15
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5459 O ENSINO DE HISTÓRIA NOS EXAMES FINAIS DA ESCOLA NORMAL DE NITERÓI (1896-1900) 1 Cristiane Kozlowsky 2 No campo da História da Educação, as pesquisas sobre a cultura escolar e os saberes escolares ampliaram as possibilidades de estudo a partir da utilização de fontes diversificadas. O contato com o arquivo da Escola Estadual Liceu Nilo Peçanha, localizado no município de Niterói (RJ), propiciou a oportunidade de ter contato com um número relevante de textos escritos pelos alunos da Escola Normal de Niterói. Os textos estão contidos em exames de diversas disciplinas escolares. 3 Algumas provas são para admissão ao curso normal, enquanto outras são provas finais para conclusão do curso, datadas de fins do século XIX e início do século XX. Diversas indagações surgiram diante do vasto material encontrado no acervo em questão. Afinal, em fins do século XIX, qual era a concepção de História que predominava na Escola Normal de Niterói? Quais eram os conteúdos ensinados relacionados a esta disciplina? Por que alguns assuntos eram abordados e outros sequer mencionados? Quais materiais didáticos serviam de referência para estudar História naquela instituição? Quem eram os professores que ensinavam essa disciplina? Em razão de tais inquietações, a pesquisa de mestrado em andamento toma como foco de interesse a concepção de história presente na Escola Normal Niterói. Ou seja, por meio da análise dos exames finais realizados pelos normalistas ao longo da última década do século XIX, pretendemos compreender qual a concepção de História que prevaleceu no ensino de história daquela instituição. O campo do currículo e os trabalhos de diversos pesquisadores da área constituem-se como um importante arcabouço para a construção da pesquisa. Neste estudo, nosso objetivo consiste em fazer uma breve análise sobre o processo de renovação dos programas da Escola 1 Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de pesquisa para a realização do mestrado. 2 Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal Fluminense. E-Mail: <[email protected]>. 3 Até o momento encontramos exames das seguintes disciplinas: Álgebra; Aritmética; Geometria; Português; Literatura; Geografia; Moral e Cívica; História Universal; História do Brasil (ou História Pátria); Corografia do Brasil e Cosmografia; História Natural (História Natural e Química a partir de 1898); Química (a partir de 1900); Física; Francês; Pedagogia (às vezes aparece junto com a matéria de Metodologia); Metodologia; Música; Caligrafia e Desenho; Costura/ Trabalhos de agulha; e, Agronomia e Economia Rural.

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS EXAMES FINAIS DA ESCOLA … · E-Mail: . 3 Até o momento encontramos exames das seguintes disciplinas: Álgebra; ... proclamação

Embed Size (px)

Citation preview

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5459

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS EXAMES FINAIS DA ESCOLA NORMAL DE NITERÓI (1896-1900)1

Cristiane Kozlowsky2

No campo da História da Educação, as pesquisas sobre a cultura escolar e os saberes

escolares ampliaram as possibilidades de estudo a partir da utilização de fontes

diversificadas. O contato com o arquivo da Escola Estadual Liceu Nilo Peçanha, localizado no

município de Niterói (RJ), propiciou a oportunidade de ter contato com um número

relevante de textos escritos pelos alunos da Escola Normal de Niterói. Os textos estão

contidos em exames de diversas disciplinas escolares.3 Algumas provas são para admissão ao

curso normal, enquanto outras são provas finais para conclusão do curso, datadas de fins do

século XIX e início do século XX.

Diversas indagações surgiram diante do vasto material encontrado no acervo em

questão. Afinal, em fins do século XIX, qual era a concepção de História que predominava na

Escola Normal de Niterói? Quais eram os conteúdos ensinados relacionados a esta

disciplina? Por que alguns assuntos eram abordados e outros sequer mencionados? Quais

materiais didáticos serviam de referência para estudar História naquela instituição? Quem

eram os professores que ensinavam essa disciplina?

Em razão de tais inquietações, a pesquisa de mestrado em andamento toma como foco

de interesse a concepção de história presente na Escola Normal Niterói. Ou seja, por meio da

análise dos exames finais realizados pelos normalistas ao longo da última década do século

XIX, pretendemos compreender qual a concepção de História que prevaleceu no ensino de

história daquela instituição.

O campo do currículo e os trabalhos de diversos pesquisadores da área constituem-se

como um importante arcabouço para a construção da pesquisa. Neste estudo, nosso objetivo

consiste em fazer uma breve análise sobre o processo de renovação dos programas da Escola

1 Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de pesquisa para a realização do mestrado.

2 Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal Fluminense. E-Mail: <[email protected]>.

