Bom, toda esta introdução para dizer que fi quei muito feliz ao zapear o canal de poesia e ler o Suplemento Literário de Minas Gerais, editado em Maio de 2013 pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais e que tem o apelido carinhoso de “SUPLEMENTG”. O SUPLE-MENTG traz “A NOVA POESIA BRASILEI-RA, VISTA POR SEUS POETAS”. Cinquenta e quatro poetas, nascidos a partir de 1960, revelam quais são os seus poemas preferidos e o porquê da escolha. Como diz o editor do Suplemento, Fabrício Marques, o objetivo foi duplo: “Escolher um poema memorável e escrever um comentário do que motivou a escolha.”.

Ali estão: Alberto Puchau, Tarso de Melo, Fábio Weintraub, Eucanaã Ferraz, Marize Castro, Angélica Freitas, André Luiz Pinto, Carlito Azevedo, enfi m um belo time de poetas. Mas a felicidade que senti foi a de ter encontrado, em meio a tanta gente boa, os poemas de Rodrigo Garcia Lopes, Miguel Sanches Neto e de Maurício Arruda Men-donça. Três paranaenses. Rodrigo e Maurício, de Londrina e Miguel, de Bela Vista do Para-íso. Dos três, só Miguel não teve um poema publicado no folhetim. E é muito bacana ver paranaenses nessa resenha, porque o Paraná, com raríssimas exceções, nunca esteve no pla-

nalto dos poetas brasileiros. Os mais famosos e com maior projeção nacional são Leminski (que está em alto relevo por estes dias); Helena Kolody; Emílio de Menezes; Emiliano Per-neta, todos estes já mortos; Alice Ruiz (viúva de Leminski) e Domingos Pellegrini. Se me esqueci de alguém, fi ca esquecido. Reproduzo aqui os dois poemas publicados e alguma informação sobre seus autores, deixo Miguel para uma outra coluna.

Pausa: Não sou crítico literário! Não tenho tal pretensão, tampouco tenho o tempo necessário para pesquisar, ler, revisar e escre-ver sobre leituras novas e antigas; tarefas estas que são fundamentais para o crítico e que necessitam de razoável quantidade de tempo para realizá-las frequentemente. Sem contar que não tenho o cacoete de fazer amigos e ini-migos devido ao pensamento ou opinião que escrevo. Os poemas e poetas que trago para este espaço são aqueles que gosto e que me tocam e espero que toquem outras pessoas. Os motivos para trazê-los aqui podem ser tão variados quanto diferentes. Às vezes, não me privo de fazer uma análise bem sucinta do po-ema, outras vezes deixo a análise para o leitor, para que ele se vista com o poema e o inter-prete segundo sua vivência ou sua experiência de vida.

De volta. Rodrig Garcia Lopes, poeta, tradutor, compositor e cantor, estreou com o livro Solarium, em 1997, tem ainda pub-licados os livros de poema: Visibilia (1996), Polivox (2001), Nômada (2004) e Estúdio Realidade (2013). Rodrigo tem outros tantos livros, artigos, músicas, traduções e resenhas. Enfi m, um poeta maduro e de primeira grandeza no cenário brasileiro de literatura. Do seu livro Solarium, o SUPLE-MENTG tirou o poema “O FOTÓGRAFO”. Na minha visão, “O FOTÓGRAFO” deve ser lido de um fôlego só. Num ritmo frenético, uma sucessão de imagens, como fotografi as fossem, sem tempo nem conexão aparentes nos sufoca e nos transporta para – no meu caso – uma sacada de hotel. O poema é feito de imagens e de falta de ar.

Maurício Arruda Mendonça, poeta, tradutor e dramaturgo, deve estar muito feliz, sua peça "A Marca Da Água", em parceria com Paulo de Morais, ganhou o prêmio Shell de melhor autor de 2013, ga-nhou também o prêmio Fringe First, dado anualmente pelo jornal escocês Th e Scots-man. Seu poema "Eu caminhava assim tão distraído" foi publicado no livro que tem o mesmo título do poema, em 1997; já foi musicado por Bernardo Pellegrini. O que eu mais gosto no poema é o lirismo desla-vado, escancarado e sem-vergonha; é um poema para ser lido em Adagio. Maurício usou uma pontuação visual que dá todo o ritmo ao poema, mas não é este o único segredo; se seus versos não nos cortassem as vísceras, não adiantaria nada.

ColunistaGilmarLeal Santos

Page 12: O Duque #05

12

Page 13: O Duque #05

13março

Filosofi a //

PODE ACIÊNCIAERRAR?

