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O ENSINO MÉDIO, A FILOSOFIA E A SOCIOLOGIA EM TRÊS
PERSPECTIVAS DE ABORDAGENS
Prevê-se para este Painel a apresentação de três pesquisas, cujas discussões versam
sobre o ensino da Filosofia e da Sociologia no Ensino Médio, a partir de três diferentes
perspectivas: a produção da pesquisa, o currículo e a sala de aula, e a
didática/metodologia. O primeiro trabalho - Ensino de Filosofia e ensino de Sociologia:
um estudo sobre dissertações e teses em um programa de estudos pós-graduados (2000-
2013), por meio de pesquisa bibliográfica analisa a produção de dissertações e teses do
programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade
(EHPS) da PUC-SP que abarcam a temática do ensino de Filosofia e Sociologia no
Ensino Médio, com o intuito de identificar quais os focos das pesquisas, como as
orientações são distribuídas, quais as fontes de pesquisa, procedimentos e referenciais
teóricos usados. O segundo trabalho - Toda Mafalda: contribuições para o ensino de
Filosofia - realiza análises de algumas tiras cômicas do livro Toda Mafalda, do
argentino Joaquín Salvador Lavado, usadas como proposta pedagógica para aulas de
Filosofia, a fim de pensar novos caminhos para o ensino de Filosofia no Ensino Médio
hoje, considerando a realidade e o perfil dos alunos. A terceira pesquisa - A Filosofia no
currículo e na percepção de alunos e professores do Ensino Médio brasileiro e do
Bachillerato espanhol: estudo comparativo sobre o papel da Filosofia e suas condições
de ensino - analisa comparativa e criticamente o ensino da Filosofia no nível médio de
escolaridade na Espanha e no Brasil, tanto no que tange ao lugar da Filosofia no
currículo desse nível de ensino, quanto no que se refere às percepções de alunos
concluintes e professores sobre seu ensino, tendo como pano de fundo, as leis
responsáveis pelas reformas educacionais implantadas nesses países após a abertura
política.
Palavras-Chave: Ensino Médio, Prática Pedagógica, Filosofia E Sociologia
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A FILOSOFIA NO CURRÍCULO E NA PERCEPÇÃO DOS SUJEITOS DO
ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E ESPANHOL
Maria Fernanda Alves Garcia Montero - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
Este trabalho tem como problema central analisar comparativa e criticamente o ensino
da Filosofia no nível médio de escolaridade na Espanha e no Brasil, tanto no que tange
ao lugar da Filosofia no currículo desse nível de ensino, quanto no que se refere às
percepções de alunos concluintes e seus professores sobre seu ensino, tendo como pano
de fundo, as leis responsáveis pelas reformas educacionais implantadas nesses países,
do final da década de 1980 ao final da década de 1990. Considerando-as como um
fenômeno complexo e multidimensional, tais reformas são aqui analisadas do ponto de
vista estrutural – atendo-se ao Ensino Médio – e curricular – atendo-se à disciplina de
Filosofia. A pesquisa foi realizada, no que tange à coleta de dados, no âmbito do
currículo prescrito, por meio de análise de documentos pertinentes às reformas, ao
ensino da Filosofia e de provas específicas que avaliam esse nível de ensino nos dois
países. Os dados sobre o currículo em ação foram obtidos por meio de questionários
aplicados a 31 alunos concluintes do Ensino Médio de uma escola pública da Cidade de
São Paulo (Brasil), a 25 alunos concluintes do Bachillerato de uma escola pública da
Cidade de Guadalajara (Espanha) e a 04 professores de Filosofia dessa etapa da
escolaridade, dois brasileiros e dois espanhóis, todos profissionais de escolas publicas.
Os dados referentes aos sujeitos espanhóis foram coletados após o exame de
qualificação, com realização de Estágio de Doutorado no Exterior – PDSE (Programa
de Doutorado Sanduíche no Exterior) – CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Ensino Superior).
Palavras-chave: Filosofia, Ensino Médio, Reforma Educacional no Brasil e Espanha.
INTRODUÇÃO
O problema central deste trabalho consiste em analisar comparativamente, a
disciplina Filosofia no currículo e na percepção de alunos e professores do ensino médio
brasileiro e do bachillerato espanhol, investigando o papel da Filosofia nesse nível de
escolaridade e as condições de seu ensino nesses dois países. Trata-se de constatar como
ela está se realizando na prática, na perspectiva de professores e alunos, no Brasil e na
Espanha, identificando que relações se estabelecem, hoje, entre os âmbitos prescrito e
interativo do currículo, já que, de acordo com Sacristán (2007), o currículo é um
processo que se mostra na interação de todos os seus contextos, que vão desde o âmbito
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de decisões políticas e administrativas que resultam no currículo oficial (documentos
curriculares) até sua transformação em currículo em ação. Sem conhecer as interações
existentes entre esses dois âmbitos do currículo, não se pode compreender o que de fato
acontece aos estudantes e o que estes aprendem.
Considerou-se, nesta pesquisa, a existência de uma estreita relação entre Brasil e
Espanha no que diz respeito às diretrizes curriculares atuais. A reforma educacional
brasileira, em curso durante toda a década de 1990, encontrou na reforma educacional
espanhola dos anos 1980 sua principal inspiração. Mas a conexão entre as reformas
espanhola e brasileira vai além da simples inspiração. A conexão entre as duas se
estreitou ainda mais quando o MEC contratou o ex-diretor da reforma espanhola, César
Coll, da Universidade de Barcelona, como consultor para a elaboração dos PCNs.
Logo nos primeiros debates sobre a reforma educacional brasileira, no começo
dos anos 1990, ficou decidido que o modelo a ser seguido seria o implementado na
Espanha sob a coordenação de César Coll. Das discussões no MEC, das quais Coll
participou como assessor técnico, surgiram os PCNs (MOREIRA, 1997).
Por esse motivo discutir a reforma espanhola é particularmente importante para
nós brasileiros, já que um dos principais responsáveis pela referida reforma participou
como consultor internacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC). Dessa
forma, muitas de suas idéias passaram a influenciar todo o nosso sistema de ensino.
Mas, além da forte influência das propostas educacionais espanholas, outro motivo nos
leva a escolher a Espanha para um estudo comparado com o Brasil: a Espanha é um país
que pertencia à “periferia” da União Européia, à qual só se juntou em 1986. Desde então
vem se empenhando para inserir- se efetivamente na economia européia e mundial.
Dentro desse contexto, a educação tornou-se eixo fundamental. Situação semelhante
acontece com o Brasil, país ainda periférico no capitalismo mundial, que tem realizado
esforços para inserir-se na economia global (SENE, 2009).
Os dois países passaram por longos períodos de exceção. Lá, a ditadura de
Francisco Franco (1939-1975), e aqui, a ditadura militar (1964-1985). A promulgação
de uma nova constituição, em 1978 na Espanha e em 1988 no Brasil, foi um divisor de
águas para a abertura política e para a redemocratização dos dois países. Por esse
motivo consideraremos aqui as leis educacionais do período pós-abertura política de
cada um dos dois países.
É no contexto dessas reformas, o Ensino Médio brasileiro e o seu correspondente
espanhol, o Bachillerato, foram as etapas de ensino que mais sofreram alterações, que
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tiveram mais mudanças em suas estruturas. De fato, em ambos os casos, se trata de
nível de ensino que passou por muitas reformas, ora privilegiando a formação
profissional, ora pondo em destaque a formação geral do indivíduo. Por esse motivo, e
pelo fato da Filosofia ser disciplina obrigatória nesse momento da escolaridade, optou-
se por estudar esse nível de ensino. Assim, é no contexto dessas reformas pós-abertura
política que os atuais sistemas de ensino da Espanha e do Brasil se constituíram e é
dentro desses sistemas de ensino que a Filosofia se insere como disciplina obrigatória.
Por esse motivo se torna importante estudar a ambos.
Dessa forma, investigar a disciplina Filosofia no currículo do ensino médio e na
percepção de alunos e professores nesses dois países interessa a esta pesquisa pelo que
essa relação entre intenção e realidade pode revelar sobre o papel da Filosofia nesse
nível de escolaridade e sobre as condições de seu ensino, bem como pelos elementos de
compreensão que podem ser encontrados na comparação entre as duas realidades.