3 Até o momento encontramos exames das seguintes disciplinas: Álgebra; Aritmética; Geometria; Português; Literatura; Geografia; Moral e Cívica; História Universal; História do Brasil (ou História Pátria); Corografia do Brasil e Cosmografia; História Natural (História Natural e Química – a partir de 1898); Química (a partir de 1900); Física; Francês; Pedagogia (às vezes aparece junto com a matéria de Metodologia); Metodologia; Música; Caligrafia e Desenho; Costura/ Trabalhos de agulha; e, Agronomia e Economia Rural.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5460

Normal de Niterói durante os anos finais do século XIX com o intuito de compreender por

qual motivo ampliou-se o espaço da disciplina História no currículo da instituição. Para a

realização deste trabalho, utilizaremos como fonte de pesquisa as grades curriculares da

Escola Normal de Niterói dos anos de 1892, 1893 e 1900. Além disso, parte dos conteúdos

disciplinares serão analisados através de alguns exames finais de História do Brasil e de

Metodologia,4 realizados pelos normalistas.

O processo de renovação dos programas da Escola Normal de Niterói nos anos de 1892,

1893 e 1900 será analisado a partir da perspectiva em que o sentido dado a programa de

ensino aproxima-se da ideia de currículo, no que se refere à distribuição das disciplinas

escolares com objetivos de ensino e aprendizagem. Encontramos em outros pesquisadores a

referência ao termo currículo para tratar do processo de escolarização brasileiro no século

XIX (SOUZA, 2000, p. 9-28). Feitas estas observações, aqui, programa de ensino e currículo

terão sentidos semelhantes sem o receio de utilizar conceito/ideias de uma época para

analisar os processos históricos de outro tempo.

A Escola Normal de Niterói no contexto da educação nacional

O Ato Adicional de 1834, por meio das alterações promovidas no texto da constituição

imperial, conduziu ao estabelecimento das primeiras escolas normais. A partir da criação do

Município Neutro com a separação entre a corte e a Província do Rio de Janeiro, a autonomia

provincial foi ampliada. As mudanças aprovadas refletiam o novo cenário político do Brasil.

Naquele momento, sem a intervenção do poder régio, as tendências políticas presentes,

representadas pelas alas liberal e conservadora, disputavam o poder. Enquanto os

conservadores defendiam o modelo da monarquia constitucional e as suas diretrizes políticas

centralizadoras, os liberais consideravam que os poderes régios deveriam sofrer limitações.

Neste sentido, as províncias deveriam ter maior autonomia.

Após alguns meses da reforma constitucional de 1834, por meio da Lei nº 10

(04/04/1835), a Província do Rio de Janeiro foi a primeira a implantar uma Escola Normal

no Brasil. Segundo Leonor Maria Tanuri, “o modelo que se implantou foi o europeu, mais

especificamente o francês, resultante de nossa tradição colonial e do fato de que o projeto

nacional era emprestado às elites, de formação cultural europeia” (2000, p.63).

De acordo com Heloísa Villela (1990), o currículo previsto pela lei que criou a Escola

Normal da Província do Rio de Janeiro era mais extenso que o proposto pela lei de Instrução

4 Há uma questão na Prova de Metodologia que versa sobre o Ensino de História.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5461

Pública do Império do Brasil. As escolas de primeiras letras do Império tinham como objetivo

ensinar apenas a ler, escrever, contar e transmitir a doutrina católica, ou seja, a instrução era

vista como um fim: ficar em condição de igualdade com as ditas Nações civilizadas. Ao passo

que, no caso da Escola Normal de Niterói, a educação era vista como um meio para propagar

ideologias e obter um consenso para o fortalecimento da hegemonia do grupo dirigente. A

valorização do ensino da língua nacional, da lógica (ensino de aritmética e geometria) e dos

conhecimentos geográficos – sobretudo do território nacional – de antemão evidenciavam o

uso da educação como um recurso para se alcançar tal objetivo.

As limitações de conteúdo e a insistência em métodos pouco frutíferos tornaram

apático o ensino nas primeiras escolas primárias do Brasil. No decorrer dos primeiros quatro

anos de funcionamento, a Escola Normal fluminense formou apenas treze professores e

acabou por ser extinta em 1849 (VILLELA, 1990, p. 173-176). De modo geral, as Escolas

Normais criadas pelas diversas províncias tiveram sua trajetória marcada por incertezas e

adversidades. O contínuo processo de abertura e fechamento levou tais instituições à

decadência e ao descrédito.

Após a proclamação da República uma nova constituição foi promulgada em fevereiro

de 1891. A Carta Magna, embora apresentasse um número maior de dispositivos sobre

educação, não contribuiu com nenhuma modificação em relação à Escola Normal. A

instrução primária e profissional foi mantida sob a responsabilidade dos, agora, estados e

municípios.

Benjamin Constant – propagador das ideias do positivismo no Brasil – logo após a

proclamação do novo regime, em 1890, exerceu funções importantes no recém-criado

Ministério dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O conjunto de decretos

que compõem a significativa reforma conhecida como Reforma Benjamim Constant priorizou

a educação, sobretudo, os estabelecimentos mantidos pelo governo federal na capital da

República. Tais modificações procuravam abarcar o ensino primário e secundário, dando um

caráter cientificista à educação. Além de demonstrar preocupação quanto à formação e à

qualificação do corpo docente dedicado ao magistério primário. No entanto, a tendência

cientificista e positivista da época não parece marcar o ensino da Escola Normal de Niterói,

pois, de acordo com Heloísa Villela:

Até o final do século [XIX] sucederam-se pequenas reformas na Escola Normal que não mudaram em essência o caráter das disciplinas do curso. Num momento fortemente marcado pela tendência cientificista e positivista, não identificamos na escola de Niterói essa influência que tão nitidamente pode ser percebida na escola de São Paulo e, sobretudo, na do Rio de Janeiro, sob a influência de Benjamin Constant. Isso não quer dizer que

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5462

embates não tenham ocorrido em torno das questões curriculares e, até mesmo, sob o sentido de se manter tal instituição, uma vez que havia outra congênere tão próxima, pois a da Corte havia sido inaugurada em 1881 (2000, p. 113).

