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Av. Presidente Dutra, 2965 - Centro
Porto Velho - RO - CEP: 76801-974
Fone: (69) 2182-2175
www.edufro.unir.br
Odete Burgeile
Jos Lucas Pedreira Bueno
Juracy Machado Pacfico
(Organizadores)
Olhares da mdia na Amaznia:
movimentos e manifestaes
Porto Velho-RO
2016
EDUFRO
Ficha Catalogrfica Biblioteca Central da UNIR
Preparo de originais: Autores
Reviso Gramatical: Autores
Reviso de Normas Tcnicas: Autores
Composio: EDUFRO
Editor: Jairo Andr Schlindwein
Fundao Universidade Federal de Rondnia
Ari Miguel Teixeira Ott
Reitor
Marcelo Vergotti
Vice-Reitor
Adilson Siqueira de Andrade
Chefe de Gabinete
Ivanda Soares da Silva
Pr-Reitor de Administrao
Otaclio Moreira de Carvalho Costa
Pr-Reitor de Planejamento
Jorge Luiz Coimbra de Oliveira
Pr-Reitora de Graduao
Valdir Aparecido de Souza
Pr-Reitora de Ps-Graduao e Pesquisa
Rubens Vaz Cavalcante
Pr-Reitor de Cultura, Extenso e Assuntos
Estudantis
Conselho Editorial da EDUFRO
Jairo Andr Schlindwein (Prof. UNIR), Jos Lucas Pedreira Bueno (Prof. UNIR), Emanuel Fernando Maia de Souza (Prof.
UNIR), Rubiani de Cssia Pagotto (Profa. UNIR), Osmar Siena (Prof. UNIR), Jlio Csar Barreto Rocha (Prof. UNIR), Marli
Lucia Tonatto Zibetti (Profa. UNIR), Sirlaine Galhardo Gomes Costa (Bibliotecria UNIR), Clberson de Freitas Fernandes
(EMBRAPA), Dante Ribeiro da Fonseca (ACLER
Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei no 10.994, 14 de dezembro de 2004.
Av. Presidente Dutra, 2965 - Centro
Porto Velho - RO - CEP: 76801-974
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SOBRE A CAPA
Numa cultura como a nossa, h muito acostumada a dividir e estilhaar todas as coisas como
meio de control-las, no deixa, s vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos prticos e
operacionais, o meio a mensagem, (McLuhan,1964, p.21).
A imagem utilizada na capa deste livro retrata um momento importante para a formao
social e histrica da Amaznia. Trata-se do retrato de trs telegrafistas na estao de Pimenta
Bueno, trabalho realizado por um dos membros da Comisso Rondon, o fotgrafo Jos Louro.
Contudo, no s o momento histrico importante para ser analisado nesse contexto. O prprio
meio utilizado para apresentar os acontecimentos indicava o processo de modernizao pelo
qual, ainda nos primeiros anos do sculo XX passava a Amaznia. A fotografia, assim como o
cinema foram instrumentos miditicos muito presentes nas aes do Estado a partir da formao
da Repblica brasileira. atravs das imagens que a propaganda positivista toma fora e
possibilita a consolidao de uma nova realidade poltica aps a tardia queda do sistema
monrquico.
Por outro lado, o momento retratado por Jos Louro destaca a importncia das
comunicaes no processo de criao de Rondnia e, porque no dizer, de toda Amaznia, uma
vez que a realidade apresentada no interior do posto telegrfico, isso dito pelo prprio Candido
Rondon (1915), no era a mesma observada em seu exterior, onde indgenas, seringueiros e
regates definiam as principais caractersticas da sociedade vigente. A presena mais intensa do
Estado, a ordem estabelecida pelos grupamentos militares, os smbolos nacionais cada vez mais
presentes, passaram a dar o mote para a formao de povoaes com caractersticas urbanizadas
e cada vez mais distantes da natureza.
A Comisso Rondon e seus postos telegrficos: Vilhena, Pimenta Bueno, Presidente
Hermes, Presidente Afonso Pena, Jaru, Ariquemes, Caritianas, Jamari e Santo Antnio
demarcaram o que seria, com o passar dos anos, o interior do estado de Rondnia. Justamente a
partir dessas estaes telegrficas que geralmente eram instaladas nas sedes de alguns barraces
de seringa, formaram-se as comunidades embrionrias que demarcaram o interior desse estado.
A fotografia disponvel na pgina eletrnica do Museu do ndio possui as seguintes
informaes: Rondnia: Comisso Rondon. 1922. 1 fot., P&B. 15cm x 21cm. Fotografia
pertencente ao lbum: Comisso Rondon. Linhas Telegrficas estratgicas de Mato Grosso ao
Amazonas. O endereo eletrnico :
Washington Heleno Cavalcante
http://base2.museudoindio.gov.br/cgibin/wxis.exe?IsisScript=phl82.xis&cipar=phl82.cip&lang=porhttp://base2.museudoindio.gov.br/cgibin/wxis.exe?IsisScript=phl82.xis&cipar=phl82.cip&lang=por
~ 6 ~
SUMRIO APRESENTAO ................................................................................................................... 7
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das
publicaes online ................................................................................................................... 10
Elizabete Matia de Siqueira (UNIR)
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o
caso dos blogs de Rondnia ................................................................................................... 23 Lilian Maria Moser (UNIR)
Jos Willians Simplicio da Silva(UNIR)
A influncia das mdias e o poder simblico das redes sociais no facebook na divulgao de
eventos religiosos pentecostais e das religies de matrizes africanas em Porto Velho ..... 35 Joel Balduino da Silva Junior(UNIR)
Miguel Nenev (UNIR)
A utilizao da mdia escrita e da caravana ford como estrtgias do governo de Rondnia
para concluso da BR-29 ....................................................................................................... 49 Washington Heleno Cavalcante (UNIR)
air: cultura amaznica reinventada pelo mercado para a mdia .................................. 62 Raimunda Adriana Maia Costa (UFOPA) Tnia Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
Rdio e a sade dos moradores s margens rio Purus, em Lbrea/AM ........................... 74 Fbio Teixeira Lima (UNIR/IFAM)
Jos Lucas Pedreira Bueno (UNIR)
Amaznia: cultura, mdia e poltica pela tica de um massacre ........................................ 83 Mauro Antnio dos Santos (UNIR)
A migrao na viso da mdia impressa e seu papel na difuso de Rolim de Moura ...... 95 Maria Aparecida da Silva (UNIR) Odete Burgeile (UNIR)
O discurso sobre o Brasil na mdia e a identidade do brasileiro ..................................... 105
Liubov Tarasova (UNIR) Odete Burgeile (UNIR) lcio Aloisio Fragoso (UNIR)
Notas sobre a esttica autoetnogrfica no documentrio ................................................. 114 Juliano Jos de Arajo (UNIR)
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS ............................................................................... 120
Odete Burgeile, Jos Lucas Pedreira Bueno
~ 7 ~
APRESENTAO
O livro Olhares da mdia na Amaznia: movimentos e manifestaes foi
produzido pelo Mestrado em Histria e Estudos Culturais, Mestrado Profissional em Educao
Escolar, Mestrado em Letras, pelo Grupo de Estudos Lingusticos, Literrios e Socioculturais-
GELLSO, Grupo EDUCA - Grupo Multidisciplinar em Educao e por convidados de outra
instituio.
Procuramos organizar uma obra em que pudssemos relacionar trabalhos acerca das
representaes da cultura, da diversidade e da educao com as discusses cientficas no
contexto das comunidades da Amaznia, a partir de estudos elaborados por pesquisadores da
Universidade Federal de Rondnia e da Universidade Federal do Oeste do Par, buscando
oferecer ao leitor um panorama, nunca exaustivo, de pesquisas e atuaes em campos do saber
que so construdos em muitas reas do conhecimento.
uma obra para ser lida e apreciada com as belezas da Amaznia, mas tambm com
suas contradies: encantos e desencantos; riquezas e vida simples; explorao e preservao,
dentre tantas outras. obra para se fazer um belo voo pela Amaznia e, especialmente, por
Rondnia.
Na virada do Sculo XXI, as mulheres j representam mais da metade da populao
mundial. Organismos como a Organizao das Naes Unidas, a Organizao Mundial do
Trabalho e a Organizao Mundial de Sade, espelham a tomada de conscincia e o
reconhecimento da mulher como elemento chave do desenvolvimento." Com essas palavras
inicia Siqueira a abertura dos trabalhos desta coletnea, tentando identificar e compreender
como a mdia online, no perodo de 2011 a 2013, se manifesta com relao ao universo das
mulheres assentadas em Rondnia, especificamente em Porto Velho, bem como as relaes se
estabelecem com sociedade hodierna.
Moser e Silva problematizam algumas nuances da festa do Divino Esprito Santo
sob o prisma dos Estudos Culturais. Mostram como a sociedade contempornea tem
possibilitado humanidade acesso s tecnologias sob os signos da praticidade e da
interatividade.
Apresentao
~ 8 ~
Com uma crtica presena da mdia em alguns eventos culturais em detrimento de
outros, Balduino da Silva Junior e Nenev tratam do avano das mdias atravs do Facebook, na
divulgao dos eventos religiosos e simblicos das religies Pentecostais e Afrodescendentes
em Porto Velho. Os autores mostram as diferenas existentes entre excluso social no campo
das culturas de massa.
Com as palavras "O incio do governo de Juscelino Kubitschek tendo como mote 'o
desenvolvimento e a ordem', foi um prenncio de apaziguamento das mazelas ideolgicas entre
os militares. Por outro lado, o presidente buscou logo no incio de seu governo atender as
reivindicaes das corporaes militares, tanto na questo salarial quanto na questo tcnica
com a aquisio de equipamentos [...]", Cavalcante analisa os problemas que envolveram a
utilizao da mdia escrita e da Caravana Ford no processo de construo da BR-29, atual BR-
364, o que ocorreu durante o governo de Kubischek. Vale a pena conhecer essa parte da histria
de Rondnia.
