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O EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO NOS CONTRATOS DE
CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
Fernanda de Mello Matos ∗
Resumo. 1- Introdução. 2- Concessão de serviço público. 3- Equilíbrio econômico-financeiro. 3.1- O conceito de equilíbrio econômico-financeiro. 3.2- Finalidades e características do equilíbrio econômico- financeiro. 3.3- A equação financeira. 4- Fatores de desequilíbrio. 4.1- Áleas ordinária e extraordinária. 4.2- Fato da administração. 4.3- Fato do príncipe. 4.4- Teoria da imprevisão. 5- Considerações finais.
RESUMO
O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de concessão de
serviço público caracteriza-se pela manutenção da equação estabelecida inicialmente entre as
obrigações assumidas pelo concessionário e a contraprestação devida pelo poder concedente
quando da prestação de serviços públicos. Entretanto, existe uma série de fatores que podem
desequilibrar o contrato, desde fatos inerentes à própria Administração, como fatos alheios à
vontade dos contratantes. Assim, a observância da equação econômico-financeira é de
fundamental importância durante toda a vigência do contrato de concessão para que se
assegure o lucro do concessionário e também para garantir a continuidade e boa prestação do
serviço público.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu artigo 175, prevê o instituto da concessão de serviço
público. O contrato de concessão de serviço público caracteriza-se quando ocorre a
transferência do exercício de um serviço público à pessoa privada que aceita prestá-lo, em ∗ Fernanda de Mello Matos é advogada e pós-graduanda em Direito Empresarial.
2
nome próprio e por sua conta e risco, remunerando-se pela própria exploração do serviço,
basicamente mediante tarifa cobrada dos usuários do serviço.
Nos contratos administrativos de concessão de serviço público se faz necessário
destacar a presença do Estado e a da empresa, presenças estas distintas, submetidas a regimes
jurídicos diferentes.
A equação econômico-financeira desse tipo contrato concretiza-se pelo equilíbrio entre
as obrigações assumidas e as importâncias a serem recebidas pelo concessionário. Se alterada
a equação econômico-financeira do contrato, a Administração deve recompô-la, ou o
contratado poderá pedir a rescisão, rompendo, pois, o laço contratual.
Essa equação do contrato traduz-se no equilíbrio entre as obrigações assumidas pelo
concessionário, os encargos que serão suportados e a contraprestação devida pela concedente,
ou seja, a remuneração do concessionário.
Se não fosse assegurada a manutenção da equação financeira , ao longo de toda a
relação contratual, não haveria interesse por parte dos particulares de contratar com o Estado,
por absoluta falta de segurança jurídica.
Existem uma série de fatores que podem desequilibrar o contrato de concessão de
serviço público. Se a Administração entender necessário, alterar cláusulas do contrato, sem
modificação do objeto contratual, para bem satisfazer o interesse público, poderá fazê-lo,
ficando o concessionário com o direito de ser ressarcido total ou parcialmente do efeito de
causas que venham a interferir direta ou indiretamente sobre a economia da concessão.
Nesse sentido, visando atender o interesse público, em quais casos a Administração
Pública poderia alterar cláusulas do contrato de concessão? Qual seria a garantia para o
concessionário de serviço público se houvesse a alteração de cláusulas contratuais por parte
do Estado. E se ocorresse algum fato superveniente que viesse a alterar a equação econômico-
financeira ora estabelecida?
O problema que ora se apresenta está justamente em procurar identificar as hipóteses
em que ficaria assegurada a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de
concessão.
O presente artigo analisará de que forma a Administração Pública e os particulares,
após firmarem um contrato de concessão de serviço público, podem viver harmoniosamente,
respeitando seus interesses próprios, quais sejam o interesse público e o lucro do
concessionário, tendo por base a vinculação das condições do contrato ao inicial equilíbrio
econômico-financeiro estabelecido entre as partes.
3
O tema em questão encontra-se numa zona tangente entre o direito público e o direito
privado, por ter características de ambos e ser, ao mesmo tempo, ser um instituto de direito
contratual e regulamentar.
2. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
Saindo do liberalismo, o Estado foi assumindo novos encargos no campo social e
econômico. A partir daí, sentiu-se a necessidade e encontrar novas formas de gestão do
serviço público e da atividade privada exercida pela Administração.
No século XIX, a concessão foi importante para o Brasil, na medida em que viabilizou
a construção de estradas de ferro e a implantação dos serviços de telefonia, gás e eletricidade,
entre outros. No entanto, tratava-se de uma concessão estática e rígida, na qual o
concessionário tinha liberdade amplíssima, com base em contratos de longuíssimo prazo,
numa época na qual a fiscalização e intervenção estatal praticamente não existiam.
Mas no período que compreende as décadas de 30 a 90, as concessões privadas foram
desaparecendo gradativamente. Na época, as concessões passaram, pois, a ser outorgadas a
empresas criadas pelo próprio Estado caracterizando o fenômeno da estatização dos serviços
públicos. Nesse ínterim, poder concedente e concessionário se confundiam, uma vez que o
mesmo poder público agia ora como regulador, ora como prestador de serviço.
Entretanto, o renascimento da concessão no Brasil decorreu da necessidade de
mobilizar recursos, que o poder público já não tinha e não podia buscar através dos tributos ou
de empréstimos internos ou externos. De um lado, a idéia de especialização, com vistas à
obtenção de melhores resultados. E de outro lado, e com o mesmo objetivo, a utilização de
métodos de gestão privada, mais, flexível e mais adaptável ao novo tipo de atividade
assumida pelo Estado. 1
Historicamente, a concessão foi o meio encontrado no Brasil, a partir de 1990, para o
combate ao déficit no setor de infra-estrutura nacional.
A partir dos anos 90, um novo regime de concessão passou a vigorar, caracterizada por
seis traços específicos: legislações específicas, abrangendo normas constitucionais e legais;
transparência completa, desde a publicação do edital até a execução do contrato, abrangendo
todo o seu período de vigência; natureza contratual, decorrente da Constituição, sendo o
contrato de caráter especial, evolutivo e dinâmico; regulamentação e fiscalização do poder
1 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.p.275.
4
público, através das agências reguladoras; garantia do equilíbrio econômico-financeiro
assegurada pela Constituição Federal; e proteção dos usuários, considerados como
consumidores sui generis, na medida em que os concessionários estão sujeitos à normatização
das agências reguladoras e que o contrato de concessão assegura certos direitos aos
beneficiados pelo serviço público concedido. 2
A Lei de Concessões, Lei n.º 8.987/95, no Brasil, quanto às suas normas gerais é
dirigida a toda a Nação, não sendo restrita a uma ou mais entidades federadas. Nestes termos,
a concessão, na forma prevista pelo direito brasileiro, é um contrato especial de direito
público, por meio do qual o poder público delega ao particular um serviço público, precedido
ou não da construção de obra pública, que sempre deverá ser realizado: mediante a utilização
de capitais privados; sob a gestão privada; no interesse público; sob fiscalização das
autoridades – agências reguladoras; e de acordo com a regulamentação
A primeira referência existente na Carta Magna sobre concessão de serviço público
está nos incisos XI, XII e XXIII, letra “b”, do art.21, quando se define a competência
administrativa da União. No Capítulo III da Constituição, voltado para regular a organização
dos Estados Federados, está o art.25, onde, mais uma vez, há uma referência relativa à
concessão.