O destaque dado à aprendizagem como solução para propagar conhecimentos e valores

levou ao centro da cena as práticas escolares e a relação professor-aluno. Ocorreram

alterações no espaço físico das escolas, além da intensificação na utilização de materiais

didáticos e o estímulo à produção de uma literatura escolar nacional.5 Neste sentido, o

currículo deveria exaltar a educação do corpo e da alma dos alunos e não ser voltado apenas

para conhecimentos básicos – no caso, leitura, escrita, cálculo e ensinamentos sobre o

catolicismo. Para tanto, era necessário ampliar a variedade de matérias e complexificar os

temas abordados. Além das inovações incorporadas ao ensino da leitura e da escrita –

essencial para o aprendizado – no tocante à disciplina de História do Brasil, seu estudo

ganhou autonomia, ampliou-se e tornou-se obrigatório.

O Ensino de História nos programas e nos conteúdos dos exames finais da Escola Normal de Niterói

A história das disciplinas escolares é marcada por tensões e disputas entre diversos

grupos que, em fins do século XIX, em geral, eram compostos por políticos e intelectuais.

Evidentemente, a história do ensino de História não é diferente. O processo de construção do

Estado nacional trouxe à cena questões ligadas à escolarização da população. As divergências

sobre o que era importante para ser ensinado ao futuro cidadão geraram enfrentamentos

entre grupos próximos às esferas do poder educacional. Neste contexto, o ensino de história

passou a ser objeto de inúmeras disputas, dentre as quais, destacamos: história sagrada

versus história laica; história humanista versus história científica; história universal versus

história nacional.

As experiências de ensino/aprendizagem da disciplina História vivenciadas por alunos

e professores, a quem foi atribuída a responsabilidade incutir, difundir e formar a

nacionalidade brasileira nos dão pistas que ajudam a construir um mosaico sobre a história

da História como conhecimento escolarizado. Compartilhamos com André Chervel a

perspectiva de que os conteúdos de ensino são

5 Citamos alguns exemplos da produção brasileira de literatura escolar: livro de leitura com lições de português, história e geografia com autoria de Olavo Bilac e Manoel Bomfim intitulado Através do Brasil; nesta mesma perspectiva Júlio Lopes de Almeida escreveu Histórias da nossa terra; e Silvio Romero (1890) A História do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5463

entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes numa certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem dever nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história (1990, p.180).

As teorias críticas do currículo elaboraram uma inversão nos fundamentos das teorias

curriculares tradicionais. Enquanto os modelos tradicionais limitavam-se a analisar apenas a

atividade técnica de como fazer o currículo, as teorias críticas, ao questionarem o status quo,

enfatizando as injustiças e desigualdades sociais, tomaram para si a missão de construir um

arcabouço teórico para “desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o

currículo faz” (SILVA, 2015, p.30). Os estudiosos da área debruçaram-se sobre a tarefa de

denunciar o papel da escola e do currículo na reprodução da estrutura social. Duas correntes

destacaram-se como influentes no campo da teoria curricular crítica: a Sociologia do

Currículo, com origem nos Estados Unidos da América, e, a Nova Sociologia do Currículo,

com origem na Grã-Bretanha.

Jean-Claude Forquin destaca a fecundidade e a originalidade dos aportes teóricos da

sociologia crítica, demonstrando a importância das pesquisas de estudiosos como Michael

Young e Basil Berstein. Contudo, o pesquisador do campo do currículo aponta “uma certa

fragilidade no plano da validação empírica e talvez uma certa falta de perspectiva histórica”

(FORQUIN, 1992, p.40). Neste aspecto, a história das disciplinas escolares pode ser uma

importante ferramenta para ampliar o entendimento dos currículos educacionais e desbravar

novos caminhos de pesquisa. Segundo Forquin,

É por isto que se pode considerar que trabalhos sócio-historiográficos como os conduzidos na França por Chevel ou na Grã-Bretanha por Ivor Goodson abrem verdadeiramente caminhos novos à reflexão sociológica sobre o currículo, as matérias escolares, os conteúdos e as práticas de ensino (1992, p.40)

A partir das reflexões de Ivor F. Goodson, compreendemos que “o currículo escrito é o

testemunho público e visível das racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das

práticas escolares” (GOODSON, 1992, p.20). Neste sentido, o currículo não é um dado

atemporal, mas uma construção social atravessada por disputas. Tais disputas podem ser

externas, isto é, ligadas a questões políticas e sociais ou podem ser internas, ou seja,

derivadas do interior do campo científico e/ou profissional – comumente relacionadas às

questões teórico-metodológicas.

