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O EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS RPPS: DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL A POLÍTICA PÚBLICA DE ESTADO Narlon Gutierre Nogueira Secretaria de Políticas de Previdência Social __________________________________________________ Coleção Previdência Social Volume 34

o Equilíbrio Financeiro e Atuarial

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  • 1O EQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS RPPS: DE PRINCPIO CONSTITUCIONAL A

    POLTICA PBLICA DE ESTADO

    Narlon Gutierre Nogueira

    Secretaria de Polticas de Previdncia Social

    __________________________________________________Coleo Previdncia Social

    Volume 34

  • 2 2012 Ministrio da Previdncia Social

    Presidenta da Repblica: Dilma Vana RoussefMinistro da Previdncia Social: Garibaldi Alves FilhoSecretrio Executivo: Carlos Eduardo GabasSecretrio de Polticas de Previdncia Social: Leonardo Jos Rolim GuimaresDiretor do Depto. do Regime Geral de Previdncia Social: Rogrio Nagamine CostanziDiretor do Depto. dos Regimes de Previdncia no Servio Pblico: Otoni Gonalves GuimaresDiretor do Depto. de Polticas de Sade e Segurana Ocupacional: Cid Roberto Bertozzo PimentelCoordenador-Geral de Estudos Previdencirios: Emanuel de Arajo Dantas

    A Coleo Previdncia Social uma publicao do Ministrio da Previdncia Social, de responsabilidade da Secretaria de Polticas de Previdncia Social e organizada pela Coordenao-Geral de Estudos Previdencirios.

    Edio e Distribuio:Ministrio da Previdncia SocialSecretaria de Polticas de Previdncia SocialEsplanada dos Ministrios, Bloco F70059-900 Braslia-DFTel.: (61) 2021-5236 Fax: (61) 2021-5195

    Tambm disponvel no endereo: www.previdencia.gov.br.Tiragem: 4.000 exemplaresImpresso no Brasil / Printed in Brazil

    As opinies e propostas porventura contidas nesta publicao so de responsabilidade do autor, no refletindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministrio da Previdncia Social.

  • 3 permitida a reproduo total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.

    Nogueira, Narlon Gutierre

    O Equilbrio financeiro e atuarial dos RPPS: de princpio constitucional a poltica pblica de Estado / Narlon Gutierre Nogueira. --- Braslia, MPS, 2012.

    336 p. -- (Coleo Previdncia Social. Srie Estudos; v. 34)

    ISBN 978-85-88219-40-3

    1. Previdncia social. 2. Regimes prprios de previdncia social dos servidores pblicos. 3. Equilbrio financeiro e atuarial. 4. Polticas pblicas. I. Autor. II. Ttulo. III. Srie Estudos.

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  • 5APRESENTAO

    A Emenda Constitucional n 41/2003, ao tratar dos Regimes Prprios de Previdncia Social, destaca que os mesmos devem observar critrios que preservem seu equilibro financeiro e atuarial e isso, sem dvida, objetivando assegurar a proteo dos seus segurados em longo prazo.

    A Previdncia Social, seja em seu Regime Geral ou nos Regimes Prprios, tem uma funo social das mais relevantes e, por isso, tem sua necessidade de financiamento sempre compensada pelo poder pblico, o que pode comprometer os oramentos pblicos em todas as esferas de governo.

    Em relao aos Regimes Prprios, foco dessa publicao, ao longo dos ltimos anos, alteraes constitucionais vm sendo introduzidas com o objetivo de controlar o desequilbrio entre receitas e despesas, e os efeitos j podem ser observados.

    Recentemente, a Unio deu um importante passo para a sustentabilidade futura de seu Regime Prprio de Previdncia Social, com a aprovao da Lei n 12.618, de 30 de abril de 2012, que instituiu a previdncia complementar dos servidores pblicos federais, medida que contribuir no processo de construo do equilbrio financeiro e atuarial.

    O livro O EQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS RPPS: DE PRINCPIO CONSTITUCIONAL A POLTICA PBLICA DE ESTADO uma importante ferramenta para os gestores e estudiosos dos Regimes Prprios de Previdncia e a sua publicao na Coleo Previdncia Social motivo de grande satisfao para o Ministrio da Previdncia Social.

    Braslia, maio de 2012Garibaldi Alves Filho

    Ministro de Estado da Previdncia Social.

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  • 7PREFCIO

    Existem hoje, no Brasil, quase dois mil Regimes Prprios de Previdncia Social, na Unio, nos Estados e Distrito Federal, em todas as Capitais e em aproximadamente um tero dos Municpios (nestes includos aqueles mais populosos), que asseguram a proteo previdenciria a cerca de nove milhes de segurados, sendo seis milhes de servidores ativos e trs milhes de aposentados e pensionistas.

    As Emendas Constitucionais n 20/1998 e n 41/2003, e as Leis n 9.717/1998 e n 10.887/2004, redefiniram o marco institucional dos Regimes Prprios, estabelecendo regras de organizao e funcionamento que proporcionaram significativos avanos na sua gesto. O Ministrio da Previdncia Social vem desempenhando importante papel nesse processo, dentro de suas atribuies de orientao, superviso e acompanhamento, por meio da edio de atos normativos, do fomento a de aes de capacitao dos gestores e da auditoria direta e indireta dos RPPS.

    Porm, questo que permanece a desafiar os governantes nas trs esferas da Federao e os gestores dos RPPS aquela que diz respeito efetivao de seu equilbrio financeiro e atuarial, princpio estruturante consagrado no caput do artigo 40 da Constituio Federal. De modo geral, a grande maioria dos Regimes Prprios possui dficit atuarial a ser equacionado, originado de situaes passadas relacionadas forma pela qual foram constitudos e inicialmente geridos.

    As obras que tratam dos RPPS normalmente dedicam-se quase integralmente ao estudo das regras e dos critrios para concesso dos benefcios previdencirios, pouco espao dedicando anlise da questo do equilbrio financeiro e atuarial. No existe tambm nenhuma publicao que apresente, de forma sistematizada, uma anlise da situao atuarial do conjunto dos RPPS.

    A publicao deste volume 34 da Coleo da Previdncia Social vem contribuir para uma melhor compreenso e conhecimento do tema, incentivando o debate qualificado a seu respeito. O trabalho fruto de pesquisa desenvolvida por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil que h alguns anos encontra-se em exerccio no Departamento dos Regimes de Previdncia no Servio Pblico, rgo da Secretaria de Polticas de Previdncia Social, cujo corpo de servidores tem dedicado seu esforo profissional e pessoal para a construo de um novo modelo de previdncia dos servidores pblicos, que assegure a justia e a sustentabilidade.

    O autor demonstra que o equilbrio financeiro e atuarial dos RPPS no de interesse exclusivo de servidores pblicos e governos, mas de toda a sociedade,

  • 8uma vez que se liga capacidade de efetivao de polticas pblicas que afetam de forma direta a vida dos cidados. Por essa razo, a construo do equilbrio dos RPPS deve ser igualmente tratada por meio de uma poltica pblica de Estado, envolvendo o planejamento e a ao governamental em um processo voltado a atingir objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

    Ao longo do texto so analisados os fatores determinantes para a origem do dficit atuarial dos RPPS e apresentadas propostas para o desenvolvimento da poltica pblica voltada ao seu equilbrio, bem como explicados os principais conceitos relacionados a uma avaliao atuarial. O ltimo captulo, devidamente ilustrado por grficos e tabelas, apresenta um panorama da situao atuarial de todos os RPPS do pas e prope a construo de alguns indicadores que permitem aferir e comparar essa situao entre diferentes entes federativos.

    Porm, o trabalho no se limita a apenas discutir o equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos, pois em seus dois primeiros captulos apresenta um interessante resgate histrico da origem e do desenvolvimento da previdncia social no Brasil e no mundo, que contempla tambm seus perodos de crise e reformas, e analisa a evoluo da previdncia dos servidores, relacionada ao regime jurdico de trabalho, propondo sua diviso em trs perodos histricos: origem, expanso e consolidao.

    Espera-se que a publicao cumpra seu propsito de difundir o conhecimento sobre tema to relevante, como o equilbrio financeiro e atuarial dos RPPS, a todos aqueles que se dedicam ao estudo e gesto da previdncia social no Brasil.