O artigo 175 da Constituição Federal de 1988, a exemplo do artigo 167 da
Constituição de 1967, previu a edição de lei disciplinadora das concessões e permissões de
serviço público. Dispõe o referido artigo:
Art.175.Incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente, ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos.
A União tem competência para dispor sobre o regime das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação
bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.
O Estado de São Paulo, através da lei 7.835, de 8-5-92, regulamentou o “regime de
concessão de obras públicas, de concessão e permissão de serviços públicos”. Na esfera
federal, a matéria foi disciplinada pelas leis 8.987, de 13-2-95, 9.074, de 7-7-95, ambas
alteradas parcialmente pela lei 9.648, de 27-5-98.
2 Arnold Wald. O Controle Judicial das Concessões. Anais do Seminário Jurídico de Concessões de Serviços Públicos. Paraná, 2001.p.20.
5
Aos Municípios não é negada competência administrativa para “organizar e prestar,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local,
incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial, conforme está disciplinado no art.
30, V, da Constituição Federal”.
Segundo Hely Lopes Meirelles:
Serviços concedidos são todos aqueles que o particular executa
em seu nome, por sua conta e risco, remunerados por tarifa, na
forma regulamentar, mediante delegação contratual ou legal do
Poder Público concedente. Serviço concedido é serviço do
Poder Público, apenas executado por particular em razão da
concessão. 3
Assim, a Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, cognominada “Lei de Concessão
de Serviços Públicos”, pode ser considerada, em nosso ordenamento jurídico, o primeiro
diploma consolidado sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços
públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal.
Segundo os termos normativos da Lei n. º 8987/95, em seu art. 2º, temos que :
Art. 2º. Considera-se concessão de serviço público a delegação
de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Temos, portanto, uma estrutura formada em três patamares: o patamar maior que é a
Constituição; o que lhe segue, a lei ordinária; o último, o contrato firmado entre poder
concedente e a concessionária.
Em síntese, o contrato de concessão é o documento escrito que encerra a delegação do
poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, forma e tempo da
exploração, estabelece os direitos e deveres das partes e dos usuários do serviço.
3 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.p.325.
6
Com isto se afirma que é um acordo administrativo, com vantagens e encargos
recíprocos, no qual se fixam as condições de prestação do serviço, levando-se em
consideração o interesse coletivo na sua obtenção e as condições pessoais de quem se propõe
a executá-lo por delegação do poder concedente. 4
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello,
Concessão de serviço público é o instituto através do qual o
Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que
aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas
condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder
Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio
econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração
do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas
diretamente dos usuários do serviço.
O referido autor ainda considera que:
A concessão é uma relação jurídica complexa, composta de um
ato regulamentar do Estado que fixa unilateralmente condições
de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço,
isto é, as condições em que será oferecido aos usuários; de um
ato-condição, por meio do qual o concessionário
voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva
estabelecida pelo Poder Público, e de contrato, por cuja via se
garante econômico-financeira, resguardando os legítimos
objetivos de lucro do concessionário. 5
Vê-se, portanto que no contrato administrativo de concessão de serviço público, o que
se transfere não é a titularidade do serviço, mas apenas o seu exercício. Assim, o Estado ainda
permanece como sendo o titular do serviço público, tendo delegado através de um contrato,
apenas a execução do mesmo.
4 Idem,p.326. 5 Idem,p.653
7
Concessão é assim, a delegação contratual da execução do serviço, na forma
autorizada e regulamentada pelo Executivo. Contrato de concessão é o ajuste pelo qual a
Administração delega ao particular a execução remunerada de serviço ou de obra pública ou
lhe cede o uso de um bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas
condições regulamentares e contratuais.
Daí a tripartição da concessão em concessão de serviço público, concessão de obra
pública e concessão de uso de bem público, consubstanciadas em contrato administrativo
bilateral, comutativo, remunerado e realizado intuitu personae.
Lúcia Valle Figueiredo ensina que:
Concessão de serviço público é espécie de contrato
administrativo por meio do qual o Poder Público concedente,
sempre precedido de licitação, salvo as exceções legais,
transfere o exercício de determinados serviços ao
concessionário, pessoa jurídica privada, para que os execute em
seu nome, por sua conta e risco. 6
Dessa forma, a concessão surge no exato momento em que uma pessoa jurídica de
direito público não quer assumir o encargo da gestão de determinado serviço público, e se a
lei autorizar, encarrega outra pessoa, geralmente, uma entidade privada, dessa gestão, por
conta própria, mediante um ato jurídico pelo qual lhe transfira temporariamente o exercício
dos direitos e poderes necessários e imponha as obrigações e deveres correspondentes. Esse
ato jurídico é a concessão de serviço público. 7
Entretanto, o serviço público pelo fato de passar a ser gerido por uma entidade privada
não perde a sua natureza. O concessionário ao desempenhar uma função pública, passa a ser
um colaborador da Administração na realização dos interesses gerais e deverá ter sempre
presentes os ditames próprios do serviço público. 8
Como bem lembra José Cretella Júnior:
Em sentido técnico, preciso, concessão é a transferência,
temporária ou resolúvel, por uma pessoa jurídica de direito
6 Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p.90. 7 Marcelo Caetano. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Lisboa: Almedina, 1996..p.240. 8 Idem,p.240.
8
público de poderes que lhe competem para outra pessoa
singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta
execute serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral. 9
É comum, ainda, nos contratos de concessão de serviço público e fixação de um preço,
devido pelo concessionário ao concedente a título de remuneração dos serviços de supervisão,
fiscalização e controle da execução do ajuste, a cargo deste último.
Vale ressaltar ainda, nem todos os serviços são passíveis de serem concedidos. Dessa
forma, que modalidades de serviços podem ser objeto de concessão?
Há serviços que, por sua própria natureza, são privativos do poder público e só por
estes podem ser exercidos. Determinados serviços, que necessitem do emprego de força
como, por exemplo, os serviços públicos concernentes ao exercício do poder de polícia e de
distribuição de justiça, não são suscetíveis de serem objeto de um contrato de concessão.
Contudo, apenas os serviços públicos, suscetíveis de remuneração por parte dos
usuários e que não necessitem do emprego de força contra os particulares podem ser objeto de
um contrato de concessão. Tais serviços, o particular poderá executará de maneira satisfatória,
não necessitando do emprego de força para levá-los a termo, como, por exemplo, os serviços
de transporte, os de fornecimento de gás, luz, energia, aquecimento.