Nas propostas educacionais brasileiras realizadas no decorrer das primeiras décadas do

século XIX, frequentemente, o ensino de História estava vinculado ao ensino de Geografia.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5464

Além disso, a matéria História ora estava subordinado à moral religiosa, ora coexistia com a

História Sagrada (BITTENCOURT, 1993, p.195-196). Paulatinamente, nos anos finais do

Oitocentos, a disciplina História ganhou autonomia, pois passou a ter uma relação direta na

constituição da identidade nacional. Neste contexto, o ensino de História Universal, que

antes predominava nos programas quanto ao tempo de estudos, passou a dividir espaço nas

grades curriculares com a História Pátria.

Em fins do século XIX, a História esteve presente no currículo da Escola Normal

fluminense.6 No entanto, ao longo das reformas que aconteceram nos anos de 1892, 1893 e

1900, ocorreram algumas transformações que consideramos relevantes para este estudo. Do

mesmo modo, por tratar-se de um momento importante para a consolidação do processo de

escolarização no Brasil, as instituições escolares, dentre as quais as Escolas Normais,

passaram por modificações.

As frequentes aberturas e fechamentos das Escolas Normais e Liceus do período

imperial, em razão da falta de alunos, da descontinuidade administrativa, dos problemas de

infraestrutura, dos baixos salários e de tantos outros motivos, revela-nos a pouca ou a

ausência de compreensão com relação à necessidade de uma formação específica para os

professores das primeiras letras. Como aponta Tanure (2000, p.65), alguns presidentes de

Província e Inspetores de Instrução rejeitaram tais instituições como instrumento para

tornar os docentes mais bem preparados para o exercício da profissão.

Em muitos casos, não foram criadas escolas normais exatamente, mas, sim, um curso

normal ligado ao Liceu pelo acréscimo de uma cadeira de Pedagogia ou, no máximo, duas

cadeiras, uma de Pedagogia e outra de Metodologia (ALVES, 1997; VILLELA,2002). 7 A partir

desta solução econômica e que aligeirava a formação dos professores, a criação das escolas

normais públicas foi acomodada ao ensino secundário ministrado nos Liceus. De fato, as

duas escolas “acabaram influenciando-se mutuamente, ao mesmo tempo em que foram se

configurando como escolas distintas” (KULESZA, 1998, p.63).

Em 1892, a Escola Normal de Niterói foi fechada e a formação de professores passou a

ser realizada no Liceu de Humanidades onde criou-se uma cadeira de Pedagogia. Ao

6 ECAR, Ariadne Lopes. Conhecimentos pedagógicos como orientação para a “missão docente”: a formação na Escola Normal de Niterói na Primeira República (1893-1915). 2011. Dissertação de Mestrado – UERJ, Rio de Janeiro, 2011. p.88-89; 91-92; 97-99. Comparamos as grades curriculares dos anos de 1892, 1893 e 1900, disponíveis nesta dissertação de mestrado. Até o momento da pesquisa, ainda não tivemos acesso à coleção de leis do século XIX que se encontra na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).

7 No período imperial, a Escola Normal de Niterói, o Liceu de Artes Mecânicas e a Escola de Arquitetos Medidores passaram a compor o Liceu Provincial. Foi mantida uma cadeira de Pedagogia para formar os professores. Esta experiência durou pouco tempo e após o fechamento do Liceu a Escola Normal ficou inoperante por mais de dez anos.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5465

observarmos a grade disciplinar de 1892, percebemos que as disciplinas de História e

Geografia eram oferecidas em conjunto durante os dois primeiros anos do curso. Para fins

comparativos, notamos que a disciplina Instrução Moral e Cívica esteve presente no

programa de 1892 durante os quatro anos de duração do curso, enquanto o ensino religioso

estava ausente na grade curricular. A intenção de substituir a moral religiosa pela moral de

natureza cívica parece ser o motivo de o ensino da disciplina Instrução Moral e Cívica ser

contemplado em todos os anos letivos.

Para a cidade de Niterói o início do período republicano foi conturbado em decorrência

do impacto da Revolta da Armada8 em seu território. A destruição foi tão grande que em 1894

a capital do estado passou a ser a cidade de Petrópolis. Somente em 1903, Niterói retomou o

título de capital. O prédio que abrigava a Escola Normal não teve condições de continuar seu

funcionamento e o ano letivo de 1893 foi cancelado.

No mesmo ano, 1893, foi publicada a Lei nº 41 que organizou o ensino público do

Estado do Rio de Janeiro. A Escola Normal de Niterói teve suas atividades restabelecidas e o

curso normal passou a ter duração de três anos (ECAR, 2011, p.85). As disciplinas de

História Universal e História do Brasil estavam presentes na grade curricular de 1893 como

um bloco único, porém, diferentemente da grade de 1892, o Ensino de História estava

separado do Ensino de Geografia e constava como matéria do segundo ano da Escola Normal.