Costa e Brasileiro desenvolvem os argumentos que sustentam a ideia de que a mdia,
a indstria cultural e, fatalmente, o mercado exercem influncia decisiva na concepo e
construo dos eventos histricos da Amaznia.
Lima e Bueno destacam que, dentre os vrios problemas enfrentados pela populao
do municpio de Lbrea/AM, a sade pblica talvez a mais preocupante. Isso porque envolve
vrios fatores nas reas econmicas, sociais e culturais, e destacam o rdio como meio de
comunicao de massa, responsvel pela divulgao e informao sobre os riscos da hepatite B,
nos lugares mais longnquos da sede do municpio de Lbrea.
Santos aponta que "uma das mais constantes contradies na produo literria e
histrica da Amaznia o adjetivo a ela referido que vai de paraso a inferno. Tais adjetivos
incorporados pela literatura e popularizado pelos seus exploradores j uma demonstrao da
sua singularidade cultural." O autor faz uma reflexo atravs dos conceitos de cultura, mdia e
poltica para tentar mostrar como se deu a construo e desconstruo dos fatos do massacre
Corumbiara que levaram ao desfecho histrico da luta por terra na Amaznia.
Silva e Burgeile discorrem sobre as contradies presentes entre a viso
desenvolvimentista do Estado brasileiro para Rolim de Moura - Rondnia e a dos migrantes
dessa regio, atravs do dilogo entre as mdias impressas sobre a migrao, a Roda de
Conversa e os questionrios aplicados com esses migrantes.
Tarasova, Burgeile e Fragoso tentam identificar as possveis relaes entre o
discurso da mass mdia sobre o Brasil e a construo da identidade do sujeito. Para os autores,
"consciente ou inconscientemente, os media, que inclui jornais, TV, internet, radio entre outros,
tornaram-se parte importante da vida quotidiana dos sujeitos, levando-se em conta tanto a
Odete Burgeile, Jos Lucas Pedreira Bueno
~ 9 ~
perspectiva individual como a perspectiva social", supondo-se, com isso, que os mass midia so
efetivamente um meio de controle e de construo da sociedade.
Encerrando as sees da coletnea, Juliano Arajo traz questes para se pensar as
implicaes estticas para o audiovisual de no-fico, a partir da realizao de documentrios
por comunidades indgenas.
Agradecemos aos autores e autoras que produziram os textos, o que possibilitou que
pudssemos agora ter um excelente trabalho e o prazer de entregar aos leitores e leitoras.
Porto Velho, setembro de 2016.
Odete Burgeile Jos Lucas Pedreira Bueno
Elizabete Matia de Siqueira
~ 10 ~
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo
reflexivo em torno das publicaes online
Elizabete Matia de Siqueira (UNIR)
1. Introduo
Na virada do Sculo XXI, as mulheres j representam mais da metade da populao
mundial. Organismos como a Organizao das Naes Unidas, a Organizao Mundial do
Trabalho e a Organizao Mundial de Sade, espelham a tomada de conscincia e o
reconhecimento da mulher como elemento chave do desenvolvimento. (PLANO NACIONAL
DE POLTICAS PARA AS MULHERES, 2013, p. 07).
E no que se refere a origem dos estudos culturais sobre as mulheres importante
esclarecer que se trata de um olhar sobre a mulher reassentada, e se pretende dar espao para um
novo modo de ler as relaes que foram estabelecidas no Reassentamento Santa Rita. Em que
foram selecionados atravs de pesquisa exploratria jornais on line, para verificar se os mesmos
apresentam reportagens sobre as mulheres reassentadas.
Nestes estudos culturais nos quais esto centrados a mulher poder-se- incluir alguns
conceitos propostos por Vicente (1998) como feminismo que se refere a discusso poltica,
social ou tica sobre o lugar da mulher na sociedade; feminilidade: discusso referente ao
carter prprio da mulher; e feminidade: discusso sobre aquilo que constitui o carter de quem
mulher.
A partir dessas definies possvel constituir um estudo sobre as mulheres,
incluindo o estudo das implicaes culturais sobre a posio e o percurso da mulher na
sociedade e o contributo feminino, muitas vezes silenciado.
Para compreendermos o cenrio sobre o movimento das mulheres preciso
descrever os principais movimentos ocorridos neste Sculo. Busca-se nesta pesquisa,
informaes das notcias publicadas nos jornais online sobre as mulheres, sobre as polticas
pblicas de atendimento s mesmas, aos movimentos sociais e aquelas de reivindicao, no
perodo de 2011 a 2013.
As transformaes so concretas para uma parcela de mulheres, no entanto outras
continuam desprovidas dos arsenais de que as classes dominantes so possuidoras. Algumas
prticas, como mudanas culturais no sentido de redimensionar os papis sociais da mulher so
necessrias. Isto exige tempo e empenho, uma vez que a emancipao da mulher passa pela
superao da reproduo social dos modelos tradicionais de homem e mulher.
Tomando como base esses desafios as mulheres colocam-se como prioridades a
construo de polticas que lhe assegurem mais espaos de poder, equidade no trabalho, incluso
no desenvolvimento. E isso ocorrer se houver democratizao da mdia que, s vezes, contribui
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das publicaes online
~ 11 ~
para a invisibilidade do protagonismo das mulheres, haja vista a ausncia de publicaes sobre
participao e atuao destas na superao das expresses cotidianas e da opresso, as quais
continuam submetidas.
O artigo apresenta um breve relato histrico sobre o movimento das mulheres
assentadas. E no segundo momento nos mostra como a mdia online retrata a mulher
reassentada, o movimento de participao e o seu legado para a sustentabilidade e nas
consideraes finais as questes colocadas sobre a mdia online, encontrou-se poucas
informaes sobre as mulheres reassentadas, apenas restringe-se a fatos relacionados violncia
contra a mulher.
2. Breve relato histrico sobre o movimento das mulheres assentadas no Brasil a partir do
sculo XXI
Ao estabelecer a democracia no pas, a Constituio Federal de 1988 um marco
legal que coloca as mulheres em condies de igualdade aos homens. Mas as conquistas de
direitos das mulheres esbarram em muitos desafios j que muitos direitos somente so
assegurados no papel.
De acordo com os dados do IBGE (2012), 37,3% das famlias brasileiras so
chefiadas por mulheres; e h muitas mulheres emancipadas, mas outras tantas ainda continuam
carregando sozinhas o peso dessas mudanas conjunturais como a pobreza, procriao dos
filhos, afazeres domsticos e ajudam no aumento da renda da famlia e, muitas vezes, so a
principal geradora de fonte de renda. Para compreender o cenrio sobre o movimento das
mulheres preciso descrever os principais movimentos ocorridos neste sculo.
2.1. Movimentos de mulheres no brasil
As polticas para as mulheres tm avanado significativamente a partir da
perspectiva do dilogo e a construo coletiva, conforme o Plano Nacional de Polticas para as
Mulheres (2013). Os movimentos de mulheres feministas e demais movimentos sociais se
apresentam com cunho de reverter as lgicas desiguais perante a nossa sociedade h sculos.
Observa-se que desde a criao da Secretaria de Polticas para Mulheres, em maro
de 2003, buscou-se consolidar o amadurecimento de tais polticas, a partir do dilogo
permanente entre governo e sociedade civil, com o fito de reforar o princpio de que um estado
plenamente democrtico s o se for possibilitada a condio da participao social, sobretudo
das mulheres.
Tais polticas tm sido fomentadas por meio de Conferncias, segundo o Plano
Nacional de Polticas para as Mulheres (PNPM, 2013, p.09): a I Conferncia Nacional de
Polticas para as Mulheres, em julho de 2004, contou com 1.787 delegadas que debateram as
suas agendas e elaboraram o I Plano Nacional de Polticas para Mulheres. O processo como um
todo envolveu mais de 120 mil mulheres em todas as regies do pas. J a II Conferncia
Nacional de Polticas para as Mulheres, que ocorreu em agosto de 2007, contou com a
participao de 200 mil mulheres. O resultado deste evento foi a elaborao do II Plano
Nacional de Polticas para Mulheres. E no ano de 2011, em dezembro, aconteceu a III
Conferncia Nacional de Polticas para Mulheres, cujos resultados inseriram as temticas de
gnero em diversas frentes e estabeleceu um plano a ser executado no binio 2013 a 2015.
Elizabete Matia de Siqueira
~ 12 ~
O documento que referenda o Plano de Polticas para as Mulheres cita na parte
introdutria a seguinte afirmativa:
No mandato de Dilma Rousseff, primeira mulher presidenta do Brasil, o Plano Nacional de
Polticas para as Mulheres torna-se um instrumento ainda mais importante, tendo em vista que,
em seu governo, a Secretaria de Polticas para as Mulheres assume maior protagonismo e
liderana - como reafirmado pela presidenta em sua fala durante a 3 Conferncia Nacional de
Polticas para as Mulheres: Eu tenho o compromisso inabalvel - e reafirmo aqui - de
aprofundar as polticas de igualdade de gnero no nosso pas (2013, p.09).
Tal perspectiva mostra o cenrio poltico e histrico do enfrentamento massivo
violncia e discriminao, bem como demonstra a amplitude das polticas pblicas indicando o
propsito poltico de efetivar programas com resultados especficos.
Assim, as polticas para as mulheres permitem que haja articulao de rgos
competentes para a execuo de incluso sociopoltica das diferenas tanto no espao privado
quanto no espao pblico, permitindo que o estado como um todo seja a base de polticas para
as mulheres, na medida em que considera todas as formas de desigualdade e permita o
enfrentamento do problema por inteiro.