Tais serviços podem ser objeto de concessão, recebendo o concessionário da parte dos
usuários a respectiva remuneração (tarifa, taxa, preço público), proporcional à utilidade
fornecida. 10
3. EQUILÍBRIO ECONÔMICO -FINANCEIRO
3.1. Conceito de Equilíbrio Econômico-Financeiro
O princípio do equilíbrio financeiro do contrato, é uma das características essenciais
do contrato administrativo e a contrapartida das prerrogativas da Administração. Todo
contrato de concessão de serviços públicos supõe a existência de um equilíbrio econômico-
financeiro. O contrato se assenta, pois, numa determinada equação financeira e as relações
contratuais têm de desenvolver-se na base do equilíbrio estabelecido no ato de estipulação.11
9 José Cretella Júnior. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.p.358. 10 Idem.p.372. 11 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.590.
9
Assim, o direito ao equilíbrio econômico-financeiro assegura ao particular contratado
a manutenção daquela proporção pactuada durante a vigência do contrato.
A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, como em todo
contrato administrativo, possui raiz constitucional, a teor do inciso XXI, do artigo 37 da Lei
Magna, que confere aos particulares contratados pela Administração Pública a garantia de
manutenção das condições efetivas da proposta e a recomposição da equação econômico-
financeira dos ajustes celebrados.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União. Dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também
ao seguinte:
XXI- ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Ainda nos dispositivos da Lei 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública
e dá outras providências, conforme dispõe o art. 58, parágrafo primeiro, temos que:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos
instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação e
ales, a prerrogativa de:
I- modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação
às finalidades de interesse público, respeitados os
direitos do contratado.
II- (...)
10
§1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias
dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem
prévia concordância do contratado.
§2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas
econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para
que se mantenha o equilíbrio contratual.
Já o art. 65 da mesma Lei, em seu parágrafo sexto, dispõe que:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser
alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
§6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente
os encargos do contratado, a Administração deverá
restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro
inicial.
A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e
dá outras providências, em seus artigos 9º, §4 e 10º, prevê que:
Art. 9. A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo
preço da proposta vencedora da licitação e preservada as
regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
§4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu
inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente
deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.
Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato,
considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.
Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
O equilíbrio financeiro ou equação financeira do contrato é
uma relação que foi estabelecida pelas próprias partes
11
contratantes no momento da conclusão do contrato, entre um
conjunto de direitos do contratante e um conjunto de encargos
deste, que pareceram equivalentes, donde o nome de equação;
desde então esta equivalência não mais pode ser alterada. 12
Vale dizer, o equilíbrio financeiro é a relação estabelecida inicialmente pelas partes
entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do
objeto do ajuste. Essa relação encargo-remuneração deve ser mantida durante toda a
execução do contrato, a fim de que o contratado não venha a sofrer indevida redução nos
lucros normais do empreendimento. 13
No dizer de Hely Lopes Meirelles:
O equilíbrio econômico do contrato administrativo, também
denominado equação econômica ou equação financeira, é a
relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre
os encargos do contratado e a retribuição da Administração
para a justa remuneração da obra, do serviço ou do
fornecimento. Essa correlação deve ser conservada durante
toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas
regulamentares da prestação ajustada, a fim de que se
mantenha a equação financeira ou, por outras palavras, o
equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 14
O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das
necessidades públicas, mas por parte do contratado objetiva um lucro, através da remuneração
consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos
termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a
Administração se veja compelida a modificar o projeto, ou o modo e a forma da prestação
contratual, para melhor adequação ás exigências do serviço público. 15
A concessão estrutura-se sobre pressuposto de uma modalidade de remuneração
norteada por princípios distintos dos que disciplinam a remuneração do serviço
12 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.586. 13 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.p.193. 14 Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p.490. 15 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.590.
12
desempenhado pelo próprio Estado. O concessionário tem direitos perante o Estado, no
tocante à remuneração pela prestação dos serviços públicos, que se retratam na
impossibilidade de modificação da equação econômico-financeira do contrato, na garantia do
lucro e na recomposição compulsória de valores.
Vê-se, dessa forma que, a equação econômico-financeira do contrato é a relação de
adequação entre o objeto e o preço, que deve estar presente ao momento em que se firma o
ajuste. Quando é celebrado qualquer contrato, inclusive o administrativo, as partes se colocam
diante de uma linha de equilíbrio que liga a atividade contratada ao encargo financeiro
correspondente. Mesmo podendo haver certa variação nessa linha, o certo é que no contrato é
necessária a referida relação de adequação. Sem ela, pode dizer-se, sequer haveria o interesse
dos contratantes no que se refere ao objeto do ajuste. 16
Assim, é pela certeza de haver esse equilíbrio econômico-financeiro que há o interesse
por parte dos contratantes em celebrar o contrato. Tanto para o próprio Poder Concedente,
como para o particular. Havendo determinadas hipóteses que vier a ensejar um desequilíbrio
contratual, às partes têm assegurado o direito ao reequilibro.
Celso Antônio Bandeira de Mello, postula que:
No ato de concessão é formulado um termo de equilíbrio entre
os encargos do concessionário e a retribuição que lhe assistirá.
Por conseguinte, o concedente terá que respeitar esta
igualdade, de tal modo que ao acréscimo de encargos ou
mutação de condições de funcionamento do serviço que se
reflitam sobre a equação patrimonial hão de corresponder as
compensações pecuniárias restauradoras do equilíbrio inicial.17
Quando pactuam, as partes implicitamente pretendem que seja mantido o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato. Desse modo, o efeito principal desse verdadeiro postulado
contratual é o de propiciar às partes, a oportunidade de restabelecer o equilíbrio toda vez que
de alguma forma mais profunda for ele rompido, ou, quando impossível o restabelecimento,
ensejar a própria rescisão do contrato. 18
16 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.143. 17 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.671. 18 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.144.
13
Tais fatores tanto podem ser oriundos de alteração unilateral do contrato, da
superveniência de medidas de alcance geral expedidas pelo Poder Público sem relação com
sua qualidade de concedente e que agravam a equação inicial ou ocorrências derivadas de
eventos imprevisíveis que convulsionem a economia contratual.
E questiona-se: porque o equilíbrio econômico e financeiro? Tal expressão justifica-se
e continua a justificar-se pelo fato de que, no Brasil, durante muito tempo, o econômico nada
tinha a ver com o financeiro.
O resultado econômico é apurado no fim do contrato, consistindo na rentabilidade
final do contrato. Ao contrário, o elemento financeiro é sofrido no dia-a-dia da operação,
verificando-se periodicamente as entradas e as saídas, os recebimentos e os desembolsos.
Assim, sob o aspecto financeiro, a concessionária poderia ir a falência, embora,
economicamente, em tese, ela pudesse ter sua posição finalmente restabelecida dez anos
depois, quando o contrato chegasse ao seu termo final.
