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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE HISTÓRIA O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE DIFERENTES CORRENTES HISTORIOGRAFICAS EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA Natal, RN 2015

O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE DIFERENTES ... · DIFERENTES CORRENTES ... proposta da pesquisa consiste em demonstrar quais as contribuições das teorias historiográficas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE HISTÓRIA

O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE

DIFERENTES CORRENTES HISTORIOGRAFICAS

EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA

Natal, RN

2015

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EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA

O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE

DIFERENTES CORRENTES HISTORIOGRAFICAS

Monografia apresentada ao curso de História da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Profa.

Dra. Crislane Barbosa Azevedo, para avaliação da disciplina

Pesquisa Histórica II.

Natal, RN

2015

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EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA

O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL A LUZ DAS

CORRENTES HISTORIOGRAFICAS

Monografia apresentada ao curso de História do Centro de

Ciências Humanas Letras e Artes, da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, para avaliação da disciplina de

Pesquisa Histórica II.

Aprovada em _____/ _____/ ______

COMISSÃO EXAMINADORA:

Profa. Crislane Barbosa Azevedo (Presidente)

Departamento de Práticas Educativas e Currículo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Profa. Conceição Guilherme Coelho (Membro)

Departamento de História

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Prof. Wicliffe de Andrade Costa (Membro)

Departamento de História

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

4

Dedico este trabalho, aos meus pais e minhas avós, meus maiores exemplos de caráter, amor,

fé e perseverança.

5

AGRADECIMENTOS

À Deus, meu melhor amigo, minha fortaleza, meu socorro sempre presente, a razão da

minha vida, meu maior amor.

Aos meus pais, por sempre acreditarem em mim e me ajudarem nessa caminhada.

Ao Paulo Henrique, por ser o melhor namorado do mundo e estar ao meu lado em

todos os momentos sempre disposto a me ajudar e me deixar feliz.

As minhas grandes amigas, Débora Quezia e Franciane Monara, companheiras de

trabalhos e aventuras, por sempre estarem presentes na minha formação acadêmica e pessoal.

À Crislane, por toda compreensão, paciência e ensinamentos que levarei pela vida

toda.

6

“Se não sabes, aprende; se já sabes, ensina”.

(Confúcio)

7

RESUMO

Essa pesquisa consiste em demonstrar quais as contribuições das três principais correntes

historiográficas da História: Positivismo, Marxismo e Nova História, para o ensino da

disciplina no Brasil. Para tanto, utilizamos para esse trabalho como caminho metodológico a

pesquisa teórico-bibliográfica tomando por base para a reflexão teórica as obras de Arostegui

(2006), Barros (2011) e Reis (2004). A ideia para a realização dessa pesquisa surgiu a partir

do desejo em saber quais foram as principais correntes de pensamentos que influenciaram o

ensino de História no Brasil. A problemática da pesquisa parte do seguinte questionamento:

que suportes teórico-metodológicos da História têm embasado o ensino da disciplina no Brasil

nos séculos XIX e XX?

Palavras-chave: Ensino de História – Teoria da História.

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ABSTRACT

This research is to demonstrate that the contributions of the three mainstream historiography

of history: positivism, Marxism and New History, for teaching the discipline in Brazil.

Therefore, we use for this work as theoretical and methodological approach to literature

taking as a basis for theoretical reflection the works of Arostegui (2006), Barros (2011) and

Reis (2004). The idea to carry out this research came from the desire to know what were the

main currents of thought that influenced the teaching of history in Brazil. The problem of

search of the next question: what theoretical and methodological supports of history have

grounded the discipline of education in Brazil in the nineteenth and twentieth centuries?

Keywords: Education History - Theory of History.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

CAPÍTULO 1 – A PESQUISA...............................................................................................12

1.1 – O INÍCIO DA PESQUISA..............................................................................................12

1.2 – O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A INVESTIGAÇÃO.............................................14

1.3 – AS PESQUISAS NAS ÁREAS DE FORMAÇÃO DOCENTE, ENSINO DE

HÍSTÓRIA E TEORIA DA HISTÓRIA..................................................................................15

1.4 – UMA BREVE EXPLICAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA HISTÓRIA........................19

CAPÍTULO 2 – VERDADES ABSOLUTAS E DISTANCIAMENTO DA

SUBJETIVIDADE: PRINCÍPIOS DE UMA HISTÓRIA DITA TRADICIONAL.........22

2.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA METÓDICA.......................................................22

2.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS

METÓDICOS...........................................................................................................................30

CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA E PROBLEMATIZAÇÃO DA SOCIEDADE: A BASE

MATERIAL E O PAPEL DOS SUJEITOS HISTÓRICOS...............................................41

3.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA MARXISTA........................................................41

3.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS

MARXISTAS............................................................................................................................50

CAPÍTULO 4 – HISTÓRIA RENOVADA: PLURALIDADE E PROBLEMATIZAÇÃO

DO CONHECIMENTO.........................................................................................................60

4.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DO

ANNALES................................................................................................................................60

4.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS DA TERCEIRA FASE DA

ESCOLA DO ANNALES.........................................................................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................81

REFERÊNCIAS......................................................................................................................84

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INTRODUÇÃO

Partindo inicialmente do desejo de entender como um professor de História se porta

diante do seu ofício e que elementos estariam agregados a sua prática para ser considerado um

―bom‖ docente e para que sua aula seja, consequentemente, reconhecida como ―boa‖

desejávamos investigar no ensino da disciplina possíveis respostas. Outro ponto que sempre

nos chamou atenção e interesse em aprender mais foi a respeito das correntes historiográficas

e todo o seu impacto para o conhecimento histórico e o ensino. Diante disso, vimos ser

relevante e possível pesquisar os dois assuntos e relacioná-los. Foi nesse momento que

decidimos pesquisar como a teoria influencia a prática do professor e como isso pode

proporcionar uma aula proveitosa ou não.

Esse trabalho se constituiu a partir de pesquisa teórico-bibliográfica, e por meio dela

foi possível entender sobre as principais correntes historiográficas do século XIX e XX e suas

contribuições para o ensino da disciplina nos dias atuais analisando as mudanças e

continuidades. Por meio de exemplos foi possível mostrar para o leitor detalhadamente como

seria uma aula baseada em cada vertente historiográfica, para dessa forma ter clareza de como

as teorias se relacionam com a prática e afetam o ensino-aprendizagem.

No início do primeiro capítulo explanamos sobre a importância dos professores de

História portarem-se corretamente diante do seu ofício, entendendo as responsabilidades da

sua profissão e agindo de forma coerente e consciente, lembrando que são agentes

transformadores que devem saber usar as teorias e metodologias de forma adequada para

alcançar seu público alvo. Explico que não existe um modelo perfeito e único para os

docentes seguirem, pois cada período exige demandas específicas e comportamentos

diferentes e os professores devem se adaptar às mudanças, melhorar as práticas, fazer novas

escolhas e se adaptar às realidades apresentadas, buscando um ensino mais eficaz. Em

seguida apresento os caminhos que escolhi para desenvolver a pesquisa, tais como: a escolha

do tema, a metodologia adotada, a relevância do trabalho, a problemática seguida. Além

disso, faço um rápido esboço sobre as pesquisas atuais nas áreas de ensino de História e teoria

da História. Finalizo o primeiro capítulo apresentando uma breve explicação sobre a História

da História para poder introduzir melhor o conhecimento científico e abrir caminho para as

explicações sobre as teorias historiográficas.

No segundo capítulo, mostramos um resumo da História Metódica do século XIX e

como ela influência o ensino de História. No fim do capítulo apresento também um exemplo

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de como uma aula dessa disciplina poderia ser dada por um professor que segue os aportes

teóricos metódicos (tradicionais). O terceiro e quarto capítulo verifica-se a mesma

configuração do segundo, só que no terceiro abordamos sobre a História Marxista do século

XIX e no quarto a respeito da História a partir de princípios da Escola dos Annales do século

XX (renovada).

Nesses três últimos capítulos sempre apresentamos, no início deles, um resumo sobre

a história da respectiva corrente historiográfica, em seguida, citamos a relação que essa teoria

tem como o ensino escolar de história e finalizamos dando um exemplo de como uma aula

sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pode mudar seguindo a influência dessa

determinada corrente em questão, para isso, mostramos detalhadamente como a aula se

configuraria nos quesitos, por exemplo; principais aspectos do conteúdo que seriam dados

ênfase, relação professor e aluno e avaliações.

É possível verificar por meio de todos os capítulos a relação existente entre teoria e

prática e também perceber, através dos exemplos, como o domínio de uma concepção

histórica muda completamente o conhecimento sobre a docência em História e o processo

ensino-aprendizagem.

12

CAPÍTULO 1 – A PESQUISA

1.1 – O INÍCIO DA PESQUISA

É indiscutível a importância do professor de História na educação, seu ofício implica

grandes responsabilidades, principalmente, a de lidar com o tempo e suas transformações.

Compreendemos hoje, que um docente consciente da sua profissão sabe que é um sujeito

transformador, construtor de saberes e práticas de ensino, portando-se corretamente, não

como um amador, mas como um profissional que tem e sabe usar as teorias e as metodologias

adequadas para seu público alvo e sempre busca alcançar êxito no rendimento de seus alunos,

fazendo com que eles atinjam uma eficaz aprendizagem dos conteúdos estudados, além de

motivá-los a pensar criticamente e entender seu papel na sociedade.

Não é possível descrevermos um modelo único e perfeito para o docente de História

que se encaixe em um padrão a ser seguido de maneira atemporal em todas as instituições de

ensino do País, este que é tão cheio de diferenças, e que por si só é rico em diversidades,

pluralidades e singularidades e, sobretudo, por sabermos que o ensino deve ser pensando de

maneira contextualizada com seu tempo, passível de mudanças, visto através de diferentes

olhares e que passa por construções diversas ao longo do tempo. Diante disso, entendemos

que se os sistemas de ensino mudam e os agentes desse sistema inexoravelmente deverão se

adaptar a essas transformações.

O homem, de forma geral, é sujeito de seu tempo, de seu meio sócio-cultural, ele se

comporta segundo as demandas que lhe são apresentadas, e pelos contextos sociais que lhe

são pré-estabelecidos. Com as possibilidades oferecidas os homens buscam melhores formas

de viver, de interagir com o seu próximo, e assim, vão com o passar do tempo construindo as

suas próprias histórias.

Não podemos pensar o ensino de História no Brasil sem antes entendermos as

realidades vividas, os contextos, as influências que fizeram com que os professores se

portassem de formas diferentes ao longo do tempo seguindo determinadas correntes de

pensamentos historiográficos para nortearem seu ensino.

A ideia para a realização dessa pesquisa surgiu a partir do desejo em saber quais foram

as principais correntes de pensamentos que influenciaram o ensino de História no Brasil. A

proposta da pesquisa consiste em demonstrar quais as contribuições das teorias

historiográficas para o ensino da disciplina no Brasil, percebendo assim que suportes teórico-

metodológicos embasam o ensino de História em nosso país. Estaremos contribuindo para o

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campo histórico, por ser um trabalho que classificará as principais correntes historiográficas

(Metódica, Marxismo e Renovada) analisando como elas têm influenciado o ensino da

disciplina ao longo dos séculos XIX e XX.

Desenvolvemos a pesquisa seguindo como caminho metodológico a pesquisa teórico-

bibliográfica, situando-nos, especificamente, no campo do ensino no Brasil, entre os séculos

XIX e XX.

Sabemos que dominar variadas concepções teóricas proporciona ao professor de

História a compreensão dos significados e das possibilidades de definir e decidir sobre que

tipo de conhecimento será trabalhado em sala de aula para atender as especificidades de seu

público escolar. A compreensão de diversas concepções de História permite ao professor a re-

significação de objetivos de aprendizagem a serem alcançados pelos seus alunos e de práticas

de ensino que, se forem bem aplicadas, poderão contribuir para um ensino-aprendizado de

qualidade.

É preciso que o professor de História ganhe consciência da importância de entender os

princípios epistemológicos de sua área e, dessa forma, saiba os ―porquês‖ em seguir

determinadas concepções historiográficas, no sentido de explicitar para si mesmo, as

características da sua maneira de compreender o ato de ensinar História. Portanto, é crucial

constituir o espaço de reflexão teorizada sobre o ensinar, entender que teoria e prática estão

completamente relacionadas e que um bom professor deve dominar bem os suportes teórico-

metodológicos de sua disciplina para conseguir lidar melhor com o seu público alvo.

Existem diferentes saberes que influenciam a atividade docente, estes que são

entendidos como: ―saberes provenientes das instituições de formação, da formação

profissional, dos currículos e da prática cotidiana‖ (TARDIF, 2002, p.54).

Destacamos aqui os saberes disciplinares, estes que são os saberes dos professores

aprendidos durante a formação inicial, que depois irão ser reformulados e reconstruídos no

cotidiano da sala de aula, a partir dos saberes curriculares e da experiência adquirida e de

outros saberes científicos da formação continuada e do desenvolvimento profissional. Os

saberes disciplinares para Tardif (2002) são correspondentes aos diversos campos do

conhecimento sob a forma de disciplina — são saberes sociais definidos e selecionados pela

instituição universitária e incorporados na prática docente.

Segundo Tardif (2002), os saberes docentes são plurais, heterogêneos, pois trazem à

tona, no próprio exercício de trabalho, conhecimento e manifestações do saber-fazer e do

saber proveniente de fontes variadas, que englobam os conhecimentos, as competências, as

habilidades e as atitudes dos docentes no âmbito de sua prática profissional. Um docente bem

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preparado conhece bem os saberes disciplinares da sua área e consegue escolher

adequadamente os caminhos teórico-metodológicos para cada público escolar.

A pesquisa se faz importante na medida em que contribuirá para ajudar os professores

de História do nosso País a estarem cientes da importância de conhecer as principais correntes

historiográficas que influenciaram o ensino da disciplina e, assim, conseguirem fazer

adequadamente suas escolhas no planejamento das aulas e em sala colocar em prática e

alcançar seus alunos com um ensino mais consistente, embasado, relacionando teoria e

prática, colocando o aluno a aprendizagem do aluno como foco e assim buscando, o tempo

todo, diferentes ferramentas e mecanismos para alcançar uma aprendizagem eficaz.

1.2– O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A INVESTIGAÇÃO

A problemática da pesquisa parte do seguinte questionamento: que suportes teórico-

metodológicos da História têm embasado o ensino de História ao longo dos séculos XIX e

XX? Partimos do pressuposto de que o lugar ocupado pelo professor de História no processo

de ensino tem mudado muito no decorrer das décadas devido à grande variedade de correntes

historiográficas que influenciaram o ensino de História no Brasil, mudou-se não apenas o

lugar do aluno, mas também o do professor. Variando desde aquele docente que apenas

reproduzia os conteúdos elaborados por outrem; passando pelo lugar daquele que ao

problematizar os conteúdos históricos a partir da realidade de seu público escolar provoca a

reflexão em seus alunos (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).

A concepção de como ensinar História é sócio-histórica, estando inserida em uma

determinada esfera temporal. Ao dirigir um curso e pelas relações sociais do discurso em

classe, todo professor exprime sua opção política. Percebemos isso, por exemplo, no

momento em que o mesmo escolhe os livros a ler, as perguntas a serem feitas, o modelo da

sala de aula — tudo isso envolve uma escolha teórico-metodológica. Entendemos que mesmo

alguns docentes não tendo consciência das ações exercidas no seu ofício profissional, existem

princípios teóricos que as explicam e embasam suas posturas.

Acreditamos que é crucial constituir o espaço de reflexão teorizada sobre o ensinar

considerando os princípios epistemológicos da área. Conhecer amplamente as teorias

historiográficas e ter consciência e propriedade para explicar e defender suas posições

profissionais bem como suas escolhas teórico-metodológicas, é uma das coisas mínimas que

um professor de História deve saber fazer. Pois se não desempenhar tal tarefa não estará

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agindo como um verdadeiro profissional, mas como um mero amador, que não é digno de

exercer seu ofício.

É importante que o professor perceba que as concepções históricas interferem no

ensino de História. Objetivos de aprendizagem, metodologia, lugar do aluno e do professor no

processo escolar e mesmo os conteúdos históricos selecionados podem ser diferentes se

trabalhados a partir de diferentes abordagens teóricas (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p.

18).

1.3 – AS PESQUISAS NAS ÁREAS DE ENSINO DE HISTÓRIA E TEORIA DA

HISTÓRIA.

Com a intenção de melhor explicitar a proposta da nossa pesquisa dialogaremos com

diferentes autores, apresentando como as leituras desses contribuíram para pensarmos a ideia

do trabalho que realizamos, este que tem como base dois pontos de partida para discussão:

ensino de História e teoria da História.

Tendo em vista a primeira temática da nossa pesquisa bibliográfica, os textos que mais

contribuíram para refletirmos sobre o ensino de História no Brasil foram dos respectivos

autores: Azevedo (2010), Azevedo e Lima (2010), Azevedo e Stamatto (2010), Bittencourt

(2005) e Lima (2009).

Azevedo (2010) analisa as mudanças e permanências por que passou o ensino de

História no Brasil no século XX, mostrando as possibilidades metodológicas de renovação

dos conteúdos e métodos da História ensinada atualmente. Já Azevedo e Lima (2010)

dedicam-se à reflexão acerca da incorporação de diferentes fontes e linguagens no ensino de

História.

Em ―As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino de História‖ Lima

(2009) explicita ao longo de seu trabalho que o ato de ensinar é complexo, exigindo domínio

não só do assunto a ensinar ou sobre como ensinar, mas fundamentalmente clareza por parte

do profissional docente sobre quais são os pressupostos de sua prática e sobre o que realmente

está ensinando quando ministra suas aulas.

Compreendemos, por meio das leituras acima referenciadas, ser imprescindível que o

professor esteja consciente de seu papel como educador, portando-se corretamente, não como

um amador, mas como um profissional capacitado que tem e sabe usar as teorias e as

metodologias adequadas para seu público alvo. Entendemos também que a postura do docente

é justamente seu ofício, sua responsabilidade perante a profissão encolhida; sabemos que o

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modo de agir do professor em sala de aula estabelece um tipo de relação com os alunos que

colabora (ou não) para o desenvolvimento buscado.

É possível afirmarmos que a prática docente é determinada desde as próprias

instituições até a ideia da escola como espaço cultural e produto histórico em sentido amplo e

pelas tradições escolares que se impõem nesses espaços. Nas últimas décadas, tanto no Brasil,

quanto em outros países do mundo, esses fazeres têm sido compreendidos também como uma

ação complexa e como resultado da conjunção de saberes provenientes de diferentes fontes,

tais como a própria biografia dos professores, sua experiência no exercício do ofício, suas

percepções e sua memória (LIMA, 2009, p. 5).

Entendemos também que a adoção de práticas de investigação pelo professor, acerca

do seu próprio campo de atuação, torna-se importante no sentido de tornar o docente agente

profissional intelectual. Como declara Azevedo (2010, p.2), o conhecimento sobre a docência

está em constante construção não ocorre apenas na universidade e requer um consistente

domínio teórico e prático sobre sua área de formação. A escolha dos materiais que são

levados para as salas de aula depende da concepção sobre o conhecimento, de como o aluno

vai aprendê-lo e do tipo de formação que está sendo oferecida.

―Historiografia, processo ensino-aprendizagem e ensino de história‖ de Azevedo e

Stamatto (2010), contribuiu imensamente para pensarmos a ideia da pesquisa que decidimos

realizar. O artigo faz uma reflexão acerca das relações entre ensino de História e diferentes

correntes pedagógicas e, em seguida, analisa a influência de correntes teóricas da História

sobre o ensino escolar e, no final, apresenta o direcionamento presente nas atuais discussões

acadêmicas e propostas curriculares nacionais acerca das relações entre teorias

historiográficas e pedagógicas e a História ensinada.

A leitura desse artigo foi importante para lembrar-nos que devido à existência de

várias correntes de pensamento que influenciaram o ensino de História no Brasil, muda-se não

apenas o lugar do aluno no processo didático, mas o lugar do professor. Este pode variar

desde aquele caracterizado pela transferência de informações; passando pelo lugar daquele

que problematiza os conteúdos históricos; até aquele definido pela orientação de ações

didáticas que incorporam o instrumental básico da produção do conhecimento histórico

(fontes e métodos), por exemplo.

Assim como as autoras, acima citadas, acreditamos que o conhecimento sobre o ensino

de História a partir de diferentes perspectivas teóricas e pedagógicas permite a melhor

compreensão dos significados e das possibilidades de objetivos a serem alcançados em sala de

aula podendo proporcionar melhoria do processo ensino-aprendizagem da disciplina.

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Diferente do artigo de Azevedo e Stamatto (2010), nosso intuito não é explicitar

abordagens pedagógicas e suas influencias para o ensino da disciplina de História. Entretanto,

nossa pesquisa se assemelha ao trabalho das autoras, na medida em que, apresenta também

correntes historiográficas e relaciona-as com o ensino da matéria em questão. Nosso trabalho

se volta ao público de História e, dessa maneira, focamos em nos aprofundar na pesquisa

historiográfica com mais afinco. A leitura de ―Historiografia, processo ensino-aprendizagem e

ensino de história‖ (2010) nos impulsionou a entender mais como as correntes histográficas

têm influenciado ao longo dos anos o ensino de História em nosso país.

Outra importante obra que contribuiu para pensar sobre o ensino de História foi o livro

de Bittencourt (2005), ―Ensino de História: fundamentos e métodos.‖ Especificamente, na

segunda parte da obra: ―Métodos e conteúdos escolares: uma relação necessária‖, no capítulo

intitulado: Conteúdos históricos: como selecionar?‖, no qual a autora apresenta

detalhadamente algumas tendências historiográficas e suas relações com a produção escolar.

Vimos, por meio dessa obra, que para superar dificuldades no ensino-aprendizagem em

História é importante o conhecimento sobre diferentes tendências da História, a fim de que o

professor possa refletir sobre que tipo de aprendizagem e que conhecimento histórico está

enfatizando no currículo escolar. Compreendemos que a produção historiográfica é fruto de

muitas tradições do pensamento. Por isso, é preciso levar em consideração, que os conceitos

históricos só podem ser entendidos na sua historicidade. Isso quer dizer que os conceitos

criados para explicar certas realidades históricas têm o significado voltado para essas

realidades, sendo equivocado empregá-los indistintamente para toda e qualquer situação

semelhante.

Junto à pesquisa bibliográfica, realizamos também o estudo de documentos, foram

eles: Brasil (1997, 2000, 2006). Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

fundamental e Ensino Médio, bem como as Orientações curriculares nacionais para o Ensino

Médio tendo como objetivo contribuir para o diálogo entre o professor e a escola sobre a

prática docente. Os PCN e OCNEM de História fazem uma abordagem sobre a trajetória

dessa disciplina escolar no Brasil, desde o seu surgimento, no século XIX e apresentam

criticas as abordagens consideradas tradicionais e defendem o ensino de História

comprometido com a construção da noção de identidade e com o exercício da cidadania.