No tocante à disciplina de Instrução Moral e Cívica, observamos a redução pela metade

do tempo dedicado ao seu estudo, ou seja, de quatro anos a disciplina passou a ser oferecida

nos dois anos finais do curso. A educação patriótica fundamentada pelos valores morais

estava estreitamente relacionada com a história e a geografia. O Ensino de História,

sobretudo o de História da Pátria, era considerado um instrumento para a aprendizagem de

outras disciplinas, como afirmava uma normalista em 1898:

A história é útil não só como elemento de educação, como também por cultivar efficazmente a memoria, a razão, a consciência e a vontade, e constitui um dos mais poderosos auxiliares que se pode dar na eschola primaria ao ensino cívico e ao da língua materna.9

Para construir o Estado-nação, modernizar a sociedade dando tons de civilidade e

incentivar o progresso, a escola passou a ser uma aposta certeira. A instrução primária e a

8 A Revolta da Armada – teve duração de seis meses entre os anos de 1893 e 1894 – foi liderada pela marinha que exigia a renúncia do presidente Marechal Floriano Peixoto. Esta exigência era baseada na Constituição de 1891. Após a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca, que governava provisoriamente, deveria ter ocorrido uma eleição para presidente, e não foi o que aconteceu. A partir da eclosão da Revolta, Niterói passou a ser palco de violentos combates.

9 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Ermezinda de Mendonça Jardim. Grifos meus.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5466

figura do professor das primeiras letras tornaram-se símbolos fundamentais da escola

republicana. Cabia à professora

servir de modelo vivo das virtudes nacionais. Ela mesma, professora, transformar-se em símbolo, em modelo, nas suas atitudes, condutas, valores e sentimentos. Dar sentido à nação, mesmo nas pequenas coisas que dão a aparência de virtude, apresentando o modelo sem apresentar (MULLER, 2000, p.2).

Neste contexto, houve um aumento na procura pelo curso normal e no ano de 1900 a

Escola Normal de Niterói foi reorganizada. De acordo com Ariadne Ecar, “tal instituição

passou a ser considerada de caráter profissionalizante, dedicada aos candidatos ao magistério

e à educação moral, intelectual e prática” (ECAR, 2011, p.92).10 O curso normal voltou a ter a

duração de quatro anos.

Na grade curricular de 1900, o Ensino de História Universal foi separado do Ensino de

História do Brasil e ambos passaram a ser ensinados no decorrer de anos letivos diferentes,

respectivamente, terceiro e quarto – último – anos do curso normal. O ensino da disciplina

Instrução Moral e Cívica manteve-se como em 1893, ou seja, presente nos dois últimos anos

do curso. Percebemos que enquanto o Ensino de História ganhava extensão e autonomia

dentro do currículo, Moral e Cívica foi paulatinamente perdendo espaço. Tanto em 1893

quanto em 1900 não encontramos o ensino religioso presente entre as disciplinas ofertadas.

Na escola dos anos iniciais da República, a História Pátria passou a partilhar conteúdos

relacionados à moralidade e ao civismo tornando-se uma espécie de complemento da

educação Moral e Cívica. Por isso, ambas desempenharam um papel importante para a

realização das comemorações cívicas e a imposição de certas regras de conduta. O ensino de

História aliado ao civismo tinha a atribuição de formar moralmente o cidadão da República,

substituindo a moral cristã pela moral de natureza cívica. Em exame final, datado de 1898, a

aluna Sylvina Carneiro Borges afirma que “o ensino da História deve ser raciocinado, deve

despertar a curiosidade scientifica, exercitar convenientemente a memoria e, além disso,

deve ser essencialmente moral”. 11

Outra aluna, Arina Halfeld, escreveu em seu exame de Metodologia, no qual tirou a

nota máxima, como era entendido o vínculo entre estas duas disciplinas. A importância do

10 De acordo com a autora, em termos legais, a reorganização da Escola Normal de Niterói foi realizada através do Decreto 588, de 25 de janeiro de 1900, expedido e assinado por Alberto Torres.

11 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Svlvina Carneiro Borges. Grifos meus.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5467

ensino de História Pátria estava intrinsicamente ligada aos conteúdos morais e civilizatórios

e devia contribuir para a formação da cidadania. De acordo com a normalista:

Deve-se ligar a maxima importancia ao ensino de história pátria, ele deve entrar como parte integrante do programma das escholas primarias e secundarias porque com a exposição e apreciação dos factos históricos pode-se fazer um curso quase completo de instrução moral e cívica, que muitíssimo contribue pâra a educação do futuro cidadão.12

De acordo com a Constituição Imperial de 1824, o Brasil era um país oficialmente

católico. Após a proclamação da República, a Carta Magna de 1891 reconhecia em seu texto a

liberdade de religião e de expressão religiosa, vedando-se ao Estado o estabelecimento de

cultos, sua subvenção ou formas de aliança. A educação oficial tornou-se laica e, ao contrário

da época imperial, o ensino religioso deixou de ser obrigatório.

