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O Enigma Da Piramide - Alan Arnold

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DADOS DECOPYRIGHT

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Quando o mundo estiver unido nabusca do conhecimento, e não maislutando por dinheiro e poder, então

nossa sociedade poderá enfim evoluira um novo nível.

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ALANARNOLD

O ENIGMA DA

PIRÂMIDE

Baseado no roteiro de CHRISCOLUMBUS

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Sugerido de personagenscriados por SIR ARTHUR

CONAN DOYLE

Tradução de AULYDE SOARESRODRIGUES

EDITORA RECORD

O desejo de um menino é odesejo do vento, E os

pensamentos da juventude sãopensamentos muito, muito

longos.– Longfellow

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Capítulo UmCERTA NOITE, NO INVERNO DE

1 8 7 0 , UM RICO CONTADOR

londrino, de caráter exemplar,saltou para a morte da janelado seu apartamento no terceiroandar, em Pimlico.Inevitavelmente, os jornais, nasua descrição da tragédia,usaram a expressão"circunstâncias misteriosas",mas sua curiosidade não foimais longe. O terror que levou

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o infeliz homem a umadeserção tão espetacular davida, fosse qual fosse, nãodeixou nenhuma pista da suanatureza.

Não houve invasão dedomicílio. A polícia nãoencontrou nenhum indício deviolência. Deve ser registrado ofato de que alguns fregueses dorestaurante próximolembraram-se de que ele haviademonstrado sinais de falta desobriedade quando jantou ali

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naquela noite, embora aspessoas que o conheciam nãoacreditassem que costumassebeber demais. Na verdade,durante as investigações,familiares e amigostestemunharam que ele tinhatodos os motivos para achar avida boa e demonstrava aintenção de continuar adesfrutar os anos que lhefossem dados viver — acabavade completar setenta anos.Dado esse testemunho de um

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estilo de vida tão inocente, oque mais podia fazer omagistrado senão dar overedicto de suicídio? O Sr.Bentley Bobster, de PelhamStreet, tinha tirado a própriavida "num momento dedesequilíbrio mental", frasemuito usada nesses casos, umavez que encobreadequadamente o inexplicável.Quando finalmente veio à luza verdade sobre as últimashoras de vida de Bobster, ficou

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provado o quanto essa frase erarelevante.

Devo esclarecer agora quenão foi graças à polícia queessa verdade foi descoberta,embora ela tenha ficado com ocrédito, na época. Não, ascircunstâncias que envolverama morte de Bobster teriamficado ocultas até hoje sedependesse da polícia. Foiresultado da persistência deum indivíduo extraordinário,que eu estava destinado à

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conhecer alguns dias depois docurioso acontecimento e queiria influenciarprofundamente a minha vida.Refiro-me, naturalmente,àquele gênio da dedução, o Sr.Sherlock Holmes.

Estou escrevendo em outroséculo, nos primeiros anos doséculo XX (no qual, devoconfessar, sinto-me muitomenos à vontade do que noconfortável século de Vitória),mas posso ver Holmes agora,

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irrompendo no escritório deLestrade, na Scotland Yard(naquela época ele erasargento-detetive) paraconvencê-lo de se encarregardo caso. Posso ouvir sua vozvigorosa, repleta de jovemimpetuosidade, implorando aLestrade para ser menosdilatório. Lembro-me da fúriaardente de Holmes quando opresunçoso detetive se recusoua levá-lo a sério.

Bem, tudo isso foi há

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quarenta anos. Quandopergunto a mim mesmo porque os acontecimentos daqueleinverno vivem ainda tão clarosem minha mente, sei que aresposta está nas peças que otempo prega. À medida quediminui nossa expectativa devida, o passado se expande emfólios cada vez maisiluminados: as melhoresexperiências da juventudebrilham com maiorintensidade. A morte de

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Bobster viria a ser o primeirofio de complicada teia para aqual Holmes me atraiu.

Foi seu primeiro caso. Ofato de jamais ter sidoregistrado, começou a meperturbar. Sinto como setivesse negligenciado minharesponsabilidade para com umhomem famoso, que foitambém meu melhor amigo.Afinal, ele não me chamou,certa vez, de seu Boswell? Éverdade que isso foi dito em

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um dos seus momentos degrande irascibilidade.Johnsoniano até certo ponto,mas tenho certeza de que suaintenção foi a de me elogiar.Naquela época eu haviademonstrado considerávelrelutância em me deixarenvolver, mais uma vez, emoutra de suas aventuras (a quecontei em "Um Escândalo naBoêmia") mas tenho certeza deque seu pedido era feito decoração. "Fique onde está,

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doutor", comandou ele, "semmeu Boswell, estou perdido."Como resistir a tal pedido?

Assim, achei que devia maisuma vez desempenhar meupapel de Boswell, relatando oprimeiro caso em que SherlockHolmes e eu nos envolvemos.Começarei com aquela frianoite de dezembro de 1870, anoite da morte de Bobster, quea vantagem do tempo passadome permite reconstruir...

Embora nevasse

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pesadamente, nada poderiaabater a sensação de bem-estardo Sr. Bobster, quando saiu doseu escritório em Mayfair.Trancando a porta da rua,pensava que aquele ano tinhasido especialmente pródigopara a profissão de contador.Naturalmente, isso era umbarómetro do estado daprópria nação. A despeito dealguns problemas incipientescom os irlandeses e o problemaaparentemente insolúvel do

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desemprego, a Inglaterra aindaera o país mais rico do mundo.Essa supremacia forafavorecida pelo colapso total daFrança naquele ano, com suarendição aos prussianos. Agora,nenhuma potência podiadisputar com Londres o títulode capital financeira domundo. Naturalmente, semprehavia os que esbravejavamcontra a injustiça social, entreeles o Sr. Gladstone. No seusegundo ano como primeiro-

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ministro, estava aplicandouma política radical que, paramuitos, ia prejudicar aeconomia e abater o moral doImpério. Mas o Sr. Bobstersabia que, no comércio, amatéria manejada é arealidade, não ideais. Averdade nua e crua era que,para crescer, um país precisade mão-de-obra barata; paramanter baixos os saláriosprecisa ter uma centena oumais de candidatos para cada

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emprego disponível. Planosousados, como o de Gladstone,de tornar compulsório o ensinopara crianças até doze anos,não traziam nenhumbenefício. Não havia futuronesse tipo de tolice e o Sr.Bobster acreditava que aspróprias classes trabalhadorassabiam disso. Não se sentiriamà vontade competindo comseus superiores.

Quando começou a andarna rua apinhada, onde as

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carruagens emparelhavamcom ônibus puxados a cavaloem um fluxo contínuo detráfego, tudo que o rodeavaparecia confirmar suas teorias.Ao longo da calçada de pedra,as vitrines das lojas estavamenfeitadas para o Natal. Nemsinal de um rosto triste. Ovendedor de fósforos ocumprimentou alegremente;uma mulher que oferecialavanda lhe desejou uma noiteagradável. Um jovem e

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animado vendedor de tortasalardeava robustamente aqualidade das mesmas.Satisfeito, o Sr. Bobsteracendeu um charuto, cujoaroma se misturouagradavelmente ao cheiroapetitoso das castanhasassando sobre o carvão quente.Consolou-o a idéia de que nadahavia de errado com a maiorcidade do mundo.

Os amigos às vezesperguntavam ao Sr. Bobster

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porque, com setenta anos, nãohavia ainda se aposentado,para levar uma vida pacata nocampo. Eles simplesmente nãoo conheciam. Gostava da vidana cidade e do hábito deganhar dinheiro. Abandonarisso agora, na certa encurtariasua vida. Além disso,desfrutava o melhor dos doismundos; passava a semana emLondres, onde tinha umpequeno e convenienteapartamento, e nos fins de

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semana, às vezes, ia para suacasa em Norfolk, onde suamulher, nunca de perfeitasaúde, desfrutava o prazer dacompanhia da única filhasolteira. Fins de semanatediosos (terrivelmentetediosos, para ser honesto),para um homem tão mundanoe tão viajado quanto ele. Nissoresidia sua única mágoa, queocasionalmente o entristecia.Perdera o contato com amigosda infância, os colegas da

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escola da sua juventude.Lembrava-se dos rostosanimados (sem dúvida,irreconhecíveis agora), aabundante energia que tinhamentão, e o tempo que haviapassado com um grupo delessob os céus do Oriente. Poisentre suas lembranças maisqueridas estava o ano quepassara no Egito com umgrupo dos seuscontemporâneos, tempos atrás.

Protegido do frio no seu

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sobretudo forrado de pele, ochapéu tipo chaminé sobre assuíças espessas, era fácil sentirsaudades daquela terradourada, da camaradagem queconhecera sob o sol do deserto.Agora que sua barriga estavaflácida e os olhos pareciamcontas no rosto gorducho, erafácil suspirar pela juventudeperdida e seus encantos. Masprocurou se controlar.Saudades eram para os velhos eos fracassados. O

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Sr. Bobster acreditava quetinha ainda muito para viver.O que precisava realmente erade um ótimo jantar.

Tentaria o Escoffier's? Onovo mestre-cuca, um fugitivofrancês da queda de Paris, eraconsiderado um artista. Nessamesma manhã um colegatinha recomendado oEscoffier's sem reservas,mencionando especialmentecervelles en matelote. Os sucosdigestivos do Sr. Bobster

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haviam se produzidoabundantemente durante adescrição daqueles miolostenros de vitela, cozidos emmolho de vinho e depoisesfriados, para serem servidosfirmes e suculentos com molhode manteiga e alho. UmMaçom branco seria o únicoacompanhamento possível,resolveu o Sr. Bobster. Oudeveria ser mais inglêsconservador e preferir oSimpson's? Esse excelente

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restaurante, no Strand,provavelmente serviria umassado de coelho ou outra coisatradicional e, naturalmente,seria seguido do irresistívelPudim do Gabinete, o favoritodo Sr. Disraeli. Pensou emtomar um táxi até o eleganteSt. James Hall, em Piccadilly,onde os bons pratos básicoseram peixe grelhado, codornaassada (quando era tempo decodorna) ou salmão em picles.Pensou também no Pimms, o

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restaurante especializado emcarnes, inaugurado naqueleano perto de St. Paul e que jáera célebre por seus aperitivos.

Distraído com essespensamentos culinários, quasepassou pela Maison Panton'ssem um olhar para a suavitrina. O cardápio estava naporta de vidro e o Sr. Bobsterdisse para si mesmo que seriatolice ir mais longe, quandoaquele esplêndido lugarzinhoestava ali. Sempre fora bem

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tratado naquele restaurante esempre ficara satisfeito. Naverdade, o modo comopreparavam o faisão eranotável. Sabiam exatamentequanto tempo o pássaro deviaficar dependurado e antes decozinhá-lo tinham o cuidadode envolver o peito em bacon erechear com cebolinha. Erammuito minuciosos com asguarnições e nunca deixavamde incluir agrião e bolinhos decarne moída. Se faisão

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constasse do cardápio, ele nãoiria além da Maison Panton's.

Mas o Sr. Bobster estavasendo seguido. Uma figuraestranhamente vestida surgirade um beco e o seguiafurtivamente. O tipo sinistro,envolto em uma capaesvoaçante e o rosto escondidopor um chapéu de abas largas,mantinha-se a certa distânciade Bobster, aparentementecom más intenções. Se Bobsternão estivesse tão preocupado

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com as delícias da mesa,poderia ter ouvido, sobre oruído do tráfego, um somestranho que chamaria suaatenção para a grande figurado homem. Pois a cadamovimento, um balangandãde ouro, preso a uma pulseiratilintava como um sino. Ofaminto contador só pensavano faisão. No instante em queBobster verificou que seu pratoestava no cardápio, outra coisaaconteceu. Sentiu uma dor

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aguda e rápida como se umaagulha tivesse picado sua nuca.Levou a mão ao lugar dapicada. Não viu sinal desangue e, erguendo os ombros,entrou na Maison Panton's,sem perceber que a estranhafigura havia atirado um dardocom uma zarabatana edesaparecido na noite.

Sentado agora norestaurante aquecido,descansado entre os odoresapetitosos, Bobster, enquanto

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esperava ser servido, bebericouum Madeira bastante razoável.O restaurante estava cheio, amaioria casais, mas Bobsternão achava que o prazer daboa comida precisava sernecessariamente realçado poruma companhia. Ao contrário,a cerimônia de jantar fora eramuito melhor apreciadasozinho, sentado na frente datoalha de linho engomada eatenciosamente atendido porgarçons respeitosos. Era nisso

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que Bobster pensava quandoenfiou a ponta do guardanapoentre os botões da camisa e omaitre colocou na sua frenteuma travessa brilhante,levantando a tampa paramostrar o gordo faisão. Bobsterchegou a babar. Armado degarfo e faca, preparava-se paracortar o primeiro pedaçoquando aconteceu uma coisaterrível. O pássaro criou vida!

Saltou da travessa! Gritou ecrocitou! Atacou-o com garras

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afiadas como navalha e com obico agressivo. O pássarodilacerou seu rosto e seu peito,ensangüentando-o em umacarnificina insana. Em vãotentava se proteger, os ataquesdo pássaro não cessavam.Aterrorizado, levantou-se.Agarrou o faisão com suasmãos laceradas e atirou-o nochão. "Meu Deus", ouviu aprópria voz exclamar,deixando-se cair exausto nacadeira. Só então percebeu que

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era o centro das atenções.Fregueses, garçons e até oscozinheiros, vindos da cozinha,olhavam para ele semcompreender. Bobster ficoufurioso. Tinham visto o queacontecera. Acabava de lutarpor sua vida. Mas não havianaqueles olhares nenhumasimpatia, apenas atônitoressentimento. Então percebeuque o faisão estava outra vezna travessa. Examinou aspróprias mãos. Nem um

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arranhão. Sua roupa estava emordem. Tudo perfeitamentenormal. A não ser pelasexpressões das pessoas queolhavam para ele de todos oslados, nada sugeria que algo deanormal tivesse acontecido.Embaraçado e agora assustadotambém, levantou-se e saiu dorestaurante.

Quando chegou em casa, oSr. Bobster havia recuperadoum pouco da calma. Suspeitouter sido vítima de uma

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alucinação. Pensando na cenaque acabava de representar,riu nervosamente. Os freguesesda Maison Panton's, semdúvida, estavam ainda serecobrando do susto, pois osingleses acham difícildesculpar qualquer falta decontrole em público,especialmente na presença dasclasses mais baixas. Os garçons,naturalmente, deviam terconcluído que ele estavabêbado. Começou a se sentir

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um pouco melhor.O nervosismo voltou, ao

notar que os dois vigorososcavalos de pedra sobre ospedestais, um de cada lado daescada, tão familiares para eleque mal os notava, pareciamameaçá- lo. Chegou diante doapartamento e pôs a chave nafechadura. Subitamente, afechadura se transformou emuma boca escancarada, comdentes enormes, pronta paradevorá-lo! Abocanhou sua

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mão! Ele gritou. A bocacomeçou a morder seu braço.Contudo, quando conseguiu selivrar, chocado ao máximo,não viu nenhuma boca,nenhuma mão ensangüentada,apenas um buraco comum defechadura. Não estava ferido.Tudo estava normal.

Suando frio, o Sr. Bobsterentrou no apartamento etrancou a porta. O ambientefamiliar do seu quarto oacalmou. As luminárias presas

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na parede com suportes debronze espalhavam uma luzreconfortante. Até do cabide demogno trabalhado, no qualdependurou o chapéu e osobretudo, fluía a sensação desegurança. Afinal estava asalvo, em casa. Lavou o rostono lavatório e enxugou-o nafrente do espelho. Então, viu ochapéu que deixara no cabidevoar em sua direção e pousarcom precisão em sua cabeça.Era demais! Quem estaria

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fazendo essas estranhasbrincadeiras? Reunindo suasúltimas reservas de controle,voltou para perto do cabide,dependurou o chapéunovamente e, com umdesdenhoso erguer de ombros,deu-lhe as costas. Mas nãoantes que dois dos braços docabide se estendessem e seenrolassem em volta do seucorpo. Num extremo de terror,ele lutou para se libertar, masos tentáculos aumentaram a

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pressão, agora ajudados pormais dois, que apertavam suagarganta com forçaestranguladora. Agora nãopodia nem gritar. Além disso,os suportes das lâmpadas,como braços, juntaram-se aoataque. Cada um seguravauma bola de fogo, que jogarampara o ar. Uma caiu sobre acama, a outra num armário.Foram seguidas de outras elogo havia bolas de fogoaterrissando em toda a parte e

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o apartamento estava envoltoem chamas. Com um esforçosobre-humano, Bobster selibertou. Precisava sair. Mas aporta estava ardendo e a únicasaída era pela janela. O Sr.Bobster saltou, quebrando osvidros e aterrissando nacalçada gelada. Seu corpobateu no chão com um terrívelruído surdo. O Sr. Bobsterestava morto. Depois de secertificar disso, uma figuraencapuzada fugiu, dobrando a

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esquina — acompanhada porum som curioso e plangente desinos.

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Capítulo DoisCOMPLETEI DEZESSEIS ANOS

NAQUELE ANO E ACABAVA DE sairda escola em Carlisle, ao sul dafronteira com a Escócia. Essedesafortunadoestabelecimento, nunca muitobem-dotado, finalmentesucumbira sob uma montanhade dívidas e de anuidades nãopagas. Quando a escola fechou,meu pairesolveu mandar-me para a

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Escola Brompton, em Londres,em South Kensington,recomendada por um amigo.Quem era esse amigo nuncavim à saber, mas posso garantirpor experiência própria quenão era um bom juiz deinstituições acadêmicas.

Minha ambição era seguiros passos do meu pai e sermédico; esperava-se queBrompton me preparasse parao curso de medicina naUniversidade de Londres. O

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fato de ter conseguido meformar, o leitor vai finalmentecompreender, foi mais adespeito dos anos que passeiem Brompton do que devidoaos duvidosos benefícios queme trouxeram. Desde ocomeço, meus estudos foramprejudicados, não apenas pelobaixo padrão dos professorescomo também pela companhiaque escolhi.

Essa última observação façocom certas restrições, porque,

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olhando para trás, vejo que terconhecido Sherlock Holmestão intimamente, como estavadestinado a conhecê-lo, foi umprivilégio excepcional, emboramuitas vezes eu tenha merevoltado contra seu torturanteegocentrismo e egoísmo vulgar.Mas fui para a universidade e,em 1878, recebi o diploma dedoutor em medicina. Tornei-me então cirurgião do exército,designado para o QuintoRegimento de Fuzileiros de

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Northumberland, e depois dosBerkshires, com os quais servina fatal batalha de Maiward(1880), cenário da sangrentaderrota dos ingleses por AyubKhan.

Escrevi sobre isso nasminhas memórias(Reminiscências de JohnWatson, M.D., hoje doDepartamento Médico)publicadas em 1882 sob otítulo "Um Estudo emVermelho". Na obra conto

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como nessa batalha fui feridono ombro poruma bala jazail, que esfacelouo osso e passou raspando pelaartéria subclavicular. Eu teriasem dúvida caído nas mãos dosassassinos ghazis se não fossepela coragem do meuajudante, que jogou-me sobreum cavalo e conseguiu levar-me a salvo até as linhasbritânicas.

Durante meses estive entrea vida e a morte até que

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consegui me recuperar nohospital de Peshawar.Finalmente fui embarcado notransporte de tropas Orontes eum mês mais tarde cheguei aPortsmouth com a saúdeirremediavelmente arruinada.Meus pais estavam mortos e eunão tinha amigos e nemparentes na Inglaterra. Comalguma relutância, resolvi queas perspectivas para ummédico deviam ser melhores,em Londres, cidade que, desde

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os meus dias de colégio, euconsiderava como umapocilga, para a qual todos osdesocupados do Império eramirresistivelmente atraídos.Fiquei alguns meses em umhotel particular no Strand,levando uma existência vazia esem conforto, mantendo-mecom uma pensão inadequada.Mas, naturalmente, tudo isso eos anos seguintes com Holmes,em Baker Street, 221b, sãoáguas passadas. Contudo,

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naquela tristonha tarde dedezembro, quando cheguei aLondres para me instalar noVelho Broms (comochamávamos familiarmenteaquele estabelecimentodestinado à educação dos filhosdas classes profissionais), tudoestava ainda no futuro.

Naqueles dias podia-sedizer, sem faltar com averdade, que eu era ummenino gorducho. Sou ainda oque se pode chamar de

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rotundo, mas a rotundidadeaos sessenta anos dificilmente émotivo de comentários.Favorece até um ar de solidez.Mas para um menino de escolanão é nenhuma vantagem. Euera também de baixa estatura,com cabelos castanhos rebeldesque nenhuma quantidade debrilhantina conseguiadominar. Considero minhaaparência suficientementeimportante para ser citada,porque pode ajudar o leitor a

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compreender minha disposiçãogeral. Pois, a popularidade quenão podia conseguir por meiode dotes físicos, eu criava commeu bom temperamento ecaráter amistoso, além do domde saber apreciar o valor dosoutros.

Confesso também que meuhábito de "lambiscar" nãotinha ajudado minhaaparência física. Desde ainfância, sempre gostei demastigar o tempo todo,

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infantilidade talvez, masinfinitamente tranqüilizadorem momentos de tensão.Lembro-me até mesmo que naminha primeira viagem para oOld Broms comprei de umvendedor ambulante algumaspequenas tortas frescas. Sinto ogosto até hoje, o sabor picanteda noz-moscada e o recheiocremoso de ovos. Sempre gosteidesse tipo de doce, até hoje.(Em Baker Street, nossagovernanta, a Sra. Hudson,

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ocasionalmente fazia algumaspara mim, naturalmente sem oconhecimento de Holmes.)Portanto, o hábito delambiscar contribuiu para ospneus em volta da minhacintura e a impressão de queuso roupas apertadas. Mas foisempre um infalível estímulomoral.

Entretanto, essa não eraminha maior preocupaçãonaquele primeiro dia emLondres. Assustava-me a idéia

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de morar na grande cidade.Desde menino sempre me senticomo um jovem do campo e jásentia a falta das vastasplanícies de Northumberland edo doce perfume dos bosques.Para meu olfato ainda nãocondicionado, Londres fedia aesgotos putrefatos, suor,fuligem de chaminés e estrumede cavalo e erainsuportavelmente barulhenta.Coches, carroças e ônibuspuxados a cavalo (os homens

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na parte de cima, expostos aotempo, as mulheres protegidas,na parte de baixo) disputavamo espaço nas ruas apinhadas detráfego. Olhando pela janela domeu transporte sacolejante eaçoitado pela neve, todo ohorror daquele lugar meatingiu em cheio. Era a maiorcidade do mundo, masessencialmente corrupta.Crianças maltrapilhasencolhiam-se sob marquises depedra, rostos tristonhos,

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maltratados pelo frio.Vendedores de maçãs epãezinhos e outros ambulantesabrigavam-se, fugindo da neve,sob barracas improvisadas,enquanto os privilegiadosdisputavam os carros dealuguel. Aqui e ali, sobreviadutos e pontes, passavamsobre nós máquinasfumacentas com completodesprezo pela condiçãohumana.

Na verdade, nos últimos

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números do Times que meupai me mandava depois de terlido (sempre, eu notava, sem acoluna de óbitos, pela qual,talvez, como médico que era,tinha especial interesse) eutomara conhecimento dosmuitos perigos dá capital e dasua tremenda incidência deacidentes e crimes. As pessoaseram esmagadas por cavalos;saltavam de telhados e caíamem poços naquela cidaderepleta de escavações e

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construções. Eram atropeladaspelas máquinas a vapor eengolidas por fornalhas. DoTâmisa eram recolhidos corposde londrinos, cerca de umacentena por mês, geralmentecom o pescoço cortado!Assassinatos e raptos eram tãocomuns que não sepreocupavam em anotá-losestatisticamente. Havia maisde 36 mil fotografias decriminosos conhecidos nosarquivos da polícia e um

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número maior desconhecidodas autoridades. O roubo e oassalto nas ruas atingiraproporções incríveis e a perdade propriedade era calculadaem mais de um milhão delibras por ano.

As sociedades secretasfloresciam, a maioria delaspara fins ilegais, desdefanáticos anticzaristas, queprocuravam prejudicar osrefugiados russosmiseravelmente instalados nos

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bairros pobres do East End, atéas irmandades de fumadores deópio de Chinatown. Eu havialido que, nas partes maispobres e nos becos imundos docais do porto, bêbados emulheres desclassificadaslutavam a fim de conseguiralimento para os filhosfamintos; e se havia algumaluz nas suas habitaçõescoletivas super povoadas, estaprovinha dos mais baratoslampiões de óleo de baleia, cuja

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chama tremeluzia naescuridão abafada. Na maior emais rica cidade do mundo,dos seus quatro milhões dehabitantes menos da metadetinha emprego legítimo eestável. Mesmo com todo oorgulho que eu sentia peloImpério não poderia deixar depensar, às vezes, que as classestrabalhadoras daquela cidadetraiçoeira e violenta pagavamum preço terrível pela glória epela riqueza que o país havia

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adquirido. Apesar de tudo isso,nada podia ter me preparadopara a aventura que meesperava e nem para oextraordinário indivíduo quemudaria a minha vida.

Minha carruagem parou aolado de uma passagem em arcoque formava a entrada docolégio. Abrigava a casa doporteiro e conduzia a umquadrado coberto de neve. Asolene antiguidade do lugaraumentou minha impressão de

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presságios. Tentei afastá-laenquanto o cocheirodescarregava minha bagagem.Afinal, era só uma escola.Ainda assim, eu conhecia umaparte de sua história cheia dealtos e baixos. Um planta-geneta (Henrique VI) fizeraconstruir o primeiro prédiopara uma escola de criançasdesprivilegiadas. Seu sucessofez com que fosse usurpadapela nobreza e durante umséculo seus filhos estudaram

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nela. Cromwell mandou fechá-la devido a rumores dedegeneração. As adições àestrutura original refletiamseus usos subseqüentes. Forausada como hospital paraagonizantes, quartel militar eprisão para devedores. Nocomeço do século XIX algumasfamílias católicas, devido aopreconceito dosestabelecimentos protestantes,reuniram-se para formar aescola que existe hoje, dando-

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lhe o nome que tem por ficarperto de Bromptom Road e dofamoso Oratório.Naturalmente não podia sercomparada com Eton ouHarrow, ou mesmo comWinchester, em prestígio, mashavia enviado sua quotasignificativa de jovens para amorte ou para a mutilação dasguerras punitivas do Império.Produzira também umcardeal, vários parlamentares erecrutas da Companhia das

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índias Orientais, bem comoum general e um missionáriosuper dedicado que os nativosda Nova Guiné cozinharam ecomeram! Talvez, pensava euironicamente, acompanhandoo carregador, este último fatofosse a base da estima que meupai tinha pela escola: uma vidainteira de prática da medicinafizera dele um agnóstico!

Acompanhei o carregadoratravessando o imensovestíbulo, no qual uma lareira

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enorme, repleta de toros demadeira, não estava aindaacesa. Telas com moldurastrabalhadas, representandobatalhas muito antigas,empalideciam sob uma patinade fuligem. Espelhosenfumaçados no ar frio,colocados muito alto nasparedes, refletiam somente unsaos outros. Armários comportas de vidro estavamagressivamente repletos detroféus esportivos e armas. A

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cabeça tristonha de um gamoparecia meditar sob umagaleria. Ao lado de armadurasmedievais, uma mostra deornatos tribais, roubados naÁfrica, parecia extremamentedeslocada.

Subimos os três lances daescada de pedra e chegamos aum corredor em cujas paredespendiam placascomemorativas dos quehaviam perecido em váriosséculos de guerras. Um letreiro

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nos conduziu ao dormitórioWellington, em honra doduque do mesmo nome. Eraum salão longo, de teto baixo,cujo formato retangular e vigasde madeira sugeriam que deviaser a parte mais antiga doprédio. Seu interiorconfirmava essa sugestão. Naverdade, acho que até mesmoaquele popular romancista, ofalecido Sr. Charles Dickens(que falecera naquele mês dejunho) não poderia ter

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idealizado um dormitórioescolar mais espartano. Dosdois lados havia fileiras decamas a pouca distância umasdas outras. Ao lado de cadauma, uma cadeira e uma mesapequena e o efeito era dedeprimente uniformidade.Vários alunos estavampresentes, todos com ternopreto igual e camisa brancacom colarinho de ponta virada.Alguns estudavam, outrosconversavam, mas nenhum

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deles estava suficientementeocupado para deixar de meexaminar com atenção.Encontrei minha cama esentei-me nela. Sentia-meextremamente abatido. Todosme pareciam desinteressantes.

Continuaram a me observarenquanto desfiz as malas, masfingi não perceber. Isso foifacilitado pelo fato da minhaatenção ter sido atraída peloestado caótico da cama e damesa ao lado da minha. Cada

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centímetro estava tomado poruma extraordinária variedadede objetos. Havia vários frascosde cristal, um bico de Bunsen,alguns recortes de jornais comas pontas dobradas, ummicroscópio, acessórios paramaquilagem e disfarce, umapilha de folhas de música emuitos livros, a maioria sobremistérios e crimes. Fiqueisatisfeito ao notar que ashistórias de Edgar Allan Poeestavam entre eles, porque nas

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férias escolares eu passarahoras agradáveis escrevendoum ensaio sobre a vida e a obradesse fascinante escritor. Fossequem fosse o ocupante daqueleespaço, sem dúvida tinhainteresses vastos e variados,incluindo, ao que parecia, apossibilidade de voar, pois naparede ele havia colocadoreproduções dos desenhos queDa Vinci fez da sua máquinavoadora.

Eu examinava aquela

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intrigante desordem quandopercebi que alguém estavatocando violino. Eu digotocando violino, mas aexpressão é excessivamenteelogiosa. Quem quer queestivesse passando crina decavalo nas cordas de categuteproduzia um somensurdecedor. Voltei-me àprocura da origem daquelaabominação. Sentado na frentede um atril, não muitodistante, estava um rapaz que

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devia ser um ano mais velhodo que eu. Lutava com oinstrumento como se esteestivesse procurandoestrangulá-lo. Sua aparênciame impressionou. Os olhoseram vivos e penetrantes, onariz fino e recurvado. Essestraços emprestavam à suaexpressão um ar de vivacidadee decisão. O queixo tinha aproeminência e a formaquadrada características dohomem de distinção. Notei que

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suas mãos estavam manchadasde tinta e de outros produtosquímicos, mas possuíam umadelicadeza muito maior do quedemonstrava sua poucahabilidade com o violino. Tudonele sugeria certa displicência.Uma camisa de seda branca,desabotoada do pescoço até acintura, usada fora da calçaesporte listrada de negro,emprestava um ar byroniano àsua aparência. A impressãogeral era de energia inquieta

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de corpo e de espírito.Levantou-se de um saltobrusco e com um gesto deextrema impaciência abriuuma das janelas; pareciadisposto a jogar o violino porela.

— Pare! — exclamei.Ele ficou imóvel e só então

notou minha presença.Apontei para o violino.

— Não é valioso?Seus olhos me desafiaram.— O que é mais

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importante, o violino ouminha sanidade mental? —perguntou irritado. E, sem medar tempo para responder: —Eu já devia ter aprendido atocar esta coisa maldita.

— Há quanto tempo estáaprendendo?

— Três dias.Isso me divertiu.— Bem, talvez deva ser

paciente.— Paciência é perda de

tempo — respondeu ele

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bruscamente. Depois, commais calma: — Mas talvez vocêtenha razão. — Suspirou. —Minha mãe teria ficadozangada. Ela me deu o violinocomo presente de aniversário.— Pôs o instrumento sobre amesa. Notei que era muitomagro e alto, mais de 1,80m,embora a magreza excessiva ofizesse parecer mais alto.Então, seu rosto se iluminoumaravilhosamente. — Você é onovo aluno — disse.

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Estendi a mão.— Sou transferido de outra

escola. Meu nome é...Ele me interrompeu.— Espere, vou dizer.Fiquei intrigado. Começou

a me observar atentamente.Senti-me embaraçado. Aqueleexame parecia emitir umaforça invisível. Era forte epenetrante. Satisfeito com seusesforços, começou a falar:

— Seu nome é JamesWatson. É do norte da

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Inglaterra. Seu pai é médico.Você passa grande parte do seutempo livre escrevendo. E temuma predileção especial portortas com creme. Estou certo?

Naturalmente fiqueiatônito, além de um poucoressentido pelo fato de umcompleto estranho meconhecer tão intimamente.Um tanto bruscamente, eudisse:

— Meu nome não é James.É John. — Mas minha voz

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parecia um lamento.— James... John... Qual a

diferença? — disse ele, irritado.— É uma grande diferença

— respondi, com alguma força!— Muito bem — concordou

ele. — Seu nome é John. —Mas, evidentemente, estavaansioso para saber se haviaacertado o resto.

Não consegui esconder aadmiração.

— Acertou em tudo o mais.— Estava morrendo de

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vontade de saber comoconseguia aquilo. — É algumtipo de mágica?

Ele sorriu benevolamente.— Nada de mágica,

Watson. Dedução pura esimples. Em primeiro lugar,por favor, observe a etiqueta noseu colchão. Diz "J. Watson".Escolhi um nome comumcomeçado com J. Emboratenha escolhido James, minhasegunda opção teria sido John.

— Naturalmente. — Acho

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que eu parecia um tanto emdúvida, mas ele continuou ame espantar.

— Esse tipo de sapato queestá usando não é comum nascidades — disse ele. — Sãosapatos de homens do campo,que lembro-me de ter vistoquando fiz uma breve visita aonorte. O dedo médio da suamão esquerda tem um calo.Sempre a marca registrada deum escritor. E você tirou damala a Hunter's Encyclopedia

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of Disease.— E daí?— Bem, não é uma obra de

referência acessível ao públicoem geral. Entretanto, éencontrada nas bibliotecas dasescolas de medicina e damaioria dos médicos. Uma vezque alguém com sua idade nãopoderia ter freqüentado aescola de medicina, devia serum dos livros de uma pessoamuito chegada a você, umapessoa que se preocupa com a

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sua saúde, tão longe de casa.Alguém muito querido paralhe emprestar esse livro. Seupai. Médico?

— Sim — confirmei. — E astortas de creme?

— Simples. Há uma nódoaamarela típica em sua lapela.Exatamente da cor do cremeque usam nas tortas daqui dosul da Inglaterra. Além disso,seu físico me diz que devecomer tortas com muitafreqüência.

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—Não precisa ser grosseiro— repliquei secamente, mas oressentimento que comecei asentir com aquele insultogratuito (pois era assim que euconsiderava sua observação) foiinterrompido pelo sino daescola.

— Vamos, não temos o diatodo — disse ele, apanhandoum livro que estava sobre amesa e fazendo sinal para queeu o seguisse.

— Aonde vai?

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— Aula de Química,naturalmente. É claro que nãovai querer perder essa aula.

Eu poderia ter observadoque acabava de chegar, mas oentusiasmo dele eracontagiante.

— A propósito — eu dissequando saíamos do dormitório— qual é o seu nome?

— Holmes — disse ele. —Sherlock Holmes.

Atravessamos oquadrilátero medieval que

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dava para oque pareciam passagensclandestinas para claustros eescadas de pedra. Lâmpadas degás brilhavam atrás dos vitraisdas janelas, antecipando oocaso de inverno. Um cenáriorepleto de fantasmas dosséculos. Quantos jovens, pensei,devem ter atravessado estepátio antes de mim, unsdestinados à liderança, outrosfadados ao fracasso, a maioriacom vidas comuns não tocadas

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pela grandeza e nem pelodesespero insuportável. Nocentro erguia-se a estátua dofundador da escola, aquelepiedoso monarca que haviamorrido na Torre. Sob suaefígie estava um grupo derapazes batendo os pés na nevesob o frio intenso, seus hálitosquase sólidos no ar gelado.

Mas meu novocompanheiro pareciainsensível ao frio. Enquantoatravessávamos o pátio coberto

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de neve, ele fazia uma preleçãosobre dedução.

— A mente dedutiva nuncadescansa, Watson — dizia ele.— É muito parecida com uminstrumento perfeitamenteafinado. Exige atenção eprática constantes.

— E como é que se afina amente com perfeição? — Achoque minha voz tinha umpouco de complacência.

— Com equaçõesmatemáticas, problemas de

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lógica, adivinhações. Porexemplo, você está em umasala com vista para o sul. Umurso passa lá fora, perto dajanela. De que cor é o urso?

— Vermelho — respondi,considerando a perguntaridícula. — O urso é vermelho.

Holmes olhou-me comdesprezo.

— E por que cargas-d'águao urso seria vermelho?

— Porque o sol do sul estábrilhando intensamente e o

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urso reflete sua cor.Agora a expressão dele era

de incredulidade.— Para dizer a verdade, é a

resposta mais absurda que jáouvi. Quem falou em sol dosul? Eu disse, uma paisagem dosul.

— Ah!— Você precisa pensar,

Watson. Não se apresse.Examine a pergunta. Estude-apeça por peça. — Balançou acabeça com desânimo. —

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Vermelho! — repetiu comincredulidade.

Eu me senti muito pequeno,Batemos com os pés no chão

antes de entrar na sala dequímica. O professor, Sr.Snelgrove, me apavorou, pois,se seu desempenhorepresentava o padrão didáticode Brorhpton, minha educaçãoseria notável pelamediocridade. O homem erasenil: seu rosto parecia umaameixa seca. Tinha o hábito de

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parar no meio de uma frase eficar olhando para o ar, depoisdo que parecia umaeternidade, repetia a últimapalavra que dissera, não uma,mas várias vezes. "Combinandoas doses certas de potássio desódio... (longa pausa)... sódio,sim, sódio, poderão completara experiência... experiência...experiência", e assim pordiante. Às vezes mergulhavanum vazio tão completo que sóo barulhento pigarrear dos

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alunos o trazia de volta àrealidade.

— Que coisa mais semgraça — ouvi Holmes dizerquando o velho pegou commãos trêmulas um tubo cheiode cristais. Despejou-os em umfrasco contendo um líquidoclaro, que tomou a cor laranjaintensa. Devíamos repetir aexperiência que ele acabava dedemonstrar, mas Holmes nãose deu ao trabalho,contentando-se em observar o

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que eu fazia. Nesse momento,ouvimos uma batida discretana janela ao nosso lado. Umajovem enfiou um bilhete napequena abertura sob o vidro eHolmes o apanhourapidamente. Percebi o olharamoroso que trocaram eespantei-me por ver umamoça, além do mais,extremamente bela, dentro daescola que, eu acreditava, eraum estabelecimento só parahomens. Ingenuamente, eu

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disse:— Holmes, era uma moça!— Brilhante dedução —

respondeu ele. Mereci osarcasmo. Holmes desdobrou obilhete.

— Mas quem é ela? —perguntei. — O que estáfazendo em uma escolamasculina?

— Ela mora aqui —respondeu Holmes. — Chama-se Elizabeth. Seus paismorreram há três anos num

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trágico acidente em Filadélfia.Elizabeth veio então morarcom o tio, o ProfessorWaxflatter, que lecionavaaqui. Quando ele se aposentou,os diretores da escolapermitiram que continuassemorando no seu apartamento.O professor é o guardião deElizabeth.

Holmes leu o bilhete e deuuma risadinha satisfeita.Então, estendeu-me o pedaçode papel. Era uma espécie de

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poema.— O que acha? —

perguntou. Li a poesia:Dois cérebros se fundem em

um sóOnde as folhas do

conhecimento estão guardadasPerto dos homens de

palavras dançantesQuando o relógio forma um

L perfeito.— Bobagem — eu disse.— Ao contrário, Watson, é

uma mensagem muito

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inteligente.Explicou o significado do

bilhete.— Elizabeth está dizendo

que gostaria de estudar comigoou, como diz a poesia, quer quenossas mentes se confundamnuma só. Quer se encontrarcomigo na biblioteca, "onde asfolhas do conhecimento sãoguardadas". Livros, meu caroWatson, são as folhas doconhecimento. Quer seencontrar comigo na

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biblioteca, "perto dos homensdas palavras dançantes". Querdizer, naturalmente, a seção depoesia da biblioteca.Exatamente às três horas.

— Quando o relógio formaum L perfeito — interrompi.

— Muito bom, Watson —observou ele.

Mas para mim era um meiode comunicação pretensiosodemais. Holmes, porém,parecia muito feliz por ela tertido tanto trabalho.

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Afinal, terminei aexperiência. Meu frascocontinha agora um líquido corde laranja.

— Bravo — disse Holmes,dando-me indulgentespancadinhas nas costas — masisso é só o começo.

Então, com a velocidade daluz, ele apanhou o frasco,ergueu-o e piscou um olhopara mim.

— Agora, um pouco dediversão — disse Holmes,

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misturando outras substânciasno frasco.

O resultado foi espetacular.A mistura borbulhou e ferveu.Fagulhas saltaram do frasco,transformando-se em bolasluminosas. Um verdadeiroespetáculo pirotécnico até que,em um final maravilhoso, agrande explosão cor de laranjailuminou todo o laboratório.Os alunos aplaudiram. MasSnelgrove ficou extremamenteperturbado. O vaidoso velho

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pedante jamais perdoaria aHolmes aquela exibiçãoimpertinente.