Os PCN questionam os métodos e as concepções concebidos como tradicionais e

afirmam que os estudos no campo da produção do conhecimento histórico, nas últimas

décadas, têm proporcionado novos olhares aos historiadores, professores e alunos. Esses

estudos têm refletido criticamente sobre os agentes condutores da história, os povos e culturas

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sobre os quais os estudos históricos devem lançar seus olhares, as fontes utilizadas pelos

historiadores, as noções de tempo histórico e as relações entre a História e outras disciplinas.

As leituras dos PCN foram muito importantes, na medida em que, contribuíram para

entendermos as discussões atuais do MEC sobre as formas mais adequadas de se conduzir o

aprendizado nos diferentes contextos e condições de trabalho das escolas brasileiras, levando

em conta as leis e diretrizes que redirecionam a educação básica em nosso País.

Esta pesquisa, desenvolvida como trabalho de conclusão de curso (TCC), ainda se

caracteriza pelo seu caráter teórico devido à dedicação na análise das correntes teóricas que

influenciaram a produção do conhecimento histórico. Categorizamos e classificamos as

principais correntes historiográficas que têm influenciado o ensino de História ao longo dos

séculos XIX e XX. Com um sólido aparato teórico será possível analisar e resignificar para a

docência os aspectos relativos ao ensino de História e buscar compreender que princípios

teórico-metodológicos fundamentam diferentes práticas de ensino. Entendemos que conhecer

e acompanhar as principais produções historiográficas não é apenas uma questão de caráter

teórico, mas trata-se também de uma necessidade prática, porque é com base em uma

concepção de História que podemos assegurar critérios para uma aprendizagem efetiva e

coerente.

A orientação teórica desta pesquisa tomará por base o estudo das três principais

correntes historiográficas: positivismo, marxismo e nova história, explicadas e discutidas a

partir do diálogo entre as obras de Aróstegui (2006), Barros (2011) e Reis (2004).

A obra: ―A pesquisa histórica‖ escrita pelo professor Júlio Aróstegui, tem como

objetivo abrir um espaço para criar-se uma discussão ―teórica e metodológica‖ sobre o

decorrer da investigação histórica. O propósito do autor é contribuir para o progresso da

historiografia e da história como disciplina. O conteúdo é dividido em três partes. A primeira

refere-se aos fundamentos e a disciplina e suas relações com a ciência (principalmente com as

ciências sociais) e com a renovação contemporânea. A segunda estuda a teoria própria da

história, levando em consideração a natureza do historiador, seu objeto em questão de análise,

a temporalidade, a explicação do fato dentro da história, e seu objetivo. A terceira e última

parte refere-se aos estudos dos instrumentos que serão utilizados para a análise como: o

processo de investigação, as informações, ou fontes, que serão colhidas e ―julgadas‖ como

relevantes.

Já o livro ―Teoria da História‖ de José D‘Assunção Barros, dividido em cinco

volumes, discute os fundamentos e paradigmas da teoria da história. Dos cinco livros lemos

os volumes I, II, III e V. O livro ―Princípios e Conceitos Fundamentais – Vol. I‖ Esclarece o

19

que é um 'paradigma historiográfico', uma 'escola histórica', uma 'filosofia da história', ou uma

'teoria da história e mostrar como a historiografia profissional foi se constituindo, a partir do

século XIX, como um saber específico no meio das demais ciências humanas. Já o livro ―Os

Primeiros Paradigmas - Positivismo e Historicismo – Vol. II‖ destina-se a mostrar os

primeiros paradigmas que surgem no século XIX - o Positivismo e o Historicismo - assim

como seus desdobramentos e repercussões na historiografia atual. A obra ―Os Paradigmas

Revolucionários - Vol. III‖ busca explicar os paradigmas, no decorrer do século XX, a partir

do Materialismo Histórico de Engel e Karl Marx, das contribuições de Friedrich Nietzche,

avançando para as proposições de Michel Focault. E por último, a obra ―A Escola dos

Annales e a Nova História – Vol. V‖ procura expor, as principais contribuições dos

historiadores franceses ligados a este movimento, bem como apresentar uma rica discussão

historiográfica sobre a história desta escola.

José Carlos Reis em seu livro: ―A História entre a Filosofia e Ciência‖ explana três

grandes escolas; Metódica (dita positivista), Marxista e Annales. Todas estas possuíam em

comum a crença na cientificidade de Clio e a recusa categórica a filosofia da história, pois

esta era a-histórica, especulativa e metafísica. O autor, porém, afirma que mesmo tentando

romper com a filosofia da história, tais escolas estavam carregadas, sem saber e sem

confessar, de pressupostos filosóficos, sobretudo as duas primeiras, carregava no seu consigo

a filosofia da história e por isso vem daí o titulo do livro. O autor pretende analisar essas três

escolas históricas, mostrando como a filosofia esteve junto a elas.

As leituras de todos esses teóricos: Aróstegui (2006), Barros (2011) e Reis (2004),

foram de grande importância para a elaboração desse trabalho, na medida em que, nos

permitiu ter mais base e consistência sobre o tema, fortalecendo mais o nosso conhecimento a

respeito das principais correntes historiográficas e sua influencia nos dias atuais. Ao longo de

todo o trabalho aparecem citações e referencias a esses livros sobre teoria citados acima, em

alguns capítulos damos mais ênfase a um determinado autor, já em outros capítulos

destacamos mais outro teórico diferente, mas isso não significa que um livro é menos

importante que o outro. É importante destacar que todas as obras lidas tiveram sua relevância

para a construção dessa pesquisa.

1.4 – UMA BREVE EXPLICAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA HISTÓRIA

Ao pensarmos em teorias da História e suas relações com a História disciplina escolar,

muitas inquietações surgem, como: o que e como ensinar da História da Humanidade? Em um

20

momento em que se propõe tanto o diálogo com diferentes linguagens, em que consiste a

linguagem da História? Como se caracteriza um texto histórico? As teorias da História

interferem de que maneira nos conteúdos históricos, especialmente, na forma de ensiná-los a

não especialistas em História? Qual a função do historiador? Qual o lugar do aluno no

processo ensino-aprendizagem de História? O que este deve aprender? O que tem a História

de ciência? Até que ponto professores de História precisam dominar as teorias de História?

Respostas a esses questionamentos, certamente exigiriam longas discussões. Acreditamos que

a presença destes aqui denunciam a necessidade de uma explicação, ainda que breve sobre a

História da História.

Para que compreendamos as especificidades da História como um conhecimento sobre

o gênero humano a melhor alternativa é retomarmos a sua história, como já defendia Chaunu

(1976, p.27), segundo o qual: ―só a própria história da História nos pode fazer tomar

consciência da existência e da originalidade dessa tradição de atelier, desse conjunto de

processos técnicos já testados que constituem o método histórico‖. José Honório Rodrigues

(1978), por sua vez, também declara a importância de se estudar a evolução da ideia de

História. Segundo este último autor, ao longo da análise da história da História, podemos

distinguir um certo número de momentos críticos e de etapas.

Há várias formas de dividir-se a História para uma melhor compreensão da sua

trajetória. Bernheim, Bauer e Leibniz reconheciam a divisão da seguinte forma: narrativa,

pragmática e genética ou científica. Huizinga ao discordar dessa organização chamando-a de

ilógica e inoperante afirmava que esses três aspectos não se sucedem no tempo nem superam

uns aos outros quanto ao valor. Uma outra visão é a que apresenta a história classificada

como: imediata, tendo Heródoto e Tucídides como destaque; reflexiva, que se divide em

história geral, história pragmática, história crítica e história particular; e, filosófica, que é a

história universal (RODRIGUES, 1978). Apoiando-nos em Rodrigues (1978), seguimos a

primeira divisão no intuito de explicarmos, ainda que brevemente, a trajetória de constituição

da História. Nesse sentido, a História narrativa apresenta-se de forma pouco crítica uma vez

que dá crédito a relatos mitológicos. Outra característica é o seu particularismo, pois se reduz

à história de um povo, por exemplo. Também dá ênfase aos fatos extraordinários. Tem em

Heródoto seu principal representante. ―[...] Embora seu método já revele caráter crítico, seu

criticismo está limitado pelas condições da idade, que era primitiva nas suas crenças religiosas

e restrita no seu conhecimento geral‖ (RODRIGUES, 1978, p.47-48).

O modo pragmático preocupa-se com a utilidade da História. Como ele se inicia a

ideia de uma história universal. Com Tucídides (460-400 a. C.) tem inicio, conforme

21

Rodrigues (1978), a história pragmática, a qual se entende até meados do século XIX. Suas

principais características são: investigação das forças que operam no suceder histórico;

valorização dos fatores econômicos e sociais; historicismo; secularização (após a Idade

Média); a crença na continuidade entre épocas. A história construída era sempre a história da

atualidade, se hoje ela trata do passado, nasceu como narração do presente. Permitindo-nos

saltar até os séculos XVII e XVIII, pois ainda no âmbito da história pragmática, percebemos

uma preparação de uma mudança decisiva no fazer do pesquisador da História que toma por

base o desenvolvimento da erudição. Palmade (1988) afirma que no período, nascia uma

ligação da obra dos humanistas à dos investigadores do século XIX. Isso leva o autor a

afirmar que a história torna-se não científica, pelo menos douta.

Por fim, temos a história genética ou científica, com a qual o fazer histórico torna-se

um conjunto de conhecimento nos moldes das ciências naturais, ou seja, baseado nos

princípios da objetividade, regularidade e universalidade. Nela o relato histórico começa a se

basear em fontes contemporâneas, submetidas previamente à crítica filosófica (Ranke)

baseada no método da explicação causal. Com Leopoldo Von Ranke o método, a pesquisa

histórica e a investigação das fontes tornaram-se um processo científico. A partir desse

cenário, podemos pensar sobre a história ciência, a história à luz de diferentes teorias, a

relação entre teorias da história e o processo de difusão do conhecimento histórico (ensino de

História). É sobre isso que veremos nos próximos capítulos.

22

CAPÍTULO 2 – VERDADES ABSOLUTAS E DISTANCIAMENTO DA

SUBJETIVIDADE: PRINCÍPIOS DE UMA HISTÓRIA DITA TRADICIONAL

2.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA METÓDICA

O século XIX foi consagrado como o ―século da História‖, o gênero histórico se

profissionalizou, dotando-se de um método próprio. Os historiadores da escola denominada

de ―metódica‖ colocam-se como cientistas puros e rígidos e anunciam uma separação

definitiva com o gênero literário, havendo assim um abandono das concepções relativas à

escrita da história nos moldes de crônica baseada nos testemunhos deixados por gerações

anteriores (ARÓSTEGUI, 2006). Dessa maneira, a história passa a ser entendida como um

processo de pesquisa, com o que, justamente correspondia à própria palavra História

recuperada no seu sentido original na língua grega: pesquisa. De acordo com Rodrigues

(1978, p.45), a palavra História origina-se do grego (istória), entretanto, a origem exata dessa

palavra grega é incerta, mas sabe-se que ela possui dois sentidos: ―Exprimiria, assim,

portanto, não só o sucesso como o inquérito ou investigação sobre o sucedido‖. Ou seja, em

um sentido objetivo seria o passado ou o que sucedeu e subjetivamente seria a pesquisa sobre

o sucedido, a narração. A profissionalização da história caminhava nesse momento lado a lado

com um novo sistema de valores que colocava em destaque a ―busca da verdade‖, a

reivindicação da objetividade.

Segundo Júlio Aróstegui (2006), nas duas últimas décadas do século XIX a disciplina

História entra claramente na definição sistemática de seu método. Surge nesse momento a

corrente de fundamentação ―metódico-documental‖. O autor afirma que é bastante habitual

que esse momento das concepções teórico-metodologicas da disciplina seja conhecida como

historiografia positivista, mas que essa denominação não deixa de ser equívoca, pois muitas

vezes chama-se de positivista, sem mais nem menos, uma concepção que é essencialmente

narrativista, episódica, descritiva e que, na realidade, é o exemplo mais típico de ―história

tradicional‖, mas que não deve ser confundida necessariamente com a historiografia

―positivista‖. Para Aróstegui, a historiografia positivista é a dos "fatos" estabelecidos

mediante os documentos, indutivista, narrativa, por certo, mas também sujeita a um "método".

A escola que se costumava chamar de "positivista" pode ser também denominada — com

mais propriedade — de "escola metódica", já que sua preocupação número um é a de dispor

de um método. Essa escola, que fundamentava o progresso da historiografia no trabalho

metódico das fontes, sempre mostrou a mais ríspida aversão a qualquer "filosofia". Isso não

23

diminui, todavia, em nada sua dependência imediata da concepção positivista da ciência. Essa

a razão pela qual pode ser chamada de escola pragmático-documental ou metódico-

documental (MARTINS, 2004, p. 3).

Pode-se ver como exemplo disso, as obras de Taine (1828-1893), Buckle (1821-1862),

Duruy (1881-1894) e Renan (1823-1892), cuja historiografia propunha explicitamente o

estabelecimento de leis do desenvolvimento histórico e uma pesquisa baseada na ideia dos

―fatos históricos‖, sendo completamente oposta à especulação filosófica. Sua preocupação

essencial é com o método, a regulação da prática heurística e o objeto essencial do documento

e sua exploração como base de qualquer discurso historiográfico, afirma Aróstegui (2006).

De acordo com Lacerda (2009) também é importante ressaltar que ―História metódica‖

não se confunde necessariamente com a história ciência do positivismo, pois não se deixa

levar pela influência direta das ideias de Comte ou de Stuart Mill, ainda que concorde com

muitos dos seus princípios. O Positivismo comtiano afasta-se do positivismo histórico ―em

primeiro lugar porque a historiografia por ele sugerida não consiste, metodologicamente, na

acumulação de fatos ou na ausência de hipóteses interpretativas; em segundo lugar, porque

em termos teóricos a historiografia proposta por Augusto Comte é de caráter sociológico‖

(LACERDA, 2009, p. 329).

Segundo François Dosse (2003, p. 40), os historiadores metódicos aderem a uma visão

progressiva da história segundo a qual o historiador trabalha e está a serviço do progresso do

gênero humano. A marcha para o progresso desdobra-se como uma cumulação do trabalho

científico, numa abordagem linear da história, enriquecida pelo aporte das ciências auxiliares

– antropologias, filosofias comparadas, numismática, epigrafia, paleografia ou ainda a

diplomática – que dão um aspecto cada vez mais moderno ao século XIX.

O pensamento do filósofo Augusto Comte foi fundamental para o processo de

constituição da História como disciplina, como ciência. Comte é considerado o fundador do

positivismo, sendo esta uma corrente de pensamento filosófica que influenciou não só a

História, mas várias outras disciplinas, tais como: Matemática, Economia, Sociologia, entre

outras. Os historiadores da escola metódica vão se apropriar de muitos dos pensamentos de

Augusto Comte para elaborarem a metodologia da disciplina histórica que por eles é gestada

no século XIX. A história positivista é nomotética (se baseia em sistema de leis),

generalizante, propõe-se ao estabelecimento de leis universais para a História, com

explicações deterministas dos fatos históricos, e que, em grande medida, ainda se prende a

escrever uma história filosófica e subjetiva. Em contrapartida, a história metódica busca

encontrar as particularidades da História, dedica-se a explicações causais, específicas (não

24

deterministas, nem generalizante), e não se propõe a estabelecer leis. Para os historiadores

metódicos a História deveria primar por um método crítico e científico, distanciando-se ao

máximo da subjetividade literária e filosófica.

Em 1824, Leopoldo Von Ranke (1795-1886) escreve um texto fundamental sobre a

figura do novo historiador, estabelecendo assim o fundamento do que seria a ―história crítica‖.

Ranke nasceu em Wiehe, Turíngia, na Sarvônia, em uma família de juristas e pastores

protestastes. Interessou-se pela história a partir dos estudos de teologia que realizou na

Universidade de Leeipizing. Em 1824 publicou a sua primeira obra, Geschichte der

germanischen und romanschen volker de 1494-1535 (História das nações germânicas e latinas

de 1494-1535) e assumiu, no ano seguinte, o cargo de professor auxiliar de história na

Universidade de Berlim. O ideal de objetividade na interpretação dos fatos fez com que

recorresse à analise crítica de documentos originais, método que o tornou iniciador da

moderna historiografia. Reis (2004, p. 11) registra que Ranke baseava-se, principalmente nos

documentos diplomáticos para fazer a história do estado e de suas relações exteriores, assim,

fazer a história seria trabalhar com documentos escritos oficiais de eventos políticos.

Para Chaune (1976, p. 66), Ranke ―é, sem dúvida, a mais importante figura da História

do século XIX, o homem que, incontestavelmente, teve a mais importante e mais duradoura

influência‖. A preocupação dele estava em mostrar como as coisas se produziam. Segundo

Palmade (1988, p. 45), esse historiador constituiu sua obra ―sobre a exploração mais ou

menos metódica das fontes coligidas e criticadas pela erudição‖, opinião semelhante a de

Rodrigues (1978, p.53) que assim declara:

Ranke afirmou, na Europa, a supremacia da erudição alemã e jamais alguém

se aproximou tanto quanto ele do verdadeiro historiador. Os serviços que

prestou à história podem ser assim resumidos: dissociou o estudo do passado

das paixões do presente e pretendeu narrar a história como na realidade foi.

Estabeleceu a necessidade de basear-se a construção histórica em fontes

estritamente contemporâneas [...].

[...]. Ele tornou o método, a pesquisa e a investigação das fontes em processo

científico. Pelo menos, a história já podia dizer com certo orgulho que na

investigação e valorização dos documentos os seus processos críticos eram

de tal modo apurados que ela podia-se afirmar como uma ciência. 1

1 É importante registrar a presença de Berthold Georg Niebuhr (1776-1831) neste contexto. Rodrigues (1978,

p.52) ao declarar que o início do século 19 é a época em que a história conquista seu lugar junto às ciências

naturais, destaca que dois historiadores dominaram o período: Niebuhr e Ranke. Ambos ―enriqueceram a

consciência história, elevando-a a uma etapa mais alta do que as conhecidas até então‖. Niebuhr ―precisamente

por compreender bem o que era o mito podia distingui-lo clara e seguramente da realidade história‖.

25

É unanimidade afirmar que a obra de Ranke e de seus seguidores proporciona

orientação nova para o conhecimento da História produzindo um pensamento historiográfico

propenso a fundamentar o início da profissionalização da historiografia. A figura dele é

essencial nesse momento pela sua aposta concreta no emprego direto da História e não de

outra coisa, ele entendia que toda a pesquisa deveria dar conta de seu método ao apresentar

conclusões críticas. Segundo Aróstegui (2006) Ranke exerceu um papel importante na

configuração dos aportes teóricos que possibilitaram fornecer um caráter científico à história.

Seu pensamento caracterizou-se pela busca da objetividade e da aplicação do método

histórico na investigação dos fenômenos sociais.

A chamada história científica ou ―história crítica‖, divulgada por Ranke, tinha como

bases principais a neutralidade científica, a objetividade e a fidelidade aos documentos, assim

Ranke buscava afastar-se da filosofia da História. Seguem, abaixo, alguns princípios de

método defendidos pelos seguidores da escola metódica dita ―positivista‖ (BURDÉ e

MARTIN, apud REIS, 2004, p. 17):

(a) o historiador não é juiz do passado, não deve instruir os contemporâneos,

mas apenas dar conta do que realmente se passou;

(b) não há nenhuma interdependência entre historiador, sujeito do

conhecimento, e o seu objeto, os eventos históricos passados. O

historiador seria capaz de escapar a todo condicionamento social,

cultural, religioso, filosófico, etc. em sua relação com o objeto,

procurando a ―neutralidade‖;

(c) a história – res gestae – existe em si, objetivamente, e se oferece através

dos acontecimentos;

(d) a tarefa do historiador consiste em reunir um número significativo de

fatos, que são ―substâncias‖ dadas através dos documentos

―purificados‖, restituídos à sua autenticidade externa e interna;

(e) os fatos, extraídos dos documentos rigorosamente criticados, devem ser

organizados em uma sequencia cronológica, na ordem de uma narrativa;

toda reflexão teórica é nociva, pois introduz a especulação filosófica,

elementos a priori subjetivistas;

(f) a história-ciência pode atingir a objetividade e conhecer a verdade

histórica objetiva, se o historiador observar as recomendações anteriores.

Os historiadores metódicos enxergavam os documentos como ―detentores de verdades

absolutas‖ e, a partir deles, a História poderia ser escrita por uma descrição definitiva. Os

seguidores dessa corrente teórica dedicavam-se aos estudos dos atos de figuras das elites e

suas biografias, contando somente as histórias de grandes personalidades – reis, militares,

imperadores, governantes, presidentes.

26

O historiador, para Ranke, deveria ser objetivo no momento da produção, isto é, para

recuperar os dados únicos e irreproduzíveis dos atos humanos, deveria deixar suas paixões e

interpretações longe de suas análises, apoiando-se somente na narração dos documentos

oficiais, pois entendiam, que estes documentos abriam acesso imediato à compreensão das

intenções e dos motivos dos atores da história favorecendo, assim, atingir-se a busca da tão

almejada objetividade dos fatos históricos, esta que seria o relato fiel dos acontecimentos.

Ranke tentou, tanto quanto possível, eliminar os pontos de vista pessoais que poderiam

desfigurar o ―verdadeiro‖ conteúdo da história, ―ele evitará a construção de hipóteses,

procurará manter a neutralidade axiológica e epistemológica, isto é, não julgará o real. Os

fatos falam por si e o que pensa o historiador a seu respeito é irrelevante‖ (REIS, 2004, p. 18).

A fórmula empregada para garantir essa neutralidade foi a de fundar os estudos das questões

sociais sobre métodos rigorosamente científicos. Os estudos históricos sob a perspectiva de

Ranke diferenciam-se dos estudos filosóficos por serem a ―ciência do único‖ e terem como

base a observação dos fatos, enquanto a filosofia se ocupa de abstrações e generalizações

(FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 6).

Foi grande a influência do pensador alemão, Leopoldo Von Ranke, sobre a

historiografia européia. Suas ideias, encontram-se, a maior parte, nos pressupostos de Charles

Langlois (1863-1929), Ernest Lavisse (1842-1922), Charles Seignobos (1854-1942), Fustel de

Coulanges (1830-1899).

A escola histórica científica alemã serviu de modelo para o surgimento de outros

centros de erudição. A França foi o segundo país onde a história erudita se fixou. Em 1876, os

republicanos franceses vão fundar a Revue Historique, por Gabriel Monod, e dessa forma, se

inicia a erudição na França. Os positivistas franceses praticaram os mesmos princípios

defendidos por Ranke. ―A Revue Historique se declarava neutra, imparcial, devotada à ciência

positivista, fechada às teorias políticas e filosóficas [...] A história se libertou da literatura e

era ensinada de forma autônoma na universidade francesa, seguindo o modelo das faculdades

alemãs.‖ (REIS, 2004. p. 22). O ensino universitário contribuiu bastante para a divulgação da

história crítica no país. É em torno de um axioma, o da história como ―ciência positiva‖ que a

comissão de redação da Revista histórica representada por Victor Duruy, Ernert Renam,

Fustel de Coulanges, Ernert Lavisse e Monod, pretende escarpar ao subjetivismo e em nome

de um racionalismo total dizem-se partidários da imparcialidade em respeito à verdade e à

ciência, afirma Aróstegui (2006).