Optou-se, então, por estudar, comparativamente, a disciplina Filosofia no
currículo do Ensino Médio brasileiro e do Bachillerato espanhol, no contexto das
reformas educacionais implementadas nos dois países após a abertura política, com o
intuito de melhor apreender os fatos educativos e a existência de problemáticas
educativas comuns aos dois países, bem como investigando percepções de professores e
alunos, no Brasil e na Espanha, sobre o trabalho com essa disciplina e identificando
relações que se estabelecem, hoje, entre os âmbitos prescrito e interativo do currículo.
Ruth Sautu (2005) afirma que a redação do marco teórico de um projeto de
pesquisa deve incluir uma teoria geral e teorias substantivas. De acordo com a autora
(2005), a teoria geral é aquela que, como já indica o nome, tem uma abrangência maior,
engloba processos mais amplos. Já as teorias substantivas são aquelas que serão
aplicadas ao problema específico estudado, são aquelas mais pontuais e “estreitas”.
Assim sendo, o marco teórico deste projeto inclui, como teoria geral, a
Abordagem do Ciclo de Políticas, formulada por Ball e Bowe e como marco teórico
substantivo, os conceitos de Currículo Oficial ou Prescrito e Regulamentado e
Currículo em Ação, elaborados por Gimeno Sacristán e também os conceitos de
Currículo e Disciplina, elaborados por Goodson e Chervel, além do conceito de
Reforma de Viñao Frago.
A hipótese central que guia a pesquisa aqui apresentada é a de que a Filosofia,
para além dos aspectos positivos da sua presença no currículo tornou-se trabalho sem
sentido (alienado), tanto para alunos quanto para professores. Parte-se, então, da
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suposição de que existe uma sensível distância entre a natureza dos conteúdos da
disciplina, os objetivos visados pelo professorado e as motivações do alunado, na qual
interferem, de forma decisiva, as tensões e conflitos entre as intenções expressas nos
textos oficiais, as percepções destes por parte de alunos e professores, os mecanismos
oficiais de controle, as atividades e relações entre professores e alunos, seus pares e
superiores.
OBJETIVOS
Geral:
Analisar comparativamente, o ensino da disciplina Filosofia no currículo do ensino
médio brasileiro e do bachillerato espanhol no contexto das reformas educacionais
implementadas nos dois países após a abertura política, discutindo tais reformas em sua
modalidade estrutural – centrada no Ensino Médio – e curricular – focada na disciplina
de Filosofia, bem como investigando percepções de professores e alunos, no Brasil e na
Espanha, sobre o trabalho com essa disciplina.
Específicos:
1) Analisar a produção dos textos oficiais, diretrizes e objetivos expressos nas propostas
para a disciplina de Filosofia nesse nível de ensino, nos dois países, identificando seus
efeitos e a forma como são percebidos e implementados no contexto da prática;
2) Analisar, comparativamente, com base nas percepções de alunos concluintes e
professores, como se dá o ensino da Filosofia nesse nível de ensino, no Brasil e na
Espanha;
3) Estudar as duas reformas comparativamente, com o intuito de melhor apreender seus
contextos e a existência de problemáticas educativas comuns ao Brasil e Espanha.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
a) Leitura e análise da legislação e seus analistas
Estudo do desenvolvimento dos dois processos de reforma em questão a partir
da análise de documentos oficiais, da leitura de César Coll (principal inspirador das
duas reformas em questão) e da leitura de autores que analisam e discutem as duas
reformas, tais como Gimeno Sacristán, Viñao Frago, Dagmar M.L Zibas e outros.
b) Leitura e análise dos documentos referentes à Filosofia nos currículos de ensino
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médio no Brasil e no Bachillerato na Espanha e seus analistas
Breve estudo histórico do percurso da Filosofia como disciplina nos dois países,
a fim de investigar como a Filosofia aparece no sistema educacional dos dois países e
quais são os parâmetros e diretrizes propostas para essa disciplina pelos documentos
oficiais.
c) Análise da percepção de alunos e professores sobre as aulas de Filosofia hoje por
meio de questionários.
O estudo da percepção de alunos e professores sobre as aulas de Filosofia se
mostra necessário nessa pesquisa, especialmente se considerarmos as afirmações de
Gimeno Sacristan (1998) e Goodson (2001 e 2012) de que as propostas oficiais são
sempre transformadas quando postas em prática.
d) Análise das provas ENEM (Brasil) e PAU (Espanha)
Para complementar o estudo sobre as realidades nas escolas optou-se também
por analisar as questões do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, no Brasil, e da
PAU – Prueba de Acceso a la Universidad, na Espanha, a fim de determinar a natureza
das questões e conteúdos presentes nas duas provas. Tal estudo se mostrou necessário,
pois, ao final desse nível de ensino, os alunos são avaliados e tais avaliações são
organizadas de acordo com os objetivos determinados por lei, para verificar se os
egressos atingiram aquilo que era deles esperado. Os documentos oficiais são
inspiradores de projetos pedagógicos e, conseqüentemente, da avaliação destes.
e) Análise comparativa dos dados coletados
Análise comparativa dos dados obtidos em cada uma das fontes investigadas,
apresentando-os em quadros-síntese, gráficos, figuras e/ou tabelas, se e quando isso for
necessário para compreensão dos aspectos sob análise.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
A respeito das reformas educacionais no Brasil e na Espanha, desenvolvidas
após a abertura política, chegou-se as seguintes constatações. A reforma de 1990 no
Brasil, que culminou na LDB/1996, propôs uma nova estrutura curricular, não mais
baseada em conteúdos e disciplinas, mas baseada no desenvolvimento de habilidades e
competências básicas, com ênfase em uma metodologia que privilegia o protagonismo
do aluno, a integração entre as disciplinas e a contextualização dos conteúdos
disciplinares, priorizando uma formação geral e polivalente, capaz de fomentar a
aquisição de “competências gerais e transferíveis”. Vimos também que a LDB de 1996
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foi uma “guinada neoconservadora” em educação no Brasil, tendo sido desenvolvida
dentro dos moldes do ideário neoliberal. Na Espanha, vimos que lá ocorreram muito
mais reformas educacionais do que no Brasil: desde 1970, ano em que entrou em vigor
a Ley General de Educación (LGE), ainda no período franquista (permaneceu vigente
durante os primeiros anos da democracia), sucederam-se 07 leis educacionais, sendo
que a última, a LOMCE, foi aprovada no final de 2013 e é a primeira lei do PP (Partido
Popular) – relativa ao âmbito educacional a ser aprovada. Vimos que essa sucessão de
leis é resultado do forte bipartidarismo que impera na Espanha. O enfrentamento entre
PSOE (Partido Socialista Obrero Español) e PP acaba gerando uma instabilidade e
descontinuidade das políticas educacionais: o que um fazia em seu mandato o outro
logo desfazia assim que chegava ao poder.
A LOMCE, na Espanha também foi uma guinada neoconservadora, e se justifica
afirmando a necessidade de formar indivíduos para uma nova sociedade, mais aberta,
global e participativa, que estaria exigindo novos perfis de cidadãos e de trabalhadores.
Com uma forte orientação neoliberal, a LOMCE reorienta enfaticamente os objetivos da
educação para colocá-los em coerência com as normas do mercado neoliberal,
assumindo como prioridade da educação a promoção da competitividade econômica e
do nível de prosperidade do país. Claro que, considerando que o objetivo é reorientar a
educação para colocá-la em sintonia com as normas do mercado neoliberal, dizer que se
visa a "prosperidade do país" não passa de um discurso falacioso, já que o que se
pretende, de fato, é a prosperidade do capital.
No decorrer da análise das duas reformas em questão viu-se, também, que ambas
estão fortemente atreladas a uma concepção construtivista da aprendizagem, concepção
esta que pertence ao conjunto das linhas pedagógicas do “aprender a aprender”, que
têm, dentre suas características, a produção da adaptação dinâmica (Duarte, 2004), e
isso significa “[...] produzir indivíduos com alta capacidade adaptativa às demandas da
sociedade, elas estão, de fato, pretendendo produzir indivíduos que aceitem o sistema
capitalista como única forma possível de sociedade” (Duarte, 2004, p.64). Ou seja,
quando nos documentos oficiais se fala em "conhecer a realidade" o que se pretende na
verdade é que se conheça a realidade não para fazer a crítica a essa realidade e construir
uma educação comprometida com lutas por uma transformação social radical, mas sim
para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos.