Ao buscar o direito vida de qualidade das mulheres no meio rural, as polticas
pblicas tambm respeitam as especificidades das mulheres do campo, e faz-se necessrio
conhecer o movimento de mulheres assentadas na Regio Amaznica, para conhec-las como
protagonista na ocupao do territrio.
2.2. Movimentos de mulheres assentadas na regio amaznica: o olhar da mdia online
A Amaznia de uma enorme diversidade cultural, formada por quilombolas,
seringueiros, povos da floresta, ribeirinhos e os migrantes na ocupao do espao, contou com
participao efetiva, direta e indireta das mulheres que junto aos homens constituram a
formao dos novos grupos sociais, inclusive dos reassentamentos.
O reconhecimento da contribuio da mulher para a produo e reproduo dos bens
da famlia, ainda desalentadora na sociedade, no s pelo fato da ausncia de reconhecimento
como trabalhadora, mas tambm por poucos estudos acadmicos sobre a histria das mulheres
assentadas, principalmente na regio amaznica, mais especificamente em Rondnia.
Cabe observar que Rondnia, estado da Regio Amaznica, em 2008, passa por
momento marcante no desenvolvimento econmico e social, motivado pela construo das
usinas do Rio Madeira que provocou uma verdadeira revoluo na vida dos habitantes,
principalmente em Porto Velho e seus arredores. A hidreltrica Santo Antnio, segundo o site
oficial da empresa, j investiu R$ 939 milhes em aes de sustentabilidade, como
reassentamento, resgate de fauna e flora, alm de investimentos em educao, sade e
segurana, segundo informaes da mdia institucional da Empresa Santo Antnio Energia
(2011).
Para remanejar as famlias atingidas pela barragem foram implementados sete
reassentamentos: Santa Rita, Novo Engenho Velho, So Domingos, Riacho Azul, Vila de
Teotnio, Morrinhos e Parque dos Buritis. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), todos os reassentamentos foram criados sem seguir um mesmo padro, conforme dados
na pgina online do Movimento dos Atingidos por Barragem MAB, (2011).
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das publicaes online
~ 13 ~
O MAB (2011) publicou em suas pginas online:
A inexistncia de uma poltica nacional que garanta os direitos mnimos as famlias
atingidas concede total liberdade para que as empresas construtoras adotem uma
poltica discriminatria, preconceituosa, injusta e autoritria de tratamento com as
famlias, condicionada apenas a seus interesses lucrativos, a tal ponto que os atingidos
de Rondnia, formados em grande parte por ribeirinhos, pescadores, agricultores e
extrativistas esto sendo remanejados para vilas urbanas sem ter terra, gua, acesso ao
rio, trabalho, renda e escolas adequadas. (2011, p. online).
Existem contradies sobre os reassentamentos. As famlias so atingidas pela
mesma barragem, mas, mesmo assim, o tratamento diferenciado, com casas e terras com reas
diferentes. Segundo o MAB (2011), as famlias no foram consultadas a respeito de como
deveria ser construda sua nova morada. A empresa Santo Antnio Energia - SAE imps um
modelo de reassentamento e que est com srios problemas. O movimento informa ainda, que
somente no reassentamento Santa Rita, o MAB e o Instituto Nacional de Colonizao e Reforma
Agrria INCRA participaram das negociaes com as famlias reassentadas e a SAE, portanto
o nico reassentamento em que as casas foram construdas com 100 m.
Diante de tantos problemas o MAB apresentou uma pauta de reivindicaes para
garantir direitos bsicos das famlias assentadas pelas usinas:
1- Prorrogao da Verba de Manuteno: Que o auxilio dado s famlias (verba de
manuteno) seja prorrogado at que as mesmas tenham capacidade de produzir e
sobreviver com a renda a partir de sua prpria produo.
2- Terra Preparada: Que todas as famlias tenham sua rea de produo individual
totalmente preparada, mecanizada e corrigida corretamente em condies de produzir.
3- gua para Todos: Que todas as famlias de todos os reassentamentos tenham um
poo artesiano de qualidade e uma caixa de 5 mil litros para ter o abastecimento de
gua satisfatrio tanto para consumo quanto para a produo.
4- Direitos iguais para todos reassentamentos: Que todas as reas de reassentamento
tenham os mesmos direitos: patrulha de maquinas agrcolas e todos implementos,
galpo, 50 hectares de terra para todos; estradas; moradias.
5- Exigimos a soluo imediata das reas de reserva legal de todos os Reassentamento:
compra imediata dos 40 hectares por famlias em todos os reassentamentos.
6- Pagamento pela empresa de todas as contas referentes s tarifas de energia eltrica e
de gua at que as famlias tenham renda de sua produo.
7- Soluo de todas as demais pendncias existentes em cada reassentamento. (2011, p.
online.).
As dificuldades apresentadas diferem do discurso usado pela empresa Santo Antnio
Energia quando apresenta todo seu plano de investimento em aes de sustentabilidade,
incluindo os reassentamentos, pois o relatrio da Dhesca Brasil1 confirma a violaes dos
direitos humanos.
A relatoria Nacional do Direito Humano ao Meio Ambiente - Plataforma Dhesca
Brasil (2011), em monitoramento visando investigar as denncias de violaes de direitos
humanos relacionados s obras das usinas hidreltricas do Complexo do Rio Madeira em Porto
Velho-RO, concluram, entre vrias violaes:
No reassentamento de populaes verificou-se reclamao generalizada de piora das
condies de vida por reduo da receita das populaes removidas, assim como de m
qualidade na construo das casas e vias pblicas. (2011 p.03).
1 Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econmicos, Sociais, Culturais e Ambientais DHESCA.
Elizabete Matia de Siqueira
~ 14 ~
Continuando, o relatrio Dhesca (2011, p.4) aponta:
O nmero de homicdios dolosos cresceu 44% em Porto Velho entre 2008 e 2007, e a
quantidade de crianas e adolescentes vtimas de abuso ou explorao sexual subiu
18%. O nmero de estupros cresceu 208% em Porto Velho entre 2007 e 2010.
Percebe-se que diante de to grande movimento, as minorias so as maiores vtimas,
seja por explorao sexual ou estupro, vitimando principalmente as crianas, adolescentes e
mulheres, que nas reportagens online, durante esse perodo pesquisado, aparecem apenas como
vtimas e no como protagonistas de sua histria.
Pelo fato das mulheres no serem vistas como protagonistas na mdia, reportamo-
nos a Escosteguy (2001) ao afirmar que a partir da segunda metade da Dcada de 1970, os
primeiros estudos culturais desenvolveram trabalhos que se concentraram nos meios de
comunicao de massa que, alm de entreter, eram tambm vistos como aparelhos ideolgicos
do Estado (grifo nosso).
Ao que se nota os meios de comunicao online pesquisados podem ser vistos como
aqueles que no apresentam todos os dados conforme os denunciados pelo MAB e o relatrio da
Dhesca Brasil. Estabelece portanto a hiptese de que a mdia institucional apenas reproduz o
discurso dominante e a mdia no institucional no se manifesta.
obvio que as informaes publicadas pela mdia podem apresentar conceitos,
valores que nem sempre representam o pensamento de um grupo, ou seja, pode vir distorcido,
por isso importante investigar e contrapor a notcia, como neste caso, muitos dados publicados
pela Usina so contrapostos pelo Relatrio Dhesca.
Em Zoonnen (1996, p. 30) apud MESSA (2006), destaca dois conceitos recorrentes
nas abordagens sobre mdia: distoro e socializao. Como distoro entende-se o modo
como a mdia nos faz acreditar em uma realidade que no existe. J como socializao, entende-
se o processo pelo qual assimilamos os valores simblicos correntes em nossa sociedade, que
nos permitem posicionarmo-nos nesta com determinado status ou papel.
E assim, vejam como a mdia rondoniense trata as questes da mulher reassentada.
3. A mulher reassentada: o que dizem as reportagens online na mdia rondoniense
Nesta pesquisa, buscou se investigar de que forma a mdia escreve sobre a mulher
assentada na reforma agrria, em jornais online de Porto Velho. Foram selecionados 05 (cinco)
jornais online com notcias sobre mulheres assentadas para anlise e discusses.
Cabe considerar que a mdia, segundo Fischer (2001), um lugar privilegiado de
criao, reforo e circulao dos sentidos, que operam na formao de identidades individuais e
sociais, bem como na produo social de incluses, excluses e diferenas - temas fundamentais
hoje nos mais diversos campos das cincias humanas.
A pesquisa exploratria deu-se a partir de jornais online, como por exemplo: Tudo
Rondnia, O Observador, Rondnia ao Vivo, Rondnia Dinmica, Rondonotcias. Realizou-se
uma pesquisa no Google e constatou-se a existncia de 43 (quarenta e trs)2 Jornais online na
regio. Destes jornais selecionados encontraram-se notcias sobre mulheres, publicadas no
perodo de 2012 e 2013, mas no notcias especficas sobre as mulheres assentadas.
2 Disponvel em: Acesso em: 24 jan. 2014.
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das publicaes online
~ 15 ~
As notcias, em sua maioria, tratam sobre os assentamentos ou reassentamentos e
so reprodues de informaes dos rgos oficiais, que em suas pginas online divulgam
pautas sobre o tema.
E no caso especfico de Rondnia uma nica notcia no ano de 2012, no Jornal
Rondnia Dinmica3, de 07 de maro, afirma que as mulheres rurais so prioridade nos
assentamentos da reforma agrria em Rondnia. Acrescenta que o INCRA desenvolve aes
permanentes nos assentamentos como o Programa de Documentao da Mulher Trabalhadora
Rural, o Crdito Apoio Mulher, assistncia tcnica e sua incluso na titularidade de lotes,
cadastramentos e contratos.
Percebe-se que a mdia online reproduz o que est nos sites institucionalizados,
como o caso dos Programas de Atendimento mulher rural, visto no site do Ministrio de
Desenvolvimento Agrrio - MDA, cuja matria a mesma no Jornal Rondnia Dinmica.