O ensino religioso, embora não estivesse presente na grade curricular da Escola Normal

de Niterói no decorrer das três reformas mencionadas, seu conteúdo encontra-se

disseminado em diferentes textos escolares, inclusive, em compêndios de História Universal

e História Pátria. Em um exame de História do Brasil, datado de 1897, encontramos uma

questão em que o aluno deveria dissertar acerca dos “jesuítas como elemento de civilização

no Brasil”. A normalista Elisa Neves Teixeira, em meio a sua resposta afirmou que os jesuítas

foram um dos principais fatores de progresso da humanidade e “sua missão foi

incontestavelmente bella porquanto, embrenhando-se elles pela floresta, procuravam

converter em sectários da verdadeira religião christã milhares de homens sem fé”. 13

Encontramos alusão à religião católica nos exames finais de diversas disciplinas

escolares. Em uma prova de Português datada de 1898, por exemplo, o exercício de redação

tinha como tema “A fé”. Em uma avaliação de Francês, os alunos tinham que traduzir um

texto cujo título era “O Batismo”. Neste sentido, observamos uma cultura escolar marcada

por ensinamentos religiosos sem que, necessariamente, fosse preciso declarar na grade

curricular o ensino da religião. Com o advento da República e a separação entre a Igreja

católica e o Estado, oficialmente, o ensino religioso passou a estar ausente do currículo.

Contudo, no cotidiano escolar este conhecimento parece manter-se vivo e com boa saúde.

Apesar de os vestígios nos levarem a pensar a Escola Normal fluminense como um dos

lugares por excelência na tarefa de construir a identidade nacional, não podemos esquecer

que a escola não é um apenas um agente de transmissão de saberes elaborados fora dela.

12 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Arina Halfeld. Grifos meus.

13 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1897 E-M. Exame de História do Brasil de Elisa Neves Teixeira. Grifos meus.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5468

Partimos do pressuposto de que as práticas e a experiência escolar confessam muito mais

sobre a produção do conhecimento do que supúnhamos. Os lugares de produção das

chamadas “ciências de origem”, que teoricamente são a base das diversas disciplinas

escolares, não dão conta de compreender as variadas formas com que os sujeitos vivenciavam

o aprender/ensinar de tais conhecimentos. Como afirma André Chervel:

A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela está na origem da ideia, muito amplamente partilhada no mundo das ciências humanas e entre o grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do conservadorismo, da inércia, da rotina. Por mais que ela se esforce, raramente pode-se vê-la seguir, etapa por etapa, nos seus ensinos, o progresso das ciências que se supõe ela deva difundir (1990, p.182).

Nos exames analisados até o momento, foi possível observar que a concepção de

História como “mestra da vida” (KOSELLECK, 2006, p.41-60) estava presente no Ensino de

História da Escola Normal de Niterói. O esforço para formar um sentimento nacionalista

carecia de personagens históricos que servissem como modelos de cidadania. Diversas provas

versam sobre as conquistas territoriais e fazem menção aos chefes militares e figuras políticas

de destaque. A normalista Cenira Adelina de Oliveira Vianna, por exemplo, ao dissertar sobre

a administração de Mem de Sá, tece diversos elogios à sua figura. De acordo com a resposta

da aluna, “Mem de Sá, cujo extraordinário tino administrativo alliado á prudência e a

intrepidez, brilhantemente se manifestou nos 14 annos do seo governo”.14

As fontes coligidas até o momento indicam que a visão da História como um mero

depósito de experiências vividas estava vigorosamente presente no Ensino de História da

Escola Normal fluminense nos anos finais do Oitocentos. Distanciada de uma concepção de

História racional e científica, orientada pelo paradigma iluminista presente no Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, percebe-se que no universo escolar, por estar atravessado

pela necessidade de edificar um sentimento nacional, em muitos momentos, optou-se pelas

lições baseadas na concepção clássica do passado em detrimento da ideia de progresso.

O processo de construção da disciplina escolar história não se identifica de modo

absoluto com o processo de constituição da história cientificista e positivista que se

consolidava no IHGB. Havia relações entre o conhecimento histórico produzido em ambas as

instituições. Todavia, a lógica do conhecimento científico “não pode ser compreendida de

forma dissociada do contexto humano e social que a produz” (LOPES, 2008, p.52). bem

14 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1900. Exame de História do Brasil de Cenira Adelina de Oliveira Vianna. Grifos meus.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5469

como a especificidade do universo escolar e os constrangimentos e acomodações da

escolarização dos saberes configuram uma história própria.

Alice Casimiro Lopes, pautada pelas contribuições teóricas de Basil Bernstein e Ivor

Goodson, salienta que o conhecimento escolar não é apenas uma adaptação do conhecimento

científico para fins educacionais. O discurso pedagógico dá outro significado, recontextualiza

múltiplos discursos e, nesse processo, produz novos sentidos. De acordo com Lopes,

A lógica científica no contexto escolar é uma lógica de recontextualizada, engendrada pelas relações de poder instituídas em um outro contexto social que não o científico. Sendo assim, as disciplinas escolares não têm por objeto a transmissão de princípios e conteúdos científicos estabelecidos a priori em instituições outras (2008, p.53).