Assim, apesar das muitas diferenças que foram observadas, o que há em comum
nas reformas educacionais elaboradas no Brasil e na Espanha depois dos respectivos
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processos de abertura política, é que a intenção que move ambas as reformas é o
controle, a organização curricular calcada no discurso do ensino eficaz, de resultados, e
não na formação dos sujeitos.
A respeitos das orientações oficiais/legais específicas para a disciplina de
Filosofia, dentro do Ensino Médio brasileiro e do Bachillerato espanhol, foram
analisados, no Brasil: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); os PCN+
(Orientações Educacionais Complementares aos PCN); e as Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM), datados respectivamente de 2000, 2002 e
2006; e na Espanha, o Real Decreto n. 1467 de 2007, que define a estrutura e as
enseñanzas mínimas do Bachillerato, que é uma lei complementar que regula a
modalidade curricular no país. Esses documentos constituem uma reiteração das
diretrizes e finalidades do Ensino Médio e do Bachillerato expressas nas leis gerais que
regulam a educação nos dois países. O Real Decreto espanhol, ao contrario dos
documentos brasileiros que representam apenas modelos e sugestões que podem ou não
ser seguidos, tem caráter de lei.
No caso brasileiro, apesar de algumas contradições, se considerarmos os
princípios gerais do Ensino Médio, definidos na LDB/96 e reforçados nas DCNEM
(Parecer CNE/CEB nº 15/98), o espírito da proposta de ensino desenvolvida nesses nos
PCNs, nos PCN+, e nas OCNEM, é bem coerente com a concepção delineada nos textos
que compõem as bases legais da educação brasileira. Além disso, a análise desses 03
documentos também permitiu ver certa evolução da importância dada à presença da
Filosofia no currículo do Ensino Médio, uma vez que no primeiro documento (PCN, de
2000) tem-se uma defesa da transversalidade da Filosofia enquanto que no último
(OCNEM, de 2006) tem-se uma defesa de um espaço próprio e obrigatório para a
Filosofia.
No Real Decreto espanhol há também uma tendência a considerar a
transversalidade como uma das principais características da Filosofia mas, embora haja
o discurso da transversalidade e da interdisciplinaridade, o Real Decreto apresenta uma
parte especifica para a determinação dos conteúdos e conhecimentos próprios da
Filosofia que devem ser tratados em cada uma das duas disciplinas filosóficas
lecionadas para o Bachillerato (Filosofia e Cidadania, História da Filosofia) dando um
foco um pouco mais acentuado a esses conteúdos e conhecimentos, não lhes atribuindo
apenas um papel secundário, como se fossem apenas o meio para desenvolver
habilidades e competências ditas filosóficas. Mas o ponto que todos os documentos
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analisados têm em comum, é o fato de todos considerarem a reflexão como sendo a
principal especificidade da Filosofia.
Já na analise das duas avaliações externas, os dados revelaram que, na prova do
ENEM analisada (prova rosa/2013), o conteúdo de Filosofia teve, no mínimo, o mesmo
peso que o conteúdo de outras disciplinas das Ciências Humanas – a Geografia e a
História – apesar da Filosofia ter uma carga horária bem inferior à carga dessas
disciplinas. Isso significa, aparentemente, que a Filosofia deixou de ser encarada e
abordada como conteúdo meramente interdisciplinar, presente apenas em questões
específicas de outras disciplinas. No entanto, a maioria das questões especificas de
Filosofia nessa prova brasileira, não exige que o aluno tenha domínio de conhecimentos
de Filosofia, já que, pelo teor das perguntas, para respondê-las, basta, apenas, que se
saiba ler e interpretar. Além disso, o modelo adotado pelo ENEM, de questões de
múltipla escolha, representa um modelo simplista de avaliação.
No que diz respeito à Espanha, constatou-se que o sistema de seleção para as
universidades espanholas apresenta uma dinâmica inteiramente diferente do brasileiro.
As questões da PAU da Comunidade de Madrid, analisadas neste trabalho, oriundas da
prova de Historia da Filosofia (convocatórias de setembro para o ano letivo 2013-2014),
mostraram que existe uma necessidade de que o curso de Filosofia no Bachillerato
abarque, de forma minimamente aprofundada, um número maior de conteúdos, pois são
questões dissertativas que exigem que o aluno tenha uma formação filosófica
relativamente sólida, pois são consideravelmente densas; ou seja, para respondê-las é
preciso mais do que a capacidade de ler e interpretar textos.
A análise dessas provas deixou clara a influencia que avaliações externas como o
ENEM e a PAU exercem sobre o currículo interativo. Tais avaliações são organizadas
de acordo com os objetivos determinados nas grandes leis organizadoras da educação, a
LDB/1996 e as DCNEM no Brasil e a LOE/2006 e a LOMCE/2013 na Espanha. Assim,
a superação dessas provas é a principal meta dos estudantes e, como afirmam Goodson
(2001 e 2012) e Gimeno Sacristán (1998a) não existe uma total dicotomia entre
prescrição e prática, pois a primeira estabelece parâmetros para a segunda e esta, por sua
vez, pode vir a subverter ou transcender a primeira.
Os dados coletados com os professores de Filosofia, atuantes em escolas
publicas do Brasil e da Espanha, revelam um quadro nada otimista. O que se percebe é
que esses professores, muito embora se declarem críticos a respeito da atual organização
do sistema e bem cientes das limitações e dos problemas dessa organização, eles não
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parecem estar conseguindo quebrar as barreiras externas impostas à sua pratica; eles não
parecem estar conseguindo superar as interferências oficiais. O que nos leva em direção
a essa conclusão é o fato de todos, indistintamente, afirmarem que utilizam de alguma
maneira as propostas oficiais como guia para sua prática. O caso mais revelador desse
aspecto é o da Profa. D, que cita com veemência a força de imposição e cerceamento da
autonomia docente exercida pela LOMCE. A própria professora destaca em seu
depoimento que a LOMCE, para além de definir os temas, autores e conteúdos que
devem ser tratados, também define a forma de trabalhá-los. Esse cerceamento fica ainda
mais claro quando se pensa que a PAU, cuja superação é o principal objetivo dos alunos
do Bachillerato, é baseada nesses conteúdos e, portanto, se torna mais uma ferramenta
poderosa de impedimento à autonomia docente.
Nos dados referentes aos alunos, o que de fato chamou mais a atenção, foi uma
contradição no seu posicionamento acerca da importância de se ensinar Filosofia. Ao
mesmo tempo em que existe uma maioria de alunos, tanto no Brasil quanto na Espanha,
que afirma ter interesse e gostar da disciplina, e também uma maioria que afirma que
considera sim, o ensino da Filosofia importante, existe também uma maioria que opta
pela diminuição da carga horária da Filosofia (!) e as razões mais citadas, tanto pelos
alunos brasileiros quanto pelos espanhóis, são: a de que "Não são aulas importantes,
não têm aplicação, não serão usadas na vida" e a de "Falta de interesse pessoal, não
entende, tem dificuldade". Essa contradição vai se tornando ainda mais surpreendente
quando se constata que a quantidade de alunos que consideram importante estudar
Filosofia é ainda maior do que a de alunos que gostam/têm interesse pela Filosofia.
Então, ao mesmo tempo em que a Filosofia é uma das mais citadas para ter sua carga
diminuída, com razões que alegam falta de interesse, falta de importância, etc., ela
também é tida como interessante e importante pela maioria dos alunos.
No entanto, com o desenvolver das análises do restante dos dados coletados
com os alunos, chegou-se à conclusão de que essa dita contradição no posicionamento
do alunos não seria, de fato, uma contradição. A nosso ver, os alunos conseguem avaliar
que o que se espera deles, de fato, não é que eles se tornem aquele sujeito ideal, quase
platônico, mas sim que eles sejam empregáveis e bem preparados para acompanhar a
sociedade em acelerado processo de mudança. Dessa forma o fato de os alunos
afirmarem que a Filosofia é importante, mas ao mesmo tempo a colocarem dentre as
principais disciplinas das quais diminuiriam a carga horária, não seria, então, uma
contradição. Este parece ser o drama da Filosofia: por uma lado cativa e excita a quem
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com ela interage, mas por outro lado, tem socialmente cerceado seu potencial de
expansão.