O site oficial do Ministrio de Desenvolvimento Agrrio - MDA e do INCRA, ao
falar das mulheres assentadas, afirma que a partir do movimento dos assentados e outros
movimentos, o Governo Federal, reconhece as desigualdades de gnero, implanta um conjunto
de polticas pblicas de apoio s mulheres rurais, possibilita a incluso como beneficirias
diretas, afirmando o seu protagonismo e promovendo a autonomia econmica, dando acesso
documentao e a poltica de apoio produo e comercializao, como tambm direito ao
ttulo da terra. O Ministrio de Desenvolvimento Agrrio - MDA, atravs da Diretoria de
Polticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas desenvolveu polticas para a reduo das
desigualdades de gnero no meio rural.
Entre as polticas implantadas pelo governo federal atravs do Ministrio de
Desenvolvimento Agrrio, destaca-se o Programa Nacional de Documentao da Trabalhadora
Rural -PNDTR, que garante s mulheres rurais o acesso a documentos civis e trabalhistas.
O Programa Nacional de Reforma Agrria, pela Portaria 981/2003, do Instituto
Nacional de Reforma Agrria INCRA inclui as mulheres na regularizao e titulao do
Certificado de Cadastro de Imvel Rural, juntamente com o homem, independente do estado
civil. A Instruo Normativa 38/2007, do INCRA, garante s famlias chefiadas por mulheres a
prioridade na classificao das mesmas para o beneficio da Reforma Agrria, garantindo o
acesso e direito das mulheres terra.
Segundo Mouro (2010), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF) com uma linha de crdito especial, o PRONAF Mulher, com o objetivo de
reconhecer e estimular o trabalho das mulheres rurais na agricultura familiar e nos
assentamentos da reforma agrria financia as atividades desenvolvidas pelas mulheres de
maneira individual ou coletiva. O PRONAF Mulher um instrumento de fortalecimento da
produo das mulheres rurais e superao da invisibilidade do trabalho feminino.
Continuando Mouro (2010), afirma que em 2008, foi criado o Programa de
Organizao Produtiva das Mulheres Rurais - POPMR, pela Portaria Interministerial 02,
publicada no Dirio Oficial da Unio (DOU), de 24 de setembro de 2008. Programa
Interministerial do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio - MDA, Ministrio de
Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), Ministrio do Trabalho e Emprego -MTE,
Ministrio da Pesca e Aquicultura - MPA Secretaria de Polticas para Mulheres SPM, Instituto
Nacional de Reforma Agrria - INCRA, Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB,
com a finalidade de articular as polticas de fortalecimento das organizaes de mulheres rurais,
3 Disponvel em: Acesso em: 24 jan. 2014.
http://www.rondoniadinamica.com.br/
Elizabete Matia de Siqueira
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garantindo acesso s polticas de apoio produo e comercializao, promovendo autonomia
econmica e incentiva troca de informaes, conhecimentos tcnicos, culturais, valorizao da
economia solidria.
As polticas impulsionam a organizao das mulheres, mas ainda precisam de
ampliao e fortalecimento, com maior participao das mesmas e aes de promoo da
igualdade de gnero, haja vista, que a mdia embora cite tais programas, v-se que essas
informaes falam de polticas para as mulheres e no das mulheres no contexto, embora elas
tenham papel preponderante na fixao do homem, dos filhos e filhas na comunidade, mesmo
com todas as dificuldades, conforme afirma Bechimol apud Fechine (2007, p. 22):
A Mulher o elemento fixador por excelncia. D o sentido de estabilizao e
permanncia na terra em uma imigrao bem dirigida. No entanto, sendo quase sempre
sentimental por ndole, e mais chegada aos hbitos e costumes, quem vai sofrer mais
a mudana de ambiente [...]. Em todas as mulheres que entrevistei, sentia sempre um
desgosto, um desnimo quando no revolta incontida. No haver mais sossego para
mim numa terra em que eu no conheo ningum. A falta de aconchego do lar, da
paisagem domstica, dos parentes e dos amigos, da convivncia como eles chamam,
atua poderosamente para isso.
As transformaes so concretas para uma parcela de mulheres, no entanto outras
continuam desprovidas dos arsenais de que as classes dominantes so possuidoras. Algumas
prticas, como mudanas culturais no sentido de redimensionar os papis sociais da mulher so
necessrias. Isto exige tempo e empenho, uma vez que a emancipao da mulher passa pela
superao da reproduo social dos modelos tradicionais de homem e mulher.
Segundo Messa (2006), ser feminista, no Sculo XXI, no significa excluir o
homem da relao, como se fosse o patriarcado culpado de todos os males que afligem a
mulher. Tambm no significa que homens e mulheres precisam ser iguais, mas indica que na
diferena no deve residir nenhum tipo de preconceito.
A notcia do jornal online Rondnia Dinmica, de 07 de maro de 2012, ainda
destaca que a assistncia tcnica do Incra est orientada para integrar todos os membros do
grupo familiar, como homens, mulheres, jovens e idosos. A famlia passou a ser compreendida a
partir da participao de todos os seus membros, sendo reconhecidos novos arranjos sociais,
inclusive com as mulheres chefes de famlia.
Diante de tamanha importncia do papel da mulher, a assentada assume uma dupla
responsabilidade, a de ser mulher e ser assentada.
3.1. O legado de sustentabilidade das mulheres assentadas e seu movimento de
participao
Segundo Jalil (2009), uma nova ordem econmica e mundial se iniciou no final da
Dcada de 1970. A poltica neoliberal acirrou as desigualdades sociais e abriu espao para a
entrada de um novo tipo de capital, fortalecendo o agronegcio, a indstria de sementes,
insumos e agrotxicos, a tecnologia dos equipamentos, a flexibilizao da legislao trabalhista
e ambiental, o latifndio e a monocultura. Esta nova ordem refletiu nas populaes rurais,
principalmente na vida das mulheres, pois, elas so as responsveis pelo cuidado da famlia e
ainda pela manuteno da diversidade, o cuidado das sementes e a agricultura de subsistncia.
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das publicaes online
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Com a democratizao do pas e a Constituio Federal de 1988, aumentou a
participao dos atores sociais nas instituies polticas. Este processo prope mudanas
estruturais, polticas e culturais bem como retomar o significado de uma democracia
participativa, por meio dos movimentos sociais.
Segundo Carneiro apud JALIL (2009, p. 6):
neste ambiente e no bojo das transformaes polticas que, no Brasil os movimentos
das mulheres ganham fora e significativa expresso nos processos de lutas no campo e
datam deste perodo as primeiras organizaes formais com o objetivo de reivindicar o
reconhecimento poltico de um estatuto profissional, bem como de outros direitos
sociais.
O movimento incorpora novas demandas e questionamentos, como a diviso sexual
do trabalho, a violncia sexista, a participao das mulheres nos partidos polticos, sindicatos,
associaes, levando a uma mudana das aes de luta e como estas vo ocorrer.
As primeiras organizaes a surgirem segundo Jalil (2009, p. 5) foram:
Movimento Popular de Mulheres do Paran (MPMP), em 1983; Movimento das
Mulheres Agricultoras de Santa Catarina (MMA-SC), em 1984; Movimento das
Mulheres Assentadas de So Paulo (MMA-SP), em 1985; Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTR-RS, em 1985; Comisso Estadual
de Mulheres da Federao dos Trabalhadores de Rondnia (CEM/FETAGRO, em
1985; Associao de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Esprito Santo (AMUTRES),
em 1986; Movimento das Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE), e 1986;
Centro de Associaes de Mulheres Trabalhadoras do Acre (CAMUTRA), em 1987;
Articulao das Instncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais-Sul (1988) e a Comisso
Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Central nica dos Trabalhadores
(CNMTR-CUT), em 1990.
Os questionamentos e lutas enfatizados nos movimentos foram e so indispensveis
para um processo de democratizao, ampliando o acesso a direitos sociais o que leva a uma
transformao das relaes de poder.
Como resultado do envolvimento das mulheres agricultoras em vrias organizaes,
surge o Movimento das Mulheres Camponesas MMC, em 2003, quando as mesmas organizam
vrias discusses com sindicatos e movimentos sociais, realizando de 21 a 24 de setembro de
2003 o I Curso Nacional, com representao de 14 estados e participao de 50 mulheres,
representando os Movimentos Autnomos. Assim nascia o MMC com princpio poltico e as
diretrizes:
Construir um movimento nacional das mulheres camponesas se justifica a partir da
certeza de que a libertao da mulher obra da prpria mulher, fruto da organizao e
da luta (MMC).4
O MMC o nico movimento feminista que compe a Via Campesina5 no Brasil. A
luta central do MMC contra o modelo capitalista e patriarcal e pela construo de uma
sociedade com igualdade de direitos. Sua principal bandeira de luta hoje o Projeto de
4 Nota de apresentao do movimento em sua pgina: Acesso em: 26
jul. 2013. 5 A Via Campesina um movimento internacional que coordena organizaes camponesas de pequenos e mdios
agricultores, trabalhadores agrcolas, mulheres camponesas e comunidades indgenas da sia, frica, Amrica e
Europa. Trata-se de um movimento autnomo e pluralista.
Elizabete Matia de Siqueira
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Agricultura Camponesa Ecolgico, com uma prtica feminista, fundamentado na defesa da vida,
na mudana das relaes humanas e sociais e na conquista de direitos, tais bandeiras de lutas
contextualizam a mulher e a sua relao com a sociedade no campo.