Vemos, dessa forma, que na concessão de serviço público, o equilíbrio econômico-
financeiro constitui condição essencial de legalidade, cabendo ao Estado o dever de sua
prestação, desdobrada aquela nos conceitos, que hoje estão assegurados constitucionalmente,
da prevalência da moralidade administrativa e da garantia do devido processo legal, da
razoabilidade e da proporcionalidade. 19
3.2. Finalidades e Características do Equilíbrio Econômico-Financeiro
Enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público busca a satisfação de uma
utilidade coletiva. Para serem mantidas as efetivas condições das propostas, a Administração
terá de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial. Isto porque, a fim de manter a
equação, o Estado terá que recompor economicamente o concessionário quando modificar a
grandeza de seus ônus.
A manutenção da equação econômico-financeira do contrato, que se traduz no
equilíbrio entre as obrigações e a remuneração do concessionário, é vital no contrato de
concessão. Até mesmo para o asseguramento da continuidade do serviço público, como
também de sua prestação. 20
19 Diva Prestes Marcondes Malerbi. O Equilíbrio Econômico e Financeiro. Anais do Seminário Jurídico de Concessões de Serviços Públicos. Paraná, 2001. p.102. 20 Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p.91.
14
O interesse público, buscado pela Administração, requer flexibilidade suficiente para
atendimento das necessidades administrativas e variações a que está sujeito. O interesse
particular postula suprimento de uma legítima pretensão de lucro, segundo os termos
convencionados.21
O Estado dispõe, com plena liberdade e do modo que entender mais conveniente para
o interesse público, sobre a parte regulamentar do serviço e está sujeito no que concerne ao
elemento verdadeiramente contratual da concessão.22
Por isso, sob o ponto de vista patrimonial, prevalece sempre a regra do equilíbrio
econômico-financeiro entre as partes. Não pode a Administração, a pretexto do atingimento
da finalidade pública, fazer valer seus privilégios como um instrumento para tirar proveito de
ordem patrimonial, com prejuízo do particular contratado.
A remuneração do serviço nas bases inicialmente ajustadas constitui direito
fundamental e adquirido do concessionário. Satisfeitas as condições contratuais pelo
concessionário, a rentabilidade assegurada à empresa erige-se em direito adquirido, exigível
do concedente na forma avençada. E toda a vez que um dos elementos dessa equação sofrer
mudança, o outro deve ser revisto para que o equilíbrio seja mantido.
No entanto, a estabilidade entre encargos e remuneração pode ser quebrada, ao longo
do desenvolvimento da relação contratual, por variados fatores, internos ou externos à essa
relação, dependentes ou não da vontade de ambas ou de qualquer das partes.
Mas o contratante tem direito à remuneração inscrita em seu contrato. Ele não
consentiu seu concurso senão na esperança de um certo lucro. Aceitou tomar a seu cargo
trabalhos que, se não houvesse querido contratar, seriam suportados pela administração. É
normal que seja remunerado por isso.
A essência do contrato caracteriza-se assim pela harmonia de interesses para a
consecução de um fim de interesse público. Entretanto, se não fosse assegurada a manutenção
da equação econômico-financeira, ao longo de toda a relação contratual, não haveria interesse,
por parte dos particulares, de contratar com o Estado, por absoluta falta de segurança.
Nas palavras de Mauro Roberto G. Matos:
É mister que o relacionamento envolvendo a Administração
Pública e os Agentes Delegados (Concessionários e
Permissionários) muito embora àquela procure resguardar o
21 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.573. 22 Idem,p.165.
15
interesse público e estes objetivem o retorno e a remuneração
do investimento, seja marcada pela coerência, lealdade e pela
transparência nas atitudes reciprocamente tomadas. O contrato
firmado, deve retratar, quanto aos encargos do contratado e a
remuneração a este paga, uma balança em nível.23
É neste sentido que há de se entender o equilíbrio econômico-financeiro nos contratos
administrativos como princípio geral de direito, voltado para conciliar as alterações das
obrigações em benefício do interesse público, com o reconhecimento do direito de justa
remuneração do capital da empresa privada que colabora com a Administração Pública, tendo
em vista que o fornecimento de serviços públicos ocupa lugar importante nos fins do Estado.
Assim, o equilíbrio econômico-financeiro é a condição essencial de legalidade na
concessão de serviço público, cabendo ao Estado o dever de sua preservação.
3.3. A Equação Financeira
Por equação econômico-financeira, no âmbito do contrato administrativo, deve
entender-se a relação concreta entre os encargos e as retribuições respectivamente impostos e
outorgados ao particular que contrata com a Administração Pública.
O equilíbrio financeiro ou equação financeira do contrato é uma relação que foi
estabelecida pelas próprias partes contratantes no momento da conclusão do contrato, entre
um conjunto de direitos do contratante e um conjunto de encargos deste, que pareceram
equivalentes, donde o nome de equação.
Da comparação entre encargos e remunerações é que resultará, materialmente, uma
equação, no ato da celebração do contrato, a qual deverá ser mantida até o final da relação
contratual.
É a essa relação entre encargos e remunerações, que se refere o inciso XXI do art. 37
da Constituição Federal, ao aludir, na sua parte final, às “condições efetivas da proposta”,
devendo ser respeitada, mesmo no caso do exercício, pelo poder concedente, de qualquer uma
das prerrogativas de instabilizar o vínculo, por razões de interesse público.
Na eloqüente lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
23 Mauro Roberto Gomes de Matos. O Contrato Administrativo,. São Paulo: América Jurídica, 2001, p. 118.
16
Como a equação estabelecida entre as partes é uma relação de
equivalência entre as prestações recíprocas, fica entendido que
ao custo de uma prestação (x) – que se compõe dos encargos
econômicos por ela implicados e a margem de lucro
remuneratório ali embutida – correspondem os pagamentos (y)
que acobertam. Esta relação de igualdade ideal,
convencionada, deve ser mantida. Assim, se os custos dos
insumos necessários à prestação (x) sofrem elevações
constantes – como é rotineiro entre nós -, os pagamentos (y) têm
de incrementar-se na mesma proporção, sem o quê a igualdade
denominada “ equação econômico-financeira” deixa de existir;
decompõe-se.24
O prazo da concessão também é um dos elementos que concorrem para determinação
do valor da equação econômico-financeira, uma vez que em função dele se estimam a
amortização do capital investido pelo concessionário e as possibilidades de lucro que terá.
Por isso, tanto como as demais disposições concernentes à prestação do serviço e tal
como elas, também o prazo poderá ser modificado pelo concedente, extinguindo a concessão
antes da fluência do período de duração inicialmente fixado, ressalvado ao concessionário
simplesmente o direito de que lhe seja assegurada a mantença da equação econômico-
financeira pactuada.
Em suma, aquilo a que o concessionário tem direito é à integralidade de um valor, cuja
inteireza se adquiriria em certo período, ou seja, aquele que ele perceberia se mantida fosse a
concessão até a conclusão normal do prazo estatuído.25
Marçal Justen Filho assevera que:
Se forem adicionados encargos, rompe-se o equilíbrio, a não ser
que também se ampliem as retribuições. Idêntico raciocínio se
aplica em caso de redução de encargos o que acarretará a
necessidade de redução das retribuições. Em síntese, a
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro corresponde a
uma magnetização dos ângulos ativo e passivo do conteúdo da
24 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.583. 25 Idem,p.665.