— Fazemos uma boa dupla,Watson — disse meucompanheiro. Eu estavadisposto a me aquecer no calorda sua glória. — Vamos chegaratrasados na biblioteca.

Realmente chegamosatrasados, mas unicamente porculpa de Holmes. Insistiu emparar para comprar o jornal,depois outra parada na

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farmácia, onde comprou umvidro de xarope para a tosse doqual tomou um grande gole,ali mesmo. Então disse queconhecia um atalho que nospouparia tempo. O atalho erauma passagem na área onde osincineradores da escoladespejavam o lixo. O calor dosincineradores haviatransformado a neve numlamaçal e a travessia foi árdua.Holmes culpou-me pelo atrasoe quando chegamos à

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biblioteca foi diretamente paraa seção de poesia. Notei seuprazer ao verificar queElizabeth permanecia à suaespera e a expressão oposta aoperceber que não estavasozinha. Conversava com umjovem que, evidentemente,procurava impressioná-la.Naturalmente, pensei, tantabeleza deve provocar esse tipode reação em muitos deles.Vivendo entre tantosadolescentes masculinos, devia

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estar acostumada com isso!Mas Holmes não reagiu dessemodo. Sua atitude foi dehostilidade para com o belorapaz, cuja aparência indicavaser filho de pais ricos. Maistarde, vim a saber que Holmese aquele jovem, que sechamava Dudley, eraminimigos mortais.

Dudley mostrava aElizabeth um relógio de bolsode ouro, do qual parecia muitoorgulhoso. Sem dúvida queria

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que ela o admirasse.— Elizabeth estava

admirando meu relógio —disse ele, voltando-se paraHolmes, que segurou o objetoem questão e examinou-ocuidadosamente. — Oscavalheiros elegantes estãousando esse tipo de relógio —completou Dudley, comafetação.

— Caro?— Foi comprado em uma

joalheria londrina muito

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exclusiva.Holmes pareceu duvidar.— Acho isso pouco

provável. Dudley se irritou:— O que foi que disse?— Se tivesse examinado seu

relógio de bolso com cuidado— disse Holmes, com extremacondescendência — teriadescoberto que seu estilo éoriental. O mostrador é suíço,eu garanto. — Sacudiu o objetocomo se esperasse que algochocalhasse dentro dele. — O

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mecanismo é italiano. Umacompleta mistura. Seuelegante relógio é uma fraude.

Holmes não podia ter acesoum pavio mais explosivo.Dudley arrancou o relógio dasmãos dele.

— Guarde suas opiniõespara você mesmo, Holmes —disse com voz sibilante. Fezuma mesura para Elizabeth.Depois, beijou a mão dela,dizendo: — Esperoansiosamente a oportunidade

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de continuar nossa conversa.— Voltou-se acintosamentepara Holmes. — Emcircunstâncias de maiorprivacidade.

— Cretino vaidoso —resmungou Holmes, quandoDudley se afastou.

— Ele é bonzinho —insistiu Elizabeth.

— Por isso permite que ele anamore?

— Será que estoupercebendo algum ciúme?

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Ele negou vigorosamente.— Sherlock Holmes com

ciúmes! A palavra não existeno meu vocabulário.

—Nem tampoucopontualidade, ao que parece —replicou Elizabeth.

— Ah, compreendo. Ficouzangada porque me atrasei.Bem, desculpe, mas possoexplicar. Você compreende,quando saímos da aula deQuímica...

— Espere, Holmes. Deixe

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que eu explico. — Ela queria,fazer o jogo de dedução deHolmes. — Depois da aula deQuímica, você correu até abanca de jornais para compraro Times. Depois, foirapidamente até a farmácia, afim de comprar seu remédiopara a tosse. Quando viu queestava atrasado, tomou oatalho.

— Muito bom — disseHolmes.

— Na verdade, muito

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simples — disse Elizabeth. —As pontas dos seus dedos estãomanchadas de tinta de jornal.Seu hálito cheira a xarope,açúcar e codeína. E seussapatos estão cheios de lama. Aúnica passagem com lama,durante o inverno, é perto dosincineradores.

— Eu ensinei você muitobem — disse Holmes.

— Eu ensinei você muitobem — respondeu ela.Beijaram-se ternamente e

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achei que devia deixá-lossozinhos. Além disso, estavaansioso para explorar abiblioteca.

O cheiro de mofo sugeriaque nos seus escuros recessosdormitavam livros que nãoeram lidos há anos. Fui até aseção de História. Parei naparte E-H e vi um volume deHeródoto, com umaencadernação tão rica e antigaque tive vontade de apanhá-lo.Mas estava alto demais.

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Subi os poucos degraus alicolocados para esse fim e estavaquase apanhando o livro,quando meus ouvidosperceberam um som tilintante.Vinha da outra escada demadeira, no lado oposto daestante. Quando retirei oHeródoto, percebi que a pessoaque havia produzido o som iatirar outro livro, na mesmaposição daquele que euacabava de apanhar. Pelaabertura eu poderia ver quem

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era, mas isso não aconteceu.Sempre desastrado com

degraus, escorreguei e caí,aterrissando entre uma chuvade livros, incluindo oHeródoto. Pam! Na confusão, otocador de sinos fugiu.

Elizabeth e Holmes foramme socorrer. Ajudaram-me aficar de pé.

— Elizabeth — disseHolmes — quero que conheçameu novo amigo, o honrado,mas desajeitado Watson.

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Naturalmente achei que omomento não era próprio parauma apresentação, muitomenos com aquelas palavras,mas me controlei. Elizabethpercebeu meu embaraço eprocurou me deixar à vontade.A sinceridade nos belos olhosfoi um bálsamo para minhadignidade ofendida. Euacabava de fazer outraamizade. E havia me esquecidocompletamente do Heródoto.

Quando, já recuperado,

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juntei-me aos meuscompanheiros para um passeiono pátio, senti-me muito bemcom eles, pois, embora orelacionamento entre Holmese Elizabeth fosse especial, erade tal natureza que não meexcluía. Sua graça e seu porteeram dons bastante raros.Lembrei-me de Holmes ter-mecontado sua história trágica epensei que aquela maturidadeprecoce devia ser resultado dosofrimento. Perdas como a que

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ela havia sofrido formam nossocaráter ou nos arrasam: nocaso de Elizabeth, dera-lheuma compreensão muito alémda sua idade.

Minhas reflexões foraminterrompidas por uma vozque chamava: "Holmes,Elizabeth!" Olhamos nadireção de onde vinha ochamado. Sobre um telhado,uma figura de aparênciaextraordinária acenava paranós. Vendo o cabelo branco, a

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barba vasta e grisalha, calculeique devia ter uns setenta anos,mas a agilidade dos gestosdesmentia a idade. Estavaexcentricamente vestidotambém, comum pulôverbrilhante e calções até osjoelhos, seguros porsuspensórios. Sobre a cabeleiradespenteada, um boné detweed de estilo muito original,em um ângulo insano, caídosobre um dos olhos. Era afigura mais estranha que meus

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olhos já tinham visto.— Acho que resolvi todos os

problemas, Holmes — gritouele, saindo rapidamente dotelhado e desaparecendo.

— Quem é ele? —perguntei, atônito.

— Meu tio — disseElizabeth. Holmes completou:

— Rupert T. Waxflatter,professor de ciências, agoraaposentado. Tem diplomas dequímica e biologia, profundosconhecimentos de filosofia,

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matemática e física, escreveunada menos do que vinte e setelivros didáticos.

— Espantoso.— E a maioria das pessoas

pensa que ele é um lunático —acrescentou Elizabeth.

— Por quê? — perguntei,por delicadeza, pois para mimele era tão louco quanto ochapeleiro de Alice. O queaconteceu a seguir confirmouessa opinião. O velho arrastavapor uma rampa um estranho

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aparelho mecânico equipadocom asas transparentes.Parecia um inseto monstruoso,mas, depois de um momento,compreendi que era umamáquina voadora. Lembravaos desenhos da máquinavoadora encontrados nosfamosos livros de notas deLeonardo da Vinci. O professoramarrou em volta do corpo ascorreias da máquina, puxouuma alavanca na rampa eatirou-se no ar. A engenhoca

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voou!Na direção, o velho

pedalava furiosamente. Mas,depois de alguns momentos, asasas começaram a murchar e amáquina a descer. O vôoadquiriu um padrão perigoso erodopiante. Era evidente que iacair. Foi o que aconteceu, todoo aparelho se desintegrandoentre as árvores, atirando oprofessor para o berço degalhos desfolhados de umadelas.

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Corremos para a cena dodesastre. A árvore salvara oprofessor, mas a máquinaestava em pedaços. Nessemomento, um estranhoapareceu, saindo de uma dasmisteriosas passagens doedifício. Era uma pessoa deidade, mal vestida, com abarba por fazer e olhosnervosos e evasivos. Olhouchocado para o desastre edesapareceu tão depressaquanto tinha surgido.

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Enquanto isso, tínhamosalcançado Waxflatter e oajudávamos a se livrar dosgalhos. Estava ileso. Só pareciapreocupado com a máquina:

— Essa é a sexta —resmungou ele. — Seistentativas fracassadas.

Recolhemos os pedaços ecom esforço subimos os várioslanços da escada que levava àcasa do professor.

A casa era um enormesótão, que ele transformara

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numa espécie de laboratório.Parecia mais um depósito delixo científico, uma cornucópiade idéias semi-realizadas,embora uma delas pelo menos,um imenso cronômetro debronze, estivesse funcionando.Quase me matou de susto! Portoda a parte livros abertos paraconsulta, mapas do mundo edos céus e modelos emdiferentes estágios de evoluçãoda máquina queacabava de se desmantelar. O

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aposento, misto de oficina emoradia, refletia uma mentecuriosa e um coração inquieto.Embora apinhado de papéis ede livros, não eraclaustrofóbico, porque tinhajanelas a toda a volta com umamaravilhosa vista panorâmicade Londres. De uma delas vipela primeira vez o Palácio deWestminster e o Big Ben.

— Moro aqui com meu tio— informou Elizabeth, comose fosse a coisa mais natural do

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mundo. — Quando ele seaposentou, a escola permitiuque continuasse morandoneste sótão. Queriam quecontinuasse o seu trabalho.

— Naturalmente —declarei com pouca convicção,porque me parecia que o velhomaluco nunca terminava coisaalguma. O sótão era um museudo que poderia ter sido. MasHolmes estava entusiasmado:

— Passei muitas horasfelizes aqui — disse ele. — O

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professor me ensinou mais doque dez mestres juntos.

Percebi então que havia umcachorro presente, um terrierJack Russel, de diminutaestatura e muita vitalidade.Estava lambendo meutornozelo.

— Diga alô ao Watson,Uncas — disse Elizabeth.

Uncas obedeceu e encorajeisuas atenções, dando-lhe umabala que havia compradonaquela manhã na estação de

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Euston. Lembrei-me que issofora apenas há algumas horas,mas parecia uma eternidade.Ali estava eu, no meu primeirodia na nova escola, nacompanhia de Holmes,Elizabeth, um adorávelcãozinho e um inventormaluco!

O velho estava remexendopartes da máquinadesintegrada, examinandocada uma delas com uma lentede aumento. Procurava

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defeitos.— Encontrou a parte fraca,

senhor? — perguntou Holmes,respeitosamente.

— Oh, fiz a bobagem deconstruir as asas com materialinferior. Precisam serreforçadas. Terei de reconstruirtoda a máquina.

— Toda a máquina? Nãovai ser difícil?

Waxflatter ergueu osombros:

— Elementar, meu caro

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Holmes — respondeu. —Elementar.

Uma frase que eu ouviriamuitas e muitas vezes, duranteos anos seguintes. A julgarpelos sorrisos de Holmes eElizabeth, eles também atinham ouvido antes. Não erapossível deixar de serindulgente: o velho tinha umespírito indomável.

Mas, naquele momento, aporta do sótão foi abertaruidosamente. Emoldurado

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pelo batente estava omisterioso estranho queaparecera brevemente nopátio, há pouco. Tinha umjornal na mão. O efeito sobre oprofessor foi traumático.

Ficou muito pálido.Prendendo Uncas em umacorreia, disse para Elizabeth:

— Precisam me desculpar.Por que não leva Uncas paradar um passeio?

Elizabeth segurou a correia.Com pressa nervosa, o velho

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nos fez sair. Quando passamospela porta, vi Holmes olhandopara o jornal do homemmisterioso. Um item sedestacava, por estar dentro deum círculo feito a lápis. Dizia:"Contador Londrino, BentleyBobster, Comete Suicídio."Ouvimos a porta ser trancadaquando saímos.

Intrigados e em silêncio,voltamos para o pátio.Nenhum de nós queria arriscaruma teoria. A mente de

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Holmes trabalhavafuriosamente. Suaconcentração era como umaforça tangível. Mas eu nãoestava disposto a interrogá-loprematuramente. Para serfranco, tudo o que eu queriaera uma boa noite de sono.Fora um dia memorável.

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Capítulo TrêsACORDEI NA MANHÃ SEGUINTE

CONVENCIDO DE QUE TINHA A

resposta. Não a identidade dovisitante inesperado deWaxflatter, mas daadivinhação que Holmes mehavia proposto. Naquela época,Holmes levantava-se cedo,uma característica que nãomanteve durante toda a suavida, portanto corri para oginásio a fim de informá-lo.

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— Descobri, Holmes — eudisse, ofegante.

— Descobri o que, amigovelho? — Não estava nadareceptivo.

— A solução daadivinhação, Holmes. O urso épreto. Isso o irritou:

— Errado outra vez,Watson. O urso não é preto. Egostaria que não meperturbasse quando estoutentando me concentrar naaula de esgrima.

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O ginásio era o grande salãodo prédio e datava do séculoXV. O teto muito alto eracoberto por grotescos entalhesno carvalho que, com asjanelas altas e decoradas e alareira central enorme,falavam de um rico passado.Tinha duzentos anos quandoHenrique VIII o visitou, numafesta "com muitamagnificência", como hóspedede um duque muito influente.Cem anos mais tarde, a Rainha

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Elizabeth esteve naquelemesmo lugar para umaentrevista amorosa com o beloconde de Essex.

Todos os alunos estavam noginásio naquela manhã e, comexceção de Holmes e eu,treinavam esgrimadesordenadamente. Nãoprecisei de muito tempo paranotar que o padrão geral dedestreza nada tinha deexcepcional. O que meimpressionou foi o instrutor,

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William Rathe. Ágil commovimentos de pantera,evidentemente com ótimopreparo físico e quase doismetros de altura, dominava ocenário. Quando demonstravaum movimento era impossívelnão admirar sua flexibilidade,a coordenação de todo o corpo.Tinha a pele firme ebronzeada, como se tivesseficado exposto ao sol do sul ouao ar da montanha. O cabelocastanho, olhos escuros e

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maçãs do rosto salientessugeriam origemmediterrânea, italiana talvez,mas se tivesse de dar umaopinião, eu o colocaria maispara o sul. Calculei que deviater uns quarenta anos. Holmesobservava esse homeminteressante com grandeatenção.

Rathe praticava com umaluno que obviamente nãotinha confiança no que fazia esentia-se que o instrutor

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gostaria de um parceiro maisinspirado. Como era de seesperar, o jovem, com ummovimento descuidado,perdeu o equilíbrio e caiudesajeitadamente no chão depedra. A dor que demonstravaestar sentindo sugeria torçãodo tornozelo. Rathe ajudou-o ase levantar e levou-o até agovernanta da escola, queimediatamente começou aexaminar o tornozelo luxado.A Sra. Dribb era uma figura

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maternal, tudo o que qualquerescola poderia desejar parauma governanta. Usavauniforme de enfermeira, tinhao corpo forte e cheio. O cabeloestava preso em coque e suaexpressão era bondosa. Rathevoltou para a classe de esgrima.

— Lembrem-se, cavalheiros— começou ele — nãopodemos permitir lapsos deconcentração. Devemosaperfeiçoar a técnica, o ritmo eo equilíbrio.

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— Sim, Sr. Rathe —disseram os alunos, emuníssono.

— Acho que não há melhoraluno para me ajudar nademonstração da forma e datécnica corretas — disse ele,estalando os dedos na direçãode Holmes — do que o jovemSr. Sherlock Holmes.

Holmes levantou-se de umsalto, colocou a máscara e foipara o centro do salão. Olheipara Dudley. Sua reação foi de

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intensa inveja.— Observem nossa posição,

nossos movimentos, nossoestilo — continuou Rathe.Então, abaixou a máscara etrocou com Holmes a saudaçãoritual dos cavaleiros. Depois,cruzaram os floretes.

— En garde!Ao contrário do primeiro,

esse duelo era bastanteinspirado. A despeito dadiferença de idade, Rathe eHolmes se equiparavam, pois,

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qualquer vantagem deexperiência e técnica que oprofessor pudesse ter eracompensada pela energiajovem e pela inventividade deHolmes. Até a Sra. Dribbergueu os olhos das atadurasque estava pondo no tornozelodo aluno. O confronto estavaacalorado, mais competitivo evivo do que devia ser umademonstração. Todos os olhosestavam nos dois homens, cadaum deles decidido a superar o

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outro. Todos se entusiasmavamcom o esplêndido espetáculo,exceto Dudley, que nãoconseguia disfarçar a inveja.Então, Holmes deu umaestocada súbita, Rathedefendeu e Holmes escorregou,enquanto o florete voava dasua mão. Rápido como umrelâmpago, Rathe encostou aponta do florete na garganta deHolmes.

— Touché! O jogo é meu! —exclamou ele.

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Os dois retiraram asmáscaras, Holmes ofegante,Rathe completamentedescansado. Apertaram-se asmãos.

— Holmes perdeu devido aum importante fator — disseRathe para a classe. — Suasemoções o dominaram. Eleignorou a disciplina. —Voltou-se para Holmes,enfatizando esse ponto. —Nunca permita que adisciplina seja substituída pela

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emoção. — Depois, despenteouo cabelo de Holmes, com umgesto amistoso. — Belademonstração, Holmes.

Estive ocupado no restodaquele dia, inscrevendo-menos cursos que ia fazer nos doisanos que passaria emBrompton. Procuraria meconcentrar em matérias queme preparassem para afaculdade de medicina, pois,como já disse, queria sermédico. Assim, quase não vi

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Holmes até nos encontrarmosno refeitório, onde os alunos sereuniam à luz de velas. NaMesa Alta estava todo o corpodocente. Como grupo, osprofessores eramdesanimadores. As idadesavançadas e os rostoscarrancudos mostravam que osanos passados naquelainstituição lhes haviamroubado até a última partículade bom humor. Escolas comoBrompton, pensei, são ilhas.

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Isoladas da força propulsora dacondição humana. Aliestávamos, no centro da maiorcidade do mundo, mas eracomo se estivéssemos na lua.Completamente isolados darealidade. A sabedoria, sempreme pareceu, não é meraconcomitância da passagem dotempo, como sem dúvidaacreditavam todos aquelesacadêmicos de cara amarradaque estavam na nossa frente;ela nasce dos sofrimentos e

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prazeres das relações humanas.Feche-se um homem durantetoda a sua vida útil no interiorde uma célula educacional eele se torna institucionalizado,introvertido, tedioso. O própriopadre que resmungava quaseinaudivelmente uma prece emlatim, no grupo da Mesa Alta,parecia não ter encontrado nasantidade nada que lhe dessealegria. Sua solenidade nãocontribuía para elevar nossosespíritos. Havia uma exceção

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naquele grupo sombrio — sóRathe projetava uma amigávelsensação de ser um dos nossos.

Estávamos sentados nofundo da sala. Holmesacintosamente ignorou aoração. Segurava acima doprato de sopa um livro (umvolume dos livros de notas deDa Vinci) que examinava comatenção. Na nossa mesaestavam também Dudley e umjovem sardento chamadoJeremy. Conosco estavam um

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rapaz míope e pálido chamadoColin e um grandalhãochamado Henry, famoso porseus feitos atléticos.

Enquanto esperávamos quea sopa fosse servida, falamossobre nossas ambições paracarreiras futuras. Dudley nãotinha dúvida, queria sergeneral do exército.

— Generais não ficam ricos— disse Colin, paraaborrecimento de Dudley.

Jeremy disse que gostaria de

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ser escritor. Mais uma vezColin opinou, dizendo queescritores também não ficamricos. Então, Henry disse quequeria ser advogado.

— Isso sim — disse Colin.— Advogados ficam ricos.Obviamente, tudo o que Colinqueria era fazer dinheiro,

e a conversa teriaterminado ali, se Dudley nãoinsistisse em fazer com queHolmes tomasse parte nela.

— E você, Holmes? —

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perguntou Dudley. — O quequer ser quando crescer?

Holmes ergueu os olhoslentamente do livro, mas nãorespondeu logo. Sentindo-meum tanto ignorado, eu disse:

— Eu quero ser médico.Esperava que Colin dissesse

que médicos não ficam ricos,mas fiquei surpreso — eaborrecido — com a grosseriagratuita de Dudley.

— Ninguém lhe perguntou— disse ele, secamente.

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Mas Holmes já estava com aresposta pronta, influenciado,eu imaginei, pelo fato de tervisto Elizabeth passeando como cachorro.

— Não quero jamais ficarsozinho — disse ele.

Os rapazes olharamintrigados para Holmes; o queele acabava de dizer estavamuito além da suacompreensão. A sopa chegou ecomeçamos a tomá-ía emsilêncio. Era sopa de lentilha,

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nada má, mas, para meudesapontamento, não erapermitido repetir.

Depois do jantar, Holmes foiprocurar Elizabeth nos jardinsda escola. Ela lhe contou umaexperiência assustadora quetivera quando estavapasseando com Uncas. Alguém,misteriosamente envolto emuma capa, tinha cruzado opátio.Fosse quem fosse, produzia umsom que ela descreveu como

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"sininhos badalando". Uncasfora atrás do vulto. O intrusoconseguiu saltar um muro,mas não antes que o espertoterrier tivesse arrancado umpedaço da capa negra que ohomem defendeudesesperadamente. Muito maistarde, quando Holmes mecontou essa história, lembrei-me da minha experiência nabiblioteca, no dia anterior, masnão me pareceu que tivesse seinteressado muito pela

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informação. Simplesmente aouviu.

Era como se eu estivessefalando com um daquelesfonógrafos que recentementeimpressionaram tanto aAssociação Real. Imagineientão que ele a estavaarmazenando, para ser maistarde processada em sua mentededutiva. Quanto a mim, nãopodia deixar de perguntarquem seria o homem queUncas havia perseguido e qual

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seria sua missão. Para Holmese para mim a resposta a essapergunta estava ainda nofuturo. Entretanto, para oReverendo Duncan Nesbit,vigário de St. Cyprian, nosubúrbio de Kilburn, ela seriarevelada muito antes.

A oração da noite, na igrejagótica e lúgubre, tinhaterminado. Só restava ao velhosacerdote apagar as velas doaltar e as que ficavam perto dacaixa de esmolas. Então,

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fecharia e trancaria a porta daigreja. Na casa da paróquia, agovernanta teria colocado seuschinelos para esquentar aolado da lareira. Fechar a igrejadepois das vésperas era umatarefa que geralmente delegavaao cura, mas dera ao jovemauxiliar permissão para assistira uma palestra noturna, queversava sobre as colônias deleprosos nas ilhas Fiji, uminteresse que o padre queriaincentivar no assistente.

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Um homem bondoso, agoraum pouco curvado, oReverendo Duncan Nesbitcomeçou a fazer seu trabalhona igreja escura. O órgãomajestoso e os vitrais gloriososeram símbolos dos quais ele seorgulhava. Representavam acrescente prosperidade da suacongregação e, naturalmente,da sua piedade, pois Kilburn seexpandia com fileiras de casasde quatro andares das famíliasdos profissionais que todas as

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manhãs tomavam o trem paraa cidade. Suspirou satisfeito.Deus fora bom para ele, nãoapenas lhe concedendo aquelaparóquia, mas dando-lhetambém uma congregação tãorespeitável e devota. Seriapresunção acreditar que eraum prêmio por sua féinabalável?

Essa fé havia sofrido umaexcepcional provação. Pois,antes de se resolver a tomar asordens sagradas tivera de lutar

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contra as exigências da carne.Aconteceu no período entreseus estudos em Old Bromptone sua preparação para osacerdócio. Aproveitando ointervalo, fez uma viagem emcompanhia de colegas daescola, uma aventura que oslevou a terras onde outrosdeuses eram adorados.Naturalmente, mais tarde, elecompreendeu que esses povoseram pagãos mal orientados,mas, como era muito jovem,

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durante um tempo aceitou avisão filosófica daquelareligião: ser feito pelo homemsignifica ser tão variado quantoa própria humanidade. Era umconceito radical, do qual umrelacionamento que formounum país islâmico tornou maisdifícil se libertar. Ele seapaixonou.

Ela era a filha de umplantador de algodão egípcio ehaviam se encontrado quandoele visitava um zagazig

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provinciano no delta do Nilo.Que luta travou com o próprioespíri- to! Naturalmente, maistarde compreendeu que o fatode ser essencialmente inglêsfora sua salvação — e algumascartas sensatas dos pais,chamando a atenção para ofato do quanto uma jovemárabe ia se sentir deslocada emHarrogate, o lar da família, ecomo sua presença seriaembaraçosa para as senhorassolteiras daquela respeitável

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estação de águas. Finalmente,ele desistiu do casamento. Paraalívio da família e dos amigos,voltou para casa a fim de sepreparar para o sacerdócio.Nunca se casou. Depois daordenação, fora chamado paraSt. Cyprian, onde já estava hámais de trinta anos, respeitadoe, acreditava, apreciado.

Havia sempre algumconsolo derivado do sacrifício,disse o Reverendo Nesbit parasi mesmo, se é que fora

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realmente um sacrifício.Chegando à última vela doaltar, o padre sentia- se em pazcom seu passado.

Foi até as velas quebruxuleavam ainda ao lado doofertório, parando paraadmirar pela milésima vez osvitrais da janela que ele maisgostava. Representava, emvermelho, amarelo, azul, ojovem Judas aceitando as trintamoedas de prata. Durantetodos aqueles anos, sempre

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representaram para ele alembrança da ambição doshomens e do poder de Satãpara afastá-lo da sua vocação.

Foi então que ouviu umsom musical, uma espécie detilintar de sinos, acompanhadode uma dor súbita. Ignorou oruído dos sinos; com certezauma ilusão. Não se importoumuito com a dor, que durouuma fração de segundo. Mas oconfiante sacerdote não vira afigura envolta em uma capa

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negra tirar da boca um tubooco e sair pela porta aindaaberta da igreja. Continuou aolhar com prazer para aperfeição do quadro de Judasno seu ato de traição.

Então, o incrível aconteceu.O soldado romano do quadrocriou vida! Saltou da janelapara o centro da igreja.Embora chocado, o sacerdotesentiu também uma certaalegria. Sem dúvida estava napresença de um milagre. Só

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quando o soldadodesembainhou a espada,caminhandoameaçadoramente para ele, éque o medo dominou obondoso sacerdote. Isso eracoisa do diabo. Deu um gritoque nada tinha de humano.

O soldado chegou maisperto, brandindo a armaterrível, e o velho padre fugiu.Usou todas as suas forças paraescapar. Arregaçando a batina,correu para a porta aberta e

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desceu cegamente os degrauspara a rua movimentada. Dooutro lado ficava sua casa.Precisava chegar lá.

Foi uma carruagem dequatro rodas, que vinha a todavelocidade, que o atingiu. Opadre enlouquecido atirou-sena frente dos cavalos. Logojuntou gente, porém nada maispodia ser feito. Quando otiraram de sob as rodas eraevidente que estava morto, umfato notado também pela

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figura de capa negra.Dentro de St. Cyprian, uma

vela solitária ardia ainda. Nosilêncio, Judas e o soldadocontinuavam imóveis. Aimagem daquela transiçãolamentável estava comosempre, desde a consagração daigreja.

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Capítulo QuatroMEU FASCÍNIO PELO CARÁTER

DE SHERLOCK HOLMES

Aumentava a cada dia. Possodizer honestamente que aadoração do herói não faziaparte dela. Entre adolescentescom uma convivênciaobrigatória, esses sentimentospodem se desenvolver comfacilidade e, na atmosferaintrovertida de uma escolainglesa particular, tornar-se

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pouco saudável. Não, o que meintrigava era a mente deHolmes e o modo como ele ausava. Seus poderes de deduçãoanalítica eram notáveis — e eusó lamentava o fato de que asuperioridade que eles lheconferiam sobre os outrosestudantes às vezes seexpressava em intolerância daparte dele. Seria demais dizerque Holmes era arrogante.Simplesmente ele via as coisasde modo diferente do comum

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das pessoas.Vejam bem, certos aspectos

da sua personalidade eucriticava decididamente,embora não demonstrassemeus sentimentos. Acreditavaentão, como acredito agora,que aceitamos um homem,com defeitos e tudo o mais, eque, quando a soma dessesdefeitos é maior do que a somada sua simpatia, nos afastamos.Não julgar para não ser julgadoé um aforismo que tenho

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procurado seguir. Não estamosequipados para julgar as outraspessoas. Como Holmes dissecerta vez (e que contei em TheSign of Fou r ) é da maiorimportância não permitir quenosso julgamento sejaprejudicado por qualidadespessoais. A mulher maisencantadora que ele haviaconhecido, contou-me certavez, fora enforcada por terenvenenado três crianças parareceber o dinheiro do seguro,

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ao passo que o homem maisrepulsivo que já tinha visto eraum filantropo que gastou umquarto de milhão para ajudaros pobres.

Portanto, parece-memesquinho mencionaralgumas das qualidades menosagradáveis de Holmes, comosua capacidade para seaborrecer e ficar poucocomunicativo quando nãohavia algum drama ouexcitação nos quais concentrar

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seus pensamentos. Nessesmomentos ele se retirava paraum canto e tentava tocarviolino, que, para ser justo,devo dizer, conseguiu dominarmuito melhor com a passagemdos anos. Holmes podia setornar embaraçosamente mal-humorado. Era egotistatambém, o que fazia com quedesprezasse certas áreas doconhecimento humano queignorava completamente.Muito mais tarde, com a

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continuação da nossa amizade,fiz uma lista dos seusconhecimentos em váriosassuntos. Por exemplo, o quesabia sobre literatura, excetono que se referia a fatossensacionais e crimes, eraquase nada. Às vezes,naturalmente, um fatosensacional é descrito com boaliteratura — como na obra dePoe — porém, quando certavez eu fiz o que julgava ser umelogio, comparando seus

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poderes com os do detetiveDupin, de Poe, Holmes apenasdeu de ombros. Düpin era umhomem muito inferior, disseele. Filosofia e astronomia nãointeressavam Holmes. Eramuito fraco em assuntos depolítica. Seus conhecimentosde botânica eram falhos. Nadasabia sobre plantas, mas tudosobre venenos. Interessava-seapenas marginalmente pelasespécies não-humanas e podiadissecar um cão com a mesma

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facilidade com que oacariciava, se o resultadoprometesse ser vantajoso paraele, analiticamente. Seuconhecimento de química eraprofundo; de anatomiaacurado; da lei inglesa muitoprático. Já naqueles anos deescola, Holmes desenvolviaestranhos interesses, como acomposição do solo, asvariedades de cinzas decharuto e cigarro e pegadas.Entretanto, uma característica

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extremamente irritante era suahabilidade para condenarcomo perda de tempo todas asáreas do conhecimento que amaioria das pessoasconsideram essenciais eimportantes. Muitos anosdepois dos nossos dias de escola,eu escreveria que ele ignoravatotalmente, ou pelo menosfingia ignorar, ofuncionamento do sistemasolar. Pelo muito que ele seinteressava, a Terra podia ser

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uma planície.— Você parece espantado

porque eu não sabia isso —observou Holmes quando lheexpliquei a teoria deCopérnico. — Muito bem,agora que já sei, vou fazer opossível para esquecer. É damaior importância nãopermitir que fatos sem valortomem o lugar de fatos úteis.

— Mas é o sistema solar! —exclamei.

— Que diabo isso significa

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para mim? Você diz quegiramos em volta do sol. Segirássemos em volta da lua nãofaria a mínima diferença paramim ou para o meu trabalho.

Mas qual era exatamente oseu trabalho, o que ele queriaser? Fiz essa pergunta a mimmesmo muitas vezes quandoestudávamos em Brompton.Somente o cuidado respeitosode não ser intruso evitava queeu o interrogasse diretamentesobre o assunto.

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Mas Holmes pareciaobcecado com as notícias decrimes, dos quais Londres eraum verdadeiro esgoto, e sabiade todos os horroresperpetuados no nosso século.Olhando para o passado, achoque se eu tivesse sido maisatento teria compreendido queo futuro de Holmes estavanessa área. Mas poderia terprevisto o resultado final, queSherlock Holmes estavadestinado a se tornar o detetive

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mais famoso e mais consultadodo mundo, um investigadoramador cujos poderes deobservação, percepção ededução lhe granjeariam orespeito e a inveja da ScotlandYard? Acho que não. Afinal,não passávamos de meninos deescola.

O próprio Holmes, com suainteligência formidável, nãoera imune às brincadeirasescolares. Na verdade, foi nocomeço da minha segunda

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semana em Brompton que eledemonstrou sua habilidadeespecial para esse tipo dediversão. A escola toda estavaquase estourando de excitação.Dudley havia desafiadoHolmes para um teste deengenhosidade e dedução.Roubara o troféu de esgrima daescola e o escondera. Holmesdevia encontrar o troféu emseis minutos. Dudley marcariao tempo com um cronômetro.Holmes aceitou o desafio e,

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com um olhar confiante paraElizabeth, exclamou: "O jogocomeçou!"

Holmes começou a andarpelo pátio, acompanhado adiscreta distância pelos outrosrapazes. Quase todos os mestresestavam presentes também.Rathe, especialmente, torciapara ele. Waxflatter subiu aotelhado para acenar seuencorajamento. Só Snelgrovedesaprovou; para ele acompetição era indigna e uma

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perda valiosa do tempo deestudos. Mas era evidente quetodo o resto de nós havia seimbuído do espírito do desafioe torcia para Holmes.

A procura o levou aodepartamento de arte, onde eleexaminou cuidadosamente ostubos de tintas na caixa depintura de Dudley. Ninguémcompreendeu por quê. Holmeshavia me dito que, na dedução,ele raciocinava para trás, doresultado para a causa,

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portanto, suponho que já tinhauma teoria formada na mentee esperava que a descobertafutura a comprovasse. Sejacomo for, ele voltou ao pátio ecomeçou a seguir pegadas naneve, que o levaram aolaboratório de ciências onde,de passagem, examinou oesqueleto usado para estudo deanatomia. Contudo, vendouma rachadura sob uma dasjanelas, abriu-a e saltou parafora. Alcançou a escada de

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incêndio e subiu até o telhado.Atravessando o prédio chegoua uma abertura de mais oumenos três metros entre aqueleedifício e o outro ao lado, queera o refeitório. Para espantode todos, correu para ganharimpulso e saltou de um prédiopara o outro, conseguindo porpouco. Então, desapareceu poruma clarabóia.

— Ridículo! — ouviSnelgrove resmungar. — Umestudante agindo como um

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chimpanzé. Mas a Sra. Dribb ocensurou:

— Ora, Sr. Snelgrove, eleestá apenas se divertindo.Espero que ainda se lembre oque significa se divertir.

— Tolice — respondeuSnelgrove. — Aquele rapaz émuito precoce e muito egoístapara seu próprio bem. Jamaisencontrará o troféu.

— Aposto um guinéu comoele encontra — disse Rathe, e oprofessor de química aceitou.

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Uma vez na cozinha dorefeitório, Holmes começou aprocurar nos armários eprateleiras. Examinou até aspanelas e frigideiras.Naturalmente não esperavaencontrar o troféu entre elas.Não. Estava procurando outracoisa qualquer, uma coisa queencontrou sob o forno.Partículas brancas, quecomeçou a examinar com umalente. Então, recomeçou aprocura, porém, quando

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atravessou o pátio, suaconfiança pareceu desmoronar.Parecia realmente confuso etodos sentimos que Holmes iafracassar.

Consultei meu relógio egritei:

— Você tem só cincominutos, Holmes.

Ele não respondeu e repeti oaviso.

— Ouvi você na primeiravez — disse ele, irritado. —Não vê que estou tentando me

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concentrar?Bem, acho que eu devia ter

sabido. Mas estava certo de queHolmes ia perder. Para meacalmar, devorei uma bala.Quando ele voltou para oprédio principal, percebi umaexpressão de desapontamentono seu rosto. Ele ia desistir, eutinha certeza. Holmes dirigiu-se para a escadaria central ebateu os sapatos para tirar aneve que os cobria no primeirodegrau. Olhou para os pés, no

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meio de um círculo departículas de neve, e seu rostose iluminou. Subiu a escada dedois em dois degraus. Quandochegou ao vestíbulo, ficou defrente para a enorme lareira aolado da qual Dudley estava depé, segurando o cronômetro.

— Dois minutos, Holmes —disse Babcock. — Suponho quevai desistir?

—Nunca suponha coisanenhuma, meu bom amigo.

— Mas não vejo nem sinal

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do troféu, Holmes.— Pois eu vejo.Com ar triunfante, Holmes

apanhou de cima da lareiraum vaso grande de cores vivas.Ia jogá-lo no chão quandoSnelgrove correu para ele:

— Holmes! Ficou louco?Este vaso é uma antiguidade!

Mas Holmes não se deixoudeter. Antes que alguémpudesse impedi-lo, jogou o vasono chão. O vaso se desintegrouem pedacinhos, revelando,

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entre seus restos, o troféu deesgrima da escola!

Foi um momento heróico.No meio da excitação, viSnelgrove, carrancudo,entregar um guinéu de ouropara Rathe. Dudley saiu dovestíbulo fervendo deanimosidade venenosa. Mas amultidão aplaudiu e Elizabethe eu rimos com alegria.

No dormitório, mais tarde,pedi a Holmes a explicação. Eleestava num dos seus momentos

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de reserva impenetrável,tocando violino um poucomelhor do que de hábito, e eunão sabia se ia atender ou nãomeu pedido. Mas colocou oinstrumento na mesa e disse:

— Na cozinha, sob o fogão,encontrei partículas decerâmica recém-cozida —começou ele. — Estranhei oachado em uma cozinhadestinada somente ao preparode alimentos. Lembrei-me dacaixa de pintura de Dudley. As

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tintas haviam sido usadasrecentemente, sem dúvidaalguma. Mas nada seencaixava, até eu atravessar opátio de volta. Comecei apensar em pegadas. Deve selembrar que, quando cheguei àescada, bati os pés no degraupara tirar a neve grudada nossapatos. A neve se desfez emvolta dos meus pés, formandouma pilha regular. Foi isso quefez nascer a idéia, um paraleloentre meu pé encaixado na

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neve e o troféu dentro do vaso.O único vaso de que conseguime lembrar foi a preciosaantiguidade sobre a lareira dovestíbulo. Mas, naturalmente,Dudley não teria coragem deusar aquela peça. Teria feitouma réplica. Porém, foi tãomalfeita que percebiimediatamente tratar-se deimitação. Aí quebrei o vaso e,naturalmente, encontrei otroféu.

— Espantoso, Holmes.

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Realmente espantoso.Nesse momento, ouvimos

uma voz do outro lado dajanela.

— Holmes!Waxflatter chamava com

urgência, outra vez em cimado telhado. Uma nova versãoda sua máquina voadoraestava colocada perigosamentena borda das telhas. As asaseram maiores e o número seteestava pintado da fuselagem.

— Desta vez resolvi

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definitivamente o problema —exclamou o velho maluco.Amarrou as correias no corpo epuxou a alavanca. Em poucossegundos pairava sobre nossascabeças. Mas não durou muito.Teve problemas de navegação.Os controles não respondiam.A máquina voadora númerosete começou uma descidarápida. Deslizou na direção deum monte de neve,aterrissando sobre ele comcerta dignidade. Holmes e eu

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corremos para juntar ospedaços.

Mais tarde, no sótão deWaxflatter, o professor nãoparecia perturbado com oinsucesso e empilhamos emum canto os várioscomponentes da máquina.Estávamos para deixá-lo comsuas pesquisas quando Holmesparou perto da mesa deWaxflatter. Sobre ela estavaum jornal aberto na seção deóbitos. Um item estava

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marcado com um círculo alápis. Dizia: "ReverendoDuncan Nesbit morreatropelado." Holmes leu anotícia toda e ficouperturbado. Se é queinterpretei bem seu olhar paraWaxflatter, estava preocupadocom o professor.