O Projeto Popular de Agricultura Camponesa do Movimento das Mulheres
Camponesas - MMC busca viabilizar polticas pblicas que o projeto prope para a agricultura
que garantam a permanncia no campo, a produo de alimentos saudveis, crdito especial para
mulheres, etc.; a soberania alimentar; cuidado, respeito e preservao do ambiente; e no que se
refere ao uso sustentvel dos recursos naturais; quanto preservao das nascentes de guas;
revitalizao do Rio So Francisco; preservao das plantas medicinais e sementes crioulas; j
para o direito e o acesso terra; produo agroecolgica de alimentos; garantia de gerao de
renda; valorizao e valorao do trabalho e renda gerada pelas mulheres, garantindo sua
autonomia; bem como incentivar e fortalecer a concretizao de cooperao solidria; e na
produo de alimentos prope facilitar a produo de alimentos com o auxilio da cincia,
voltada aos interesses das camponesas; e aos movimentos coletivos assevera que a:
organizao coletiva do grupo familiar na construo de novas formas de vivncia e
convivncia de maneira a superar as relaes da famlia patriarcal e machista; e tal
construo dar-se- a partir da construo coletiva de espaos de poder partilhado de
mulheres e homens tanto nos espaos privados quanto nos pblicos; com relao as
mudanas nas relaes humanas e a diversidade estabelece o respeito a diversidade
tnico racial, de gnero, econmica, cultural, ecolgica, e de espiritualidade;
fortalecimento da arte e da cultura camponesa atravs de crenas, rezas, rituais, visitas,
pratos tpicos, mutires de trabalho, danas, roda de viola, literatura de cordel,
repentes, festas tpicas e outras; valorizao e reconhecimento do saber popular, fruto
da herana e do conhecimento da vida camponesa; garantia da autonomia de
camponesas e camponeses sobre o processo de trabalho (MMC, 2013, p. online)
Tudo isto reflete sobre o seu corpo e sobre o seu modo prprio de vida.
A segunda bandeira de luta do MMC pela Ampliao dos Direitos Sociais que
tem por objetivo a garantia do direito Previdncia Pblica e Universal que assegure e efetive
os direitos e benefcios j conquistados, bem como a ampliao de direitos sociais; no que
concerne a garantia do direito Sade Pbica; assim como a garantia de documentao para
todas as mulheres e seus familiares; direito educao pblica de qualidade, libertadora e
emancipatria; garantia de acesso aos direitos conquistados na Lei Orgnica da Assistncia
Social; para a garantia de moradia digna, saneamento, luz e estradas, lazer e atividades
culturais; investimento pblico na pesquisa, cincia e tecnologias a servio da vida; garantia de
polticas pblicas de combate violncia e proteo de mulheres e crianas; tambm prev a
poltica de comercializao e aquisio direta de alimentos e produtos da agricultura
camponesa.
Com o Projeto Popular para o Brasil o MMC tem por objetivo central lutar pela
soberania nacional, proteo, conservao e preservao da biodiversidade, recuperando,
valorizando a cultura brasileira, fortalecendo as iniciativas de poder popular que reafirmam a
busca da dignidade e autonomia da mulher e do povo brasileiro.
A quarta bandeira de luta do MMC pela:
Participao poltica da mulher na sociedade pela participao, valorizao e
autonomia da mulher em todos os espaos de deciso sobre a produo, o patrimnio,
as relaes humanas, polticas e comunitrias, de maneira a garantir a manuteno e o
avano do campesinato, na construo de um projeto popular para o Brasil; garantia de
A ausncia da mulher assentada na mdia rondoniense: um estudo reflexivo em torno das publicaes online
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autonomia e no mercantilizao do corpo das mulheres com o fim de todas as formas
de violncia, opresso, discriminao e dominao praticada contra as mulheres e a
classe trabalhadora. (MMC, 2013, p. online)
A questo compreender como os movimentos organizados se colocam frente
problematizao, questionamento e enfrentamento das relaes sociais, polticas, culturais e
econmicas que so a base das relaes sociais.
Nas diversas culturas, as relaes sociais e as organizaes se diferenciam de acordo
com a diviso social do trabalho e na lgica da cultura patriarcal. Recorremos a categoria de
gnero, para uma melhor compreenso das formas de relaes e de poder. Gnero aqui
entendido segundo Jalil, (2009, p. 10):
Como um conjunto de normas, valores, costumes e prticas socialmente construdas e
que atravs das quais a diferena biolgica entre homens e mulheres culturalmente
significada, gerando hierarquia e relaes de poder.
importante entender que, se cultura surge de todo um modo de vida, de esperar
que a cultura camponesa varie segundo diferenas ecolgicas, alm das sociais; diferenas no
ambiente fsico implicam diferenas na cultura material e estimulam tambm diferentes atitudes
como afirma Burke (2010, p.59).
Percebe-se que os movimentos organizados das mulheres a partir de suas prticas,
reafirmam a luta de transformao da sociedade como instrumento poltico, reafirmando s
mulheres o papel de protagonistas do enfrentamento ao modelo capitalista e patriarcal.
Podemos dizer que o futuro depende do reconhecimento da importncia das
mulheres e a necessidade de se consolidar o papel das mulheres para o desenvolvimento.
Prahalad apud Freitas eti alli (2010, p.786) afirma:
Porque as mulheres podem organizar suas vidas muito mais rpido. As famlias
permanecem juntas pela mulher. Elas se preocupam com suas crianas, e querem que a
vida delas seja mudada. Milhares de mulheres na ndia, por exemplo, esto sendo
motivadas, e esto comeando a poupar e ter algum dinheiro. [...] Atualmente pessoas
pobres devem ser empreendedoras para sobreviver e mulheres so boas nisso. So suas
regras de sobrevivncia. Se voc escutar essas pessoas, voc vai aprender que elas no
so estpidas. Elas so to espertas. Elas pensam a vida em algumas formas profundas.
[...] E elas no esto pedindo favores. Esto pedindo uma chance. E uma chance tudo
que podemos dar. D a elas a chance, e elas sero empreendedoras.
Ao viabilizar para as mulheres igualdade de oportunidades, fortalece-las e ampliar a
participao na economia, a proposio acima coloca a mulher como empreendedora.
Segundo Butto apud Mouro (2010, p. 5):
Os movimentos sociais de mulheres e sua auto organizao foram capazes de
transformar relaes na famlia, garantir sua participao em organizaes mista e
impulsionar o Estado a elaborar polticas pblicas voltadas para a promoo da sua
autonomia econmica.
A participao das mulheres fica evidenciada no texto acima e sabe-se que as
organizaes tm proporcionado novas reflexes sobre sua prpria situao e aquilo que se
passa a sua volta. Confirmando Beauvoir (1949) que afirma: ningum nasce mulher: torna-se
mulher.
Elizabete Matia de Siqueira
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4. Consideraes finais
Os estudos culturais em torno das mulheres muitas vezes esto ligados diretamente a
movimentos e prticas no sentido de redimensionar seu papel no espao em que vive. Nada mais
do que assegurar espaos de poder.
Ao se fazer a historicizao de movimento de mulheres assentadas no Brasil a partir
de Sculo XXI, um dos marcos de dilogo e de construo coletiva para reverter as lgicas
desiguais o ano de 2003, que, com a criao da Secretaria de Polticas para Mulheres, refora o
princpio democrtico de possibilitar s mulheres a condio de partcipe em aes que as
mulheres exeram liderana e protagonismo, aprofundando as polticas de igualdade de gnero.
Ao se referir sobre o movimento das mulheres assentadas na regio Amaznica sob
o olhar da mdia, constatou-se que a mulher assentada ainda invisvel no cenrio amaznico.
Percebeu-se que no movimento resultante dos assentamentos em decorrncia da
construo das usinas, o discurso miditico imprimiu, de certa maneira, as violaes dos direitos
humanos relacionados as minorias e em sua maioria mulheres.
Constatamos nos jornais online algumas notcias sobre mulheres, mas no
encontrou-se notas especficas sobre as mulheres assentadas. E as notas encontradas nada mais
eram que reproduo das informaes dos rgos oficiais.
O legado de sustentabilidade das mulheres assentadas e seu movimento de
participao so reflexos das mudanas estruturais, polticas e culturais, resultante da
democratizao do pas, a partir da Constituio Cidad, de 1988.
A questo colocada sobre a mdia, embora ela ainda no tenha dado a devida
visibilidade ao papel da mulher assentada, inegvel que a participao das mulheres nas
organizaes proporcionou novas reflexes sobre a prpria situao e aquilo que passa a sua
volta.
Em suma, ao tratar do tema das mulheres assentadas e seus direitos e veicul-lo
mdia vai incentivar outras mulheres a produzirem escritas que falam e relatam a condio de
mulher reassentada.
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Elizabete Matia de Siqueira
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VICENTE, Ana. Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens (1998). Disponvel em:
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Lilian Maria Moser, Jos Willians Simplicio da Silva
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A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das
novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
Lilian Maria Moser (UNIR)
Jos Willians Simplicio da Silva (UNIR)
1. Introduo
O captulo objetiva problematizar algumas nuances da festa do Divino Esprito
Santo sob o prisma dos Estudos Culturais. Cabe ponderar, contudo, que se trata aqui duma
incurso ainda preliminar, na qual buscamos discutir, levantar questes sobre a cobertura/e/ou
informaes produzidas e veiculadas pelas mdias digitais (blogs). Ao analisar as mdias e esta
em particular, pelo vis dos estudos culturais, verifica-se um importante entendimento da
relao entre cultura e cibercultura.
Segundo consta na bibliografia que versa a respeito da temtica1, a referida festa
teve incio no Sculo XIX, para atender aos anseios religiosos das populaes locais, com a
finalidade de manter acesa a chama da f dos integrantes daquelas comunidades que,
possivelmente, o fizeram para dar vazo aos anseios da espiritualidade. Com passar do tempo, e
dinamicidade comum s manifestaes culturais populares, essa ocorrncia histrico-religiosa
transformou-se numa das mais expressivas referncias de manifestao do chamado patrimnio
imaterial do Estado de Rondnia.