Para Faustino e Gasparin (2001) quem melhor especificou o método científico

aplicado ao estudo da história foram os franceses Langlois e Seignobos, em sua obra

27

―Introdução aos Estudos Históricos‖, que teve sua primeira edição em 1898, na França. A

História para os metódicos nada mais era que um conjunto de encadeamento de fenômenos

construídos de forma objetiva pelo historiador. Muito da metodologia metódica pode ser

encontrada nessa obra, considerada por muitos o manual dos metódicos. Para Langlois e

Seignobos,

Indiscutivelmente é a história a disciplina em que com maior império se faz

sentir a necessidade de bem conhecerem os autores os métodos próprios, que

lhes devem presidir à feitura das obras. (...) os processos racionais, que nos

levam a atingir o conhecimento histórico, são tão diferentes dos das demais

ciências que devemos conhecer-lhes as peculiaridades, para fugirmos à

tentação de aplicar à história os métodos das ciências já constituídas.

(Langlois; Seignobos, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 6).

Segundo Dosse (2003), Langlois e Seignobos no seu livro ―Introdução aos Estudos

Históricos‖ apresentam toda a metodologia da crítica interna e externa dos documentos. A

crítica externa ou de credibilidade visa essencialmente encontrar o original e determinar se o

documento é verdadeiro ou falso. Enquanto a crítica interna ou de autenticidade deve

interpretar o significado dos documentos, avaliar a competência do seu autor, determinar a sua

sinceridade, medir a exatidão do documento, além de controlá-lo através de outros

testemunhos.

De início, observa-se o documento. Ele é igual ao que era quando foi

produzido? Não se deteriorou depois? Procura-se saber como ele foi

fabricado para restituí-lo à necessidade de seu teor original, depois

determinar sua proveniência. Esse primeiro grupo de pesquisas prévias, que

incide sobre a escrita, a língua, as formas, as fontes, etc., constitui o domínio

particular da crítica externa ou crítica de erudição. Em seguida, intervém a

crítica interna: ela trabalha, por meio de raciocínios por analogia,

emprestados à psicologia geral, para representar os estados psicológicos que

o autor do documento atravessou. Sabendo o que o autor do documento

disse, pergunta-se: 1) o que ele quis dizer; 2) se ele acreditou no que disse;

3) se ele foi induzido a acreditar no que acreditou‖ (Langlois e Seignobos

citados apud SERRÃO e GRÁCIO. 1972, p. 22).

Comprovada a veracidade do documento, o historiador deveria partir para a análise,

todavia, sem esquecer que: ―o verdadeiro erudito possui sangue frio, é reservado e

circunspecto; no meio da torrente da vida contemporânea que em torno de si arremete,

mantém se sereno, jamais se apressa. (...) O importante é que o que for feito seja sólido,

definitivo, incorruptível‖ (Langlois e Seignobos, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2011, p.

6).

O que se objetivava com afirmações desse tipo já é pensar uma investigação e

produção científicas afastadas de qualquer pressuposto filosófico - considerado especulativo,

28

no mau sentido – visando a mais absoluta objetividade, que poderia ser atingida quando o

investigador se munisse de instrumentos rigorosos, no que se referia ao levantamento das

fontes e posterior publicação dos fatos investigados (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 7).

Uma ciência depende dos documentos e que objetiva eliminar toda forma de

subjetividade. Sua reflexão é uma referência primordial no amadurecimento do pensamento

histórico e da profissão de historiador, que a princípio tenta submeter-se à disciplina de sua

ciência para conseguir ser capaz de atingir a verdade objetiva que tanto busca.

Pôr suas ideias no estudo dos textos é um método subjetivo [...]. Vários

pensam que é útil e bom ter preferência, ideias ―mestras‖ [que dão] à obra

mais vida e mais encanto; é o sal que corrige a insipidez dos fatos. Pensar

assim é enganar-se muito sobre a natureza da história. Ela não é uma arte, é

uma ciência pura. [...], o melhor historiador é o que mais se atém aos textos.

(Fustel de Coulanges, apud TÉTART, 2000, p.94).

Nas palavras do próprio Fustel de Coulanges ―o melhor dos historiadores é aquele que

se mantêm mais próximo dos textos, que os interpreta com maior precisão, que não escreve e

nem mesmo pensa a não ser a partir deles‖ (DOSSE, 1994, p.42).

Durante muito tempo os historiadores acharam que os documentos eram somente

aqueles que esclareciam a parte da história dos homens, digna de ser conservada, transmitida

e estudada: a história dos grandes acontecimentos. A principal habilidade do historiador era

tirar tudo do documento, sem acrescentar nada a ele. O melhor historiador era o que se

mantinha mais perto do texto, que escrevia e pensava segundo os documentos, afirma Dosse

(2003).

De acordo com Faustino e Gasparin, (2011) na perspectiva da história metódica os

fatos históricos falavam por si mesmos e conteriam verdades irrefutáveis e inquestionáveis.

Não podia ser dado o direito à dúvida, pois toda reflexão seria prejudicial e poderia levar à

especulação filosófica e à subjetividade, que deturpariam o caráter positivo da história. Era

preciso retratar de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, sendo essa

uma concepção científica em que o pesquisador além de apresentar os resultados de sua

produção, de forma objetiva e clara, não deveria expressar suas opiniões, sendo neutro e

imparcial em seus trabalhos, não apresentando nenhum posicionamento crítico, existindo

assim uma separação notável entre o pesquisador/autor e sua obra.

De acordo com o pensamento metódico, a história existe em si, objetivamente e se

oferece através dos documentos escritos e oficiais. A história científica, portanto, seria

produzida por um sujeito neutro que não elabora hipóteses, não questiona e nem muito menos

29

problematizaria o real (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 9). Ao historiador não

competiria o trabalho da problematização, da construção de hipóteses, da reabertura do

passado e da releitura de seus fatos. Tratados dessa maneira, os fatos históricos se tornariam

verdades absolutas, objetos que se pode admirar do exterior, copiar, contemplar, imitar, mas

jamais desmontar, remontar, alterar, reinterpretar, rever, problematizar, reabrir. Uma vez

―estabelecido‖ os fatos passados, a não ser que aparecessem novos documentos que

alterassem a descrição, tornando-a mais ―verdadeira‖, eles seriam uma ―coisa que fala por si‖

(REIS, 2004, p.29).

José Carlos Reis (2004) afirma que o projeto de uma história metódica é impraticável

plenamente, e sustentar que há obras históricas que o realizaram plenamente é ―caricaturar‖ a

produção histórica ―positivista‖. Entretanto, tal projeto foi uma ―orientação‖ da pesquisa

histórica que, se não o realizou inteiramente, pois impossível, se deixou conduzir por seus

princípios e objetivos.

De acordo com Fraçois Dosse (2003) não podemos dizer que os historiadores da

escola metódica eram os ingênuos, não se pode dizer que eles cultivavam um fetichismo do

documento e que eles negavam a pertinência da subjetividade historiadora, simplesmente a

escola metódica via a grandeza do historiador em sua capacidade de controlar sua

subjetividade, de colocar-lhe um freio.

Considerando, contudo, que a consciência humana não é isenta de historicidade, sendo

formada de acordo com o momento histórico em que se vive, Ranke e seus seguidores,

mesmo tendo se esforçado muito, não conseguiram a neutralidade que tanto defendiam para

os estudos históricos, não conseguiram controlar completamente sua subjetividade e ser

totalmente passivo diante do documento.

(...) perdido numa floresta imensa de fontes documentais ainda virgens,

precisou apelar para um rigoroso critério de seleção do material utilizável,

sob pena de não levar a bom termo sua obra. Ainda que justa, [esta]

argumentação não justifica, ou justifica mal, o fato da divisão do trabalho

que o historiador escolheu para favorecer justamente os grupos políticos

sociais privilegiados. (Holanda, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2011, p.

7).

Os historiadores do século XIX conseguem apenas parcialmente sua busca pela

história científica que tenta ser antimetafísica, antifilosófica e centrada em um método que faz

do historiador um observador passivo. Entendemos que, até certo ponto, os historiadores

conseguiam seguir métodos positivistas que eles estabeleceram para o estudo da disciplina.

30

É importante lembrar que mesmo que esses historiadores tentassem ser imparciais,

fugindo da interdependência entre eles e os seus objetos; buscando apenas verdades absolutas

nos documentos (escritos e oficiais) não podemos afirmar que eles conseguiam absolutamente

essa imparcialidade tão desejada diante dos mesmos. Pois sabemos que os historiadores

metódicos escolhiam o que deveria ser analisado, e que nem tudo era considerado digno de

ser afirmado como um documento histórico. É justamente no momento em que esse juízo de

valor e critério de seleção acontece é que entra a parcialidade desse historiador. Dessa forma,

bem clara, vemos a subjetividade histórica, a construção de uma história a partir do privilégio

de determinados documentos e do repúdio a outros.

O historiador metódico, na nossa concepção, não pode ser enxergado como um agente

passivo que apenas busca encontrar verdades e objetividades em seu objeto de pesquisa sem

interferir de nenhuma maneira nos documentos com os quais trabalha, mas sim como um

agente ativo que carregado de intencionalidade vai construindo a história que deseja fazer

seguindo os objetivos que traçou e pretende atingir, selecionando o tempo topo o que julga ser

apropriado para servir a sua pesquisa.

2.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS METÓDICOS

Os aportes teóricos tradicionais, por muito tempo, influenciaram as práticas de ensino

de História nos currículos, seus livros didáticos e outros materiais de ensino/aprendizagem de

História. Deixou influência decisiva no perfil da história ensinada no Brasil, desde a sua

constituição como disciplina do currículo das escolas brasileiras, a partir do século XIX,

quando a história escolar, como disciplina obrigatória, foi instituída no país em 1838.

Devemos lembrar que uma concepção, ao orientar conteúdos e práticas de ensino,

nunca se apresenta de forma pura. Sofre influência de outras formulações teóricas que sejam,

em alguns pontos, compatíveis com seus elementos constitutivos. A orientação metódica

presente no ensino de História através de modelos, leis, programas, currículos, compêndios e

manuais escolares, frequentemente, apresentou ideias desenvolvidas pelos idealistas, pelos

historicistas, pelos presentistas e pelos estruturalistas, segundo Araújo (2009).

Convencionou-se chamar de tradicional o ensino de História que segue essas

orientações e que, no século XIX, imprimiu um caráter cientificista aos currículos escolares,

mas que faz sentir sua influência ainda hoje através de conteúdos, atividades e práticas

pedagógicas presentes no ensino desta disciplina escolar que se refere ao ensino escolar a

historiadora Circe Bittencourt (2011) entende que a reconstituição do passado da nação por

31

intermédio de grandes personagens serviu como fundamento para a História escolar,

privilegiando-se estudos das ações políticas, militares e das guerras.

Um currículo de História construído a partir do pensamento metódico tem seus

conteúdos ordenados de forma linear com privilégio da visão eurocêntrica, apresentando o

conhecimento em uma perspectiva total, organizando todo o passado da humanidade num

contínuo tempo cronológico. Para os metódicos, a História como disciplina é elaborada a

partir de fatos que se interligam e interelacionam entre si promovendo, assim, a explicação do

desenvolvimento do mundo. Os fatos históricos se encadeiam de forma mecânica

apresentando sempre relações deterministas de causas e consequência, a partir das quais não

se percebem mudanças/permanências, continuidade/descontinuidade, as rupturas presentes no

decurso da história do homem e da sociedade (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 9).

O ideal presente nesse ensino é o do progresso contínuo, aprendido através do estudo

dos fatos, representado pela linearidade e superposição constante dos acontecimentos,

demonstrando, assim, que o curso da história é sempre ininterrupto e gradual. Por ser

entendido o tempo positivo de forma linear e evolutiva, seguindo em direção à ordem e ao

progresso social, se dá muita ênfase a alguns acontecimentos passados, sobretudo, aqueles que

se referiam a grandes batalhas, aos grandes homens e heróis cujos feitos deveriam ser

seguidos e lembrados por serem considerados os construtores da nação. O ensino é marcado

pela narrativa construída sobre esses exemplos a serem apreendidos, admirados e seguidos

sem levar em conta outros sujeitos sociais, que estavam presentes na cena política. Os fatos

históricos relevantes são vistos sempre como os eventos políticos, administrativos,

diplomáticos, religiosos (FAUSTINO e GASPARIN, 2001).

A história concebida, essencialmente, enquanto narrativa dos aconteci-

mentos, fundamenta o paradigma tradicional, que nos oferece uma visão de

cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes homens,

estadistas, generais ou eclesiásticos. Toda essa visão se molda na concepção

de um tempo cuja dimensão é o passado. Esse tempo histórico tradicional se

coaduna com um modelo de história factual, buscada nos documentos, fontes

primordialmente escritas e que se constituíam provas incontestáveis à

explicitação da ―verdade‖ dos fatos históricos. (Souza e Araújo, apud

ARAÚJO, 2009, p.14).

Segundo Bittencourt (2011, p.141), do final do século XIX até a primeira metade do

século XX, os conteúdos da História eram compostos de longas e cansativas narrações que

contavam as origens das grandes nações e dos feitos dos grandes estadistas. ―O Estado ou os

chefes políticos e militares, cabe enfatizar, eram o motor das transformações e do progresso

32

da história, considerando que o século XIX foi o momento de criação e consolidação dos

Estados nacionais e da elaboração das ―histórias nacionais‖, de caráter político e militar.

No estudo da disciplina de História, o alunado deveria memorizar os eventos passados

da sociedade para que nunca esquecesse as importantes contribuições dos seus ancestrais, pois

entendiam que essa era uma forma de fazer o mundo se modernizar e progredir. O culto aos

antepassados, aos heróis, foi muito importante, juntamente com o respeito às tradições e aos

símbolos, que representaram essas tradições, tendo a função de manter sempre viva a

memória dos acontecimentos passados, segundo afirma Carvalho (2005).

Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos

de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos

eficazes para atingir a cabeça e os corações dos cidadãos a serviço da

legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de

seus heróis e não possua seu panteão cívico. (Carvalho, apud FAUSTINO e

GASPARIN, 2011, p. 10).

Recursos didáticos como mapas das grandes nações, tratados, cartas eram

imprescindíveis ao professor de História. Para a fixação de todo o ―repertório‖ de fatos e

acontecimentos passados, era necessário, ao final de cada unidade trabalhada, uma síntese e

uma avaliação objetiva, para saber se o aluno havia, realmente, aprendido e assimilado ―bem‖

os conteúdos transmitidos de forma expositiva (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 10). Os

alunos eram submetidos a exercícios enormes de perguntas que forçavam a memorização dos

textos, uma vez que deveriam reproduzi-los de forma precisa nas provas orais ou escritas.

Esse tipo de procedimento levava a um processo de ensino-aprendizagem baseado

exclusivamente na exposição, leitura e memorização. Saber história das civilizações

significava conhecer as grandes nações, o nome dos seus heróis, suas capitais, a língua, a

moeda, a economia, a política, as datas comemorativas (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p.

10).

Para Langlois e Seignobos (1946), o historiador tem por vocação ser um educador

cívico onde o valor da história é, sobretudo, pedagógico e o método crítico necessário para

combater a credulidade e a subjetividade à autoridade. Os eventos passados são instrumentos

da educação cívica. Na educação cívica, os fatos históricos e os grandes homens são

devidamente reconstruídos para servir de instrução à juventude. Faz-se uma ―história

comemorativa‖, que legitima os ritos cívicos. Nesses rituais, realizados, quando os grandes

heróis produziram os seus grandes feitos, procura-se a coincidência do ―atual com eterno‖, em

um presente intenso. Segundo Circe Bittencourt (2011, p. 61):

33

Desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de

História voltava-se para a formação moral e cívica, condição que se

acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX. Os conteúdos passaram a ser

elaborados para construir uma ideia de nação associada à de pátria,

integradas como eixos indissociáveis.

Várias críticas e dúvidas a essa corrente de pensamento surgiram desde o século XIX e

no decorrer do século XX. Suas premissas teóricas foram questionadas, afirmando-se que seus

princípios de ensino não viabilizam os meios necessários para uma aprendizagem

significativa.

Atualmente entendemos que para que aconteça um ensino-aprendizado de qualidade é

necessário que o aluno não só consiga identificar datas, nomes, lugares e saber narrar eventos

históricos importantes, mas, sobretudo, saiba o significado deles, os contextos envolvidos, as

rupturas e continuidades a partir desses momentos da história, saiba questioná-los,

problematizá-los, seja capaz de dar sentido ao que foi estudado.

Conforme aponta Araújo (2009), ao longo das décadas de 1940 e 1950 houve um

aumento nos debates sobre métodos e objetivos do ensino de História isso, em grande medida,

aconteceu pela expansão das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras nesse período, onde

foi promovida largamente a formação de professores de História para outros níveis além do

ensino primário oferecido nas escolas normais. A presença da história no currículo da antiga

escola primária e do ensino secundário vai assumindo novos contornos e finalidades no

decurso do século XX, passando por significativas transformações principalmente a partir de

meados dos anos 1980.

As mudanças de paradigmas da História levaram a discussões quanto à prática de

ensino dessa disciplina, o ofício do historiador, tanto pesquisador como também professor,

levou a conclusões que o ensino tradicional precisava ser mudado. Durante muito tempo o

ensino dessa disciplina limitou-se aos fatos políticos, econômicos e sociais, e o espaço escolar

era apenas um lugar de reprodução. A prática do professor é avaliada, assim como sua relação

com os alunos.

Como consequência dessa disputa, houve uma renovação na produção historiográfica

visando ultrapassar as concepções metódicas.

parte-se da compreensão hoje de que o ensino-aprendizagem de História não

pode resumir-se à apresentação e memorização de uma simples enumeração

de datas. Estas são necessárias. Não há ensino de história sem cronologia.

Contudo, a seleção e apresentação de datas devem ser feitas de maneira

contextualizada, tendo em vista a necessidade de localizar o aluno no tempo,

34

a partir de seu tempo e do passado, a fim de que haja compreensão histórica.

(AZEVEDO e STAMATTO, 2010. p.78).

ARAÚJO (2009) defende que o professor necessita ter propriedade do conhecimento

de história adquirido na academia, levando-o para a sala de aula de uma maneira que consiga

transpô-lo didaticamente para que se torne significativo para o estudante. E para que isso

aconteça é preciso levar em consideração a realidade vivida pelo alunado, pois só dessa forma

o professor entenderá como adequar as linguagens e fazer com que os conteúdos ensinados

sejam realmente alcançados e entendidos pelo seu público alvo e, assim, consiga um ensino-

aprendizagem de qualidade. A autora entende que o professor de história:

Deve, portanto, ter como referência a pessoa comum e, a partir dela, articular

no presente as relações multidimensionais próprias da dinâmica do fazer

história: os conceitos de tempo e temporalidade, mudanças/permanências,

continuidade/descontinuidade. Considerar a pessoa no ensino de história

implica tratar os conflitos sociais diários, as lutas, as conquistas, os

costumes, as crenças, as formas de organização social do trabalho, a cultura

popular, etc. Isso não implica, é claro, um abandono dos conteúdos de

História sedimentados na tradição de nossa cultura ocidental, mas, de outra

forma, uma re-leitura desses acontecimentos e realidades passadas, a partir

de um olhar crítico, objetivo também do ensino de história. (ARAÚJO, 2009,

p.8).

Entrevistas orais, fotografia, desenhos, figuras diversas, filmes, textos literários, letras de

música, quadrinhos, charges, visitas a museus e galerias são instrumentos didáticos ou

espaços de aprendizagem recomendados para facilitar o trabalho dos(as) professores(as) de

história que desejam enveredar por um fazer ensino de História dinâmico e plural, capaz de

superar as limitações dos livros didáticos que seguem os princípios teóricos positivistas.

Segundo Araújo (2009) as inovações no ensino de história são introduzidas a partir da

utilização das novas linguagens que, por sua vez, surgem como instrumentos inusitados,

promovendo o destronamento dos métodos e técnicas arcaicas de ensino, denunciadores da

presença dos parâmetros positivistas como principal inspiração no fazer cotidiano das aulas de

História. Todavia, afirma que a utilização dessas novas fontes e linguagens deve surgir por

meio de mudanças significativas nos processos metodológicos. Não adianta a introdução

desses documentos, escritos e não escritos, apenas como ilustração do programa curricular a

ser cumprido. Precisamos dialogar com as fontes/documentos utilizados na sala de aula,

fazendo as devidas análises sobre a natureza, características próprias, quando, por que e por

quem foram produzidos.

35

Buscamos dar um exemplo2 de como um conteúdo poderia ser abordado por um

professor de História que segue os princípios teóricos da escola metódica dita positivista, do

século XIX. Para isso selecionamos o assunto Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que

corresponde ao período marcado com o declínio da Europa e a ascensão dos Estados Unidos

como maior potência mundial. Nesse conteúdo as datas, locais, heróis das batalhas, as causas

e consequências seriam bastante explicados, pelo professor, os relatos de todo

desenvolvimento dos conflitos entre os países seriam narrados detalhadamente e se possível

cópias de documentos oficiais seriam mostrados para os alunos para dar mais veracidade as

aulas, como, por exemplo, os tratados assinados pelos presidentes.

O professor ressaltaria o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do império

austro-húngaro, durante sua visita a Saravejo (Bósnia-Herzegovina). Apresentando esse

evento como o estopim deste conflito, citando que as investigações levaram ao criminoso, um

jovem integrante de um grupo Sérvio chamado mão-negra, contrário a influência da Áustria-

Hungria na região dos Balcãs. O império austro-húngaro não aceitou as medidas tomadas pela

Sérvia com relação ao crime e, no dia 28 de julho de 1914, declarou guerra à Servia.

Toda essa explicação, que marcaria a exposição oral do professor, seria feita de modo

neutro e claro. A exposição da narrativa sem reflexão, deixaria claro para os alunos que o

papel do estudioso da História não seria de julgar o passado.

O professor explicaria também que vários problemas atingiam as principais nações

europeias no início do século XX. Alguns países estavam extremamente descontentes com a

partilha da Ásia e da África, ocorrida no final do século XIX. Alemanha e Itália, por exemplo,

haviam ficado de fora no processo neocolonial. Enquanto isso, França e Inglaterra podiam

explorar diversas colônias, ricas em matérias-primas e com um grande mercado consumidor.

A insatisfação da Itália e da Alemanha, neste contexto, poderia ser considerada uma das

causas da Primeira Grande Guerra.