Outra evidencia que nos direcionou às conclusões apresentadas acima, é o fato
de, quando perguntados a respeito do que eles consideram mais importante dentre tudo
o que eles aprenderam na escola, os alunos (espanhóis e brasileiros) citarem,
principalmente aprendizagens relacionais, afetivas, pessoais, com conotação ética e
moral. Isso demonstra que são essas as aprendizagens mais significativas para eles. Assim,
para a maioria dos alunos participantes desta pesquisa, a relação com a escola não implica uma
relação com o saber. Para eles não se trata de ir à escola para obter uma formação, para obter
conhecimentos, mas sim para obter meios de garantir sua inserção socioprofissional no mundo
real. Para esses alunos, aprender é se tornar capaz de se adaptar às situações, de estar em
conformidade com o que deles se exige, de operacionalizar isso da melhor maneira possível.
CONSIDERAÇOES FINAIS
O que se constata, então, é que a hipótese cunhada no inicio dessa pesquisa se confirma.
A Filosofia, institucionalizada, está sujeita aos dispositivos e discursos legais e ao
controle social que exercem, na medida em que a escola e seu currículo constituem
instâncias que preparam para a vida e para a inserção dos sujeitos no mundo, ou seja, a
escola vincula um conhecimento já solidificado e útil para a manutenção da sociedade.
Como vimos na análise das legislações educacionais do Brasil e da Espanha,
existe nas orientações legais que regem o sistema educacional dos dois países uma
categoria de magnitude indiscutível e absoluta, que seria o mercado. Este seria o
responsável por orientar e delimitar a sociabilidade humana desejável. Desse modo, a
formação humana deve, necessariamente, subordinar-se aos ditames das necessidades
do mercado. Pode-se apreender que há claramente, então, uma subordinação do
humano/social a um determinado tipo de organização produtiva que, entretanto, resta
indiscutida porque indiscutível:
A relação de determinação sociedade-cultura-currículo-prática explica que a
atualidade do currículo se veja estimulada nos momentos de mudanças nos
sistemas educativos, como reflexo da pressão que a instituição escolar sofre
desde diversas frentes, para que adapte seus conteúdos à própria evolução
cultural e econômica da sociedade (...) Isso confirma o ato de que, em nossa
tradição e no campo jurídico administrativo, as reformas curriculares vão
ligadas na estrutura do sistema mais que a um debate permanente sobre as
necessidade do sistema educativo (GIMENO SACRISTÁN, 1998a, p.20)
Nesse contexto, então, a escola não consegue se desvencilhar de produzir
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trabalho alienado, tanto dos professores como dos alunos, e a função da Filosofia no
currículo escolar se torna apenas a de ser mais um elemento concorrente para o
atingimento da satisfação das necessidades do mercado. Esse predomínio do mercado,
que também é conhecido por sociedade neoliberal, acaba, portanto, por determinar,
mesmo que de formas indiretas, a função do ensino da Filosofia.
Na verdade o que acontece é que a Filosofia não é uma disciplina que vai
simplesmente ser deixada de lado por não servir. Ela é uma disciplina que, a partir do
momento que se insere nessa organização escolar, visa justamente a manutenção de
tudo. Então não é o caso de que as aulas estejam sendo de fato formativas mas, por
terem um conteúdo “não prático”, é deixada de lado pelos alunos. As aulas não estão
sendo formativas (no sentido adorniano da palavra) e da forma como estão sendo
desenvolvidas servem sim, para essa vida dos alunos, justamente por estarem
contribuindo para o desenvolvimento, nos sujeitos, de uma noção de reflexão como
mera discussão e "opinismo", mas não, de fato, filosófica; para uma aceitação
dogmática e acrítica: o “conhecer a realidade” e “refletir sobre”, não num sentido de ser
crítico a respeito daquilo que defendemos ou não, mas sim no sentido de conhecer bem
as condições às quais temos que nos adaptar, “aprender a aprender” para poder
acompanhar as rápidas mudanças do mundo moderno da produção. Então, a tarefa da
Filosofia dentro dos currículos, nesse contexto mercadológico, seria a de formar
indivíduos que refletem não para questionar, mas para se adaptar melhor. Sob a faceta
de uma disciplina que não se encaixa na vida dinâmica do capitalismo, está uma matéria
que na verdade serve para isso, para a manutenção do status quo.
Dessa forma, se torna difícil vislumbrar como o sistema educacional, da forma
como está organizado na Espanha e no Brasil, possa contribuir para uma formação que
colabore para a ampliação dos horizontes dos indivíduos, para a emergência de sujeitos
conscientes de suas potencialidades e artífices da própria história; que contribua para a
emancipação enquanto possibilidade de sair do estado de menoridade a que o ser
humano está submetido na sociedade moderna (ADORNO, 1979). Não se vêem muitas
possibilidades de as reformas aqui analisadas contribuírem para isso já que, dentro da
atual organização dos dois sistemas educacionais, a escola não consegue se desvencilhar
de produzir trabalho alienado, desprovido de sentido, tanto para os professores como
para os alunos, mas carregado de sentido do ponto de vista da sociedade humana
empolgada pelo capital.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Theodor. Sociologia. Madrid: Taurus Ediciones, 1979, 3.ed., p.175-199.
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GIMENO SACRISTÁN, J. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Tradução por
Ernani F. da Fonseca Rosa. 3.ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998, 352p.
GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A.I. Compreender e transformar o
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GOODSON, Ivor F. O currículo em mudança. Estudos na construção social do
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SENE, José Eustaquio de. As reformas educacionais após abertura política no Brasil e
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2009, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de
São Paulo. 352p.
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ENSINO DE FILOSOFIA E ENSINO DE SOCIOLOGIA: UM ESTUDO SOBRE
DISSERTAÇÕES E TESES
Charles Abrantes Coura
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
Resumo
Este trabalho tem como objetivo apresentar a análise dos resultados obtidos a partir dos
esforços de mapeamento acerca dos focos “Ensino de Filosofia” (EF) e “Ensino de
Sociologia” (ES). A questão central foi a de detectar o que se estuda, decorrendo outras
questões secundárias: como se focaliza, como se distribuem as orientações, quais as
faixas de escolaridade, fontes de informação, procedimentos e referências teóricas
utilizadas. A fonte principal de busca utilizada foi o banco de dissertações e teses do
programa de Estudos Pós-Graduados (PEPG) de Educação: História, Política, Sociedade
(EHPS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) com recorte feito
entre os anos 2000 e 2013. Os estudos teóricos da disciplina “A escola como objeto de
estudo” na PUC/SP, no ano de 2015, permitiram compreensão das relações que existem
entre os professores, os alunos e os conhecimentos compondo o núcleo central da
atividade didática e, assim, chegar aos descritores dessas duas áreas curriculares –
Filosofia e Sociologia – no ensino médio, pois o que se analisou foi o ensino dessas
disciplinas apontando possíveis relações com outras instâncias, conforme destacado nas
considerações finais. As informações obtidas nos resumos foram analisadas e
construídas tabelas com os dados. As Análises das tabelas permitiram verificar o baixo
número de estudos acerca da temática Ensino de Filosofia e Ensino de Sociologia; que
todos os estudos analisados são dissertações feitas com base em duas principais fontes
quais sejam, professores e análise documental, além de perceber que todos os estudos
possuem apenas três professores orientadores nessas duas áreas de estudo.
Palavras-chave: Ensino médio; Ensino de Filosofia; Ensino de Sociologia.
Introdução
A Filosofia e a Sociologia, além de serem disciplinas acadêmicas produtoras de
conhecimentos nas Ciências Humanas, constituem componentes curriculares ao lado de
outros ministrados nas escolas para colaborar na formação dos estudantes em muitos
países.
No Brasil, tanto a Filosofia quanto a Sociologia já estiveram compondo os
currículos de muitas escolas num movimento de inserções e retiradas, sobretudo quando
focalizado o ensino médio, denominado anteriormente de ensino de 2º grau. Como
integrante de currículos escolares elas compõem parte de interesse de pesquisas sobre
organização escolar. Este estudo incide sobre pesquisas desses dois componentes
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curriculares.