17
relação jurídica: à alteração de um ângulo deve corresponder
uma alteração equivalente e correspondente no outro ângulo. 26
Cumpre salientar que a equação financeira ajustada no momento da celebração do
contrato não pode ser alterada. E ela servirá de base para que se postule qualquer tipo de
reequilibro que vise a horizontalidade das condições contratuais previamente estabelecidas.
4. FATORES DE DESEQUILÍBRIO
4.1 Áleas Ordinária e Extraordinária
Todo contrato possui uma álea, que é justamente o direito que cada parte mantém de,
eventualmente, lucrar mais do que a outra no cumprimento do contrato. 27
O concessionário executa o serviço em seu próprio nome e corre os riscos normais do
empreendimento. Ou seja, ele faz jus ao recebimento da tarifa, ao equilíbrio econômico da
concessão, e à inalterabilidade do objeto.
Nesse sentido, vale dizer que o poder público pode introduzir alterações unilaterais no
contrato, mas tem que respeitar o seu objeto e assegurar a manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro, aumentando a tarifa ou compensando pecuniariamente o
concessionário.
No mesmo sentido está a cátedra de Caio Tácito:
O empresário privado, chamado a colaborar na gestão de um
serviço público, não pode reger livremente o negócio. A
administração tem o privilégio de modificar, coercivamente, a
parte regulamentar do serviço, inovando o caderno de
encargos. Fica, no entanto, o concessionário ao abrigo da álea
administrativa (ato do poder concedente), ou da álea econômica
(atos de outras autoridades, ou causas econômicas e naturais),
com o direito de ser ressarcido, total ou parcialmente, do efeito
26 Marçal Justen Filho. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p.146. 27 Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.p.138.
18
de causas ou concausas que venham infletir, direta ou
indiretamente, sobre a economia da concessão. 28
Dessa forma, se faz necessário, distinguir entre os riscos a serem suportados pelo
concessionário, ou seja, a álea ordinária, da álea extraordinária, compreendendo esta a álea
administrativa e álea econômica. 29
Carlos Delpiazzo, conceituado autor uruguaio, trata da equação econômico-financeira,
nos seguintes termos:
Evidentemente, en todo negocio siempre hay un elemento de
riesgo desde el punto de vista de su consideración econômica,
pero hay um riesgo que es normal- el riesgo que asume todo
empresario cuando encara uma determinada actividad en
cambio, puede haber hipótesis de riesgo anormal.
Esse álea o riesgo anormal es el que plantea alguna dificultad
em su consideración desde el punto de vista jurídico, cuando se
rompe el equilibrio financeiro del contrato.
En el primero de estos casos, es decir, cuando el equilibrio
económico-financeiro se ve quebrado por causas inherentes a la
Administración contratante que no cumple lo pactado, nos
encontramos frente a un supuesto de responsabilidad por
incumplimiento, conforme a las normas de Derecho común.
Los casos que plantean más interés son los tres restantes.
Cuando hay causas que son imputables al Estado y que
modifican el contrato, (cuando hay lo que se denomina um
“álea administrativa”) entonces nos encontramos frente a la
denominada teoría del hecho príncipe.
La doctrina suele exigir la configuración de los seguintes
requisitos para aplicación de esta teoría: la existencia de um
perjuicio cierto y directo; la intervención de la Administración
28 Caio Tácito. Temas de Direito Público: Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.p.63. 29 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.676.
19
que lo ocasiona debe no haber podido preverse; esa actuación
de la Administración debe ser espontánea y autónoma.
Su configuración reclama siguientes requisitos: alteración de
orden económico proveniente de hechos naturales o de actos de
autoridad (no constitutvios de supuestos ya encartables en la
teoría del hacho del príncipe); imprevisibilidad; pertubación
ajena a la voluntad de las partes; los hechos invocados deben
ser posteriores al perfeccionamento del contrato y anteriores a
su definitivo cumplimiento; pérdida efectiva derivada de uma
excessiva onerosidad (no bastando la disminución o
desaparición de ganancias); y el desequilibrio contractual debe
ser transitório.30
Nessa esteira, quando o particular contrata com a Administração Pública enfrenta três
tipos de áleas ou riscos. O primeiro deles seria a álea denominada álea ordinária ou
empresarial. Já as duas últimas também chamadas áleas extraordinárias compreende a álea
administrativa e a álea econômica.
A álea ordinária correspondente aos riscos normais, a serem suportados pelo
concessionário. Já a álea extraordinária, que se subdivide em álea administrativa e álea
econômica. 31
A álea ordinária, ou empresarial, trata-se de um risco normal que todo empresário
corre, como resultado da própria flutuação do mercado. E este, sendo previsível, por ele
responde o particular.
A álea extraordinária compreende a álea administrativa e a álea econômica.
A álea administrativa corre inteiramente por conta do poder concedente. Concerne aos
riscos derivados da modificação unilateral das cláusulas da concessão ou de medidas do
concedente alheias à sua posição “contratual”, mas que repercutem especialmente sobre o
equilíbrio econômico-financeiro. 32
A chamada álea administrativa abrange assim duas modalidades: uma decorrente do
poder de alteração unilateral do contrato constituindo o fato da Administração e a outra
correspondente ao chamado fato do príncipe.
30 Carlos Delpiazzo. Manual de Contratación Administrativa. Montevideo: Editorial Universidad, 1996.p.147. 31 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.676. 32 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.676.
20
Já a álea econômica extraordinária decorre de acontecimentos não imputáveis
diretamente à Administração.
Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, temos que:
A álea econômica corresponde a circunstâncias externas ao
contrato, estranhas às vontades das partes, imprevisíveis,
excepcionais, inevitáveis, que causam desequilíbrio muito
grande no contrato, dando lugar à aplicação da teoria da
imprevisão. Em principio, repartem-se os prejuízos, já que não
decorreram da vontade de nenhuma das partes. 33
Assim, álea econômica, é todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade
das partes, imprevisível e inevitável, que causa desequilíbrio muito grande, tornando a
execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado.
Vale repetir as palavras de José dos Santos Carvalho Filho:
A álea econômica é, por natureza, excedente aos riscos normais
admitidos pela natureza do negócio. Os fenômenos de
instabilidade econômica ou social (guerras, crises econômicas,
desvalorização da moeda) são as causas principais do estado de
imprevisão, tanto pela importância do impacto de seus efeitos,
como pela imprevisibilidade de suas conseqüências. 34
Dessa forma, poderão ocorrer fatos alheios à vontade do contratante, de ordem
econômica, a repercutir no contrato de maneira a causar um impacto econômico insuportável.
E vendo-se diante da álea econômica extraordinária, poderá o contratado pleitear da
Administração uma ajuda que lhe minore os prejuízos.