Ficaria demarcada a restrição da definição dos sujeitos históricos. A história da

Primeira Guerra Mundial seria a história de europeus colonizadores, em guerra pela expansão

da sua influência política, econômica e territorial.

Outro ponto que seria lembrado é que no início do século XX havia uma forte

concorrência comercial entre os países europeus, principalmente na disputa pelos mercados

2 Poderíamos elencar qualquer conteúdo de História (História Antiga – História Medieval – História Moderna –

História Contemporânea) para exemplificar como um professor conduziria em sua aula as explicações desses

conteúdos à luz dessa perspectiva teórica, que estamos tratando. Entretanto, para não ficar repetitiva e cansativa

a leitura, decidimos eleger apenas um conteúdo de um período histórico e mostra-lo detalhadamente.

36

consumidores que gerou vários conflitos de interesses entre as nações. Ao mesmo tempo, os

países estavam empenhados numa rápida corrida armamentista, já como uma maneira de se

protegerem, ou atacarem. Existia também, entre duas nações poderosas da época, uma

rivalidade muito grande. A França havia perdido, no final do século XIX, a região da Alsácia-

Lorena para a Alemanha, durante a Guerra Franco Prussiana. O revanchismo francês estava

no ar, e os franceses esperando uma oportunidade para retomar a rica região perdida.

O professor explicaria para os alunos que com essa disputa acirrada pelo mercado

mundial, foram surgindo os primeiros sinais de que uma grande guerra estaria vindo pela

frente. Os países da Europa começaram a investir em tecnologia de guerra, engrossando as

fileiras do exército. Além disso, foi desenvolvido uma política que ficou conhecida como

―política de alianças‖. Foram assinados acordos militares que dividiram os países europeus

em dois blocos, que mais tarde dariam início à Primeira Guerra Mundial. A divisão colocava

de um lado a Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro, que formavam a Tríplice Aliança, e

do outro a Rússia, França e Inglaterra, compondo a Tríplice Entente.

Todo esse conhecimento teria sido adquirido pelos historiadores mediante o contato

com documentos do estado, a exemplo dos acordos militares assinados pelos chefes de Estado

de países europeus. Pensando-se a partir dos textos, como defendia Coulanges (apud Dosse,

1994, p. 42), a história seria a História dos grandes feitos políticos-administrativos, nos quais

têm espaços as guerras, os eventos militares, sempre liderados por aqueles que passariam a ser

considerados heróis da nação.

Para finalizar sua aula, o professor, explanaria sobre os principais ataques que

aconteceram contra o continente africano e no oceano pacífico, onde havia colônias e

territórios ocupados pelos europeus. Diria também que coube ao Japão invadir as colônias

micronésias e o porto alemão que abastecia carvão, de Qingdao, na península chinesa de

Shandog. Todos esses ataques fizeram com que em pouco tempo a Tríplice Entente tivesse

dominado todos os territórios alemães no Pacífico. No ano de 1917 os Estados

Unidos decidiram entrar na guerra. Eles se posicionaram ao lado da Tríplice Entente, já que

tinham acordos comerciais milionários envolvidos com países como Inglaterra e França. Esta

união foi crucial para a vitória da Entente, o que acabou forçando os países derrotados a

assinarem a rendição.

Todas essas informações acima são importantes para entendermos a Primeira Guerra

Mundial (1914-1918). Entretanto, hoje sabemos que essas informações são poucas, carecem

de outras informações imprescindíveis para compreendermos a história de uma forma mais

ampla, completa, plural, vendo distintas versões e visões, por meio de problematizações

37

maiores, para podermos entender o lado dos vencidos, excluídos. Se o conteúdo ficasse

apenas nessas explicações, os alunos, por exemplo, não saberiam a importância crucial que as

mulheres tiveram durante a guerra, já que eram elas que trabalhavam nas fábricas de

armamentos, também não conheceriam os detalhes das trocas culturais que aconteceram

quando soldados invadiam outras nações, não entenderiam a situação das pessoas menos

favorecidas e todo sofrimento que passaram durante os conflitos para as partilhas da Ásia e

África e de toda fome, doença e escassez que mulheres, homens e crianças tiveram que

enfrentar durante a Guerra.

Apenas os relatos dos vencedores seriam apresentados com mais profundidade e

destaque, um lado apenas seria mostrado, sem existir problematizações, perguntas,

comparações, análises críticas. Aos não europeus, não brancos, não homens e não ricos não

seria dada a voz necessária. Seriam silenciados e excluídos da narrativa, no máximo

apresentados como perdedores, mas não seria mostrada a versão deles, como protagonistas

também, como voz ativa, tendo participação importante para o desenrolar dos conflitos.

Muitos e ricos recursos didáticos, como histórias em quadrinho, filmes, literatura de

cordel, quadros, fotos, esculturas, livros da época, jornais, relatos orais de filhos e netos de

sobreviventes da guerra não seriam apresentados em sala de aula, só seriam apresentados no

máximo cópias de documentos escritos e oficiais. Um pesquisador e professor metódico não

abordaria fontes diversas, pois acreditaria está dando margem a interpretações filosóficas, a

visões diferentes que fugiriam da verdade e isso seria nocivo para o ensino da História.

Aróstegui (2006) nos mostra que essa a historiografia feita pelos metódicos se

estabeleceu através dos documentos e de sua crítica na intenção de transmitir os fatos ―como

realmente aconteceram‖, somente fontes diretas da história eram aceitas. Os historiadores

dessa escola foram denominados de ―metódicas‖ já que sua preocupação número um era de

dispor de um método. Este que se inicia no século XIX quando decidiram se separar

definitivamente das concepções relativas à escrita da história que se baseavam em crônica e

testemunhos deixados por gerações anteriores e sempre se mostraram contra qualquer teoria

ou filosofia.

Além da abordagem dos conteúdos, podemos mencionar a relação professor-aluno que

dependendo da postura teórica seguida pelo professor sabemos que também pode mudar

completamente. As escolhas teóricas sempre afetam as posturas metodológicas. Quem segue

fielmente os princípios teóricos metódicos, por exemplo, não vai permitir que seus alunos

expressem suas reflexões críticas, por achar que elas caminham para um pensamento

38

filosófico e isso afeta negativamente a história, deixando-a extremamente subjetiva. Para os

metódicos a História precisa ser objetiva construída a partir de documentos escritos e oficiais.

Na relação professor-aluno que se baseia em princípios metódicos, é o professor que

conduz o conhecimento e os alunos sem questionar apenas aceitam o que é ensinado como

verdade absoluta, sem existir espaço para a troca de conhecimento e nem de reflexões por

ambas as partes. O professor é tido como a autoridade máxima, detentor de todo

conhecimento e os alunos apenas subordinados que devem seguir fielmente todos os

ensinamentos passados por seu tutor intelectual, principalmente, ensinamentos dos grandes

homens, grandes representantes da nação que são apresentados como exemplos que devem ser

admirados, seguidos. Os protagonistas da História são os representantes da elite, pessoas que

tem dinheiro, destaque social. Diferentes grupos sociais são deixados de lado, não são

visibilizados. Dessa maneira, é possível que o estabelecimento de diálogos entre professor e

aluno seja prejudicado ou mesmo inexistente, pois o que deve haver mesmo são duas grandes

ações: preleção oral do professor e memorização por parte dos alunos.

Barros (2010) lembra que os historiadores metódicos enxergavam os documentos

como ―detentores de verdades absolutas‖ e que a história poderia ser reescrita de forma

objetiva e definitiva, dessa forma estaria estabelecendo um caráter científico a ela. Os estudos

eram voltados apenas para figuras importantes da elite e suas bibliografias relatavam apenas

as histórias de grandes personagens – reis, militares, imperadores, governantes, presidentes.

Diante disso, podemos afirmar que, a compreensão sociocultural dos alunos seria

desprezada, é apenas imposta uma história eurocêntrica distante da realidade deles, uma

história que não faz sentido com seu dia-a-dia, com o contexto social-cultural que estão

inseridos. O ensino não faz ponte entre presente e passado, os conteúdos não são

contextualizados, problematizados, somente narrados.

Nessa relação o aluno não tem voz, não opina, não diz o que sabe previamente sobre o

assunto, não expõe seus desejos de aprender coisas diferentes, não tem oportunidade de

apresentar suas reflexões sobre os assuntos, suas perguntas e dúvidas na busca de respostas

diferentes para a história que lhe é apresentada. O ensino-aprendizagem da disciplina resume

à apresentação e memorização e enumeração de datas, exposta de forma cronológica e linear.

A apresentação das datas não é contextualizada, não localiza o aluno no tempo, a partir de seu

tempo presente com o do passado.

Em uma aula pautada em tais princípios, seria totalmente inexistente a

contextualização histórica. O objetivo do professor é narrar os fatos históricos e o do aluno,

memorizá-los. A autonomia intelectual do aluno simplesmente não é incentivada já que isso

39

pode dar margem a questionamentos filosóficos, subjetividades que não são aceitos. Não é

permitido que o aluno construa significado a partir do que lhe foi passado. O professor não

instiga, não provoca o alunado para que seja ativo na aprendizagem, mas somente pare na

memorização dos eventos. A interpretação é descartada, é desnecessária. ―[...] Em outros

termos, uma abordagem curricular positivista, não visiabiliza a compreensão da realidade

sociocultural da comunidade escolar posto que não há espaço para as relações entre presente e

passado e os conteúdos históricos não têm meios para a contextualização‖ (AZEVEDO e

STAMATTO, 2010, p. 78).

Para os metódicos não existe problematização, construção de hipóteses, releitura de

fatos, reconstrução do passado. Todos os fatos históricos contidos em documentos oficiais são

tidos como detentores de verdades totais e absolutas, seriam uma ―coisa que fala por si‖ que

não podem ser questionadas, mudadas, mas apenas reproduzidas, e toda e qualquer opinião

pessoal do historiador seria irrelevante como afirma (REIS, 2004).

Outra prática metodológica de um professor que com certeza muda de acordo com a

corrente teórica é a forma como ele avalia seus alunos. Um docente metódico em suas

avaliações testa o conhecimento dos alunos no intuito de saber se de fato conseguem

reproduzir as histórias que lhe foi narrada, os nomes dos personagens, os locais, as datas. A

avaliação seria voltada para analisar se o aluno memorizou, gravou o conhecimento. Testes

orais, provas de múltipla escolha, questionários escritos são alguns exemplos de avaliações

cobradas, pois através dessa metodologia o aluno pode expor ao professor o que memorizou.

Geralmente essas atividades são feitas de forma estanque no fim do bimestre letivo valendo a

nota máxima da matéria, na unidade didática.

Avaliar de forma contínua o desenvolvimento e as produções dos alunos não é

objetivo de um professor metódico, pois o mesmo não quer saber se o aluno está produzindo

interpretações próprias, resignificando o conhecimento. A avaliação feita só no fim do

bimestre já é suficiente para esse tipo de professor, já que nela consegue analisar se o aluno

decorou ou não os assuntos explanados em sala.

Nas provas não são cobrados saber se os eles conseguiram ter uma visão crítica,

ampla, questionadora, se de fato interiorizaram os assuntos e conseguiram aplicá-los nas suas

vidas, se sabem relacionar com as suas realidades, nos contextos de vida que estão inseridos.

Não é exigido do aluno que saibam relacionar o passado com o presente, que consigam

interpretar os eventos, vê-los de maneira plural, entendendo suas particularidades, rupturas,

continuidades.

40

Essa perspectiva de ensinar e aprender História passa por mudanças e adaptações que

fazem com que sua influência possa ser vista ainda hoje em práticas de docentes de História,

como bem explicam Azevedo e Stamatto (2010, p. 83-84). Podemos afirmar que as buscas por

adaptações foram resultado dos questionamentos sofridos a partir da expansão dos estudos

teóricos de cunho marxista, como veremos no capítulo seguinte.

41

CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA E PROBLEMATIZAÇÃO DA SOCIEDADE: A BASE

MATERIAL E O PAPEL DOS SUJEITOS HISTÓRICOS

3.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA MARXISTA

Também no século XIX, tem início, na Alemanha, um movimento histórico de cunho

materialista que posteriormente ficou conhecido como marxismo. Assim como os

historiadores da escola metódica que pretendiam fundar uma história científica, afastando-se

completamente de uma história baseada na filosofia, a corrente historiográfica marxista,

mesmo seguindo caminhos diferentes da historiografia metódica, buscava esse mesmo

objetivo.

Karl Marx e Friedrich Engels foram os fundadores dessa corrente de pensamento. Em

um período em que o idealismo hegeliano predominava e se atribuía apenas à vontade dos

pensamentos dos homens a causa dos fenômenos sociais, desprezando assim o papel da vida

material para se explicar a sociedade e a história da humanidade de uma maneira geral. É

justamente nesse momento histórico que estes autores escreviam suas principais obras que

posteriormente se tornariam os fundamentos teóricos dessa corrente, como afirma Aróstegui

(2006).

Marx e Engels decidem seguir um caminho completamente oposto à corrente idealista

e introduzem uma nova concepção sobre a forma de se entender a história da humanidade e,

dessa maneira, se afastam do pensamento filosófico de Hegel.3 É na obra intitulada: ideologia

alemã escrita em 1845-1846 que aparecem as primeiras formulações sobre o Materialismo

Histórico, que só foi publicado um século depois. Outra obra fundamental para se entender a

história marxista é O Capital (1867) através dela o proletariado internacional pode conhecer

as razões de sua miséria e os meios de acabar com ela de maneira revolucionaria. Os

descobrimentos de Marx e Engels permitiram às massas operárias dar uma orientação correta

a suas lutas.

Conforme aponta Aróstegui (2006) o marxismo trouxe uma importante renovação

temática para a historiografia. A historiografia marxista fixou sua atenção em alguns temas

preferidos, as temáticas iam desde as fontes e os métodos, os problemas teóricos e os campos

3 A dialética assume em Hegel o ponto central de seu pensamento e está presente, influenciando, de forma

diversa, uma vez que este método foi incorporado no pensamento de diversos outros pensadores e correntes

filosóficas, entre elas o marxismo e o existencialismo. De certa forma toda filosofia de Hegel é dialética uma vez

que sua filosofia é uma filosofia do devir e essencialmente racionalista – todo racional é real e todo real é

racional. (MARQUES, 2012, p. 5).

42

de pesquisa, até os problemas da revolução francesa. Ela deu também uma grande atenção à

concepção do trabalho histórico, à história das classes baixas, à história das mulheres, do

feminismo etc. O autor afirma que a influência do marxismo tem sido profunda na trajetória

das ciências sociais, particularmente a partir dos anos 30 do século XX e, em especial, nos

anos posteriores à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

É importante ressaltar que Marx e Engels nunca desenvolveram de forma sistemática

um corpo de conceitos, eles foram elaborados de forma desigual por seus sucessores. ―Muitas

das expressões que mais tarde se tornaram conceitos e fundamentos do materialismo histórico,

nem sempre foram enunciados com o objetivo de delinear naquele momento uma maior

precisão conceitual.‖ (BARROS, 2011, p.44). Os conceitos pertencentes à infra-estrutura, por

exemplo, tem sido mais bem elaborado do que os pertencentes à superestrutura segundo

afirma a autora Harnercker (1983).

Karl Heinrich Marx, (1818-1883) era filho de um advogado, nasceu na cidade alemã

de Tréveris, na região renana, em uma família burguesa judia convertida ao protestantismo e

conquistada para o espírito das Luzes. Aos dezoito anos vai morar em Berlim, onde a filosofia

hegeliana dominante exerce uma profunda influência em sua vida levando-o a abandonar o

Direito pela Filosofia. Foi durante algum tempo jornalista-editor da publicação radical

Reinische Zeitung, que foi suprimida pelo governo em 1843. No mesmo ano, Marx foi para

Paris, onde o impacto do pensamento francês e inglês o levou a reexaminar os pressupostos

metafísicos da filosofia hegeliana; fazendo com que as suas próprias ideias acerca da

natureza, da sociedade e da história ganhassem finalmente forma. O jovem Marx põe em

causa a filosofia de Hegel, dialoga com os jovens hegelianos – Ruge, Bauer, Feuerbach – e

concebe os seus primeiros manuscritos – ―Economia Política e Filosofia‖ (1844) e ―A

Ideologia alemã‖ (1845-1846). Em 1884 conheceu Friendrich Engels, e a colocação destes

dois homens no desenvolvimento de uma teoria social e econômica sistemática iria continuar

até a morte de Marx (GARDINER, 1964, p. 153-154).

Friendrich Engels (1829-1895) nasceu na cidade alemã de Wuppertal e faleceu em

Londres. Sua posição econômica privilegiada, como filho de um rico industrial alemão,

trouxe-lhe condições financeiras mais favoráveis do que às de Marx para realizar seu trabalho

intelectual. O período em que assumiu a direção de uma das fábricas da família, em

Manchester, permitiu que acumulasse uma série de observações a respeito da situação

miserável do proletariado inglês, o que pode ser observado já em uma de suas primeiras

obras: A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra (1845) (BARROS, 2011, p.20).

43

Marx e Engels desconsideraram a ideia hegeliana de que a explicação da história está

na ação de forças espirituais. Todos os que defendiam a corrente idealista tais como: teólogos,

filósofos, sociólogos, historiadores etc., viam a consciência, a razão, as ideias políticas,

morais e religiosas, como a força motriz fundamental e determinante do desenvolvimento da

sociedade (HARNECKER, 1983, p.95). Divergindo dessa concepção, esses autores apontam

que o sentido da evolução histórica se encontra na maneira como os homens criam e usam os

instrumentos para produzir os meios de subsistência. Ou seja:

Na Dialética Hegeliana seu ponto de partida é o Espírito, o mundo das

ideias. É a partir do Espírito que se institui o movimento do mundo. [...] A

novidade introduzida foi precisamente inverter o ponto de partida do

processo dialético. Enquanto Hegel o situa no Espírito, Marx o localiza na

Matéria. (BARROS, 2011, p. 40- 41).

Diferente da concepção idealista da história, proposta por Hegel, Marx e Engels

entendem que a história não é explicada a partir das ideias, mas a partir da prática material, e

que as concepções e especulações políticas, morais, religiosas e filosóficas do homem, em

qualquer período da história, só têm significado se forem consideradas como reflexo dos fatos

fundamentais da produção material e dos conflitos entre diferentes interesses econômicos.

O trecho abaixo apresenta nas palavras de Marx, extraídas de sua obra ―A ideologia

alemã‖, as concepções que tinha sobre o materialismo histórico bem como sua clara

divergência em relação à concepção idealista da história:

A filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se da terra para

atingir o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem,

imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento na

imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne

e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo

de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das

repercussões ideológicas deste processo vital. Mesmo as fantasmagorias

correspondem, no cérebro humano, a sublimações necessariamente

resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado

empiricamente e que repousa em bases materiais. Assim, a moral, a religião,

a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência

que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de

autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os

homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações

materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu

pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que

determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira

forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o

indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos

próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a consciência unicamente

como sua consciência. (Marx apud GARDINER, 1964, p.159).

44

Vemos no trecho acima, uma famosa frase de Karl Marx, que diz ―não é a consciência

que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência‖. Esta frase é bem

significativa na definição do materialismo histórico. Entendemos de acordo com a concepção

materialista da história que não são os pensamentos, as ideias; ou seja, não é a consciência,

como propunham Hegel e seus seguidores, que dão sentido à História e que determinam a

vida, mas sim as atitudes concretas, as condições materiais da vida do homem em sua

existência histórica que influenciam a sua consciência em uma determinada sociedade. A

concepção materialista da História segundo Bertrand Russell:

[...] parte da proposição segundo a qual a base de toda a estrutura social é a

produção dos meios para a manutenção da vida humana e, depois da

produção, a troca de produtos; e, em todas as sociedades que já apareceram

na história, a maneira como é distribuída a riqueza e a sociedade dividida em

classes ou ordens, depende daquilo que é produzido, como é produzido, e

como se trocam os produtos. Segundo este pondo de vista, as causas finais

de todas as transformações sociais e revoluções políticas devem procurar-se,

não no cérebro humano, não nos melhores critérios humanos acerca da

verdade eterna e da justiça, mas nas transformações quanto aos modos de

produção e de troca. Devem procurar-se, não na filosofia, mas na economia

de cada período determinado. (Bertrand Russell apud GARDINER, 1964, p.

349).

Para o materialismo histórico o que dá sentido a todas as sociedades são as forças

produtivas e as relações de produção; as riquezas e divisões de classe são frutos das relações

econômicas que acontecem nessa sociedade e, por fim, as transformações e revoluções que se

configuram nela não podem ser explicadas corretamente pela Filosofia, mas sim pela

Economia, pois é ela que determina tudo. São as relações materiais, ou seja, as relações

econômicas que dão sentido à vida social, que determinam a história da humanidade, como

vemos nesse outro trecho que expressa bem essa ideia:

Esta concepção da história tem, portanto como base o desenvolvimento do

processo real da produção, contritamente a produção material da vida

imediata; concebe a forma das relações humanas ligada a este modo de

produção e por ele engendrada, isto é, a sociedade civil nos seus diferentes

estádios, como sendo o fundamento de toda a história. Isto equivale a

representá-la na sua ação enquanto Estado, a explicar através dela o conjunto

das diversas produções teóricas e das formas da consciência, religião, moral,

filosofia, etc., e a acompanhar o seu desenvolvimento a partir destas

produções; o que permite naturalmente representar a coisa na sua totalidade

(e examinar ainda a ação recíproca dos seus diferentes aspectos). Ela não é

obrigada, como acontece à concepção idealista da história, a procurar uma

categoria diferente para cada período, antes se mantendo constantemente no

plano real da história; não tenta explicar a prática a partir da ideia, mas sim a

45

formação das ideias a partir da prática material; chega portanto, à conclusão

de que todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não

pela crítica intelectual, pela redução à ―Consciência de si‖ ou pela

metamorfose em ―aparições‖, em ―fantasma‖, etc., mas unicamente pela

destruição prática das relações sociais concretas de onde nasceram as

bagatelas idealistas. Não é a Crítica, mas sim a revolução que constitui a

força motriz da história, da religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de

teorias. (Marx e Engels apud GONZALEZ, 2011, p. 140).

Para Marx e Engels a sociedade civil nos seus diferentes estágios é o fundamento de

toda a história, para esses pensadores as classes sociais são o que move a História, as lutas

diárias exercidas por elas geram a dinâmica que impulsiona a sociedade a seguir em frente,

pois entendem que esses conflitos geram contradições que ao serem resolvidas proporcionam

mudanças sociais e consequentemente movimento, avanço e dinâmica para as relações

cotidianas. O homem como sujeito social é visto como agente central do processo de

produção social, os homens aparecem na história não apenas como grandes heróis, mas

também como trabalhadores, proletários atuantes, a história é construída por todos os homens

e suas ações diárias que fazem suas revoluções grandes ou pequenas e que, dessa maneira,

exercem a força motriz da história.