A pesquisa
Inspirado no trabalho de Marin e Bueno (2010), em que os autores utilizam
uma perspectiva relacional para analisar o trabalho docente no Brasil entre os anos de
1987 e 2006, o presente trabalho tem como objetivo apresentar a análise dos resultados
obtidos a partir da pesquisa acerca dos descritores “Ensino de Filosofia” e “Ensino de
Sociologia” que a partir de agora chamaremos de EF e ES, cuja fonte de informação
utilizada foi o banco de dissertações e teses do Programa de Estudos Pós-Graduados
(PEPG) de Educação: História, Política, Sociedade (EHPS) da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). O PEPG foi criado em 1971, sob denominação de
Filosofia da Educação e oferecia cursos em nível de mestrado e em 1997 criou o
primeiro doutorado em Educação no Brasil. Após sofrer vários processos de
reestruturação, o PEPG, cuja única área de concentração era Filosofia da Educação, em
1997 passou a ter como área de concentração História da Educação e Educação e
Ciências sociais. Essas duas áreas de concentração se mantêm até hoje, embora em
2000, o programa tenha passado a ser chamado de Educação: História, Política,
Sociedade.
Nesse programa, há conjuntos de pesquisas que analisam outras e permitem
reflexões que encaminham para várias possibilidades de análises. No estudo acima
citado, os autores operam com um conjunto de questões que podem ser feitas sobre as
pesquisas: como se distribuem as orientações pelos professores? Quais as faixas de
escolaridade investigadas? Quais as modalidades de pesquisa? Quais as fontes para
obtenção de informações das pesquisas? Quais as faixas de escolaridade focalizadas?
Quais os procedimentos adotados? Quais as abordagens e fontes teóricas utilizadas?
Dentre as várias disciplinas ministradas em 2015, os estudos teóricos da
disciplina “A escola como objeto de estudo”, a pesquisa acima citada e o texto
“Didático e trabalho docente” Marin (2005) forneceram bases para a realização deste
pequeno estudo. Destaca-se, aqui, o conceito de que “os estudos sobre ensino, não se
fecham em si mesmos, enquanto parcela restrita do processo educativo, bem como não
se limitam a foco de investigação meramente didático”. Pelo contrário, “os estudos
sobre ensino devem ser orientados por busca de fatos, princípios e relações” para que se
compreenda melhor a temática dentro do recorte a que se propõe a pesquisa (MARIN,
2005, pp.37-35). Para a autora, o trabalho docente no ensino de qualquer componente
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curricular consiste na articulação dos vários tipos de conhecimento, do mais amplo ao
mais específico, para promover as condições adequadas no processo de ensino
aprendizagem.
Com base no recorte feito entre os anos 2000 e 2013 foram encontrados quatro
estudos no banco de dissertações e teses e representados por seus respectivos resumos.
Mediante o uso das questões possíveis a respeito de pesquisas foram coletadas
as informações dos resumos das dissertações: “Recrutamento e seleção de professores
de filosofia para o ensino médio: a prova de conhecimentos específicos do concurso
público de provas e títulos realizado no Estado do Paraná, em 199”; “O Ensino De
Filosofia No Ensino Médio: Que Filosofia? ”; “Escola e Cultura: Perspectivas das
Ciências Sociais”; “As transformações do currículo de sociologia em São Paulo”. Após
analisadas, compuseram as tabelas apresentadas a seguir.
A análise da Tabela 1 demonstra que as dissertações e teses sobre EF e ES
concentram-se sob orientação de apenas três professores orientadores.
TABELA 1 – Distribuição por quantidade de orientações 2000/2013
Número de orientações
Orientadores
N°
Duas orientações 1
Uma orientação 2
Total 3 Fonte: Próprio autor.
Verifica-se, pela análise da Tabela 1, um dado bastante relevante, pois o
número de trabalhos sobre EF e ES foi baixo para um período de 13 anos, o que revela
uma área de pesquisa com potencial de desenvolvimento.
TABELA 2 – Distribuição por faixa de escolaridade investigada 2000/2013
Faixa N°
Educação infantil 0
Ensino fundamental 0
Ensino médio 4
Ensino superior 0
Sem especificação 0
TOTAL 4 Fonte: Próprio autor.
A análise da Tabela 2 se refere aos níveis de ensino aos quais os estudos podem
se dedicar. Ao contrário do estudo feito por Marin e Bueno (2010) em que o trabalho
docente é pouco investigado no ensino médio, verifica-se que dentre os quatro estudos
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que compõem este trabalho todos deram ênfase ao ensino médio como faixa de
escolaridade investigada. Isso certamente se deve ao fato de que são componentes
ligados à organização curricular desse nível de ensino, para jovens, embora pudessem
estar nos demais níveis.
O estudo de Montero (2011) “O ensino de filosofia no ensino médio brasileiro:
antecedentes e perspectivas”, cuja coleta de dados feita através de documentos oficiais e
metodologia definida como descritiva-reflexiva, conclui que:
Houve imensa pressão por parte de associações, professores,
alunos, filósofos e sociólogos para que o referido PL fosse
aprovado. O principal argumento usado era o de que a escola
carece de uma dimensão crítica e analítica, e que os
conteúdos de Filosofia e Sociologia seriam capazes de
fornecer tal dimensão (p. 74).
TABELA 3 – Distribuição por modalidade de ensino investigada 2000/2013
Modalidade N°
Regular 4
Especial 0
Profissional 0
Educação de jovens e adultos 0
Educação a distância 0
Sem especificação 0
TOTAL 4
Fonte: Próprio autor.
Na análise da tabela 3 é possível verificar que os estudos deram ênfase ao
ensino regular, cujo foco, de três dos quatro estudos, foi a rede pública e um dos estudos
não especificou a modalidade de ensino. Dois dos trabalhos focalizam o EF no ensino
médio e um dos trabalhos aborda o recrutamento e seleção de professores de Filosofia
para o ensino médio. Porém, pode haver, ainda, a dedicação de estudos nas demais
modalidades constantes na tabela.
TABELA 4 – Distribuição por fontes de dados 2000/2013
Fontes de dados N°
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Professor
Documento
Documento escolar
Aluno
Outro educador
Família
Investigador
Computador
Deputado
Mantenedor
Profissional da indústria
Sala de aula
Servidor
Não especificado
1
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
TOTAL 5 Fonte: Próprio autor.
A análise da Tabela 4 apresenta as diferentes fontes possíveis de dados
apresentados em outras pesquisas já citadas anteriormente. Embora haja uma variedade
de fontes geralmente apresentadas em outros estudos e por isso utilizadas na Tabela 4
como referencial para este trabalho, os resultados apontam para uma má distribuição
dessas fontes. O total de fontes é diferente do número dos estudos (quatro), pois alguns
estudos utilizam mais de uma fonte. Há amplas possibilidades de novos estudos
baseados em outras fontes considerando a relevância desse foco para toda a sociedade
no que se refere à formação humana.
TABELA 5 – Distribuição dos procedimentos de coleta de dados por faixa de escolaridade investigada
2000/2013
Faixa Educação
infantil
Ensino
fundamental
Ensino
médio
Ensino
superior Total
Procedimentos N N N N N
Sem resposta 0 0 1 0 1
Entrevista 0 0 0 0 0
Análise documental 0 0 4 0 4
Observação 0 0 0 0 0
Questionário 0 0 0 0 0
História de vida 0 0 0 0 0
Teste 0 0 0 0 0
Grupo focal 0 0 0 0 0
Análise do discurso 0 0 0 0 0
Autorreflexão 0 0 0 0 0
Análise bibliográfica 0 0 2 0 2
Oficinas 0 0 0 0 0
Inventário 0 0 0 0 0
Inventário
sociodemográfico 0 0 0 0 0
Técnicas
sociopsicodramáticas 0 0 0 0 0
TOTAL 0 0 7 0 7
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Fonte: Próprio autor.
Quando cruzadas informações relativas a procedimentos e os níveis de ensino
focalizados, alguns dados se confirmam.
Assim como na Tabela 2, na Tabela 5 é possível verificar que todos os estudos
foram realizados no ensino médio. Os procedimentos de coleta de dados por faixa de
escolaridade entre os anos 2000 e 2013 analisados na Tabela 5 apontam que quatro
estudos utilizaram a análise documental – esse dado também aparece na Tabela 4 – dois
estudos deram ênfase à análise bibliográfica e apenas um não especificou o
procedimento de coleta de dados utilizado em sua pesquisa. O total é superior ao
número dos estudos, pois alguns estudos utilizam mais de um procedimento de coleta de
dados.