Alguns dias mais tarde, norecreio do meio-dia, Holmesconvidou-me para ir à sede dapolícia metropolitana. Fiqueiespantado com o convite e ao

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mesmo tempo lisonjeado pelofato de Holmes dar valor aomeu apoio moral. Umainfância muito protegida nãome preparara para o contatocom os mantenedores da lei. Atarefa da polícia era proteger apropriedade e, na medida dopossível, a vida humana, massempre me ensinaram quequalquer contato com eladevia ser evitado.

Tinha certeza de que algomuito importante preocupava

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Holmes; o dormitório tiveranaqueles dias mais do que suacota justa de estudo de violino.Presumi que a missão para aqual se preparava estava ligadaa algo que o atormentava háalgum tempo. Mas foi grande aminha surpresa ao verificarque Holmes não era umestranho nos corredores doestabelecimento policial emNew Scotland Yard, VictoriaEmbankment. Ele conhecia ocaminho muito bem e

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localizou facilmente oescritório do policial que foraprocurar.

— Holmes! — exclamou opolicial. Parecia aborrecidocom aquela intrusão. — Hámuito tempo não nos visitava.Três ou quatro dias? — MasHolmes ignorou a ironia.

— Isto vai tomar só umminuto do seu tempo, Sr.Lestrade — disse ele.

O posto do policial erasargento-detetive, como

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indicava a placa de bronzesobre sua mesa. O fato deHolmes não citá-lo ao se dirigirao homem não melhorou emnada a atmosfera reinante.

O atarracado e jovempolicial era pálido e usava umbigode quase invisível. Tinhauma aura de empáfia. Calculeique devia ter vinte e poucosanos e com certeza morava emum dos novos conjuntos queestavam sendo construídos emCamberwell e outros subúrbios

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semelhantes. Provavelmentetinha uma doce mulherzinhaque ambicionava para ele umdegrau mais alto na escada daspromoções. Era evidente queconsiderava Holmes um jovemintrometido, super instruído einsignificante, que só o faziaperder tempo.

Os alunos das escolasparticulares inglesas sãoconsiderados, semquestionamento, pelo públicoem geral, como privilegiados.

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Lestrade, entretanto,representava a nova classemédia baixa. Sem dúvida,sentia um certo ressentimentocontra Holmes por ter acesso àeducação que ele não tivera asorte de receber. Para chegaronde estava, isto é, atrás depilhas de papéis sobre umamesa imponente, Lestradetrabalhara muito.

— Não tenho nenhum novorelatório de crime para vocêestudar, Holmes, nenhuma

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pasta que você ainda nãotenha lido — disse o atarefadopolicial. Arrependia-se atémesmo de ter permitido aentrada daquele jovemirritante no seu recinto.Lembrou-se da primeira vezque Holmes bateu na porta doseu escritório, explicando queestava redigindo uma tesesobre crime e que seria degrande ajuda seu contato comum detetive da ativa. Por quetinha concordado?, pensava

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Lestrade. Talvez por se sentirlisonjeado? Teria imaginadoque prestar auxílio a um alunoda Escola Bromptonimpressionaria bem seussuperiores? Fosse qual fosse omotivo, agora arrependia-se deter concordado.

Bateu com a mão nosdocumentos sobre a mesa, comimpaciência:

— Então, Holmes?— Não estou aqui para

pesquisa — disse Holmes,

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suavemente. — Na verdade,acho que descobri uma coisa.

—Não outra vez! —declarou Lestrade.

— Agora tenho certeza.O policial voltou à ironia:— É mesmo! — exclamou

ele. — Como no mês passado,quando disse estar convencidode que o embaixador francêstinha dado um desfalque detrezentas mil libras?

— Cheguei muito perto —disse Holmes. — Afinal, foi o

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embaixador russo.— Holmes, eu realmente

não tenho tempo para suasteorias infantis.

Holmes mostrou doisrecortes de jornais. As notíciasdas mortes de Bobster e deNesbit. Entregou-os aodetetive.

— Dê uma olhada nisso.Suspeito que foram crimes —disse Holmes.

— Mas são dois incidentescompletamente isolados.

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— Errado. Os dois homensse formaram na mesmauniversidade e no mesmo ano.

— Coincidência — disseLestrade.

Holmes apanhou os recortesde jornais.

— Nos dois casos, o modocomo morreram não está deacordo com suas respectivaspersonalidades — observou ele.

—Segundo este artigo,Bobster era um homem feliz,contente com a vida que

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levava, com sua carreira, coma família. Por que cometeriasuicídio? Nem mesmo deixouum bilhete.

—Esperou, em vão, a reaçãode Lestrade. — E o ReverendoNesbit é descrito pelos amigoscomo "caloroso, amoroso,pacato", segundo o jornal.Contudo, o cocheiro dacarruagem viu-o como"insano, enlouquecido e empânico" quando correu para afrente dos cavalos.

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Lestrade pensou por ummomento. Então disse, com arcondescendente:

— Uma flutuação decaráter, Holmes, não é provasuficiente para começarqualquer investigação. — Aimpaciência voltou. — Meuconselho é que você tire o narizdos jornais e o ponha nos seuslivros.

Holmes suspirou, vendo quenão estava conseguindo nada.

— Muito obrigado pelo seu

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tempo, Sr. Lestrade — disse ele,entregando os recortes outravez ao detetive. — Sugiro queguarde isso. Sabe, se eu fosseum sargento-detetive, presonesta sala por toda essapapelada aborrecida, estariafazendo o possível paraencontrar aquele caso, aquelainvestigação promissora queme traria uma promoção ainspetor. — Dizendo isso, fezum sinal para mim e saímos.

Quando fechei a porta vi

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Lestrade, indignado, apanharos recortes e começar a ler.

Duas semanas antes doNatal fizemos os exames de fimde semestre. Eu estavarazoavelmente confiante.Minha transferência de outraescola para a Old Bromspoderia facilmente representardesvantagem, mas na verdadeteve o efeito oposto. No que sereferia ao currículo, meusestudos emBrompton estavam pelo menos

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um semestre atrás dos daantiga escola. Eu queria mesair bem. Um bom resultadoem Brompton me ajudaria aconseguir uma vaga nauniversidade, que era vitalpara meus estudos demedicina. Quanto a Holmes,não se interessava pelosexames, embora todosesperassem que fosse bem; suaficha era a melhor da escola.Desprezava também osmétodos dos exames. O sucesso

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nos exames, afirmava ele, nãoera prova de inteligência. Eracomo pedir a um pedreiro quefizesse tijolos. A inteligênciaestava na arte de colocá-los.Contudo, era obrigado a sesubmeter a eles.

Não era permitidoconversar na sala de exame.Holmes estava sentado entreminha carteira e a de Dudley.Snelgrove entregou as provas.Logo que começamos, viDudley jogar um pedaço de

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papel no chão. Holmestambém viu, apanhou-o, iadevolvê-lo a Dudley quandoSnelgrove olhou para ele.

— O que está fazendo,Holmes? — perguntou.

— Dudley deixou cair isto,senhor — explicou Holmes. —Ia devolver a ele.

Dudley fingiu surpresa.— É seu papel, Dudley —

disse Holmes.— Não, não é meu — foi a

resposta.

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— Mas você deixou cair —insistiu Holmes.

Dudley olhou para o pedaçode papel.

— Esta nem é a minhaletra.

Holmes então examinoucuidadosamente o papel. Foium choque. A letra era umaexcelente imitação da sua. Masnão teve tempo de reclamar,porque Snelgrove apanhou opapel e começou a ler.

— Bem, Holmes — disse o

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mestre, com evidente satisfação— parece que finalmentedescobrimos o segredo do seubrilhantismo. Estas são asrespostas do teste.

Dudley era a própriaimagem da inocência.Snelgrove guardou o papel nobolso e segurou Holmes pelocolarinho.

— Acho melhor vir comigo— disse ele.

Completamente confuso,Holmes foi levado para fora da

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sala. Dudley riu, satisfeito.Teria sido inútil tentar a defesade Holmes. Snelgrove o tinhaem seu poder, algo quedesejava desde o espetáculopirotécnico na aula dequímica.

Honestidade, Probidade,Diligência — era o lema daescola. E Holmes havia violadocada mandamento contidonele. Pelo menos foi o que osdirigentes resolveram, quandose reuniram para decidir seu

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futuro. Na sala sombriaforrada de lambris escuros, olema estava sobre a lareira, emletras douradas com umamoldura de madeira de leitrabalhada — em latim,naturalmente. Para alguémque flagrantemente haviaviolado todos os valores quepregava, não havia nenhumfuturo em Brompton. Só Ratheo defendeu, lembrando aosvelhos mestres que Holmes eraum aluno brilhante, com um

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nível de inteligência rara emum rapaz da sua idade. Mas oshomens não cederam. Naverdade, como acentuouSnelgrove, os resultadosbrilhantes de Holmes e suasnotas sugeriam que havia sidodesonesto desde que entrou naescola. Assim, quanto maisRathe falava sobre asrealizações de Holmes, mais osrostos severos demonstravam acerteza de que ele era culpadoe devia ser afastado.

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Resolveram expulsá-lo. Tudoisso foi contado a Holmes porRathe. Mais tarde, Holmes medisse que o instrutor deesgrima estava tão furioso coma injustiça da decisão queofereceu a Holmes umarecomendação por escrito paraqualquer outra escola que eleescolhesse. "Posso fazer maisalguma coisa?", perguntaraRathe. E Holmes pediu umúltimo duelo amigável com oinstrutor. Rathe concordou

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imediatamente e fui o únicoprivilegiado a assistir oencontro no ginásio vazio.

Era como um espetáculo dedança, as investidas e fintasverdadeiros movimentos debalé. Nenhum dos dois estavacom máscara ou outraproteção qualquer; tudo foraarranjado precipitadamente.Obviamente, ambos confiavamno controle do adversário. Masaconteceu uma coisadesagradável. O anel que

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Rathe usava tinha umemblema que, em dadomomento, refletindo a luz,ofuscou Holmes. Quando oflorete de Rathe estava parafazer contato, Holmes ficouimóvel, como se estivessehipnotizado. Rathe tentoumudar a direção do ataque.Quando fez isso, a mão com oanel roçou no rosto de Holmese a borda áspera do escudo fezum corte profundo.

— Um pequeno corte —

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disse Holmes, mas sangravaprofusamente. — Perdi minhaconcentração.

— Foi o anel - disse Rathe. -Eu devia tê-lo tirado. O reflexoda luz deu-me uma vantageminjusta. O duelo é seu.

— Por que não um empate?Cumprimentaram-se,

apertando as mãos.—Jamais me esquecerei do

senhor — disse Holmestristemente. — Não podia terencontrado um melhor

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instrutor.—Nem eu um melhor

aluno. E tenho certeza de quenossas espadas se cruzarãonovamente.

Rathe e a Sra. Dribblevaram Holmes para oescritório da governanta. Comcarinho maternal, ela limpou ocorte e fez um curativo. Semdúvida, a bondosa mulhertinha muita afeição pelosalunos. Quando terminou,puxou Holmes para ela e

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beijou-o ternamente.— Nós todos vamos sentir

sua falta, Sr. Holmes — disseela.

Holmes agradeceu.Arranjara outra amiga e fezuma curvatura delicada.

Outra pessoa,naturalmente, ia tambémsentir falta de Holmes.Naquela noite, Elizabethencontrou-se com ele no pátio.No dia seguinte, Holmes meconfiou que compreendia

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agora o quanto amavaElizabeth. Ela disse que oamava também. Emborafossem muito jovens, estavamcertos de que seu amor eraúnico e permanente.Afirmaram isso um ao outro. Enaturalmente, como sempreacontece, o primeiro amor é omais verdadeiro de todos. Àsvezes é o único amorverdadeiro que conhecemos.

Quanto a mim, tinharesolvido que Holmes devia ser

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vingado. Queria dar uma boasova em Dudley, mas ele erafisicamente superior. Prometi amim mesmo tomar aulas deboxe.

Holmes sabia que eu estavaperturbado.

— Ora, Watson, não sejatão emotivo — aconselhou ele.— A vingança é mais docequando servida com umsorriso.

Só entendi o que ele queriadizer mais tarde. Estávamos

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passando pelo vestíbulocentral, com a mala de Holmese sua caixa de violino, nadireção do portão, quandoDudley correu para nós aosberros. Seu cabelo estavabranco como neve!

— Você fez isto, Holmes,seu demônio — gritou ele.

— A cor vai voltar, velhoamigo — respondeu meucompanheiro. — Até o verãodeve ter voltado ao normal.

Só então me lembrei de ter

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visto Holmes sorriramavelmente para Dudley nocafé da manhã. Chegou até apassar o açúcar para ele.Compreendi que o supostoaçúcar devia ser um preparadoquímico que tirara toda a cordo cabelo de Du- dley.

Colocamos a bagagem nochão e esperamos o carro dealuguel. Holmes ia para a casado seu irmão Mycroft.

— Isto é adeus — eu disse,apertando a mão dele. Meu

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amigo ia responder quandoouvimos o estridente apito deum policial.

Logo adiante, umamultidão se aglomerava àporta de uma loja deantiguidades. O centro daatenção parecia ser um corpo.Corremos até lá. AcompanheiHolmes, que abriu caminhoentre a multidão. Em dadomomento, esbarrei em alguémque ia na outra direção. Acolisão produziu um ruído de

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sinos, semelhante ao que euouvira na biblioteca, abafadoagora pela capa preta da pessoaque o produzia. O homemdeixou cair alguma coisa.Apanhei-a. Era umazarabatana, com um elaboradotrabalho em marfim. "Senhor",eu disse, ansioso para devolvero objeto, mas o homem tinhadesaparecido.

— Vamos, Watson —Holmes impacientou-se comminha parada. Arrancou o

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tubo da minha mão.Estávamos agora no centro damultidão. Na calçada geladajazia um corpo envolto empesados agasalhos. Para nossohorror vimos que eraWaxflatter — e estava comuma faca enfiada no peito!

— Ele enlouqueceu —explicava o dono da loja. —Apanhou a faca e enfiou nopróprio peito.

Holmes aproximou-se doprofessor agonizante que num

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fraco murmúrio tentava lhedizer alguma coisa. Mal sepodia compreender aspalavras.

— Eh-Tar, Holmes — era oque parecia ter dito. — Eh-Tar. — E então seu corpo ficouimóvel.

— Oh, não! — implorouHolmes, mas nada mais podiaser feito. Rupert T. Waxflatterestava morto.

Mãos fortes agarraramHolmes pelo colarinho.

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— Que diabo você estáfazendo aqui? — perguntouLestrade.

Em meio ao sofrimento,Holmes tentou raciocinar.

— Sr. Lestrade — disse ele— isto tem a ver com o que lhefalei. Por favor, ouça o queestou dizendo.

Lestrade voltou-se para umpolicial.

— Leve estes dois estudantesdaqui — ordenou.

O policial começou a nos

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empurrar.— Saiam daqui — disse ele.

— Voltem para a escola. Não éespetáculo para olhos jovens.

Durante toda a nossa longaamizade, eu veria Holmesdemonstrar profundosofrimento apenas em duasocasiões. Essa foi uma delas.

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Capítulo CincoDEPOIS DO ENTERRO DE

WAXFLATTER, FUI AO SÓTÃO PARA

ver Elizabeth. A noite estavamuito fria. As janelasmostravam Londres como umquadro congelado. Encontrei-aencolhida na frente de um fogoquase morto, à luz fraca dolampião de querosene,enrolada em um cobertor; eraa própria imagem damelancolia. Senti que não

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podia consolá-la. A pobremoça sentia falta do seuguardião e sofria por causa daexpulsão de Holmes, da únicapessoa com quem poderiarealmente compartilhar seusofrimento. Uncas, o cão,parecia compreender o estadode espírito da dona, poisquando lhe ofereci uma tortacom geléia, que apanhara namesa dos mais velhos, ele nãose mostrou interessado. Comi atorta para reanimar meu

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espírito desolado.Tentei conversar. Ela

pretendia ficar ali no sótão doprofessor? Elizabeth respondeuque os dirigentes da escola lhederam permissão paracontinuar ali até o fim dosemestre, que estava muitopróximo, eu pensei.

— Depois disso, não sei paraonde irei — disse elatristemente.

Eu sabia que Elizabeth nãotinha parentes na América.

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Em Londres, o professormaluco e Holmes tinham sidouma espécie de família paraela. Notei que estava agarradaao velho boné do professor,aquele objeto de tweed, de copabaixa, e que ele usava muitojusto na cabeça, com a abaextremamente longa. No norteda Inglaterra eu vira caçadorescom aquele tipo de boné,quando iam caçar gamos.Elizabeth parecia não querer seseparar daquela lembrança do

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seu guardião desaparecido.— Eu queria que Holmes

estivesse aqui — disse ela, comvoz trêmula e chorosa. — Titiogostava muito dele. —Enxuguei os olhos dela commeu lenço, mas isso provocounovo surto de lágrimas. —Sabe, Watson — continuou ela— eu simplesmente nãoacredito que meu tio tenhatirado a própria vida.

— Deve se lembrar —observei, procurando consolá-

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la — que o professor era umhomem muito velho. Pode terperdido a razão de repente. Issoacontece com pessoas velhas.

Tais palavras provocaramuma defesa vigorosa do tio:

—A mente do meu tio eramelhor do que a de muitoshomens com a metade da suaidade. Ele era excêntrico,concordo, mas não era louco.Não, Watson, ele não tirou aprópria vida.

— Então, o que foi que

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aconteceu?— Ele foi assassinado —

respondeu uma voz muitofamiliar.

Voltamo-nos e lá estavaHolmes; tinha entrado poruma clarabóia com a agilidadede um lêmure.

Elizabeth abraçou-ocarinhosamente. Uncascomeçou a correr em círculos,pedindo agora a torta queantes recusara. Por sorte eutinha outra. Holmes estava

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ainda com Elizabeth nosbraços.

— Cãozinho de sorte — eudisse para Uncas.

Quando nos acalmamos,resolvi que meu melhor papelseria o de advogado do diabopara Holmes.

— Ora, vamos, Holmes —eu disse. — Você ouviu ahistória do homem da loja.Você viu a faca. Obviamente,foi suicídio.

— Nunca confie no óbvio —

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respondeu ele. — Existemmuitos elementos estranhos.Lembre-se, houve mais doisoutros pretensos suicídios. Oprofessor tinha conhecimentodeles. Estava pensando neles.

— Exatamente — eu disse,como se isso fosse prova de meuargumento.

Mas Holmes estava agoraandando de um lado para ooutro, concentrando-se. Seumétodo de investigação, ele meexplicou anos mais tarde,

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consistia em eliminar oimpossível. Todo o resto, pormais improvável que parecesse,era a chave da verdade. Quecriminoso formidável ele teriasido!

Elizabeth disse:— Meu tio lia os jornais

todos os dias. Às vezesrecortava alguns artigos.Certamente leu sobre as mortesdo Sr. Bobster e do ReverendoNesbit. E aquele homemestranho que veio visitá-lo,

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vocês se lembram?— Aquele velho estava no

enterro — disse Holmes,revelando assim que tambémestivera presente, pois osdirigentes da escola não ohaviam convidado. MasHolmes, resolvido a prestar asúltimas homenagens ao seuvelho mentor, presenciara tudode cima de uma árvore. De lápôde ver o outro observadornão convidado. Seguiu-o, masacabou perdendo-o de vista nas

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moitas espessas atrás da igreja.Tinha certeza de que se tratavado homem que estivera ali nosótão.

— De certa forma ele estáligado aos três assassinatos —disse Holmes — e vouencontrá-lo. Se você concordar,Elizabeth, farei do sótão meuquartel-general. Meu irmãoMycroft não está em situaçãode me hospedar no momento.De qualquer modo, prefiromesmo ficar aqui e trabalhar

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no caso. A escola não precisasaber. Será um segredo entrenós três. Somos sócios.Ninguém me verá. Watsonpode trazer suprimentos efuncionar, de modo geral,como meu assistente.

Achei o plano ousadodemais. Se Holmes fosseapanhado, o que era muitopossível, eu seria acusado decumplicidade. Isso poderiafazer com que me expulsassemtambém, terminando assim

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minhas esperanças de umacarreira de médico. MasElizabeth achou a idéiamaravilhosa.

— Não posso prejudicarminha posição — eu disse.Parecia pomposo e Holmesolhou para mim com desprezo.

Para consolá-lo, Elizabethlhe entregou o boné de caçadorde gamos do professor. Fez comque Holmes parecesse muitomais velho, ou talvez minhamemória esteja me enganando.

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Talvez, escrevendo agora, euesteja pensando no Holmes demuito tempo depois. Dequalquer modo, o boné ficoumuito bem nele.

Então Elizabeth voltou suaatenção para mim, olhando-me fixamente por ummomento, com seus belos olhosverde- azulados. Cedi.

— Está bem — eu disse. —Concordo. — Fui premiadocom um beijo de irmã.

Holmes imediatamente

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voltou ao assunto.— Temos certas pistas. Por

exemplo, as últimas palavrasde Waxflatter. Lembra-se doque ele murmurou? Duaspalavras... "Eh-Tar".

— Palavras sem sentido deum agonizante — eu disse.

Holmes não deu atenção àsminhas palavras. Ao invésdisso, ergueu em uma dasmãos a zarabatana.

— Lembra-se de algumtraço do homem que deixou

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cair isto, Watson?— Não muito, exceto que

estava com muita pressa. Umhomem grande, procurandosair do meio da multidão.

— Exatamente. A únicapessoa ansiosa para deixar acena.

— Ele também tilintou —expliquei. — Naturalmentevocê ouviu. Algo no seu corpo,algo que estava usando,tilintava. Um som muito claro.Eu já o ouvira antes. Tenho

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certeza de que lhe contei.— Onde? — Holmes estava

irritado. — Watson, onde foique ouviu esse som antes?

—Na biblioteca, quandolevei aquele tombo.

— Exatamente aonde vocêcaiu?

—No chão da biblioteca,naturalmente.

— Não. Quero dizer, emq u e parte da biblioteca? Naseção de sociologia, de história?Onde? É importante, Watson.

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Respondi que podia lhemostrar na manhã seguinte.

— Sem falta — disse ele. —Amanhã, depois de termoslocalizado o dono deste tubo,vamos visitar a bibliotecanovamente.

Nossa procura pelas origensdo tubo nos levou a uma áreainsalubre de St. Giles, ondeLondres estava sendo cortadaem pedaços para a construçãodas grandes avenidasShaftesbury e a Charing Cross

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Road. Os operários haviamdestruído quase tudo o quehavia na área e somentepequenos bolsões maiselegantes permaneciam aindade pé. Em um deles havia umaloja de propriedade de umcerto Ethan Engel.

A propósito, foi nessearmazém de objetos estranhose bricabraques que comprei ocachimbo pelo qual Holmesmais tarde se tornou famoso.Na verdade, sei com certeza

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que quando Alfred Dunhill, oespecialista em cachimbos,abriu sua loja no Strand,alguns anos mais tarde, àsvezes turistas americanosperguntavam se tinhacachimbos "Sherlock Holmes".Até hoje Dunhill ouve essepedido de certos fregueses, detal modo Holmes se identificoucom esse tipo de cachimbo,longo e recurvado, com ofornilho grande, como os dosduendes. Pode-se ver o original

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nas fotografias do grandehomem.

Mas, naturalmente, não foiessa a missão que nos levou aEngel naquele dia de dezembrode 1870. Holmes esperava queo antiquário pudesse daralgum esclarecimento sobre otubo que o misterioso estranhodeixara cair.

— É egípcio — disse Engel,examinando o objeto com osóculos de lentes espessas derelojoeiro. — Arte egípcia. O

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desenho em relevo, no marfim,representa Anúbis, o deusegípcio dos mortos.

Estremeci. Holmes ficouentusiasmado.

— Já viu outro igual antes?Mas o especialista não

queria se apressar.— O trabalho é muito bom.

Muito bem preservado. — Osolhos, que pareciamarregalados atrás das lentesgrossas, estavam ávidos. — Viuma zarabatana deste tipo só

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uma vez antes. Fazia parte dacoleção de peças egípcias quevendi a um cliente. O dono deuma taverna. Ora, qual eramesmo seu nome?

Holmes mal podia se conter.— Onde posso encontrá-lo?Engel consultou seu livro de

vendas, folheando, deixandopassar uma folha, voltandopara trás. Não queria serapressado.

— Vai comprar algumacoisa, suponho. — Seus olhosestavam fixos em Holmes. Era

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uma condição. Secomprássemos alguma coisa,Holmes teria a informação.

— Compre alguma coisa,Watson — disse Holmes emvoz baixa. Respondi que estavacom pouco dinheiro. — Ora,Watson, não é hora para serpão-duro. Pelo amor de Deus,compre alguma coisa. Istopode nos levar ao assassino.

Foi então que vi ocachimbo.

— Por que diabos você

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comprou um cachimbo? —perguntou Holmes, quando jáestávamos na rua. — Éridículo.

Não havia dúvida de queera incômodo. Pesava tantoque, quando o colocava naboca, tinha de segurar ofornilho com a mão.

— É elegante — eu disse —e vou aprender a fumar nele.

Mas, para ser sincero,detestei aquela coisa, emborapercebesse que Holmes estava

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com inveja de mim. Queria ocachimbo. Mas a juventudetem uma estranha mesquinhez— resolvi que ele não o teria!Pelo menos, aquela comprahavia garantido a informaçãoque Holmes procurava. Engelshavia escrito o nome Khasek eum endereço no East End deLondres.

Resolvemos visitar aTaverna do Baixo Nilo, emWapping, ao anoitecer. Pordois motivos principais.

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Primeiro, como Holmes meexplicou, esse tipo deestabelecimento destinava- se aservir uma clientela tardia.Não disse mais nada e imagineium restaurante do rio, onde osricos dos bairros mais elegantesgostavam de cear.Provavelmente tinha umamaravilhosa cozinha norte-africana, embora eu,pessoalmente, não apreciealimentos muitocondimentados. Mas não era

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nada disso, disse Holmes,continuando mais calado doque nunca.

O outro motivo para fazer avisita à noite era a necessidadevital de conseguir que Holmessaísse da escola sem ser visto.Tínhamos resolvido que omelhor meio era ele entrar esair às escondidas, quando;toda a escola estivesse reunidano refeitório. Holmes pareciacompletamente indiferente aofato de que isso ia significar

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para mim a perda do jantar.Seja como for, sempre atento àsoportunidades para encher omeu tempo, sugeriu que, nointervalo, entre nossa volta àescola e nossa partida paraWapping, eu obtivesse ossuprimentos necessários parasua manutenção no sótão.

Compreendo que possamachar que seria uma tarefarelativamente simples, umacorrida até o armazém daesquina para comprar bananas

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e pão. Mas a coisa era muitodiferente. Pela primeira vezfiquei conhecendo os gostosepicúrios, para não dizerestranhos, de Holmes. Comoseria possível, perguntei aoreceber a lista, comprar nozesem picles àquela hora? Elapsang souchong e água Vichye sementes de girassol e raízesde vagens Mung?Naturalmente, Londres erabastante cosmopolita em suacomida para ter esses produtos

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à venda. Mas não tinhacabimento esperar que eu oscomprasse àquela hora.Elizabeth concordou comigo.Holmes resolveu se contentarcom pão, bacon e meio quilode queijo cheddar.

Mas não se tratava apenasde alimentar Holmes. Elepediu uma imensa variedadede outras coisas: papel detornas-sol, giz, tinta invisível,uma bússola e (para que, eununca vim à saber!) uma

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coleção de bolas de naftalina!Fiquei extremamente irritado.Além disso, Holmes zombouquando protestei contra a idéiade obter esse materialclandestinamente nos váriosdepartamentos da escola;estava me pedindo pararoubar! Resmungou que setratava de revelar uma vilania;incitou-me a "agir comosoldado", uma expressão quejamais me agradou, nemdepois de minha carreira como

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médico do exército.Então discutimos se seria

conveniente ou não nosdisfarçarmos para a visita àtaverna. Eu sabia que Holmesera exímio na arte de disfarces,mas, francamente, não meagradava a idéia de andar pelasruas de Londres fantasiado. Fizpé firme. Devíamos ir semdisfarces, eu disse, porquetinha certeza de que, fossequem fosse esse tal Khasek, semdúvida receberia com mais

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agrado dois estudantes ingleses.Holmes concordourelutantemente, muitoirritado.

Assim, ao cair da noite,saímos para Wapping. Aoinvés de tomarmos um carrode aluguel, cujo preço,suspeitávamos, devia ser muitoalto, preferimos o tremdistrital. Lembro-me que aestação final em WestBrompton fora inauguradanaquele ano. Naturalmente,

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naquele tempo os trens erampuxados por pesadaslocomotivas (a eletrificação sósurgiu mais tarde, naqueladécada) e o vapor das mesmaspoluía aquele ar já tão poluído.Naquela noite estavaespecialmente desagradávelpor causa do denso fog quecobria a cidade. A máquinaabria caminho entre as rajadasamarelas de fog,sobre os trilhos, entre prédioscinzentos, a caminho de

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Blackfriars. Aí era o fim dalinha e Holmes propôs quefizéssemos a pé o resto docaminho.

Depois de termosatravessado a Ponte Blackfriars(terminada no ano anterior),ele viu um ônibus que ia nanossa direção e, para meualívio, nós o tomamos. Jáestávamos em uma parte dacidade na qual eu não pensariaem passear a não ser porobrigação. Os lampiões a gás

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eram luas amarelas naescuridão sombria e bêbadoscambaleavam para fora dastavernas barulhentas. Criançasde olhos tristes espiavam nasjanelas de prédios miseráveis.Porém, o ônibus não ia alémde Aldgate. A estrada cobertade neve estava muito perigosa;o cocheiro temia pelos cavalos.Assim, não tivemos outraalternativa senão descer doônibus e abrir caminho entre aneblina.

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Nas tristonhas ruas do EastEnd, a única iluminação era adas velas que bruxuleavam nascasas geminadas. O fog nosimpedia de ver os perigos quenos rodeavam. Só o apitoocasional de um barco no riopróximo nos garantia aexistência de um mundo alémda escuridão e que podia seralcançado. E foi naquelelabirinto de vielas que levavamao rio que Holmes começou aprocurar o nome da rua.

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Finalmente, mais por sorte doque por outra coisa, encontrouo que procurava: SaragosaStreet.

No fim de alguns degrausestava A Taverna do BaixoNilo. Uma pesada porta demadeira com uma portinholagradeada proclamava sua mávontade para com estranhos. Opróprio Holmes, creio, sentiu-se pouco à vontade quandopuxou a corrente de ferro quefazia tocar a campainha.

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Ouvimos música oriental, umavoz estridente cantando ao somde ocarinas, e a batida dostamborins. Quando aportinhola se abriu, dois olhoscheios de suspeita aparecerame logo se arregalaram, atônitos,à visão de dois estudantesingleses.

— Boa noite — disseHolmes, com desembaraço.Forcei um sorriso amável.

— O que vocês querem? —A voz era mal-humorada e

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estrangeira. — Mulheres?Pensei ter visto Holmes

piscar um olho emconcordância, o que em nadacontribuiu para acalmar meusnervos. Holmes disse:

— Queremos falar com oproprietário.

A portinhola foi fechada, aporta se abriu e entramos.

— O senhor é Khasek? —perguntou Holmes.

O homem não respondeu.Conduziu-nos pelo salão

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enfumaçado até o bar maliluminado. Havia homens devárias nacionalidades emestiços de muitas outras.Jogavam dados e cartas etomavam anis, envoltos pelafumaça espessa. No palcoimprovisado, uma mulherexecutava a dança do ventre,provocando largos sorrisos eassobios. Tantos eram osárabes, turcos e armênios alireunidos que parecíamos estarnuma casbá. Enfiei as duas

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mãos nos bolsos, esperando queo negócio de Holmes fossemuito breve.

— Querem beber algumacoisa, rapazes? — O convite foifeito por um homem grande,com um turbante imundo; abarba crescida e malcuidada eos olhos esquivos nada faziampara melhorar sua aparência.

— Vocês têm sopa? —perguntei, percebendoimediatamente meu erro.

— Watson, por favor —disse Holmes.

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Olhei para nosso anfitriãocomo quem se desculpa.

Se soubesse o que sei hoje euo teria classificado comooriginário dos affridi, wazir ououtra tribo patane qualquer.Mais tarde, eu trataria muitasvezes com eles, nos dois ladosda fronteira noroeste da índia;um povo guerreiro, muitovalente. Mas, naquela noite,aos meus olhos jovens einexperientes, o homemparecia assustador. Embora

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fosse extremamente delicado.— Sou Khasek — disse ele.Holmes foi direto ao

assunto:— É o proprietário deste

estabelecimento?A pergunta parecia muito

formal e o homem logo ficouna defensiva. Acenouafirmativamente, com cautela.Holmes tirou do bolso azarabatana e disse:

— Já viu isto antes?O que aconteceu então foi a

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última coisa que eu poderia terimaginado. Aquelehomenzarrão assustador ficoupálido de medo! Deu algunspassos rápidos para trás,olhando fixamente para otubo, e soltou então um gritoimpressionante:

— Rame Tep! — gritou ele.— Rame Tep!

Tão grande foi a comoção,que o salão ficou em silêncio.Todos os olhos estavam emHolmes e em mim. Khasek

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recuperou a presença deespírito, mas agora estavafrancamente hostil. Olhandocom horror para a zarabatana,quis saber sua origem.

— Eu a achei — respondeuHolmes. Ele também estavanervoso.

— Saiam daqui — rugiu opatane. — Vão. Levem issopara fora daqui.

— Mas senhor — insistiuHolmes. — É muitoimportante que nos dê toda a

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informação possível sobre esteobjeto.

Khasek olhou para ele,furioso. Chamou, na sualíngua, vários egípciospresentes na taverna. Oshomens levantaram- serapidamente e se aproximaramde nós, armados de facas.

— Saiam da minha casa —ordenou Khasek — ou estasvão ser as últimas palavras queouvirão.

Mas, para meu desespero,

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Holmes insistiu:— Senhor, não seria

possível...Khasek encostou um

revólver na garganta dele. —.Nós já vamos — disse Holmes.— Vamos embora agoramesmo.

E saímos correndo.Lá fora, paramos por um

momento.— Ele parecia muito

resolvido a se livrar de nós,Holmes — eu disse e nós dois

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rimos às gargalhadas dessaapreciação otimista. Era quasemeia-noite. A neblinaredemoinhava em círculosgelados. Mas, comparada coma atmosfera da taverna, pareciasublime. Iniciamos a longaviagem de volta para WestBrompton.

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Capítulo SeisJÁ INSINUEI EM OUTRAS

NARRATIVAS, BEM COMONO CURSO desta, que às vezeseu ficava farto de SherlockHolmes. Naqueles anos, emBaker Street, a capacidade dogrande homem para seimpacientar com asconveniências das outraspessoas, quando estavaconcentrado na procura desolução para importantes

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problemas, muitas vezesprejudicou a grande estimaque eu tinha por ele. Naquelesanos ardentes da juventude eramuito mais fácil me revoltarsubitamente por diferenças deopiniões ou sobre prioridades.Um exemplo disso ocorreu nanoite da nossa aventura naTaverna do Baixo Nilo.

Tínhamos chegado ao pátioda escola, passando peloporteiro da noite, quecochilava plácidamente perto

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de um braseiro na casinha aolado do portão, quandoHolmes sugeriu uma visita àbiblioteca. Fiquei desapontadoe indignado ao mesmo tempo.Eram duas horas da manhã.Em menos de cinco horas osino chamaria todos para aoração matinal — todos, excetoHolmes, que não devia estardentro da escola em hipótesealguma. Eu disse então que acoisa mais sensata seria elevoltar ao sótão, onde sem

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dúvida Elizabeth o esperavaansiosamente, enquanto queeu iria para minha cama, dodormitório. Já estava atrasadonos estudos; se não dormissepelo menos um pouco, não iaconseguir me pôr em dianunca mais. Além disso, maisaventuras noturnas seriaarriscar demais a sorte;podíamos ser surpreendidos eentão eu também ia serexpulso.

Holmes insistiu. Precisava

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que eu lhe mostrasse o lugarexato de onde tinha vindo otilintar de campainhas. Issolhe indicaria o motivo dapresença do intruso nabiblioteca naquele dia, que eleacreditava ter ligação com osgritos alarmados de Khasek de"Rame Tep!" e com as últimaspalavras de Waxflatter, Eh-Tar. Ora, para mim tudo issoparecia um exagero; alémdisso, eu mal podia falar, detão cansado. Contudo, durante

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a árdua caminhada deWapping até a escola, quem sequeixou de cansaço foi Holmes.Mas agora, ao que parecia,estava completamente refeito eimpaciente como um duende.Não deu atenção às minhasobjeções. Assim, foi mais porpura exaustão do que porconfiança no plano quecapitulei. No silêncio da noitecaminhamos para a biblioteca.

Qualquer esperança que eupudesse ter de que estivesse

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trancada e impenetráveldesvaneceu-se quando Holmes,que invariavelmente levavaconsigo uma enormequantidade de instrumentos,tirou do bolso uma chavemestra. Previsivelmente, elelevava também no bolsofósforos suíços que nospermitiram acender umlampião de queroseneoportunamente esquecidosobre a mesa do bibliotecário.Assim equipados, começamos a

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andar entre as estantes delivros com a leveza de umapantera.

Como era de se esperar,Holmes ficou impacientequando não consegui localizarde imediato o lugar do meutombo. Então, lembrei-me deHeródoto. Se pudesseencontrar a seção em queestava o historiador grego,então, o lado oposto seriaaquele de onde partira o somtilintante. Por sorte, na seção

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de literatura clássica, encontreio lugar exato. Holmesimediatamente subiu naescada no outro lado que, parasua satisfação, revelou ser aseção de história E-H. Suasmãos alcançaram um volumede egiptologia. Esperei ao pé daescada que ele descesse, mas fezum sinal para que eu erguessea lanterna, a fim de quepudesse anotar alguma coisado volume que segurava.

— Por favor, Holmes —

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implorei — escreva o maisrápido possível.

Cada minuto parecia umahora naquela situação, cadaestalido do prédio velho aameaça de sermos descobertos.Mas Holmes estavaentusiasmado demais para daratenção aos meus temores.

— Incrível! — exclamouele.

— Holmes, fale baixo!— Sim, naturalmente.

Desculpe, Watson. — Mas essa

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consideração durou pouco. —Oh, meu Deus! Espantoso! —exclamou ele, reagindo a umanova revelação, e sua voz ecooupela sala deserta.

Ali de pé, perto da escadacomo um farol Bartholdi, senticrescer meu ressentimentocontra os riscos a que Holmesestava se expondo.

— Rápido, Holmes —implorei, apanhando no bolsoum drope de pêra. — Holmes,por favor.

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Mas o pesquisadorimperturbável não me deuatenção. E só depois de umahora achou que estavasuficientemente informadopara sair da biblioteca.Quando por fim encosteiminha cabeça no travesseiro,no dormitório, o sono chegou,inquieto. Pois, em poucotempo, sabia que seriaacordado pelo sino.

Passei o dia seguinte comoum sonâmbulo nas aulas,

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consolado apenas pelo fato deque tudo o que estavamensinando era repetição paramim. Devido à superioridadedo ensino na minha antigaescola, na verdade eu nãoestava sendo prejudicado. Aocontrário, meus colegas malconseguiam me acompanhar.Mesmo assim, na hora dojantar não estava com meuapetite habitual, umaconseqüência da fadiga.Prometi a mim mesmo não ir

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ao sótão de Waxflatter naquelanoite, uma promessa que nãocumpri.

Mudei de idéia por duasrazões principais. Por maisexigente que fosse, Holmes erameu amigo e intelectualmentemuito superior à maioria dosestudantes do Old Broms, cujosinteresses limitados emesquinhas preocupações eucomeçava a acharinsuportáveis. Holmes erasempre estimulante e eu tinha

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motivos para acreditar que merespeitava. O fato de às vezesabusar do meu bomtemperamento podia serignorado; precisava de mimcomo uma caixa deressonância das suas teorias eeu considerava isso umprivilégio. E naturalmentehavia Elizabeth, aquela jovemmaravilhosa, cuja capacidadepara me envolver na aura doseu amor por Holmes era tãopreciosa para mim. Outro

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motivo para ir ao sótãonaquela noite, devo admitir,foi a curiosidade. Precisavasaber ao que as investigaçõesde Holmes o estavam levando.O que significava Rame Tep?

Naquela noite Holmes fezum relatório das suaspesquisas, que haviamcontinuado vigorosamente nosótão durante todo aquele dia.Ao que parece, Elizabeth haviaencontrado entre os objetos dotio certos livros relacionados

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com o assunto, um fato queHolmes considerou mais doque coincidência. Mais tarde,mais de uma vez nosdeparamos com esse fenômeno.Era como se os livros tivessemvontade própria. Quando apesquisa é honesta e válida,eles aparecem como por umgolpe de mágica. Ou talvezesteja dentro do poder humanoadquirir conhecimento dessemodo. O que posso dizer é quemuitas vezes me aconteceu

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encontrar por acaso (se é queacaso é a palavra correta) nobalcão de livros usados, ouolhando para mim da estantede uma biblioteca, um livroque eu precisava urgentementemas não tinha esperança deencontrar. Talvez a vida sejauma estrada pela qual jácaminhamos antes. Mas,naturalmente, este não é omomento para taisquestionamentos. Basta dizerque havia vários volumes sobre

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egiptologia espalhados pelosótão.