  • 9SUMRIO

    APRESENTAO 5PREFCIO 7LISTA DE GRFICOS 11LISTA DE TABELAS 12LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 15INTRODUO 21

    1. PREVIDNCIA SOCIAL: ORIGEM, EVOLUO, CRISE E REFORMAS 24

    1.1 SURGIMENTO E CONSOLIDAO DO DIREITO PREVIDNCIA SOCIAL NO MUNDO 241.2 O DIREITO PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL 351.3 REFORMA DOS SISTEMAS PREVIDENCIRIOS NO MUNDO 571.4 REFORMAS PREVIDENCIRIAS NO BRASIL 81

    2. REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PBLICOS 106

    2.1 PREVIDNCIA SOCIAL E REGIME JURDICO DOSSERVIDORES PBLICOS NO BRASIL AT A CONSTITUIO DE 1988 1062.2 EXPANSO DOS REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIASOCIAL A PARTIR DA CONSTITUIO DE 1988 1252.3 NOVA CONCEPO DOS REGIMES PRPRIOS A PARTIRDAS REFORMAS PREVIDENCIRIAS DE 1998 E 2003 137

    2.3.1 Definio dos segurados dos RPPS 1402.3.2 Sujeio dos RPPS aos princpios do cartercontributivo e solidrio e ao equilbrio financeiro e atuarial 1442.3.3 Novos critrios para clculo e reajustamentodos proventos: fim da integralidade e da paridade 1472.3.4 Alterao dos requisitos exigidos para aconcesso de aposentadoria 1482.3.5 Substituio do tempo de servio por tempo decontribuio e vedao ao tempo fictcio 1512.3.6 Redutor da penso por morte 1522.3.7 Vedao acumulao de aposentadorias esubmisso ao teto remuneratrio 1522.3.8 Instituio do abono de permanncia 1532.3.9 Aplicao subsidiria das regras do RGPS 1532.3.10 Regime de previdncia complementar 1532.3.11 Regime prprio de previdncia social eunidade gestora nicos 1542.3.12 Constituio de fundo previdencirio 154

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    3. O EQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS REGIMES DE PREVIDNCIA DOS SERVIDORES PBLICOS E AS POLTICAS PBLICAS 156

    3.1 DETALHAMENTO DO PRINCPIO CONSTITUCIONALDO EQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL 1563.2 CONCEITUAO DE POLTICAS PBLICAS 1753.3 RELAO ENTRE O EQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIALDOS REGIMES DE PREVIDNCIA DOS SERVIDORESE AS POLTICAS PBLICAS 183

    3.3.1 Equilbrio financeiro e atuarial: de princpioconstitucional a poltica pblica de Estado 1833.3.2 Equacionamento do dficit atuarial passado 1953.3.3 Regularidade no repasse das contribuies 2023.3.4 Poltica de investimentos 2043.3.5 Gesto dos benefcios 211

    4. SITUAO ATUARIAL DOS REGIMES DE PREVIDNCIA DOS SERVIDORES PBLICOS NO BRASIL 213

    4.1 CONSOLIDAO DE DADOS DOS RESULTADOSATUARIAIS DOS REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL 2134.2 APURAO DE INDICADORES A PARTIR DOSRESULTADOS ATUARIAIS 219

    4.2.1 Relao entre o nmero de servidores ativos e onmero de aposentados e pensionistas 2204.2.2 Relao entre o dficit atuarial e areceita corrente lquida 2234.2.3 Relao entre a amortizao anual dodficit atuarial, a receita corrente lquida e olimite das despesas com pessoal 226

    4.3 OUTROS DADOS RELEVANTES PARA OEQUILBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOSREGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL 2324.4 REGIME DE PREVIDNCIA DOS SERVIDORES DA UNIO 243

    CONCLUSO 252REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 255

    APNDICE - DADOS ESTATSTICOS: SITUAO ATUARIAL DOS REGIMES DE PREVIDNCIA DOS SERVIDORES PBLICOS NO BRASIL 267

    APNDICE A - GRUPO 1 (ESTADOS) 268APNDICE B - GRUPO 2 (CAPITAIS) 269APNDICE C - GRUPO 3 (MUNICPIOS COM MAIS DE 400 MIL HABITANTES) 270APNDICE D - GRUPO 4 (MUNICPIOS COM MAIS DE 100 MIL HABITANTES) 271APNDICE E - GRUPO 5 (MUNICPIOS COM MAIS DE 50 MIL HABITANTES) 277APNDICE F - GRUPO 6 (MUNICPIOS COM MAIS DE 10 MIL HABITANTES) 285APNDICE G - GRUPO 7 (MUNICPIOS COM AT 10 MIL HABITANTES) 315

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Ano de Instituio dos RPPS pelos Estados e Municpios 133

    Grfico 2: Segregao da Massa - Evoluo Hipottica do Plano Previdencirio 174

    Grfico 3: Segregao da Massa - Evoluo Hipottica do Plano Financeiro 174

    Grfico 4: Resultado Previdencirio dos RPPS dos Estados: 2004-2009 188

    Grfico 5: Resultado Previdencirio dos RPPS das Capitais: 2004-2009 189

    Grfico 6: Resultado Previdencirio dos RPPS dos Demais Municpios: 2004-2009 189

    Grfico 7: Evoluo dos Investimentos dos RPPS: 2003-2009 204

    Grfico 8: Investimentos dos RPPS - Distribuio por Segmento Posio em 31.12.2009 208

    Grfico 9: Distribuio da Populao pelos RPPS dos Municpios 215

    Grfico 10: Quantitativo de RPPS dos Municpios por Grupo 216

    Grfico 11: Tempo Mdio de Instituio dos RPPS por Grupo 216

    Grfico 12: Distribuio do Ativo Lquido pelos RPPS dos Municpios 217

    Grfico 13: Distribuio do Dficit Atuarial pelos RPPS dos Municpios 218

    Grfico 14: Distribuio dos Segurados Ativos pelos RPPS dos Municpios 218

    Grfico 15: Distribuio dos Segurados Inativos e Pensionistas pelos RPPS dos Municpios 218

    Grfico 16: Relao entre o Nmero de Servidores Ativos e o Nmero de Aposentados e Pensionistas por Grupo - Distribuio por Situao 223

    Grfico 17: Relao entre Dficit Atuarial e Receita Corrente Lquida por Grupo - Distribuio por Situao 226

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    Grfico 18: Relao entre Dficit Atuarial, Receita Corrente Lquida e Despesa com Pessoal por Grupo - Distribuio por Situao 230

    Grfico 19: Servidores dos RPPS por Esfera e Gnero - 2007 - Brasil 233

    Grficos 20, 21 e 22: Pirmide Etria dos Servidores dos RPPS, por Esfera e Gnero - 2007 - Brasil 235

    Grfico 23: Distribuio dos Servidores Federais Vinculados a RPPS por Faixa de Rendimento, Segundo a Regio 240

    Grfico 24: Distribuio dos Servidores Estaduais Vinculados a RPPS por Faixa de Rendimento, Segundo a Regio 241

    Grfico 25: Distribuio dos Servidores Municipais Vinculados a RPPS por Faixa de Rendimento, Segundo a Regio 241

    Grfico 26: Resultado Previdencirio do RPPS da Unio - Servidores Civis: 2006-2009 246

    Grfico 27: Resultado Previdencirio do RPPS da Unio - Servidores Militares: 2006-2009 247

    Grfico 28: Projeo Atuarial do RPPS da Unio para Gerao Atual - Perodo de 75 anos (Valores em R$ milhes) 250

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Evoluo das Alquotas de Contribuio dos Servidores Civis da Unio 127

    Tabela 2: Ano de Instituio dos RPPS pelos Estados e Municpios 132

    Tabela 3: Impacto das Hipteses Atuariais no Custo do RPPS 165

    Tabela 4: Regime Financeiro de Capitalizao - Mtodos de Capitalizao 169

    Tabela 5: Resultado Previdencirio dos RPPS dos Estados: 2004-2009 191

    Tabela 6: Resultado Previdencirio dos RPPS das Capitais: 2004-2009 192

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    Tabela 7: Resultado Previdencirio dos RPPS dos Demais Municpios: 2004-2009 193

    Tabela 8: Evoluo dos Investimentos dos RPPS dos Estados: 2003-2009 205

    Tabela 9: Evoluo dos Investimentos dos RPPS das Capitais: 2003-2009 206

    Tabela 10: Evoluo dos Investimentos dos RPPS dos Municpios: 2003-2009 207

    Tabela 11: Dados Gerais dos RPPS dos Estados e Municpios por Grupo 215

    Tabela 12: Situao Atuarial dos RPPS dos Estados e Municpios por Grupo 217

    Tabela 13: Relao entre o Nmero de Servidores Ativos e o Nmero de Aposentados e Pensionistas por Grupo 220

    Tabela 14: Relao entre o Nmero de Servidores Ativos e o Nmero de Aposentados e Pensionistas por Grupo - Distribuio por Situao 222

    Tabela 15: Relao entre Dficit Atuarial e Receita Corrente Lquida por Grupo 224

    Tabela 16: Relao entre Dficit Atuarial e Receita Corrente Lquida por Grupo - Distribuio por Situao 225

    Tabela 17: Relao entre Dficit Atuarial, Receita Corrente Lquida e Despesa com Pessoal por Grupo 228

    Tabela 18: Relao entre Dficit Atuarial, Receita Corrente Lquida e Despesa com Pessoal por Grupo - Distribuio por Situao 230

    Tabela 19: Estatutrios Ativos, segundo Tipo de Vnculos - 2007 - Brasil 232

    Tabela 20: Servidores dos RPPS por Esfera, Gnero e Faixa Etria - 2007 - Brasil 233

    Tabela 21: Distribuio dos Servidores dos RPPS por Faixa Etria - 2007 - Brasil 234