Essa tabela é bem interessante devido à percepção do amplo espectro possível
de investigação sobre esses focos, pois hoje se sabe que há escolas de ensino
fundamental que inseriram a filosofia em seus currículos, e questões sobre a didática
desses profissionais deve apresentar características peculiares.
TABELA 6 – Distribuição da abordagem teórica por nível de titulação 2000/2013
Titulação Mestrado Doutorado TOTAL
Abordagem N N N
Teórico 4 0 4
Histórico 0 0 0
De campo 1 0 1
Sem especificação 0 0 0
TOTAL 5 0 5
Fonte: Próprio autor.
A análise da Tabela 6 aponta para a abordagem teórica como maior interesse
apresentado pelos estudantes de mestrado em seus estudos. É importante destacar que
todos os estudos apresentados neste artigo foram feitos por estudantes de mestrado. O
total é diferente do número dos estudos, pois alguns estudos utilizam mais de uma
abordagem teórica. Outras abordagens como a de campo e a histórica ainda oferecem
espaços para novos estudos.
TABELA 7 – Distribuição de assunto teórico por nível de titulação 2000/2013
Disciplina Teórica Mestrado Doutorado Total
N N N
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Filosofia
Ciências Sociais
0
2
0
0
0
2
TOTAL 2 0 2 Fonte: Próprio autor.
Os dados da Tabela 7 referem-se às opções teóricas das pesquisas, cujo
resultado aponta para dois o número de pesquisas que abordam as Ciências Sociais
como assunto teórico. Esse dado é bastante preocupante, pois de quatro estudos dois
deles não divulgaram suas fontes teóricas utilizadas na fundamentação dos trabalhos.
TABELA 8 – Distribuição por fonte teórica explicita
Fonte N°
Gramsci
Gimeno Sacristán
Peres Gómez
Apple
Goodson
Chervel
2
2
1
1
1
1
TOTAL 8 Fonte: Próprio autor.
É possível verificar na Tabela 8 a incidência de dois autores utilizados nos
trabalhos como fontes teóricas, a saber, Gramsci e Gimeno Sacristán. O mesmo aspecto
verificado na Tabela 7, no que se refere ao assunto teórico. Embora dois estudos não
tenham divulgado as fontes teóricas utilizadas na fundamentação de seus trabalhos, na
análise da Tabela 8 outro aspecto chama atenção por causa da variedade de fontes
teóricas utilizadas nas pesquisas que pode ser ainda maior devido às ausências. Tal
variedade pode, sem dúvida, trazer contribuições de várias áreas do conhecimento para
compreensão dos focos das pesquisas. O total é superior ao número dos estudos, pois os
estudos utilizam mais de uma fonte teórica para analisar os dados.
Palavras finais
Com base na análise dos resultados obtidos a partir do mapeamento acerca da
produção de dissertações e teses sobre o Ensino de Filosofia e Ensino de sociologia
pode-se ter um panorama da produção dessa temática entre os anos 2000 e 2013 no
programa de pós-graduados de EHPS. Para um recorte de 13 anos o número de estudos
sobre o ES e EF é considerado baixo. Isso permite que se detecte haver pouco interesse
acerca da temática nas pesquisas realizadas no PEPG.
Os autores desses trabalhos utilizaram diversificadas fontes teóricas para
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fundamentar suas pesquisas. Dentre os principais objetivos desses trabalhos podemos
destacar: detectar as expectativas de formação geral e específica e o perfil pretendido do
docente da disciplina de Filosofia no ensino médio do Estado do Paraná; estudar as
razões alegadas para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias no
ensino médio; caracterizar o perfil de formação dos professores de Filosofia de escolas
públicas de ensino médio; propor um ensino de Filosofia para escola pública de ensino
médio; verificar se as transformações do currículo de Sociologia foram consequências
de transformações econômicas, políticas e ideológicas da sociedade brasileira; analisar
as transformações por que passou o currículo de sociologia, em vigor no ensino médio
das escolas estaduais de São Paulo, entre 1986 e 1992. Tais aspectos permitem apontar a
presença das relações descritas anteriormente.
É importante destacar que todos os trabalhos analisados são dissertações
diferentes do estudo feito por Marin e Bueno (2010), em que este trabalho foi inspirado,
além de se concentrarem no ensino regular do nível médio. No entanto, o estudo de
Montero (2011, p.13) ao falar sobre as razões para implementação da lei n° 9.394/1996
que inclui a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias no ensino médio
aponta que “uma história da Filosofia como disciplina escolar no Brasil ainda está para
ser feita. A grande ênfase atual é num estudo histórico da Filosofia como área do
conhecimento”.
Outro dado bastante relevante é a concentração de três professores orientadores
nessas pesquisas. Isso nos leva a pensar no possível domínio desses três professores
acerca da temática, do campo empírico em que foram realizados os estudos, ou, ainda, a
não percepção das possibilidades abertas a estudos sobre a organização curricular das
escolas.
A análise documental foi utilizada como fonte e procedimento de coleta de
dados nos estudos conforme análise feita das Tabelas 4 e 5, no entanto, um dos trabalhos
não especificou no resumo o procedimento de coleta de dados utilizado em seu estudo.
Para Marin e Bueno (2010),
Temos a evidência da reprodução constante de um espectro
tradicional de procedimento de investigação que provém de
áreas de investigação desenvolvidas sobretudo durante o
século XX, em oposição a outro conjunto muito pouco
utilizado como, por exemplo, sociogramas, inventários ou
grupo focal que, apesar de não serem tão recentes, são pouco
utilizados como procedimento de investigação em educação
(p. 231).
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Espera-se que este trabalho possa contribuir para compreensão do foco dos
estudos de dissertações e teses que são produzidos no programa de EHPS e em outros
cursos e servir como reflexão para futuras pesquisas sobre formação do alunado nessa e
em outras áreas da organização escolar.
Referências
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ensino médio: a prova de conhecimentos específicos do concurso público de provas e
títulos realizado no Estado do Paraná, em 1991. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
MARIN, Alda J. Didática e trabalho docente. Araraquara: Junqueira & Marin, 2005,
pp. 30-56, 159-178.
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Balance sobre dissertaciones y tesis 1987/2006. In OLIVEIRA, Dalila A.;
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Humanidades, Fondo Editorial: Lima-Perú, 2010, pp. 215-238.
MONTERO, Maria F. A. V. O ensino de filosofia no ensino médio brasileiro:
antecedentes e perspectivas. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
PAIVA, Carlos R. O Ensino de Filosofia no ensino médio: que Filosofia? Dissertação
(Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2006.
ROBBA, Giordano G. As transformações do currículo de sociologia em São Paulo.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2013.
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3042ISSN 2177-336X
23
TODA MAFALDA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE FILOSOFIA
César Wiliam Furqui Massoco
UNIARA – Araraquara-SP
RESUMO
Este trabalho é parte de dissertação elaborada com o objetivo de realizar análises
textuais de algumas tiras cômicas do livro Toda Mafalda, escrito pelo argentino Joaquín
Salvador Lavado, como proposta pedagógica para aulas de Filosofia. O recorte da
dissertação aqui apresentado expressa estudo bibliográfico e documental, abordando os
conceitos filosóficos de poder e micropoder em Michel Foucault. Busca-se pensar em
novos caminhos para se trabalhar o ensino de filosofia no ensino médio hoje. Pretende-
se estabelecer mudanças na recepção e aceitação da Filosofia por parte dos alunos e
também na atuação docente, por meio de novas práticas pedagógicas em sala de aula.
Por se tratar de pesquisa realizada no âmbito de um mestrado profissional em educação
e, sendo um dos eixos temáticos a inovação, pretende-se investigar novos caminhos
para se trabalhar o ensino de Filosofia, considerando a realidade e o perfil atual dos
alunos do ensino médio. A pesquisa adota como referencial teórico os estudos de
Barbero, Charlot, Dussel, Fanfani & Tedesco, Marcelo e Roldão para conceituar e
contextualizar a formação e trabalho do professor e a relação dos alunos com o
conhecimento. No que diz respeito à inovação e à ação do professor de Filosofia, os
estudos de Aspis, Gallo, Lopes e Oliveira também fornecem referências. Pretende-se
apresentar exemplos de possibilidades de como o professor de Filosofia pode trabalhar,
de maneira distinta e prazerosa, alguns conceitos considerados difíceis e muitas vezes
cansativos na visão dos jovens alunos.