Segundo o historiador Ivo dos Santos Canabarro (2008, p. 61-62):

A síntese geral da teoria marxista está em afirmar que as sociedades devem

ser pensadas em sua totalidade, pois consiste em pensar que existem

estruturas que basicamente são formadas por determinadas relações sociais.

O marxismo trabalha com a noção de sujeitos sociais, ou seja, determina o

papel específico que os homens ocupam em uma determinada sociedade,

portanto, estabelece que os homens permaneçam em uma luta constante com

a natureza para poder subsistir. Nesta luta permanente são estabelecidas

determinadas relações, o que se costumou chamar de relações de produção,

pois são cotidianas e todos os homens estão sujeitos a estabelecer, sendo as

sociedades estruturadas a partir delas. Estas relações de produção sempre

correspondem a um estágio evolutivo da própria sociedade, que podemos

denominar de forças produtivas, o que corresponde às formas como a

produção material de uma determinada sociedade está organizada dentro de

uma perspectiva maior que é o modo de produção. É possível afirmar que a

totalidade das relações de produção, constituem a base econômica de

sociedade, portanto, podemos constatar que o marxismo tem uma

preocupação em estudar este fenômeno e também as relações que são

estabelecidas a partir desta estrutura.

É possível afirmar que a dinâmica da história está no conflito entre forças produtivas e

relações de produção e que elas só acontecem por que os homens permanecem em uma luta

constante com a natureza, lutas diárias que todos os homens estão sujeitos a estabelecer ao

46

longo da vida por meio de estruturas que basicamente são formadas por determinadas relações

sociais.

O historiador José Carlos Barros (2011) entende que a ideia de considerar o ―Modo de

Produção‖ como ponto de partida para a análise histórica foi a grande novidade trazida por

Marx e Engels, no que concerne particularmente à sua contribuição para a historiografia.

Barros (2011, p. 48) explica que esse conceito tem passado por várias redefinições devido ao

avanço de trabalhos historiográficos mais específicos, mas devemos entendê-lo inicialmente

como a combinação das ―forças de produção‖ e das ―relações de produção‖ correspondentes a

certo período ou sociedades historicamente localizadas.

Os homens, ao elaborarem a sua produção social, entram em determinadas relações

que são indispensáveis e independentes da sua vontade, relações de produção essas que

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças materiais de

produção. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da

sociedade, que Marx e Engels chamaram de infra-estrutura. Para o marxismo é nela que se

encontram as explicações dos fenômenos sociais da superestrutura, sendo esta entendida

como, as instituições jurídico-políticas e ideológicas de uma determinada sociedade

(HARNECKER, 1983). Em certa fase do seu desenvolvimento, as forças materiais entram em

contradição com as relações de produção, gerando assim uma época de revolução social,

sendo estas contradições que são paulatinamente suscitadas nos diferentes modos de

produção, que farão com que, através do processo dialético, ocorram as mudanças na

humanidade (GARDINER, 1964). Resumidamente, o conflito entre classes, tendo como base

o poder econômico, proporciona a evolução, esta que não segue um curso linear, mas procede,

justamente, pela transformação de uma estrutura para outra estrutura social.

Barros (2011, p. 123) afirma que o materialismo histórico tenta explicar a História em

função de uma ―luta de classes‖, uma luta que determina por entretecer dramaticamente a

história social que se ajusta perfeitamente à história dos modos de produção.

A história de todas as sociedades, até hoje, tem sido a história da luta de

classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos,

membros especializados das corporações e aprendiz, em suma: opressores e

oprimidos estiveram em permanente oposição; travaram um luta sem trégua,

ora disfarçada, ora aberta, que determinou sempre com a transformação

revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes

em conflito. (Marx e Engels apud BARROS, 2011, p.101).

47

José D‘ Assunção Barros (2011, p. 11) explica que o materialismo histórico começou

a ser pensado e organizado visando a possibilidade de se construir uma História que pudesse

contribuir para impulsionar o desenvolvimento humano como um todo, contra o pano de

fundo dos interesses das elites e dos poderes dominantes, contra as desigualdades das classes

sociais. Afirmando que no limite, este paradigma acena com a possibilidade de que a História

seja posta a serviço dos movimentos sociais, das classes socialmente revolucionárias, dos

oprimidos pela própria História, da desalienação do ser humano em múltiplos sentidos,

fazendo com que tivessem consciência do seu importante papel social, apresentando as forças

invisíveis que o estariam aprisionando e determinando, em última instância, seu próprio

destino.

Na concepção do materialismo histórico, os sujeitos da História são os vários grupos

sociais, as massas, as forças sociais que unem os indivíduos. Essa História, sobretudo, dá-se

pelo desenvolvimento dos modos de produção. As classes sociais ocupam sempre uma

posição específica no modo de produção de uma determinada formação social.

Chama-se classes os grandes grupos de pessoas que se diferenciam entre si

por seu lugar num sistema de produção social historicamente determinado,

por sua relação (as mais das vezes fixada e formulada nas leis) com os meios

de produção, por seu papel na organização social do trabalho e,

consequentemente, pelo modo de obtenção e pelas dimensões da parte da

riqueza social de que dispõe. As classes são grupos de pessoas, um dos quais

pode apropriar-se do trabalho do outro graças ao fato de ocupar um lugar

diferente num registro determinado de economia social. (LENIN apud

BARROS, 2011, p. 121).

Sua história – a das classes sociais em confronto, aliança e luta – é ditada por um

ritmo histórico mais agitado ela se agita a partir de eventos, assiste à eclosão de revoluções,

vê-se atravessada por manifestações ideológicas que podem assumir a forma de produtos

culturais específicos. As lutas de classes acontecem nas ruas, nas relações de trabalho, no

confronto cotidiano, mas também por meio de textos, discursos, preconceitos, permanências e

inovações (BARROS, 2011, p.103).

O modo de produção é estrutura e cenário para a atuação das classes sociais,

verdadeiros protagonistas da História, de acordo com as proposições que fundamentam o

materialismo histórico. Karl Marx enfatizava que, a revolução proletária seria responsável

pela transformação do mundo. Nesta, o motor da História é a luta de classes. Portanto, o

homem é o único responsável pelas transformações que ocorrem, isto é, eles fazem a História.

48

Para o autor de O capital, um grupo humano só pode compreender uma

evolução ao empenhar-se no processo de mudança. Por outras palavras, os

homens, apesar de estarem inseridos em estruturas sociais, não são objetos

passivos, mas sujeitos ativos da sua própria história. Portanto, um grupo

econômico transforma-se em classe social através de uma tomada de

consciência. Esta traduz-se por atos: a luta sob a forma de greves, de

manifestações, de revoltas; o voto por ocasiões de eleições; a organização de

partidos, de associações e de sindicatos; a expressão de ideologias – o

liberalismo, o radicalismo, o socialismo, etc. (BOURDÉ e MARTIN, 2003,

p.163).

A História nessa perspectiva é entendida por possuir uma ordem evolutiva racional,

em que as fases sucessivas que a constituem seguem em direção à utopia comunista. ―A

tomada de poder político pela classe operária ou pela classe operária e seus aliados, criariam

as condições que possibilitariam estabelecer as relações ideológicas que permitiriam um pleno

desenvolvimento das forças produtivas, base necessária para o desenvolvimento final do

comunismo‖ (HARNECKER, 1983, p. 150). Os soviéticos eram os sustentadores dessa leitura

de Marx. Para eles, haveria uma ligação profunda entre evolução e revolução no processo de

desenvolvimento: a evolução seria constituída pelas mudanças quantitativas que formariam as

mudanças qualitativas revolucionarias; a revolução viria coroar a série de mudanças

quantitativas evolutivas.

Para o pensamento marxista a revolução constitui a força motriz da história, da

religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de teorias, essas revoluções acontecem por

meio das lutas, greves, manifestações. As revoltas sociais das classes trabalhadoras, de uma

forma geral, são compreendidas pelo materialismo histórico como o motor da História. Marx

mantem a ideia de um sentido da História, de uma finalidade das ações humanas, as relações

de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social. Ao

fim de uma longa evolução, marcada por dolorosas contradições – crises, epidemias,

migrações, guerras etc., –, a História deve gerar uma sociedade comunista de paz e de

abundância. Ou seja, a ordem evolutiva é justamente a evolução das lutas sociais até

culminarem em uma sociedade perfeita (BOURDÉ e MARTIN, 2003, p.158-159). Pelo

conceito de práxis, difundido pelo marxismo, a história teria sua salvação na própria história,

a utopia restaria o tempo passado e presente de infelicidade, e a espécie humana seria imortal

e se aperfeiçoaria, superando a finitude dos indivíduos. ―O marxismo inspira, pela sua

estratégia para solucionar o drama da temporalidade, confiança e esperança. A utopia será

uma ‗cidade feliz‘ humana e histórica, e não uma ‗cidade de Deus‘ ou do Espírito Absoluto‖

(REIS, 2004, p.65).

49

Os trabalhos de Marx e Engels sustentam a ideia de práxis, de uma ação

transformadora do mundo, uma ação revolucionária que busca a utopia comunista. Neste

mesmo sentido podemos também analisar o pensamento de Marx e Engels, quando afirmam

que: ―Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém,

é transformá-lo‖ (Marx apud GONZALEZ, 2011, p. 140). Na verdade, com esta afirmação,

estes pensadores chamam a atenção para os limites da teorização em si, a qual não retém

condições suficientes para promover mudanças na realidade concreta, daí ressaltar a atitude de

intervir no mundo, não reduzir a ação humana à pura contemplação. Em ―A ideologia alemã‖,

Marx e Engels esboçam a materialidade e a objetividade com que concebem o trabalho que

realizam:

As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas;

são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação.

As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições

materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas

quando do seu aparecimento quer das que ele próprio criou. Estas bases são,

portanto verificáveis por vias puramente empíricas. (Marx e Engels apud

GONZALEZ, 2011, p. 140).

Guiado, então, pelo objetivo não apenas de conhecer, relatar e compreender a História,

mas principalmente ―transformar‖, é que o materialismo histórico se constitui como

referencial que compreende a materialidade e a objetividade do conhecimento como

premissas essenciais. ―Não é a Crítica, mas sim a revolução que constitui a força motriz da

história, da religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de teorias‖ (Marx e Engels apud

GONZALEZ, 2011, p. 140).

É importante lembrar que o conceito de práxis não foi criado pelo marxismo. Marx

herda do Iluminismo revolucionário e principalmente do idealismo alemão, de Kant e Fichte,

a ―razão prática‖, a ―práxis‖ a intervenção racional, crítico-concreta no mundo. (REIS, 2004,

p. 64). A práxis deve ser entendida como um conceito que une ―Teoria‖ e ―Ação‖, que remete

respectivamente das palavras gregas: theoria e poiesis. Entre essas duas instâncias humanas

do ―pensamento‖ e do ―fazer‖, a práxis correspondia a uma terceira instância que se relaciona

ao ―agir‖, e mais especificamente à ―ação que se realizava no âmbito das relações entre as

pessoas, a ação intersubjetiva, a ação moral, a ação dos cidadãos‖. Marx traz a práxis para

uma centralidade que se relaciona à possibilidade de transformar conscientemente o mundo

seja por meio da recuperação de uma consciência que deve se aplicar à vida, pela ação

revolucionária. (BARROS, 2011, p.132).

50

Situando o conceito de práxis dentro de uma visão marxista, podemos dizer que esta é

a síntese da teoria e da prática através da ação política (Pimenta apud MEDEIROS, 2006, p.

6). A autora explicita o conceito de práxis a partir da contribuição de Adolfo Sánchez

Vásquez, concebendo-a como uma prática que se faz pela atividade humana de transformação

da natureza e da sociedade, consolidando-se, assim, em uma práxis, em uma atitude humana

diante do mundo, da sociedade e do próprio homem.

3.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS MARXISTAS

A historiografia marxista causou impacto não só nas concepções dos docentes, mas

também nas produções dos livros didáticos de uma forma notável, afetando dessa forma os

conteúdos históricos ensinados em sala de aula, segundo a autora Circe Bittencourt (2011,

p.146): ―no ensino de História, a tendência marxista foi marcante a partir do fim da década de

70 [século XX] e ainda permanece como base da organização de conteúdos de várias

propostas curriculares e de obras didáticas‖.

Antes da influência dessa vertente de pensamento o que se encontrava nas páginas dos

manuais escolares e na oratória dos professores, de uma forma geral, era uma história baseada

nas ideias da historiografia metódica, os fatos e acontecimentos históricos apareciam num

tempo linear e cronológico onde eram explicados exclusivamente por meio da ação de

governantes, apresentando assim uma visão de cima, no sentido de que sempre se

concentravam nos feitos de grandes homens. Toda essa visão se moldava na concepção de um

tempo cuja dimensão era o passado. A história concebida até então, não levava em conta

outros sujeitos sociais que também estavam presentes nas cenas políticas; por meio dessa

historiografia tradicional não se percebiam as rupturas e continuidades presentes no decurso

da história do homem e da sociedade (ARAÚJO, 2009, p. 14).

Segundo mostram as autoras Azevedo e Stamatto (2010, p. 80), ―a linearidade

absoluta da história positivista é flexibilizada na perspectiva marxista, a partir da qual a

história é entendida como ciência da totalidade do real na dinâmica de suas ações, ao mesmo

tempo articuladas e contraditórias‖. Segundo a vertente marxista, entendemos que:

as contradições que paulatinamente suscitaram nos diferentes modos de

produção, fizeram com que, através do processo dialético, ocorressem as

mudanças na humanidade. Em outras palavras, o embate entre classes, tendo

como pano de fundo o poder econômico, proporcionou a evolução.

Embasado num conceito teleológico, tal ideologia advoga que os próximos

51

estádios da humanidade seriam: a instalação de uma ditadura proletária e que

lhe se consubstanciaria no comunismo. (MORAIS, 2006, p.17).

Aspectos dessa perspectiva teórica marcada pelos conflitos sociais e pelas

transformações por que passam os homens em sociedade marcam os conteúdos e o ensino da

disciplina História. Dessa forma, ―os conteúdos escolares foram organizados pela formação

econômica das sociedades, situando os indivíduos de acordo com o lugar ocupado por eles no

processo produtivo‖ (BITTENCOURT, 2011, p. 147). No ensino de História no Brasil,

percebemos claramente a influência dessa perspectiva teórica, um exemplo bem marcante são

os ciclos econômicos conhecidos como: Pau-Brasil, Cana-de-açúcar, Ouro, Café, Borracha e

Industrialização - ciclos que foram caracterizados por alguns historiadores como sendo os que

delimitaram as fases do nosso desenvolvimento econômico-social. Contar a história do país

enfatizando os ciclos econômicos e os conflitos sociais entre as classes dominantes e

dominadas e enfatizando que essas são etapas necessárias para o desenvolvimento da

sociedade só acontece graças à influência da historiografia marxista nas produções didáticas.

Entendemos que Marx e Engels ―introduzem um novo e duplo olhar na História: uma

atenção para a dimensão econômico-social‖ (BARROS, 2011, p.44). A historiografia marxista

segue esse princípio e dá atenção justamente às questões relacionadas a essa dimensão. É por

esse motivo que ao influenciar os conteúdos e o ensino de História o foco que antes era dado

para as dimensões políticas e os grandes feitos de importantes homens passa então para a

dimensão econômica da sociedade, no qual os sujeitos da História não são mais enxergados

nos cenários políticos, mas sim nos vários grupos sociais, nas massas, nas forças sociais

trabalhadoras.

Por entender que os homens são sujeitos de sua história, e, que, portanto, são

eles os únicos responsáveis por romper as correntes que os mantém presos, o

pensamento de Marx se mostra revolucionário. De acordo o autor d‘O

Capital ―os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como

querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas

com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado‖.

(Marx apud ALVES, 2011, p.9).

O marxismo proporcionou uma compreensão maior da realidade social, mostrando os

acontecimentos históricos através de um olhar mais amplo, apresentando-os como um

processo complexo, com diferentes grupos sociais participantes do curso do desenvolvimento

da História da humanidade. Quanto a esses aspectos no ensino escolar, podemos afirmar

conforme Azevedo e Stamatto (2010, p.80) que:

52

se espera que em meio a um processo ensino-aprendizagem de História, os

envolvidos obtenham meios e instrumentos necessários para a análise e

compreensão da realidade social como uma totalidade histórica complexa.

Há assim, possibilidade de percepção da história como processo, o que

permite que o aluno compreenda a humanidade em suas trajetórias e nestas

perceba os mecanismos de diferenciação entre os grupos sociais.

Para o pensamento marxista o motor da história é a luta de classes em que a revolução

proletária é responsável pela transformação do mundo. Marx entende, portanto, que o homem

é o único que pode proporcionar as mudanças sociais. Por outras palavras, os homens, apesar

de estarem inseridos em estruturas sociais, não são objetos passivos, mas sujeitos ativos da

sua própria história, segundo afirmam os autores Bourdé e Martins (2003, p.163). Adaptando

essa ideia para o ensino escolar vemos que a valorização dos homens como construtores da

história é de extrema importância para a formação de um ensino-aprendizado de qualidade de

acordo com as propostas atuais de educação. O marxismo ampliou a identificação dos sujeitos

históricos e das relações sociais. Se pensarmos a adoção desses princípios em uma dimensão

educacional, vemos que ela possibilitou ao aluno ser enxergado e se enxergar como sujeito

construtor da história; o que antes não era possível, pois o aluno era visto apenas como

receptor dos ensinamentos dos professores, pois na visão da história tradicional acreditava-se

que o docente era o único detentor de conhecimento e que o discente era uma ―tábua rasa‖ que

recebia passivamente os conhecimentos. Além disso, o ensino tem se caracterizado pelo

respeito às diversas formas de manifestação social, a partir de uma maior consciência de que

possuem uma identidade própria (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).

Os trabalhos de Marx e Engels sustentam a ideia de práxis que é a união de uma teoria

e uma ação, da união do pensamento e do fazer no qual juntos são responsáveis pela

transformação do mundo. Sob a perspectiva marxista de que o mundo não muda somente pela

prática, mas por uma ação que deve estar unida a uma teoria. Entendemos que a consciência

da práxis tem o poder de influenciar positivamente o ensino de História e a compreensão

histórica de uma forma geral, essa consciência de práxis é fundamental, pois ―compreender

que os homens, à medida que transformando o mundo, transformam a si mesmos, é pensar

historicamente‖ (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).

A reflexão crítica sobre a prática deve ser uma constante no cotidiano escolar. Quando

os profissionais da educação analisam suas ações é natural que seu ofício seja repensado e

aperfeiçoado, no momento em que novas demandas e realidades aparecem. À medida que as

atividades vão sendo realizadas, o profissional deve avaliar sempre se seus objetivos estão

53

sendo alcançados. Ter um referencial teórico bem estabelecido, refletir e trocar experiências

vai garantir que se o exercício da profissão seja realizado com mais segurança.

Nesse aspecto, o professor de História não deve, em suas aulas, ensinar o

conhecimento histórico somente pelo conhecimento e erudição, mas sim

deve dar um sentido àquilo que ele pretende ensinar. O professor de História,

tendo o conhecimento das construções sociais durante os tempos, tem a

capacidade de mostrar que as mudanças no tempo presente são possíveis de

serem realizadas. É importante destacar que, durante as aulas de História, o

professor consiga desenvolver a criticidade dos seus alunos, não somente

sobre o que passou, mas sim sobre o que está acontecendo no tempo

presente. Os mecanismos de dominação devem ser analisados e

compreendidos segundo os seus objetivos, entre estes pode-se destacar: a

mídia; o mundo do trabalho e seus acondicionamentos; as relações entre

empregador e empregado; o poder de persuasão comercial característico da

cultura do capital; o Estado enquanto defensor dos interesses de uma classe

dominante. (JÚNIOR PIVATTO, 2011, p.5).

Em termos mais concretos um professor que segue os aportes teóricos marxistas ao

explicar para os seus alunos o conteúdo histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918),

por exemplo, tenderia a ressaltar os aspectos das transformações socioeconômicas que a

guerra proporcionou a várias nações. Focaria principalmente nos impactos econômicos que a

guerra causou a todos os envolvidos. Deixaria claro para seus alunos que as guerras fazem

parte da história da humanidade e o desenvolvimento da sociedade, pois sem guerras e lutas

de classe as transformações sociais não aconteceriam.

Para a aula ficar mais dinâmica e participativa poderia pedir para os alunos darem

exemplos de lutas de classes e para explicarem como eles acham que essas lutas poderiam

gerar transformações na sociedade, a partir das respostas e do conhecimento prévio dos alunos

trabalharia os principais conceitos e assuntos sempre buscando interagir com a classe e fazer

os alunos se sentirem envolvidos com o conhecimento e instigados a aprender cada vez mais.

O professor perguntaria aos alunos sobre o que eles imaginam ser o imperialismo e em

seguida explicaria o conceito certo para a turma para depois poder enfatizaria que a Primeira

Guerra Mundial foi fruto do imperialismo capitalista e que os países envolvidos nela estavam

procurando benefício próprio e não a justiça social e a igualdade para todos. A guerra visava o

crescimento econômico das nações e o avanço capitalista. Diferente das lutas de classe que ao

final dos conflitos podem gerar transformações para o bem comum, o fim do capitalismo e o

alcance do socialismo, a guerra entre nações, entretanto, é um instrumento do capitalismo e

que acarreta em uma destruição da sociedade e não a harmonia e a paz socialista.

54

Apontaria que a guerra em particular essa guerra foi preparada por duas alianças

imperialistas: a Tríplice Aliança e a Entente. Esses dois blocos imperialistas visavam na

guerra fins de conquista e lucro. Lembraria que o nacionalismo exagerado na política

econômica dos países naquele momento agravaram ao extremo as relações entre as nações,

criando um local favorável aos conflitos militares como meio para uma nova partilha do

mundo e das esferas de influência em proveito dos Estados mais fortes.

Deixaria claro para os alunos a diferença entre lutas entre classes e guerra entre países

que aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial. Afirmando que as lutas de classes são

eventos inevitáveis e necessários para a dinâmica e desenvolvimento do ciclo natural da vida,

mostrando que a história de todas as sociedades, até hoje, tem sido os conflitos entre classes

tais como: luta sob a forma de greves, de manifestações, de revoltas populares, levantes etc,

homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e camponeses, ricos e pobres,

burgueses e proletários, opressores e oprimidos estiveram em permanente oposição; travando

lutas que terminaram sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira. Já a

Primeira Guerra Mundial foi a guerra entre países em que os conflitos eram travados por

grupos da elite, poderosos, nações ricas que almejam cada vez mais lucrar, crescer,

enriquecer, e fortalecer seus interesses capitalistas que visam apenas benefícios próprios que

no final transformaram negativamente outros países principalmente os da África e Ásia. Por

meio dessa comparação mostraria aos alunos que existem conflitos produtivos e outros que

são completamente danosos à sociedade.