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    Tabela 22: Distribuio dos Servidores dos RPPS por Faixa de Rendimento e Esfera - 2007 - Brasil 237

    Tabela 23: Clculo do Potencial de Contribuio Mensal dos Inativos, para Servidores Ativos com Rendimento Acima do Teto do RGPS, por Esfera - 2007 - Brasil 238

    Tabela 24: Distribuio dos Servidores do Magistrio Vinculados a RPPS, por Esfera e Gnero - 2007 - Brasil 242

    Tabela 25: Evoluo das Despesas com Pessoal e da Receita Corrente Lquida da Unio: 2003-2009 245

    Tabela 26: Resultado Previdencirio do RPPS da Unio: 2003-2009 246

    Tabela 27: Dados Estatsticos dos Servidores Civis do RPPS da Unio - Avaliao Atuarial 2010 247

    Tabela 28: Balano Atuarial do RPPS dos Servidores Civis da Unio - Avaliao Atuarial 2010 248

    Tabela 29: Projeo Atuarial do RPPS da Unio para Gerao Atual 249

    Tabela 30: Situao Atuarial do RPPS da Unio 250

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABIPEM Associao Brasileira de Instituies de Previdncia Estaduais e MunicipaisABRAPP Associao Brasileira das Entidades Fechadas de Previdncia PrivadaADCT Ato das Disposies Constitucionais TransitriasADI Ao Direta de InconstitucionalidadeAFJP Administradora de Fondos de Jubilacin y PensinAFP Administradora de Fundo de PrevidnciaAFP Capitalizao Individual ObrigatriaAMB Associao dos Magistrados BrasileirosANAMATRA Associao Nacional dos Magistrados da Justia do TrabalhoANC Assemblia Nacional ConstituinteANFIP Associao Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do BrasilANSES Administracin Nacional de La Seguridad SocialAPEPREM Associao Paulista de Entidades de Previdncia do Estado e dos MunicpiosAPV Poupana Previdenciria VoluntriaBD Benefcio DefinidoBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBPC Benefcio de Prestao ContinuadaBSP Basic State PensionCADPREV Sistema de Informaes dos Regimes de Previdncia no Servio PblicoCAP Caixa de Aposentadoria e PensoCAPFESP Caixa de Aposentadoria e Penses dos Ferrovirios e Empregados em Servios PblicosCASEM Carteira do Servidor MunicipalCBO Classificao Brasileira de OcupaesCCJC Comisso de Constituio e Justia e de CidadaniaCCJR Comisso de Constituio, Justia e RedaoCD Contribuio DefinidaCDES Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social

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    CDN Contribuio Definida NocionalCEESP Comisso Especial para Estudo do Sistema PrevidencirioCEME Central de MedicamentosCEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e CaribeCEPAM Centro de Estudos e Pesquisas de Administrao Municipal da Fundao Prefeito Faria LimaCFSPC Conselho Federal do Servio Pblico CivilCGACI Coordenao-Geral de Auditoria, Aturia, Contabilidade e InvestimentosCGEEI Coordenao-Geral de Estudos Tcnicos, Estatsticas e Estudos GerenciaisCGEP Coordenao-Geral de Estudos PrevidenciriosCGNAL Coordenao-Geral de Normatizao e Acompanhamento LegalCIDH Comisso Interamericana de Direitos HumanosCJ/MPS Consultoria Jurdica do Ministrio da Previdncia SocialCLT Consolidao das Leis do TrabalhoCMN Conselho Monetrio NacionalCOBAP Confederao Brasileira de Aposentados e PensionistasCONAPREV Conselho Nacional dos Dirigentes dos Regimes Prprios de Previdncia SocialCOPOM Comit de Poltica MonetriaCPI Comisso Parlamentar de InquritoCRP Certificado de Regularidade PrevidenciriaCSPS Conselho Superior de Previdncia SocialCTASP Comisso de Trabalho, de Administrao e Servio PblicoCTM Confederao dos Trabalhadores MexicanosCUT Central nica dos TrabalhadoresDASP Departamento Administrativo do Servio PblicoDATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdncia SocialDNPS Departamento Nacional de Previdncia SocialDPI Dvida Previdenciria ImplcitaDRAA Demonstrativo de Resultado da Avaliao AtuarialDRPSP Departamento dos Regimes de Previdncia no Servio PblicoEFPC Entidade Fechada de Previdncia Complementar

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    FEBRABAN Federao Brasileira de BancosFENAFISP Federao Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do BrasilFGTS Fundo de Garantia por Tempo de ServioFINBRA Finanas do BrasilFMI Fundo Monetrio InternacionalFNPS Frum Nacional de Previdncia SocialFPE Fundo de Participao dos EstadosFPM Fundo de Participao dos MunicpiosFUNABEM Fundao Nacional do Bem-Estar do MenorFUNRURAL Fundo de Assistncia ao Trabalhador RuralGTRP Grupo de Trabalho de Reestruturao PrevidenciriaIAP Instituto de Aposentadoria e PensoIAPAS Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia SocialIAPB Instituto de Aposentadoria e Penso dos BancriosIAPC Instituto de Aposentadoria e Penso dos ComerciriosIAPFESP Instituto de Aposentadoria e Penses dos Ferrovirios e Empregados PblicosIAPI Instituto de Aposentadoria e Penso dos IndustririosIAPM Instituto de Aposentadoria e Penso dos MartimosIAPTEC Instituto de Aposentadoria e Penso dos Empregados em Transportes e CargasIBA Instituto Brasileiro de AturiaIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaIEG Independent Evaluation GroupIEN Idade de Entrada NormalIMSS Instituto Mexicano de Seguridade SocialINAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia SocialINPS Instituto Nacional de Previdncia SocialINSS Instituto Nacional do Seguro SocialIPASE Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do EstadoIPEA Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaIPESP Instituto de Previdncia do Estado de So Paulo

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    IPS Instituto de Previsin SocialIRA Individual Retirement AccountsLBA Legio Brasileira de AssistnciaLOPS Lei Orgnica da Previdncia SocialLRF Lei de Responsabilidade FiscalMARE Ministrio da Administrao Federal e Reforma do EstadoMIG Minimum Income GuaranteeMOSAP Movimento dos Servidores Aposentados e PensionistasMPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia SocialMPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoMPS Ministrio da Previdncia SocialMTE Ministrio do Trabalho e EmpregoMTPS Ministrio do Trabalho e Previdncia SocialOAA Old-Age AssistanceOAI Old-Age InsuranceOASDI Old-Age Survivors and Disability InsuranceOCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento EconmicoOIT Organizao Internacional do TrabalhoONU Organizao das Naes UnidasPASEP Programa de Formao do Patrimnio do Servidor PblicoPBS Penso Bsica SolidriaPEA Populao Economicamente AtivaPEC Proposta de Emenda ConstitucionalPIB Produto Interno BrutoPIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e PolticosPIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e CulturaisPIS Programa de Integrao SocialPLP Projeto de Lei ComplementarPNI Prmio Nivelado IndividualPPS Personal Private SchemePREVIC Superintendncia Nacional de Previdncia ComplementarPRORURAL Programa de Assistncia ao Trabalhador RuralPSD Partido Social DemocrticoPSDB Partido da Social Democracia BrasileiraPT Partido dos Trabalhadores

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    PTB Partido Trabalhista BrasileiroPUC Crdito Unitrio ProjetadoRAIS Relao Anual de Informaes SociaisRGPS Regime Geral de Previdncia SocialRPPS Regime Prprio de Previdncia SocialS2P State Second Pension SchemeSAR Sistema de Poupana para a AposentadoriaSERPS State Earnings-Related Pension SchemeSIAPE Sistema Integrado de Administrao de Recursos HumanosSINDIFISCO Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do BrasilSINPAS Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia SocialSIPA Sistema Integrado Previsional ArgentinoSIPEC Sistema de Pessoal Civil da Administrao FederalSOF Secretaria de Oramento FederalSPS Stakeholder PensionsSPS Sistema de Penses SolidriasSPPS Secretaria de Polticas de Previdncia SocialSTF Supremo Tribunal FederalSTN Secretaria do Tesouro NacionalTCU Tribunal de Contas da UnioUC Crdito UnitrioUDN Unio Democrtica NacionalUSEM Unio Social dos Empregadores MexicanosVABF Valor Atual dos Benefcios FuturosVACF Valor Atual das Contribuies Futuras

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    INTRODUO

    Este trabalho nasceu de dissertao desenvolvida pelo autor, dentro do programa de Mestrado em Direito Poltico e Econmico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com vinculao linha de pesquisa A Cidadania Modelando o Estado.1

    O tema aqui desenvolvido versa sobre o equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos, princpio este consagrado no artigo 40, caput da Constituio Federal de 1988, com a redao que lhe foi dada pelas Emendas Constitucionais n 20/1998 e 41/2003. Porm, a apreciao do equilbrio financeiro e atuarial no se dar de forma isolada, considerando-o como questo de interesse estrito dos Governos Federal, Estadual e Municipal e dos servidores pblicos diretamente amparados pelos Regimes Prprios de Previdncia Social - RPPS, porm buscando demonstrar que, alm de princpio constitucional, trata-se de poltica pblica, cuja implementao guarda estreita relao com a capacidade do Estado brasileiro para a efetivao de outras polticas pblicas de interesse dos cidados.