Holmes estava tranqüilo eUncas dormia aos pés deElizabeth. Chegara o momentode rever a situação. Holmes nosfez lembrar que nenhumaoutra civilização antiga haviabaseado sua vida social ereligiosa, na verdade toda a suacultura, na idéia central daimortalidade, como a dosegipcios. Durante toda a suaexistência, a principal

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preocupação de um egípcioculto durante as dinastias eracom a vida do além- túmulo. Aconstrução do seu túmulo, aornamentação e o mobiliárioeram suas prioridades. A idéiaabsorvia seus pensamentos eera responsável por grandeparte da sua riqueza terrena.Tinha sempre em mente omomento em que seu corpomumificado fosse levado parauma casa na colina, a moradamais permanente do que

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qualquer uma que pudesse terem vida. Naturalmente, nossoconhecimento da doutrina daressurreição e da vida futuraaceita pelos egípcios éfragmentário. Seus estudiosos eescribas achavam desnecessáriodocumentá-la para aposteridade, uma vez queexistia uma obra sagrada comtodas as indicações necessárias:o texto religioso chamado oLivro dos Mortos.

Escritas em papiro e

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depositadas nos túmulos dosmortos, essas escrituras erameternas. Baseavam-se naexperiência de mais de cincomil anos. Refletiam as crençassublimes e as aspirações dacivilização egípcia. Revelavamtambém, sob a forma deamuletos, talismãs e ritosmágicos, um respeito reverentepela superstição. Assim como ocristianismo, maistarde, levaria consigo em seusrituais muita coisa de origempagã.

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Na verdade, a crença básicado cristianismo talvez tenha seoriginado na antiga crençaegípcia da ressurreição. Estatinha suas origens na natureza,nas enchentes periódicas doNilo, que transformavam aterra seca em campo fértil erecriavam a vida. E o pontocentral era o relacionamentode Rá, o deus sol, com Osíris, odeus dos mortos, umrelacionamento paralelo aoque há entre Cristo e Deus

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Todo-Poderoso. Na verdade, odesempenho principal emtodas as religiões é o da morte edo renascimento. Não é deadmirar que tenha nascido nodelta do Nilo, porque aí o cicloda natureza era mais do queevidente.

Osíris, então, era o deus daressurreição, como se tornouCristo para os cristãos. Osírisera de origem divina, filho deRá. Foi morto pelas mãos domal e, depois de uma luta

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contra essas forças, voltou aviver. Portanto, parecia lógicoque o mesmo acontecesse aosque acreditavam nele, desdeque fossem observadosmeticulosamente os costumesimemoriais de sepultamento.

Os mortos egípcios erammumificados, imitando aforma mumificada de Osíris. Oprocesso de preservaçãotornou-se uma ciência defórmulas secretas. Os métodoseram sempre aperfeiçoados.

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Uma hierarquia se desenvolveunessa arte. No lugar mais altoestava uma divindade, Anúbis,o deus do embalsamamento.

Mesmo depois de adotaremo cristianismo, continuaram amumificar seus mortos,combinando sua adoração porCristo com a adoração de Osírise dos deuses da antiguidade.Contudo os cristãos, emborapregassem a doutrina daressurreição, insistiam emdizer que não havia

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necessidade doembalsamamento. Ensinavamque era um costume semutilidade. Os escolhidosreceberiam seus corpos devolta, intactos, pela graça deDeus.

Cabe aqui uma pequenadigressão. Mais tarde, emnossas vidas, nem Holmes nemeu poderíamos ser qualificadoscomo cristãos praticantes.Nunca soube que ele tivesse idoà missa. Acho que se pode dizer

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que sua mente inquisitiva eseu modo científico de encarara vida anularam o que deve tersido uma educação católica dainfância. Mas estou certotambém de que era umhomem de profundaespiritualidade, mais místicado que eclesiástica. Seu modode ver o assunto era eclético.Selecionava de todas as crençasaquilo que parecia pertinente àprocura da verdade absoluta.Essa atitude se estendeu, talvez

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interesse ao leitor saber, maistarde aos fenômenos psíquicos.No curso de uma das suasinvestigações, Holmesconsultou um médium.Quanto a mim, o exercício damedicina metodicamentereduziu minha capacidadepara respeitar os mais rígidos emenos plausíveis dogmas dacrença convencional.Entretanto, a Inglaterravitoriana, como o Egito antigo,demonstrava ampla evidência

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da esperança de que o corposobrevivesse à morte. Bastavaolhar os mausoléus dos ricosnos nossos cemitérios. Seutamanho e opulência semdúvida sugeriam a realidadedessa aspiração. Mas, voltandoà minha narrativa...

O costume de fazer múmiasgradualmente se tornouobsoleto e diminuiu o culto aOsíris. Mas houve uma exceçãoa essa evolução geral. Mais oumenos em 2.500 a.C., quando a

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Grande Pirâmide era aindajovem, surgiu em Abidos, nosul do Egito, uma seita quepraticava uma formadistorcida da crença central nasobrevivência após a morte. Foifundada por um sacerdoterejeitado por seus pares, que oconsideravam corrupto edecadente. E era verdade: seuculto não passava de umadistorção depravada da antigacrença. Seu deus principal eraAnúbis, o deus de cabeça de

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chacal que presidia aoembalsamamento.

Segundo esse culto, os vivosdeviam ser periodicamentesacrificados para garantir aressurreição de todos. Meninasque atingiam a puberdadeeram as vítimas preferidasdessa religião odiosa, na suaessência um culto dafertilidade. Essas vítimas dosacrifício eram mumificadasvivas. Embora as autoridadestenham tentado livrar a

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sociedade dessa seita, que sehavia disseminado e eratemida por toda parte, sóconseguiram fazer com que setornasse secreta. O nome dofundador da sociedade eraRame Tep.

Holmes descobriu que osRame Tep eram especialistasno fabrico de drogas feitas comvárias plantas e suas raízes.Para os inocentes quedesejavam mumificar usavamuma droga que produzia um

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estado semelhante ao transe.Contra seus inimigos, usavamuma droga que provocavaalucinações. Quandointroduzida na correntesangüínea produzia pesadelostão horríveis, mas tão reais,que a vítima não distinguia ailusão da realidade. Era umcaso de "os deusesenlouquecem aqueles a quemdesejam destruir".

Holmes então revelou umfato realmente notável.

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Descobrira que os Rame Tepusavam um espinho, nãomaior do que um alfinete, euma zarabatana para injetaresses venenos terríveis em suasvítimas. Os dardos eram feitosde lascas de palmeiraimpregnadas com o veneno. Astribos das selvas do Equadorainda usam zarabatanas edardos para caçar animais noalto das grandes árvores. Avítima quase não sente aentrada da farpa no corpo e,

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naturalmente, a distânciagarante o anonimato doassassino.

— Mas Holmes — observei— alucinação não é uma armamortal, por piores que sejamseus efeitos. Afinal, é uma coisaabstrata. Não é possível mataralguém com alucinações.

— Acho que é, Watson —disse ele. — Acho que se podematar por esse meio. Pense emalguma coisa que é maisrepulsiva para você. Cobras,

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aranhas, morcegos ou ratos.São temores que levamgeralmente a fobias. Outraspessoas temem o fogo ou aágua de modo exagerado. Essestemores, como sabe, sãoprimitivos. Muito bem,Watson, suponha que o dardoo levasse a um pavor deinsuportável magnitude.Suponha que o medo setransformasse em realidadeviva. Pode levá-lo a agirirracionalmente, até o ponto

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da autodestruição. Pode levá-loa saltar de uma janela ou seatirar na frente de umacarruagem em movimento, noseu desespero para fugir dohorror insuportável. As pessoaspodem, literalmente, morrerde medo, Watson.

— Quer dizer que é possívelaté enfiar uma faca no própriopeito, por puro pânico, comoaconteceu com o pobreWaxflatter? Mas por que,Holmes, alguém ia querer

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fazer mal a um homem tãobom? E como você pode ligarsua morte à Rame Tep, umaseita religiosa criada há cincomil anos? Afinal, Holmes,estamos vivendo no centro dacivilização e no séculodezenove!

A expressão de Holmes era aque eu veria muitas vezes nocurso dos anos. Uma máscarairônica e intimidante.

— Muito bem, Watson —disse ele. — Você está se

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tornando um ótimo detetive.Suas perguntas são de primeiraqualidade. Entretanto, arealidade é que elas ainda nãotêm resposta.

— Mas de uma coisapodemos ter certeza — disseElizabeth.

— O que é?— O assassino está dentro

da escola.— Uma afirmação

apressada, minha querida, semdúvida nenhuma — disse

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Holmes. — Naturalmente,deve estar pensando no somque Watson ouviu nabiblioteca.

— Mas eu também o ouvino pátio — disse ela. — Uncasperseguiu aquela figura noescuro. Ele estava perseguindoo tilintar de sinos.

Holmes, aparentemente, foitomado de surpresa.

—Naturalmente.— E Uncas tirou um pedaço

da capa negra. Tentei tirar da

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boca dele. É possível que tenhatrazido para cá.

— Meu Deus! — exclamouHolmes. — O que estamosesperando? Precisamosexaminar cada centímetro dosótão. Precisamos encontraraquele pedaço de pano.

Não sei se sou o único, masacredito que não seja, averdade é que uma dasocupações que menos meagradam é procurar coisasperdidas. O caso é que sempre

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atribuí aos objetos inanimadosuma vontade própria: paramim eles se escondemrealmente. Basta eu derrubarum botão ou uma colher deovos da mesa e, no curto espaçode tempo necessário para oobjeto chegar ao chão, eleresolve viajar, adotar um meioqualquer de camuflagem, e sóquando está pronto revela seuparadeiro. Assim, parecia-mepouco provável quepudéssemos encontrar aquele

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pedaço de pano entre adesordem dos objetos doprofessor. Além disso, nãotínhamos certeza de que estavano sótão. Mas sejam quaisforem os deuses que orientamessas formas inferiores de vida,eles estavam do nosso ladonaquela noite. Depois de umahora, durante a qual descobriquatro pés esquerdos desapatos ("É apenas um sapato,Watson", explicou Holmes."Acontece que Uncas está

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levando sempre o mesmo paravocê."), ouvimos Elizabethexclamar:

— Achei!Dentro da caixa de

ferramentas de Waxflatterestava o pedaço de pano,grudado em uma tachinha.

Holmes, naturalmente,ficou satisfeitíssimo. Era aprimeira peça tangível deevidência. Imediatamente ele asubmeteu ao escrutíniocientífico. Isso quer dizer que

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fui encarregado mais uma vezde procurar produtosquímicos. Holmes estavatambém mais exigente no quese refere às suas necessidadesdietéticas. Percorri o mercadolocal Inteiro à procura de umcerto crustáceo só encontradoquando as marés equinociaisda Normandia o levavam até apraia. Para Holmes eraalimento para o cérebro.(Felizmente, devo declarar, elese contentou com camarões em

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conserva.) Em pouco tempoestava preparado paraanunciar algum progresso. Opano tinha sido tratado comum álcool industrial, semdúvida para remover algumamancha. Holmes identificouesse produto como um líquidofabricado pela firma Frogit &Frogit, com armazéns no Shad,ao sul do Tâmisa. Sugeriu quenós três fizéssemos uma visitaao lugar.

Eu esperava encontrar o

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armazém movimentado comouma colmeia. As vias de acessoao porto eram as artérias donosso grande Império, do qualLondres era o coração. Aatividade nas docas éincessante. Mas o queencontramos foi um edifícioalto, do qual a prosperidade hámuito fugira. Os ratos tinhamtomado conta das ruínas, emum beco. Barris com o nomeda firma estavam vazios; amaquinaria estava

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enferrujada; aqui e ali umaporta batia, açoitada pelovento gelado. Tivemos deentrar por uma janela, comvidros quebrados. Então,caminhamos cuidadosamentepelo assoalho que ameaçavaruir sob nossos pés. Um ratoremexia o lixo. Holmes, então,avistou algo no escuro. Doassoalho apodrecido erguia-seuma estrutura em forma depirâmide, com mais ou menosum metro de altura.

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Examinando-a de perto,verificamos que era feita depedra. Mais estranhos eram osdesenhos gravados: hieróglifosegípcios e antigo trabalho dearte representando um ritoprimitivo.

— É uma estátua — eudisse.

—Não, Watson, não é.— O que é, então?Elizabeth e eu esperamos a

explicação enquanto Holmesandava em volta da pirâmide.

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— Apenas a ponta de umiceberg — disse ele,enigmaticamente.

Eu ia começar a fazerperguntas quando ouvimos umruído ensurdecedor de madeiraque se partia. O assoalhocedeu. Holmes, Elizabeth e eufomos lançados para a frente.Escorregamos por uma rampapara o andar de baixo.Limpando da roupa lascas demadeira e pedaços dealvenaria, vimos que

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estávamos agora na base deuma pirâmide muito maior doque a que víramos lá em cima.Tinha uns cinco metros dealtura. Começamos a andar emtorno dela. Em um dos seuslados havia uma escada emespiral que ia dar em um nívelmais baixo ainda. No outrolado havia um alçapão.Entramos por ele em um túnel,onde só podíamos nos arrastar.No fim do túnel vimos orifíciospelos quais passava a luz.

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— Vamos sair daqui — eudisse, mas ninguém podiasegurar Holmes naquelemomento.

Como toupeiras em umtúnel sob a terra, nosarrastamos na direção da luz.O que vimos pelas aberturaspodia ser descrito como umabizarra fantasia teatral. Masnão era. Era diabolicamentereal.

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Capítulo SeteOS DISTRITOS AO LADO

DO TÂMISA, SHADWELL,WAPPING e Limehouse sãoflanqueados, no lado damargem do rio, por armazénsque, vistos do rio, parecem tãoameaçadores quanto os murosde uma prisão. Na época destanarrativa, cerca de dez milnavios por ano descarregavamneles matérias-primas emercadorias para alimentar a

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maior cidade do mundo. Portrás dessa panóplia decomércio, floresciamcomunidades diversas, cadauma com seus costumes etradições e prazeres importadosde terras distantes.

Os chineses tinham seubairro em Limehouse, ao longoda East índia Dock Road; osirlandeses haviam seestabelecido em Spitalfields eShadwell; as comunidadesjudaicas estavam em Aldgate e

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Stepney; os lascares,tripulações indianas dos naviosingleses, estavam por toda aparte, bem como os emigrantesda Arábia, África,Moçambique e das ilhas doPacífico Sul.

Havia mesquitas, templos esinagogas. Casas de ópio. Nosbordéis, muitas prostitutaseram francesas ou italianas.Algumas áreas do East Enderam tão perigosas que apolícia se recusava a patrulhá-

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las; grande parte da corrupçãoos policiais preferiam ignorar.Tudo o que era misterioso,secreto e sinistro na vidavitoriana medrava nos bairrosdas docas, convenientementeescondidos atrás da tela derespeitabilidade na qual asociedade preferia ver a simesma. E era o lugar idealpara esconder o ritoinominável que íamos assistir epara o qual aquela casa emruínas fornecia a camuflagem

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perfeita.Estávamos espiando através

do olho de um ídolo, queparecia ter a forma de animal,com dois braços atrofiados quese estendiam, prontos para umabraço. A julgar pelo tamanhodessas protuberâncias, quetinham uma textura deconcha, como se fosse umcrustáceo monstruoso, o deusdevia ser enorme. Era,evidentemente, o centro de umaltar muito elaborado,

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flanqueado por outros deuses,alguns com rostos humanos ecorpos de leão, outros comforma completamentehumana, corpos lisos e rostosjovens eternizados na pedra.Havia sarcófagos, toscamentecobertos de hieróglifos, lindastapeçarias, papiros estendidosem molduras de madeira, tudoevidenciando a natureza doantigo Egito naquele templosinistro, onde candelabrospendentes do teto curvo davam

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o tom de mistério religioso,negando a depravação dacerimônia ali em curso.

Com um capuz em formade cabeça de chacal e ummanto dourado, um sumosacerdote orava em línguaestranha, diante de unscinqüenta suplicantes. Estesusavam túnicas longas cor deterracota e tinham as cabeçasraspadas, exceto por umatrança pintada de verde, queparecia uma serpente. Dos seus

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cintos pendiam zarabatanas demarfim entalhadas,semelhantes à que tínhamosencontrado, e pequenas sacolasde couro que deviam comcerteza conter os espinhos queatiravam com a arma.

A uma ordem do sacerdote,os idólatras ergueram os braçosem homenagem ao deus doaltar; isto produziu um cres-cendo do tilintar de sinos quejá conhecíamos. Era provocadopelos amuletos de pedrarias

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que todos usavam no pulso.Ao lado do altar, um

homem robusto, que devia sernúbio, tomava conta de umaurna verde na qual umasubstância oleosa fervia,soltando fumaça, enquanto nafrente do altar o corpo de umaadolescente estava sendocoberto com os linimentos dainumação. Para nosso horror,compreendemos que a joveminocente estava viva, emboraaparentemente em transe, e

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olhamos sem poder acreditarquando foi levada, como umasonâmbula, até um caixãomortuário e colocada dentrodele.

Holmes quebrou oencantamento lançado sobrenós por aquele tremendoultraje.

— Aqueles, amigos, sãoseguidores do culto de RameTep — observou ele. — Voudescer até o templo.

Voltou pelo túnel e

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reapareceu lá embaixo,escondido da assembléia atrásde uma coluna. O cântico aessa altura atingia um ritmohistérico. Todos os olhosestavam no caixão. Vi Holmesse colocar silenciosamenteatrás de um dos homens e tirardo cinto dele uma sacola deespinhos, sem dúvidatencionando analisá-losquando estivesse a salvo nosótão, embora a perspectiva definal tão agradável parecesse

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naquele momento muito maisremota, em vista da nossasituação. Holmes seriadescoberto, sem dúvida, equando isso acontecesse nóstodos estaríamos em umaencrenca. Havíamos invadidoo recinto de uma sociedadesecreta. Certamente não iampoupar nossas vidas.

O rito pavoroso chegara aoauge. O líquido da urna verdeestava sendo transferido para ocaixão. A infeliz vítima fora

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mumificada viva!— Parem, assassinos! —

gritou Holmes e meu coraçãoparou.

O canto silenciou. Todos osolhos se voltaram para ele e oshomens rapidamente foramem sua direção, as zarabatanaserguidas, prontos para matar.Holmes correu para salvar avida.

Nós nos encontramos naescada em espiral. Assim quechegamos no topo, jogamos

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sobre os homens lá embaixotodos os barris vazios queconseguimos encontrar, o queatrasou a perseguição.Enquanto fazíamos isso,éramos envolvidos por umaverdadeira chuva de espinhosenvenenados, que pareciampicadas de mosquitos na nossacarne. Mas estávamos pordemais ocupados com a fuga,para pensar na inevitávelconseqüência.

Corremos pelo assoalho

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desmoronado até a janela quedava para o beco. Por alichegaríamos às ruas da cidadee a uma segurança relativa.Fora do armazém pensamosestar livres deles, mas ummembro mais tenaz, armadocom uma faca ameaçadora,saltou a janela atrás de nós.Entramos em pânico. Fugimospara o lado errado e chegamosao fim do beco sem saída. Erabloqueado por uma cerca alta,que escalamos, e do outro lado

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nos encontramos dentro de umcemitério, onde a luz da luasobre a neve desenhavasombras estranhas das estátuase dos túmulos mórbidos.Estávamos no país dos mortos.

Devido ao nosso esforço, adroga começava a fazer efeito.A princípio, uma agradávelsensação de bem-estar.Ficamos complacentes. Osinimigos podiam estar muitoperto, mas nem nosimportávamos com eles. Os

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monumentos à nossa volta nãonos intimidavam mais. Naverdade, ríamos daquelaostentação de mau gosto. Nóstrês ríamos, continuando aandar. Holmes passou o braçopela cintura de Elizabeth, quese aconchegou nele, e eu osacompanhei descuidado, comose estivéssemos passeando nocampo. Mas durou pouco. Aeuforia transformou-se emvaga sensação de medo.Estávamos a ponto de

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experimentar os horrores daalucinação.

Elizabeth foi a primeira aperder a noção da realidade,embora eu estivesse muitopróximo disso também, pois viclaramente o braço de umesqueleto surgir de um túmuloe agarrar a perna dela. Viquando Elizabeth cambaleoupara trás, horrorizada. Mas euainda tinha suficiente controledos meus sentidos paraperguntar a Holmes o que

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estava acontecendo.— Elizabeth está

começando a ter alucinações— ele disse, com umaexpressão preocupada, masainda calma. — Vamos ter deamarrá-la. — Voltou-se para ajovem apavorada e disse, comvoz tranqüila. — Não é real,Elizabeth. Você está apenasimaginando tudo isso.

Mas a essa altura ela jáestava gritando.

— Vamos, Watson, dê-me

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seus suspensórios.Naturalmente, naquelas

circunstâncias, não hesitei etambém dei a ele meucachecol. Íamos começar aamarrá-la em uma lápidevertical quando ela recuou ecaiu em uma cova vazia.

— Tio, por favor! — gritavaela, apavorada. — Não, tio, porfavor!

Sua mente perturbada,ficamos sabendo mais tarde,criara a ilusão de que o tio

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morto a estava enterrandoviva, de pé ao lado dasepultura, jogando terra emcima. Naturalmente eudesconhecia esses detalhes dodelírio naquele momento.Aliás, eu também começava ater minhas fantasias, o que meimpedia de ajudar Holmes emqualquer coisa que ele tentassefazer para evitar que nosferíssemos.

O leitor tem o direito deperguntar de que tipo foram

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minhas alucinações, emboraaté hoje me sintaenvergonhado cada vez quepenso nelas. Mas semprecompartilhei com Holmes orespeito por registrar sempre osfatos, o que me nega oconstrangimento da reticência.Na minha mente afetada peladroga, eu estava sendo atacadopor alimentos! Todo o tipo decomestíveis, que eu sempretivera tanto prazer emconsumir, estava agora

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tentando me devorar! Tortas,doces e pudins tinhammembros como tentáculos quese enroscavam no meu corpo,imobilizando-me até medeixar como um indefesoGulliver em uma estranhaLilliput.

De uma coisa tenho certeza.Nem Elizabeth e nem euteríamos sobrevivido paracontar a história, se Holmes,por meio de algum elementosuperior do seu metabolismo,

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não fosse capaz de atrasar aprópria queda no torvelinho dafantasia até tomar asprovidências necessárias paraque nós dois não nosdestruíssemos. Com o quedevia ter sido um esforçosobre-humano de vontade, eleconseguiu nos amarrar àslápides dos túmulos, usandonossos cachecóis e meussuspensórios, antes desucumbir também aosestranhos enganos e às

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estranhezas que naquela noiteroeram seu cérebro comovermes. Pois a julgar pelo queme contou mais tarde, ou, paraser mais exato, por suarelutância em discutir osdetalhes, concluí que seusofrimento tinha sido o maiorde todos.

O que consegui saber foique, depois de nos teramarrado com segurança,Holmes resolveu esperar onascer do sol. Ali perto, um

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mausoléu vazio parecia umbom abrigo, mas quandoentrou na cripta, elasubitamente se transformou nasala de estar da casa de suainfância. Sua alucinação tinhacomeçado.

Não era uma cena feliz.Naquele ambiente tão familiarpara ele, os pais discutiamamargamente. Ele tentouacalmá- los, mas o pai oacusou de ser o motivo dabriga. "Você destruiu a minha

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vida. Agora vou destruir a sua",foram as palavras terríveis dopai. Então, essa visão dolorosamudou novamente. Agora, opai tinha se transformado nafigura de um fanático RameTep e brandia uma faca,ameaçando o meninoapavorado. Holmes nãodistinguia a realidade dafantasia. Sabia apenas quenaquele mundo de pesadeloalguém se dirigia para elebrandindo uma faca. Ele ia

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morrer. Então ouviu um tiro.Holmes se viu diante do

cano de uma arma. Arealidade tinha voltado. Viu asilhueta de um Rame Tepfugindo na distância,mancando, como se estivesseferido. A arma apontada paraHolmes estava nas mãos de umhomem enorme, queevidentemente acabava de sairda cama, pois estava com umsobretudo sobre a camisa dedormir. Era o zelador da igreja,

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que acordara com todo aquelebarulho. Ajudou Holmes adesamarrar nós dois e entãodisse que ia nos levar ao centropolicial mais próximo, ondeseríamos acusados de invasãode domicílio.

No íntimo, fiquei aliviadocom esse final. Pois, na minhaopinião, o furioso zelador daigreja salvara as nossas peles.Mas Holmes não levou emconsideração esse aspecto dacoisa. Imediatamente, sua

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personalidade indignadaressurgiu, afirmando que aacusação era falsa e exigindoque o Sargento- DetetiveLestrade, da Scotland Yard,fosse informado da situação.Mais ainda, ele queria queLestrade fosse ao centro policialonde estávamos. O golpe deHolmes funcionou; a polícialocal ficou suficientementeintimidada ao ouvir falar emScotland Yard e enviou umamensagem urgente para

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Lestrade. Logo depois, odetetive chegou, rubro decólera. Disse furioso paraHolmes:

— Esta é a última vez quevou perder tempo com você —exclamou ele. — Por que nãopodem se comportar comorapazes normais? Queremacabar na cadeia? Esta é a suaúltima oportunidade. Faleicom as autoridades da igreja evão desistir da acusação, mas sealguma outra vez...

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— Mas Sr. Lestrade — disseHolmes — por favor,investigue. Esse culto fanáticoé temido em toda a cidade. Acomunidade muçulmana tempavor dele. Meninas estãosendo raptadas para seusrituais repulsivos. Tenhocerteza de que há uma relaçãotambém com as mortes deBobster, Nesbit e do ProfessorWaxflatter. Provavelmentehouve outras mortesmisteriosas. Precisa investigar.

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— Investigar o quê? —Lestrade tinha perdido apaciência. — Tudo isso éproduto da sua imaginaçãofértil. Que diabo,Holmes, não preciso mejustificar com você. É tudopura tolice. Estou na força hásete anos e você acha que sabemais sobre o submundo do queeu! Que arrogância! Agorasumam! Sumam, vocês todos!

Holmes voltou-se mais umavez para Lestrade.

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— Muito bem. Mas sugiroque peça ao pessoal dolaboratório para analisar istoaqui. — Tirou da sacola decouro alguns espinhos quecolocou na mão de Lestrade. —Acho que vai ter uma surpresa.

— Caiam fora!Quando estávamos saindo,

tive tempo de ver um dosespinhos enfiando-se na palmada mão do detetive. Ele oarrancou e, com um gesto dedesprezo, jogou-o fora.

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Capítulo OitoDURANTE MINHA LONGA E

ÍNTIMA CONVIVÊNCIA COM

SHERlock Holmes, jamais oouvi falar do seurelacionamento com a famíliae nem da sua infância. Osleitores que têm acompanhadonossas aventuras durante todosestes anos sem dúvida devemestar lembrados que nasMemórias (mais precisamente,no caso "O Intérprete Grego",

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que aparece naquele volume),considero essa reticência daparte de Holmes bastanteimportante para sermencionada. Acreditei queajudaria o público em geral acompreender seu caráter e oefeito quase místico que ele écapaz de produzir em mim enos outros. Era como se tivessesaltado de um passado amorfo,com um intelectocompletamente formado, umcérebro sem coração, um ser

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tão deficiente em simpatiahumana quanto bem-dotadoem inteligência: um fenômenoisolado.

Em retrospecto, acho queessas observações que fiz nasMemórias talvez tenham sidoinjustas, pois, por mais sobre-humano que ele às vezespudesse parecer, haviatambém um lado compassivonele que, por sua natureza, nãopodia ser conhecido de todos.

Como escrevi em "A

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Aventura do Negro Peter" (umcaso relatado em A Volta deSherlock Holmes), como todosos grandes artistas, Holmesvivia para a sua arte (emboraela fosse mais ciência do quearte, a ciência refinada dadedução) e os resultadosfinanceiros dessa arte eramassunto de segunda ordem.

Durante os muitos anos decompanheirismo, raramente ovi pedir grandes quantias ourecompensas por seus

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inestimáveis serviços. Tãopouco materialista ele era quemuitas vezes recusava ajudaaos ricos e poderosos, quando oproblema não era do seuagrado, ao passo que devotavasemanas de intenso estudo aocaso de um cliente humildeque apresentasse para elequalidades estranhas edramáticas, que incentivavamsua imaginação e desafiavamsua engenhosidade. Em outraspalavras, se a pobreza e a

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injustiça estivessem de mãosdadas, como tendem a andarna vida urbana, então Holmesestava disposto a fazer o papelde Robin Hood, se fosse preciso,e arcar com as despesas dessamissão.

A despeito desse aspecto dasua personalidade, em sua vidaadulta Holmes tornou-se umtipo essencialmente não-emotivo, contrário a fazernovas amizades e tão fechadoquanto aos fatos da própria

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família e das suas origens, quecheguei a pensar que era órfãosem nenhum parente vivo.Mas certo dia, para minhagrande surpresa, começou afalar sobre o irmão.

Era uma noite de inverno eestávamos confortavelmentedescansados em Baker Street,falando sobre o talento e atéque ponto qualquer domisolado possuído pelo indivíduopode ser atribuído àhereditariedade e até que

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ponto é devido a umaprendizado precoce. No casodele, sugeri, sua peculiarfacilidade para a dedução e suacapacidade de observação semdúvida se deviam a umtreinamento sistemático.

Holmes respondeupensativamente. Até certoponto, eu estava certo,concordou ele. Seusantepassados tinham sidosenhores rurais, que levavam avida normal da classe,

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portanto, não podia pensar quetivesse herdado deles qualquerdom. Contudo, admitiu ele,talvez houvesse uma parte dehereditariedade, pois sua avótinha grande poder deobservação. Era irmã deVernet, o pintor francês. Mas,acrescentou ele ironicamente,a arte herdada pode tomar asmais variadas formas.

Percebendo naquela noiteque eu não considerava issoprova suficiente de

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hereditariedade para os seuspoderes, Holmes disse que seuirmão, Mycroft Holmes,possuía essas qualidades emalto grau.

— Ele é sete anos maisvelho do que eu — disseHolmes — e muito superior amim em dedução e observação.

Também não podiaacreditar nisso. Seria possívelque existissem dois fenômenosdesse tipo, vivos e morando emLondres? No tempo da escola

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eu ouvira falar de Mycroft. Naverdade, Holmes pretendiaficar na casa dele quando foiexpulso do Old Broms, tendomudado de idéia, sem dúvidaante a perspectiva decompartilhar o sótão comElizabeth. Mas muitos anosmais tarde, quando Holmesfalou no irmão, não conseguiacreditar que existisse outrogênio da detecção alémdaquele de cujos casos eu era ocronista.

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Eu disse que Holmes estavasendo por demais modestocreditando o irmão comtalentos superiores aos que eutanto admirava nele. E se naverdade havia dois Holmes,como o outro conseguirapermanecer no anonimato?Holmes insistiu. Mycroft era overdadeiro mestre, masacrescentou que o irmão nãousava seus poderes paratrabalho de detetive; era muitopreguiçoso. Se ele o fizesse, se a

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arte do detetive se resumisseem raciocinar em umaconfortável poltrona, ajuntouHolmes, então seu irmão seriao maior agente contra o crimeque jamais existiu.Curiosamente, essa foi adescrição que eu finalmenteaplicaria ao meu amigoSherlock Holmes.

Seja como for, chegou omomento em que me foi dadoconhecer Mycroft Holmes,uma ocasião que descrevi nas

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Memórias. Holmes levou-meao Diógenes Club paraconhecê- lo, uma instituiçãocuriosa, com sede perto doCarlton, ao lado de Pall Mali.Era um homem muito maior emais gordo do que Holmes,extremamente corpulento, maso rosto, embora maciço, haviapreservado algo da agudeza tãonotável no irmão mais novo.Os olhos de um cinza claropossuíam um brilho estranho epareciam ter constantemente

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aquela expressão introspectivae distante que eu via emSherlock Holmes apenasquando estava fazendo uso detodo o seu poder deconcentração. Gostei deleinstintivamente e orgulho-meem dizer que, naqueleprimeiro encontro, Mycroft fezuma observação que considereiextremamente elogiosa, apesarda expressão de desagrado quenotei em Sherlock quando oirmão disse:

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— Ouço falar de Sherlockpor toda a parte desde que osenhor se tornou seu cronista— disse ele.

Bem, minha desculpa paraessas reminiscênciascomodistas sobre um fatoestranho à minha narrativa(muito no futuro, em relação àhistória que estou contando) éque, quando nos encontramosnovamente no sótão, depois danoite no cemitério, arelutância de Holmes em

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descrever os detalhes da suaalucinação era um sinalindicativo da sua reticênciasobre tudo o que dizia respeitoà sua infância. Só mais tardefalou sobre o conteúdo dopesadelo e o significado dadolorosa visão de um ambientefamiliar tão infeliz. No sótão,demonstrou o que interpreteicomo uma simpatiaincondicional e grandeinteresse pelos detalhes daalucinação de Elizabeth e riu

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às gargalhadas da minha.Decidido a achar a conexão

entre a morte de Waxflatter edos outros dois com asatividades da Rame Tep,Holmes encarregou-me deuma tarefa extremamentecansativa. A seu pedido, euexaminava os papéis dofalecido professor, váriosarquivos que, nem precisodizer, estavam em umadesordem incrível. Aquelaspastas cheias de papéis eram

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testemunhas de que o professorjamais procuraracompartimentalizar seusinteresses. Gráficos científicos,desenhos, fórmulasmatemáticas e notas de aulasestavam misturadas com acorrespondência pessoal. Atélistas de compras estavamguardadas naquelas pastas quedefiniam o caráter do homem,evidência de imensaindustriosidade e depouquíssimo método.

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Divertido, descobri que ovelho tinha o hábito deescrever bilhetes para simesmo. Esses exemplos aoacaso refletem, acho, suanatureza irrequieta — "Precisoescrever para Haslam-Hopwood sobre a Teoria daLevitação, de Stark",

"Comprar torta de carne deporco no Frampton" e "O gatode Bronya fugiu, mandecondolências". "Um pé de meiadescombinando, azul com

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pintas amarelas, no meio daminha roupa lavada. É deSnelgrove?" e "Defeito crônicono mecanismo hidráulico","Encomendar um pote de pastade arenque".

Havia uma infinidade dediários, o mais antigo datadodo começo do século; cartões-postais de terras estranhas,enviados por antigos alunos, noGrand Tour; programas deconcertos e estranhamente,pois eu sabia que sempre fora

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celibatário, vários catálogosilustrados de cintas e coletesfemininos, amplamenteilustrados. Que estranho velhofora ele, pensei. Encontrei umapequena tela sem moldura,com várias dobras, que haviamdeixado rachaduras e marcasno que parecia um quadro,representando um grupo dealunos de Brompton no dia daformatura. Sem dúvidaHolmes se interessaria por isso,pensei, nem que fosse apenas

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por motivos históricos, poismostrava como havia mudadoa moda dos estudantes desde1812, a data escrita no quadro.Na verdade, um dos estudantespintados pelo artista podiamuito bem ser o próprioWaxflatter. Mostrei o quadropara Holmes.

— Uma bela pintura, nãoacha, Holmes? — perguntei, debom humor.

— Pistas, Watson! — disseele, empurrando o quadro com

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impaciência. — Quero pistas,não crítica de arte. —Realmente, Holmes sabia sermal-educado.

E nem ao menos estavacontribuindo para a pesquisa.Ele queria pistas, mas o queestava fazendo para encontrá-las? Ocupava-se no que sóposso chamar de brincar,batendo de leve, masirritantemente, em um pedaçoda máquina voadora do velho;parecia um toco de asa.

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— Holmes — eu disse —por favor, quer parar com essabatida infernal? Está piorandominha dor de cabeça que, porfalar nisso, não passa desdeaquelas terríveis alucinações.

— Ajuda-me a pensar.— Pois eu não consigo

pensar em coisa alguma —respondi. — Estou com o sonomuito atrasado.

— Não temos tempo paradormir — disse Holmes. —Precisamos continuar o

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trabalho. Temos de encontraruma pista. Alguma coisa queligue Waxflatter à Rame Tep.

Holmes estava irritante aomáximo. Tive vontade deatirar o quadro na cabeça dele.Voltei aos arquivos, enfiei oquadro na pasta e olhei paraHolmes, furioso. Ele nãotomou conhecimento daminha hostilidade e continuoubatendo no pedaço de metal.Eu teria achado melhor o seuviolino. No sofá, Elizabeth

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cochilava tranqüilamente,com Uncas aconchegado a ela,nenhum deles perturbadoscom as batidas de Holmes.Provavelmente era soporíferopara eles. Se pelo menos tivesseo mesmo efeito em mim! Euestava cansado, entediado eintimidado pela tarefa queHolmes me confiara,comprometido por suasexpectativas.

Não adiantava; eusimplemente não podia mais

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examinar os papéis. Aevidência de uma vida inteirade desordem amontoava-se àminha volta. Ao diabo com aspistas! Holmes que asprocurasse. Eu estava commuito sono.

Então, na mesa ao meulado, notei um prato com umpedaço de doce e um garfo.Sem dúvida apetitoso, maslembrei- me de que um doceigual àquele havia me atacadodurante minha alucinação.

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Será que esse ia criar pernas efazer o mesmo?Cautelosamente, encostei ogarfo no doce. Seria real ouuma ilusão? Responderia se eufalasse com ele?

— Bem, Sr. Doce — eu disseem voz baixa — tem algumacoisa a dizer? Você é o queparece ou apenas um sonho?

Nenhuma resposta.Certamente podia ser comido.Toquei o doce outra vez.

— Watson!

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Santo Deus, ele falou? Não,eu estava cochilando e Hol-mes me sacudia.

— Watson, acorde! — Suaexcitação era intensa. —Watson, o que você fez comaquele quadro?

Tirei a tela da pasta eentreguei a ele.

— Meu Deus, Watson, vocêsabe o que encontrou?

— Um quadro da formaturade Waxflatter?

— Exatamente. E quem está

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de pé ao lado do professor?Esperei que ele me dissesse.— Bobster.— Bentley Bobster?— Ele mesmo. O contador

que, de acordo com o Times dodia doze de dezembro, cometeusuicídio em Pimlico. —Examinou as costas do quadro.— Veja, Watson, os nomesestão escritos atrás... Rupert T.Waxflatter, Duncan Nesbit,Oscar Hallmark... nomes queme lembro de ter visto nos

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obituários dos jornais. Todosmorreram recentemente demodo estranho. Muito bem,Watson, estou orgulhoso devocê.

Mas não tive tempo dereagir ao elogio de Holmes,porque, naquele momento, aporta do sótão foi aberta comviolência. Era Rathe.

— Holmes — disse nossovisitante inesperado — nãoesperava que nossas espadas secruzassem tão cedo.

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O desapontamento deHolmes foi profundo. Osmodos de Rathe, não apenas ofato de nos ter descoberto, osobressaltaram. Parecia esperaralguma simpatia do mestreque tanto admirava, masevidentemente isso não iaacontecer.

— O que significa isto,Holmes? — continuou Rathe.— O que está fazendo aqui?Foi proibido de entrar naescola. Venham ao meu

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escritório, os três.Não sei qual o instinto que

me conduziu, mas ao ver aexpressão de Rathe, queregistrava não somente zanga,mas medo, escondi o quadro daformatura sob minha camisa.Algo me dizia que eradestinado somente aos nossosolhos.

— Muito bem, Holmes. Noque esteve metendo seu narizcurioso? — Rathe estava agorasentado no seu escritório.

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Ainda atônito com osmodos de Rathe, Holmesrespondeu com uma pergunta.

— Como soube que euestava escondido no sótão deWaxflatter?

— Já se esqueceu de quecompartilhamos os mesmospoderes de dedução? — disseRathe, irritado.

Holmes não pareceuconvencido. Uma batida naporta e a Sra. Dribb entrou.Nossa presença, especialmente

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a de Hol- mes, a deixousurpresa.

— O senhor me chamou, Sr.Rathe?

— Preciso de sua ajuda comestes alunos, Sra. Dribb.

— Mas pensei que o jovemSr. Holmes tinha deixado aescola.

— Nós todos tínhamos essaimpressão — disse Rathe. —Infelizmente, o Sr. Holmes semeteu em uma encrencamuito mais séria. — Sua voz

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ficou severa. — Se os diretoresda escola soubessem dessatransgressão, Holmes, podiammandar prendê-lo. Gostaria deser mandado para a cadeia?

Holmes mal podia acreditarno que ouvia. O queacontecera com o galantemestre de esgrima que haviadefendido sua causa, que ficaraao seu lado contra a injustiçada sua expulsão?

Rathe se acalmou umpouco.