Neste sentido, ressalte-se o que lecionam Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia
Mazzei de Alencar:
O que se pretende é vincular as condições do contrato ao inicial
equilíbrio econômico-financeiro estabelecido. Assim, toda vez
33 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.p.267.. 34 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.151.
21
que houver alguma alteração unilateral ou ocorrer fato
imprevisível, de conseqüências incalculáveis – configurando
álea econômica extraordinária e extrancontratual -, que afetem
a equação encargo-remuneração oferecida na proposta
vencedora, impõe-se a alteração do contrato, pois suas
condições devem refletir sempre e sempre aquela equação
inicial. 35
Vê-se dessa forma, que álea normal do negócio, evidentemente, cabe ao contratado.
Entretanto, álea anormal do negócio deve ser ressarcida. Os ônus decorrentes de álea
extraordinária não devem ser suportados apenas pelo contratado, uma vez que o objeto
contratual vai ser usufruído pela coletividade. A Administração tem sempre o ônus do
restabelecimento integral do equilíbrio econômico, seja qual for o tipo de álea.
4.2 Fato da Administração
A chamada álea administrativa abrange assim duas modalidades: uma decorrente do
poder de alteração unilateral do contrato constituindo o fato da Administração e a outra
correspondente ao chamado fato do príncipe.
O fato da Administração entende-se como sendo qualquer conduta ou comportamento
da Administração que, como parte contratual, torne impossível a execução do contrato ou
provoque seu desequilíbrio econômico.
Cumpre-se dizer que o fato da administração pode provocar uma suspensão da
execução do contrato, transitoriamente, ou pode levar a uma paralisação definitiva, tornando-
se escusável o descumprimento do contrato pelo contratado e, portanto, isentando-o das
sanções administrativas que, de outro modo, seriam cabíveis. Pode, também, provocar um
desequilíbrio econômico-financeiro, dando ao contratado o direito a sua recomposição.
Quanto à prerrogativa da alteração unilateral, a mesma está prevista ainda que
genericamente no artigo 58, I, da Lei 8.666/93, para possibilitar a melhor adequação às
finalidades do interesse público. No mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, há a referência
35 Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia Mazzei Alencar. Concessão de Serviços Públicos. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 46.
22
expressa da necessidade do reequilibrio econômico-financeiro quando da alteração unilateral
do contrato. Referido dispositivo considera que:
Art.58. O regime jurídico dos contratos administrativos
instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação a
eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às
finalidades de interesse público, respeitados os direitos do
contratado.
(...)
§2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas
econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para
que se mantenha o equilíbrio contratual.
Já especificamente no artigo 65 da mesma lei, estabelece-se a possibilidade de
alteração unilateral em dois casos. O primeiro deles pode se dar quando houver modificação
do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos. O outro
caso de alteração se dá quando se faz necessária à modificação do valor contratual em
decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos da
lei.
Assim, temos que:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser
alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das
especificações, para melhor adequação técnica aos seus
objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em
decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu
objeto, nos limites permitidos por esta Lei.
Assim, para a hipótese de alteração unilateral, há expressa referência ao equilíbrio
econômico-financeiro no art. 65, §§ 4º, 5º e 6º.
23
De acordo com o § 4º, estabelece-se que, no caso supressão de obras, bens ou serviços,
se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão
ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e
monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente
decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados.
Já o § 5º prevê a revisão dos preços, para mais ou para menos, no caso de criação,
alteração ou extinção de tributos ou encargos legais, após a apresentação das propostas e de
comprovada repercussão nos preços contratados.
Entretanto, quanto ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, é o
parágrafo sexto taxativo em afirmar que:
Art. 65. §6º. Em havendo alteração unilateral do contrato que
aumente os encargos do contratado, a Administração deverá
restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro
inicial.
O poder e alteração unilateral das cláusulas regulamentares conferem ao Poder
Concedente a possibilidade de alterar as condições do funcionamento do serviço. Por isso,
pode impor modificações relativas à organização dele, a seu funcionamento e desfrute pelos
usuários.
Nesse sentido, a Lei 8.987/95, em seu artigo 9º, §4º, dispõe que:
Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo
preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas
regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
(...)
§ 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o
seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente
deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.
O concessionário não se pode opor às alterações exigidas, nem esquivar-se de cumpri-
las ou reclamar a rescisão da concessão, desde que o objeto dela não haja sido desnaturado ou
desvirtuado pelas modificações impostas. Cabe-lhe, o ressarcimento pelo desequilíbrio
24
econômico dos termos da concessão, se este resultar da ação das novas medidas estabelecidas
pelo concedente.
Vale dizer que essa prerrogativa da Administração Pública de poder de alterar
unilateralmente os contratos celebrados por ela, confere ao contratado o direito de ver
mantido o equilíbrio econômico-financeiro, sendo este a relação que se estabelece no
momento da celebração do ajuste, entre o encargo assumido pelo contratado e a prestação
pecuniária assegurada pela Administração.
4.3. Fato do Príncipe
O equilíbrio do contrato administrativo pode ser quebrado por força de ato ou medida
instituída pelo próprio Estado. Foi por isso construída a teoria do fato do príncipe, aplicável
quando o Estado contratante, mediante ato lícito, modifica as condições do contrato,
provocando prejuízo ao contratado. O pressuposto do fato do príncipe é a álea
administrativa.36
O fato do príncipe são medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o
contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em
detrimento do contratado. Na Lei n.º 8.666/93, há expressa referência à teoria do fato do
príncipe, no art. 65, II, d, a saber:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser
alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
II - por acordo das partes:
d) para restabelecer a relação que as parte pactuaram
inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da
Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou
fornecimento, objetivando a manutenção do equilibrio
econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de
sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de
conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
36 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.151.
25
execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso
fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica
extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei n.º
8.883, de 1994).
O fato do príncipe se caracteriza por ser imprevisível, extracontratual e extraordinário,
provocando neste último caso profunda alteração na equação econômico-financeira do
contrato.
O efeito da aplicação da teoria do fato do príncipe, à semelhança do que ocorre com a
teoria da imprevisão, comporta duas hipóteses. A primeira e aquela em, que o ato estatal
dificulta e onera o particular para o cumprimento de suas obrigações; nesse caso, terá o
particular o direito à revisão do preço para ensejar a restauração do equilíbrio contratual.
Outra hipótese é aquela em que o fato impede definitivamente o particular de adimplir as
obrigações. Impossibilitado de fazê-lo por motivo a que não deu causa, não pode ser por isso
prejudicado, de modo que fará jus à indenização integral. 37
Entretanto, vale ressaltar a diferença existente entre responsabilidade por fato do
príncipe e responsabilidade contratual do Estado. O fato do príncipe pressupõe uma norma
geral emanada de autoridade pública – de qualquer autoridade pública, enquanto que a
responsabilidade contratual pressupõe uma norma particular, específica, emanada de qualquer
autoridade pública relacionada com o contrato administrativo em questão.