    A efetivao de uma poltica pblica especfica, voltada ao equilbrio financeiro e atuarial dos RPPS, requer a sua incluso, por meio da atividade planejadora do Estado, em programas de ao governamental continuada, alm de envolver a participao dos servidores em sua gesto e exigir o aperfeioamento de mecanismos de controle e transparncia que possibilitem o acompanhamento da sociedade em geral.

    As questes que despertaram nossa inquietao, e que motivaram a escolha do objeto de pesquisa, encontram-se assim problematizadas:

    a) Quais foram os fatores determinantes para a origem do desequilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos?

    b) Por que o princpio do equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos permanece sem implementao pela maioria dos entes federativos?

    c) Quais sero as principais consequncias futuras do no atendimento ao 1 A defesa da dissertao ocorreu no dia 15 de maro de 2011, em So Paulo. Participaram da banca

    examinadora os Professores Doutores Zlia Luiza Pierdon (orientadora), Snia Yuriko Kanashiro Tanaka e Helmut Schwarzer (convidado).

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    princpio do equilbrio financeiro e atuarial para os entes federativos, os servidores pblicos e os cidados?

    d) Quais os mecanismos aptos a possibilitarem a efetivao, pelos entes federativos, de poltica pblica voltada implementao do princpio constitucional do equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia social dos servidores pblicos?

    Tomando por base esses problemas propostos, foram formuladas as seguintes hipteses que nortearam a pesquisa:

    a) O desequilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos foi originado pela inexistncia de normas gerais de organizao e funcionamento e pela concesso de benefcios sem o estabelecimento de adequadas fontes de custeio.

    b) Embora desde o final de 1998 o princpio do equilbrio financeiro e atuarial esteja estabelecido na Constituio Federal e nas normas gerais de organizao e funcionamento dos regimes de previdncia dos servidores pblicos, a ausncia de sua implementao decorre do desconhecimento de suas consequncias de longo prazo, da resistncia dos governantes em assumirem o compromisso de equacionamento do dficit e da insuficincia dos mecanismos sancionadores a essa atitude de inrcia.

    c) A no implementao do equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos poder se refletir, dentro de alguns anos, em um desequilbrio nas contas pblicas dos entes federativos, ocasionado pelo crescimento contnuo das despesas com pessoal, comprometendo a capacidade de efetivao de outras polticas pblicas de interesse dos cidados, tais como sade, educao, segurana e moradia, e conduzindo necessidade de reformas previdencirias que ameaaro os direitos dos servidores.

    d) O equacionamento do dficit atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos requer a conscientizao dos administradores pblicos sobre a relevncia do princpio do equilbrio financeiro e atuarial, a crescente capacitao de seus gestores e o aperfeioamento dos instrumentos de controle, a serem exercidos conjuntamente pelos rgos fiscalizadores, pela sociedade e pela participao direta e efetiva dos servidores nas instncias de direo e deliberao dos regimes.

    O objetivo do trabalho demonstrar a relevncia do princpio do equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia dos servidores pblicos, estabelecer a sua relao com as polticas pblicas e indicar propostas que possam contribuir para a sua implementao.

    Dentro da metodologia de pesquisa, adotou-se o mtodo de abordagem

  • 23

    hipottico-dedutivo, ou seja, as hipteses inicialmente formuladas foram examinadas a partir do estudo dos fenmenos por elas abrangidos, com a finalidade de verificar a sua correo.

    Como mtodos de procedimentos, foram utilizados de forma conjugada os mtodos histrico (estudo da evoluo histrica dos regimes de previdncia dos servidores pblicos), comparativo (estudo dos regimes de previdncia dos servidores pblicos nos diversos entes federativos, buscando identificar suas semelhanas) e estatstico (estudo das avaliaes atuariais e de outras informaes relacionadas ao perfil dos regimes de previdncia dos servidores pblicos, por meio da coleta de dados, sua anlise e interpretao).

    Os captulos do trabalho encontram-se assim estruturados:a) O captulo 1 (Previdncia Social: Origem, Evoluo, Crise e Reformas)

    resgata a histria da previdncia social, abrangendo: o surgimento e a consolidao da previdncia social no mundo; um panorama sobre a evoluo da previdncia social no Brasil, enfatizando suas relaes com as esferas poltica, social e econmica; os fatores determinantes da crise dos sistemas previdencirios e as reformas por eles sofridas nas ltimas dcadas, em especial nos pases da Amrica Latina e da Europa; a anlise do processo poltico e do contedo dessas reformas no Brasil.

    c) O captulo 2 (Regimes Prprios de Previdncia Social dos Servidores Pblicos) estuda como surgiram e se expandiram os regimes de previdncia dos servidores pblicos no Brasil e como o seu desenvolvimento se relacionou com a escolha do regime jurdico de trabalho dos servidores pblicos.

    d) O captulo 3 (Equilbrio Financeiro e Atuarial dos Regimes de Previdncia dos Servidores Pblicos e as Polticas Pblicas) detalha o princpio constitucional do equilbrio financeiro e atuarial dos regimes de previdncia, estuda os conceitos de polticas pblicas e estabelece a relao entre esses dois temas, buscando demonstrar que a efetivao do equilbrio financeiro e atuarial deve ser tratada como uma poltica pblica de Estado.

    e) O captulo 4 (Situao Atuarial dos Regimes de Previdncia dos Servidores Pblicos no Brasil) apresenta a situao atuarial de todos os regimes prprios de previdncia social dos servidores pblicos civis no Brasil, construindo indicadores a partir da relao entre dficit atuarial, receita corrente lquida, despesas com pessoal e quantitativo de servidores ativos e inativos.

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    PREVIDNCIA SOCIAL: ORIGEM, EVOLUO, CRISE E REFORMAS

    1.1 SURGIMENTO E CONSOLIDAO DO DIREITO PREVIDNCIA SOCIAL NO MUNDO

    Desde os tempos remotos o ser humano manifestava a preocupao de guardar algum recurso para enfrentar as situaes de necessidade. Essa previso de que uma possvel adversidade pudesse vir a se constituir em uma ameaa sobrevivncia, exigindo uma preparao para super-la, j guardava em si uma ideia primitiva de previdncia.2 Entretanto, nesse momento ela era tratada sob uma perspectiva meramente individual ou restrita ao grupo familiar, ou, quando muito, da tribo qual se estava ligado, sem que ainda pudesse ser vista como uma preocupao de natureza social.

    No perodo da Idade Mdia foram constitudas as primeiras formas de proteo coletiva relacionadas organizao do trabalho, materializadas em diferentes formas de associao, como as confrarias, irmandades, grmios, guildas e corporaes, que reuniam pessoas que exerciam o mesmo ofcio ou profisso. Tais associaes eram inspiradas e influenciadas pela Igreja Catlica e prestavam auxlio aos indivduos que a elas se uniam para a concretizao de objetivos comuns, caracterizando o mutualismo, fenmeno que se desenvolveu ao longo de alguns sculos.

    Nos sculos XV e XVI apareceram na Europa as primeiras leis voltadas arrecadao e distribuio de recursos aos indigentes das quais se tem registro. Nesse perodo as polticas de socorro deixaram de ser motivadas apenas pelo esprito de caridade e tornaram-se uma medida de ordem pblica, adotada diante da ameaa que a fome e a misria de grandes grupos de excludos representavam para a sociedade como um todo.3 Alm disso, essa prtica decorria da necessidade de manuteno de grandes contingentes populacionais, que passavam a se agrupar nos centros urbanos, para suprir a crescente demanda por fora de trabalho determinada pelos sucessivos processos de desenvolvimento mercantil,

    2 RUSSEL, Bertrand. tica e Poltica na Sociedade Humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. Apud LEITE, Celso Barroso (Org.). Um Sculo de Previdncia Social: Balanos e Perspectivas no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro, Zahar, 1983, p. 16.

    3 ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental Previdncia Social na Perspectiva dos Princpios Constitucionais Diretivos do Sistema Previdencirio Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 26.

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    manufatureiro e industrial.4Considera-se que a Inglaterra foi o pas no qual a instituio da assistncia

    do Estado aos pobres atingiu um desenvolvimento mais amplo,5 consolidado com a Lei dos Pobres (Poor Law), aprovada em 1601, que estabelecia um tributo (poor tax), a ser arrecadado em cada parquia para a concesso de pequenos auxlios queles que se encontrassem desprovidos de recursos. Para Mozart Victor Russomano, por estabelecer a assistncia oficial e pblica, ofertada pelos rgos do Estado, essa lei representa o marco da institucionalizao do sistema de seguros privados e do mutualismo em entidades administrativas.6

    Porm, as turbulncias da poltica inglesa no perodo e a ausncia de definio de critrios para a cobrana do tributo adiaram por mais de 50 anos o incio de sua aplicao. Durante os quase dois sculos em que vigorou, a Lei dos Pobres foi contestada pelo produtores agrcolas e industriais, devido carga tributria que acarretava, e acusada de favorecer fraudes e apresentar retorno social duvidoso. Entre os grandes crticos dos mecanismos de administrao do sistema assistencial e de seus reflexos sobre o sistema produtivo estavam trs dos principais economistas clssicos: Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo.7 Essas presses acabaram resultando na aprovao pelo Parlamento Ingls, em 1834, de uma profunda transformao da Lei dos Pobres.