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— Mas não é necessáriocontar aos diretores. — Umapausa. — Holmes, estoudisposto a me esquecer disto,desde que amanhã você váembora de verdade. — Voltou-se para mim. — E vocêtambém, Watson.

Foi como uma agressãofísica.

— Senhor, quer dizer...— Quero dizer que se eu

levar o assunto aos diretoresvocê será também

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sumariamente expulso. Estouapenas tentando salvá-lo dessadesgraça.

O que eu temia há tantotempo estava acontecendo.Senti- me massacrado. Minhaamizade com Holmes puseraum fim aos meus dias deestudante, à minha esperançade cursar a universidade, àminha carreira médica. Aauto-piedade cresceu dentro demim, tirando-me a fala. Rathefalava agora com Elizabeth.

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— Acho seucomportamento tambémimperdoável, jovem — diziaele. — Foi com sua permissãoque o Sr. Holmes se instalou nolaboratório do seu tio?

Ela assentiu com a cabeça.— Acho isso

extraordinariamente imodestoem uma jovem de dezesseisanos.

Elizabeth corou. A Sra.Dribb olhou-a com desprezo.Voltando-se para Rathe, a

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governanta disse,maldosamente:

— Posso sugerir, senhor,que o cão seja levado para odepósito? Nenhuma outraescola aceita animais.

— Não, não — exclamouElizabeth. — Não pode fazeruma coisa tão cruel.

— Concordo, Sra. Dribb. Equero que o laboratório deWaxflatter seja desocupado.Jogue fora tudo. Precisamos doespaço para atividades

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escolares legítimas.Holmes voltou-se para ele,

furioso.— Mas, senhor, o sótão está

cheio de estudos de pesquisa doprofessor. Suas invenções estãolá. Há documentos de valorcientífico. Todo o tipo dedocumentos importantes. É achave do trabalho de toda avida dele.

— A vida dele terminou —disse Rathe secamente.

— O senhor não tem o

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direito — replicou Holmes,descontrolado.

— Não tenho o direito, Sr.Holmes? Seu tom mesurpreende. Especialmentequando o usa para falarcomigo.

A censura fez reviver aconfusão de Holmes por terapelado para sua antigalealdade.

— Desculpe-me — disse ele.— Perdi o controle.

Rathe recostou-se na

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cadeira e nos examinou. Depoisde algum tempo, falou outravez:

— Terão de passar a noiteaqui. A esta hora será difícilencontrar transporte. — Para aSra. Dribb ele disse: — Leve osdois rapazes ao quarto 14-B.Podem passar lá o resto danoite. A jovem ficará em umquarto separado. Sugiro o quefica ao lado do seu.

Saímos do escritório com agovernanta, mas Rathe

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chamou Holmes.— Lembre-se do que tentei

lhe ensinar, Holmes — disseele. — Controle suas emoçõesou elas o controlarão. Aemoção pode ser sua desgraça.

— Sim, senhor — disseHolmes humildemente ejuntou- se a nós no corredor.

Uncas foi trancado em umarmário de vassouras.Elizabeth foi levada para umquarto próximo. Nós doisentramos no quarto 14-B e

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ouvimos a Sra. Dribb trancaras portas com a chave.Estávamos presos por aquelanoite. Do corredor vaziovinham os ganidos tristonhosdo pobre Uncas.

O quarto 14-B era como acela de uma prisão. Muitosinfelizes deviam ter sidoenclausurados ali antes de nós,pensei. Não havia nenhumailuminação, a não ser a quevinha da neve gelada lá fora,através da clarabóia. Vimos

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um colchão sujo em uma camade ferro e as paredes com atinta descascada. Que lugarpara passar minhas últimashoras em Brompton! Comeceia andar de um lado para ooutro como um macaco nozoológico. Estava furioso comHolmes.

— Eu sabia que íamos serapanhados, eu sabia, Holmes.Para você tudo isto pode seruma aventura divertida, maspara mim é o fim de tudo.

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Preferia nunca ter-meenvolvido com você, Holmes!Pelo menos escute. O que estáfazendo?

Tinha tirado o colchão dacama e encostado o estrado naparede dos fundos. Usando-ocomo escada, Holmes chegou àclarabóia, abriu-a e agoraolhava para fosse o que fosseque havia lá embaixo.

— Podemos ir emboraagora — disse ele. — Venhaver.

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Menos ágil do que Holmes,foi com esforço que escalei oestrado da cama. Olhei pelaclarabóia e vi que estávamos auns cinco andares acima dosolo. Pelo menos a uns trintametros lá embaixo, o pátiobrilhava, coberto de geada.Senti uma vertigem súbita.

— Você é louco — eu disse.— Vou ficar aqui mesmo.Holmes ficou desanimado.

— Você me desaponta,Watson. Estamos para resolver

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o caso.— Se sairmos por essa

janela, a única coisa que vamosfazer é quebrar a cabeça —repliquei. — Não tem umasaliência sequer.

— Mas tem uma calha —disse ele, mostrando o canoenferrujado sob o beiral, queparecia incapaz de agüentar opeso de um gato. — Possosegurar na calha e chegar àjanela mais próxima. — Elecomeçou a pedir. — Preciso de

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você, Watson. Não meabandone agora. Estamosjuntos nisto. Somos umaequipe.

— Uma equipe perdedora— retruquei, cabisbaixo.

Mas eu sabia que não iademover Holmes do que ele jáestava resolvido a fazer. Nosanos seguintes, aprendi que avida de Holmes era umtestemunho do poderinconquistável da vontadehumana. Contudo, naquelemomento, eu estava certo de

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que ia se matar.Ele saiu pela clarabóia e

agarrou a calha, depoiscomeçou a se mover, encostadona parede do prédio, segurandoo cano frágil que rangiaassustadoramente. De onde euestava podia ver o que Holmesnão via: uma parte da calhatinha desaparecido, roída pelaferrugem, deixando uma falhaonde Holmes poderia pôr amão, com conseqüências fatais.Podia ver também como

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chegar até o telhado e tentarsalvá-lo.

Se me inclinasse para trás,ao sair da clarabóia, pensei,poderia chegar, com umacambalhota, ao telhadodiretamente acima de mim eficar de pé, pois parecia serplano. Fechei os olhos e dei acambalhota. Aterrissei notelhado, no exato momento emque a calha se partiu sob o pesode Holmes. Agora ele estavadependurado de cabeça para

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baixo, na extremidade de umatira de metal ligada à calhaprincipal por um fio fino eenferrujado. Agarrei a pernada sua calça. Agora, eu estavaliteralmente com sua vida emminhas mãos.

Não posso explicar qual oimpulso perverso que me fezpensar naquilo, mas ouviminha voz dizendo:

— Holmes, resolvi aadivinhação.

— Ótimo, Watson — foi sua

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resposta, ali dependurado.— O urso é branco — eu

disse.— Qual foi o seu raciocínio?

— perguntou meu amigoacrobata.

— Bem — respondi semconvicção — era a única corque eu ainda não tinhapensado.

— Soluções sem evidêncianão têm nenhum valor — disseele. — E se não me puxar paracima logo, eu também não

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teria valor algum.Tinha razão. A costura de

uma das pernas da calça estavase abrindo. Puxei a outra pernacom toda a força,surpreendendo-me com minhaprópria energia, e puxeiHolmes para a salvação, decabeça para baixo.

— Desculpe — eu disse.— De nada, meu caro

Watson. Aparentemente, estouótimo. Mas você, de fato,precisa raciocinar

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cientificamente.Eu suava no ar gelado.— Vou fazer isso, Holmes —

eu disse. — Vou fazer isso.Caminhamos

cuidadosamente pelo telhadoaté chegar auma clarabóia, através da qualvimos Elizabeth deitada,iluminada por um lampião deparafina. Levantou-seimediatamente quandobatemos no vidro. Abriu ajanela e entramos no quarto.

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Elizabeth fez um sinal paraque ficássemos em silêncio,mostrando a luz sob a portaque dava para o quarto da Sra.Dribb.

Holmes murmurou:— Ainda está com o

quadro, Watson?Tirei a tela de dentro da

camisa. Ele aproximou-a dalâmpada para ver melhor.Apontou para os que haviammorrido recentemente:Bobster, Nesbit, Waxflatter,

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Hallmark...— Hallmark? — perguntei.— Oscar Hallmark foi o

primeiro do grupo a morrer —explicou Holmes. — A políciao encontrou no Tâmisa, umex- membro do Parlamento.

— Conservador?— Ora, Watson. Isso é

relevante? Para dizer averdade, era radical.

— Quem é o quintohomem? — perguntei; eramcinco no quadro.

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— Pense, Watson. O rostonão é familiar? Lembre-se,todos tinham menos de vinteanos quando isto foi pintado,em 1820, de acordo com a dataatrás da tela.

— Então, todos devem teruns setenta anos agora.

— Brilhante, Watson.Quem foi que encontramos, nocurso da nossa investigação,além dos que já morreram, quese enquadra nessa descrição?

— Snelgrove?

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— Bobagem. Snelgrovejamais foi jovem. — Eracompreensível a má vontadede Holmes para com o mestreque havia engendrado suaexpulsão. — Tente outra vez.

Então, Elizabeth disse,entusiasmada:

— O homem que visitoumeu tio. O homem que fugiuno dia do enterro.

Holmes abraçou-acarinhosamente.

— Extamente, meu amor.

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Seu nome é Chester Cragwitch.E não acham estranho queesteja vivo ainda, o únicosobrevivente deste grupo?Precisamos encontrá-lo.

— Trabalho fantástico,Holmes — eu disse.

— Elementar, meu caroWatson — respondeu ele eElizabeth e eu trocamos umsorriso cúmplice.

— Agora o que devemosfazer é o seguinte... Escutamoso seu plano, com atenção.

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Elizabeth voltariaao sótão, apanhando Uncas

quando saísse. Holmes tirou dobolso uma chave mestra para oarmário das vassouras. Nosótão, Elizabeth apanhariatodos os objetos do professor,salvando-os, antes que a Sra.Dribb os jogasse fora. Umatarefa assustadora, masElizabeth não se esquivou dela.Enquanto isso, Holmes e eusairíamos à procura deCragwitch, que esperávamos

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encontrar antes que a RameTep o achasse.

Antes de nos separarmos,Holmes levou Elizabeth paraum canto do quarto. Beijaram-se tão apaixonadamente queeu não sabia para onde olhar.Tentei a porta.

— Está trancada — eu disse.— Naturalmente que está

— disse Holmes,interrompendo o namoro. —Tente esta chave. Se não servir,usaremos a clarabóia.

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Foi o que fizemos.Quando Elizabeth partiu

para cumprir sua missão e nósdois atravessávamos o pátio daescola, perguntei a Holmesaonde íamos.

— A Oxford — respondeuele. — Cragwitch mora emuma casa de campo perto deOxford.

— Mas isso fica aquilômetros daqui. Comovamos chegarlá?

— Um ônibus nos levará atéPaddington. Então, tomamos o

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trem. Devemos chegar antes dopôr-do-sol. Temos muitotempo, Watson. Hoje não háaula porque é domingo e apróxima semana é a última dosemestre.

Nunca mais escola paramim, pensei sombriamente,pois agora não podia de modonenhum evitar a expulsão.

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Capítulo NoveO TREM QUE TOMAMOS

EM PADDINGTON SEGUIAUM CURSO cheio demeandros, parando mais devinte vezes em estaçõessecundárias, não só para abaldeação dos passageiroscomo também paradescarregar todo o tipo demercadoria. Havíamos perdidoo trem direto devido àinsistência de Holmes em

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comprar, na estação, um mapado condado de Oxfordshire,enquanto eu fazia umsuprimento de cem gramas debalas de hortelã.Invariavelmente elas serviamcomo tranqüilizantes nasminhas viagens.

Foram bastante úteis. Cadaparada do trem parecia umaeternidade. Caixotes comferragens e sacos de material deconstrução eram entregues ecarregados para fora da

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estação. Em outras estações,milho e batatas eramembarcados. O objetivo demenor importância paraaquele trem parecia ser o dechegar ao destino, que era apequena aldeia de Wantage, auns três quilômetros e meio deOxford.

Depois dessa viagem,felizmente para as pessoas aquem, como eu, uma visita aOxford é sempre interessante, aGrande

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Ferrovia do Oeste Londres—Bristol estendeu sua conexãode Oxford à própria cidade, pormeio da linha de trens deWantage, mas tal facilidadenão nos esperava ainda quandochegamos na tarde daquele diade frio cortante.

Nossa situação financeirahavia determinado umaviagem de terceira classe, assimnos foram negadas amenidadescomo carro-restaurante ebanheiro. Na verdade, o que a

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ferrovia anunciava com tantoestardalhaço como "vagõescom passagem para oslavatorios de primeira classe"estavam fechados para nós.Para atender às exigências danatureza tivemos de dar umacorrida louca até o lavatoriopúblico na plataforma deReading. Voltamos ao trem eficamos parados durante umquarto de hora, enquantogalinhas vivas eramtransferidas da carroça do

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fazendeiro para um dos vagões.Aproveitei o tempo para

comprar dois sanduíches depresunto no bar da estação, sópara ser informado por Holmesque seu conteúdo erainaceitável, o que exigiu novavisita ao bar para comprar pãoe queijo. Ao que parece,Holmes estava fazendo umadieta que não incluía carne,partindo do princípio de que sea dieta vegetariana eracompatível com a força dos

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gorilas, sem dúvida devia sermuito mais saudável para ohomem, uma convicção queele pôs em prática por menosde uma semana,abandonando-a depois comoiria abandonar tantas outras,durante os anos seguintes.

O desconforto da viagemera acentuado pela aparentedisposição de Holmes àmeditação; sentou-se de frentepara mim, as pernas cruzadascomo um faquir indiano.

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Alegou que desse modo apaisagem campestre, quepassava lá fora, não podiaperturbar sua concentração nocaso que tentava resolver.Considerei essa atitudecompletamente desnecessária,na verdade um exagero deostentação, pois despertava acuriosidade dos passageiros.Uma camponesa queembarcou em uma das paradasrurais chegou a cutucarHolmes com o dedo a fim de

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certificar-se de que estava vivo.Assim, nos 90 quilômetrosdaquela viagem monótona,cheia de paradas e partidas,não tive ninguém com quemconversar no vagão quecomeçava a ficar saturado coma fumaça malcheirosa decigarros feitos em casa dos seusocupantes de mãos calosas,simples camponeses, que secutucavam divertidos com oespetáculo do meu excêntricoamigo.

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Sempre considerei o sistemaferroviário inglês ummicrocosmo do sistema declasses da nação, cujasbarreiras cruzamos a nossopróprio risco. Não vou dizer,naturalmente, que seja precisoir aos extremos adotados peloduque de Marlborough paraevitar contato com o homemcomum. Quando o duquedeseja ir do Palácio Bleheim,sua mansão ancestral emWoodstock, para Oxford, é

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adicionado ao trem um vagãoespecial, para ele e seusecretário. Os comerciantesviajam de segunda classe,operários e camponeses deterceira e bons vagões, atrás,levam gado e carvão. Issonaturalmente é segregação nomais alto grau, só acessível aosmuito ricos. Mas devoconcordar que, se a previsãodos radicais se realizar e asseparações de classes nasviagens se tornarem obsoletas e

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os trens se tornarem iguaispara todos, será um triste diapara a Inglaterra.

Depois da viagem de trem,nosso destino era CragwitchManor, pois evidentemente omisterioso Chester Cragwitchera um rico proprietário deterras, embora eu deva dizerque sua aparência desleixada eseus modos furtivos naqueledia no sótão, quando o vi derelance, não confirmavam essaprosperidade. Mas, como disse

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Holmes, qualquer pessoasabendo que está sendoperseguida por um bando debandidos assassinos devia serperdoada por não estar em suamelhor forma. Seja como for,quando descemos emWantage, Holmes examinou omapa do condado e concluiuque a mansão ficava a algumadistância, no outro lado dacidade. Uma caminhadarápida pelo campo erainevitável, disse ele, porque

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não tínhamos dinheiro paraalugar um transporte.Também não lhe desagradavaa idéia de chegarmos ao cair danoite e afirmou que aescuridão poderia ser vantajosapara dois estranhos nãoconvidados, ao se aproximaremda residência de um homemdesesperado. Não tínhamoscerteza de que seríamos bemrecebidos. Na verdade, domodo como correram as coisas,estávamos sendo otimistas.

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Sempre tive grande afeiçãopor Oxfordshire,aparentemente desde esseprimeiro contato com ocondado. É um lugarrealmente no centro daInglaterra, uma área agrícolatranqüilamente situada entreas indústrias de Coventry eBirmingham e as de Londres.Esses escuros infernos nãoecoam naquele interior limpo,cheio de fazendas e bosques defaias, embora naquele tempo se

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avistasse ainda, do sopé dasColinas Chiltern, a fumaçalondrina infiltrando-se peloGoring Gap. Mesmo naqueledia de inverno a paisagem erabela e pacata, as terras aradasse estendendo como lençóis devidro sob as cobertas de neve,sincelos e pilriteiros pendiamdas cercas vivas.

Não revelei a Holmes meussentimentos, quando eledecidiu que uma caminhadade dezesseis quilômetros era

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exatamente o que eu desejava,mas secretamente comecei asentir prazer no passeio. O arseco e frio, extremamentepuro, era um bálsamo parameus nervos tensos. Aspreocupações que meatormentavam desde oultimato de Rathe começarama diminuir. Eu acabava detomar meu segundo fôlego.

Jamais me senti realmente àvontade na cidade. Mesmodurante aqueles anos em Baker

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Street, muitas vezes meretirava para os lagos deCumbria ou para um vilarejonas montanhas, na Engadinesuíça, para curar as aflições davida urbana. Assim, enquantocaminhávamos pelas trilhas ecaminhos estreitos deOxfordshire, eu me deleitavacom a paisagem rural e com ossons, o canto dos pássaros quevoavam para casa emformação, a luz das velas nasjanelas das fazendas isoladas, a

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evidente perfeição de tudo queera natural e ordenado noambiente do homem.Caminhando sob a luz cadavez mais pálida daquele diagelado de dezembro, tudo issome dava a sensação desegurança.

Com a aba do sobretudovoando atrás dele, Holmescaminhava com passos rápidos.Na luz do dia que desenhavasombras, parecia umpersonagem de um romance

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gótico. Que qualidade era essaque ele possuía, perguntei amim mesmo pela milésimavez, que o faz tão diferente dohomem comum? Às vezeschegava a acreditar que fossecomposto de elementosinsubstanciais, pura energia,ao invés de carne e sangue Àsvezes Holmes me parecia umser imaginário. Naturalmente,cada época forma seus super-homens, de acordo com suasnecessidades. Acredito que era

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um privilégio para mim verem Holmes as qualidades que,com a passagem do tempo,alcançariam seu apogeu. Eunão tinha meios de saber queele se tornaria a máquina maisperfeita do raciocínio e daobservação, cujas deduçõesseriam tão rápidas quantointuições. Mas em momentoscomo aquele, eu sentia queestava na presença de um serexcepcional. Somente o ladomais mesquinho da minha

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natureza o via como umcontemporâneo do colégio dequem provinham todos osmeus problemas.

Contudo, eram problemasbastante sérios. Quandochegassem as férias de natal,que estavam próximas, eu teriade viajar para o norte eexplicar a situação aos meuspais, que esperavam de mimapenas progressos na direçãodo curso universitário.Dificilmente eu os convenceria

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de que tivera grande vantagemcom a companhia de umamigo da escola com poderesnotáveis e que meu tempo foraocupado em descobrir umculto que adorava o deusegípcio dos mortos! Não eraassunto para ser discutido noNatal! Percebendo então ocaminho que tomavam meuspensamentos, procurei desviá-los e fixei a mente nosbenefícios trazidos por meuconhecimento com Holmes,

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embora deva confessar que aenumeração dos mesmos nãome parecia fácil enquantocaminhávamos na direção dacidade dos campanáriossonhadores.

Durante os séculos, homensmais capazes do que eudescreveram sua sensação aover Oxford pela primeira vez.Creio que NathanielHawthorne, aquele alegóricoescritor da Nova Inglaterra,falecido há pouco tempo,

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acertou quando escreveu sobreuma impressão de decadênciapitoresca."Como é antiquado o aspectodaqueles pátios dos colégios",disse ele. "Tão roídos pelotempo. Tão semi-demolidos,tão escurecidos, tão cinzentosonde não são negros, tãoelaborados na forma, aqui umalinha de ameias e ali umafileira de cumeeiras; masadiante uma torre, talvez coma escada em caracol; e janelas

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rendadas, com pinásios depedra e pequenos Vitrais commoldura de chumbo, e osclaustros com a longa arcadadando para um pátio fechado,pavimentado de pedras." O queHawthorne vira em 1856 euestava vendo em 1870. Nadahavia mudado.

As faculdades evocaram emmim, como acredito que façampara a maior parte dos que nãotiveram a sorte de pertencer àuniversidade, um sentimento

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de inveja das suas glóriasacadêmicas, dos seus secretosprivilégios, docompanheirismo e da naturalpressuposição de superioridade.Mais tarde em minha vida, eupassaria um ano feliz emHarvard, a universidadefundada por nossos antigoscolonos, em Massachusetts, nocomeço do século XVII. Será aaura daquela sede do saber,com duzentos anos, multodiferente da de Oxford, que é

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três vezes mais antiga?Naturalmente que sim, masnão pretendo tirar o mérito deHarvard. Tem antiguidadetambém, apenas não se tornousua escrava.

O curso universitário erameu desejo mais ardente e aconsciência de que corria operigo de não poder realizá-loatingiu-me dolorosamenteenquanto caminhávamos pelocampus de Oxford, ao cair danoite. Ansiava para ser aceito

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na irmandade daquelainstituição. Pouco consolo eralembrar que Oxford haviaexpulsado o poeta Shelley.

Mas Oxford tinha outroaspecto também. Um membrodo clero anglicano, em cartarecente ao Times, chamava aatenção para o fato de quenaquela mesma cidadeexistiam fábricas queexploravam o trabalhoinfantil. Até mesmo na OxfordUniversity Press, a prestigiosa

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editora que tinha o monopólioda publicação da Bíblia, asprensas funcionavam das seisda manhã às seis da noitemovidas por crianças de doze adezesseis anos, com hora emeia para o café da manhã,uma hora para almoço e omeio dia de sábado — mais dequatro semestres e meio! Quetipo de sociedade era essa queignorava tal crueldade? Queextremos de racionalizaçãoseriam necessários para a classe

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dominante a fim de evitar queisso acontecesse? Não era deadmirar que Alice no País dasMaravilhas estivesse vendendotão bem. Quando a realidade éfeia demais para sercontemplada, as pessoas fogempara a fantasia. Não vejonenhuma possibilidade demudança.

Era noite quando deixamosOxford e tínhamos ainda seisquilômetros de caminhada.Cragwitch Manor ficava no

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campo, ao sul da cidade, umabela casa do século XVIII,rodeada de parques, extensasalamedas arborizadas e umlago octogonal. Nós nosaproximamos da casa por umcaminho de cascalho, ladeadode arbustos, que conduzia auma entrada impressionante,com magnífico portal. Acimadele, o segundo andar comtodas as janelas fechadas,exceto uma. Nela, uma luzbruxuleante sugeria uma

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lareira acesa.Tínhamos quase chegado à

porta de carvalho quando umtiro cortou a noite. Corremospara trás de uma das colunasdo pórtico de pedra. Quemquer que estivesse atirando,apontava para nós.

— Vão embora — disseuma voz rouca. — Malditosassassinos! Vão embora. ARame Tep jamais mealcançará.

Na janela aberta estava um

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homem que vimos ser Crag-witch. O apavorado moradorda mansão estava com umrobe sobre a camisa de dormire tinha uma pistola de canocurto em uma das mãos.

— Vão embora, seus porcos,ou mato vocês! — E atirououtra vez.

Holmes levantou-se eergueu os braços num gesto desubmissão. Gritou para ohomem assustado.

— Senhor, não queremos

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lhe fazer mal. Somos amigos dofalecido Professor Waxflatter.Podemos entrar?

Cragwitch ajustou os óculosde lentes grossas e olhou parabaixo.

— Sim, lembro-me de você.Você me perseguiu no funeral.Por que fez isso? Por que estáme seguindo agora? Quem é ooutro bandido?

— Este é Watson — disseHolmes. — É completamenteinofensivo.

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Tentei puxar Holmes devolta para a proteção dacoluna. Com aquela arma namão trêmula, Cragwitch erarealmente perigoso. Holmescontinuou a procurarconvencê-lo.

— Preciso da sua ajuda, Sr.Cragwitch. Quero saber porque a Rame Tep estáperseguindo o senhor e por queos outros morreram.

Cragwitch pensou umpouco.

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— Vão embora — disse,mas com menor hostilidade. —Não é da sua conta.

— O professor era como umpai para mim — implorouHolmes. — Quero entregaraqueles vilões à justiça.

Holmes estava tão absorvidono diálogo que não notou,como eu notei, um movimentono arbusto ao nosso lado. Tivea desagradável sensação de quenão estávamos sozinhos.Somente a necessidade de

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continuar protegido meimpediu de olhar mais deperto. Provavelmente um gatoprocurando comida.

Enquanto isso, Cragwitchhavia cedido e resolveu nosdeixar entrar. Não estava maisna janela. Apareceu na portada frente, depois de tirar astrancas com esforço. Seguravaainda a arma. Mas pareciatambém aliviado, como se achegada tão imprevista de doisestudantes fosse uma distração

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bem-vinda ao seu estado desítio.

— Entrem depressa — disseele.

Holmes disse que eu podiasair de trás da coluna.

— Estamos a salvo agora,Watson. Esta noite não vaimais haver tiroteio.

Mas Cragwitch manteve aarma apontada para nós,enquanto nos conduzia paracima, até o seu escritório. Oquarto cuja janela estava

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aberta e pela qual havíamosvisto a luz das chamas. Ogrande fogo que ardia nalareira maciça era o primeirocalor que sentíamos desde oinício da jornada. Iluminavatodo o cômodo. Nós nosaquecemos perto dele.

Vimos pesadas poltronas decouro ao lado da lareira,grandes escrivaninhas, maciçosaparadores e mesas. Haviaestantes cheias de livros — queum rápido exame revelou

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serem sobre assuntos militares— diários de guerra, biografiasde generais, esse tipo deliteratura. Uma coleçãoencadernada em marroquimintitu lava-se A História doImpério Otomano. Tedioso,pensei. A essa altura Cragwitchjá estava descansado e dispostoa ser amigável. Tomou umgeneroso gole de um copocheio de uísque. Uma garrafade cristal e vários copos, quenão tinham sido lavados,

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estavam na mesa ao lado dajanela. Era o ambiente de umhomem grande, poisCragwitch tinha quase doismetros de altura e eraencorpado, mas descuidado,com cheiro de bolor e que,durante muitos anos, nãotinha visto nenhuma vidasocial. Caracterizava seuocupante: deteriorado.

Imaginei que Cragwitchdevia passar quase todas asnoites entre aquela desordem,

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tão vigilante quanto lhepermitia o uísque, esperando aRame Tep. Os olhos cansadoseram testemunhas de noitesem claro, até que a luz do dialhe trouxesse a dádiva do sono.Mas por que, perguntei a mimmesmo, havia mandadoembora os empregados? Seráque não confiava neles?

Depois de descansarmos umpouco, Holmes mostrou a ele atela com o grupo de formatura.

— Encontramos entre os

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papéis do professor — explicouele.

O efeito foi extraordinário.— Meu Deus! — exclamou

Cragwitch. — Será que fomostão jovens algum dia? —Pensei ter visto um brilhoúmido nos olhos fatigados eenvelhecidos. — Isso foipintado há dezenas de anos.

Antes de falar outra vez,Holmes esperou que o homemse refizesse das lembrançasevocadas pela pequena tela.

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Então disse:— Pode explicar o que

significa, senhor? Não pode sermera coincidência o fato deque todos nesse quadro, excetoo senhor, tenham tido morteviolenta recentemente. Todos,exceto o senhor, Sr. Cragwitch,estão mortos.

Cragwitch fez um gestolento de afirmação, colocou atela na mesa e foi com o copoaté a garrafa de cristal ao ladoda janela. Estava enchendo o

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copo quando estremeceu.Levou a mão ao pescoço paraaliviar uma dor aguda.

— Malditos insetos —resmungou. — Esta casaprecisa de uma faxina emregra.

— O senhor compreende —dizia Holmes — eu sei como osadeptos da Rame Tep operam.Eu os segui até seu templo noEast End, em Londres. Mas porque, Sr. Cragwitch, escolherampara vítimas estes homens do

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quadro? Por que estão atrás dosenhor? O que há realmenteem tudo isso? E uma vendettalQual é a história? Pode noscontar?

Cragwitch tomou maisuísque, porém parecia meditar.Então, olhou diretamente paraHolmes.

— Como se chamam?— Sherlock Holmes.— Meu nome é Watson —

eu disse.— Muito bem, jovem Sr.

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Holmes e jovem Sr. Watson,correram um grande risco edescobriram muita coisa.Viajaram uma longa distânciapara me ver. Acho que devorecompensá-los com a minhahistória. Mas aviso: oconhecimento que voucompartilhar é perigoso. ARame Tep é uma seitaimpiedosa. Querem mesmosaber como esses homenschegaram a um fim tão...terrível e por que vivo com

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medo de destino semelhante?— Por favor, continue, Sr.

Cragwitch — disse Holmes.— Muito bem. Vou contar.Contudo, mal começou a

contar sua história e ficamosalarmados, pois tudo indicavaque fora atingido por um dosdardos infernais da Rame Tep.A picada que sentira quandoestava se servindo de uísque,perto da janela, devia ter sidoprovocada pelo dardo atiradopor um dos fanáticosescondidos lá fora, o que me fez

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confessar que havia observadoum movimento nos arbustosquando Holmes estava pedindopara entrar na casa.

Mas não tivemosoportunidade de verificar, poisa combinação do veneno noseu corpo com a grandequantidade de álcool que haviaconsumido tornou Cragwitchextremamente agressivo. Foicom muito esforço queconseguimos contê-lo.

Nessas condições, a história

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de Cragwitch foi contada aospedaços, por assim dizer,enquanto o homemenlouquecido alternava entre alucidez e o delírio. Foi umahistória dramática, mas se eutransmitisse ao leitor sua exataversão, que às vezes não tinhacoerência, outra vez não tinhacontinuidade, estaria negandoo impacto que a históriamerece. Portanto, resolvi fazernos capítulos seguintes umrelatório mais detalhado dos

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acontecimentos queexplicavam os assassinatos de1870, o que conseguireconstruir dos diários dofalecido Rupert T. Waxflatter,retirados a tempo do sótão eque vieram ter às nossas mãosalgum tempo depois. Porenquanto, terminarei decontar os acontecimentosdaquela noite tenebrosa namansão.

O quadro, disse Cragwitch,era obra de um artista

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desconhecido que ganhavaalgum dinheiro pintandogrupos de alunos de Bromptonno ano da formatura. Os jovensdaquele grupo, incluindo elepróprio, eram de famílias ricase todos conseguiram uma vagana universidade. Eram amigose resolveram, antes de partirpara as respectivasuniversidades, passar algunsmeses viajando pela Europa.Mas naquele ano o tempo nocontinente estava tão

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desagradável que, procurandouma aventura sob o sol,resolveram ir mais longe.Fugindo da Riviera chuvosa,não tiveram melhor sorte naItália e reuniram-se pararesolver se voltavam àInglaterra ou continuavam atéArgel, talvez, ou Malta, ou atémesmo o Cairo. Decidiram-sepelo Cairo.

Foram até Brindisi, ondetomaram um navio paraAlexandria, e daí seguiram por

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terra para o Cairo. Mas nacapital egípcia nãoencontraram nenhum hotelcom padrão condizente ao seuestado de cavalheiros ingleses.Depois de três noites miseráveisem uma hospedariatremendamentedesconfortável, alugaram umavilla para servir de base às suasexcursões no Cairo, àsPirâmides e uma viagem peloNilo.

As maravilhas do Egito os

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encantaram de tal modo quecomeçaram a arquitetar umplano audacioso. Comoconseqüência da ocupaçãonapoleónica, breve, mas degrande influência, o Egito foraexposto às idéias e ao espíritoempreendedor dos europeus.Turistas chegavam cada vezem maior número, mas o paísnão tinha hotéis. Por que nãoconstruir um? Formaram umconsórcio, conseguiram o apoiofinanceiro das suas famílias

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abastadas e contrataram umarquiteto. Subornando diversosfuncionários do governo,conseguiram aprovação dasplantas, mais a vantagem demão- de-obra barata ecomeçaram a instalar osalicerces.

Mas o que começou comouma escavação industrialtransformou-se em umtrabalho de arqueologia, poislogo descobriram que tinhamescolhido o local de um antigo

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mausoléu. Os túmulos de cincoprincesas do período do ReinoMédio (1785-1580 a.C.)continham relíquias tãopreciosas que a construção dohotel foi interrompida,enquanto os tesouros erampreparados para serem levadospara a Inglaterra.

Naturalmente, tiveram deenfrentar a oposição local. Háanos a antiga herança do Egitovinha sendo pilhada. Agora,graças à influência dos

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franceses e à inspiração da suarevolução, os egípcios estavammuito mais conscientes daimportância da própriacultura. Além disso, aquelestúmulos tinham umsignificado especial para o povode uma aldeia próxima, queacusou a sociedade estrangeirade estar profanando umcemitério sagrado. Os ânimosse exaltaram e os inglesescompreenderam que suas vidascorriam perigo. Pediram

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proteção militar, que foiilicitamente concedida. Então,uma noite, aconteceu algoterrível.

— Vocês foram atacados —disse Holmes, enquantoCragwitch servia-se de outradose de uísque para aliviar atensão daquelas lembranças.

— Não — respondeu ele. —Eles foram atacados. Algunsdos soldados que guardavam osestrangeiros embriagaram-se eatacaram a aldeia. Casas foram

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incendiadas e pessoasmorreram.

Subitamente, o rosto deCragwitch crispou-se emagonia. Começou a bater comas mãos no corpo, como se suasroupas estivessem em fogo.Correu para a janela e pareciaprestes a se atirar, quandoHolmes correu e o segurou.

— Fogo — gritavaCragwitch. — Fogo! Socorro!Fogo!

— É o veneno, Watson —

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disse Holmes. — Rápido,ajude-me a contê-lo.

— Escute — disse Holmespara Cragwitch. — O senhornão está pegando fogo. Seunome é Chester Cragwitch eestá em sua casa, emCragwitch Manor.

— Estou em casa, emCragwitch Manor — repetiu opobre velho, apavorado. —Meu nome é ChesterCragwitch e estou em minhacasa... — Começou a se

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acalmar. Examinou as mãos àprocura de queimaduras. —Foi assustadoramente real —disse ele. — Muito apavorante,sem dúvida. O que eu estavadizendo?

— A aldeia foicompletamente queimada —disse Holmes.

— Sim. Não posso meesquecer. Quero passar adianteesta informação. Está na horade revelar tudo. — Mais calmo,continuou a história. —

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Tivemos sorte de sair do Egito,vivos. Embarcamos emAlexandria e chegamos àInglaterra duas semanas maistarde. A perda financeira foienorme. Só meu pai haviaaplicado milhares de libras. Oque aconteceu com oempreendimento, não sei,porém mais tarde foiconstruído um hotel naquelelugar. Chama-se Palácio doFaraó. É muito bemconceituado. Na Inglaterra nós

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nos separamos. Dois de nóspara Cambridge, um paraOxford, eu acho. Fui paraSandhurst, naturalmente, mascreio que Hallmarkabandonou seus planos deestudo universitário e iniciouuma espécie de serviço socialno East End. Acabou entrandopara a política como sabem.Era um tanto radical, o idiota.O único membro do grupocom quem nós todosmantivemos contato foi

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Waxflatter. Depois dauniversidade... acho que foi ade Edimburgo... ele entroupara o corpo docente da nossaantiga escola. Viveu e ensinouem Brompton. Portanto, paranós ele representava a A ImaMater. Nós sabíamos ondeencontrá-lo. Durante todosesses anos recebia cartas detodos nós e quando eu ia aLondres muitas vezes ovisitava.

— O que tudo isso tem a ver

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com a Rame Tep? —perguntou Holmes.

— Vou chegar lá — disseCragwitch, parecendoaborrecido. — Cerca de umano depois do incidente, cadaum de nós recebeu umcomunicado alarmante. Possomostrar a vocês. — Foi atéuma escrivaninha de tampocorrediço e começou aprocurar entre a desordem depapéis. — Aqui está.

Holmes e eu examinamos o

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papel.— Notem — disse

Cragwitch — o timbreestranho. Esta é a insígnia daRame Tep. Duas serpentes...

Assim que disse à últimapalavra, deixou-se cair napoltrona e soltou um grito degelar o sangue.

— Oh, meu Deus! — gritouele. — Uma cobra está meatacando! É enorme! Precisomatá-la! — Levantou-se de umsalto, foi até a mesa, apanhou

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uma faca de cortar papel ecomeçou a brandi-la no ar.Mas sua mão pareciacontrolada por uma forçainvisível, que virou a lâminacontra seu próprio corpo. — Acobra se enrolou na minhamão — gritou. — Criaturanojenta! Meu Deus, vai saltarem cima de mim!

Holmes agarrou a mão deCragwitch bem na hora etentou tirar a faca à força. Ovelho tinha uma energia

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extraordinária e os dois caíramno chão, lutando pela posse dafaca.

— Escute! — gritouHolmes. — Quem é você?Como se chama? Onde nasceu?

Lentamente, Cragwitchrecitou para si mesmo ainformação que Holmes pedirae se acalmou um pouco.

— Sou Chester Cragwitch,nasci em...

Holmes agarrou a faca,atirou-a para longe e olhou

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para mim, aliviado. Cragwitchcontinuou sua recitaçãomonótona.

— O senhor recebeu estacarta, Sr. Cragwitch — disseHolmes, mostrando a ele opapel.

— Oh, sim — Cragwitchparecia bastante refeito. — Erade um membro da seita, umapromessa de completavingança. O remetente, ao quecompreendi, tinha perdidomembros da família quando os

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soldados incendiaram a aldeia.A carta prometia que, nãoimportava o tempo que levasse,essas mortes seriam vingadas eos corpos mumificados dasprincesas seriamsimbolicamente substituídos.Podem ver a assinatura.

— Parece-me que é Eh Tar— disse Holmes — que emegípcio-fenício quer dizervingança.

— As últimas palavras deWaxflatter — eu disse.

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— Brilhante, Watson.Cragwitch estava olhando

fixamente para Holmes.— Seu assassino imundo —

exclamou ele subitamente,agarrando Holmes pelopescoço. Outra vez comalucinações, o homemenlouquecido confundiaHolmes com seu inimigo.

— Você nunca vai me pegar— gritava ele, tentandoestrangular Holmes.

— Watson! — disse Holmes

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num gorgolejo. — Fale comele! Diga-lhe seu nome,Watson.

Na confusão do momentoeu não conseguia me lembrar.

— Cragwitch — disseHolmes roucamente.

— Seu nome é ChesterCragwitch e estamos no ano...— Mais uma vez eu nãoencontrava as palavras.

— Mil oitocentos e setenta,seu idiota! — rosnou Holmes,com dificuldade.

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— O ano, Sr. Cragwitch, émil oitocentos e setenta. E, senão tiver cuidado, vaiestrangular Holmes.

Para meu horror, elecomeçou a arrastar Holmes,sempre segurando-o pelopescoço, na direção da lareira.Logo Holmes estava a apenasalguns centímetros das chamase mal podia respirar. Seusolhos saltavam das órbitas.Pulei sobre Cragwitch, masrecebi um golpe tremendo que

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me mandou para longe. Batinum armário cheio de troféus,que caiu em cima de mim.

Ao recobrar a consciência,custei um pouco acompreender a cena que via.Vários policiais enchiam a sala.Cragwitch estava deitado debruços, perto da lareira.Lestrade empunhava a pistolaque usara para desacordar ohomem, com uma coronhadana cabeça. Holmes, emboraabalado, escapara ileso.

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Lestrade era quem pareciamais chocado. Estava pálido eabatido, como se acabasse desair de uma grave doença.Começou a explicar suapresença.

— Um daqueles seusmalditos espinhos se enfiou napalma da minha mão — disseele. — A alucinação foiterrível. Eu queria me matar.Foram necessários quatros dosmeus homens para evitar queeu me enforcasse. Mas quando

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tudo terminou, comecei aestudar a sua história.

Cragwitch voltou a si. Comalguma dignidade, apertou amão de Holmes.

— Você provavelmentesalvou a minha vida, meujovem - disse ele.

Eu não tinha nenhum ossoquebrado, mas sentia quehavia falhado com Holmes.

— Bem, cavalheiros — disseLestrade. — Preciso continuarcom este caso. É bastante

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complicado. Tenho umaporção de coisas para lheperguntar, Sr. Cragwitch. —Voltou-se para Holmes. —Devo pedir que você e seuamigo gorducho se retirem. —Dois policiais nos levaram até aporta. — A propósito — disseLestrade, como quem selembra de alguma coisa —agradeço por ter me indicadoeste caso. — A porta se fechou.