O intuito da presente discusso mostrar como esse evento tem sido apresentado
sob a tica miditica, visto que esse bem cultural configura-se em um smbolo sagrado de
devoo pelos moradores das comunidades quilombolas de Pimenteiras e circunvizinhanas; e
em concomitncia, investigar a maneira segundo a qual as festividades de cunho espiritual,
rememoram, constroem e do sentidos outros s sociabilidades vivenciadas no passado e
ritualizadas no presente.
Entendemos assim, que a simbologia apresentada e representada quando s pessoas
realizam cultos religiosos diversos, como celebraes, novenas, romarias, fitas-votivas,
promessas, dentre outras demonstraes de devoes, no so ricas apenas pelo ritual que
encerram; mas tambm pela historicidade que expressam, nos motivos de ser que englobam, no
componente de registro e informaes a respeito do passado que esses atos apresentam, mesmo
depois de tantas transformaes operadas em seus sentidos e formas de apresentao, cuja
prpria existncia e continuidade so o exemplo mais notvel de que sua polissemia abarca
experincias vividas e vivncias contemporneas.
As manifestaes da simbologia do evento despertam o interesse dos meios
miditicos em produzir e veicular informaes das pessoas envolvidas no culto religioso ao
1So poucos os trabalhos at agora publicados concernentes a Festa do Divino Esprito Santo do Guapor, nas
fronteiras entre Brasil e Bolvia. Para se ter acesso a discusses, sobretudo no que diz respeito a constituio desse
bem cultural na regio, consultar HARRISON (2008).
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
~ 24 ~
Divino Esprito Santo. Isto significa dizer que se pretende com esse trabalho, olhar para a Festa
do Divino a partir de uma viso sistmica, e no v-la, apenas, como Patrimnio cultural
imaterial ou, simplesmente, como smbolo de poder poltico administrativo e espiritual da Igreja
Catlica. Mas, sobretudo, verificar como essas e outras questes so galgadas sob a perspectiva
das mdias digitais.
Feitas estas ponderaes, vlido destacar que no se deve descuidar do fato dessas
serem manifestaes culturais de carter religioso e, como tal, compe parte das expresses da
cultura popular realizadas pelos habitantes das comunidades ribeirinhas tradicionais de
Pimenteiras. Reiterar essa questo importante para no se descuidar da importncia e
necessidade de procurar compreender as representaes do povo sobre o Divino, como um ser
capaz de curar suas doenas do corpo e do esprito. Qual seja, existem eventos ali de outra
ordem, que se rementem a dimenses que o pesquisador nem sempre consegue adentrar em sua
investigao.
Ainda assim, discusses nesse campo das religiosidades, das crenas so
fundamentais no sentido de compreender no somente como se estruturam as relaes sociais, as
negociaes, os conflitos, a construo de identidades dentro da chamada cibercultura.
Ao adentrar em discusses como essas, polissmicas que so, em todos os sentidos
possveis, um arsenal de questes relevantes posto em cena, pois oportuniza ao leitor um
conhecimento histrico sobre as dimenses de poder exercidas pelas mdias, que vo alm do
mbito religioso, comumente, privilegiado pela histria, descaracterizando outras variveis
sobre o evento.
Parte das reflexes aqui desenvolvidas ancorou-se na bibliografia e historiografia
locais as quais conforme j ponderamos so ainda bastante sucintas, que abordam a histria da
Festa do Divino, e por referencial terico, tomamos, sobretudo, as discusses desencadeadas
por: Bruno Nogueira, Por uma funo jornalstica nos blogs de MP3- Download e crtica
ressinificados na cadeia produtiva da msica (2011); Andr Lemos, Cibercultura: alguns
pontos para entender a cultura de nossa poca (2011) Mircea Eliade, O sagrado e o profano: A
essncia das religies (1992); Zygmunt Bauman, Modernidade Lquida (2007); e Pierre
Bourdieu, Cultura e Poltica (1980).
O texto encontra-se organizado em trs sees, alm desta. Na prxima seo,
busca-se conhecer a relao entre a festa do Divino Esprito Santo e a imprensa digital,
enfatizando tambm o importante papel desencadeado pela internet na cobertura da festa. A
terceira seo, dedica-se anlise de textos produzidos e as informaes noticiadas pelos blogs
locais sobre a festa do Divino, demonstrando as lacunas nos textos publicados. Na ltima sesso
sero discutidas as condies de produes miditicas, despertando o leitor para observar como
so mediadas as informaes pelas mdias digitais.
2. A representao da festa do divino pela mdia
De acordo com as oralidades dos devotos2 do Divino Esprito Santo, devido ao
grande nmero de pessoas que participam do evento ter aumentado de forma significativa a cada
ano, esse fato fez a imprensa despertar interesse na festa. Da festa do Divino participam o clero,
2Relatos dos registros orais extrados do Presidente da Irmandade do Divino Esprito Santo apresentado pela
pesquisadora Liana Ferraz Bedr Jardim (2011), na sua dissertao de mestrado, cujo tema A fala da mulher:
identificao dos aspectos lingusticos e o papel da Mulher quilombola do Vale do Guapor atravs de sua fala.
Lilian Maria Moser, Jos Willians Simplicio da Silva
~ 25 ~
fiis, romeiros, turistas, mdia, curiosos e polticos3. Ela constitui-se um evento cultural de
mistura de cores, crenas e ritos. No esquecendo que dentro desse espao sagrado, o profano4
se mostra cotidianamente em diversos momentos dos festejos.
Nesse entendimento, a mdia digital tem dado importncia ao evento atuando como
um dos veculos de comunicao, divulgao e representao da Festa do Divino Esprito Santo,
uma das festas religiosas locais mais expressivas da cultura local.
A imprensa digital tem mostrado nas suas produes, o histrico da festa do Divino,
por meio de textos e imagens fotogrficas, inclusive aes que motivam as pessoas a realizarem
e fazerem parte do acontecimento. Dessa forma, percebe-se o papel importante que a internet
tem desempenhado para pulverizao do evento junta sociedade.
Aqui, buscaremos conhecer a relao entre a Festa do Divino e a imprensa, a fim de
entender melhor as informaes vulgarizadas pela mdia digital (blog)5 sobre o evento para os
internautas.
Conforme alguns blogs pesquisados, usa-se a hiptese de que a mdia tem
influenciado bastante na festa do Divino Esprito Santo, obviamente no podemos menosprezar
o relevante papel que tem a divulgao atravs da comunicao oral. Nesse rol de discusso,
relevante destacar que as informaes passadas em conversas entre pessoas, representa um meio
importante de veiculao do conhecimento sobre a festa acima mencionada. Principalmente nas
comunidades onde a informao miditica ainda no construiu espaos.
A cobertura da Festa do Divino no vale do Guapor tem crescido bastante na
internet, por isso esta parte do trabalho focou a anlise no blog G1, este que faz parte de um dos
maiores canais de comunicao do pas. Foi necessrio fazer um recorte temporal, devido s
diversas matrias publicadas sobre a festa. Optou-se pela matria do dia 03 de junho de 2012,
cuja edio traz o ttulo: Festa do Divino de Rondnia pode ser registrada como patrimnio da
Unio
3 Na coletividade da vida religiosa vive-se a individualidade, quer dizer, as pessoas manifestam culturalmente os
ritos religiosos e crenas no que acreditam ser divino, mas dentro dessa dinmica tem necessidades especficas.
Como tambm no so iguais para todos os motivos de estarem presentes no evento. Para aprofundar-se na
discusso, consultar mile Durkheim (2000), no livro As formas elementares da vida religiosa. 4 De acordo com Mircea Eliade, em o Sagrado e Profano (1992), durante a vida terrena o homem vive ao mesmo
tempo uma vida sagrada e profana. No caso da festa do Divino Espirito Santo os momentos profanos podem ser
evidenciados quando nos intervalos das manifestaes religiosas (ritos e crenas), acontecem os festejos sociais
(bailes, danas e consumo de bebidas alcolicas). Seguindo essa linha de raciocnio, fator importante dessas
prticas religiosas que acontece no espao sagrado em referncia o Divino, conforme acentua Mircea Eliade (1992), a noo de tempo, pois a cada manifestao religiosa que acontece ao longo das procisses fluviais e nas
casas dos quilombolas, ao longo das margens do Guapor, significam bem mais que apenas uma manifestao, um
acontecimento de cunho sagrado. Seus ritos, as sociabilidades ali vivenciadas, constituem-se tambm em momentos
nos quais o chamado mundo profano e seus anseios marcam presena. 5Baseado em Bruno Nogueira (2011), os Blogs (dirio online), foram criados para produo de informaes
textuais. Hoje em dia esse tipo de ferramenta da internet abrange outros tipos de categorias, como imagens, msicas
e vdeos. Ainda de acordo com o pesquisador acima, essa plataforma, facilita o acesso a notcias diversas, e dispe
de contedo organizado em forma cronolgica atravs de categorias e tags.
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
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Figura 1 - imagens da edio de 03 de junho de 2012 do G1 dando destaque
festa do Divino Esprito Santo como patrimnio da cultura imaterial da Unio
Fonte: http://g1.globo.com/ro. Acesso em: 03 Fev. 2014.
Analisando a ntegra dessa matria veiculada pelo blog do G1, percebe-se que o
Divino ganhou destaque na mdia digital nacional. Ao longo do texto produzido pelo Blog, com
o adensamento das discusses, o sentido mercadolgico, ou a perspectiva da comercializao
da cultura se torna mais evidente, na medida em que a festa sacra do Divino incorpora e
incorporada aos efeitos da chamada Globalizao, demonstrando, portanto, uma identidade local
que ao mesmo tempo em que dita fragilizada e ameaada pelos valores materialistas do
capitalismo, nos quais a noo de patrimnio cultural feita, em larga medida, para atender e
impulsionar a recente indstria do turismo religioso; esta tambm se utiliza de linguagens e
estratgias da globalizao para divulgar-se, para ser conhecida, para se dizer e fazer-se
patrimnio nacional.