Palavras-chave: Ensino da Filosofia; Toda Mafalda; Prática pedagógica.
Sobre a pesquisa
Minha formação e atuação profissional como professor de Filosofia nos Ensino
Fundamental II e Médio, bem como minha especialização em Filosofia e Ensino de
Filosofia justificam, em parte, o meu interesse em elaborar um trabalho de natureza
bibliográfica, de análise documental analítico-descritiva, abordando os conceitos
filosóficos de poder e micropoder em Foucault, valorizando novas maneiras de ensinar
Filosofia por meio de práticas pedagógicas que possam contribuir para um ensino-
aprendizagem significativo. Trata-se de um olhar reflexivo que favorece o interesse do
aluno e o trabalho do docente, no processo ensino-aprendizagem da Filosofia.
Este trabalho parte do princípio de que o acesso ao conhecimento por meio da
Filosofia pode e deve proporcionar aportes significativos aos alunos em formação, para
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sua sobrevivência, para o enfrentamento em inúmeras situações em seu cotidiano e para
um nível melhor de vida. É incontestável a relevância do conhecimento na sociedade
contemporânea, todavia, esta mesma sociedade caracteriza-se por inúmeras informações
que nos são “despejadas” a cada segundo pelos mais variados meios de comunicação.
Entretanto, fazer uma interpretação destas informações e transformá-las em
conhecimento, requer novas ferramentas mentais, que podem e devem ser adquiridas em
sala de aula, em especial no ensino médio.
Desta forma, entendo que a Filosofia pode contribuir muito para a compreensão
dos alunos ao se depararem com uma literatura em quadrinhos, sendo mediada por
professores que compreendam tais propostas e as coloquem em prática, uma vez que a
Filosofia deve se unir à educação, pois, de acordo com Deleuze e Guattari (1992, p.
143), na sala de aula, oficina de conceitos é experimentação: “(...) pensar é
experimentar, mas a experimentação é sempre o que se está fazendo – o novo, o notável,
o interessante, que substituem a aparência de verdade e que são mais exigentes que ela”.
Assim, a seguinte questão norteou esta pesquisa: É possível abordar conceitos
filosóficos por meio das tiras cômicas da Mafalda? Partindo desta questão central outras
questões decorreram:
1) Como conectar os conceitos de poder e micropoder em Foucault com algumas
tiras cômicas da Mafalda?
2) Como o professor pode usar histórias em quadrinhos para ensinar conceitos
filosóficos a alunos de ensino médio?
Tomou-se como objetivo geral realizar análises textuais de algumas tiras
cômicas da Mafalda como propostas pedagógicas para aulas de Filosofia, abordando e
trabalhando conceitos filosóficos. E como objetivo específico, buscar nas tiras cômicas
inseridas no livro Toda Mafalda algumas situações que envolvam os conceitos de poder
e micropoder, analisando-as, explicando porque e como se relacionam com os referidos
conceitos.
Partiu-se da hipótese de que a Filosofia deve andar paralelamente e de mãos
dadas com a Educação e que o papel da escola e do professor é o de levar discussões
filosóficas ao ambiente escolar, utilizando novos métodos, ajudando os estudantes a
encontrar sua própria identidade.
A esse respeito Silvio Gallo nos diz que:
Se tomarmos a Filosofia como uma atividade criativa, isso significa que
ensinar essa disciplina do pensamento não pode ser apenas transmitir
conhecimentos e informações. Se a filosofia é atividade de criação, é
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necessário convidar a fazer essa atividade, isto é, convidar a pensar
filosoficamente. E se pensar filosoficamente significa pensar através de
conceitos, então o ensino da Filosofia precisa ser de algum modo, um acesso
aos conceitos, uma apreensão dos conceitos produzidos pelos filósofos, mas
também um convite à criação de conceitos próprios. Assim, essa noção de
Filosofia parece nos proporcionar uma perspectiva do ensino desta disciplina
que não seja uma mera transmissão de informações (...) (GALLO, s/data).
Não existe filosofia sem conceitos, mas como levá-los às aulas sem que os
estudantes se sintam entediados? Para Gallo (2004, “(...) É o conceito que permite à
filosofia que seja dialógica: dialogamos, sim, mas a partir de conceitos” (p. 3), ou seja, é
o conceito que permite pensar criticamente. Mas de nada adianta o docente levar os
conceitos às aulas sem que o aluno se sinta instigado pelo que lhe é apresentado e como
lhe é apresentado.
O saber pensar, o pensar consciente ou o pensar crítico só pode ser interiorizado
pelos jovens alunos partindo deles próprios, impulsionados pelo desejo de buscar o
conhecimento e a verdade.
Está claro que a internet se tornou uma imensa e completa enciclopédia, mas
como diz Eco (2007), ela não ensina a procurar e filtrar, de maneira correta, tantas
informações disponíveis. Eco (2007) assevera que “(...) decidir o que é que vale a pena
recordar e o que não, é uma arte sutil. Essa é a diferença entre os que cursaram estudos
regularmente (ainda que seja ruim) e os autodidatas (ainda que sejam geniais)”. Não há
sentido algum termos a internet à nossa disposição se não soubermos utilizá-la
consciente e sabiamente, por isso o docente é o profissional adequado na condução de
cada um de seus discentes.
Esta postura de professor vem corroborar para um novo modelo de prática
pedagógica. O docente deve modificar o seu ambiente, proporcionando e despertando
em seu alunado, uma expectativa quanto ao processo ensino-aprendizagem.
Assim, por meio de metodologia de natureza documental, analítico-descritiva,
são analisadas neste texto algumas tiras cômicas extraídas do livro Toda Mafalda
(LAVADO, 2010), escrito pelo pensador argentino Joaquín Salvador Lavado,
relacionando-as com os conceitos de poder e micropoder em Foucault, já que as
principais preocupações de Lavado, que é um humanista, são o poder e suas vítimas.
O poder e suas causas, estudados por Foucault, têm suas origens no decorrer da
história. Este é um instrumento dado àqueles que o exercem para usá-lo ou impor-se
sobre as pessoas com visibilidade absoluta e extenuante. Não se deve considerar o
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poder somente em grandes dicotomias ou em grandes grupos como os capitalistas,
burgueses e proletários e sim que o poder está inserido em cada um dos atos nos quais
vivemos em sociedade, ou seja, em cada pequeno ato está este exercício político entre as
pessoas.
Percebe-se que o poder e os micropoderes de que fala Foucault (2004a e 2004b)
em livros como A microfísica do poder (2004a) e Vigiar e Punir (2004b) estão inseridos
implicitamente nas tiras cômicas da Mafalda. As mensagens contidas nestas tiras
apontam para uma nova vertente na abordagem e no ensino de Filosofia, pois chega aos
leitores por meio de uma leitura menos técnica e mais popular. E este cenário propõe ou
sugere novas práticas para o ensino de Filosofia. Por exemplo, as Figuras 1, 2 e 3 a
seguir, revelam situações vividas pelo personagem Filipe, nas quais se pode identificar
angústia e crise geradas por decisões a serem tomadas e o poder velado exercido pela
escola:
Figura 1: Entre o dever e o lazer
Fonte: Lavado (2012, p. 215).
Figura 2: A relação com a escola
Fonte: Lavado (2012, p. 239).
Figura 3: O dever de casa
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Fonte: Lavado (2012, p. 402).
Assim, por meio de análises textuais decorrentes das observações feitas nas tiras
cômicas, advogo aqui a possibilidade de uma nova proposta para o ensino de filosofia.
Um pouco sobre a Mafalda e seu criador
Joaquín Salvador Lavado ou Quino é um argentino nascido na cidade de
Mendoza no ano de 1932. Quino é considerado um dos mais importantes humoristas
argentinos. Ele cria Mafalda em 1962, mas só em 1964 é que aparece oficialmente no
semanário Primera Plana, considerado o mais importante da Argentina. O semanário
solicita a Quino, como o escritor é carinhosamente chamado, algo satírico, porém
diferente das vinhetas tradicionais da época. Ele, então, retoma uma antiga ideia de uma
menina atrevida à qual atribui “(...) o papel de enfant terrible, já consagrado na tradição
das histórias em quadrinhos” (LAVADO, 2012, p. X).