Nos jardins de CragwitchManor a madrugada chegava;

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a paisagem era sem vida eameaçadora. Holmes tremia deindignação.

— Ele me agradeceu por terindicado o caso — disse ele,furioso. — Que descaramento,Watson. Fiz todo o trabalhopara ele. Dei a ele todas aspistas.

De pleno acordo, pus a mãono seu ombro.

— Vamos, Holmes — eudisse. — Temos um longocaminho para percorrer, velho

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amigo. — E começamos alonga viagem de volta paraLondres.

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Capítulo DezENQUANTO ESTÁVAMOS EM

OXFORDSHIRE, ELIZABETH HAviatrabalhado diligentemente nosótão, em Brompton, na tarefaque Holmes lhe confiara.Sabendo que a Sra. Dribbpodia a qualquer momento,obedecendo as instruções deRathe, destruir os papéis doprofessor, Elizabeth agiu comurgência, escolhendo osdocumentos que indicavam a

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direção das pesquisas doprofessor quando morreu.

Tivera o cuidado especialem preservar as especificações edesenhos referentes ao seuinteresse de toda uma vida —na verdade, sua obsessão — odesafio de voar. Embora oprotótipo do ornitóptero, quequase chegara a manter umvôo prolongado, estivessearmado de novo e no telhado,alguns pequenos componentescontinuavam espalhados pelo

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sótão. Elizabeth os reuniu eprotegeu-os com um pano.

Sensatamente, ela haviaguardado os documentos edesenhos no meu armário, oúnico lugar seguro de que selembrou, uma vez que Holmesnão tinha mais direito ao seu e,com muita esperteza, como foiprovado mais tarde, haviaincluído entre eles os diáriosaos quais já me referi e quepermitiram uma reconstruçãomais detalhada daquele ano

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infeliz que o grupo degraduados de Brompton passouno Egito, com conseqüênciastão imprevisíveis para suasvidas.

Uma visita ao Egitoatualmente é uma proposiçãobem diferente da que foienfrentada por Waxflatter eseus amigos quando chegaramem Alexandria, semexperiência dos costumesorientais, sem roupasapropriadas para o clima,

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nenhum plano específico eesperando encontrar osconfortos que lhesproporcionavam os lugares dedivertimentos e de férias daEuropa. Hoje, naturalmente,temos o guia Badeker para nospreparar, a conveniência dasvias férreas (que nós, osbritânicos, construímos,orgulho-me em dizer) e hotéis,onde o viajante pode tercerteza de serviço de primeiraclasse. Não é preciso

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abandonar a cozinha inglesa,pois, segundo me contaram, opudim de carne e rim servidotodas as sextas- feiras no TurfClub do Cairo é delicioso.Todas essas amenidades naverdade, que em climaestrangeiro tornam-senecessidades, são acessíveis aoviajante, no Egito de hoje.

Mas não era assim em 1812quando, no mês de julho,nossos intrépidosbromptonianos lá chegaram,

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por puro capricho, ao queparece, pois seu principalobjetivo fora fugir do tempodesagradável da Europa.

O diário de Waxflatterinsinua um certo choquecultural. No dia seguinte à suachegada, depois da viagemempoeirada e cansativa pelodelta, ele escreveu: "Tudo émuito oriental e estranho.Irreal mesmo. Nossahospedaria é abominável e fedecomo uma fossa. No pátio para

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o qual dão nossos váriosquartos, lixo de toda espécieflui em um regato imundo queos esforços dos empregados,indivíduos sonolentos detúnica e fez, não conseguemlavar com seus baldes d'água.Esta manhã, quando tomavacafé, tive a desagradávelimpressão de que o homemque nos serviu o café espesso,cheio de pó, tinha vindodiretamente desse serviço delimpeza do pátio, sem ao

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menos parar para lavar asmãos!"

Esse lugar imundo foi só oque encontraram ao chegartarde da noite sem terem feitoreserva com antecedência.Waxflatter diz que teve medode que todos contraíssemcólera antes de teremoportunidade de ver umapirâmide. Chega mesmo adizer que a expedição era "tolae uma péssima idéia",culpando especialmente

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Hallmark, o mais jovem dogrupo, que, ao que parece, forao primeiro a dar a idéia; "umromântico incorrigível, muitoinfluenciado por Byron", assimele o descrevia.

Mas, nesse mesmo dia, deixaperceber como o país podiaencantar o turista maisrelutante. "Outra janela domeu quarto", escreve ele; "dápara um jardim onde acabo dever uma mulher com o rostovelado, passeando no meio de

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uma nuvem de pombos. Amanhã está quente e serena,corvos negros crocitammeditativamente nos galhosmais altos das árvores. Hátamareiras também, formandogrupos marrons e ambarinos, ede um minarete distante vemum lamento longo, alertandopara a insubstancialidade davida."

Na verdade, cada visitante,depois de algum tempo e à seumodo, era afetado pelo país

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que foi chamado de Mãe doMundo. Pois, que outra terratem mais direito a essadenominação? Sua espantosacontribuição à nossacivilização tem sidoreconhecida por estudiosos eviajantes, desde Heródoto. Comseus cinco mil anos deexistência, o milagre do Egitocomeçou com o Velho Reinodos primeiros faraós, quetinham o status de deuses epoderes ilimitados. A coesão

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facilitada por essa autocraciapermitiu um desenvolvimentointelectual e técnico tãoavançado que legou ao mundoa arte da escrita (por meio dosistema dè hieróglifos), adivisão racional do tempo,métodos curativos aceitosainda pela medicina dos nossosdias, além de idéias metafísicasreligiosas, cujo tema central"Deus no Homem" foi adotadopelas grandes crenças quesobrevivem até hoje.

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A prova de tudo issopermanece sob a forma depapiros encontrados nasescavações dos túmulos, cujoconteúdo nos permitiureconstruir a vida cotidiana e acultura daquele antigoperíodo, enquanto que ossantuários e monumentos sãotributos ao desejo inato dohomem pela sobrevivênciaalém deste período curto davida individual. A propósito, osegredo da escrita egípcia,

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perdido desde o século XVI,não tinha sido aindadescoberto quando Waxflattere seus amigos estiveram noEgito, mas foi revelado logodepois pelo francêscontemporâneo deles, Jean-François Champollion,permitindo-nos uma visãomais profunda do milagreegípcio. "A história dahumanidade", escreveu Plínioo Velho, no ano 70 d.C. "estános papiros". E os instrumentos

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dos escribas egípcios foram osprotótipos do papel e da canetados nossos dias.

Com o declínio do poderfaraônico, conquistassucessivas foram acrescentadasà história do Egito.Começaram com a derrota dospersas por Alexandre o Grande,que iniciou o grande períododa helenização. Depois queCleópatra cometeu o suicídiocom a picada de uma cobra,em Alexandria, Augusto

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conquistou o país, que duranteseis séculos pertenceu aoImpério Romano, até aconquista árabe do século VI.Foi a vez então de serconquistado por Saladino, cujadinastia governou o Egito comesplendor e depravação pormais seis séculos, seguindo-seos períodos dos sultãosmamelucos e finalmente aocupação muçulmana, quecomeçou nos primeiros anos doséculo XVI e continuou até o

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fim do século XVIII. Odomínio otomano quaseconseguiu aniquilar o orgulhoe a identidade do Egito. O povoperdeu a noção da suaherança, entre a corrupção e ascrueldades dos senhores turcos.Sob o peso da exploração,pagando impostos absurdos, onativo do Egito foidesmoralizado e dominado atéque, em 1798, algo aconteceuque o despertou, dando-lhenovamente a conscientização

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da sua história e da suanacionalidade. Napoleãodesembarcou em Abuquir.

Os franceses levavam comeles estudiosos, encarregados deexaminar e estudar aspirâmides, os obeliscos e outrasrelíquias dos tempos dos faraós.Compilaram um retratodetalhado do Egito èm dezvolumes notáveis, quedescreviam o país como oviram durante o que estavadestinada a ser uma ocupação

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breve, mas de grandeinfluência, e mapearam suahistória desde o começo daantiga civilização.

Napoleão, que tinha naépoca 34 anos, registrou suaimpressão pessoal da cidade doCairo:

"A população do Cairo éconsiderável, estimada em 210mil habitantes. As casas sãoconstruções muito altas e asruas estreitas, para proteger acidade do sol. Pelo mesmo

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motivo, os bazares, oumercados públicos, sãocobertos com pano ou esteiras.Os beis vivem em belospalácios de arquiteturaoriental, mais parecidos com osda Índia do que com os nossos.Os xeques também têm belascasas.

" O s okels são construçõesgrandes e quadradas, comenormes pátios internos, nosquais estão verdadeirascorporações de comerciantes.

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Assim, há o okel de arroz, ookel dos comerciantes de Sueze da Síria. No lado de fora,perto darua, cada um deles tem umapequena loja de uns cincometros quadrados, na qual ficao comerciante com a suamercadoria.

"O Cairo possui umaquantidade das mais belasmesquitas do mundo: osminaretes são ricos enumerosos. As mesquitas, de

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um modo geral, servem deabrigo aos peregrinos, quedormem dentro delas; algumascontêm até três mil peregrinos.A mesquita de Jemilazer (hojea mesquita da universidade deAl Azhar) é considerada amaior do Oriente.

"Essas mesquitas em geralsão grandes pátios internosrodeados por imensas colunasque sustentam terraços; no seuinterior existem váriosreservatórios de água para

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beber e tomar banho. Nobairro chamado Franksmoram algumas famílias deeuropeus; certas casas daquiassemelham-se às quepoderiam ter, na Europa,comerciantes que ganhem detrinta a quarenta mil libraspor ano. São decoradas à modaeuropéia com cadeiras e camas.Existem igrejas cristãs para oscoptas, conventos para oscatólicos sírios. É grande onúmero de estabelecimentos,

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onde se pode tomar café,sorvete ou fumar ópio ediscutir os negócios públicos."

Um dos costumes da terraque o comandante dosfranceses censurava era o dacompra e venda de escravos,rapazes muito novos vendidosaos beis por comerciantes queos compravam na Circássia ena África. Depois de visitar umdesses mercados de escravospatrocinados por paxás, vizires,sultãos e beis, onde os jovens

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eram mostrados nus, Napoleãoconcluiu que levaria muitotempo para que os egípcioscompreendessem que os seussoldados não eram, de fato,seus escravos!

Esse, portanto, foi o Cairoque nossos viajantes viramdurante o tempo que passaramno Egito, pouco mais de umadécada mais tarde. E foi, naverdade, em uma dessas casasdo bairro europeu que seinstalaram depois do

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desconforto da hospedaria. Étambém pertinente à nossahistória notar que o herói daFrança revolucionária, quandoentrou no Cairo, instalou-seem um dos mais suntuosospalácios dos mamelucos, opalácio Elfy Bey, em Ezbekieh(mais tarde o local do Hoteldos Pastores), pois foi nessamesma área que a sociedadedos jovens começou suaconstrução do hotel modernoque teve conseqüências tão

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funestas.Waxflatter logo ficou

completamente absorvido coma história do Egito. Seu diárioreflete um interesse crescenteno assunto. Quanto mais eleestudava os mausoléus, maisadmirava o gênio técnico einventivo daquele período.Respeitava também osfranceses (uma atitude raranum súdito britânico naquelesdias), por sua tentativa emtransformar um país infestado

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de assaltantes, com completadesordem administrativa ecastigado por epidemias, emuma terra esclarecida pelasidéias européias, masconsciente no seu passadoinefável.

"Quanto mais leio sobre oque Napoleão ambicionavapara o Egito, mais meconvenço de que teve muitasidéias valiosas durante os seustrês anos de domínio. Emborasonhando com um império

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francês no Oriente, tudo pareceindicar que se preocupavasinceramente com o bem-estardo Egito. Construiu estradas;planejou avenidas e praçaspara o Cairo, no estiloparisiense. Comparecia areuniões de Estado com largastúnicas egípcias e assistia àspreces dos muçulmanos.Que destino cruel ser expulsopelos britânicos, com tão poucotempo de governo! Agorasabemos que, naquele mesmo

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ano, ele encontraria seu nadirnas vizinhanças de Moscou,derrotado pelo inverno russo."

Mas os britânicos tambémnão ficaram muito tempo noEgito do começo do século XIX.Quando embarcaram,abandonando o país, deixaramum jovem albanês do exércitootomano para conquistar opoder e criar um modernorenascimento egípcio. Seunome era Mohammed Ali; eraele quem governava o Egito

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quando nossos jovens viajantesse instalaram no Cairo.

O diário de Waxflatterdescreve uma visita que fezsozinho, à noite, à grandeEsfinge. Montado em umburro, seguiu pela estrada quelevava a Gize, onde encontrougrupos de turistas, com seusguias, voltando para a cidadedepois da excursão. Oseuropeus, ridiculamentemontados em camelos,olhavam para ele com

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curiosidade, pois ir a Gize aocair da noite não era só umaexcentricidade, mas tambémmuito perigoso. A estradaestava infestada de ladrões.Bobster foi de opinião queWaxflatter era um louco pornão fazer a excursão normal,como os outros haviam feito, eapenas Hallmark se ofereceupara acompanhá-lo. MasWaxflatter recusou. Estavaresolvido a ver a Esfingesozinho, depois que os últimos

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raios do sol poente tivessemdesaparecido e a enormesilhueta se desenhasseimperiosa e inescrutável, comoguardiã das pirâmides aonorte. Assim, enquanto abeleza extraterrena do pôr-do-sol egípcio abraçava a areia e océu, Waxflatter seguia seucaminho. Uma citação no seudiário sugere que foirecompensado com umaexperiência realmentemetafísica.

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"Dizem que a grandeEsfinge guarda um segredo",escreveu ele, "e estava certo deque era mais provável que mefosse revelado no silêncio danoite do que entre um grupode turistas. Aquele leão antigocom cabeça humana é umenigma para os própriosegípcios e um mistério para omundo. Ninguém sabe quem aconstruiu e nem quando. Ospróprios egiptólogos têmapenas hipóteses quanto à sua

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história e seu significado.Contudo, seus olhos de pedratêm sido testemunhas dacobiça e da insensatezhumanas durante milhares deanos.

Fiquei ali imóvel, sozinhomas nunca só, pois era como setodos os deuses desaparecidosdo Egito — Rá, Horus, Osíris,Anúbis e os outros — setivessem reunido para me fazercompanhia na vigília. Aprópria Cidade dos Mortos, no

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planalto rochoso e coberto deareia nos três lados da Esfinge,onde reis, sacerdotes earistocratas estão enterrados,na escuridão parecia umacidade viva, com suas câmarasmortuárias, capelas e salas dossacerdotes. A areia levada pelovento e que a cobria em partemais parecia as ondasmonstruosas de um imensooceano. Talvez, como jáprocuraram provar, aquelefosse o local da Atlântida, a

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cidade que se ergueu do mar."Nessa e em outras

expedições que fez sozinho, oque os outros consideravamuma atitude pouco sociável, osolhos jovens de Waxflatterestavam apreciando a dádivamais duradoura do Egito parao Ocidente: o misticismoeterno da sua antiguidade.

Cito o seu diárionovamente:

A solução do enigma daEsfinge talvez seja que foi

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construída para afastar osmaus espíritos dos túmulos.Essa teoria sugere que pode serum símbolo de Khepara, o deusda imortalidade. Os beduínosda povoação de Gize acreditamnela. Afirmam que os espíritosdos habitantes da Cidade dosMortos assombram a região,quando a noite cai.

Mas a Esfinge, mesmo comos poderes dos quais foiinvestida, não conseguiu evitara profanação dos tesouros

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sagrados que devia guardar.Exceto os túmulos ainda nãoescavados, que felizmenteainda devem ser muitos,dificilmente se encontra algumno qual as pesadas tampas dossarcófagos não tenham sidoremovidas com esforço porladrões que levaram jóias epreciosos ornamentos.

Fiquei sabendo que o roubonos túmulos começou notempo dos faraós quando, como declínio do poder desses

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governantes, o povo se ergueurevoltado com o alto custo e aostentação dos métodosfunerários dos ricos epoderosos, que pagavam comseu trabalho. Parecem-me quetodos os governos sedesmoronam finalmentequando oprimem as massasalém do que elas podemsuportar, embora isso possalevar um longo tempo paraacontecer.

A preocupação de

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Waxflatter é compreensível. Aevidência de espoliação erachocante para um jovem tãoinstruído. Durante séculos, ostúmulos tinham sidoprofanados por gregos,romanos e árabes. Os romanoslevaram obeliscos e as grandesestátuas para adornar suascidades e as residências dosimperadores, os futurossenhores imperiais iriam fazero mesmo. No próprio Egitoforam construídas novas

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cidades com os restos dascidades antigas, porconstrutores que não seinteressavam por seu valorhistórico para a humanidade.Ricos comerciantes do Cairoremoveram adornos e relíquiasinestimáveis dos mausoléuspara decorar suas casas.

"Mesmo agora", escreveWaxflatter, "ouvi dizer queMohammed Ali consegue seumaterial para a construção denovas fábricas, refinarias de

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açúcar e tecelagens de algodãonos templos de Elefantina eArmant. Fiquei chocado aosaber que a pedra Rosetta, quetalvez venha a ser a chave paraa interpretação dos hieróglifos,quase se perdeu para aposteridade. Foi descoberta pormero acaso por um soldadofrancês, quando seudestacamento extraía pedraspara reforçar as defesasfrancesas contra os britânicos.O soldado pensou que fosse

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apenas um pedaço quebradode alvenaria, até a pedra serexaminada por um estudiosofrancês de Napoleão. Mesmoassim, foi finalmente retiradado Egito — por nós, osbritânicos! Aparentemente, acompramos dos franceses. Hojeestá no Museu Britânico." Emoutro trecho, ele lamenta ofato da própria Esfinge ter sidousada como alvo para exercíciode tiro de vários exércitos.

Durante suas excursões,

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Waxflatter verificoupessoalmente quecontinuavam a remover ostesouros dos mausoléus. Apolítica de "europeização deMohammed Ali estavatornando o Egito maisacessível, não só aos técnicosestrangeiros e comerciantes,mas também a todo o tipo deempresários. Os consuladosbritânico, francês, italiano ealemão, no Cairo, tinhamredes de agentes encarregados

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de procurar papiros e obras dearte, que eram enviados aosleilões e museus dos seusrespectivos países. Finalmente,Mohammed Ali resolveurestringir esse comércio ilegal.Mas enquanto isso não foi feito,praticamente todos osmausoléus estavam repletos deobjetos de cerâmica feitos empedaços e desprezados em favorde coisas mais valiosas; tábuascom hieróglifos foraminutilizadas pela ignorância,

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sarcófagos, dos quais tudo foraretirado, contendo apenas osrestos mumificados dasentranhas dos seus ocupantes,foram depredados.

Agora surgia uma novaameaça sob a forma de turistaseuropeus. Sua paixão pela caçaàs relíquias era um novo modode furto e eles procuravam, soba areia e nos sepulcros jáprofanados, lembranças doEgito. "É como se a alma doEgito estivesse sendo violada,

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sua sabedoria antigaprofanada", escreveu oimpressionável Waxflatter.

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Capítulo OnzeHÁ AMPLA EVIDÊNCIA NO

DIÁRIO DE QUE A SEMENTE DA

Futura inventividade deWaxflatter foi plantadanaquele ano que passou noEgito.

"Quem, eu pergunto",escreveu ele, "pela primeira vezimaginou a mistura defuligem, borracha e água parafazer tinta? Pensem na longapesquisa que os levou a

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tamanha facilidade no cálculodos pesos e medidas! Quetrabalhosa observação dos céusdevem ter realizado para criaro único calendário racionalque a humanidade já teve!"

Waxflatter sabia que aInglaterra estava no começo darevolução industrial e que ainfluência do seu país naguerra mundial aumentavaconstantemente, mas asrealizações das dinastias doEgito permitiram que ele

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colocasse esses fatos em umaperspectiva mais lógica. "Aspessoas na Inglaterra começama acreditar que Deus nosconfiou a missão de 'civilizar'os povos menos evoluídos domundo todo", comenta ele,"porém demonstramos poucorespeito pelas civilizaçõespassadas. Tudo aquilo que nãocompreendemos classificamoscomo primitivo e as crençasque precederam a nossachamamos de pagãs. Para mim

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isto é um tipo de arrogância naqual não devemos persistir,mesmo que o impériobritânico dure mil anos."

O que viria a ser uminteresse duradouro pelaaviação talvez tenha começadocom o estudo das lendas dosfaraós alados, mais antigas doque a lenda de Ícaro, cujas asasse derreteram por ter voadomuito perto do Sol.

"Sem dúvida seriasurpreendente", refletia ele, "se

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esses adoradores do Sol e dasestrelas não desejassemalcançar as fontes da suainspiração."

Outro membro do grupoprofundamente afetado peloEgito foi Oscar Hallmark. Nãoo impressionou a herançaantiga e sim a situaçãoprecária do povo que ohabitava. Por toda a partehavia desigualdade. O felátrabalhava com salário defome no delta super povoado e

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a pobreza das cidades eraimpressionante. Issoperturbava o jovem idealista."Ele é um reformista nato",escreve Waxflatter. "Quer fazeralguma coisa. Não é possíveltomar café com Hallmark semque se ouça alguma observaçãosobre o penoso estado dascoisas. Eu disse que a caridadecomeça em casa, que haviamuito para ser remediado naInglaterra. Acho que aceitoumeu comentário de bom

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grado, mas eu gostaria queprocurasse se divertir mais.

"Ele é um homem estranhoe desconfio que Cragwitch eBobster começam a não gostarmuito dele. Bobster não temtempo para sensibilidades eafirma que a mão-de-obrabarata é essencial, tanto parauma economia próspera, comoa da Inglaterra, quanto paraum país como o Egito, queprocura se refazer. Bobster,naturalmente, é realista.

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"Cragwitch, por outro lado,zomba do idealismo deHallmark. Eu o ouvi dizer paraHallmark que o Egitorealmente precisa é serdominado pelos britânicos,pois nós sabemos como dirigiras coisas. A propósito,Cragwitch está fazendo umatese sobre as defesas militaresno Egito e o novo exército queMohammed Ali está criando.Não posso deixar de ter pena deHallmark."

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Oscar Hallmark era filho deum rico homem de Bristol quefizera fortuna com o comérciode escravos. A origem dariqueza da família criara nojovem uma consciência que serevoltava com esse ultraje e umdesejo de corrigir o erro.Waxflatter tinha certeza deque o futuro de Hallmark seriaa política.

Havia muita coisa parajustificar a revolta deHallmark. O Cairo

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cosmopolita reforçava suacrença de que, sob MohammedAli, o primeiro líder emseiscentos anos a governar comcerta independência deConstantinopla, o povocomum continuava a serescravo. Ficou muitoimpressionado com o que viuquando caminhava entre asmultidões de egípcios eeuropeus, que semovimentavam pelasbarulhentas ruas da cidade.

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Havia sírios com calçasbufantes, gregos com túnicasbrancas, beduínos morenos,abissínios negro-azulados,sacerdotes armênios e os pobrese descalços felás usando fez ecamisas andrajosas. Viamcaleças cheias de europeusrisonhos ou ricos mercadoresegípcios montados em beloscavalos árabes. Os empregadosnativos corriam na frentedeles, Hallmark contou paraWaxflatter. Eles morriam cedo.

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Aquele esforço os matava. ParaHallmark isso era desumano.

A situação da mulheregípcia também oescandalizava. Não tinhacomeçado ainda a se liberar.Tudo o que ele via, através depequenas aberturas nosturbantes e véus, eram osolhos, que sempre sedesviavam dos seus. A tradiçãodo harém era ainda muitoforte, o índice de natalidaderealmente assombroso.

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Nas províncias as coisaseram piores. Mohammed Aliprecisava de dinheiro para seusplanos de industrialização eirrigação e empregavacapatazes brutais paraextorquir dos felás impostospesados. Quando umcamponês atrasava opagamento dos impostos, esses"umads" o expulsavam dopovoado, imediatamentetomando posse das suas terras.

Mohammed estava também

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criando um exército, por meiode recrutamento forçado, paracampanhas na Arábia e noSudão. Camponeses eramacorrentados e conduzidos aosquartéis, onde muitosmorriam. Para que os filhosnão fossem levados para oexército, muitas famíliaspreferiam mutilá-los e noCairo e em Alexandria essesaleijados viviam de esmolas.Escravos eram trazidos dasáreas além das fronteiras do

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sul, amontoados em campos detrabalho como animaisenjaulados, onde milharesdeles morriam. Os quesobreviviam eram vendidos portrinta libras egípcias nomercado do Cairo.

Enquanto o ambiciosogovernante tentavatransformar seu país, de umaprovíncia do Império Otomanoem uma terra independentecom possessões próprias, otempo era de brutalidade

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espantosa e os felás, com seusolhos tristes e esperançosos,sofriam e esperavam.

Mas Bentley Bobster nãoteria descrito o quadro dessemodo. Para ele eraperfeitamente lógico que umaterra atrasada dependesse dosrecursos da mão-de-obrabarata para ter entrada noséculo XIX. Não tinhanenhuma simpatia para comos que não queriam ver isso,assim como não tinha tempo

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para os radicais da Inglaterra,os "pequenos englanders" quedificultavam as coisas paratodos que acreditavam noprogresso e nas diretrizes deexpansão imperial. Bobsterpossuía tino comercial ereconhecia que a situação doEgito representava aoportunidade de ouro de ser oprimeiro em determinadocampo de atividade.

Entre os Jardins Esbekiah eo Nilo havia quase dois

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quilômetros de terra estéril,das quais as pirâmides de Gizédistavam apenas 40quilômetros. Foi Bobster quemteve a idéia da construção deum hotel no estilo europeunessa área, para servir onúmero sempre crescente deturistas que visitavam o Egito.Pois, embora todos tivessemcomo objetivo admirar aspirâmides e procurar descobriro segredo da Esfinge,precisavam também de higiene

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e eficiência, profundasbanheiras de esmalte e opadrão europeu de conforto,em uma terra onde na épocad o khamisin, o vento quentedo deserto, o ar ficava abafadoe os temperamentos irritados.Além disso, o Cairo ficava nocaminho terrestre para a índia;um hotel moderno poderiatirar vantagem, tanto domovimento de turistas, quantodo movimento comercial.

Naturalmente, tinha-se

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falado em um canal ligando oMediterrâneo ao MarVermelho. Se esse plano serealizasse, os viajantes que sedestinavam à índia nãoprecisariam passar pelo Cairo,mas Bobster achava poucoprovável que essa idéia seconcretizasse. As várias naçõesenvolvidas jamais entrariamnum acordo; foi o queaconteceu quando Napoleão seentusiasmou com a idéia: osbritânicos foram contrários.

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Bobster estava certo de que otráfego comercial continuariaa passar pelo Cairo, sem serprejudicado pela quarentenaobrigatória em Alexandria.

Nada havia de novo naidéia do canal. Através doistmo de Suez, os faraóshaviam construído um queligava o vale do Nilo e Mênfiscom o Mar Vermelho. Duroumil anos, antes de ser aterradopelos sedimentos. Os persas oescavaram novamente e

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Heródoto escreveu que eramnecessários quatro dias parapercorrer todo o seucomprimento. Os romanosfizeram um canal mais diretoque se juntava ao Nilo, bempróximo do Cairo. Depois daconquista árabe, a proposta daconstrução de outro canal foiabandonada, sob a alegação desegurança militar, e pormotivos similares osgovernantes otomanos nãoaprovaram um plano

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apresentado pelos venezianos.Não haveria muita

probabilidade de construção docanal, dizia Bobster, enquantoa Grã-Bretanha continuasse ase opor à idéia. Os britânicostemiam atrair outras naçõesambiciosas para suas possessõesna índia. Sua proposta deconstruir um hotel emEsbekiah era perfeitamenteviável.

Quando falou no assuntocom Waxflatter, este não ficou

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muito entusiasmado."Há um oásis no limite

dessa área e uma tribo feroz debeduínos costuma acamparnele, de tempos em tempos",escreveu ele no seu diário. "Nãovão gostar de seremperturbados, embora euacredite que este governo podearranjar tudo se farejardinheiro estrangeiro no ar."

Bobster havia feito contatocom figuras importantes dogoverno e discutira o assunto

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com jovens comerciantes, amaior parte de gregos elevantinos com os olhosvoltados para sociedades elucros. O Cairo estava cheiodeles. A idéia de Bobster eraque ele e seus amigos inglesespoderiam formar umasociedade para financiar oempreendimento, garantidapor seus pais, e quando tudoestivesse funcionando acontento deixariam aadministração nas mãos de um

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grupo local. "Se vamosconseguir dinheiro com nossospais", comentou secamenteWaxflatter, "vai ser umnegócio dos diabos conseguirconvencer o meu. Seusinvestimentos estão todos naíndia. Não creio que vá gostarmuito da idéia."

Cragwitch foi favorável aoplano de Bobster. Hallmark,eles acreditavam, poderia serconvencido com o argumentode que criaria novos empregos.

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Faltava Duncan Nesbit. MasNesbit estava às voltas comoutro dilema.

Aquele pacato filho de umvigário de Yorkshire tinha seapaixonado por uma jovemanglo-egípcia, que morava emTanta, uma cidade algodoeirado delta. Era filha de umplantador de algodão inglês eda sua esposa egípcia, jáfalecida. Fora amor à primeiravista entre a beldade dedezessete anos e olhos

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ambarinos e o jovem inglês.Porém Nesbit, dois anos maisvelho, era muito menosamadurecido em termos devicissitudes da vida, tendo suaexistência protegida consistidona infância em Harrogate,uma respeitável estação deférias, e os anos passados emBrompton, que não era o tipode instituição adequada paraprepará-lo para um caso deamor no Oriente. Nazli, poroutro lado, tinha o fatalismo

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muçulmano que a ajudara avencer os dias sombrios dadoença e da morte da mãe comuma serenidade de espíritoinacessível aos membros dassociedades mais refinadas.

Sua crença ensinava asubmissão, a rendição, aceitarpacificamente aquilo que avida lhe oferecia, o que foi fácilpara ela no que se referia aDuncan. Pois ela amava ojovem tranqüilo com cabeloscor de areia e olhos azuis e

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confiantes. Ele era da terra deseu pai. Já ouvira falar deLondres e havia visto quadrosdos seus grandes edifícios;nunca lhe tinham falado deHarrogate, mas sem dúvidatinha grandes edifíciostambém. Sim, ela se casariacom o belo Duncan, se elepedisse. E certa noite, quando osombrio lusco-fusco do delta seespalhava pela varanda da casado seu pai, ele a pediu emcasamento. "Ficamos

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completamente estupefatosquando ele nos contou", dizWaxflatter no seu diário."Sempre pensamos que seria oúltimo a se comprometer.Afinal, quando voltar àInglaterra vai ser ordenado."

Mas outras influências alémdo seu amor por Nazli estavamafetando Nesbit. O impacto doOriente havia plantadosementes de dúvida em suamente sobre o fato daInglaterra cristã ter o

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monopólio das virtudes queafirmava serem só suas. "Nãoterá outro Deus além de mim",dizia o Velho Testamento,mas.estava se tornandoevidente para o jovem inglêsque em outras épocas e emoutros países, homens haviamprocurado os valores morais,enquanto adoravam umaimensa quantidade de deuses.Por mais errados que pudessemestar, procuravam salvação,orientação moral e respostas

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para o significado daexistência, com tanta paixão ecom resultados tão positivosquanto os devotos da igrejacristã contemporânea.

Naturalmente, em vista dosseus interesses teológicos, seusestudos se focalizaram nasantigas religiões do Egito, comseus múltiplos deuses.Datavam da pré-história,quando deuses e deusas emforma de animais eramadorados pelas primeiras tribos

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que cultivaram as terras dodelta. Gatos e macacos, abutrese falcões, o íbis e a coruja eramalgumas das criaturasdeificadas por eles.

Quando as triboscomeçaram a se concentrar,formando comunidades ecidades, muitos desses deusesforam reunidos em um deusúnico e todo-poderoso e a idéiade um deus universal surgiu,tendo o sol como Criador.

Esse conceito está

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preservado nos antigos Livrosda Sabedoria dos Egípcios, tãovelhos quanto as pirâmides. Otema central desses textos é ocaminho da vida — OCaminho. Afirmam que oshomens são criados iguais eensinam um sistema de moral.Pela primeira vez Deus não éconsiderado culpado pelasaflições humanas; o própriohomem é responsável por suasmaldades.

Dessa forma, o Egito

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produziu o primeiro conceitode monoteísmo, a idéia de umadivindade toda-poderosa etranscendental, a noção deDeus no Homem. Aconsciência do pecado, anecessidade doarrependimento e o conceitode redenção eram as basesessenciais dessa teologia.

Nesbit compreendeu que oLivro dos Provérbios, da Bíblia,tinha muito em comum com acoleção de provérbios do antigo

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Egito, que o Hino ao Sol,escrito no primeiro milênioantes de Cristo, podiaperfeitamente ter inspirado ossalmistas cristãos. Haviamuitos outros exemplos doquanto o cristianismo devia àteologia pioneira dosantepassados dos egípcios.Contudo, com umageneralização autoritária eincrível, sua igreja pregava quetodas as outras crenças erampagãs. Isso era tão perturbador

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para Duncan Nesbit quanto foipara o pai de Nazli a notícia donoivado.

Começaram a chegar cartasda Inglaterra para o jovem,que era reservado econservador por natureza,pedindo que pensasse outravez, que considerasse ossentimentos da família. AInglaterra tinha tanta coisapara oferecer, lembrava seupai, e Duncan era jovemdemais para saber o que

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queria. Além disso, não seriajusto levar uma jovem egípcia,embora filha de pai inglês,para a sociedade de Harrogate,que sem dúvida levaria muitotempo para aceitá-la. Haviajovens maravilhosas naInglaterra; ele precisava pensarnos estudos. O pai de Duncanimplorou ao filho que pensassedurante mais algum tempoantes de se casar. Nesbit,achando o conflito mentalcomplexo demais, resolveu

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conversar sobre o assunto como membro do grupo que maisrespeitava.

"Ele é por demaisvulnerável às críticas que estárecebendo do pai", Waxflatterescreveu. "Teria sido muitomais prudente guardar segredodurante algum tempo. Ao queparece, escreveu ao paitambém sobre o plano deconstrução do hotel. O vigáriofoi contra. Acho que ele sódeseja ver o filho longe de

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Tanta e em casa novamente.Aparentemente, o pai não temdinheiro, a fortuna é da mãe.Se Nesbit se integrar no grupode Bobster, onde vai arranjar odinheiro?"

Mas Nesbit entrou para asociedade. Já que não podialevar Nazli para a Inglaterrasem criar um constrangimentosocial, teria de ficar no Egito eia precisar uma fonte de renda.Conversou com Nazli sobre oassunto. Ela levou-o ao

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conhecimento do pai. QuandoNesbit entrou na sociedade foicom o apoio financeiro do paide Nazli.

Hallmark e Waxflatterrelutaram um pouco emaceitar, mas, como Cragwitchhavia previsto, Hallmarkestava certo de que o projetocriaria empregos para a regiãoe prosperidade para alguns dosmais miseráveis feias. A idéiaagradava muito a Hallmark.Não podia haver melhor meio

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para devolver aos explorados eoprimidos o dinheiro malganho da sua família. Era umconceito ingênuo,naturalmente, mas nemBobster e nem Cragwitchestavam dispostos a tirar deleessa ilusão. Assim, Hallmarkentrou para a sociedade,ficando só Waxflatter aindaindeciso. Como se decidiu,afinal, e quais foram osresultados da sua decisão,Waxflatter conta no seu diário.

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"Logo depois do café damanhã, Bobster convocou umareunião", escreve ele."Hallmark nos deixouchocados quando apareceucom um manto árabe e um fez.Cragwitch especialmentedemonstrou seuaborrecimento, resmungandoalguma coisa sobre Oscar estarvirando nativo. Nesbit chegoude Tanta, muito satisfeitoconsigo próprio, constatei comalegria. O assunto da reunião

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era o planejamento do hotel;parece que, por um motivo ououtro, estão todos muitoentusiasmados. Perguntaramse eu também estava. Bem,pedi mais algum tempo pararesolver. Naturalmente, tenhopensado muito no assunto eestudado os prós e os contras.Embora eu não seja umcomerciante, compreendo queé o momento certo paraconstruir um hotel naquelaárea. Mas será que quero ter

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todo esse trabalho? Para mim,esse é o ponto central daquestão."

Alguns dias mais tarde,impacientemente Bobsterexigia uma decisão deWaxflatter. Com surpresa,conseguiu: Wax- flatter tinharesolvido entrar para asociedade. Algumasobservações ocasionais nodiário de Waxflatter antes deterem iniciado os trabalhos dasfundações do hotel nos

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permitem avaliar o raciocínioque o levou a tomar suadecisão. Tinha algo a ver comsua ambição de lecionarquando terminasse auniversidade.

"Não posso esperar ganharuma fortuna lecionando",confiou ele ao diário. "Vouprecisar de alguma rendaextra. Especialmente porquequero fazer minhas própriaspesquisas. A área que pretendopesquisar não atrairá

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certamente nenhuma ajudafinanceira da universidade oudo governo — as pessoas maisimportantes da Inglaterrasimplesmente não acreditamna idéia — portanto devoprocurar apoio em outro lugar.Uma renda proveniente dohotel poderia ser a solução."

Assim, ele escreveu para opai, um cavalheiro fazendeirode Somerset, propondo quefosse liberado o dinheiro queestava reservado para ele em

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custódia. De qualquer modo,dentro de dois anos seria seu. Opai, que se preocupava com ofilho desde que o meninoimpetuoso saltara do telhadode um silo, com asas feitas emcasa, concordouimediatamente com aproposta, impondo a condiçãode Waxflatter jamais lhe pedirmais dinheiro. Assim, ele podeinvestir com os outros nasociedade, sabendo que, sefossem bem-sucedidos — e

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Bobster era muito astuto —teria garantido ofinanciamento para suapesquisa independente.

Baseados no que sabemos deWaxflatter, não duvidamos deque a área de pesquisa à qualpretendia se dedicar era aaviação. Temos outra provadisso. Entre os papéis antigosencontrados e retirados porElizabeth do sótão estava umatese de Waxflatter. É umdocumento fascinante, uma

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verdadeira jóia, um trabalhobaseado em várias fontes,traçando a história do vôodesde os sonhos dos antigos atéas conquistas daquela época.

O desejo permanente dohomem de desafiar a lei dagravidade e pairar no ar, queWaxflatter seguiu comdedicação durante seus anosem Brompton, está mostradodesde a antiguidade maisremota. Na verdade, deusesalados eram tão numerosos

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que ele foi levado à ousadasugestão de que a própriasemente do homem na Terradeve ter sido plantada por seresde outros planetas. Citava osinstrumentos que desde osprimórdios do mundo usaramas propriedades do ar — obumerangue, a flecha compenas, o moinho de vento e apipa. As pipas que subiam aoscéus levando homens, naChina, milhares de anos antesde Cristo, são citadas na tese.

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Bem como os foguetesinventados na mesma época.Ele antecipa a idéia demáquinas que, combinando aspropriedades da pipa com as domoinho de vento, ou domoinho de vento com as dofoguete, poderão algum dialevar o homem à atmosfera ouaté mesmo além dela.

Presta tributo ao trabalhode Leonardo da Vinci no fimdo século XV, especialmenteseus desenhos dos ornitópteros

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com asas móveis. Comosabemos, os princípios de daVinci foram aplicados àsmáquinas voadoras deWaxflatter, mais tarde. Sãotambém lembrados na tese osexcêntricos alados dignos denota que durante os séculos seatiraram de torres, decampanários e de um telhadopara outro, com conseqüênciasmuitas vezes fatais — homenscomo Oliver de Malmesbury,que se lançou com suas asas do

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telhado da abadia, quebrandoas duas pernas (1020). DeBernoin da Alemanha, que emFrankfurt morreu em umatentativa semelhante (1673) e oMarquês de Bacqueville, quetentou atravessar o Sena comsuas asas e caiu sobre a barcaçade uma lavadeira (1742).Waxflatter citarespeitosamente essasdesventuras heróicas antes depassar para os balonistas doséculo XVIII e começo do

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século XIX, os dirigíveis e,finalmente, o primeiroverdadeiro aparelho aéreo comflapes de propulsão que maistarde ele tentou aperfeiçoar.

Foi essa elogiável obsessãoque levou Waxflatter a entrarpara a sociedade. Com todos deacordo, Bobster não perdeutempo em iniciar a execuçãodo projeto. Mas não podiaandar mais rápido do que lhepermitiam os costumes e ascaracterísticas do país. Houve

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atrasos inevitáveis, nuncasatisfatoriamente explicadosnas terras do Oriente e cujosculpados raramente aparecem.Os funcionários do governo serecusavam a serem apressados,acertos deviam ser feitos, oclima não era próprio paranenhuma pressão e os dias sepassavam com a observânciarigorosa e descansada da sesta.Logo compreenderam queteriam de esperar meses paracomeçar os alicerces do novo

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hotel.Exceto por Bobster, que

permaneceu no Cairo, nocentro do trabalho, os amigosse dispersaramtemporariamente.