Logo, destaca-se que o blog enquanto mdia digital pode ser considerada como uma
valiosa fonte histrica de pesquisa para o estudo em discusso. Em consonncia com Bruno
Nogueira (2011), afirmamos que a produo de um blog ou qualquer outro tipo de mdia, tem
um sentido de ser criado e um pblico a ser atingido. Assim sendo, a sua sobrevivncia depende
daqueles que consumirem6 a informao veiculada. Nesse entendimento, salienta Adorno (2002)
que a tica dos meios de comunicao de massa com dados estatsticos audincia do
pblico, e no com a qualidade do produto ofertado.
Dessa forma, so as informaes levadas pelas mdias s massas que tm o poder de
influenciar a opinio pblica, ou seja, ela tem o poder de seduzir as pessoas para criar verdades
entendidas ou apresentadas como absolutas e encobrir outras possibilidades. Entretanto, mesmo
a mdia no sendo na sua ampla acepo terminolgica democrtica, no se pode considerar a
sociedade como sendo simplria vtima das mdias (existem pessoas que sabem absorver e
selecionar as informaes divulgadas). No caso da mdia digital (blogs), geralmente existe a
possibilidade de crtica e interao com a informao veiculada, pois o internauta convidado a
deixar suas impresses sobre a informao divulgada, ou seja, o leitor visto como ser ativo que
6A respeito da discusso sobre indstria cultural, um interessante trabalho desencadeado consultar Adorno (2002),
na obra Indstria Cultural e Sociedade.
http://g1.globo.com/ro
Lilian Maria Moser, Jos Willians Simplicio da Silva
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recebe, l e produz informao. Todavia, quando considerada a proporo das pessoas que
acessam essas mdias, ainda so poucos os que se arriscam a fazer ponderaes e comentrios
relevantes produo veiculada pelos blogs.
Por isso, faz-se necessrio verificar sistematicamente essas ocorrncias, pois sempre
existem interesses de quem pulveriza essas matrias para sociedade. importante ressaltar que
quando as mdias criam e legitimam verdades, elas fazem isso com o aval dos leitores, ou seja,
as mdias vulgarizam os ditames para sociedade (relaes sociais), porm quem legitima e d
sentido as verdades o povo. Assim sendo, cabe aos meios miditicos apoderar-se desse leque
de possibilidades, para conquistar o seu espao nas manifestaes culturais.
3. Festa do divino na mdia - o caso dos blogs Rondnia
A festa do Divino Esprito Santo realizada no vale do Guapor pelos povos
quilombolas mobiliza pessoas de vrias partes de Rondnia, estados circunvizinhos e da Bolvia.
O evento consiste em uma manifestao cultural de carter religioso, feita pelos populares e
devotos que fazem do Divino um smbolo de devoo popular.
Historicamente, a Festa do Divino est associada s tradies religiosas portuguesas
do Sculo XIV. Nesse prisma, a festa representa uma ocorrncia importante para a histria dos
povos quilombolas da Amaznia, pois na sua concepo, essas manifestaes culturais so
feitas para demonstrar atos de sociabilidade religiosa. importante destacar que a festa tem
atrado tambm os olhares dos rondonienses.
O fato da mdia vulgarizar a festa do Divino Esprito Santo para sociedade, a partir
de matrias veiculadas nos blogs locais, dentre outros canais de informao, tm demonstrado o
quanto a imprensa pode ser uma ferramenta utilizada em tempos de era digital, em favor de
um evento cultural importantssimo para a representao da cultura religiosa local.
relevante informar que o culto religioso ao Divino Esprito Santo, no mantm
nenhum tipo de mdia digital para difundir o evento. Conforme indicam os relatos orais das
pessoas vinculadas s comunidades que realizam os ritos veem se repetindo de gerao a
gerao, pois os pais, num esforo de manter as tradies culturais da comunidade, ensinam os
filhos a crena no Divino e repassam o compromisso de manter as festividades religiosas
consuetudinrias. Essas atitudes revelam que embora faam parte de um mundo globalizado,
possivelmente o desejo e luta dessas populaes seja o de manter a tradio dos festejos, sem a
preocupao de expanso ou comercializao da cultura, ou seja, o interesse de preservar a
cultura imaterial da tradio local.
A partir de interesses exgenos, a mdia local passou a dar espao para festa do
Divino Esprito Santo, produzindo informaes sobre essa manifestao religiosa da cultura
local. No entanto, sabemos que ao confeccionar uma matria para ser divulgada pela imprensa, a
mesma vem sempre acompanhada de uma inteno, mesmo assim essas matrias afirmam o
espao dado festa pela mdia. Por essa tica, salientamos que a informao sempre fomenta
algum tipo de mobilizao.
Um dos primeiros blogs a divulgar e festa do Divino Esprito Santo, foi o blog
Divino do Guapor. As primeiras matrias noticiadas cronologicamente pelo blog so datadas de
2008. A sua pgina na internet pode ser acessada no seguinte endereo eletrnico:
http://divinodoguapore.blogspot.com.br/. A importncia deste webblog reside no fato de
fornecer ao internauta, devoto ou no do Divino Esprito Santo, a oportunidade de estreitar uma
relao de proximidade. Essa relao encurta-se quando, por exemplo, um fiel do Divino
http://divinodoguapore.blogspot.com.br/
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
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rememora no ciberespao aquilo que vivenciou durante a festa do Divino Esprito Santo, por
meio da apresentao de imagens, reportagens, vdeos e produo textual. Tendo em vista que a
cada ano so arquivadas novas fotos e novas matrias que revelam para o devoto os momentos
religiosos dos festejos.
Figura 2 - imagens da edio do dia 30 de maio de 2013 do Divino do
Guapor destacando os momentos sacros ao Divino Esprito Santo
Fonte: http://divinodoguapore.blogspot.com.br. Acesso em: 03 Fev. 2014.
Segundo Peter Burke (1992), a partir dos historiadores dos Annales, a histria trouxe
em seu arcabouo novos mtodos, novas fontes, novas abordagens e novos temas. Dessa forma,
ao acessar as produes dos blogs locais, foi importante para aprofundar os conhecimentos
sobre esse fenmeno religioso. Tendo em vista que o acesso a outros tipos de fontes histricas,
como por exemplo, materiais impressos so de difcil acesso.
Entretanto, ao problematizar algumas matrias noticiadas pelos blogs locais com o
sentido de faz-la falar, constatamos que alguns blogs, como por exemplo, o Portal do Divino,
enaltecem a figura da Igreja Catlica, quando na verdade historicizando esse fenmeno
religioso, evidenciamos que a festa do Divino teve incio com os povos quilombolas do
Guapor.
Importa tambm fazer um contraponto sobre essa questo dos blogs enaltecerem a
Igreja Catlica, porque essa instituio religiosa foi durante muito tempo parte combatente do
Catolicismo Popular. Entende-se por religiosidade popular7, uma mistura cultural entre os
7 sabido que o processo de romanizao da igreja catlica no Brasil foi bastante moroso, o que acabou por dar
origem a uma espcie de catolicismo que em larga medida, incorporava elementos da cultura que se desenvolvia
naquela espacialidade e que eram alheios as orientaes de Roma. Na busca da Igreja Catlica, para diferenciar
essas manifestaes do catolicismo dito oficial ou legtimo, criou-se a expresso catolicismo popular, a qual,
no por acaso, revela uma relao de alteridade, uma forma conceber, ver e dizer o outro bastante significativa. Ao
tratar de religiosidade popular no intencionamos aqui, reproduzir essa bifurcao baseada na dicotomia falso
versus verdadeiro Alis, esta uma questo que buscaremos problematizar no decorrer da pesquisa, no sentido de
revelar as relaes de poder que ela incorpora Contudo, por este se constituir numa espcie de artigo sntese do
tema, utilizaremos as nomenclaturas que geralmente so mais correntes na discusso da temtica.
http://divinodoguapore.blogspot.com.br/
Lilian Maria Moser, Jos Willians Simplicio da Silva
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ritos da Igreja com as prticas de sentido indgena e as manifestaes afro-brasileiras. Isso
remete noo de que a religiosidade popular um emaranhado de mltiplas facetas
expressadas culturalmente de vrias formas.
importante esclarecer que a Igreja Catlica possui direcionamentos bem definidos,
inclusive em conclios, no que concerne aos rituais a serem observados na religio, se
configurando como um dos papis da instituio, zelar pelas premissas do chamado catolicismo
romano.
Dessa maneira, foi, e ainda , prtica corrente na instituio buscar obter o controle
dos seus fiis, ou antes, orient-los, no sentido de observarem e obedecerem s orientaes de
Roma.
Notamos ainda que as matrias veiculadas pelo portal do divino tem dado destaque
s autoridades polticas e religiosas, marginalizando os nomes das pessoas comuns que se
esforam durante o ano inteiro para organizar o evento. De certo ngulo, essa ocorrncia
descaracteriza o papel dos atores sociais engajados na construo da festa. Destarte, no
podemos marginalizar vozes que foram e so importantes para a construo dos festejos ao
senhor Divino, ou seja, na perspectiva da histria cultural, a cultura das pessoas comuns deve
ser trazida para o foco do debate no sentido de valorizar essas expresses culturais.
Verificamos tambm que alguns blogs pesquisados divergem em relao ao tempo
de durao da festa do Divino Esprito Santo, uns informam que o evento dura quarenta dias, j
outros falam em cinquenta. Para o internauta, devoto ou no, fica a impreciso do recorte
temporal da festa.