    Segundo T. H. Marshall, a Lei dos Pobres fazia parte de um planejamento econmico cujo objetivo no era criar uma nova ordem social, mas sim preservar a existente com um mnimo de mudana essencial e que, com a Lei de 1834, renunciou a todas suas reivindicaes de invadir o terreno do sistema salarial ou de interferir nas foras do mercado livre. A anlise de Marshall demonstra ainda que as pessoas alcanadas pela assistncia pblica no eram beneficiadas com a incluso no terreno da cidadania, mas sim sofriam a sua definitiva excluso, uma vez que a Poor Law:

    Oferecia assistncia somente queles que, devido idade e doena, eram incapazes de continuar a luta e queles outros fracos que desistiam da luta, admitiam a derrota e clamavam por misericrdia. [...] os direitos sociais mnimos que restaram foram desligados do status da cidadania. A Poor Law tratava as reivindicaes dos pobres no como uma parte integrante de seus direitos de cidado,

    4 FARIAS, Pedro Csar Lima de. A Seguridade Social no Brasil e os Obstculos Institucionais sua Implementao. Braslia: MARE/ENAP, 1997, p. 18.

    5 ROCHA, Daniel Machado da, op. cit., p. 26-27.6 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Previdncia Social. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 6.7 FARIAS, Pedro Csar Lima de, op. cit., p. 18.

  • 26

    mas como uma alternativa deles - como reivindicaes que poderiam ser atendidas somente se deixassem inteiramente de ser cidados. Pois os indigentes abriam mo, na prtica, do direito civil da liberdade pessoal devido ao internamento na casa de trabalho, e eram obrigados por lei a abrir mo de quaisquer direitos polticos que possussem. [...] O estigma associado assistncia aos pobres exprimia os sentimentos profundos de um povo que entendia que aqueles que aceitavam assistncia deviam cruzar a estrada que separava a comunidade de cidados da companhia dos indigentes.8

    Embora as primeiras vertentes de formao da previdncia social possam ser identificadas a partir do mutualismo e da assistncia aos pobres, bases do seguro social e da solidariedade humana como atribuio do Estado,9 tais manifestaes representam apenas antecedentes da previdncia social contempornea, cuja conformao somente vai se revelar na Alemanha do final do sculo XIX, com a introduo do seguro social obrigatrio.10

    Sob a iniciativa do Chanceler Otto von Bismarck, que j havia anteriormente promovido a primeira legislao voltada a regulamentar as relaes de trabalho no mundo, foram aprovadas pelo Parlamento Alemo a Lei do Seguro Doena, em 1883, a Lei do Seguro Acidente, em 1884, e a Lei do Seguro de Invalidez e Velhice, em 1889. A instituio do seguro social obrigatrio se inseriu num conjunto de reformas sociais promovidas pelo governo alemo, cujos objetivos polticos eram promover a unidade nacional e a estabilidade social, sob o domnio de um Estado forte, e conter o preocupante avano do socialismo revolucionrio no interior do movimento operrio.

    O modelo adotado por Bismarck baseava-se na constituio de um sistema estatal centralizado de seguro social, organizado por categoria profissional e fundamentado no regime de capitalizao,11 distinto dos mecanismos de proteo social anteriores pela sua natureza contributiva e compulsria. Estabelecia o recolhimento de contribuies devidas pelos empregados e empregadores, proporcionando o recebimento de benefcios por doena, invalidez, velhice e acidente do trabalho. A aposentadoria por velhice era devida aps 70 anos de idade e 30 anos de contribuio e correspondia a 2/3 do salrio recebido nos ltimos cinco anos de atividade laboral. As penses por morte correspondiam a 20% do

    8 MARSHALL, T. H. Cidadania e Classe Social. In: MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 71-72.

    9 LEITE, Celso Barroso, op. cit., p. 17.10 ROCHA, Daniel Machado da, op. cit., p. 35.11 FARIAS, Pedro Csar Lima de, op. cit., p. 20-21.

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    salrio. O fundo constitudo com a arrecadao das contribuies era administrado em Caixas, sob a direo dos empregadores, com participao de representantes dos empregados e do Estado.12

    Analisando o modelo de seguro social institudo por Bismarck, afirma Hans-Georg Flickinger:

    O sistema do Seguro Social, por exemplo, que serve de base s chamadas Leis Socialistas de Bismarck, conseguia a integrao social do operariado atravs da organizao de uma comunidade de risco, baseada no princpio da solidariedade forada. Sistema sem dvida genial frente ao estgio do desenvolvimento da poca, e que oferecia duas vantagens decisivas, interessantes at hoje. Em primeiro lugar, a idia de solidariedade forada - concretizada pela distribuio dos riscos sociais ao conjunto dos segurados (tais como idosos e jovens, ou acidentados e no-acidentados) - fez surgir uma mentalidade de pertena social, cujo potencial de integrao documenta-se na participao de todos os segurados no manejo coletivo das crises individuais. Cada elemento do conjunto v-se exposto a um risco (acidente de trabalho, de doena, de desemprego), mas cada um deles sabe, tambm, que os demais membros assumiriam sua parte atravs de suas contribuies para o fundo de risco, a saber, para o seguro. Em segundo lugar, no se pode subestimar o papel do Seguro Social quanto consolidao do convvio entre Estado e Sociedade Civil, segundo a lgica da concepo liberal. As Leis Socialistas respeitam o abismo aberto pela Sociedade civil frente ao Estado; pois elas internalizam o manejo dos riscos sociais dentro da prpria Sociedade civil, sem a participao do Estado, cujo oramento fica livre da contribuio prpria. Em outras palavras, a poltica social de Bismarck devolve ao seu lugar de origem na Sociedade civil o manejo das crises causadas pelas atividades econmicas. Em ltima instncia, esta poltica social privilegia a desresponsabilizao do Estado quanto necessria soluo dos problemas sociais. Conseqentemente, as respostas s crises ficam vinculadas lgica do processo econmico.13

    12 COELHO, Daniela Mello. Aspectos Contemporneo e Prospectivo do Regime de Previdncia dos Servidores Pblicos. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007, p. 42.

    13 FLICKINGER, Hans-Georg. A Trajetria das Polticas Sociais na Alemanha. In: FLICKINGER, Hans-Georg (Org.). Entre Caridade, Solidariedade e Cidadania. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 51-52.

  • 28

    Complementando essa anlise, Gosta Esping-Andersen, ao tratar do welfare state enquanto sistema de estratificao social, assim aborda o papel do seguro social inspirado no modelo reformista implantado por Bismarck:

    O modelo de seguridade social promovido por reformistas conservadores como Bismarck e Von Taffe tambm foi explicitamente uma forma de poltica de classe. Na verdade, procurava conseguir dois resultados simultneos em termos de estratificao. O primeiro era consolidar as divises entre os assalariados aplicando programas distintos para grupos diferentes em termos de classe e status, cada qual com um conjunto bem particular de direitos e privilgios, que se destinava a acentuar a posio apropriada a cada indivduo na vida. O segundo objetivo era vincular as lealdades do indivduo diretamente monarquia ou autoridade central do Estado. Esta era a motivao de Bismarck ao promover uma suplementao estatal direta s penses ou aposentadorias. Este modelo de corporativismo estatal foi tentado principalmente em naes como a Alemanha, a ustria, a Itlia e a Frana e resultou muitas vezes num labirinto de fundos previdencirios de status diferenciados.14

    O modelo alemo se difundiu no sculo XX, porm de forma lenta, pois at 1910 somente a ustria o adotou e apenas como seguro contra invalidez. Sistemas alternativos, sem base contributiva e financiados por impostos gerais, que forneciam renda vitalcia para idosos cuja renda estivesse abaixo de um determinado limite (means tested ou teste de meios) foram adotados na Dinamarca (1891), na Nova Zelndia (1898), na Austrlia e Inglaterra (1908), e em algumas regies dos Estados Unidos (durante os anos de 1920).15 Em 1938, numa amostra de 30 pases da Europa, sia, Amrica e Oceania, 20 tinham seguro compulsrio contra doena, 24 possuam alguma forma de aposentadoria contributiva, quase todos tinham planos para atender a acidentes no trabalho, 08 tinham seguro obrigatrio contra desemprego e apenas 03 possuam sistemas mais completos, que cobriam conjuntamente as situaes de risco de doena, velhice e desemprego.16

    14 ESPING-ANDERSEN, Gosta. As Trs Economias Polticas do Welfare State. Revista Lua Nova, So Paulo, n. 24, set. 1991, p. 105.