Nesbit passava quase todo otempo em Tanta. Cragwitch foipara o norte, até Alexandria, afim de estudar as ruínas dasfortificações napoleónicas,Hallmark alugou um quartono bairro nativo e estudouárabe e Waxflatter começou

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uma viagem pelo Nilo.Foi sem dúvida um mau

presságio o fato dos beduínoscomeçarem a instalar seuacampamento no oásispróximo de Esbekiah paraobservar o mês de Ramadãquando finalmente chegou omomento de começar ostrabalhos da construção dohotel. Uma das noites dessenono mês no ano muçulmanoé chamada a Noite do Destino.É quando são determinados os

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destinos dos homens para opróximo ano — e, comoveremos a seguir, no caso dosjovens ingleses, para um tempomuito mais longo.

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Capítulo DozeO PROJETO DE

WAXFLATTER, DE SUBIR ONILO ATÉ A PRIMEIRAcatarata, não se realizou. Logode início, surgiram problemasinesperados. Depois de umbom começo em Boulak, emuma tarde brilhante, com umabrisa leve, a tripulação dabarcaça de fundo chato e doismastros, que ele havia alugadopara a viagem, ficou mal-

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humorada, exigindo maisdinheiro, uma tática queusavam sempre, logo depois doinício da viagem. Depois,ventos não característicos daestação por duas vezes levaramo barco para terra. Da segundavez encalharam e tiveram dedesembarcar. Waxflatter foiobrigado a passar a noite emum povoado, em Turra, numacabana de barrodesconfortável, com seus seistripulantes, um intérprete e

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um cozinheiro. A povoaçãoficava na estrada para Mênfis eWaxflatter resolveu visitaraquela famosa cidadeenquanto os homens tentavamlevar a barcaça para a águanovamente.

Com o intérprete elecomeçou a longa jornada emlombo de burro, através dasareias desertas, mas quandochegou às famosas ruínas ummensageiro do Cairo oalcançou. Bobster esperava

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ansiosamente sua volta.O trabalho ia começar antes

do que esperavam. Todas asdificuldades tinha sidoresolvidas, exceto um pequenoproblema com os dignitários deum povoado próximo ao localda construção. Para Waxflatterisso parecia ameaçador, masBobster não achava que fossenada sério. "Quanto a essesproblemas isolados", escreveuele, "tenho certeza de queHallmark os resolverá. Ele será

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nosso intermediário. Já sabefalar um pouco o árabe e, ajulgar pelas aparências, logoserá árabe também! Achoimportante que nós todosestejamos aqui para o início daconstrução. Tenho certeza deque você compreende quedevemos mostrar nossopatriotismo."

O diário parece tenso deirritação. "Para o inferno como maldito patriotismo deBobster!", escreve Waxflatter.

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"O que isso tem a ver com umempreendimento comercial?Eu investi dinheiro nisso. Oque mais posso fazer? Bobster émelhor comerciante do quenós todos juntos. Quero verAbidos e o Vale dos Reis.Talvez nunca mais tenha essaoportunidade."

No dia seguinte, ele estavamais calmo. "É uma pena, masacho melhor voltar. Se algosair errado, os ausentes levarãoa culpa. Quero que esse

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empreendimento seja bem-sucedido. Preciso daindependência que pode medar, portanto, passarei maisum dia em Mênfis e depoisvolto para o Cairo." Não pôdedeixar de refletir na ironia daobservação de Bobster sobreHallmark, a quem ele eCragwitch tantas vezes haviamridicularizado. Agora queriamque agisse por conta própriacomo oficial de ligação. "Ótimopara Hallmark", escreve ele.

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"Espero que eles o respeitemmais no futuro."

Levando seu Heródoto comoguia (o historiador grego tinhase aventurado por aquelaregião, no século V a.C.),Waxflatter chegou a Mênfisexcitado com a perspectiva dever as ruínas da cidadefundada há quatro mil anos.Mas teve uma desilusãoporque, tudo o que restava dacidade que fora capital doEgito durante 31 dinastias, que

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havia sobrevivido às conquistasdos persas, dos gregos e dosromanos e era ainda populosaquando chegaram os árabes,eram imensas pilhas de terraseca. Aqui e ali erguiam-sepalmeiras, cabras lutavam pelasobrevivencia à sua sombra ealém das árvores havia cabanasde barro ao lado das quaissentavam-se mulheres ecrianças tristonhas, no calor dodia.

Nada restava do esplendor

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que Heródoto havia visto, anão ser fragmentos deesculturas de granito, torsossem cabeça e colossos de bruçosno solo do lago seco. "As ruínasmergulharam nas areiasinsondáveis", escreveWaxflatter no seu diário."Mênfis é um desapontamento.Só seu nome atrai osvisitantes." Ainda assim, eleteve a sensação da históriaenquanto caminhava pelosmontes de areia, apanhando

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aqui um pedaço de porcelana,ali um fragmento de granitovermelho. Não era tãoestranho assim, pois Mênfis erauma das mais antigas cidadesdo mundo. Nenhuma outrahavia prosperado por tantotempo desde que foi fundadapor Khufu, a quem os gregoschamam de Queóps na suahistória. "Tudo naufragado emum oceano de areia", escreveele com tristeza.Naturalmente, Waxflatter

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estava errado. Sabemos que foio homem e não a areia quemdepredou as ruínas. Oesplendor visto por Heródotofora levado de Mênfis, durantea Idade Média, para construirnovas cidades. Parte do Cairofoi construída com as ruínas deMênfis.

Deixando a cidade sombria,Waxflatter analisou os própriossentimentos. Compensou odesapontamento com asatisfação de ter estado ali e

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visto o que ainda restava. Nesseestado de espírito iniciou suajornada, em lombo de burro,de volta para Turra, nacompanhia do intérprete.

Durante a viagem pelo rio,até Boulak, Waxflatter játemia o que ia encontrar noCairo. "Não me agrada oproblema com os beduínos",confiou ao diário. "Só esperoque Bobster saiba o que estáfazendo."

No Cairo verificou que a

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situação era muito pior do quepensava. Mas Bobster não a viaassim. O que havia acontecidoaparentemente o deixaramuito satisfeito.

A área escolhida para aconstrução do hotel era umantigo cemitério. Váriostesouros inestimáveis jáhaviam sido encontrados."Ficamos milionários antesmesmo de começar", disseBobster com imenso prazer. FoiHallmark quem os fez pensar

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com mais realismo. De volta deuma reunião com osmagistrados do povoado,informou os amigos que oassunto era extremamentedelicado. A área da escavaçãoera sagrada para os habitantesdo povoado. Cinco princesas da14â dinastia estavamenterradas ali. Waxflatterresolveu visitar o povoadopróximo da área escolhida.Hallmark o acompanhou.

Antes de partir Waxflatter

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viu um folheto da sociedade,que descrevia as amenidadesoferecidas pelo hotel. Ostrechos que ele reproduziu nodiário mostram que o hotelseria magnífico, um grandehotel que combinaria a maisavançada tecnologiaamericana com o ambienteoriental.

O desenho fora executadopor um arquiteto americano.Naquela época a América era apioneira nesse campo e estava

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construindo hotéis quetentavam igualar o esplendordos palácios reais, da Europa oque, naturalmente, nãoconseguia. Na América foramconstruídos os primeiros hotéisna tradição da estalageminglesa, onde os viajantespassavam a noite somentequando precisavam. A novatendência era para hotéis quefuncionassem como centrossociais, mundos de fantasia,onde os visitantes eram

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tratados como reis. Hotéis dessetipo estavam sendoinaugurados também naEuropa, muitos deles empalácios, castelos, mosteiros eaté conventos reformados paraesse fim. Os ricos podiamdesfrutar, no recém-inaugurado Exchange Hotel,de Boston, ou no BadischerHof, em Baden-Baden, umafuga completa das atribulaçõescotidianas em um ambienteextremamente luxuoso. O

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arquiteto havia projetado umhotel desse tipo para asociedade de jovens ingleses noCairo.

Teria seis andares e 150apartamentos, todos combanheiro, o que era realmenterevolucionário. O complexoincluía uma sala de jantar comcapacidade para duzentaspessoas, aberta para o terraçode onde se via o Nilo. Seria osalão das dinastias. Teria umsalão de baile, biblioteca, um

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salão árabe, equipado paraespetáculos de lanternacalidoscópica, uma casa debanhos completa, com banhosturcos a vapor e salas demassagem. Uma característicamuito especial seria o Portãopara a Índia, que os folhetosdescreviam como umareconstrução, em linhasteatrais, de um mercado, ondeartefatos egípcios podiam sercomprados em ambientemuito mais confortável do que

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o dos bazares barulhentos emovimentados das ruas doCairo.

O edifício, em granitovermelho, fora desenhado parase confundir com a paisagem:colunas iguais às dasmesquitas, coroadas porminaretes, uma de cada ladoda fachada triangular, como sefosse o lado de uma pirâmide.O nome do hotel, de extremomau gosto, segundoWaxflatter, seria Palácio do

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Faraó.Foram a cavalo até o

povoado e Waxflattermenciona a imponência comque Hallmark, com suasroupas egípcias, montava ogaranhão árabe; estava muitoegípcio. Ninguém reconheceriao antigo estudante com seualbornoz e o fez vermelho, orosto queimado de sol e abarba crescida. Quandochegaram, Waxflatter sentiu-se deslocado por ser o único

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com roupas européias. MasHallmark, evidentemente,havia conquistado a confiançado povo, por isso foramconvidados para a cabana dosmagistrados da aldeia. Eledescreve a ocasião:

"Fiquei impressionado comos bons modos daqueleshomens — cujas vidas eramtão difíceis — e com a limpezadas suas casas de chão de terra.Sentamo-nos em almofadõesfinamente trabalhados,

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formando um semicírculo,com o porta-voz da aldeia nocentro. Foram passadasvasilhas com água, nas quaislavamos as mãos antes de nosservirmos de doces e caféoferecidos pelas crianças, dasquais só víamos os olhoscastanhos e sorridentes atravésdas aberturas das túnicasnegras e longas. De uma frestana cortina que separava ocômodo onde estávamos dooutro, uma sucessão de olhos

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brilhantes nos observavafurtivamente e ouvimos asrisadas alegres e sonoras dasmulheres na reclusão dopurdah. A simplicidade dissotudo me comoveuprofundamente.

O problema, disse o chefe,era o fato da área escolhidapara o hotel ser sagrada paraeles. O que parecia aoseuropeus uma região desertaera território venerado por elese por seus ancestrais, pois sob

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aquele solo, sem terem sidoperturbados durante milharesde anos, estavam os túmulos daPrincesa Hatiba e de suasquatro irmãs que, segundo ostextos antigos, haviam morridoem uma noite terrível, quandoo Nilo invadira a terra, fora daestação da enchente,devastando a residênciaimperial. Muitos morreramafogados, inclusive as quatroprincesas reais.

Todos os anos, por ocasião

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do Ramadã, na noite anteriorao Dia do Destino, o povoadotristemente relembrava aqueletriste acontecimento com umavigília à luz de tochas, naentrada dos túmulos.

O chefe continuou anarrativa em tom mais severo.Disse aos ingleses, dirigindo-sea Hallmark especialmente,como seu intérprete, que osjovens europeus e os agiotas dacidade (empregou a palavraárabe que significa usurarios)

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haviam começado a profanar oterreno sagrado e não davamatenção quando lhes pedirampara cessar aquele trabalhosacrílego. Assim sendo, o chefeexigia que a profanação dostúmulos cessasseimediatamente.

"Havia nos seus modos umadelicadeza fria, cujo própriotom nos advertia que nãodevíamos tomá-la porfraqueza", comenta Waxflatterno diário. "E nos advertiram de

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outros problemas. Uma tribode beduínos, com os quais elestinham relacionamento deíntima amizade, está armandoseu acampamento,preparando-se para o Ramadã.Eles também viram o que estáacontecendo no solo sagrado.'Usamos meios pacíficos depersuasão em assuntos destaordem', disse o chefe, 'masnossos irmãos beduínos sãodiferentes. Suas origens datamde séculos incontáveis (o velho

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chefe na verdade disse 'datamdo tempo em que Ram eraonipotente', mas Hallmark nãoconsegui traduzir literalmente)e da crença no culto da RameTep. Até hoje embalsamamseus mortos em honra aAnúbis, o deus dos mortos, e naépoca do Ramadã enterraramos restos mortais dos entesqueridos nos túmulos das cincoprincesas. Se os túmulos foremprofanados, eles evocam avingança de Eh Tar."

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Tudo isso pareceu bastanteameaçador a Waxflatter, quenaturalmente quis saber maissobre o significado de Eh Tar.Hallmark explicou que emcada geração aquela triboescolhia uma criança do sexomasculino ("o escolhido",geralmente filho de um doschefes tribais) e lhe davam onome de Eh Tar. Em caso denecessidade, esse principezinhotornava-se seu "mensageiro davingança"; Eh Tar, de muito

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antiga origem fenícia,significava vingança. Quemquer que profanasse ostúmulos das princesas seriaalvo de vingança da Rame Tep,cujo mensageiro era sempre EhTar.

Um tanto abalado com essasrevelações, Waxflatter sugeriua Hallmark uma visita ao localda construção. À caminho,Hallmark contou o que haviaaprendido sobre a cultura e oscostumes daquelas tribos do

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deserto.Os beduínos, ou Bedu da

Arábia, eram membros dastribos nômades de criadores decamelos e, na acepção estritada palavra, os únicos comdireito à denominação deárabes. Essas tribos levavamexistência nômade desde ostempos dos faraós. Quandomigraram da Arábia para oEgito, continuaram nômades eeram chamados de árabes pelosegípcios, enquanto que os

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cultivadores da terra nãorecebiam essa denominação.Porém, em anos mais recentes,algumas das tribos se tornaramsedentárias, abandonando asdificuldades terríveis da vidano deserto, transformando-seem camponeses, geralmentetrabalhando com habitantesdas aldeias, já estabelecidoscomo criadores de gado. Essatendência foi acelerada pelaocupação napoleônica, quedisseminou entre eles as idéias

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de igualdade e fraternidade daRevolução francesa. Algunsmembros das tribos haviam atémesmo se juntado aos felás dasaldeias na migração para ascidades, onde trabalhavamcomo empregados nos novosplanos de urbanização eindustrialização. Finalmente,com o ressurgimento donacionalismo, todos os povosde língua árabe passaram a serchamados de árabes.

Contudo, os beduínos eram

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os puros-sangues históricos dasua raça e a maioria das tribospermanecia nômade, levandoainda a vida difícil no frio ecalor intensos das regiõesdesertas do sul da Arábia, cujaregião mais inóspita era oinfame Bairro Vazio. Mas eramde um patriotismo feroz eatravés dos séculos governantessucessivos haviam pedido suaproteção contra incursões deintrusos, desde os cruzadoscristãos até o presente, quando

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Mohammed Ali não hesitouem usá-los para expulsar osbritânicos.

Os beduínos acampadosperto do povoado, emEzbekiah, eram típicosmembros de uma tribo emtransição. Possuíam algumascabeças de gado muito magro,alguns camelos e um rebanhode cabras. Eram homenspequenos e fortes, com traçosfinos e corpos ágeis, mas até osjovens pareciam mais velhos,

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devido à vida difícil quelevavam. Usavam turbantes emantos árabes que chegavamaté o meio da perna e algunsvestiam apenas tangas etinham a cabeça descoberta.Usavam adagas também. Asmulheres, vestidas de negro,tomavam conta do gado, masnão lhes era permitidoordenhar as cabras ou as vacas;desde os tempos mais antigos,só os homens podiam tocar oúbere de um animal. Mas o

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camelo era o abastecedoruniversal. Aquele esplêndidoanimal de carga servia detransporte, comiam sua carnenos tempos difíceis, tomavamseu leite, suas fezes secas eramusadas como combustível paracozinhar e para aquecimento.Naturalmente, reverenciavamo camelo, admirando suapaciência, e o tratavam comum misto de afeição e espíritoprático, quase beirando oamor. Pois se uma tribo

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nômade estivesse a umadistância relativamentepequena de um oásis e oscamelos precisassem descansar,não seguiam viagem epassariam outra noite nodeserto inóspito.

A vida dos beduínos erarepleta de dificuldades. Àsvezes a água dos poços era tãoamarga que misturavam leitede camelo para conseguirbeber. Quando o khamsinsoprava do leste, como o bafo

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de uma fornalha, o calorprovocava feridas em suaspeles. Para essas tribos, a vidase mostrava tão próxima danatureza, tão perturbada pelasdificuldades da existência, queDeus era um companheiro; a féem sua presença lhes davacoragem para suportar asdificuldades. Oravamregularmente, voltados paraMeca, nos seus tapetes deoração, e observavam oRamadã como uma festa

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móvel, pois de acordo com ocalendário lunar egípcio, caionze dias mais cedo a cadaano.

Durante o Ramadã nãodevem comer e nem beber donascer ao pôr-do-sol, mas avida do beduíno é tão árduaque essa prática seria fatal nocalor do deserto. Assim, obeduíno está isento daobservação do jejum atéterminar sua viagem.

Essa era a situação da tribo

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que estava acampada naescarpa próxima de Esbekiah.Haviam passado parte do anoem cavernas nas encostas decalcário, tinham atravessado oBairro Vazio e agora estavamno oásis, onde armaram suastendas e construíram cabanasde pedra e relva trançada, afim de guardar suas poucaspossessões. Mas, à noite,Waxflatter e seuscompanheiros ouviam o soardos seus estridentes tambores

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de prata, marcando as horas docair da noite, quandomodestamente comiam ebebiam após o jejum do dia.Era como se fosse um aviso aoseuropeus, marcando as horas,até o momento em que aqueleshomens e mulheres iriam aosolo sagrado, para se juntaremao povo da aldeia na vigília davéspera do Dia do Destino.

A providência seguinte deWaxflatter foi inspecionar oslocais da construção para

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verificar o que podia ofender asensibilidade dos beduínos.Ficou extremamente chocadocom o que viu no planaltoonde seria construído o Paláciodo Faraó.

Um grupo de trabalhadores,cerca de 150 homens, todosfelás, estava em atividade, maso que fazia parecia não terqualquer relação com aconstrução do hotel.Movimentos de terra tinhamsido feitos, supostamente para

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os alicerces, mas o que estavaem processo era algo que maisparecia pilhagem. Enquanto oscapinteiros faziam postes eescoras para suportar aberturasde cavernas e de corredores,outros trabalhadores aindacavavam no local dos alicerces.Outros continuavam fazendocaixotes de vários tamanhos eforrando-os com palha e outrosmateriais protetores.

Das cavernas para oscaixotes movimentavam-se os

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trabalhadores, carregandoestátuas e ornamentos;sarcófagos perfeitamenteintactos eram transportadosnos ombros dos homens. Aprimeira vista pareciam nãoter cor, mas quandoiluminados pelos raios do solsurgia o colorido suave namadeira. Espalhados por toda aparte, como lixo, viam-sepedaços do que tinham sidovasos elegantes, fragmentos dealabastro e mármore de todas

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as tonalidades, desde asbrilhantes cores primárias atéos tons pastéis mais delicados.Estatuetas funerárias tinhamsido desprezadas como obrasimperfeitas e seus membros etorsos sem cabeça espalhavam-se como se fossem resultado deuma explosão. O maisimpressionante eram ospedaços de substância marrome esponjosa que escapavam dasataduras rasgadas das múmias.A carne dos mortos

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embalsamados. Parecia umabatedouro.

Waxflatter registra o fato deque esse vandalismo estava seprocessando sob os olhosatentos de pessoas que elenunca vira antes; nenhum dospresentes nas escavações jamaisestivera nas reuniões dediscussão do projeto. Maistarde soube que aqueleshomens sérios, com roupaseuropéias, eram agentes deconsulados estrangeiros,

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negociantes de antiguidades,intermediários de museuseuropeus. Ao que parece,Bobster fizera um acordo comeles, em nome da sociedade,segundo o qual, certas quantiasseriam investidas naconstrução, quando aquelasrelíquias inestimáveis fossemvendidas.

Na ausência dos outros,Waxflatter fora ludibriado poraqueles empresáriosdesumanos, suplantado por

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suas negociações corruptas.Agora estavairremediavelmente nas mãosdeles. Hallmark, quase sempoder falar de tanta raiva, osadvertiu severamente sobre asterríveis conseqüências, masCragwitch minimizou osriscos, alegando influênciajunto aos militares, quecertamente providenciariamproteção em caso de perigo. Ospolíticos do Cairo precisavamde dinheiro para seus planos

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ambiciosos de renovação, disseele, e seria a coisa mais simplesdo mundo transferir uma partedos lucros para eles. ApenasNesbit, chamado do seu idílioem Tanta, parecia indiferenteà tensão. Estava ansioso paraver o interior das escavações etodos o acompanharam aolocal.

As cinco princesas tinhamsido sepultadas há cerca dequatro mil anos. Depois demumificadas, foram colocadas

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em um mausoléu guardadopor um par de pequenasesfinges. À luz das velas,caminhavam pela avenida dascatacumbas e, chegando aotemplo central, o guia acendeuuma vasilha com magnésio. Achama revelou a riquezaincrível ali guardada. Nichosbrilhavam como pedraspreciosas, os perfis de deuses edeusas estavam gravados empeças de marfim polido, tábuascom hieróglifos repetiam a

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sabedoria do Livro dos Mortos.E em uma armação forrada deouro estavam os sarcófagos dascinco princesas. Mas estavamvazios. As múmias tinham sidoretiradas.

A uns cinqüenta metrosadiante chegaram a umacâmara que Hallmark disse seruma casa deembalsamamento. Ali os ritosfunerários tinham sidorealizados há milênios. Elesabia alguma coisa sobre a arte

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há tanto perdida e começou adescrever o processo para oscompanheiros.

O corpo era esvaziado detoda a matéria sujeita àdecomposição e mergulhadoem natrão. Só o coração eradeixado, as entranhaspreservadas separadamente,em jarros canópicos, que eramsepultados com o corpo. Este,quando seco, era lavado,untado com óleo, envolto emataduras de linho e entregue

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aos parentes. Então, podiacomeçar a cerimônia dofuneral, uma ocasião bastantefestiva, que geralmenteterminava com dança. Omorto supostamente estavaagora na companhia dos seusancestrais. No caso da realeza,como os funerais das princesas,a cerimônia durava vários diase o mausoléu transformava-seem centro de peregrinação.

"Ali, naquele templo frio esubterrâneo", confiou

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Waxflatter ao seu diário,"senti-me como um intruso nomundo privado de uma crençamuito antiga. Eu estavaofendendo as leis exatas dotempo. Talvez agora aquelasmortas sagradas jamaisacordassem. Eu haviaquebrado o encanto. Acho queesse é o significado dosacrilégio."

Quando os cinco jovensingleses voltaram à sua villa noCairo, estavam em completo

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desacordo. Lendo o diário,temos a impressão de queWaxflatter simplesmentequeria voltar para casa.Hallmark, por sua vez, estavatão chocado com a profanaçãoque se processava em Esbekiah,que não tinha mais coragemde enfrentar os habitantes daaldeia. Nesbit só pensava emvoltar para Tanta. Mas Bobstere Cragwitch insistiam em quetodos deviam ficar até ocomeço da construção, quando

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então poderiam deixar oprojeto a salvo nas mãos dosseus socios egípcios. Mas tudoisso, afinal, não passou deconjetura sem sentido, pois nodia seguinte ocorreu uma sériede fatos que os levou a voltarpara a Inglaterra o mais cedopossível e pelo transporte maisrápido.

Cragwitch havia conseguidoum grupo de soldados paraguardar a escavação. Eramalbanianos, veteranos das

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famigeradas aventuras deMohammed Ali no Sudão. Eraimpossível haver um grupo demercenários mais cruel do queesse. Quando na véspera do Diado Destino, os habitantes dopovoado, seguidos pelosbeduínos nos seus camelos, seaproximaram do local sagrado,os soldados gritaram frasesindecentes para as mulheres.Tinham estado bebendocerveja dos barris apoiados emtocos cortados de cedro. Os

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árabes ficaram confusos efuriosos, pois, não só o sagradosantuário muçulmano foraprofanado horrivelmente,como também estava guardadopor infiéis, nessa época solene.

Os beduínos empunharamsuas adagas e os albanesesatiraram. Houve algumasescaramuças e os árabesvoltaram para a aldeia.Quando a noite caiu, ossoldados foram atrás deles e aconfusão foi total. Casas foram

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incendiadas, mulheres foramviolentadas, crueldadesinomináveis foramperpetradas. De madrugada, aaldeia era uma ruína. Umafumaça acre pairava entre oscorpos espalhados. Algunsestavam apenas curtindo abebedeira, outros gemendocom a dor dos ferimentos, masmuitos, incluindo crianças,estavam mortos ou quase.

A notícia do ultraje chegouà villa logo ao nascer do dia,

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levada por um dos amigos deBobster, um grego deAlexandria. "Eu osaconselharia a partir semdemora", disse ele. "Ossobreviventes juraram ódio aosestrangeiros. O governo vai sevoltar contra vocês. Nãoaceitarão a responsabilidade.Vocês serão os culpados."

"Exatamente o que somos",confessou Waxflatter àspáginas do seu diário,acrescentando profeticamente:

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"Não acredito que tudotermine aqui para nós."

Ao cair da noite estavamem Alexandria e, com sorte,conseguiram passagens em umnavio que saía naquela noitepara Liverpool. Nenhum delesjamais voltou.

Entretanto, sabemosalguma coisa das carreiras queseguiram. A evidência está nosdiários que Waxflatterescreveu durante anos.

Hallmark fez muito pelos

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bairros pobres do East End deLondres. Conheceu CharlesDickens. Publicou um livro desua autoria, As Trilhas doExílio, que influenciou muitoas autoridades para queconstruíssem habitações demelhor qualidade nasvizinhanças das docas.Finalmente, entrou para oParlamento, como radical,naturalmente.

Nesbit, que fora obrigado adeixar o Egito sem se despedir

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da sua amada, a caminho decasa mudou de opinião, paragrande alívio da família.Depois da sua ordenação,trabalhou em várias paróquiasantes de se estabelecer emKilburn até o fim da vida.

Bobster, como já vimos,morreu espetacularmente, noauge da prosperidade. Soube-semuito mais tarde que, quandofinalmente foi construído umhotel em Esbekiah, eleconseguiu comprar ações,

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provavelmente sob outronome, ou através de umacorretora ou por outro meioqualquer conhecido doscontadores. Administrando asfinanças alheias, Bobster setornara um homem muitorico.

Após uma curta carreiramilitar, ao que se diziaterminada com demérito(matou um indiano, quandotentava atirar em um pássaro,em uma competição de tiro ao

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pombo, em Deli), Cragwitchdeu baixa do exército e tornou-se banqueiro. Seria o únicosobrevivente dos assassinatosde 1870.

Waxflatter, como sabemos,voltou à sua antiga escola,depois de se formar emEdimburgo. Ao que parece,aceitou o lugar em Bromptonespecialmente porque tinhaespaço para suas experiênciasno campo da aeronáutica. Nãose interessava por dinheiro.

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Tudo o que queria era voar.

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Capítulo TrezeOS LEITORES QUE

ACOMPANHAM ASAVENTURAS DE HOLMESsabem que sou médico, poisconsegui me formar, a despeitodos temores que meatormentaram quando estavaem Brompton. Jamais meatribuí grande talento comoescritor. O sucesso dos livrossobre Holmes, sou o primeiro areconhecer, não pode ser

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atribuído a qualquerqualidade que eu tenha ou nãocomo narrador. Não, isso sedeve ao grau de admiração quesuscitaram no público asrealizações espantosas dopersonagem central, meuamigo Holmes.

Sei que mais de uma vez —estou pensando no caso do"Ritual Musgrave" — Holmesse refere a mim como seubiógrafo. Com tal autoridadeadotei essa denominação ao

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relatar o caso do "PacienteResidente". E durante suasinvestigações do enigma do"Construtor de Norwood", elechegou mesmo a me descrevercomo "meu zeloso historiador".Mas jamais tive ilusões quantoà qualidade da minhaliteratura. Minha obra deve serconsiderada como o trabalhode um amador, assim como, nocampo da detecção, Holmesera um amador, embora umamador extremamente bem-

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dotado.Entretanto, às vezes,

criticava acerbamente os meusesforços para presentear aposteridade com um registrodo seu trabalho. Mais de umavez me acusou de"aformoseamento" — foi apalavra que usou — no cursoda tarefa que me impus derelatar o que ele definia como"esses pequenos registros dosnossos casos que você teve abondade de rabiscar". Bem, a

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complacência da observação eupodia suportar, mas sentiprofundamente a injustiça queele praticou quando estávamosresolvendo o mistério das"Faias de Cobre", quando disseque eu havia "degradado o quedeveria ser um curso de lógica,transformando-o em uma sériede contos".

Essa fraseologia pejorativanão me parece de acordo com aestima que Holmes afirma terpor mim. Por acaso não se

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referiu a mim, durante nossotrabalho na "Liga da CabeçaVermelha", como "meu sócio emeu assistente"? Porém, adespeito dessa consideração,muitas vezes Holmes criticavaduramente minhasdeficiências literárias, quandonão estava de bom humor.

Por que, o leitor deve estarperguntando, pensei nissotudo? Especialmente porquesinto a presença dele agora,enquanto escrevo no meu

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escritório, em Kensington, suasombra vigiando-me, entre alâmpada e a minha mesa. Estáinclinado sobre meu ombro ejuro que o ouço dizer: "Watson,velho amigo. Você aformoseououtra vez."

Mentalmente nego aacusação, embora reconheçaque faz sentido do ponto devista de Holmes. Está mecensurando por ter-meestendido na descrição dosacontecimentos do Egito, por

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ter entrado em detalhes,abandonando-o às agruras deOxford e Elizabeth ao seutrabalho no sótão. É típico deHolmes. Para ele, a caçada aocriminoso é tudo. A situaçãodo mundo em geral nunca ointeressou; é um assuntotedioso. "Minha vida", disse elecerta vez, "é um longo esforçopara fugir ao lugar-comum daexistência." Uma batalhacontra o tédio. Contudo, eraum homem com intuições tão

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fantásticas que, se tivessevivido na Idade Média, nacerta seria acusado de feitiçariae queimado sumariamente nafogueira!

Mas não me desculpo porter feito uso da rica fonte dodiário de Waxflatter pararelatar os detalhes do queaconteceu no Egito. Será queexiste melhor exemplo dadeterminação do destino deindivíduos pelo curso dahistória? Aqueles jovens na

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pequena tela de Waxflatter,por estarem em umdeterminado lugar emdeterminado tempo, tiveramsuas vidas marcadas pelaameaça de vingança quereceberam um ano depois dasua volta à Inglaterra. Se ahistória não tivesse paradonaquela noite da chacina emEsbekiah, eu não estaria agorarelatando o primeiro casoresolvido por Holmes. Masaceito sua opinião. Está na

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hora de voltarmos paraBrompton.

Sem que soubéssemos,enquanto estávamos emCragwitch Manor, a vida deElizabeth corria perigo. Aextensão desse perigo só viemosa conhecer quando voltamosde Oxfordshire. E então eraquase tarde demais. Com otempo consegui saber osdetalhes das horas terríveis queela teve de enfrentar.

Quando partimos, ela foi

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para o sótão, como Holmestinha mandado. Lá começou atarefa ingrata de selecionardocumentos e objetos entre adesordem do tio. Arrumou osprotótipos das suas invençõesmais portáteis em caixas desapatos. Lá estava um relógiocortador de ovos, que há muitotempo ele estava parapatentear; um aparelho commola, que virava as páginas delivros com um marcador detempo embutido, que se podia

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regular de acordo com o ritmode leitura de cada um; umamáquina portátil de fazer caféque dificilmente seriaaprovada pelos padrões desegurança, pois era a gás! Juntocom um ou dois outrosaparelhos do tio, em suaopinião, esses inventosdemonstravam aengenhosidade de Waxflattercom perfeição. Assim,guardou-os com váriosdocumentos e mais os diários,

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no meu armário.Fez várias viagens do sótão

ao prédio da escola, até que onascer do dia as tornaramimpossíveis, pois poderia serdescoberta. Parece incrível aquantidade de coisas que elaconseguiu acomodar no meuarmário, onde já estavamminhas meias de futebol, doislivros (um de Wilkie Collins, ooutro de Thac-keray) e 250gramas de caramelosRowntree. O mundo científico

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certamente sairia perdendo seela não houvesse incluído entreos papéis de Waxflatter osdesenhos de um ornitóptero avapor, um aperfeiçoamento daversão com pedais. EmboraWaxflatter não tivesse vividopara construí-lo, era provaevidente de uma mente muitoalém do próprio tempo. Cincoanos mais tarde, umornitóptero com duas asas,movido a vapor, baseado emseus estudos, ergueu- se do solo

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na Exposição do Palácio deCristal!

A seleção das coisasdeixadas pelo tio foi uma tristetarefa para Elizabeth. Desde amorte dos pais, Waxflatter eraa pessoa a quem mais queriana vida, até conhecer Holmes,em Brompton. Grande foi suatristeza quando tirou de umagaveta uma fotografia, umprograma de teatro e umrecorte de jornal. Evocarammemórias terríveis demais. A

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fotografia fora tirada pára finsde publicidade teatral;mostrava seus pais, Simon eSophie Lord na peça Romeu eJulieta. A companhia estavaem excursão pela América,quando ocorreu a tragédia quedeixou Elizabeth órfã.

Amantes traídos pelasestrelas, no sentido mais amploda palavra, o belo casal eraadorado pelo público, o queconstrastava com o turbilhãode suas vidas privadas. O papel

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que representavam fora dopalco era uma paródia daimagem de namorados eternos.Na verdade, emboraprofundamente apaixonados,eram incompatíveis. Se nãofosse por Elizabeth, que semprelevavam em suas excursões,provavelmente teriam seseparado. No domingo anteriorà sua representação emFiladélfia, foram ao teatro paraum último ensaio da cena dobalcão.

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A não ser por um foco deluz no palco, o teatro estava àsescuras; todas as portas dafrente estavam trancadas.Enquanto ensaiavam, umassistente da direção entroupela porta dos artistas; era seucostume levar comida para ogato do teatro, nos fins desemana. Acendeu uma velaque, ao sair, esqueceu deapagar. O gato deve tê-laderrubado...

O recorte de jornal contava

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a terrível história. As chamashaviam invadido o teatro comtanta rapidez, especialmente aárea da porta dos fundos, ondeo fogo começou, que o casalmorreu tentando escapar.

Quando Waxflatter chegouem Filadélfia dez dias depois,tendo atravessado o Atlântico,foi diretamente ao hotel dosartistas onde os Lordes tinham-se hospedado. Encontrou amenininha de dez anospreocupada com a ausência

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dos pais. Os membros dacompanhia não lhe tinhamdado a trágica notícia. Obondoso tio disse que ia levá-lacom ele. Só então ela soubeporque os pais não haviamvoltado.

Elizabeth guardou essastristes lembranças no meuarmário. Terminada sua tarefa,começou a se preocupar comHolmes. Sem dúvida estavapreocupada comigo também,mas era natural que pensasse

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em Holmes primeiro. O amorque existia entre os dois semdúvida em parte se devia àssuas infâncias infelizes. O quetinham suportado era umpassado compartilhado poreles. Cada um dos dois criouum espírito independente,uma qualidade quereconheciam um no outro. Ossofrimentos da infância deElizabeth me foram reveladospelos objetos do sótão. Fiqueisabendo da sombra que

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escurecera a infância deHolmes e o significado da suaalucinação no cemitério emuma conversa que tivemos acaminho de Brompton.

Estávamos perto da escola eeu sentia o frio intensamente.Na temperatura abaixo de zerodaquele mês de dezembro, atéo Tâmisa tinha se congeladoem alguns lugares e,aparentemente, não iamelhorar tão cedo. Holmes eraimune ao frio, alimentado por

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aquela energia interna tãoexaustiva para seus amigos.Mas eu estava me sentindomiserável enquantocaminhávamos, passando pelaSerpentine.

— Eu devia estar em casa,em Carlisle — ouvi minhaprópria voz resmungar. —Estamos no Natal e aqui estou,andando no meio da noite comum bando de fanáticos no meuencalço. E vou ser expulso daescola! Meu Deus, Holmes! No

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que foi que você me meteu?Ele não se dignou a

responder. Uma vez ou outraHolmes parava, olhava para osímbolo da Rame Tep na cartarecebida por Cragwitch e diziapara si mesmo: "Eh Tar! RameTep! EhTar!" Estava tão absorto com ocaso que nem se importavacomigo. Fiquei furioso.Reclamei, de mau humor.

— Não pode pensar emoutra coisa? — Acho que nem

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me ouviu. — Investigação!Dedução! Rame Tep! Eh Tar!Estou farto de todo esse negóciomaluco! E mais farto ainda devocê!

Finalmente tinhaconseguido desabafar.Sentindo-me orgulhoso, enfieia mão no bolso. Nada melhordo que uma bala de hortelã emocasiões como essa!

— Desculpe, o que foi quedisse, Watson?

Isso provava que tinha

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escutado meu desabafo.— Estou farto de você —

repeti com muita petulância.— Estou mais do que farto devocê, Holmes.

— Ora, ora, Watson — suavoz estava cheia de bomhumor — precisa controlar aquantidade de açúcar quecome.

— Bobagem — respondiagressivamente.

— Falo sério, Watson —falou calmamente. — Quando

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se come muito açúcar fica-sede mau humor. "Doce demaisfaz a pessoa amarga." É umditado antigo, mas acho que éverdadeiro. Nunca ouviu?

— Não estou interessado emditados antigos — elecomeçava a me irritar. — Nãoacho que eu seja amargo. Sópreciso de uma boa noite desono.

— Chega de balas dehortelã para você — zombouele. Minha paciência estava no

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fim.— Lá vem você outra vez,

Holmes, sempre com suasafirmações presunçosas.Sempre me criticando. Vocênão perdoa a menor falta.

Eu estava tão furioso,debilitado pela falta de sono,que quase não conseguia mecontrolar. Achava que tinharazão.Seria natural aquela atitude deHolmes, apenas um ou doisanos mais velho do que eu, sua

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obsessão por enigmas erespostas e a determinação desolucionar o caso? Por que nãodeixava a cargo da ScotlandYard a solução do mistério e aprisão dos culpados? Parecia-me pouco saudável e muitoperigoso para nós nosenvolvermos tanto assim.Afinal, não passávamos demeninos de escola. Devíamosestar pensando no Natal, aépoca da boa vontade, quandoas famílias se reúnem. Não me

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ocorreu naquele momento queo Natal talvez nada significassepara ele e que Holmes nãotinha para onde ir.

— Eu estava tentando serútil — disse ele, voltando-separa mim. — É importanteacentuar o perigo de umaingestão excessiva de açúcar.Estava dando um conselho deamigo. Seu hálitotransformava-se em névoabranca no ar, seus olhospareciam preocupados.

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Eu me senti humilhado.Holmes parecia genuinamentesurpreso com minhaincompreensão.

— Bem, é muitodesagradável ser tratado assim— respondi. — Não soucriança. Tenho quase a suaidade. Por que você é assim,Holmes? Tem de haver ummotivo. A maioria das pessoasnão nasce com uma menteigual à sua. Não conheçoninguém capaz de identificar

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quinze tipos de couro desapatos ou que tenha estudadotatuagem. Seu conhecimentosobre tintas invisíveis e pegadasde esquilos é realmenteexcepcional. Não é normal,Holmes. Tem de admitir quenão é normal.

— Existem somentequatorze tipos de couro parasapatos, Watson — respondeuele.

— Está vendo o que eudigo? Sempre tem de ser

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estupidamente exato. Será queimporta realmente? Precisasempre ter tanta certeza dascoisas? Nem todo mundo nascecom mentes que sãoverdadeiros livros dereferência, Holmes, cheios dedetalhes curiosos. Nem todomundo é obcecado pela análisee pela dedução. O que faz devocê o eterno detetive?

Olhou para mim comexpressão triste. Eu não tiveraintenção de magoá-lo.

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— Quer mesmo saber? —perguntou.

— Quero — afirmei semrancor. — Sim, Holmes, querosaber.

Recomeçamos a andar eHolmes contou sua história.

— Eu tinha onze anos,lembro-me bem. Meus paisnão eram velhos. Tinham secasado antes dos vinte anos.Mas a família de minha mãefora contra o casamento.Deviam se amar muito. Porém,

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não me lembro de nenhummomento de felicidade entre osdois. Alguma coisa devia estarerrada. O casamento estava emperigo. Mesmo naquela idadeeu sabia disso.

—As crianças são muitoperceptíveis, Holmes —observei.