Visualizamos ainda que alguns blogs parecem fomentar essas manifestaes como
objeto de explorao para o turismo, na chamada comercializao da cultura. Atitudes como
essas acabam por valorizar mais a coisa em detrimento dos sujeitos que a constroem e a do
sentido. Em palavras outras, valoriza-se o potencial turstico de determinado bem pelo retorno
econmico que pode trazer, em detrimento do que ele significa efetivamente para os homens e
mulheres que os ritualizam, e para sua comunidade de referncia. Este certamente efeito da
Globalizao to lembrada por Stuart Hall, j que muitas pessoas veem a Festa como
possibilidade de auferir ganhos econmicos, com a venda de produtos que vo de artigos
religiosos a passeios tursticos.
Quando a cultura tornada objeto, ressalta Meneses (2006), visando atender
basicamente as demandas de ordem econmica, o processo de fruio, to necessrio prtica
do turismo quanto interpretao de culturas, acaba no se efetivando e as manifestaes
culturais se veem reduzidas nessa lgica de mercado, a condio de mercadoria.
Assim sendo, compreendemos que estes tipos de informaes veiculadas pela mdia
digital local, podem ser dissecadas pelo internauta, com a finalidade de contribuir com as
produes existentes sobre o evento.
4. A informao mediada pela mdia digital
Segundo Pierre Bourdieu (1980), o texto miditico seja no jornal, revista ou rdio,
possui vrias vertentes ideolgicas sobre a melhor forma de influenciar o seu pblico com o
produto ofertado. Vale salientar tambm que na atual conjuntura miditica a internet tm se
destacado cada vez mais entre os meios de comunicao. Muitos desses canais de informao
so empresas e sobrevivem da publicao de notcias, por meio da tcnica de convencimento.
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
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Por isso, interessante identificar a linha de trabalho e os responsveis pela edio da matria
veiculada pela mdia.
Ainda de acordo com Bourdieu (1980), e trazendo para a perspectiva da discusso,
faz-se necessrio entender como so produzidas as matrias sobre a festa do Divino Esprito
Santo pulverizada na mdia. Este conhecimento importante, pois ajuda a compreender as
condies da produo e do produto. Para Pierre Bourdieu, a veiculao da informao pela
imprensa merece anlise profcua, numa expresso do autor preciso entrar na cozinha da
produo.
Por meio da simulao ou interao nas mdias digitais, o internauta tem a
oportunidade online de vivenciar aquilo que no foi possvel fisicamente8. Inclusive interagindo
as produes atravs de fotos e textos contidos nos blogs, que veiculam notcias sobre a festa do
Divino Esprito Santo. Dessa maneira, a Globalizao cria novos tipos de sociabilidades a partir
da cibercultura9. Assim, a cibercultura encurta espaos que antes eram distantes, permitindo a
ampliao das formas de comunicao e ao do homem sobre o mundo por meio das mdias
digitais.
Nessa linha de pensamento, as pessoas que buscam se informar sobre as
manifestaes expresses culturais locais apoderando-se da cibercultura. Conforme Andr
Lemos, afirmamos a cibercultura representa a cultura contempornea sendo consequncia
direta da evoluo da cultura tcnica moderna (LEMOS, 2011, p. 3). Ainda seguindo essa tica
de discusso, a mdia oportuniza ao leitor internauta conhecimento sobre fatos que ele no
testemunhou, ou se testemunhou, sente a necessidade de rememorar a ocorrncia.
Em se tratando da mediao dos meios de comunicao, preciso atentar o que
noticiado, j que no se pode estar em todo lugar ao mesmo tempo nem ter a exata dimenso da
diversidade de pontos de vistas dos sujeitos que constroem e conferem sentido a tal
manifestao. No caso da festa do Divino Esprito Santo, isto quer dizer que no se pode
testemunhar fielmente o que aconteceu durante os dias de festejos. Com isso, a mdia em muitas
ocasies, se encarrega de filtrar leituras, pontos de vistas e divulgar aquilo que ela acha
conveniente ou pertinente, uma vez que a partir do poder da tcnica de convencimento, a
indstria cultural cria condies favorveis circulao da informao.
Quando os leitores internautas acessam os webblogs que tratam da festa do Divino
Esprito Santo, como j mencionado acima, eles podem interagir com a informao divulgada
atravs da postagem de comentrios. Com esse raciocnio Bruno Nogueira afirma que a partir
dos blogs, uma parte do pblico que at ento era apenas consumidor passivo, passa a fazer suas
prprias crticas e resenhas de produtos em dirios pessoais (NOGUEIRA, 2011, p. 141). Isso
interessante porque no caso dos jornais impressos, a construo de matrias veiculadas no
possvel. Essa forma de produo Pierre Bourdieu (1980) chama de produto acabado: O
produto acabado, a opus operatum, esconde o modus operandi (BOURDIEU, 1980, p. 1). Ou
seja, um produto pronto que no fornece espao para construo ou desconstruo da
8Vale salientar, que embora seja possvel aproximar-se do Divino atravs das mdias digitais, o contato com o
Divino materializado em forma de uma pomba no o mesmo. A relao de mentalidades. Para aprofundar-se na
discusso de formas de produo e recepo, consultar o estudioso Roger Chartier apud Carvalho (2005), no
trabalho o conceito de representaes coletivas segundo Roger Chartier. 9Baseado no trabalho de Andr Lemos Cibercultura: alguns pontos para entender a cultura de nossa poca (2011),
cibercultura significa novas tecnologias de informao e comunicao. Ainda de acordo com o autor acima a
cibercultura formada por novas prticas comunicacionais no ciberespao, como por exemplo, e-mails, weblogs,
mdias digitais.
Lilian Maria Moser, Jos Willians Simplicio da Silva
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informao mediada. Logo desconsiderando assim a opinio das pessoas, vozes essas, que tm
relevncia para construir uma matria veiculada pela imprensa. Mesmo que saibamos que, nem
sempre quem escreve est disposto a ouvir o que as pessoas tm a falar.
Considerando a importncia de refletir o tema, recorremos aos estudos de Adorno
(2002), para quem nem todas as pessoas conseguem fazer crtica cultural sobre o que est sendo
informado pela mdia. Pois, a tcnica usada para noticiar um mecanismo de seduo poderoso
que nem sempre possvel dissecar o que est escrito. Vale destacar, que esse pblico
principalmente aquele que a mdia busca atingir, uma vez que os questionamentos so
insignificantes.
Nessa conjuntura de discusses, balizados em alguns estudiosos, afirmamos que as
matrias no significam a totalidade do que se passa dentro e fora da Festa do Divino Esprito
Santo, muitas informaes possivelmente so marginalizadas, quer dizer, muitas ocorrncias so
silenciadas em detrimento de outras que a mdia considera importante.
Recorrendo mais uma vez a Pierre Bourdieu (1980), compreendemos que a anlise
da mdia deve ser feita com um olhar sistmico, que possibilite ao interessado no assunto
verificar outras informaes sobre a ocorrncia noticiada. O autor ainda lembra que o alcance
dos meios de comunicao construir influncia a mdio e longo prazo, visto que o seu
interesse conquistar um pblico assduo e alienado (ser inativo) ao que perpassa frente.
Para Bourdieu (1980), as relaes de comunicao so sempre relaes que emanam
poder. Em dilogo com a perspectiva exposta por Bourdieu, o terico Carvalho apud Roger
Chartier (2005) nos mostra que os sistemas simblicos tm sempre a funo poltica de criar e
legitimar dominaes sociais de uma classe sobre as outras. Vale salientar, que existem formas
de violncia simblica nos mais diversos campos da vida social, inclusive, no que concerne ao
plano intelectual.
Mediante as questes elencadas ora no debate, ao povo at certo ponto, cabe
participar da produo das informaes, visto que o leitor10 tem a oportunidade dentro do
ciberespao de responder as mdias, por meio da criao de textos nos prprios blogs. Portanto,
a mdia torna-se um espao militante, onde muitas vezes a opinio pessoal supera a informao
noticiada/editada pelo blog. Pode-se inclusive criar blogs onde a informao sobre as atividades
de manifestao cultural feita pela pessoa comum, ou seja, o pblico passa a produzir e
consumir o seu prprio contedo. Com isso, emprega-se um capital cultural que vem da
sociedade. Nessa concepo, o leitor virtual no um ser esttico e sim um ser ativo. Entretanto,
Maria Regina Baracuhy (2010), lembra que a mdia uma das maiores produtoras de
identidades para os atores sociais.
Corroborando com o debate sobre a construo de identidades o polons Zymunt
Bauman (2007) afirma que a identidade na condio de vida contempornea liquida, quer
dizer, ela vive em constante transformao. Mediante as questes levantadas pelo estudioso
observamos que a lgica vivida na chamada modernidade tardia a de que a identidade se
caracteriza por ser mvel e transitria. Nessa direo, consideramos que o efeito da chamada
Globalizao devastador, alm de banalizar as relaes humanas, constri relaes de
10 Reforamos ideia de que no somente as vozes sagradas podem se apoderar da cibercultura para deixar suas
impresses sobre as informaes veiculadas pela mdia. Nessa lacuna aberta as vozes profanas certamente podem
expressar sua opinio, mesmo em se tratando das ocorrncias de cunho sagradas. Acrescenta Pelisoli (2003, p.4)
apud Bruno Nogueira (2011) que no hiperespao, ele ganhou ferramentas mouse, teclado, canetas pticas, fones
de ouvido e microfones, uma srie de extenses dos seus sentidos que permitem responder de vrias formas ao que
ele ouve, v, l, e mesmo toca por que no?.
A festa do divino esprito santo em Pimenteiras e a cobertura das novas mdias digitais: o caso dos blogs de Rondnia
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identidades cada vez mais artificiais, pois em tempos de modernidade, ela dita as regras da vida
que o indivduo leva socialmente. Para tanto, cria uma indstria de identidades de correntes
perenes e nessa correnteza veloz da vida moderna, no existe pausa para solidez,
parafraseando Bauman (2007), ela constitui-se como modernidade liquida.
5. Consideraes finais
A festa do Divino Esprito Santo celebrada do vale do Guapor constitui-se com