    15 FERREIRA, Srgio Guimares. Sistemas Previdencirios no Mundo: Sem Almoo Grtis. In: TAFNER, Paulo; GIAMBIAGI, Fabio (Org.). Previdncia no Brasil: Debates, Dilemas e Escolhas. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. p. 67.

    16 MARSHALL, T. H. Poltica Social. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Apud BOSCHETTI, Ivanete. Implicaes da Reforma da Previdncia na Seguridade Social Brasileira. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 15, n. 1, jan./jun. 2003, p. 64.

  • 29

    Em 1935 foi aprovado nos Estados Unidos o Social Security Act, lei que estruturou um sistema pblico de aposentadoria financiado por contribuies dos empregados e empregadores, e que integrava a poltica do New Deal, uma srie de medidas econmicas propostas pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt e aprovadas pelo Congresso Americano, com o objetivo de combater os efeitos da Grande Depresso que se seguiu crise de 1929, caracterizados pela recesso econmica, desestabilizao do sistema financeiro e elevados nveis de desemprego.17 Coube ao Social Security Act utilizar pela primeira vez, de forma oficial, a expresso seguridade social, porm com um sentido mais restrito em relao quele que mais tarde se popularizou e universalizou, a partir do Relatrio Beveridge.18

    O Social Security Act contemplava um conjunto de programas de assistncia que ainda hoje vigoram nos Estados Unidos, com algumas alteraes, e abrangem dois programas de aposentadoria por meio de renda vitalcia: o Old-Age Assistance (OAA), para idosos pobres, sem base contributiva e de natureza puramente assistencial, e o Old-Age Insurance (OAI), sistema contributivo no modelo alemo, que foi posteriormente reformado em 1939 e 1958, transformando-se no Old-Age Survivors and Disability Insurance (OASDI), conhecido pelos americanos como Social Security.19

    Em 1941 o governo ingls estabeleceu comisses de especialistas nas reas de educao, seguro social e sade, com a finalidade de elaborar relatrios tcnicos destinados estruturao das polticas sociais que seriam aplicadas aps o trmino da Segunda Guerra Mundial. A Comisso do Seguro Social foi presidida pelo economista William Henry Beveridge e apresentou, em 1942, o Social Insurance and Allied Service - The Beveridge Report in Brief, que ficou conhecido como Relatrio Beveridge ou Plano Beveridge.

    O Relatrio Beveridge propunha-se a combater os cinco grandes males (tambm denominados gigantes) enfrentados pela sociedade moderna: necessidade, doena, ignorncia, misria e ociosidade (desemprego) e previa a implantao de um sistema de seguridade amparado em trs princpios: a) universalidade da cobertura social; b) unicidade dos sistemas e polticas sociais; c) uniformidade dos servios. Seu financiamento era tripartite (Estado, empregadores e empregados) e a execuo de responsabilidade do Estado. O Relatrio Beveridge tornou-se a principal referncia para os sistemas de seguridade social elaborados posteriormente por outros pases.20

    17 COELHO, Daniela Mello, op. cit., p. 43.18 BOSCHETTI, Ivanete, op. cit., p. 67.19 FERREIRA, Srgio Guimares, op. cit., p. 67.20 COELHO, Daniela Mello, op. cit., p. 45.

  • 30

    Ivanete Boschetti esclarece que a seguridade social proposta por Beveridge revela um dos aspectos do welfare state (Estado de Bem-Estar Social) ingls e, segundo a interpretao de Marshall, consistiu em fazer a fuso, ampliao e consolidao das medidas esparsas at ento existentes relativas aos planos de seguro social, padronizando e incluindo novos benefcios, como seguro acidente de trabalho, abono familiar, salrio famlia e seguro desemprego, alm de outros auxlios sociais: auxlio funeral, auxlio maternidade, abono nupcial, auxlio a esposas abandonadas, assistncia a donas de casa enfermas e auxlio treinamento para os que trabalhavam por conta prpria.21

    Marshall argumenta que a aceitao do Relatrio Beveridge foi favorecida pelo fato de que a Inglaterra naquele momento se caracterizava como uma Sociedade de Austeridade, ou seja, uma sociedade que, em face da escassez, impe a si mesma um regime que exige auto-sacrifcio no interesse comum. A partir do final da dcada de 1950 e incio da dcada de 1960 as propostas de Beveridge passaram a sofrer alguns questionamentos, pois a Inglaterra comeou a se transformar em uma Sociedade Afluente, devido ao aumento da produo e competitividade, aos elevados nveis de consumo e elevao geral dos nveis de renda.22

    Marshall destaca que o Relatrio Beveridge foi decisivo para que se estabelecesse o welfare state na Inglaterra, a partir da dcada de 1940. Segundo ele, o Relatrio era uma obra-prima tcnica, cuja dramtica apresentao despertou emoes profundas e tornou-se um best-seller, tanto em territrio ingls como no continente europeu, sendo oferecido s tropas para mostrar aquilo pelo qual lutavam. Seu sucesso ocorreu porque ofereceu, enquanto a guerra continuava, os motivos pelos quais a nao estava em luta, porque os objetivos de guerra britnicos eram expressos em termos de justia social e foi alimentado pelas experincias de uma nao unida num esforo de guerra supremo e convencida de que este esforo no seria em vo, chegando a ser descrito como a primeira vez que algum se tinha decidido a corporificar o esprito total da tica crist numa Lei do Parlamento.23 Diz ainda que:

    A magnitude de seu esforo de guerra e sua vulnerabilidade ao ataque exigiram sacrifcios de todos e, igualmente, assistncia concedida, de bom grado e sem discriminao, a todos os que passavam necessidade. [...] E a estabilidade poltica do pas, combinada com sua confiana inabalvel na vitria, explicam a caracterstica mais notvel da histria, a saber, a maneira pela qual o povo e seu Governo, no

    21 BOSCHETTI, Ivanete, op. cit., p. 66.22 MARSHALL, T. H., op. cit., p. 200-220.23 MARSHALL, T. H., op. cit., p. 200; 213-214.

  • 31

    decorrer da guerra, meteram mos obra de elaborar o projeto de uma nova sociedade [...] orientada pelos mesmos princpios de reunio e da partilha que orientaram as medidas de emergncia da guerra. Desse modo, a idia do Estado de Bem-Estar Social veio a identificar-se com os objetivos de guerra de uma nao que lutava por sua sobrevivncia.24

    Tem-se, portanto, dois modelos referenciais a partir dos quais os sistemas de proteo social se desenvolveram ao longo do sculo XX: o modelo de Bismarck, ligado ao seguro social de natureza contributiva, que caracteriza a previdncia social em sentido estrito, e o modelo de Beveridge, no qual a previdncia social se insere no contexto mais amplo da seguridade social, abrangendo tambm polticas assistenciais e de proteo sade. No entanto, diversamente do que se costuma afirmar, eles no so contraditrios ou opostos entre si, pois o modelo beveridgiano, surgido algumas dcadas depois do modelo bismarckiano, incorpora o seguro social como um dos elementos da seguridade social, mas no o abandona, ampliando a proteo social tanto sob o aspecto qualitativo, no que se refere s modalidades de servios oferecidos, como quantitativo, por alcanar parcelas da populao cuja capacidade contributiva reduzida ou inexistente.

    A respeito das expresses seguridade social e seguro social, assim expe Daniela Mello Coelho:

    Destaca-se, outrossim, que o termo segurana ou seguridade social no se confunde com insurance ou seguro social. Neste, tem-se um amplo sistema de seguros cuja regulamentao submete-se s regras do seguro privado e adapta-se concepo de Estado Liberal, em que os trabalhadores e seus empregadores responsabilizavam-se pelo preenchimento das exigncias necessrias obteno dos benefcios. Sob outro prisma, a expresso seguridade social o resultado da contrao das locues seguridade econmica e seguro social e contempla um conjunto de medidas que no afastam o carter contributivo da participao do segurado, e sim introduzem a concepo de colaborao, com vistas a assegurar a concesso de um padro mnimo necessrio subsistncia de todos os cidados, at mesmo daqueles que no tm condies financeiras de arcar com as contribuies, revelando os propsitos do Estado de Bem-Estar Social.25

    Buscando estabelecer com maior preciso o contorno dos conceitos de 24 MARSHALL, T. H. Poltica Social. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Apud BOSCHETTI,

    Ivanete, op. cit., p. 65-66.25 COELHO, Daniela Mello, op. cit., p. 44.