— São sensíveis a estados deespírito e à atmosfera — disseele. — Watson, você já teve umgato?

A pergunta me apanhou de

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surpresa. Parei de andar e olheipara ele. Notei então que ocorte feito pelo anel de Ratheno rosto de Holmes não estavacompletamente cicatrizado.Parecia um arranhão feito porgarras.

— Temos um gato em casa— respondi.

— Nós também tínhamos— continuou ele. — Um velhosiamês chamado Mehatabel.Eu me interessava muito porele. Tornei-me um observador

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de gatos. O nosso era muitoesperto. E sabe que ele tambémestava me observando? Gatossão como crianças. Ele sabiaquando eu estava triste, assimcomo eu sabia quando minhamãe estava infeliz. Ela tentavaesconder seus sentimentos. Masnão adiantava. E acho que elasabia que eu sabia.

Entusiasmou-sesubitamente.

— Watson, vou dizer umenigma:

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"Aqui estou com minhasfilhas

Uma vítima de impuraságuas curativas

Se tivesse ficado com meussais de Epsom

Não estaríamos nessastumbas!"

Comecei a pensar que eleestava ficando louco.

— Que águas são essas? —perguntou.

— Francamente, Holmes —eu disse. — Como vou saber?

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Não conheço as estações deágua da Inglaterra.

— O enigma refere-se aCheltenham — disse ele. — Notempo da regência era uma dasestações mais elegantes. Mas nomeio do século as águasficaram poluídas, o que era umpresságio, porque o lugarestava mudando tambémsocialmente... não paramelhor, na opinião dasfamílias mais antigas. Osfidalgos ressentiam-se com a

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invasão de estrangeiros.Famílias de anglo-indianoscomeçaram a se instalar nolugar, depois de vidas inteiraspassadas no exterior.

— O que havia de erradonisso?

— Os fidalgos osdesprezavam. Não eram o tipode pessoas que podiam constardas suas listas de convidados.Estavam sempre alardeandoseu estilo de vida na Índia,onde ocupavam o mais alto

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degrau da escala social etinham empregados emquantidade. Não podiam terempregados na Inglaterra. Asfamílias de aposentados daÍndia achavam os fidalgos dolugar esnobes e poucosociáveis. Os fidalgos osconsideravam inferiores. Nãoera uma boa mistura.

— Mas Holmes — eu disse.— O que a história social deCheltenham tem a ver com seuinteresse em desvendar crimes?

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Como foi que começou?— Tem muita coisa,

Watson, como vai ver se tiverpaciência e me escutar. Minhamãe era de uma família antigade proprietários de terras, meupai de uma família anglo-indiana. Meu pai estivera noexército indiano em Délhi,onde se casou com umamestiça. Quando meu pai eminha mãe se casaram, afamília dela ficou revoltada.Parecia se envergonhar dele.

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Embora minha mãe fossemuito devotada, essa atitudeda família o afetou de muitosmodos. Ele detestava ospreconceitos mesquinhos e asconvenções sociais do lugar, osmexericos; era um mundo queparecia girar em volta daposição social. Nós oamávamos, Mycroft e eu, masele nunca parecia muito àvontade conosco. O desprezoda família de minha mãe ofazia sentir-se inferior. Nunca

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teve sucesso em coisa alguma.Acredito que poderia ter sidoum advogado brilhante, setivesse insistido. Estava sempredo lado dos estranhos, umcampeão dos desprivilegiados,mas na sociedade deCheltenham era também umestranho inferior.Tornou-se um tantopreguiçoso; às vezes bebiademais e começou a ficar forade casa durante dias.

A voz de Holmes tremia

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com a tensão das lembranças.Não olhei para ele. Continuou:

— Minha mãe sepreocupava muito. Eu percebiacomo os dias eram longos paraela. Quando meu pai seausentava, as noites deviam serterríveis. Ela começou adormir mal. Sua belezafenecia. Seu último consoloeram os filhos. Acho que eu erao favorito. Sempre me senticulpado por isso. Mycroft é umhomem excelente. Ela me dava

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presentes. Quase sempre seesquecia dele. Levava-me comela a toda parte e me sufocavacom seu amor. Pobre Mycroft.Mas, sabe Watson, um filhonão pode compensar a perdado amor do marido. Eu sabiaque ela sentia falta dele.

"Ela estava sempre ocupada.Lia muito. Encorajava-me a lertambém. Sempre havia livrosnovos em casa. Minha mãetocava piano muito bem,lamentos que ecoavam sua

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infelicidade. Mas devo a elameu amor pela música. Mas atensão começava a se fazersentir. Ela ficava doente commuita freqüência. Parecia estardesaparecendo.

Calou-se por um momento.As lembranças eram dolorosas.

— A crise ocorreu na noiteem que meu pai voltou de umadas suas viagens semexplicação. Acho que ele nemse dava ao trabalho de inventardesculpas ou explicações.

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Mycroft estava no colégiointerno. Sei que comecei achorar no meu quarto quandoouvi os dois gritando. Foi umadiscussão amarga, que desfaziacompletamente qualqueresperança de tranqüilidade.Ela o acusava de andar comoutras mulheres, de ter casoscom elas, e, embora elenegasse, compreendi queaquilo era a separação.

— Pobre Holmes — eudisse.

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— Não, Watson. Holmestinha resolvido fazer algumacoisa para resolver a situação.

— O que você podia fazer?— perguntei. — O que umacriança pode fazer nessascircunstâncias?

— Resolvi provar queminha mãe estava enganada.Não podia acreditar que meupai fosse infiel. Sabia que ele seconsiderava um fracassado. Porisso saía de casa, eu tinhacerteza. Estava convencido de

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que esse era o motivo.Naturalmente, ele não podiacontar para minha mãe, eraorgulhoso demais. Além disso,ele havia negado que tivesseoutra mulher. Resolvi provarque ele estava dizendo averdade.

— O que foi que você fez?— Tornei-me um detetive,

Watson. Observava cadamovimento do meu pai.Quando ele estava em casa, euficava atento a cada detalhe,

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seu modo, sua aparência, tudoo que dizia. Quando voltava deuma das suas viagensmisteriosas, minha observaçãoera mais clínica ainda.Procurava provas da suainocência. Havia-me colocadona posição de juiz. Aquele fiode cabelo na sua lapela seria deminha mãe? Seus sapatosestavam gastos de tantascaminhadas? Sua pelemostrava sinais de ter sidoexposta ao sol? A camisa que

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usava... ele a tinha escolhidoou outra pessoa a escolhera?Era uma questão de observaçãoe dedução. E tornou-se umaobsessão.

— Compreendo — eu disse.— O passo seguinte mais

lógico era seguir meu pai. Disseà minha mãe que ia dar umpasseio com meu amigo, TomSmith. Era o nome que eutinha inventado para umcompanheiro inexistente. Elapensava que eu ia a Londres

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visitar os museus, galerias dearte ou o zoológico com ele.Aprovava esses passeios. Maisde uma vez insistiu para queeu convidasse meu amigofictício para o chá.

"Com o dinheiro da minhamesada comprei passagens deterceira classe para os trens queeu sabia que meu pai tomaria.Aperfeiçoei-me na arte desegui-lo sem ser visto. Fiqueitambém conhecendo as ruasdo centro de Londres. No fim

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do dia eu estava à par de todosos seus movimentos. Era umobservador paciente. Comeceia sentir prazer na aventura,tinha se tornado um jogoseguir a caça pelas ruas dacidade. Mas eu era um caçadorque não queria alcançar acaça. Não queria que existisseoutra mulher.

— Existia? — pergunteisuavemente.

— Em uma sufocante noitede verão, em Mayfair, eu

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estava vigiando um lugarretirado, em Curzon Street.Meu pai havia entrado poruma porta que levava a umaescada. Ele tinha a chave.Esperei durante duas horas,temendo o que ia ver quandoele saísse. Afinal, meu paiapareceu e não estava sozinho.Estava com uma belíssimamulher. Eles sorriam. Elaestava radiante. Sem dúvidaestavam apaixonados. Possovê-la nesse instante. Era

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extremamente parecida comminha mãe, antes das doençase do sofrimento. Não sentinenhum triunfo, apenas umtremendo desespero.

— Contou para sua mãe?— Infelizmente, sim. Até

hoje não sei se fiz bem em tercontado. Lembre-se, eu erauma criança confusa e infeliz.Antes de contar para ela, faleicom meu pai. Eu o acusei.Disse que eu estava enganado.Não podia tê-lo visto emMayfair, pois naquele

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momento estava jantando emBayswater. Eu disse que elementia, detestando minhaspróprias palavras. Eu o amavamuito. Então, com infinitatristeza, ele confessou. Amavaoutra mulher.

— O que sua mãe fez?— Deixou meu pai — disse

Holmes. — Mycroft e eu fomosmorar com a família dela.Nunca me senti realmente emcasa com eles.

— Então, por isso você se

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tornou um detetive?— Exatamente, foi como

tudo começou. Tornou-se umhábito, que nunca meabandonou. Comecei a ler tudoo que podia sobre o assunto...histórias de crimes, memórias,relatos de julgamentos. Sabe,Watson, o que me intriga é afalibilidade das pessoas. Porqueessa é a chave da naturezahumana. Vemos tudo o queestá na superfície. Isso éextremamente simples. O que

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me fascina é a parte interior davida.

— Desde que nosconhecemos tem também mefascinado — observei. — Maspara você é uma obsessão.

— Concordo. Ao queparece, abri minha alma paravocê. Contei como tudocomeçou, esta preocupaçãocom o motivo oculto das coisas,a procura das verdades que nãoestão à vista. Muitas vezestalvez você tenha pensado que

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eu estava me mostrando. Mas émeu interesse real. Talvez sejatambém minha maldição.

— Não maldição, Holmes— eu disse. — Digamos umamagnífica obsessão.

Ele gostou da frase. Ficoumais bem-disposto e eu menostenso.

— Muito bem, Watson,chega de coisas passadas.Precisamos voltar ao nossocaso. Que diabo é Eh Tar?

Ficamos em silêncio

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durante algum tempo. Logoavistamos o muro da escola.Precisávamos escalá-lo paraque Holmes não fosse visto.Quando nos preparávamospara saltar o muro, vi Holmeslevar a mão ao rosto. Oferimento estava sangrando.Ele se lembrou de Rathe.

— Meu Deus! — exclamouHolmes, empalidecendo deexcitação. — Como fui tãoidiota? Ele é Eh Tar, Watson, ojogo começou!

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Capítulo

QuatorzeDEPOIS DE LEVAR UNCAS PARA

UM PASSEIO PELO PÁTIO,cuidando para não ser vista,Elizabeth tentou descansar novelho sofá do tio, até a nossavolta. Fechou as cortinas etudo estava silencioso nasprimeiras horas da manhã.Mas seu trabalho no sótão, que

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trouxera tantas lembranças, ahavia fatigado. Se dormisse umpouco, Uncas a avisaria danossa chegada.

Chamou o fiel cãozinho,mas ele estava inquieto.Alguma coisa o incomodava.Corria pelo sótão, agitado.Rosnava perto da porta, depoiscorria para a janela. Alguminstinto lhe dizia que algoestava errado.

Elizabeth sabia que osanimais possuem sentidos que

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não funcionam mais noshomens por falta de uso. Elespercebem presençasperturbadoras que nós, paranosso grande risco, nãopercebemos. Será que o sextosentido de Uncas estavafuncionando agora?

— Venha cá — chamou ela.— Fique aqui perto de mim.

Mas o cão continuava aganir. Elizabeth começou aficar nervosa também, masrecusava-se a acreditar em

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fantasmas. Sem dúvida Uncasestava ansioso pela volta deHolmes.

Precisava tentar dormir umpouco. Estava realmentecansada. Cochilou e foiacordada por um ruídofarfalhante. Então, ouviu oterrível som tilintante.Completamente acordadaagora, notou que Uncas estavatodo arrepiado. O cão e suadona ficaram paralisados. Detrás da cortina apareceu uma

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mão que pousou no ombrodela. Elizabeth estava tãoapavorada que não conseguiugritar. Apareceu o pulso então,com um bracelete do qualpendia um amuleto — acabeça de um deus egípcio. Acortina se abriu. Ali estava aSra. Dribb.

A princípio ela pensou quefosse uma brincadeira.Conhecia a Sra. Dribb e arespeitava. Apesar daseveridade com que a havia

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tratado na noite anterior, eraainda para Elizabeth a amávelgovernanta da escola. Quandoos rapazes adoeciam elatratava deles, ouvia comsimpatia seus problemas,curava seus ferimentos. Assim,apesar do choque e naconfusão em sua mente,esperou que a Sra. Dribbexplicasse.

Mas esperou em vão. Nãodemorou para que a Sra. Dribbdeixasse bem claro suas

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intenções. Eram violentas eagressivas. Agarrou Elizabeth,tentando imobilizá-la. A forçaque usou negava sua reputaçãode pessoa delicada e Elizabethestava assustada demais pararesistir.

Uncas, porém, não tinha adesvantagem das dúvidas oudas inibições. Quando amulher atacou, eledestemidamente defendeu suadona. Abocanhou a saia dagovernanta e rasgou- a;

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procurando afastá-lo, a Sra.Dribb escorregou e caiupesadamente no chão. Uncasvoltou ao ataque e a mulher,de bruços no chão, defendeu-secomo um gato selvagem. Uncasera definitivamente mais ágil.Além disso, havia encontrado oponto fraco do inimigo. Ocoque preso no alto da cabeçada governanta era muitoconvidativo. Uncas ferrou osdentes nos cabelos da Sra.Dribb. E, para surpresa de

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Elizabeth e prazer do cãozinho,a cabeleira soltou-se, ficandopresa em seus dentes. Uncascorreu triunfante com o troféu.A Sra. Dribb usava peruca.

Mas não havia motivo parasatisfação. Sem a cabeleira, agovernanta calva era maisameaçadora. Sua cabeça eraraspada, exceto por umatrança verde que parecia umaserpente.

Aquele modelo decompaixão, aquela verdadeira

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Florence Nightingale — eradiscípula da Rame Tep!

Finalmente, Elizabethconseguiu gritar. Correu para aporta, seguida por Uncas. Elase abriu quando estendeu obraço para a maçaneta eElizabeth viu-se frente a frentecom Rathe. Que alívio sentiuao vê-lo! Disse, com urgênciana voz:

— Veja, senhor — apontoupara a governanta calva. — ASra. Dribb não é o que diz ser.

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Pertence a uma seita cruel. Elaé uma assassina!

A reação dele não foi o queElizabeth esperava. A risadaque deu foi o bastante para queela compreendesse. A terrívelverdade! Ele era um discípulotambém. Suas palavrasconfirmaram isso:

— Descobriu nossosegredinho. Agora vai me dizeronde estão seus amigos. Jávoltaram da visita à mansão?

Elizabeth ficou desesperada.

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Então, ele sabia desde ocomeço onde Holmes estava.Será que o seguira? Talveztivesse cometido um crime —ou estaria blefando? EstariamHolmes e Watson em perigo?O ultraje daquela tramadeixou Elizabeth atônita, masao mesmo tempo reforçou suadecisão de não dizer nada.

— Nunca os encontrará —disse ela, desafiando-o.

Mal podia acreditar queaquilo estivesse acontecendo.

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Rathe era um herói paraHolmes. De todos os mestres deBrompton era o que ele maisrespeitava, com exceção talvezde Waxflatter, mas por este aestima de Holmes era baseadatanto em sentimento quantoem admiração por suaspesquisas pioneiras. O mestrede esgrima era para Holmes osímbolo do jogo limpo.Admirava a coordenaçãomental e física de Rathe. Naverdade, Holmes adotava

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também a filosofia de que ohomem deve procurar aperfeição. Não seria exagerodizer que para ele Rathe erauma espécie de super-homem.

Ia ficar extremamentechocado quando soubesse averdade. Rathe era a própriaessência do mal.

— Nunca encontraráHolmes — repetiu ela. — Masele vai encontrar você.

O rosto de Rathe não sealterou. Um doce sorriso

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pairava em seus lábios. Pareciaindiferente ao fato de que ele ea governanta estavam afinaldesmascarados. Os sentimentosda jovem não lhe interessavam.Mas ela era importante; tinhauma utilidade toda especialpara ele.

Começou a mover a mãocom o estranho anel, o mesmoque havia ferido o rosto deHolmes, depois de ofuscá-lodurante o duelo. O brilhointenso passou pelos olhos de

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Elizabeth. Ele continuou omovimento em ritmo regular,balançando o braço. Os olhosdela começaram aacompanhar a jóia de um ladopara outro, atraídos pelobrilho. Rathe a estavahipnotizando.

Elizabeth fez um esforçopara se livrar, mas o brilhotinha muita força, era muitoinsistente. Era um calmanteque a embalava, libertando-ade todos os temores, criando

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uma falsa sensação desegurança. Elizabeth sentiaapenas a luz, o movimento euma necessidade imperiosa dedormir.

— Você jamais oencontrará. Ele vai encontrarvocê. — Seria sua vozrepetindo aquelas palavras?Parecia tão distante. —Holmes, venha depressa,preciso de você. — Mas agoranão via mais a luz. Elizabethestava vencida.

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Completamente hipnotizada.A Sra. Dribb estava de pé

outra vez. Uncas haviadestruído sua peruca. Elecorria de um lado para o outro,rosnando e mordendo aspernas dela. A mulherrecuperou parte da suadignidade.

— O que vamos fazer com amoça? — perguntou.

Rathe pareceu surpreso coma pergunta.

— Não é óbvio?

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Encontramos nossa quintaprincesa. Seu sorriso tornou-semais sinistro. A mulher riu,satisfeita.

Carregaram Elizabeth pelopátio até a escada.

— Esse maldito cão — disseRathe, enquanto caminhavam,pois Uncas estava mordendoseus tornozelos. — Você deviater proibido a entrada desseanimal na escola —completou, dando um pontapéem Uncas, que correu ganindo.

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Levaram Elizabeth para acarruagem que os esperava.

Holmes e eu estávamoschegando ao muro quandovimos a carruagem passar pornós. Ia para o leste, na direçãodas docas. Na boléia, Rathechicoteava os cavalos, quepartiram num galopefrenético. Dentro estavam aSra. Dribb e Elizabeth,hipnotizada. Holmes deixouescapar uma exclamação.

— Meu Deus — disse ele. —

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Eles a estão levando para otemplo! Só Deus sabe o que vãofazer quando chegarem lá.Podem até usá-la para osacrifício. Precisamos agirdepressa, Watson, se quisermossalvá-la.

— Mas como? — perguntei,desesperado. — Levam umagrande vantagem sobre nós.

— Nunca perca asesperanças — respondeuHolmes, mas era doloroso versua ansiedade.

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Subitamente, encontrou aresposta.

— Só há um meio dechegarmos lá em tempo —disse ele. — Watson, venhacomigo. Vamos até o telhado.

— Holmes, você não querdizer...

Interrompeu minhapergunta.

— Adivinhou corretamenteminha intenção. Sim, Watson,nós vamos voar!

Por mais chocado que

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estivesse com o perigo queElizabeth corria, pois eurealmente gostava muito dela,o plano de Holmes meapavorou. Ao que eu sabia, astentativas deWaxflatter para vencer a lei dagravidade tinham falhado. Porque então Holmes ia pôr suasesperanças no ornitóptero?

Ele estava cheio deconfiança. Continuou a falar.Acho que procurava afastar aidéia de Elizabeth no templo.

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— A gravidade é umadversário tenaz — dizia ele,enquanto nos dirigíamos parao telhado. — Mas é nossa únicachance. Sabe, Watson,Waxflatter trabalhou noproblema da envergadura dasasas até o dia da sua morte.Nestes últimos dias estivefazendo alguns estudos sobre oassunto.

— Ele disse quais eram osproblemas? — Achei que tinhadireito de saber.

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— Acho que tinha algo aver com o comprimento dasasas. Waxflatter não foi muitopreciso. Como eu, eletrabalhava seguindo suaintuição. Lembra-se do que odono da loja disse, quando eleestava morrendo ali nacalçada? Pequenas criaturasaladas o haviam atacado. Noseu subconsciente ele estavavendo os diabinhos queprovocam enguiços nosaparelhos. Eram eles que

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causavam problemas nas suasmáquinas. Esse o significado dasua alucinação.

— Ele fez alguma coisacontra esses diabinhos? — Euqueria realmente saber.

— Ele aumentou aenvergadura das asas.

Nesse momento tínhamoschegado ao telhado e Holmesexaminava o ornitóptero.

— Está vendo a modificaçãoque ele fez na asa debombordo?

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Olhei e vi o que me pareceuum pedaço de cano saindo daponta da asa. Não fazia sentidonenhum para mim.

— isso diminui a tensão nafuselagem. Waxflatterentendia de aero-hidráulica.

Para mim era grego. Nãotinha vontade de ser umhomem-pássaro. O solo é meuhabitat natural. Alturas sãoanátema para mim.

— Espero que todos osdiabinhos tenham sido

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expulsos— disse ele, amarrando as

correias em volta do corpo. —Se nosso trabalho deu certo,logo estaremos no ar. Prepare-se para levantar vôo, meu bomamigo.

— isto é loucura, Holmes —eu disse.

Nesse momento, Uncasapareceu. Começou a abanar acauda quando nos viu.

— Ponha Uncas a bordo,Watson — ordenou Holmes —

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e sente-se no lugar dopassageiro.

Até hoje não sei explicarporque concordei. Geralmenteé difícil resistir aos entusiasmosde Holmes e sua confiança écontagiante. Eu estava a bordode uma máquina voadora, comum piloto inexperiente e umcãozinho no colo. Fechei osolhos. A máquina estremeceu.Senti a força do ar quandocorremos pela rampa. Holmespedalava loucamente, mas o

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nariz da máquina apontavapara baixo. Ele pedalou commais força. A máquinacomeçou a voar emziguezague. Parecia tervontade própria.

— Pelo amor de Deus,Holmes, pedale com mais força— gritei. Estávamos voandodiretamente para a Estação deWest Brompton!

Então, para nosso alívio, oornitóptero começou a subir.Estávamos voando! No ar

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gelado nós subíamos. Paracima, para cima, lá fomos nós,evitando habilmente oOratório deBrompton e virandosuavemente na direção dasCasas do Parlamento.

— Funciona — gritouHolmes. — Voa de verdade!

Nós dois começamos a rir,aliviados, por um momentoesquecendo o perigo mortalque Elizabeth corria. Tenteinão distraí-lo.

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— Vire para a direita — eudisse rapidamente, pois acheique naquela altura íamosbater no Big Ben. — Para falara verdade — continuei —devíamos estar indo na outradireção. Seria melhor ir peloStrand. Assim podemos ver aTorre de Londres. — Ele fezcara de desagrado. — Estou sótentando ajudar, Holmes — eudisse.

Na verdade, estava muitosatisfeito comigo mesmo. Ao

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que parecia, estava me saindomuito bem no papel denavegador. E realmente sentiaprazer na aventura. Algumdia, pensei, oceanos econtinentes serão atravessadosdeste modo. É sempre excitanteser o primeiro. Subitamente,fui arrancado da minhacomplacência.

— Holmes, pelo amor deDeus, voe mais alto! —Tínhamos quase batido naponte da estrada de ferro de

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Charing Cross. — A rota maisdireta é acompanhando oTâmisa — aconselhei. — Siga orio, Holmes.

— Não é maravilhoso? —gritou ele, erguendo a vozsobre o ruído do ar deslocado.

Não ouvíamos o barulho dacidade. Lá embaixo, Londresestava silenciosa, como umacidade de brinquedo.

— Concentre-se na direção— eu disse.

Acertei meu relógio pelo de

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St. Paul e chupei uma bala.Faltavam quinze minutos paraas cinco.

Apesar da calma aparente,eu estava com vontade derezar. Não era muito religioso,portanto não sabia a qual deusapelar. Podia escolher ícaro,mas, pensando melhor, nãovalia a pena. Ele era o símbolodo primeiro desastre aéreo. Oprimeiro a cair.

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Capítulo QuinzeLÁ EMBAIXO A GRANDE

CIDADE COBERTA DE NEVEdespertava. Faltavam aindaduas horas para a aurora, masjá podíamos ver muitos rostosvoltados para cima. Para elesdevíamos parecer um imensopássaro predador da pré-história. Olhavam abismados,sem acreditar no que viam. Vium clérigo se benzer,namorados no parque correr à

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procura de abrigo, umentregador cair da bicicleta euma menininha olhoubravamente da janela ondeestava e acenou para nós.

É maravilhoso o que se vê láde cima. Aquela viagemextraordinária, minhainiciação como aviador,oferecia-me uma perspectivacompletamente nova. Desdeaquele dia penso muitas vezesem como deve ser nossoplaneta visto das estrelas

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distantes. Será que seremosvisitados nos anos futuros? Seráque vai haver encontrosextraterrenos?

Estávamos quase chegando.— Você sabe como

aterrissar com esta coisa? —gritei.

Nossa atenção foi desviada.Vimos lá embaixo o que nospareceu ser a carruagem deRathe, os cavalos galopando atoda velocidade por Aldgate.

— O que foi que você disse,Watson?

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Eu ia repetir a perguntaquando ele falou:

— Um momento, Watson,por favor. Eu ia exatamentedizer que não tenho a mínimaidéia de como aterrissar comesta coisa.

Meu coração se apertou,mas continuei vigilante.Estávamos agora voando amenor altitude e o armazémestava bem embaixo de nós.Vimos a carruagem chegar.Rathe desceu e a Sra. Dribbajudou Elizabeth a sair para a

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rua. A pobre moça pareciasonâmbula, tão profundo eraseu transe hipnótico.

— Segure firme, Watson.Vamos aterrissar. Recusei-me aolhar para baixo.

Holmes começou a pedalarpara trás. Uma corrente de ar,vinda de outra direção,levantou o nariz do aparelho.Uncas se encolheu no meucolo. Estávamos quaseparando.

— Vamos bater no

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armazém — gritei.Holmes pedalou

furiosamente e por milagreconseguiu recuperar o controleda máquina. Começamos adescer suavemente — parabaixo, para baixo, até o Tâmisagelado!

O impacto partiu o gelo ànossa volta. A máquinamergulhou na água gelada.Saímos bem na hora e saltamosde um bloco de gelo paraoutro, Uncas atrás de nós, até

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chegarmos à margem. Então,nos voltamos e vimos amáquina desaparecer na água.Em poucos segundos tinhasumido. Nada restava doornitóptero de Waxflatter.Nem sinal — por isso talvez ahistória não faça nenhumareferência a ela.

Não tínhamos tempo paralamentações.

— Vamos Watson, rápido.Precisamos entrar no templo.

Fomos até o lugar onde

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víramos a parte de cima dapirâmide. Pensamos que fossede granito. Mas agora Holmespensava diferente.

— Pode ser um cenário deteatro. Por favor, dê-me aquelaferramenta.

Ao nosso lado estava umaferramenta que os tanoeirosusam para vergar as tábuas dosbarris. Holmes começou a tirarlascas da base do cone com ela.Tinha razão. Era de madeira.Ele a ergueu, soltando-a da

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estrutura principal.Quando olhamos para

baixo, nossos piores temores seconfirmaram. Elizabeth estavano altar, pronta para sermumificada.

O sumo sacerdote estava aolado da congregação. Pertodele, os cinco caixões. Só um seencontrava vazio e sabíamosquem ia ocupá-lo. Antes queele colocasse a máscara deOsíris, vimos que o sumosacerdote era Rathe.

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Nunca em minha vida viHolmes mais desesperado.

— Eles vão assassiná-la —disse ele. Então, recobrou acoragem e voltou a ser ohomem de ação. Desceu pelaabertura. — Watson, vá até oporão. Há uma entrada para otemplo.

Segui suas instruções e meescondi atrás de uma coluna.Holmes estava descendo pelacorrente de ferro do enormecandelabro. Tão absortos

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estavam todos com o ritual quenem Rathe nem seus discípuloso viram. Mas o candelabrobalançou e lançou umasombra. Um dos discípulos foiinvestigar. Vi que era a Sra.Dribb.

Holmes tentava alcançaruma alavanca que abaixaria olustre até o chão. Mas a Sra.Dribb o observava pelaabertura acima dele. Ela atirouum dardo, mas errou e de umsalto agarrou-se também na

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corrente do candelabro.Lutaram com unhas e dentespela posse da zarabatana.

Quando Rathe viu o queestava acontecendo, mandouque os embalsamadores seapressassem. Logo, Elizabethestava sendo levada para ocaixão.

Dirigi-me para a parte detrás do altar. Escondido poruma tapeçaria, conseguia ver ainfeliz jovem. Preparei-mepara saltar e libertá-la, quando

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todas as portas do inferno seabriram.

A Sra. Dribb, atingida porum dardo, caiu no chão, aosgritos. O candelabro soltou-sedo teto e caiu com estrondo.Espalhou as velas no meio dacongregação e as tapeçarias seincendiaram. Em breve aschamas consumiam o templo.

Agarrei uma espada queestava num canto e corri paraajudar Elizabeth, mas Rathechegou primeiro, agarrou a

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moça e fugiu. Enrolado nacorrente de ferro, Holmesestava no chão, indefeso.

Encontrei um pedaço decorda e enrolei uma ponta nocorpo dele. Puxando-a, seguiRathe até a carruagem, ondeele estava acomodandoElizabeth. Olhou para mimcom desprezo e subiu naboléia. Amarrei a corda no eixotraseiro e, para meu alívio, acoisa funcionou. QuandoRathe chicoteou os cavalos, a

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corda soltou o banco dopassageiro e ele seguiu agalope, só com a parte dafrente da carruagem. Aomesmo tempo, a corda puxouHolmes para fora do temploem chamas.

Não perdemos tempo parasalvar Elizabeth, masenquanto ela e Holmes seabraçavam, Rathe reapareceu.Tinha um revólver numa dasmãos e uma espada na outra.Holmes estava de costas para

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ele. Só Elizabeth viu o que iaacontecer. Empurrou Holmespara o lado e a bala a atingiu.Rathe correu para o rio.

Nós a carregamos para amargem e a acomodamos domelhor modo possível.

— Você vai ficar boa —disse Holmes, sem perceberque o ferimento era grave. —Fique com ela, Watson. Voupegar aquele demônio. —Apanhou a espada que euencontrara no templo.

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Elizabeth estendeu o braço.— Holmes... Ele hesitou.Ela fez sinal para que ele

fosse.— Eu espero — disse.Mas percebi que estava

mortalmente ferida.Durante todos os anos que

conheci Holmes, sempre o vimuito reticente sobre seu duelofinal com Rathe, Pelo poucoque pude observar da margemdo rio e pelos seus ferimentos,sei que foi uma luta

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desesperada.Preocupado com a moça, só

podia ver alguns lances docombate, os dois silhuetadoscontra os primeiros raios dosol. Mas isso não impediu queeu sentisse o drama terrível,enquanto os dois oponenteslutavam, primeiro na margem,depois sobre o rio congelado.

No começo, o duelo tinha aqualidade da elegânciaatlética, como deviam ter todosos jogos de espada entre

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cavaleiros bem treinados. Poisé um esporte tão antigo quantoa própria história. Na verdade,um baixo-relevo do templo deMadinet-Habu, construídodois mil anos antes de Cristo,perto de Luxor, no Alto Egito,representa um duelo comespadas e certamente todos osantigos povos, dos persas aosromanos, praticaram a arte daesgrima como esporte e naguerra.

Mas tamanho era o ódio

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que Holmes sentia por Rathe, etão grande a inimizade deRathe por Holmes, que o duelofoi uma luta de morte.

Pareceu-me, de longe, quenenhum dos dois poderiavencer, embora lutassem comopossessos. Atacavam com fúriainsana, as espadas se prendiam,eram soltas. As duas armaspareciam chifres de gamos nocio. Investidas que teriammatado homens menos hábeiseram dadas e recebidas e o

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tilintar de metal ecoava no arda madrugada.

Então, vi um deles cair damargem para o convés de umvelho barco naufragado quetinha sido içado para a tona.Estava encostado ao muro dadoca. Não consegui perceberqual dos dois tinha caído, maso outro logo saltou tambémpara o barco. Então, Rathecortou o cabo que o prendiacom um golpe vigoroso daespada e o barco deslizou para

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o meio do rio.O impacto partiu o gelo. O

barco desapareceu. Agora oshomens estavam lutando sobreos flocos de gelo, ferindo-seselvagemente. Com ummovimento, que considereicovarde, Rathe tirou o boné dacabeça e jogou-o sobre Holmes,tentando cegá-lo. Mas Holmesse desviou a tempo, agarrou oboné e revidou com tantaselvageria que o golpe apanhouRathe de surpresa. Deixou cair

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a espada, escorregou e caiu nogelo quebradiço.

Esperei sob enorme tensão.Rathe não reapareceu. O rio olevara. Então, Holmes jogousua espada na água. Foi umgesto de desprezo. Apanhou oboné e dirigiu-se para ondeestávamos.

Não parecia triunfante.Elizabeth era tudo o queimportava.

Ajoelhou-se perto dela eabraçou-a. Virei a cabeça

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solenemente.— Não precisa ficar triste —

disse ela, com voz fraca. — Nósdois tivemos sorte, Holmes.Tivemos nosso amor, um amorpuro. Eu esperarei por você.

Não voltou a falar. Ficouimóvel. Elizabeth estavamorta.

Fiquei ao lado de Holmes.Ele chorava. Eu queriaconsolá- lo, mas nãoencontrava as palavrasadequadas. Tristemente, olhei

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para o rio.Uma figura escura surgia

das águas e se arrastava para amargem. Holmes viu também.

— Deve ser Rathe — disseele, com voz desanimada.

Nada podíamos fazer. Afigura desapareceu no bosquepróximo, na outra margem.Holmes estava exausto demaispara ir atrás dele. Nessemomento, chegou um grupode policiais, comandado porLestrade. Ele chamara os

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bombeiros para apagar o fogodo templo. Sabíamos que todasas provas tinham sidodestruídas.

Lestrade analisou asituação. Justiça seja feita,quando percebeu ascircunstâncias trágicas, tentouconsolar Holmes. Mas este,depois de um último olharpara Elizabeth, virou a cabeçapara o lado, tristemente. Opesadelo da Rame Tep tinhaterminado, mas o preço fora

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muito alto.— Vamos, Watson — disse

ele, passando o braço sob omeu. — Agora podemos sairdeste lugar horrível.

Íamos precisar de toda anossa coragem para enfrentar odia que começava.

— Pode deixar conoscoagora, Holmes — ouvimos avoz de Lestrade. — Jálocalizamos todos os Rame Tepque não morreram no templo.Muito obrigado, Holmes.

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Assim ele nos demitia. Mas,naquele momento, nada maisimportava.

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Capítulo

DezesseisCOMO SABEM OS ADMIRADORES

DE HOLMES, SEMPRE TERMINO orelatório de um casoperguntando a ele comochegou a uma ou outraconclusão. Esta narrativa nãoserá exceção à regra geral.

— Quando suspeitou pelaprimeira vez de que Rathe

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estava envolvido com a RameTep?

— Na nossa primeira visitaao templo — respondeu ele. —Ele devia ter estado lá. Deoutro modo, como podia saberque eu não tinha saído deLondres, depois da minhaexpulsão?

— E quando soube queRathe e Eh Tar eram a mesmapessoa?

— Quando meu ferimentocomeçou a sangrar. Lembrei-

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me do anel de Rathe, que tinhao símbolo da Rame Tep.

— Foram essas as únicaspistas?

— Não. Liguei a presença deRathe na escola com a deWaxflatter. Todos os membrosda sociedade do Cairo secomunicavam com ele. Issofacilitava a Rathe localizá-los.

— Por que os egípciosesperaram tanto tempo para sevingar?

— Tinham de esperar uma

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geração. O primeiro meninoelegível, depois da carnificinado Cairo, foi enviado a umamissão diferente. Haviaassuntos mais urgentes a seremtratados. Um caso deassassinato no Tibete. Deramao primeiro menino elegível dageração seguinte o nome de EhTar e o mandaram estudar naEuropa. Depois, ele veio para aInglaterra, a fim de recrutaradeptos para o culto econstruir o templo.

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— Quem era a Sra. Dribb?— Irmã de Eh Tar. Rathe

conseguiu para ela o lugar degovernanta da escola.

— Por que não ouvíamos otilintar do amuleto quando elatrabalhava na escola?

— Isso me intrigou —admirou ele — atécompreender que seu uniformeera tão justo, especialmente nopunho, que o bracelete ficavapreso e, ao mesmo tempo, nãopodia ser visto.

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— Espantoso, Holmes —comentei.

— Elementar, meu caroWatson.

— Mas você deixou passaroutra pista — observei.

— Por favor, esclareça —respondeu ele.

— Diga Rathe de trás paradiante, Holmes.

— Ora, tem razão! É EhTar! — Ficou embaraçado, massalvou a situação: — Você temvocação para detetive — disse.

— Holmes, estamos noNatal e tenho um presente

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para você.Ele estava usando o boné de

Rathe como um troféu etambém o outro, do professor.Agora eu lhe dava o meucachimbo. Com o boné e ocachimbo, Holmes ficou muitoelegante.

— É assim que vou melembrar de você — eu disse.Então, lembrei-me do enigma.

— Holmes, o urso é branco.— Qual o seu raciocínio?— Onde mais podia

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encontrar uma casa com vistapara o sul? No Pólo Norte,naturalmente. Portanto, é umurso polar.

— Muito bem, Watson.Até Uncas sacudiu a cauda.... Bem, tudo isso foi há

muito tempo. Agora, até osanos que passamos em BakerStreet fazem parte do passado.E Holmes é uma figuramundialmente famosa.

Não o vejo há algum tempo.Minha mulher fica cada vez

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mais possessiva com o passardos anos. Gosta que eu fiqueem casa. Isso talvez seja bompara um homem da minhaidade. Contudo, em uma belanoite de outono, mais oumenos há um mês, surpreendi-me caminhando na direção deBaker Street. Pensei em fazeruma visita, mas desisti. TalvezHolmes também viva agoracom seus sonhos.

Mas não pude deixar deimaginar se as coisas haviam

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mudado. Será que guardavaainda os charutos no balde decarvão, o tabaco no chinelopersa? Estariam aquelesgrandes volumes de recortes namesma desordem? Haveriaainda as marcas de balas naparede? Quase podia vê-loentrando no meu quarto comuma vela na mão, acordando-me para acompanhá-lo nasolução de um caso novo."Watson, o jogo começou!",exclamaria ele.

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"Você é o meu único pontofixo em um cenário semprediferente", disse-me ele certavez. Mas que defesa contra amudança ele tem agora?Holmes jamais se casou.

Voltei para Kensington,para minha mulher, quesempre me esperaansiosamente. Mas quandoatravessava Hyde Park tive aimpressão de estar sendoseguido, pelo menos por umexército de lembranças.

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"Não vi ninguém", eu diriapara Holmes.

"É isso que você deve ver,quando eu o sigo", teria sido asua resposta.

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AgradecimentosEMBORA TENHA HAVIDO

GRANDE NÚMERO DO QUE SE PODE

chamar de pastichos deSherlock Holmes, ninguémpode fazer essa tentativa semestudar cuidadosamente ashistórias de Sir Conan Doyle.Desse modo, sentimos por elase por seu criador um profundorespeito. Não posso descreveradequadamente a arte da suanarrativa em criar um incrível

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suspense. É uma forma demágica.

São mitos que permanecemno nosso consciente. Devem serpassados às novas gerações,que, por sua vez, setransformarão em admiradoresincondicionais. Se estanarrativa conseguir manteresta integridade, será útil emestimular o processo. Tal foi aidéia dos homens que fizeramo filme. Tanto eles quanto osatores respeitam

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profundamente SherlockHolmes.

Pesquisei em outras fontes.Embora tenha morado noCairo quando jovem, nãopossuía maturidade suficientepara apreciar suas maravilhas,nem para aprender muito suaincomparável história. Estescinco livros me conduziramatravés da sua antiguidade epor suas areias desertas: MilMilhas Nilo Acima, de AmeliaB. Edwards; o clássico Areias da

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Arábia, de Wilfred Thesiger;Uma Pesquisa no Egito Secreto,do Dr. Paul Bruton; DeNapoleão a Nasser, deRaymond Fowler e o GuiaPenguin do Antigo Egito.

Consultei também Um VôoAtravés dos Tempos, de C. H.Gibbs-Smith e Grande Hotel— a Idade de Ouro dos PalaceHotéis, de vários autores epublicado por J. M. Dent andSons Ltd.

Meus sentimentos foram

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sempre os de maior respeitopela obra de Sir Arthur ConanDoyle, tanto pelo criador comopor suas personagens.Compartilho com os puristas aadmiração pelas qualidades deHolmes. Uma das quegeralmente são ignoradas é ade cavalheiro eduardiano evitoriano. "Vivemos em umaépoca utilitarista", disse elecerta vez para Watson."Cavalheirismo é um conceitomedieval." Mas, na verdade, ele

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era tanto o grande detetivequanto o cavaleiro medieval. Éassim que eu o vejo.

Alan Arnold