A responsabilidade pelo fato do príncipe não é direta, apenas reflexa, e incide no
âmbito jurídico do co-contrante, causando-lhe um dano ressarcível por este diferencial com
respeito aos demais habilitantes. 38
De acordo com a teoria do fato do príncipe, o poder concedente deverá indenizar
integralmente o concessionário quando, por ato seu, agravar a equação econômico-financeira
da concessão em detrimento do concessionário, salvo se a medida gravosa corresponder a
ônus imposto aos administrados em geral cuja repercussão não atinja direta ou
especificamente as prestações do concessionário. 39
37 Idem,p.52. 38 Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p.494. 39 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.677.
26
4.4. Teoria da Imprevisão
Hamurabi, no distante século XIX antes de Cristo, isto é, há quase 4.000 anos, admitia
a revisão contratual por interferência de fatores externos, como se lê no cânone 48 de seu
Código, assim redigido:
Se um senhor tem uma dívida e o deus Adad inundou seu campo
e destroçou sua colheita e os bens, e se por causa do flagelo, o
campo não produzir grãos, nesse ano não entregará grãos a seu
credor, cancelará seu contrato e não pagará os juros desse ano.
Os romanos já aceitavam a vulnerabilidade do princípio da obrigatoriedade do
contrato (pacta sunt servanda). Antes de ser uma regra jurídica, ela foi uma regra moral,
posteriormente adotada pelo cristianismo. Naquela época, exigia-se equivalência das
prestações sempre que se estivesse em presença de um ato a título oneroso.
A cláusula rebus sic stantibus, surgida na Idade Média, entrou em declínio e
praticamente desapareceu no século XVIII, por influência do individualismo que floresceu em
todos os aspectos, inclusive no jurídico.
Foi o conflito mundial da segunda década do século atual que veio a reavivar a teoria.
As violentas flutuações econômicas geradas pelo desequilíbrio social e político da guerra
exigiram dos intérpretes e dos tribunais a mitigação do princípio rígido da imutabilidade dos
contratos (pacta sunt servanda). 40
A teoria da imprevisão foi construída no Direito Francês, especialmente pelo Conselho
do Estado francês, órgão de cúpula da jurisdição administrativa na França. E essa teoria nada
mais é do que aplicação da antiga cláusula rebus sic stantibus. 41
Na França, com o famoso aresto do Conselho de Estado francês, proferido no caso da
Cia de Gás de Bordeaux (30-3-1916)- Companhie Générale d’Éclairage de Bordeaux, a guerra
de 1914 tinha provocado tal subida no preço do carvão que os concessionários de gás não
podiam prosseguir a sua exploração com as tarifas previstas nos contratos sem se exporem à
ruína. Daí a decisão do Conselho de Estado francês permitindo a revisão das tarifas. 42
Os serviços de eletricidade da França eram todos eles na base do carvão. O preço do
carvão aumentou desmedidamente de um ano para outro, e o preço da eletricidade estava
40 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.p.268. 41 Idem,p.268. 42 Idem,p.268.
27
fixado para durar um século. A realidade dos fatos, independentemente da vontade dos
contratantes, não podia deixar de interferir nas relações jurídicas celebradas em tempos
normais, de plena paz. 43
Entretanto, para a aplicação da teoria, entendia-se necessária a ocorrência de três
requisitos, a saber: que o prejuízo resultasse de evento alheio ao comportamento das partes,
ou, no caso da Administração, estranho à sua posição jurídica de contratante; que o evento
determinante do prejuízo fosse não apenas imprevisto, mas também imprevisível; que o
prejuízo resultante para o onerado fosse significativo, isto é, gravemente convulsionador da
economia do contrato. 44
Vê-se assim que ocorre a teoria da imprevisão quando, no curso do contrato, sobrevêm
eventos excepcionais e imprevisíveis que subvertem a equação econômico-financeira do
pacto.
De acordo com a teoria da imprevisão, o contratado faz jus á plena restauração do
equilíbrio contratual caso ocorra superveniência de eventos imprevistos de ordem econômica
ou que surtem efeitos de natureza econômica, alheios à ação das partes, que repercutam de
maneira seriamente gravosa sobre o equilíbrio do contrato. 45
O fundamento da teoria da imprevisão é, portanto, o princípio da cláusula rebus sic
stantibus, segundo o qual o contrato deve ser cumprido desde que presentes as mesmas
condições existentes no cenário dentro do qual foi o pacto ajustado. Mudadas profundamente
tais condições, rompe-se o equilíbrio contratual, e não se podendo imputar qualquer culpa à
parte inadimplente. 46
Sujeições imprevistas oneram a realização de uma obra contratada, as quais, ainda que
preexistentes, eram desconhecidas ou, ao menos, se conhecidas, não foram dadas a conhecer
ao contratado ou foram erroneamente, quando do estabelecimento das condições
determinantes do contrato e de sua equação econômico-financeira. 47
A ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios à ação dos contraentes, e que
tornam o contrato ruinoso para uma das partes, acarreta situação que não pode ser suportada
unicamente pelo prejudicado. 48
43 José Augusto Delgado. Evolução e Características do Contrato de Concessão. Anais do Seminário Jurídico de Concessões de Serviços Públicos. Paraná, 2001. p.160. 44 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.600. 45 Idem,p.587. 46 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.150. 47 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.587. 48 Idem,p.598.
28
Caso fortuito e força maior são situações de fato que redundam na impossibilidade de
serem cumpridas as obrigações contratuais. O primeiro decorre de eventos da natureza, como
catástrofes, ciclones, tempestades anormais, e o segundo é o resultado de um fato causado, de
alguma forma, pela vontade humana, como é o clássico exemplo da greve. 49
Ocorrendo tais situações, rompe-se o equilíbrio contratual, porque uma das partes
passa a sofrer um encargo extremamente oneroso, não tendo dado causa para tanto. É evidente
que será impossível exigir-se dela o cumprimento da obrigação, até porque essa exigência
será incompatível com a cláusula rebus sic stantibus, aplicável perfeitamente à espécie. 50
Entretanto, há que se fazer, expressamente, a distinção entre a força maior e a teoria
da imprevisão. A força maior impossibilita o cumprimento do ajuste, enquanto que os fatos
imprevistos o tornam mais oneroso, dificultando ou, até mesmo, impossibilitando seu
cumprimento, caso não seja revisto o contrato. Fatos imprevistos são todos os que, por
ocasião do pactuado no contrato, eram ignorados pelas partes, por absoluta impossibilidade de
prevê-los ou conhecê-los. A imprevisibilidade das partes com relação a fatos facilmente
previsíveis, somente imprevistos por sua incúria ou inépcia, não autoriza a invocação desta
teoria. Os fatos imprevistos caracterizam-se, principalmente, pela onerosidade anormal do
contrato em virtude de situações supervenientes incontroláveis. 51
Nesse sentido, temos o artigo 65, II, alínea “d”, da Lei 8.666/93, com redação alterada
pela Lei n.º 8.883/94:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser
alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
II - por acordo das partes:
d) para restabelecer a relação que as parte pactuaram
inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da
Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou
fornecimento, objetivando a manutenção do equilibrio
econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de
sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de
conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso
49 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.152. 50 Idem,p.152. 51 Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p.492.