Para não deixar a aula tão distante da realidade dos alunos poderia exemplificar o

conteúdo falando sobre as guerras civis que diariamente acontecem e sobre os conflitos e

manifestações sociais por lutas e melhorias sociais que acontecem nas ruas em vários lugares

do nosso País. Explicar sobre a Primeira Guerra Mundial abre a possibilidade de falar sobre

outros conflitos armados e até mesmo os que acontecem diariamente nos bairros por causa do

trafego e varias outras questões estruturais. É possível o professor explanar sobre questões

macro que nesse caso é a primeira Grande Guerra e também sobre questões micro que são

pequenos conflitos que também são gerados por disputa de poder, entre opressores e

oprimidos, entre fortes e fracos, burgueses e proletários etc.

O professor lembraria aos alunos que as classes sociais são o motor da História e não

as guerras, e que somente as suas lutas diárias proporcionadas pelos conflitos de classes

podem gerar o desenvolvimento e avanço necessário para a vida, na medida em que

impulsiona a sociedade a seguir em frente. Tendo em vista que esses conflitos geram

contradições que ao serem resolvidas provocam mudanças sociais e, consequentemente,

55

movimento e avanços para as relações cotidianas, para a ordem correta e natural da vida, com

avanço e desenvolvimento social. Essa ordem correta e natural é justamente a ordem

evolutiva na qual a evolução das lutas sociais em seu estágio final é culminar em uma

sociedade perfeita, igualitária.

Outro importante aspecto que um professor que segue o marxismo diria para seus

alunos é que eles são os agentes sociais e que a história não é só feita por grandes homens,

grandes heróis da nação, mais também por pessoas comuns, trabalhadoras, proletários

atuantes, por todos os homens e suas ações diárias que fazem suas revoluções grandes ou

pequenas e que, dessa maneira, exercem a força primordial da história. E é este homem

enquanto sujeito social é visto como agente central do processo de produção social em que a

evolução histórica se encontra na maneira como os homens criam e usam os instrumentos

para produzir os meios de subsistência e nessas relações econômicas que dão sentido à vida

em sociedade, estas que determinam a história da humanidade.

Para explicar o conteúdo especificamente da Primeira Guerra mundial (1914-1918), é

possível pensarmos que um professor marxista poderia muito bem iniciar sua aula enfatizando

os efeitos do imperialismo para o início da Guerra. O docente possivelmente lembraria aos

alunos que no final do século XIX e início do século XX, o mundo encontrava-se dividido

pelas potências europeias e os Estados Unidos. Não existiam mais territórios sem dono e as

grandes potências brigavam entre si buscando expandir suas áreas de dominação econômica e

política.

Diria que essa competição capitalista estimulou o crescimento de grandes monopólios

(grandes empresas) que passaram a controlar os grandes setores da economia. Tais empresas

queriam crescer e enriquecer cada vez mais. Desejavam matérias-primas (minério, algodão,

cacau), mão-de-obra barata (para trabalhar nas minas com salários reduzidos e lucros para os

patrões) e mercados consumidores. Para conseguir tudo isso as empresas (monopólios)

precisavam investir capital em outros lugares do mundo e criar impérios econômicos

(principalmente em países de economia mais frágil) e, tudo isso, com a ajuda de seus

respectivos governos e esse choque de imperialismos acabou deflagrando a Primeira Grande

Guerra.

Reforçaria para seus alunos que os aspectos econômicos foram imprescindíveis para o

início do conflito que teve proporções mundiais. Explicaria para a turma que os países

imperialistas colonizaram vastas regiões na África e na Ásia e que no começo do século XX, a

indústria alemã estava ultrapassando à inglesa e tanto alemães quanto ingleses não queriam

56

deixar de competir no mercado e para acabar de vez com a concorrência, seus governos

decidiram que uma guerra seria muito bem-vinda.

Outro ponto que um professor marxista não deixaria de explanar para seus alunos seria

sobre a participação dos EUA na Guerra. Lembraria que o país só entrou no conflito por

questões econômicas, pois vendiam alimentos, combustível, produtos industriais e máquinas

para a França e a Inglaterra. O comportamento solidário dos EUA logo se aprofundou,

principalmente quando observamos o empréstimo de recursos financeiros para a guerra na

Europa. Até esse momento, o conflito se transformava em um evento bastante lucrativo e

benéfico para a economia norte-americana.

Com essa mentalidade, os americanos começaram a fazer uma forte campanha a favor

da entrada do país na guerra. Em março de 1917, os alemães afundaram alguns navios

americanos que iam comerciar com a Inglaterra e no dia 6 de abril de 1917, os Estados

Unidos declararam guerra contra os alemães e seus aliados. Em pouco tempo, as tropas

alemãs e austríacas foram derrotadas. Em novembro de 1918, o armistício de Compiègne

acertou a retirada dos alemães e a rápida vitória da Tríplice Entente e fim da Guerra.

Finalizaria a parte expositiva da aula afirmando que até então, essa foi a pior guerra

que o mundo conhecera, foram 9 milhões de mortos e, além deles, famílias inteiras foram

destruídas e crianças ficaram órfãs, os EUA tornaram-se o país mais rico do mundo e o

desemprego aumentou na Europa. Tudo isso caracterizava uma nova fase mundial, era o

início de um novo século.

No que se refere à relação professor-aluno, nesse contexto que estamos elucidando é

fácil imaginar um professor marxista incentivando seus alunos a analisar as características

sociais e as transformações pelas quais passam os homens em sociedade, e, isso, por meio de

diferentes dinâmicas de suas ações em um tempo linear. Ao apresentar diferenças sociais, por

meio dos estudos históricos, o professor reforçaria que o aluno deve se perceber como agente

do processo histórico e que precisa respeitar as diversas formas de manifestações sociais.

Dessa forma, como declaram Azevedo e Stamatto (2010, p.80):

[...] Dessa maneira é que se espera que em meio a um processo ensino-

aprendizagem de história, os envolvidos obtenham meios e instrumentos

necessários para a análise e compreensão da realidade social como uma

totalidade histórica complexa. Há assim, possibilidade de percepção da

história como processo, o que permite que o aluno compreenda a

humanidade em suas trajetórias e nestas perceba os mecanismos de

diferenciação entre os grupos sociais.

57

Conforme aponta Aróstegui (2006) o marxismo trouxe uma importante renovação

temática para a historiografia. A historiografia marxista deu atenção a temas que antes não

eram trabalhados, houve uma ampliação das fontes, dos métodos, dos problemas e dos

campos de pesquisa. Os marxistas deram atenção a questões voltadas ao trabalho, a história

das classes pobres, a história das mulheres, dos operários, das revoluções, entre outros.

É possível imaginar em aula em que o professor se baseia em princípios marxistas ele

enfatizando para toda a turma que são as relações econômicas que dão sentido à vida social,

que determinam a história da humanidade, os sujeitos da História são os vários grupos sociais,

as massas, as forças sociais que unem os indivíduos. Portanto, o homem é o único responsável

pelas transformações que ocorrem, são os homens (humanidade) que fazem a História. A

evolução das lutas sociais até culminarem em uma sociedade perfeita.

Gardiner (1964) explica que quando as forças materiais entram em contradição com as

relações de produção, em um determinado momento da vida, proporcionam uma época de

revolução social, que com o tempo suscitam diferentes modos de produção e

consequentemente mudanças na humanidade, pois Marx acreditava que a sua teoria tornava

possível predizer com segurança a próxima fase – do desenvolvimento da sociedade,

segurança essa que entendia justificar em parte o programa evolucionário que defendia.

Os homens, ao elaborarem a sua produção social, entram em determinadas relações

que são indispensáveis e independentes da sua vontade, relações de produção essas que

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças materiais de

produção. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da

sociedade – a base real em que se estabelecem as superestruturas legais e politicas e que

correspondem determinadas formas de consciência social que são fundamentais para as lutas

politicas e econômicas, segundo aponta Gardiner (1964).

O professor apresentaria uma educação libertadora, buscando gerar nos alunos uma

consciência social, ensinando-os a ter um papel ativo na luta política e econômica, ensinando-

os a se opor às forças, instituições opressoras, ao mesmo tempo em que prepara e contribui

para uma substituição das mesmas, ensaiando-os novos valores, concepções, práticas e

perspectivas e a enxergar diferentes grupos sociais como agentes ativos da história.

Os alunos em uma aula marxista, diferente das aulas metódicas, poderiam se

expressar, tirar dúvidas, questionar, acrescentar conhecimento sobre os temas trabalhados em

sala. As aulas não estariam concentradas apenas no professor, mas os alunos também seriam

peça fundamental para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizado. Os alunos

seriam estimulados a pensar, questionar, a ter autonomia intelectual, seriam estimulados a

58

levar para as aulas seus conhecimentos prévios, suas dúvidas, as aulas estariam livres para

serem dinâmicas e participativas. O professor trabalharia os conhecimentos prévios dos

alunos por meios de questões norteadoras relacionadas com os objetivos da aula. Ao longo

desta, tal conhecimento prévio do aluno seria confrontado com a narrativa histórica

apresentada para, dessa forma, poder aproximar o aluno do conhecimento e situá-lo no tempo

e no espaço por meio da compreensão de um conteúdo que faz sentido com sua vida para com

isso buscar uma educação libertadora focada nos aspectos das lutas políticas e econômicas, na

oposição das opressões.

Ensinaria uma História que pudesse contribuir para impulsionar o desenvolvimento

humano como um todo, contra o pano de fundo dos interesses das elites e dos poderes

dominantes, contra as desigualdades das classes sociais. Mostraria para os alunos que a

História deve ser posta a serviço dos movimentos sociais, das classes sociais, dos oprimidos

pela própria História, fazendo com que tivessem consciência do seu importante papel social.

A forma que o professor avaliaria seus alunos provavelmente seria por meios de

questões voltadas para os processos sócio-econômicos para a explicação da História para,

dessa forma, tentar entender se a turma conseguiu compreender que são os aspectos materiais

que impulsionam o desenvolvimento da vida e conduzem toda a narrativa histórica.

Elaboraria atividades para testar se a turma realmente consegue analisar diferentes

dinâmicas sociais e as transformações que passam os homens em sociedade em diferentes

tempos históricos e contextos diversos. Nas avaliações estariam presentes questões que

problematizam temais sociais e econômicos, dessa forma o professor poderia avaliar

principalmente se os alunos entendem que as lutas de classes são o motor da vida e que as

revoluções é que movem a sociedade e a levam para a utopia de um mundo melhor e perfeito

sem desigualdades.

Ao apresentar diferenças sociais por meio dos estudos históricos o professor reforçaria

por meio de atividades, trabalhos, provas e seminários, entre outros, que os sujeitos históricos

são plurais e que todo o ser humano deve se perceber como agente do processo histórico.

A partir os anos de 1980, tanto a perspectiva originária da escola metódica quanto à

marxista, passaram a ser questionadas, tanto no que se refere à produção historiográfica

quanto em relação à história ensinada, como ressaltam Azevedo e Stamatto (2010, p.80). De

acordo com as autoras,

[...] Essa crise paradigmática caracterizou-se, entre outros aspectos, pela

tentativa de deslocamento da macroistória para a microistória; pela

59

transferência do centro de interesses da pesquisa história das estruturas

abrangentes (economia, sociedade, política) para a pesquisa das pessoas e de

se cotidiano.

Como consequência de mudanças como essas, a produção historiográfica brasileira e o

ensino de História no País passaram por transformações visíveis até hoje em todas as

instituições formativas, tanto no ensino superior quanto na Educação Básica. Como dizia

Caimi (apud AZEVEDO E STAMATTO, 2010, p. 81). O modelo positivista era rejeitado em

bloco e o modelo marxista era rejeitado naquilo que se manifestava como uma leitura

ortodoxa e mecanicista da leitura de Marx. A História passava a experimentar uma produção

amparada nas transformações advindas do movimento conhecido como Escola dos Annales. É

sobre esse aspecto e suas relações com as mudanças no ensino de História que discorremos no

capítulo seguinte.

60

CAPÍTULO 4 – HISTÓRIA RENOVADA: PLURALIDADE E PROBLEMATIZAÇÃO

DO CONHECIMENTO

4.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DO ANNALES

Na primeira metade do século XX, desenvolve-se surge na França, um dos

movimentos mais emblemáticos, significativos e duradouros para a historiografia ocidental,

segundo afirma o historiador José de Assunção Barros (2011) em seu artigo ―A Escola dos

Annales: considerações sobre a História em Movimento‖. No campo historiográfico nascia na

França, em 1929, uma nova forma de pesquisa histórica, convencionada de Escola dos

Annales e que teve a liderança inicial de Lucien Febvre e Marc Bloch, a partir dos seus

trabalhos a História passou a ser interpretada por um novo prisma, oposto à visão apresentada

pela história tradicional ou também conhecida como história metódica ou positivista.

Para alguns estudiosos, essa escola trouxe uma revolução para a historiografia,

rompendo com uma história basicamente factual e política que era, sobretudo, influenciada

pelo positivismo. Com esse rompimento, vale salientar, não significa dizer que os

historiadores dos Annales rejeitaram à história política, elimindo-a completamente e

renegando seu lugar e importância. Le Goff, por exemplo, junto com Duby, ambos

historiadores, ―consideram que a política não é mais a ‗espinha-dorsal‘ da história, no sentido

de que ‗ela não pode aspirar à autonomia‘.‖ (BURKE, 1997, p. 101). Mas, como eles próprios

salientam ela é indispensável para ser estudada, como o fez o próprio Bloch, ―uma nova

história política, uma história total do poder, em todas as suas formas e com todos os seus

instrumentos. [...] é dessa forma o apelo ao retorno da história política, mas uma história

política renovada‖ (LE GOFF, 1993, p. 36).

Os Annales possibilitaram mudanças significativas na forma de compreender a

disciplina de História e, consequentemente, no papel do historiador. Estas mudanças podem

ser observadas, condensadamente, no seguinte quadro:

61

PRINCIPAIS MUDANÇAS IMPETRADAS PELO MOVIMENTO DOS ANNALES

EM COMPARAÇÃO À ESCOLA METÓDICA.

Escola metódica

Movimento dos Annales

Análise dos fatos: história que trabalha as ilusões

de cada época.

Análise dos fatos: história crítica, que trabalha

na dissolução de evidências mostrando os

supostos ocultos, questionando as visões

comuns.

Objeto de estudado: o passado escrito, registrado

em texto, documentações oficiais.

Objeto de estudo: não mais só o estudo do

passado, abre-se portas para o estudo do

presente, e da ―pré-história‖ do homem.

Resultados esperados: história essencialmente

descritiva, narrativa, imparcial e objetiva.

Resultados esperados: história que explora todo

o espaço e dimensões possíveis de seu caráter

interpretativo, agindo na criação de modelos,

hipóteses e explicações globalizadas que

rompam com o limite da história nacional.

Noção de tempo: estudo do tempo curto

(èvènementelle), com a idéia do progresso simples

(linear) e acumulativo.

Noção de tempo: degeneração dos múltiplos

tempos, criação de uma nova noção do tempo e

da duração.

Analise das conjunturas e processos longa

duração. Rechaçando a idéia linear simplista de

progresso.

Relação com as fontes: procura, consciente ou

inconscientemente, neutralidade máxima no trato

da fonte, uma objetividade incondicional.

Relação com as fontes: história que assume

como consciente dando total esclarecimento dos

seus pressupostos e pontos de partida.

Técnicas de apoio: crítica interna e externa do

documento através das ―ciências auxiliares‖

(Diplomática, Numismática e Paleografia).

Técnicas de apoio: iconografia, fotografia aérea,

carbono 14, dendocronologia e o estudo das

séries.

Domínios: história que já estabeleceu seus temas

de estudo limitados pela definição de deu objeto e

fechados em torno de seu objetivo. História que

isola seus problemas e encerra em rígidos limites

cronológicos, espaciais e temáticos.

Domínios: tudo o que é humano pertence à

história; de perspectivas globalizantes, que usa o

método comparativo, que transcende

permanentemente as barreiras cronológicas,

espaciais, temáticas do objeto.

Fontes: documentos escritos. Fontes: história que se multiplica,

recria, inventa e descobre múltiplas fontes e

novos pontos de apoio.

Definição: a ciência do passado. Definição: ciência dos homens no tempo.

Relação com as ciências sociais: história como

disciplina estanque, autônoma e sem ligações

interdisciplinares.

Relação com as ciências sociais: história aberta

para diálogos e intercâmbios com as ciências

sociais.

Fonte: FONSECA (2006, p.7)

62

O grupo dos Annales, composto por uma equipe multidisciplinar, fez uma releitura da

história, apresentando novas abordagens, novos problemas e novos objetos, propondo

problemas e levantando hipóteses, proporcionando uma melhor compreensão do objeto de

estudo comum às ciências sociais.

Incompatível com a ênfase dada pela história política aliada ao Estado, em que narrava

os fatos como ocorreram, de forma imparcial, a historiografia dos Annales se firma como

corrente dominante a partir da crítica à história realizada em seu tempo. Barros (2011) lembra

o que era necessário para o movimento dos Annales se firmar:

Para se firmar como corrente historiográfica dominante na França, e estender

posteriormente sua influência a outros países da Europa e também da

América, os fundadores e consolidadores dos Annales precisaram estabelecer

uma arguta e impiedosa crítica da historiografia de seu tempo –

particularmente daquela historiografia que epitetaram de História

Historizante ou de História Eventual – buscando combater mais

especialmente a Escola Metódica Francesa e certos setores mais

conservadores do Historicismo. Os Annales, em busca de sua conquista

territorial da História, precisavam enfrentar as tendências historiográficas

então dominantes, mas também se afirmar contra uma força nova que

começava a trazer métodos e aportes teóricos inovadores para o campo do

conhecimento humano: as nascentes Ciências Sociais. É contra o pano de

fundo deste duplo desafio que o movimento inicia a sua aventura

historiográfica. (BARROS, 2010, p. 5).

Buscando se firmar como corrente historiográfica dominante na França e

posteriormente estender sua influência para o mundo, os fundadores dos Annales precisaram,

para conseguirem seu espaço, começar a aplicar métodos e teorias inovadoras para o seu

tempo e enfrentar as tendências historiográficas então dominantes. Dessa forma, os

integrantes do grupo em torno da revista dos Annales acabaram por formar uma corrente

teórica, centrados na prática do historiador. Segundo Bourdé e Martin, formaram um

movimento que desprezava a História historicizante ou événentielle (centrada nos

acontecimentos), voltava-se para a análise da longa duração, retirava o olhar histórico da

política e centrando sua atenção para as atividades econômicas, nas organizações sociais e

psicologias coletivas, com o intuito de aproximar a História a outros campos das ciências

humanas.

Aos poucos, o grupo dos Annales foi reconhecido pela seriedade de seus

trabalhos e pela inovação do método histórico, pois estes historiadores se

propunham a defender um novo tipo de história, onde era praticada a

interdisciplinaridade, objetivando uma história problema, defendiam uma

história das sensibilidades, das representações sociais. Aos poucos os

Annales foram conquistando mais adeptos, principalmente os historiadores

mais jovens que acreditavam nas proposições de Bloch e Febvre. Dentre

63

eles, podemos destacar Fernand Braudel, Pierre Goubert, Maurice Agulhon,

Georges Duby e outros. (CANABARRO, 2008, p. 81).

Marc Bloch e Lucien Febvre não entendiam a prática histórica fora do cotidiano, e

segundo Glénisson (1979), recomendavam aos historiadores que ―longe de encerrar-se em sua

torre de marfim, o historiador deverá abrir-se ao mundo exterior, participar ativamente da vida

de seu tempo‖. Esse espírito de renovação, marcou essencialmente a primeira geração dos

Annales, entre os anos de 1930 e 1945. Eles lançaram uma revista com suas principais ideias.

Ela foi intitulada de Les Annales d’Historie Economique et Sociale (Os Anais de História

Econômica e Social), e tinha o objetivo inicial de mostrar para as pessoas uma forma diferente

de se construir o conhecimento histórico, e de contestar os antigos ensinamentos espalhados

pela escola metódica. Com o lançamento do primeiro número desse periódico ficava evidente

que a sua proposta era:

1 – organizar um fórum que promovesse uma discussão entre os

historiadores e cientistas sociais; 2 – questionar a divisão da história em

antiga, medieval e moderna e da sociedade em primitiva e civilizada; 3 –

criar uma comunidade das ciências sociais. A revista também prometia uma

nova forma de construção do conhecimento histórico, ampliando a noção de

fonte documental, permitindo o uso dos documentos escritos e imagéticos ou

não-verbais, como também um diálogo promissor com as demais ciências

sociais. (CANABARRO, 2008, p. 76).

A revista dos Les Annales d’Histoire Economique et Sociale estava sob a direção de

dois historiadores franceses, anteriormente citados, que trabalhavam na universidade de

Estrasburgo, onde tinham encontros diários. A universidade era ponto de encontro de

professores de diferentes áreas, tais como: o psicólogo Charles Blondel, o sociólogo Maurice

Halbwachs, Henri Bremond e os historiadores Georges Lefebvre, Gabriel Le Bas e André

Piganiol, toda esta equipe de professores tinha contatos permanentes, o que os auxiliou na

construção de uma visão interdisciplinar da história, pois diferentes profissionais,

principalmente das ciências humanas, atuavam juntos e colaborando para o sucesso da revista.

Os seguidores das ideias apresentadas pela Escola dos Annales acreditam que a

História deveria ser feita por uma construção do passado, não estando pronta nos documentos,

mas necessitando ser escolhida, analisada e interrogada; e o historiador devendo assim julgar

tais fragmentos a partir do seu conhecimento acerca da representatividade e subjetividade que

fatalmente estaria presente em diferentes documentos estes sendo tidos como qualquer

vestígio deixado pelos homens em diferentes tempos e lugares.

64

Outra importante contribuição da escola dos Annales para os estudos históricos foi não

só a mudança do seu objeto de estudo, mas a ampliação das fontes históricas, proporcionando

uma maior flexibilidade e ampliação dos estudos, gerando infinitas possibilidades de

investigação e trabalhos variados. A partir deste contexto, os ditos excluídos – negros,

mulheres, crianças ganham seu espaço na historiografia. Segundo Tétart (2000, p.109, 110) os

Annales desceram "[...] ao porão da História recusando o elitismo dos assuntos e a prioridade

do acontecimento. A partir de então [...] a extensão da curiosidade do historiador não tem

mais limites [...]".

Como vimos, na geração de Braudel, a história das mentalidades e outras

formas de história cultural não foram inteiramente negligenciadas, contudo,

situavam-se marginalmente ao projeto dos Annales. No correr dos anos 60 e

70, porém, uma importante mudança de interesse ocorreu. O itinerário

intelectual de alguns historiadores dos Annales transferiu-se da base

econômica para a ―superestrutura‖ cultural, ―do porão ao sótão‖ (BURKE,

1992, p.82).