Na edição passada, abrindo este espaço da fi losofi a e falando dos céti-cos, víamos a importância da dúvida na fi losofi a. Nessa edição quero pro-longar a discussão um pouco mais: se podemos duvidar do valor nutritivo do pão ou do nascer do Sol, podemos também duvidar da ciência? Sua pre-tensão é descrever o mundo e explicar o modo como ele funciona. Porque não poderia se enganar? No fi nal do século XX, o cientista francês Jean-Pierre Len-tin (1950-2009) chegou a escrever um livro compilando os erros da ciência. Nesse livro, intitulado “Penso, logo me engano”, ele diz ser fácil entender por que o homem moderno confi a tanto na ciência e não abre mão dela, pois só ela pode lhe dar superpoderes: “que sonho mais exaltante do que brincar de demi-urgo no laboratório!”.

Auguste Comte (1798-1857) aju-dou a transformar a ciência na religião do homem moderno. Segundo ele, a humanidade já teria ultrapassado os estágios da religião e da fi losofi a e, como elas não mais satisfaziam o de-sejo pela verdade, aderiu à ciência como nova guia. Não destruímos o altar, ap-

enas trocamos o santo, dirá Nietzsche (1844-1900) em resposta a essa ilusão iluminista levada ao extremo. Ao invés de acendermos uma vela pro crucifi xo, acendemos para a Razão. Aliás, acendía-mos, pois a fi losofi a também fi cou para trás. Nossas velas derretem-se agora aos pés da Ciência, nossa nova e onipotente deusa. Nem os padres nem os fi lósofos: os cientistas são os nossos novos heróis. É neles que temos de confi ar. Deixamos de lado os homens de batina e dos livros para reverenciar os de jaleco branco. São eles os sacerdotes dessa nova religião.

Na república idealizada pelo fi lósofo Tommaso Campanella (1568-1639) e eternizada no seu livro “A cidade do Sol”, a ciência é reverenciada como uma divindade. A Potência, a Sapiência e o Amor governariam os homens e ga-rantiriam sua sobrevivência e progresso. Interessante é o modo como esse fi lóso-fo retrata o templo de tal cidade: suas paredes são adornadas, por dentro e por fora, do chão até o teto com pinturas representando todas as ciências. É im-pressionante como um frei dominicano do século XVI substitui, na cidade ideal, a infi nidade de santos nas paredes das

igrejas por representações das ciências. Esse era o espírito do renascimento: somente a razão, aplicada nas ciências, pode nos proporcionar uma vida me-lhor.

Embora não sejamos guiados so-mente pela razão, nos habituamos a esperar da ciência a resposta àquilo que a religião e a fi losofi a não conseguiram explicar. Mas, não seria a ciência tam-bém dogmática? Richard Feynman (1918-1988) chegou a dizer que é im-possível fazer ciência sem vestir antes a camisa de força do materialismo. O modo como fazemos ciência hoje é mui-to diferente do modo como faziam os homens do começo do século XX, quiçá dos séculos anteriores. E se a história já nos mostrou que sobre eles também pesa a sombra do erro, por que deve-ríamos confi ar todas as nossas fi chas na ciência?

Confesso que sou um tanto cético quanto ao poder da ciência. Mas esse ceticismo não me impede de buscar o conhecimento. Não posso usá-lo como desculpa para estacionar-me na ig-norância, ao contrário, é essa dúvida na onipotência da ciência que me motiva

ao estudo. Estamos em busca da ver-dade tal qual um aventureiro em uma escalada ao pico de uma montanha. Por vezes parece que encontramos um terre-no plano e sólido, mas descobrimos que ainda não é o pico ou, pior, que nos des-viamos da montanha principal. O que me motiva não é o desejo de encontrar a cidade perdida de Campanella, mas a adrenalina e as emoções que a aventura do conhecimento pode me proporcio-nar.

E você, caro(a) leitor(a) concorda comigo? Se não, por que está lendo esse jornal? Música, teatro, arte, cinema, li-teratura, fi losofi a? Para com isso, rapaz! Deixa disso, minha querida! Porque não vai ler um livro de ciências, que é coisa mais útil? Eu sei a resposta: por que, mesmo que confi emos na ciência, sabemos, de algum modo, que ela não dá conta de todas as nossas aspirações. Temos fome de cultura e isso não tem a ver apenas com a razão, mas com as paixões. Sabe aqueles jovens da edição passada, que estão ajudando a desenhar uma nova cidade? Eles se deixaram le-var por suas paixões e não só pela razão. Quer um conselho? Faça o mesmo!

ColunistaDonizeti

Pugin

Page 14: O Duque #05

14

Cinema //

herO tal do amor parece um monstro.