Embora houvesse concordância entre monarquistas e republicanos sobre a importância

do papel do Estado como agente de transformação e modernização do país. Para a escrita e o

ensino da História, esses grupos disputavam em torno de qual regime político teria o

protagonismo para desencadear tais mudanças. As divergências giravam em torno das

referências que seriam adotadas para definir os marcos temporais para o Ensino de História

do Brasil. No exame da normalista Arina Halfeld, que foi avaliado com a nota máxima, a

aluna apresenta a divisão do programa de História Pátria da Escola Normal de Niterói:

Seguir-se-ha no ensino um programma como o adaptado pelo distincto Professor da Escola Normal, dividindo o curso da História do Brasil em 4 partes: a 1ª da descoberta do Brasil até ao domínio Hespanhol; a 2ª até á paz definitiva com a Hollanda sob o 2º dominio portuguez; a 3ª, até, á proclamação da Independencia; a 4ª, até á proclamação da República. 15

Observamos que não há nenhuma menção ao Império brasileiro ou à figura dos

monarcas no programa apresentado na reposta ao exame realizado pela normalista, tal

situação pode ser explicada pelas fragilidades do regime republicano em seus anos iniciais.

Ao pesquisarmos os exames finais de História Pátria dos normalistas de Niterói, realizados

entre 1896 e 1900, deparamo-nos com questões relativas a diversos assuntos, dentre os

quais: a primeira divisão do Brasil em dois governos gerais e subsequente reunião em um só;

os jesuítas como elemento de civilização; e, as invasões francesas do século XVIII. Em

aproximadamente vinte exames, não encontramos questões referentes ao Império brasileiro.

Neste momento, o regime republicano não estava com sua estabilidade garantida, as

incertezas políticas e as disputas entre as oligarquias marcaram os primeiros anos da

15 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Arina Halfeld.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5470

República. Além disso, a figura do imperador era emblemática e devia ser tratada com

cautela. De acordo com Ângela de Castro Gomes, o imediato exílio da família imperial é um

forte indício do receio dos republicanos. Gomes assinala que

A República precisou lidar com cuidado com tal figura e com tudo o que ela representava, sobretudo, mas não exclusivamente, em seus momentos de implantação. Esse cuidado ainda se prolongou por algum tempo, o que explica que os pedidos de revogação do banimento da família imperial e de repatriamento dos restos mortais do casal de imperadores [...] tenham fracassado. Foi somente em 1921, [...] que o translado foi efetuado, numa cerimônia festiva (GOMES, 2002, p.20).

Os sujeitos que vivenciaram o ambiente escolar daquela época participaram ativamente

do estabelecimento da escolarização. São sujeitos desse processo histórico e não espectadores

ingênuos. Essas pessoas contribuíram com as suas ações, seus posicionamentos e sua cultura

para a formação da escola pelo qual passaram. Deste modo,

as culturas escolares não são um pressuposto, elas são o processo e o resultado das experiências de sujeitos, dos sentidos construídos e compartilhados e/ou disputados pelos autores que fazem a escola. Por isso, ao mesmo tempo em que tenho que considerar – do ponto de vista teórico e metodológico – a existência de outras culturas institucionais que estão em consenso e/ou conflito com a escola – como a cultura familiar, a cultura religiosa etc. –, é preciso que eu considere que os sujeitos que a constroem guardam, eles também, diversos pertencimentos e identidades pelos quais as culturas escolares estão continuamente informadas (FARIA FILHO, 2007, p.198).

Nesta chave de leitura, encontramos alguns sinais (GINZBURG, 1989, p.143-180) nos

exames dos normalistas. A aluna Ricarda Maigre Restier Gonçalves, ao dissertar sobre o

Ensino de História no exame final de Metodologia datado de 1898, critica a imposição de um

ensino patriótico a qualquer custo. A normalista argumenta:

Não queremos dizer (...) que a creança saiba tudo o que dizem esses livros sôbre “ os direitos e deveres do cidadão” que actualmente surgem de todos os prélos. Não somos absolutamente favoraveis ao ensino dos deveres do cidadão áquelles que não possuem noções prévias de história. O que queremos é que a creança comece o estudo da história pêla observação do que a cerca.16

Chervel enfatiza a capacidade de a escola produzir uma cultura específica, singular e

original. Para o autor “a instituição escolar era [e ainda é] capaz de produzir um saber

específico cujos efeitos estendiam-se sobre a sociedade e a cultura, e que emergia das

determinantes do próprio funcionamento institucional” (FARIA FILHO et al, 2004, p.144-

16 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Ricarda Maigre Restier Gonçalves. Grifos meus.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5471

145). Neste sentido, o estudo da história das disciplinas escolares ao ser analisado em

confronto com as transformações que ocorreram tanto no interior da instituição escolar

quanto no seu entorno, constitui-se como caminho profícuo de pesquisa. Conhecer quais

eram as demandas e forças sociais que norteavam a elaboração da escolarização dos

conhecimentos traz uma relevante contribuição para a história da educação, para a história

cultural e para os estudos no campo do currículo.