  • 32

    welfare state, seguridade social e seguro social, Ivanete Boschetti apresenta a seguinte concluso:

    Diante destas consideraes, possvel sugerir algumas afirmaes que sustentam a tese aqui desenvolvida: 1) seguridade social no se confunde e nem sinnimo de welfare state, Etat Providence ou Sozialstaat, mas parte integrante, e mesmo elemento fundante e constituinte de sua natureza, bem como de sua abrangncia; tal constatao indica que a caracterizao da seguridade social predominante em qualquer pas imprescindvel para a compreenso da natureza da interveno social do Estado; 2) a seguridade social tambm no se confunde e nem se restringe ao seguro social (ou previdncia social, para utilizar uma expresso brasileira); pelo menos trs elementos esto presentes: seguros, assistncia mdica e auxlios assistenciais, ainda que os termos possam ser diferentes em cada pas; tal constatao tambm aponta que, para entender a seguridade social, imprescindvel compreender sua configurao, ou delimitar os benefcios ou polticas que a integram; 3) a preciso conceitual da seguridade social requer a superao das anlises fragmentadas ou parcializadas das polticas que a compem; a compreenso de suas propriedades internas, bem como de seu significado na conformao do Estado social pressupe investigar os elementos que definem o carter dos direitos, assim como o tipo de financiamento e forma de organizao.26

    Segundo Gosta Esping-Andersen, a consolidao do welfare state a partir da Segunda Guerra Mundial no se deu segundo um modelo nico. O autor considera que, alm dos direitos e garantias, as variaes internacionais de direitos sociais e de estratificao social tm como elemento caracterizador as combinaes qualitativamente diferentes entre as atividades do Estado, o mercado e a famlia. Assumindo como condicionantes histricos o modelo de formao poltica da classe trabalhadora e a edificao das coalizes polticas durante a transio de uma economia rural para uma sociedade industrial de classe mdia, ele identifica trs tipos de regimes de welfare states, ressalvando que eles no so encontrados como tipos puros, mas combinados entre si, com a predominncia de algum deles:27

    a) O welfare state liberal, no qual a assistncia prestada aos comprovadamente pobres, com reduzidas transferncias universais e modestos

    26 BOSCHETTI, Ivanete, op. cit., p. 69-70.27 ESPING-ANDERSEN, Gosta, op. cit., p. 85-116. Trata-se de uma das tipologias existentes

    sobre modelos de welfare states; a primeira delas foi proposta pelo ingls Richard Titmuss, em 1958.

  • 33

    planos de previdncia social. Esse regime, no qual h uma predominncia da assistncia social e os direitos no esto ligados ao desempenho do trabalho, mas comprovao da necessidade, pode ser remotamente identificado Lei dos Pobres. O Estado encoraja o elemento do mercado, tanto de forma passiva, garantindo apenas o mnimo, quanto ativa, ao subsidiar esquemas privados de previdncia. So exemplos desse modelo: Estados Unidos, Canad e Austrlia.

    b) O welfare state corporativista aquele identificado aos pases nos quais os direitos sociais so concedidos de forma ampla, com nfase na previdncia social estatal e compulsria, de modelo bismarckiano, porm a elegibilidade aos benefcios diretamente relacionada s contribuies decorrentes do trabalho e do emprego, mantendo as diferenas de classe e status. So exemplos: Alemanha, ustria, Frana e Itlia.28

    c) O welfare state social-democrata, em que na concesso dos direitos sociais prevalecem os princpios da universalizao, de inspirao beveridgiana, e da no dependncia do indivduo em relao ao mercado, alcanando igualmente a classe trabalhadora e a classe mdia, com elevados nveis de servios e benefcios oferecidos pelo Estado. Em razo de seus altos custos esse regime, cujos exemplos so os pases escandinavos, tem como pressuposto a manuteno da economia e do mercado de trabalho em condies de pleno emprego.

    O processo de afirmao dos direitos sociais no mbito do Direito Internacional,29 alcanou tambm os direitos seguridade social e previdncia social, conforme se observa pela transcrio dos seguintes dispositivos da Declarao Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais:

    Toda a pessoa tem direito a um nvel de vida suficiente para lhe assegurar e sua famlia a sade e o bem-estar, principalmente quanto alimentao, ao vesturio, ao alojamento, assistncia mdica e ainda quanto aos servios sociais necessrios, e tem direito segurana no desemprego, na doena, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistncia por circunstncias independentes da sua vontade. (Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948 - artigo 25.1)

    28 Embora os pases do capitalismo perifrico, como os latino-americanos, no se ajustem a essa tipologia, pode-se considerar que o Brasil, pela forma como foi estruturado o seu sistema de proteo social, aproxima-se das caractersticas descritas pelo autor para o welfare state corporativista.

    29 PIOVESAN, Flvia. Proteo Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro, Renovar, 2003. p. 233-261.

  • 34

    Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas segurana social, incluindo os seguros sociais. (Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, de 1966 - artigo 9)

    Em sua Conferncia Internacional de 1944, na qual foi adotada a Declarao de Filadlfia, a Organizao Internacional do Trabalho - OIT, que desde a dcada de 1920 atuava nas questes relativas proteo social, reconheceu a sua obrigao de fomentar, entre todas as naes do mundo, programas que permitam a extenso das medidas relacionadas seguridade social.30 Em 1952 a OIT aprovou a Conveno n 102, que estabeleceu as normas mnimas a serem observadas em matria de seguridade social, englobando as seguintes prestaes principais: assistncia mdica, prestaes monetrias de enfermidade, desemprego ou velhice (aposentadorias), de acidentes do trabalho ou enfermidades profissionais, familiares, de maternidade, de invalidez ou incapacidade e de sobrevivncia. Posteriormente, a entidade aprovou uma srie de outras Convenes relacionadas seguridade social, das quais podem ser citadas: 118 (igualdade de trato - 1962); 121 (prestaes em caso de acidentes do trabalho e enfermidades profissionais - 1964); 128 (prestaes de invalidez, velhice e sobreviventes - 1967); 130 (assistncia mdica e prestaes monetrias de enfermidade - 1969); 157 (conservao dos direitos em matria de proteo social - 1982); 168 (fomento do emprego e proteo contra o desemprego - 1988); 183 (proteo da maternidade - 2000). A OIT define Seguridade Social como:

    [...] a proteo que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma srie de medidas pblicas, contra as privaes econmicas e sociais que de outra maneira derivariam do desaparecimento ou de uma forte reduo de seus rendimentos como consequncia de enfermidade, maternidade, acidente do trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte; e tambm a proteo em forma de assistncia mdica e de ajuda s famlias com filhos.31 (traduo nossa)

    Conforme Srgio Guimares Ferreira, citando pesquisa de Mulligan e Sala-i-Martin, em 1997 existiam 116 pases com algum sistema de previdncia,

    30 OIT. Seguridad Social: Un Nuevo Consenso. Genebra, 2002, p. 1.31 [...] la proteccin que la sociedad proporciona a sus miembros, mediante una serie de medidas

    pblicas, contra las privaciones econmicas y sociales que de otra manera derivaran de la desaparicin o de una fuerte reduccin de sus ingresos como consecuencia de enfermedad, maternidad, accidente del trabajo o enfermedad profesional, desempleo, invalidez, vejez y muerte; y tambin la proteccin en forma de asistencia mdica y de ayuda a las familias con hijos. OIT. Introduccin a La Seguridad Social. Genebra, 1984.

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    os quais apresentavam grande heterogeneidade entre si, sendo, porm, possvel estabelecer alguns padres de caractersticas comuns:32

    a) Os programas induzem a sada dos trabalhadores do mercado laboral e os benefcios so uma funo decrescente da renda laboral do idoso.

    b) Na quase totalidade dos pases os benefcios no dependem diretamente dos recursos capitalizados (maioria dos sistemas em regime de repartio).33

    c) Os benefcios aumentam em funo dos rendimentos do trabalho obtidos em determinado nmero de anos que antecedem a aposentadoria.

    d) As contribuies so compulsrias e normalmente estabelecidas por meio de alquotas fixas incidentes sobre a remunerao bruta.

    e) Comumente os benefcios so pagos por meio de renda vitalcia com valor nominal fixo ou ligado a algum ndice.

    f ) Os programas geralmente definem uma idade mnima de aposentadoria, que nos ltimos anos vem sendo elevada.

    A partir da dcada de 1980 diversos fatores passaram a exercer presso sobre os sistemas de previdncia social, dando incio a uma srie de reformas,34 tanto nos pases desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Dentre esses fatores, podem ser enumerados: o esgotamento do Estado de Bem-Estar Social; a mudana nos padres demogrficos, com reduo da natalidade e aumento das expectativas de sobrevivncia; as alteraes na estrutura do mercado de trabalho; a globalizao da economia, com maior exigncia de competitividade das economias nacionais.