A partir de 1970 os Annales ganharam destaque em todo o mundo ocidental através

de estudos que propunham a inclusão de personagens históricos que antes eram invisíveis,

excluídos e completamente marginalizados, deixados de lado do contexto histórico social.

Tendo em vista que anteriormente os estudos históricos eram dedicados a narrar a história de

grandes ícones da sociedade cristã ocidental que se delineavam a uma trajetória única,

progressiva, em que o protagonista principal era sempre um homem branco, europeu e

burguês, sendo assim um modelo que deveria servir de herói e exemplo para as outras

gerações e nações.

(...) os historiadores da década de 1960 e 1970 abandonaram os mais

tradicionais relatos históricos de líderes políticos e instituições políticas e

direcionaram seus interesses para as investigações da composição social e da

vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres

(HUNT, 2001, p. 02).

A escola dos Annales a partir da década de 1970 ganhou reconhecimento e prestígio

em vários países do mundo através de estudos que contribuíram para o desempenho da

História Social, já que tais estudos visavam a inclusão de uma política que envolvesse tudo

que fosse referente ao ser humano, principalmente, as classes marginalizadas, que por longos

anos foram esquecidas pela pesquisa científica histórica.

65

De acordo com a obra de Burke (1997), os Annales foi um movimento dividido em

três fases: a primeira apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política

e a história dos eventos. Inicia-se em 1929 e vai praticamente até o final da Segunda Guerra

Mundial (1939-1945), sob a orientação de Bloch e Febvre, sendo o trabalho desses dois

historiadores franceses peça fundamental para consolidação da Escola dos Annales. Eles

foram responsáveis pela primeira geração da escola, deram mais importância à história

econômica e social, opondo-se à história tradicional. Esta primeira geração é responsável

pelos diálogos interdisciplinares, consolidando, desta forma, uma nova perspectiva histórica,

pois os historiadores desta geração procuraram aproximar os estudos históricos das demais

disciplinas na perspectiva de entender de forma mais clara a noção de totalidade. Peter Burke,

(1997), descreve as linhas diretrizes do movimento da seguinte forma:

Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos

por uma história-problema. Em segundo lugar, a história de todas as

atividades humanas e não apenas história política. Em terceiro lugar, visando

completar os dois primeiros objetivos, a colaboração com outras disciplinas,

tais como a geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística, a

antropologia social, e tantas outras. (BURKE, 1997. p.11-12).

Um dos objetivos de Marc Bloch e Lucien Febvre era a constituição de uma história

com uma visão global, recusando a história mais fragmentada, pois pretendiam entender o

homem em sua totalidade, e este objetivo era uma das características fundamentais da Escola

dos Annales, pelo menos na primeira e segunda geração.

A segunda fase, não só se opunha às ideias de uma história tradicional, mas já

apresentava conceitos próprios e novos métodos. Correspondeu ao período de 1945 a 1968, na

qual o maior destaque foi das ideias trazidas por Fernand Braudel. Foi ele que prosseguiu com

a direção da Revista dos Annales, mas não estava sozinho nesta geração, embora sua presença

tenha sido fundamental para a sua organização e divulgação a partir do fim da Segunda

Guerra Mundial. Centrou-se mais sobre os conceitos de estrutura e conjuntura, e acabou por

aproximar-se muito, segundo Burke (1997), de uma escola, com novos métodos e propostas

para a constituição de uma História serial e de longa duração.

Sua inovação foi a percepção de profundas e constantes conexões entre tempo e

espaço, história e geografia. É válido destacar que também se trabalhou com a história

quantitativa e com as noções de região e regionalização, com a demografia histórica e com a

história serial, todas estas perspectivas podem ser constatadas nos historiadores desta geração.

66

Mas o historiador com maior destaque foi realmente Fernand Braudel, que conseguiu criar

uma identidade para esta fase dos Annales, segundo afirma Canabarro (2008).

Fernand Braudel mostrou que a História, longe de encerrar-se no estudo dos

acontecimentos, não somente era capaz de individuar as estruturas, mas também se

interessava em primeiro lugar por essa tarefa. Dessa forma, no desenvolvimento de sua

demonstração, também precisou o sentido que os historiadores davam à própria palavra

estrutura. Por estrutura, os observadores do social entendem uma organização, uma coerência,

relações bastante fixas entre realidades e massas sociais (MATOS, 2010, p. 120).

A terceira geração se inicia em 1968, ano marcante para os europeus, pois os

estudantes foram para as ruas protestar sobre todas as formas de conservadorismo que havia

no sistema educacional francês. As mudanças ocorridas após 1968 influenciaram também na

Escola dos Annales, que a partir deste período começou a acrescentar novos direcionamentos

na sua forma de construir a história. Esta geração é bem mais plural e diversificada, contando

com a presença de diferentes e importantes historiadores entre eles algumas mulheres, tais

como: Christiane Klapisch, Arlette Farge, Mona Ozout e Michele Perrot. Os temas, objetos e

abordagens são bem diversificados, contemplando a própria multiplicidade das ideias de

diferentes historiadores (CASABARRO, 2008, p. 91).

Essa geração foi liderada por Jacques Le Goff e Georges Duby, traz uma fase marcada

pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público

leitor. Uma das características marcantes da terceira geração dos Annales é a tentativa de

popularização da história, quando os historiadores escrevem livros com uma linguagem

acessível para ser lidos pelo grande público. Os historiadores saíram das universidades e

foram para os lugares onde o povo se encontrava, participavam dos programas de rádio e de

televisão, na perspectiva de divulgar o conhecimento histórico. Alguns historiadores dos

Annales também escreveram naquele momento para os principais jornais franceses

(CANABARRO, 2008).

A influência da Escola dos Annales na historiografia é decisiva para se pensar nas

novas perspectivas de abordagens, objetos e dimensões que configuram o conhecimento

histórico. Como afirma Peter Burke (1997), a Escola dos Annales é a verdadeira Revolução

Francesa da historiografia.

A diversidade de objetos e abordagens ficou evidente nesta geração, pois o

espírito interdisciplinar dos Annales foi seguido pelos historiadores

interessados nas aproximações com as ciências sociais. A psicologia foi uma

das disciplinas que teve uma grande aproximação, as ideologias, o

67

imaginário social e as mentalidades também podem ser destacados como

dimensões importantes para esta geração. [...] Podemos citar dois grandes

historiadores que trabalham com as mentalidades, que são: Jacques Le Goff

e Georges Duby que estudam com esta dimensão desde o início dos anos de

1960. [...] Nesta terceira geração, as fontes de pesquisa são bem

diversificadas, pois trabalham com as escritas, imagéticas e orais,

introduzindo-se assim novas fontes como a fotografia, o cinema, a pintura, a

arqueologia, os jornais, os inquéritos policiais e demais documentos, todos

considerados como importantes para a construção do conhecimento

histórico. (CANABARRO, 2008, p. 92-93).

A terceira geração acabou por abrir-se aos mais diversos temas e, por isso, foi criticada

pela fragmentação. Para Ronaldo Vainfas (1997, p. 137), é costume se destacar a preferência

por assuntos ligados ao cotidiano e às representações (...) microtemas, portanto, recortes

minúsculos do todo social. Essa centralidade em ―microtemas‖, história da vida privada,

história de gênero, da sexualidade, micro-história, como afirmou Vainfas, foram campos não

apenas abertos pela história das mentalidades como seu próprio refúgio, assim como o

principal elo com a – iniciada após 1988 – quarta geração dos Annales.

A terceira geração dos Annales, sensível como as outras as interrogações do

presente, muda o rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia

histórica‖ e, neste sentido ―o preço a pagar por essa nova readaptação é o

abandono dos grandes espaços econômicos braudelianos, o refluxo do social

para o simbólico e para o cultural. (DOSSE, 1992, p. 249).

De acordo com Azevedo e Stamatto (2010, p.16), essa terceira fase corresponde até

nossos dias, em que diferentes perspectivas e autores encontram espaço de atuação. A partir,

principalmente dos anos de 1970, o que se observa é o surgimento de uma nova orientação

marcada por uma fragmentação teórica a partir das propostas de Le Goff, Le Roy Ladurie e

Pierre Nora e outros. Passa-se a pesquisas sobre novos e por vezes específicos temas:

mulheres, crianças, famílias, entre outros.

A mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se as três

gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. O grupo

ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do

comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos

historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão

vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos

métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboração com

outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à linguística,

da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por

mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das

ciências sociais. (BURKE, 1997, p.126).

68

Os historiadores Jacques Le Goff, Le Roy Ladurie, Robert Mandrou, Jacques Revel

dentre outros, contribuíram bastante nas décadas de 70 e 80 do século XX para a revista dos

Annales, principalmente no que se refere à abordagem cultural que é a marca da terceira

geração dos Annales ou Nouvelle Histoire ou Nova História. Nesta fase a produção histórica

foi avaliada e reelaborada teórica e metodologicamente. A Nova História diferencia-se da

tradicional em seis pontos segundo afirma Burke (1992, p.360): I. o paradigma tradicional diz

respeito somente à história política, a História Nova, preocupa-se com uma história total, onde

tudo é histórico; II. a história tradicional pensa na história como narração dos grandes fatos, a

nova preocupa-se em analisar as estruturas; a tradicional olha de cima, a nova, de cima, de

baixo e de outros ângulos possíveis; III. documentos oficiais são os que interessam ao

paradigma tradicional, o paradigma da História Nova aceita qualquer espécie de documento;

IV. o historiador tradicional explica por meio da vontade do indivíduo histórico, Nova

História preocupa-se com os movimentos sociais; V. finalmente, o paradigma tradicional

considera a História uma ciência objetiva, com dois pressupostos básicos: conhecimento

histórico é verdadeiro; passado é fixo o qual é adquirido através de um método. O paradigma

novo não crê na possibilidade de uma objetividade total.

O grupo ampliou o território da história abrangendo áreas inesperadas do

comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos

historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão

vinculadas à descoberta de novas fontes e do desenvolvimento de novos

métodos para explorá-los. Estão também associadas à colaboração com

outras ciências ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à linguística,

da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por

mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes das ciências sociais.

(BURKE,1997, p. 126- 127).

A Nouvelle Histoire (Nova História) teve uma aproximação com outras ciências

humanas, com a antropologia, a sociologia, a geografia e a economia, para não alongarmos, a

Nova História adotou a narrativa como forma de expressão e, com isso, aproximou-se de um

grande público. Como resultado dessa ―nova forma de fazer história‖ conquistou-se mais e

mais leitores, para temas históricos. Os livros dessa nova fase se concentram nos estudos nos

hábitos, costumes, crenças, rituais, bem como do amor, do sexo, do casamento, da magia, da

religião, da morte, do medo, dos jovens, do poder, da sexualidade, das mulheres, dos negros,

dos indígenas, do mito, entre outros temas.

69

4.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS DA TERCEIRA FASE DA

ESCOLA DOS ANNALES

O ensino de História no Brasil sofreu influência da escola dos Annales em sua 3ª etapa

– a Nova História – no fim do século XX, período em que se formou um público nas escolas

bem maior e mais diversificado, a partir de 1970, passando a exigir dessas instituições

respostas para as suas dúvidas, anseios e inquietações. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010) A

história antes centrada na narrativa dos feitos de homens importantes, dos heróis nacionais,

dos administradores públicos e grandes eventos históricos, nacionais e mundiais, passa a

partir de então, a abrir caminho para uma história que se volta para ensinar questões que se

preocupavam, sobretudo, com a compreensão da realidade social e histórica.

Segundo aponta Barros (2010) os novos tempos começavam a trazer um novo padrão

historiográfico, novas aberturas, retornos e possibilidades, e também incertezas para os

historiadores no que se refere à natureza do conhecimento que produzem e ao papel do

conhecimento histórico na sociedade. Entre os ―retornos historiográficos‖, há a retomada da

narrativa, do político, da biografia, aspectos que haviam sido de, alguma maneira, reprimidos

ou secundarizados pelo padrão historiográfico anterior, e que agora reemergiam com

inesperado vigor.

Entre as novidades, postula-se a possibilidade de examinar a história de acordo com

uma nova escala de observação — atenta para o detalhe, para as microrrealidades, para aquilo

que habitualmente escapa ao olhar panorâmico da macro-história tradicional — e é a esta

nova postura que se passou a chamar de micro-história. Intensifica-se também o olhar do

historiador sobre o seu próprio discurso, e o fazer historiográfico, mais do que nunca, será ele

mesmo um objeto privilegiado de estudo. De igual maneira, o principal das preocupações

historiográficas parece se deslocar para o âmbito da cultura, de modo que a cultural passa a

ocupar uma posição central no grande cenário das modalidades historiográficas (BARROS,

2010, p.4).

Sob a influência desse movimento historiográfico, segundo Azevedo e Stamatto (2010,

p.82), podem ser citados três aspectos característicos com consequentes contribuições para o

ensino escolar: ―perspectiva da história global, noções de múltiplas temporalidades e a

história a partir de questões-problema‖.

A Nova História propõe, neste momento, uma negação das ideias e conceitos criados

por uma história ―parcial‖ que só repetia os feitos de grandes homens, de guerras e

acontecimentos políticos sem questionar esses eventos e problematizá-los. Na crítica pioneira

70

à escola metódica, destaca-se o sociólogo e historiador François Simiand (SIMIAND, 2003)

que não aceitava a ideia de Seignobos (1854-1942) de que o fenômeno social era apenas uma

abstração e defendia a possibilidade de constituição de uma ciência social, além de divergir

com os metódicos nas classificações dos fatos da vida social. Porém, a crítica mais amarga

aos metódicos seria à das fontes. Simiand (2003) descartava a ideia de imparcialidade do

pesquisador, para tanto, afirmava que:

À força de repetir com a escola moderna que a história é uma representação

do passado, exata, imparcial, sem fins tendenciosos nem moralizadores, sem

intenções literárias, romanescas, anedóticas - o que constitui, com efeito,

uma concepção muito superior às concepções e às práticas historiográficas

anteriores - esquecendo-se de sublinhar que ―exato‖ não quer dizer integral

que ―imparcial‖ não quer dizer ―automático‖, que sem fins tendenciosos,

sem preocupações literárias não querem dizer sem preconceitos, sem

escolhas. (SIMIAND, 2003, p. 71-72).

A École des Annales preocupava-se com uma interpretação que se fundamentava em

um trabalho unido com as demais ciências humanas (filosofia, sociologia, antropologia, etc..)

para dessa forma, aumentar as possibilidades de ampliar e conhecer novos campos a serem

estudadas, diversificando o objeto de estudo e uma vez feita a escolha, levantar a

problematização do assunto em questão e do contexto social que está inserido para dessa

forma poder analisar e conseguir uma visão mais ampla sobre o assunto que deve ser

trabalhado.

O programa teórico dos Annales é composto por diferentes propostas que reproduzem

de uma maneira clara os rompimentos para com a historiografia tradicional positivista. Podem

ser citadas algumas características desse movimento historiográfico que influenciam o ensino

de História: a perspectiva da história global ou história total; noções de múltiplas

temporalidades; história a partir de questões-problema e a interdisciplinaridade (BARROS,

2010).

Na perspectiva da história global ou também conhecida como história total, no ensino

da disciplina podemos perceber essa influência de forma definida e clara por meio dos

conteúdos que são estudados a partir da proposta de seleção dos conteúdos por eixos

temáticos. Este que consiste em dar possibilidade de se trabalhar os assuntos da disciplina a

partir de temas que são problematizados a partir da realidade social em que o estudante está

inserido e a partir das experiências de vida dos mesmos, proporcionando assim uma ponte

entre temas antigos e atuais que se relacionam e facilitam a compreensão dos conteúdos,

71

tornando-os mais atrativos, pois o alunado consegue relacioná-los e aplicá-los no seu dia-a-

dia. Segundo as autoras, Azevedo e Stamatto (2010, p. 82).

O estudo da História através dos eixos-temáticos permite que se transite das

partes para o todo e vice-versa, em constante vai-e-vem no tempo e no

espaço, permitindo a compreensão da totalidade do social em suas

contradições, mudanças e permanências e, portanto, na sua historicidade.

É importante lembrar que a história através de eixos-temáticos não pretende fazer da

história uma disciplina que diz tudo, mas que se aprofunda naquilo que diz, esse

aprofundamento proporciona mais clareza já que não se limita a apenas sequenciar alguns

eventos históricos em ordem cronológica e linear, mas analisa diferentes eventos em tempos

distintos vendo assim a influência dos contextos e de toda historicidade por trás dos fatos

históricos.

Muitos livros didáticos de História não seguem a uma história feita a partir de eixos-

temáticos, observamos que apresentam os conteúdos de forma linear e cronológica com fatos

objetivos, cheios de datas e episódios narrados de maneira imparcial, características de uma

história tradicional que dentro dos debates e produções dos historiadores já está ultrapassada,

entretanto ainda é reproduzida nas escolas e ensinada para os alunos. Adotar um

posicionamento crítico nos dias atuais é algo fundamental, não faz mais sentido um professor

não instigar a formação crítica dos alunos, é imprescindível que o professor adote um

posicionamento crítico em suas aulas tanto em relação aos fatos narrados como em relação ao

próprio material, pois mesmo com um material considerado tradicional é possível fazer uma

aula dinâmica e instigante, mesmo com um material didático meramente narrativo, é possível

olhar de forma crítica para a História e para o modo como ela vem sendo escrita ao longo do

tempo e apresentar isso aos alunos.

Dessa forma, entendemos como sendo muito apropriados os questionamentos de Paulo

Miceli:

É possível ser neutro frente à violência da conquista da América? É possível

ser neutro frente ao trabalho escravo? É possível ser neutro frente aos

campos de extermínio nazistas? É possível ser neutro frente ao bombardeio

de Hiroshima e Nagasaki? Ora, é impossível trabalhar esses temas com a

mesma isenção do professor que ensina a regência dos verbos, o que não

significa que este professor e aqueles das demais disciplinas não tenham

compromisso com a educação dos futuros cidadãos. A diferença é que

ensinar História também significa comprometer-se com uma estética de

mundo, onde guerras, massacres e outras formas de violência precisam ser

tratados de modo crítico. (MICELI, 2009, p. 39).

72

Todos nós temos conceitos e preconceitos frente a diferentes assuntos, muitas vezes

que se baseiam pelo senso comum ou por meio de um embasamento sólido construído por

anos de leituras, observações e vivências que possibilitaram chegar a determinadas conclusões

positivas ou negativas. O professor tem o dever de conduzir o aluno a uma aprendizagem

significativa que esteja voltada a formar futuros cidadãos. Como educadores, não devemos

ficar omissos, neutros em meio às questões principais, sejam elas: social, culturais,

econômicas, políticas, como qualquer outra que influencie de alguma forma nossa sociedade,

nosso país, estado ou bairro, essas questões devem ser explicadas em sala para que os alunos

saibam se posicionar, opinar e questionar, é importante trabalhar os conceitos, descontruir

preconceitos, paradigmas. Para isso é necessário que o professor saiba abordar os assuntos e

temas de uma maneira que as questões importantes sejam debatidas de forma crítica e

contextualizada, apresentando e explanando de uma forma que chame a atenção do estudante,

que faça sentido com a sua vida para que assim consiga interiorizar melhor e verdadeiramente

aprender, não como um papagaio que decora e repete, mas de forma consciente, inteligente e

crítica, sabendo questionar os fatos e não apenas aceitá-los como verdades inquestionáveis,

absolutas e perfeitas.

Já a perspectiva de uma História construída por diferentes noções de temporalidade é

possível trabalhar no ensino no momento em que se admite, em um mesmo tempo

cronológico, a existência de diferenciados ―níveis‖ de temporalidade tais como: tempos

biológico, psicológico, cultural, entre outros, nos quais os homens realizam suas vidas,

experimentam e constroem suas histórias. Apreender esse flexível movimento histórico nas

formações sociais ao longo do tempo, é um dos objetivos desafiantes que se impõem aos

professores de História nos dias de hoje. O desafio consiste em não só identificar essas

temporalidades, mas entender que elas influenciam os eventos históricos. É importante

mostrar para o aluno que um determinado evento pode ser relativizado por diferentes nuances,

pois nada é totalmente objetivo, fechado, mas sim construídos por constantes variáveis.

De acordo com a Nova história, o fato histórico passa a ser percebido num

tempo de curta duração, como um momento da conjuntura social; a síntese

dos vários momentos é que forma a conjuntura, que também é de curta

duração e deve ser abordada nos vários aspectos do político, do cultural, do

social e do econômico. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010. p. 82).

73

Em se tratando da perspectiva de uma História-problema, de forma resumida ela pode

ser alcançada no ensino de História pela formulação de perguntas relevantes elaboradas pelo

professor, a partir das quais ele questiona o passado, através da ajuda das ciências sociais. O

melhor caminho consiste em propor, com base em situações problematizadoras extraídas da

realidade social dos alunos, perguntas ao passado, em diferentes épocas e lugares, sempre

orientados por dúvidas e indagações reais. Para que desta forma o ensino da disciplina seja

significativo para os alunos na sua experiência atual, que não fuja da sua realidade para que

possa fazer sentido para ele e fique mais fácil de compreender.

Sabemos que já está ultrapassada a ideia de se estudar toda a história numa perspectiva

progressiva do passado para o presente conforme orientação positivista voltada para uma

história-narrativa. ‗A História-Problema vem reconhecer a impossibilidade de narrar os fatos

históricos ‗tal como se passaram‘. ―Por ela, o historiador sabe que escolhe seus objetos no

passado e que os interroga a partir do presente‖ (REIS, 2004, p. 74).

A História é entendida atualmente como uma construção do passado feita a partir do

olhar do historiador que escolhe o que deseja investigar, que problema pretende tentar

responder para entender o contexto atual que está vivendo e também outros períodos

históricos. É por meio de uma problemática que a história vai sendo construída de forma não

linear e nem narrativa, tendo em vista que o historiador atual compreende que as respostas

para sua pergunta não se encontram prontas em um documento, mas que podem estar

presentes em diferentes vozes e contextos diversos.

Inserida em um contexto de crises paradigmáticas, em que os homens

buscam mais do que nunca, a sua identidade, a nova história toma como um

desafio responder a inquietações do hoje. É uma história-problema que

pretende iluminar o presente e ser uma forma de consciência que permite ao

aluno compreender o contexto atual e, ao mesmo tempo, quando esse detiver

o conhecimento do presente, ter condições de entender outros períodos da

história. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 82-83).

O contexto atual em que vivemos, em um mundo globalizado, com muitos avanços

tecnológicos, culturais, científicos, e em outras tantas áreas, nos são apresentas muitas

informações, estas que circulam rápido por meio da mídia e de diferentes meios de

comunicação. Ter informação não significa ter conhecimento, muitos, hoje em dia acham que

compreendem diferentes temas por estarem cercados de informações, mas uma coisa é

conhecer um fato e outra é compreendê-lo, saber debatê-lo e problematizá-lo. Os alunos

precisam ter condições de entender os dias atuais relacionando com outros períodos da

74

história. Trabalhar em sala a História-problema nos dá essa possibilidade. Dessa forma o

alunado não terá apenas uma informação superficial, mas a compreensão de todo o contexto,

de toda base que envolve o evento, com suas variáveis, suas rupturas e continuidades ao longo

do tempo.