29
fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica
extraordinária e extracontratual.
Na teoria da imprevisão, ocorre apenas um desequilíbrio econômico, que não impede a
execução do contrato; e na força maior, verifica-se a impossibilidade absoluta de dar
prosseguimento ao contrato. No primeiro caso, a Administração pode aplicar a teoria da
imprevisão, revendo as cláusulas financeiras do contrato, para permitir sua continuidade, se
esta for conveniente para o interesse público; no segundo caso, ambas as partes são liberadas,
sem qualquer responsabilidade por inadimplemento, uma vez que a força maior constitui um
dos fundamentos para a rescisão do contrato. 52
Verifica-se , assim, ser inteiramente aplicável a teoria da imprevisão, em decorrência
de fatos alheios à vontade da Contratante, que, ao se refletirem no contrato, produzam
desbalanceamento da equação econômico-financeira, ou seja, em decorrência de
determinações administrativas modificadoras do contrato.
A indenização da imprevisão supõe a superveniência de acontecimentos que, por
hipótese, as partes não haviam podido prever quando da conclusão do contrato. Pela teoria da
imprevisão o Poder Público deve arcar parcialmente com os prejuízos que resultam para o
concessionário de acontecimento imprevisível, ao qual os contraentes não hajam dado causa,
e que provoque profundo e substancial desequilíbrio da equação econômico-financeira,
tornando ruinosa, embora não impossível, a prestação do serviço para o concessionário. Esta é
a orientação da maior parte da doutrina. 53
O efeito da teoria da imprevisão calca-se em duas vertentes. Se a parte prejudicada não
puder cumprir, de nenhum modo, as obrigações contratuais, dar-se-á a rescisão sem atribuição
de culpa. Se o cumprimento for possível, mas acarretar ônus para a parte, terá esta direito à
revisão do preço para restaurar o equilíbrio rompido. 54
Se de um lado, a ocorrência de circunstâncias excepcionais não libera o particular da
obrigação de dar cumprimento ao contrato, por outro lado não é justo que ele responda
sozinho pelos prejuízos sofridos. Para evitar a interrupção do contrato, a Administração vem
em seu auxílio, participando também do acréscimo de encargos. Essa compensação o
particular só pode pleitear quando continuar a execução do contrato; e nunca será integral,
52 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.p.270. 53 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 13.ed. p.677. 54 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.151.
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porque não cobre o total do défict financeiro do co-contrante; reparte-se o prejuízo para
restabelecer o equilíbrio econômico do contrato.
Pode-se afirmar assim, que são requisitos para restabelecimento do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, pela aplicação da teoria da imprevisão, que o fato seja
imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às suas conseqüências, que seja estranho à
vontade das partes, inevitável e que seja causa determinante de um desequilíbrio muito grande
no contrato. 55
Assinale-se, por fim, ser correta a advertência de que tais situações devem
caracterizar-se pela imprevisibilidade, inevitabilidade e impossibilidade total do cumprimento
das obrigações. Fora daí, os fatos estarão dentro da álea normal dos contratos.56
Vemos, dessa forma que a possibilidade de se restabelecer o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato calcado na teoria da imprevisão representa ainda mais o prestígio do
significado real das vontades das partes quando do ajustado no contrato, pela restauração dos
termos dos ajustes iniciais.
55 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.p.269. 56 José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.p.153.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fornecimento de serviços públicos ocupa um lugar importante nos fins do Estado. A
concessão de serviços públicos tem-se mostrado através dos tempos como um dos meios mais
eficazes de o Poder Público assegurar a prestação de tal serviço com a colaboração de
particulares.
A concessão representa, pois, a utilização do estímulo da iniciativa privada e da sua
flexibilidade e experiência para proveito do interesse público. O serviço público tem, por
força da Constituição, de corresponder a uma atividade que, pela sua própria natureza, só o
Estado tem condições de prestar com vistas a propiciar melhores condições para o
atendimento do interesse de toda a coletividade.
Entretanto, o serviço público pelo fato de passar a ser gerido por uma entidade privada
não perde a sua natureza. O que se transfere não é a titularidade do serviço, mas apenas seu
exercício. Assim, o Estado permanece como sendo titular do serviço público, tendo delegado,
através de um contrato apenas a execução do mesmo.
O concessionário desempenha uma função pública, é um colaborador da
Administração na realização dos interesses gerais e deverá ter sempre presente, para os
respeitar, manter e acentuar, os caracteres próprios do serviço público.
Ao utilizar-se do instituto da concessão de serviço públicos, a Administração Pública
delega, à empresa privada a prestação de serviços públicos. A empresa privada, diz-se, tem
maior sentido da economia, produtividade e da eficiência do que as entidades públicas. E
assim, condicionada por um ato jurídico de concessão, e sujeita aos regulamentos
administrativos, apertados pela fiscalização oficial e pelas exigências do público, servirá esta
melhor do que uma entidade pública instalada para tal fim.
Nesse ínterim, cabe ao Poder Público realizar as funções de regulação e fiscalização,
para que se mantenha o equilíbrio entre o serviço público prestado pela iniciativa privada e o
interesse público a ser atendido.
Entretanto, enquanto para o Estado, a concessão visa satisfazer o interesse da
coletividade com a efetiva e adequada prestação dos serviços públicos, para o concessionário,
a prestação do serviço é o meio pelo qual ele obtém o fim que almeja, qual seja, o lucro.
Assim, os interesses e finalidades visados pela Administração e pelo contratado são
contraditórios e opostos. Na concessão de serviço público a Administração, quer a prestação
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adequada do serviço, ou seja, a satisfação de um interesse geral, e o particular objetiva o
lucro, a satisfação de um interesse individual.
Por equação econômico-financeira, no âmbito do contrato administrativo, deve
entender-se a relação concreta entre os encargos e as retribuições respectivamente impostos e
outorgados ao particular que contrata com a Administração Pública. A equação econômico-
financeira do contrato caracteriza-se pelo equilíbrio entre as obrigações assumidas e as
importâncias a serem recebidas.
A observância, durante todo o contrato, desse equilíbrio financeiro é vital nas
concessões de serviço público, não somente para assegurar o lucro do concessionário, mas
principalmente para garantir a continuidade e boa prestação do serviço público. Se alterada a
equação econômico-financeira do contrato, a Administração deve recompô-la.
O particular, dessa forma, mesmo sabendo das prerrogativas inerentes à
Administração, manifesta sua vontade do em participar da formação do vínculo, pelo
resguardo de seus interesses, representado pela garantia de manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro da avença, ao longo de toda sua duração.
Se não fosse assegurada a manutenção da equação econômico-financeira, ao longo de
toda a relação contratual, não haveria interesse, por parte dos particulares, de contratar com o
Estado, por absoluta falta de segurança.
Assim, a intangibilidade da equação financeira, apresenta-se como o mais lídimo dos
direitos do concessionário.
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