Considerações Finais

Este texto apresentou resultados parciais de uma pesquisa mais ampla sobre o ensino

de História na Escola Normal de Niterói nos anos iniciais da Primeira República. A pesquisa

que ainda está em andamento é um estudo histórico sobre as disciplinas escolares e uma

investigação sobre a cultura escolar. A matéria História foi analisada em meio às

transformações sócio-históricas que ocorreram no Brasil e, especialmente, no estado do Rio

de Janeiro e sua capital, Niterói.

As concepções sobre o Ensino de História que nortearam as disputas no processo de

seleção dos conteúdos escolares evidenciam um projeto político-social civilizador. Com o

objetivo de construir a nação, agora, sob a égide do regime republicano, a pretensão de

substituir a moral cristã pela moral de natureza cívica em consonância com o fortalecimento

e autonomia do ensino de História Pátria demonstra um projeto direcionado para situar o

Brasil no mundo civilizado.

As reformas curriculares representaram uma profunda transformação na cultura

escolar. A escola que antes tinha o objetivo de ensinar a ler, a escrever, a contar e a

transmitir a doutrina católica passou a ter como propósito ensinar conhecimentos pautados

pela ciência, educar os corpos e difundir os valores morais e cívicos. Esse processo não

ocorreu sem que houvesse intensas disputas sobre quais conhecimentos deveriam ser

escolarizados e como deveriam ser ensinados. As três reformas curriculares que ocorreram na

Escola Normal de Niterói no período de oito anos demonstram, sobretudo no tocante ao

ensino da disciplina História, parte desse processo mais amplo vinculado a um projeto de

escolarização de cunho nacional.

Em síntese, pode-se dizer que a história das disciplinas escolares busca esclarecer os

motivos pelos quais uma parte do conhecimento foi legitimado enquanto outra parte foi

esquecida. As alterações nos conteúdos ocorrem por meio de disputas em que há objetivos e

visões diferentes sobre a ciência, a educação, a escola e, portanto, os programas de ensino.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5472

Deste todo, esse processo não ocorre sem as que os sujeitos que vivenciaram o ambiente

escolar contribuíssem com as suas ações, seus posicionamentos e sua cultura para a formação

da escola pelo qual passaram.

Referências

ALVES, Claudia Maria Costa. A reforma de 1847 no quadro na instrução imperial: significado da criação do Liceu Provincial de Niterói. 1987. 239 páginas. Dissertação de Mestrado – UFF, Niterói. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar: da história sagrada à história profana. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 193-221, set. 1992-ago 1993. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, 1990, v. 2, p. 177- 229. ECAR, Ariadne Lopes. Conhecimentos pedagógicos como orientação para a “missão docente”: a formação na Escola Normal de Niterói na Primeira República (1893-1915). 2011. Dissertação de Mestrado – UERJ, Rio de Janeiro, 2011. FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana G.; GONÇALVES, I. A.; PAULILO, A. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, v. 30, n. 1, São Paulo, 2004, p. 139-159. ___________, Luciano Mendes de. Escolarização e cultura escolar no Brasil: reflexões em torno de alguns pressupostos e desafios. In: BENCOSTTA, Marcus Levy (Org.). Culturas escolares, saberes e práticas educativas – itinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007, p.193-211. FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria & Educação. Porto Alegre, 1992 p.28-49. GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: ____ Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-180. GOMES, Angela de Castro. O 15 de Novembro. In: GOMES, Angela de Castro; PANDOLFI, Dulce Chaves; ALBERTI, Verena.. (Orgs.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. p.12-29. GOODSON, Ivor F.. A construção social do currículo. Lisboa: EDUCA, 1997. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Vol.3. RJ: Civilização Brasileira, 2002. KOSELLECK, Reinhart. Historia Magistra Vitae. In: Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. RJ: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006, p. 41-60. KULESZA, Wojciech Andrzej. A institucionalização da Escola Normal no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 79, n. 193, p. 63-71, set./dez. 1998.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5473

LOPES, Alice Casimiro. As disciplinas na escola e na ciência. In: LOPES, A. C. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008, p.43-61. MULLER, Maria Lúcia Rodrigues. As construtoras da Nação: professoras primárias na Primeira República. In: I Congresso Brasileiro de História da Educação, 2000, RJ. Anais eletrônicos, RJ, UFRJ, 2000. Disponível em: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/111_maria_lucia_r.pdf NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 143-162, set. 1992-ago 1993. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. SOUZA, Rosa de Fátima. Inovação educacional no século XIX: A construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, ano XX, nº 51, novembro/2000. p. 9-28. TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago, 2000, Nº 14. p. 61-88. VILLELA, Heloísa. A primeira escola normal do Brasil: uma contribuição à história da formação de professores. Dissertação de Mestrado em Educação, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1990. ____ . O mestre-escola e a professora. In: LOPES, Eliane Martha; FARIA FILHO, Luciano M.; VEIGA, Cynthia G. (orgs). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 95-134. ____ . Da palmatória à lanterna mágica: a Escola Normal da província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a formação profissional (1868-1876). Tese de Doutorado em Educação, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2002.