Reis (2004) lembra que para os Annales ―é o problema e não a documentação que está

na origem da pesquisa, isto é, sem um sujeito que pesquisa, sem o historiador que procura

respostas para questões bem formuladas, não há documentação e não há história‖ (REIS,

2004, p. 24). É importante sempre frizar para os alunos que nós somos os agentes da história,

os principais protagonistas, todos os dias construímos nossas histórias, os estudantes precisam

ter essa consciência bem formada, entendendo, sua cidadania, seu papel social e o estudo da

história.

Uma das grandes contribuições da terceira geração dos Annales foi buscar inserir os

―excluídos‖ na história, os personagens e eventos que sempre foram deixados de lado, que

nunca tiveram voz e espaço nas narrativas históricas tradicionais e assim foi que o ensino de

História foi se abrindo para as tendências de abordar novos temas como da história das

religiões, de gênero, da vida privada, da sexualidade, da loucura, que tende a centrar-se nos

estudos culturais das massas anônimas, das questões populares e de um olhar ao indivíduo

como representante de uma coletividade.

Hoje entende-se que a História pode ser feita a partir de todas as fontes capazes de

fornecer informações sobre o passado. Assim, não é mais apenas um documento considerado

oficial que pode trazer ao historiador dados confiáveis acerca do período estudado, mas

também bilhetes, poemas, quadros, moedas, estatuárias, relevos de monumentos, vasos,

roupas, filmes e tantos outros objetos (REIS, 2011).

Essa nova noção de fonte histórica, rompem completamente com a vertente positivista

que reconhecia como válidos somente os documentos oficiais. As ideias dessa corrente

historiográfica vão ser a chave para se abrir um diálogo amplo com a cultura material e, por

fim, ter a noção de que o fato histórico é resultado de uma construção, rompendo com a

hipótese historicista de que os fatos históricos são únicos e que contem verdades absolutas

independente da pesquisa e da escrita do historiador. Atualmente prefere-se reconhecer que

toda historiografia é resultante de uma interpretação crítica que o pesquisador faz de

documentos das mais diversas formas por ele próprio obtidos.

Ao incorporarmos diferentes linguagens no processo de ensino de história,

reconhecemos não só a estreita ligação entre saberes escolares e a vida

75

social, mas também a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de

ensino e aprendizagem. As metodologias de ensino, na atualidade, exigem

permanente atualização, constante investigação e contínua incorparação de

diferentes fontes em sala de aula. O professor não é mais aquele que

apresenta um monólogo para alunos ordeiros e passivos que, por sua vez,

―decoram‖ o conteúdo. Ele tem o privilégio de mediar as relações entre os

sujeitos, o mundo e suas representações, e o conhecimento, pois as diversas

linguagens expressam relações sociais, relações de trabalho e poder,

identidades sociais, culturais, étnicas, religiosas, universos mentais

constitutivos da nossa realidade sócio-histórica. As linguagens são

constitutivas da memória social e coletiva. (FONSECA, 2005, p. 165).

Os conteúdos de história contidos na maioria dos livros não são suficientes para levar

os alunos a uma compreensão mais abrangente e crítica, para entenderem profundamente as

relações culturais, étnicas, religiosas etc., os manuais didáticos são apenas um norte que o

professor tem para conduzir seu ensino. Hoje em dia temos vários recursos disponíveis para

ampliar a discussão sobre temas diversos, no ensino de história existe a possibilidade de o

professor trabalhar com diferentes linguagens, temos a possibilidade de trazer para o ambiente

da sala de aula novas temáticas como a história da infância, a família, as ―minorias‖, a festa, a

moda, a culinária, o cotidiano e as ―mentalidades coletivas‖. E a utilização de novas fontes

documentais em sala de aula contribui para uma melhora tanto da didática, como também, da

relação ensino e aprendizagem, permitindo assim ao aluno perceber que a História é um

processo e, principalmente, que ele e os demais são agentes e não meros espectadores de um

grande filme.

Muitos professores ainda estão presos a uma maneira tradicional se de dá aula, em que

ele explana os conteúdos enquanto os alunos calados escutam as aulas e, no fim do bimestre,

fazem uma avaliação estanque. Depois de tantas pesquisas, debates, entendemos que essa não

é a forma correta para um ensino de qualidade adequado para tornar o alunado crítico,

participativo, interessado e entendido em questões sociais, políticas e culturais,

conscientizando-se de sua cidadania, seus direitos e deveres. É importante que o docente

busque atualização profissional permanentemente, buscando se adequar a um novo público

que deseja um ensino mais ágil, dinâmico e que o prepare para as realidades e contextos que

os cercam.

Para Barros (2010) existem diferentes propostas que ele considera como as principais

características do programa teórico dos Annales que reproduzem de uma maneira clara os

rompimentos para com a historiografia tradicional. Entre essas propostas estão a História-

Problema, que também pode ser chamada de História problemática; a História Global ou

História Total, que não pretende fazer da História uma disciplina que diz tudo, mas que se

76

aprofunda naquilo que diz; a Interdisciplinaridade, que aproximou definitivamente a História

das Ciências Sociais; a nova noção de fonte histórica, rompendo com a vertente positivista

que reconhecia como válidos somente os documentos oficiais, por fim, a noção de que o fato

histórico é resultado de uma construção, rompendo com a hipótese historicista de que os fatos

históricos são verdadeiros e independentes da pesquisa e da escrita do historiador, pois prefere

reconhecer que toda historiografia é resultante de uma interpretação crítica que o pesquisador

fará de documentos das mais diversas formas por ele próprio obtidos.

Barros (2010) entende que são diferentes propostas elaboradas pela escola dos Annales

que vão influenciar completamente o ensino de História. Veremos a seguir através de

exemplos práticos como poderia se configurar uma aula de História em que o professor segue

os princípios renovados.

Ao explicar o conteúdo histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) para os

seus alunos tenderia a dar voz aos excluídos da história e não apenas narrar os acontecimentos

do conflito apresentando exclusivamente questões políticas e grandes homens que

participaram da guerra. Contaria a história de forma crítica, sempre problematizando,

comparando eventos, mostrando diferentes visões, abordando aspectos políticos, sociais,

econômicos e culturais.

Enfatizaria que a Primeira Guerra Mundial foi fruto do imperialismo capitalista e que

isso gerou desastrosas consequências principalmente para os países da Ásia e África, pois

muitas vezes, ignorando a historicidade e as diferenças dos povos de uma mesma localidade,

os imperialistas fizeram com que um mesmo território agrupasse etnias rivais que acabavam

causando grandes conflitos, guerras civis e eventos genocidas de razões diversas. Além disso,

diria à turma que a presença estrangeira queria extrair ao máximo as riquezas naturais dos

espaços colonizados e por causa de toda essa exploração, ainda hoje várias regiões que foram

dominadas naquele período enfrentam miséria e pobreza.

Outro ponto fundamental seria lembrar aos alunos que o imperialismo e a guerra não

só provocou conflitos civis entre nações e tribos e desestabilidade econômicas para os povos

colonizados e afetados pela guerra, mas, também provocou a desarticulação de vários

costumes e tradições que estavam arraigados por séculos entre os povos dominados, e a

justificativa que os colonizadores davam era por se acharem superiores às demais culturas

existentes, os imperialistas perseguiam determinadas práticas culturais que delineavam a

identidade dos povos dominados e achavam que isso era necessário, pois apenas a cultura

deles era rica, pura, verdadeira e importante para ficar na história e influenciar futuras

77

gerações. As segregações e xenofobias eram constantes pelos colonizadores e deixaram

grandes marcas de preconceitos e traumas para os povos dominados.

Para deixar a aula mais participativa e próxima de temas que aconteceram em nosso

País perguntaria se eles sabem explicar sobre a resistência indígena e africana diante de toda a

exploração dos colonizadores durante vários e vários anos em nosso País. Pediria também

para eles debaterem e pensarem sobre os impactos das guerras para o meio ambiente e toda

destruição que é causada e que consequência essas guerras terão a curto e longo prazo nas

sociedades.

Apontaria também ao longo da aula que durante a Primeira Guerra Mundial, as

mulheres foram fundamentais para o desenvolvimento e sucesso da guerra, explicaria à turma

que as mulheres que viviam nos países envolvidos no conflito, passaram a trabalhar fora de

casa, pois os homens estavam nos campos de batalha e que esta foi uma conquista

significativa para elas naquele momento histórico. Os papeis que desempenharam tanto no

campo, quanto na cidade foram com atividades imprescindíveis para a sobrevivência das

pessoas e para que a guerra tivesse êxito.

Ao entrar nesse assunto pediria para os alunos apresentarem seminários sobre as lutas

e conquistas femininas ao longo dos anos em todo o mundo e sobre a situação atual que se

encontram com os novos desafios e problemas. Alguns alunos abordarias as questões do

feminismo, outros sobre as conquistas sociais que as mulheres já conquistaram, também

teriam alunos para falar sobre as questões do aborto, outras sobre as várias formas de

violência que as mulheres enfrentam no seu cotidiano em uma sociedade machista e patriarcal

e por último outros alunos explicariam sobre como as mulheres são vistas pela ótica de

diferentes religiões ao redor do mundo.

O professor ao longo das aulas sobre esse tema dos conflitos mundiais deixaria claro

para os alunos que a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) envolveu a participação de muitos

países e o Brasil não ficou de fora deste contexto e participou enviando medicamentos e

equipes de assistência médica para ajudar os feridos da Tríplice Entente (Reino Unido,

França, Rússia e Estados Unidos) e que também participou realizando missões de

patrulhamento no Oceano Atlântico, utilizando embarcações militares.

Explicaria para a turma sobre a participação do nosso país na guerra e explicar as

consequências que isso gerou para o país é bastante valido, pois é um assusto mais presente e

que interessa os alunos, não algo fora da realidade deles, pelo contrario, é a sua nação que está

sendo mencionada em um contexto histórico tão importante.

78

Levaria para a aula, documentários mostrando o cotidiano das pessoas durante o

período da guerra, mostrando as relações familiares, de trabalho, os campos de batalha, as

questões escolares, as relações de lazer e vários outros pormenores do dia-a-dia para ficar

mais fácil a compreensão desse período histórico, também passaria trechos de filmes tudo isso

com a intensão de elucidar melhor o conteúdo e envolver mais os alunos nas aulas.

Outro ponto importante seria lembrar aos alunos que os benefícios da Primeira Guerra

para a economia brasileira foram gerados porque durante os quatro anos da Primeira Guerra

Mundial, os países europeus envolvidos no conflito voltaram a produção de suas indústrias

para a fabricação de armamentos e equipamentos para os soldados. Desta forma, o Brasil

ficou sem opções para importar produtos manufaturados da Europa. Ricos cafeicultores

brasileiros aproveitaram o momento e investiram capital acumulado nas indústrias,

favorecendo assim a industrialização do Brasil. Explicaria que o Brasil também lucrou muito

exportando matérias-primas para os países em guerra como, por exemplo, exportando muitos

produtos agrícolas como café, cacau e açúcar.

É importante lembrarmos que os conhecimentos prévios dos alunos são extremamente

valorizados em uma aula de História que segue os princípios teóricos renovados. O estudo da

história é feito a partir das experiências de vida do alunado e de problematizações da realidade

social e histórica dos mesmos na busca de encontrar respostas no passado para que dessa

forma, o ensino da disciplina se torne mais significativo e de acordo com as suas vivências e

dúvidas atuais.

O professor por meio de questões norteadoras buscaria entender quais são os

conhecimentos prévios dos alunos para, em seguida, poder confrontá-los com a narrativa dos

eventos históricos, sendo essa uma alternativa de poder aproximar o aluno do conhecimento e

situá-lo no tempo e no espaço por meio da compreensão de um conteúdo que faz sentido com

sua realidade atual. O aluno seria incentivado a participar ativamente da aula apresentando

seus conhecimentos sobre o assunto, fazendo perguntas, tirando dúvidas e ampliando seus

conhecimentos, buscando respostas para as dúvidas presentes em eventos do passado.

Nas aulas o professor sempre vai tentar fazer ponte com o presente e passado,

contextualizando os acontecimentos, correlacionando com a realidade dos alunos. Fazendo

que os mesmos possam fazer reflexões críticas e coerentes sobre suas experiências e

relacionar as suas vivências com os relatos históricos de outros tempos e lugares para que

possam compreender o real, a vida cotidiana do ponto de vista histórico, entendendo os

porquês de determinadas coisas estarem acontecendo, entender as rupturas e as continuidades

79

históricas. O professor vai articular diferentes conteúdos com personagens históricos e

temporalidades, mas sem cair nos anacronismos.

Na relação professor-aluno que se baseia em princípios renovados, não é só o

professor que conduz o conhecimento, mas tanto ele como os alunos tem voz ativa e podem se

expressar em sala e juntos buscarem trazer para o ambiente escolar novos assuntos, dúvidas,

reflexões, questionamentos, problemáticas, tudo que venha a somar e contribuir positivamente

para um ensino de qualidade. Dentro e fora de sala a relação professor-aluno é trabalhada para

que exista espaço para a troca de conhecimento, contextualizações e reflexões por ambas as

partes. Nessa relação o aluno tem voz, opina, diz o que sabe previamente sobre o assunto,

expõe seus desejos de aprender coisas diferentes, tem oportunidade de apresentar suas

reflexões sobre o conteúdo.

O professor renovado incentiva seus alunos a pensar de forma crítica, reflexiva, a

construir o conhecimento, a ter autonomia, a ser cidadãos ativos, conscientes do seu papel na

sociedade, a participarem da política, cultura, esporte, meio ambiente, a preservar o

patrimônio histórico e cultural e artístico, a ter uma visão mais ampla, plural, questionadora

entendendo as diferenças e respeitando-as, compreendendo o tempo não linear, mas um tempo

histórico articulado e contraditório, um tempo complexo, a partir do qual é possível entender a

humanidade em suas trajetórias diversas vendo os diferentes mecanismos exercidos por

diferentes grupos sociais e sujeitos históricos, ativos e construtores da sua própria história. Ao

apresentar diferenças sociais, por meio dos estudos históricos, o professor reforçaria que o

aluno deve se perceber como agente do processo histórico e que ele está construindo todos os

dias a sua história, pois não são apenas os grandes homens que podem fazer isso, mas

qualquer pessoa, independente do sexo, da religião, dos costumes, do lugar de origem ou das

condições sociais.

Nas aulas de um professor renovado os recursos didáticos são os mais variados

possíveis, o leque de possibilidade é gigantesco, as fontes históricas são diversas e plurais,

tais como: mapas, tabelas, quadros comparativos, gráficos, livros didáticos, jornais, histórias

em quadrinho, filmes, quadros, pinturas, literatura de cordel, cultura material, jogos, internet,

etc. Recursos dos mais variados possíveis para instigar a produção do conhecimento dos

alunos e tornar as aulas mais dinâmicas e participativas visando um ensino de qualidade em

que o aluno participa e junto com o professor constroem novos saberes.

As avaliações também são bastante variadas, dinâmicas e executadas diariamente em

sala, não são avaliações estanques que só acontecem no fim do semestre por meio de uma

atividade escrita valendo a nota máxima. São, entretanto, avaliações que levam e conta:

80

participação, atenção, argumentação em debates e em produção textuais, resolução de

atividades escritas e orais, assiduidade, execução das tarefas individuais e em grupo. No

intuito de avaliar se de fato os alunos estão aprendendo o conteúdo e produzindo

conhecimento, não apenas decorando datas, nomes, fatos históricos, já que a ideia

fundamental da aprendizagem é fazer com que os alunos exercitem sua autonomia, que

desenvolvam o olhar crítico, que aprendam a questionar, problematizar e saberem enxergar na

história da humanidade as rupturas e continuidades.

Um importante papel do professor é incentivar os alunos a se perceberem também

como agentes ativos da história, cidadãos que devem respeitar o próximo, que precisam lutar

pelos seus direitos de viver em uma democracia em que o bem estar social é colocado em

primeiro plano para todas as pessoas e os governantes agem de forma justa sem fazer

distinções e sem agir com preconceitos.

81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a graduação muitas vezes aprendemos a distinguir e separar a história

tradicional da renovada. Presenciamos na academia professores ensinando que determinado

autor é de tal linha teórica, que já está superada, e, portanto, nem vale a pena ler. Diante disso,

acabamos, em nossa formação, sem ler muitos clássicos importantes para o desenvolvimento

da disciplina por acharmos que é tradicional demais, ultrapassado e sem nada de interessante

para acrescentar ao nosso conhecimento. Ficamos viciados em pensar que só determinada

linha teórica deve ser estudada. Entretanto, isso acaba resultando em uma formação fraca,

tendenciosa, que carece de embasamento e crítica. Acabamos por colocar barreiras e

separações rígidas entre as correntes historiográficas, quando na verdade existem entre elas

relações e influências. Não é correto dizer que uma determinada vertente historiográfica não

serve, que absolutamente nada dos princípios dela podem ser aproveitados. Entendemos que

uma crítica malfeita é perigosa e que é fundamental para a boa formação de um profissional

de História conhecer pelo menos as principais correntes historiográficas e ter propriedade para

explicar suas escolhas, pois estas irão repercutir no seu ofício e no ensino-aprendizagem, caso

decida lecionar. Não devemos simplesmente dizer que uma ou várias teorias estão

ultrapassadas e que existe apenas outra que deve ser seguida, devemos saber explicar os

porquês de seguir um/uns embasamento(s) historiográfico(s), ser coerente na hora de escolher

e saber também que não é um crime seguir alguns princípios ditos de uma corrente dita

―antiga‖ e para, muitos, ―ultrapassada‖.

Entendemos ser possível, sim reunir princípios de diferentes teorias que sejam

coerentes entre si para elaborar um trabalho mais sistemático e contextualizado dos conceitos

e conteúdos históricos. Pode-se desenvolver, por exemplo, como apontam também outros

pesquisadores do ensino de História, um diálogo teórico entre uma tendência marxista e a

Nova História, por exemplo.

Para que o professor consiga reunir esses princípios de diferentes teorias que tenham

relação e coerência entre si é necessário que domine minimamente pelo menos as principais

concepções historiográficas para poder selecionar e reunir corretamente esses princípios. É

necessário que o professor de História tenha consciência da importância de entender os

princípios epistemológicos de sua área e, dessa forma, saiba os ―porquês‖ em seguir

determinadas concepções historiográficas, no sentido de explicitar para si mesmo,

primeiramente, as características da sua maneira de compreender o ato de ensinar História e,

em seguida, dessa forma, tenha segurança e propriedade para elaborar corretamente seus

82

planejamentos de aulas, sabendo de fato que objetivos de aprendizagem quer que seus alunos

alcancem, através das apresentações de conteúdos que seguem determinadas correntes

teóricas.

Compreendemos que o embasamento teórico-metodológico que um docente segue em

sala sempre muda o direcionamento de uma aula. Seguir determinada corrente historiográfica,

consequentemente, influenciará as práticas pedagógicas desse professor, pois sabemos que

são esses posicionamentos teóricos que vão dar o norte necessário para as escolhas dos

conteúdos, das avaliações e da forma que se estreitará a relação professor-aluno, por exemplo.

Mas sabemos que não é só isso que fará com que uma aula seja produtiva. Como explicamos

acima existem vários elementos que contribuem para o bom funcionamento de uma escola e

do ensino-aprendizagem. Não basta fazer apenas uma parte e esquecer-se das outras. A

educação é um sistema e para ele funcionar adequadamente é necessário um conjunto de itens

estarem funcionando, pois só funcionarão de forma correta e perfeita quando estão

interligados e em perfeita sintonia.

Uma aula produtiva em que o ensino-aprendizado é de fato alcançado, precisa que

juntos estejam funcionando vários elementos, tais como: planejamento prévio das aulas,

domínio dos conteúdos que serão explanados, domínio de classe pelo professor responsável,

uso adequado dos recursos didáticos e das mídias disponíveis, participação ativa dos alunos,

autonomia do professor, saudáveis relações entre professor-aluno, corretas avaliações de toda

prática de ensino e também apoio dos pais e de toda comunidade escolar no intuito de somar e

fazer todo corpo escolar caminhar de forma saudável, pois se a escola não está bem, com

certeza, essas aulas não funcionaram da maneira correta.

O ensino e a aprendizagem são como engrenagens de um carro: se faltar alguma peça

com certeza o carro não andará com a potência que é recomendada. Se algo ficar fora de lugar

o funcionamento nunca será o ideal. Cada peça, cada elemento precisam estar juntos, unidos

para que de fato aconteça um ensino-aprendizagem de qualidade, em que são atingidos todos

os objetivos que foram traçados.

A forma que uma aula é conduzida pode mudar de acordo com o mau funcionamento

de algum desses elementos, a cima citados. Se o professor não planejar adequadamente, não

dominar completamente os conteúdos que vai explicar, não conseguir manter os alunos em

harmonia em sala, não souber usar os recursos didáticos e midiáticos a seu favor para

melhorar as aulas, não conseguir estimular a participação dos alunos, não tiver autonomia e

domínio do seu ofício, não manter relações equilibradas com o alunado, e também não se

auto-avaliar e nem avaliar corretamente seus alunos para ver se de fato conseguiram aprender,

83

com certeza o ensino-aprendizado estará falho, com lacunas a serem preenchidas,

concertadas.

Outro fator importante é existir o apoio de toda comunidade escolar para que a escolar

funcione bem. Dessa maneira, ambiente se tonará mais agradável e prazeroso para as relações

educacionais. Um lugar em que todos cumprem suas obrigações, entendem seus direitos e

lutam por eles é claro que será um espaço em que as práticas de ensino fluirão com facilidade

e os frutos positivos disso serão colhidos.

Assim posso afirmar que, elaborar essa pesquisa, desenvolvida como trabalho de

conclusão de curso (TCC) foi extremamente enriquecedor para a minha formação

profissional. À medida que ia pesquisando e me aprofundando no tema comecei a perceber

muitas deficiências no meu conhecimento historiográfico, não sabia, por exemplo, explicar

conceitos básicos das principais vertentes historiográficas. Hoje, ao termino da pesquisa, já

me sinto uma profissional de História bem preparada, não só no embasamento teórico, mas

também no ensino, como professora, pois consigo escolher melhor as bases teóricas e consigo

aplicá-las em sala de aula para alcançar um ensino-aprendizagem de qualidade. Entretanto, sei

que minha vida acadêmica e de pesquisas não vão parar, uma vez que, a profissão docente

exige de nós uma busca constante, ou seja, não deixamos de ser pesquisadores, pelo contrário,

essa pesquisa me mostrou o quanto devo cada dia mais procurar melhorar meus métodos e

aprofundar meus conhecimentos.

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