Indomável até mesmo nas mãos dos mais sábios, dos mais fortes. Não marca data, não tem hora. Sentimento bom que causa dor. Paradoxal. Incompreen-sível para a humanidade que pena para entender esse oco da caixa torácica que grita incessante por um preenchimento. A reflexão pode ser imensa e o diretor Spike Jonze traz uma história de amor entre o homem e a tecnologia, embru-lhado num presente extremamente in-ventivo, ambientado em Los Angeles num futuro próximo em que nossos comandos digitais podem tornar-se tão íntimos quanto um sussurro aos ouvi-dos.

Em seu quarto filme, após “Quero Ser John Malkovich”, “Adaptação” e “Onde Vivem os Monstros”, o diretor Jonze transcende a sua própria cria-tividade para conseguir algo ímpar em seu primeiro roteiro original (que já levou o “Globo de Ouro” desse ano) e conta a história de Theodore (Joaquin Phoenix) que recebe um novo telefone com uma atualização que promete fazer do mesmo sua melhor companhia. O nome dela é Samantha (Que significa “Ouvinte”) e está programada na voz de

Scarlett Johansson. Além de extrema-mente simpática, ela organiza sua vida, ajuda-o nos jogos virtuais e é uma entu-siasta nata. Samantha vai de mãe-amiga a namorada (Freud adoraria o filme).

A narrativa é de um risco tremendo: as chances de “Ela” ser um filme bobo, infantil e irracional perigam a todo ins-tante. E é desta perspectiva que se pode medir o tamanho do feito que a obra alcança ao final da fita. É uma história de amor estranha que alcança seu ápice quando combinada com uma meditação sobre a tecnologia como viés acelerador da solidão social. Não é um relato sobre machos solitários, não é a dificuldade de relação, é uma dialética precisa e clara sobre a personificação dos meios de co-municação e a denúncia em relação ao isolamento humano.

O espectador questiona e é questio-nado a todo instante. Samantha é um programa, inexistente quanto à carne, mas a benevolência que transborda de sua voz e provoca efeitos positivos em Theodore confunde a nossa raciona-lidade quanto a se apaixonar por algo como ela. A angústia é inevitável. As in-terrogações sobre até que ponto a situ-ação é plausível, até que ponto aquilo

poderia ser sincero, se o grau de reali-dade é saudável o suficiente ou o simples fato de nos colocarmos a favor do rela-cionamento é tão assustador quanto a torcer pelo sucesso de um Serial Killer. A falta de estranheza e automática iden-tificação com a futura Los Angeles é a causa desse dilema moderno.

Fazer um filme desta situação in-comum envolve um tipo de encaixe de monólogos. Joaquin Phoenix pro-tagoniza a história com a autenticidade necessária, como quem entra em campo sem ter com quem jogar, em constante ação e reação a um personagem que nunca está presente. Scarlett Johans-son faz com que sua voz encantadora, atraente e sincera desenhe a mulher per-feita. Não a vemos, mas temos a certeza que possui uma feição e personalidade que nos agrada.

Spike Jozen prioriza a sua câmera dando um quadro para cada perso-nagem, que raramente são filmados em conjunto. Os ambientes grandes e os diversos arranha-céus formam o imen-so universo que diminuem o homem e enfatizam essa separação completa dele com a sociedade. Há também uma nítida pontuação da estética: o gelo da metrópole encontra oposição nas cores quentes no figurino dos personagens. Ou o calor da praia se contrapõe aos tons pastéis do estilo social de Theo-dore. Tudo por um desencontro entre

o ser e o espaço, importante para uma construção rica de coesão na obra.

“Ela” concorre em cinco categorias, sendo elas a de melhor canção (The Moon Song), melhor figurino, melhor filme, melhor trilha sonora e melhor roteiro original, encontrando maior chance nessa última. Jonze aqui es-creveu para a tela uma obra que filosofa brilhantemente sobre os mistérios da vida, como um visionário cuja lírica meditação sobre as relações do futuro não estão distantes da maneira como vivemos agora.

ColunistaAlysonSantos

Um namoro à distância sem cálculos possíveis

Page 15: O Duque #05

15marçomarço

# SARAU

Docorporal mentalTem corpo que ofusca a mente,

mente que ofusca o corpo.

Tem corpo que mente,

mente que ocupa o corpo.

Tem mente que ocupa o corpo,

corpo que vaga vazio.

Tem mente que habita o corpo,

tem corpo que habitua.

Tem corpo que habita,

tem mente que habitua.

Tem corpo hábil,

tem mente sábia.

Corpo com pele

mente compila

minha mente minto

sua mente sinto

suavemente sinto

o suor da mente

LucasFiorindo

Page 16: O Duque #05

16

cooper