Ao longo dos anos, as tiras cômicas de Mafalda vão se tornando populares em
vários países e traduzidas para outras línguas também. Quino, seu criador, desenha sua
última tira original em julho de 1973. Em 1976, são publicados os primeiros livros de
Mafalda voltados ao público infantil, terminando com um total de dez livros. Mafalda
aparece no Brasil no ano de 1981. Ela é uma menina muito culta e questionadora,
preocupada com a política, com o social, com a humanidade e com o mundo de maneira
geral. Umberto Eco, no Prefácio do livro Toda Mafalda, diz que ela não aceita o mundo
tal como ele é e, por isso, o contesta com todas as forças. Por esse motivo, penso que ela
é uma verdadeira filósofa e que posso, a partir dela e dos outros personagens como
Filipe, Liberdade, Miguelito, Manolito, Susanita etc., encontrar muitos conceitos
filosóficos inseridos nas mais variadas situações em que estão envolvidos.
A luta instintiva pelo poder
Desde que nascemos nos deparamos com os mais variados níveis de poder, mas
o primeiro poder ou o primeiro núcleo de poder no qual se exercem poderes concentra-
se no nosso lar. É no núcleo familiar que o indivíduo, desde seu nascimento, começa a
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ter os primeiros contatos com essa imensa gama de micropoderes dentro de uma
hierarquia preestabelecida. Em primeiro lugar, não nos dão o direito de escolhermos
nossos próprios nomes, em seguida, nos impõem várias regras disciplinares. Nossos
pais compram nossas roupas, nos vestem, nos alimentam a sua maneira, nos colocam
para dormir no horário que eles acreditam ser o melhor etc.
É óbvio que não estamos contra tudo isso, o que pretendemos com a nossa
explanação, é mostrar que desde a nossa mais tenra idade estamos envolvidos por uma
carga de micropoderes muito intensa. Entendemos, também, que isso nada mais é do
que uma questão disciplinar para que haja uma boa relação e convivência familiar.
Sobre a disciplina, Michel Foucault (2004a, p. 179-180) acredita que o poder
somente funciona caso haja certa economia dos discursos de verdade, ou seja, o poder
nos é imposto para uma produção da verdade e temos que desempenhar tal poder
produzindo-a, não importa a sociedade em que vivemos; o importante é que as relações
de poder sejam verdadeiras e organizadas.
A Figura 4, a seguir, representa situação que escolhemos como exemplo desse
poder hierárquico que se inicia nos nossos lares, sintetizando o que vem a ser a
hierarquia doméstica:
Figura 4: Hierarquia doméstica I
Fonte: Lavado (2012, p. 288).
Dentro da hierarquia familiar da Mafalda há o pai, considerado o chefe da casa,
em seguida a mãe e, consequentemente, os filhos: a Mafalda, seguida de seu irmão
Guile e, por último, o bebê. Ficam claros os graus de poder existentes no lar de Mafalda
e também como se torna uma rotina normal essa prática entre os familiares.
Continuando nesta mesma linha, mas com uma situação em que o poder e a
hierarquia são desafiados pelo mais fraco, encontramos outro personagem: o Manolito.
A Figura 5, a seguir, revela outra face dessa hierarquia, em que o poder exercido pelo
mais forte deixa de usar argumentos verbais:
Figura 5: Hierarquia doméstica II
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Fonte: Lavado (2012, p. 158).
Como Manolito não gosta de estudar, ele enfrenta sua mãe dizendo que não vai
mais à escola, descumprindo uma lei ou uma regra hierárquica já preestabelecida dentro
do lar. Podemos chamar de indisciplina ou insubordinação, passível de punição caso tal
regra seja descumprida. No caso acima, Manolito opta por ir ao colégio a ser punido ou
castigado pela mãe.
Para Foucault (2004b, p. 79), “(...) a semiotécnica com que se procura armar o
poder de punir, repousa sobre cinco ou seis regras apenas (...) ou seja, o crime só é
cometido se o mesmo trouxer vantagens para quem o executa, pois se a desvantagem for
maior, ele não o comete” (FOUCAULT, 2004b, p. 79),. e entendemos que a situação
pela qual passa Manolito se enquadra na “regra de quantidade mínima” No caso da tira
com Manolito, fica claro que a desvantagem (apanhar da mãe) é maior do que a simples
vantagem de não ir à escola e ficar em casa.
Se Manolito optasse pelo castigo, entenderíamos que o bem que a quebra de
regra lhe causou foi maior do que houvera sido sua punição. Recorrendo a Albuquerque
(1995, p. 107), ele nos diz que: “(...) na concepção corrente do poder, o rei (A) sempre
estará presente, assim como seu simétrico, o súdito (B). E poder sempre será um objeto
que passa do rei para o súdito ou que o rei retira do súdito.” A mãe de Manolito
desempenha o papel do rei e Manolito o do súdito e, a partir do momento em que ele faz
uso de um poder exagerado, sua mãe o retira.
Agora, deixemos rei e súdito de lado e analisemos a relação simplesmente de
mãe e filho. Esse domínio de soberania da mãe sobre o filho pode se chamar autoridade,
que a ela foi conferida por meio de um acordo que, com o decorrer da história, foi sendo
instituído em prol de uma boa convivência política que se estendeu aos mais variados
segmentos da sociedade, inclusive, dentro dos lares. Sobre isso Albuquerque (1995, p.
108) diz que “(...) a natureza dessa relação assimétrica é sua subordinação à manutenção
da ordem política”.
Ao analisar a microfísica do poder, Foucault se preocupa em entender as
mudanças no sistema de governo, no sistema político e o que isso influi direta ou
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indiretamente na sociedade em termos gerais ou específicos. Neste sentido há mudanças
no corpo social, no corpo político, no corpo institucional, no corpo educacional e,
principalmente, no corpo familiar, atingindo o cotidiano das pessoas:
Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta
dos indivíduos – o seu corpo – e que situa ao nível do próprio corpo social, e
não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser
caracterizado como micro-poder ou sub-poder (FOUCAULT, 2004b, p. XII
– grifo meu).
Considerações finais
Baseado em minha prática docente no que tange ao ensino de Filosofia, penso
que os resultados caminham na direção de estimular os jovens alunos de ensino médio
hoje à leitura filosófica por meio das tiras cômicas da Mafalda, que considero uma via
de acesso com inúmeras possibilidades de se trabalhar conceitos filosóficos. Os
resultados parecem levar os alunos não somente a ler ou discutir filosofia, mas, sim, em
alguns momentos, a pensar/refletir sobre os conceitos trabalhados e buscar soluções
práticas para os problemas pessoais, familiares e sociais levantados durante as aulas.
Não podemos, enquanto professores de Filosofia, apenas falar de Filosofia. Acredito
que este trabalho nos leva a repensar e a rever alguns modelos e métodos pedagógicos,
no sentido de que não devemos subestimar nossos alunos, pois são capazes de nos
surpreender em muitos aspectos. Eles são capazes de construir ideias e pensamentos,
são capazes de elaborar estratégias e terem ideias de como solucionar um determinado
problema e isto não deixa de ser um trabalho filosófico, um exercício de “pensar
filosoficamente”.
Trata-se de criar um ensino de filosofia que enxameie saídas como afirmam
Aspis e Gallo (2010, p. 104). Um ensino de filosofia para jovens que seja uma arma de
produção de sub-versões, que leve ao desenvolvimento de uma disciplina filosófica no
pensamento de nossos jovens alunos:
Talvez possamos praticar um ensino que, no mínimo, e talvez isso já seja o
suficiente, se o conseguirmos, faça-os saber que é possível criar, ainda. Que
os faça sentir que cada um deles pode ser uma máquina de criação de
versões, que a submissão não é a única saída. Isso significa que podemos
tentar reativar nos jovens a ideia – e a prática – de que há um poder, o poder
da vida, que é de cada um, com o qual se pode criar o mundo. É possível,
através de um determinado ensino de filosofia, contribuir para o impulso dos
jovens de criar seu mundo da mesma forma que nós, gerações anteriores, bem
ou mal, criamos o nosso (ASPIS; GALLO, 2010, p. 103).
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