    1.2 O DIREITO PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL

    O desenvolvimento da previdncia social no Brasil encontra-se ligado de forma intrnseca aos principais eventos que marcaram a histria de nosso pas durante o sculo XX. Por essa razo, o panorama evolutivo da previdncia social brasileira, que ser traado nesta seo, no se limitar apenas a descrever os dispositivos legais e constitucionais mais relevantes vigentes a cada perodo, mas buscar conjugar seu estudo analise do contexto poltico, social e econmico, tomando por base alguns importantes estudos desenvolvidos anteriormente por outros pesquisadores.35

    32 FERREIRA, Srgio Guimares, op. cit., p. 68-69.33 Os conceitos relativos a capitalizao e repartio sero desenvolvidos no captulo 3.34 Nas sees 3 e 4 deste captulo sero estudadas as principais condicionantes e caractersticas das

    reformas nos sistemas de previdncia social.35 O resultado do cotejamento entre as diferentes abordagens desses autores sobre a previdncia social

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    O pesquisador James M. Malloy tomou por pressupostos de seu estudo sobre a evoluo da poltica de previdncia social no Brasil alguns fatores por ele considerados determinantes para diferenciar nosso pas do modelo ocidental de desenvolvimento capitalista e da relao entre Estado e sociedade:36

    a) O desenvolvimento capitalista dependente retardatrio, originado do fato de nosso pas no ter experimentado a transio do feudalismo para o capitalismo moderno, na forma e no tempo em que se deu na Europa Ocidental, porm ingressado no capitalismo apenas na segunda metade do sculo XIX, quando este j se encontrava articulado e controlado pelas naes mais desenvolvidas da Europa e Estados Unidos, assumindo ento o seu papel dentro de um modelo agroexportador primrio.

    b) O patrimonialismo, conceito formulado pelo socilogo Max Weber e associado por Raymundo Faoro ao Estado brasileiro, que ele qualifica como um Estado patrimonial, forma de dominao poltica tradicional que descende diretamente de Portugal, na qual o Estado administrativo constitudo a partir de uma aristocracia que se liga ao soberano pela distribuio de cargos, formando um estamento burocrtico afastado da sociedade e sem que exista uma linha de separao bem definida entre as esferas do pblico e do privado.

    c) A cooptao poltica, fruto da relao assimtrica entre a expanso do poder e da amplitude do Estado e a mobilizao dos grupos sociais, que origina um sistema de participao poltica fraco, dependente e hierarquicamente controlado.

    d) O corporativismo, conceito que se assemelha ao patrimonialismo e cooptao, caracterizado por um sistema de representao de interesses no qual o Estado exerce o controle sobre a sociedade por meio da organizao de estruturas ordenadas hierarquicamente e diferenciadas funcionalmente, coibindo o surgimento de associaes espontneas.

    A partir desses pressupostos, ele definiu quatro estgios de desenvolvimento poltico do Brasil no sculo XX, identificando em cada um deles caractersticas relevantes para o estudo da poltica de previdncia social:37

    a) Perodo da democracia oligrquica (1889 a 1930): Durante esse perodo o pas passou por grandes transformaes. A estrutura poltica da Repblica Velha baseava-se em uma democracia na qual o direito de voto era restrito a uma pequena no se resume a um estudo histrico de seu passado, mas permite extrair importantes lies para a compreenso de seu presente e a projeo de seu futuro. No que se refere aos atos normativos e eventos ligados especificamente aos regimes previdencirios dos servidores pblicos, diretamente relacionados ao objeto deste trabalho, estes sero estudados no captulo 2.

    36 MALLOY, James M. Poltica de Previdncia Social no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 18-27.37 MALLOY, James M., op. cit., p. 27-29.

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    parcela da populao, dominada pela oligarquia rural que buscava fortalecer o poder local dos Estados, em contraposio ao controle centralizado do perodo imperial, originando a denominada poltica dos governadores. A economia, embora baseada no modelo de exportao de produtos agrcolas, tornou-se mais complexa, com um processo de crescimento industrial intenso, rpido avano da urbanizao e formao do operariado urbano, que passou a se organizar para apresentar suas reivindicaes trabalhistas. Nesse contexto, o surgimento das Caixas de Aposentadoria e Penses - CAPs, a partir da Lei Eloy Chaves considerado uma resposta da elite reformista aos problemas da questo social, refletindo uma atitude paternalista dos governantes em relao aos trabalhadores.

    b) Perodo de autoritarismo orgnico (1930 a 1945): O regime implantado por Getlio Vargas buscou a afirmao do Estado patrimonial como agente regulamentador de uma poltica de desenvolvimento econmico e modernizao social no perodo que se seguiu crise de 1929, que atingiu diretamente nosso modelo de capitalismo exportador primrio. Vargas conseguiu formar uma coalizo dominante de poder, na qual se destacavam uma ala administrativo-tecnocrata e outra ala trabalhista, baseada na incluso controlada de setores avanados da classe trabalhadora urbana na poltica, de acordo com estruturas corporativistas definidas pelo prprio Estado. O sistema de previdncia social implementado por Vargas, formado por mltiplas instituies previdencirias funcionalmente especficas (as CAPs e os Institutos de Aposentadoria e Penses - IAPs) teve um importante papel nesse modelo orgnico-corporativista de interconexo do Estado com os setores avanados da classe trabalhadora.

    c) Perodo de democracia populista (1945 a 1964): Nesse breve intervalo democrtico, muitas das estruturas corporativistas criadas por Vargas permaneceram atuantes, notadamente nas relaes de trabalho e no sistema de previdncia social. A tentativa de reforma do sistema previdencirio, formulada pelos tecnocratas ainda no final do Estado Novo, sob a influncia de padres internacionais, foi bloqueada pelo lado trabalhista da coalizo que sustentava aquele regime, formado por polticos, lderes sindicais e grupos de trabalhadores ligados aos IAPs mais privilegiados (bancrios, ferrovirios e martimos). Apenas no incio da dcada de 1960, quando a crise financeira dos IAPs e as denncias de abusos em sua gesto se agravaram, foi possvel aprovar parcialmente uma reforma, com a padronizao das contribuies e dos benefcios.

    d) Perodo de autoritarismo burocrtico (1964 a 1984): O regime militar implantado em 1964 buscou a reafirmao do Estado patrimonial cooptativo, por meio de um sistema burocrtico-autoritrio, formado pela aliana elitista de oficiais militares e tecnocratas civis. As reformas no sistema previdencirio,

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    segundo os programas definidos pelos tecnocratas nos anos 1940, coincidiam com os objetivos de promover a integrao e manter a paz social, desejados pelo regime militar, que dessa forma as patrocinou, possibilitando a expanso da cobertura, com a incluso de categorias de trabalhadores antes desprotegidas, e a reduo de muitas das desigualdades anteriores. Porm, o sistema manteve sua estratificao e foi utilizado para o enfraquecimento poltico dos movimentos ligados ao trabalho organizado.

    O autor destaca dois desses perodos histricos como especialmente relevantes para a definio da estrutura e do carter do sistema de previdncia social brasileiro:

    Em retrospecto, podemos ver que houve dois perodos importantes de organizao sistemtica e/ou de reorganizao do sistema previdencirio no Brasil: de 1930 a 1945, e de 1964 em diante. Em ambos, o tratamento global da organizao da previdncia fazia parte da estratgia de regimes decididamente autoritrios. Ambos fizeram uma tentativa harmoniosa de usar a previdncia para incrementar o poder reformulador do Estado, aumentando a autonomia da estrutura administrativa do governo face sociedade em geral e aos grupos organizados de trabalhadores em particular. Nas duas fases, o programa social foi principalmente resultado da convergncia dos objetivos e dos interesses da elite poltico-administrativa e da elite poltico-autoritria.38

    Sua viso sobre o desenvolvimento do sistema de previdncia social, no Brasil e de forma semelhante em outros pases da Amrica Latina, pode ser resumida pela transcrio do seguinte trecho:

    A poltica previdenciria na Amrica Latina tem uma histria longa e complexa que est ainda em processo de desdobramento. Do ponto de vista poltico, o programa da previdncia tem sido delineado pelos modelos estatais adotados pela Amrica Latina para ajustar as fases sucessivas de sua posio dependente a reativa, dentro de um processo global de desenvolvimento econmico capitalista, sendo um reflexo destes modelos. Por toda a regio, os pases tm demonstrado uma acentuada inclinao para ajustar as transformaes estruturais ordem internacional capitalista, pondo em vigor uma espcie de processo de desenvolvimento combinado onde as verses modernas de Estado patrimonial estruturaram e controlaram processos locais de desenvolvimento capitalista

    38 MALLOY, James M., op. cit., p. 149-150.

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    dependente retardatrio. Por toda parte o Estado, sob a forma concreta de elites administrativas burocrticas e tecnocrticas, procura usar certas polticas, como as da previdncia social, para cooptar e controlar o comportamento de atores sociais importantes -, por exemplo, os do trabalho organizado.39

    Jaime Antonio de Arajo Oliveira e Sonia Maria Fleury Teixeira, que tambm desenvolveram um estudo histrico sobre a evoluo da previdncia social no Brasil, no qual destacam o comportamento das receitas e despesas do sistema e a participao das instituies previdencirias na prestao dos servios de assistncia sade, discordam parcialmente dessa viso. Segundo entendem esses autores, a noo de paternalismo, empregada por James M. Malloy para explicar a emergncia da legislao trabalhista e da previdncia social, deve ser relativizada, uma vez que as presses sociais exercidas pelos trabalhadores no podem ter a sua importncia desconsiderada no processo que conduziu ao surgimento e consolidao desses direitos:

    Estes acontecimentos no resultam, como o autor citado d a entender, de uma surpreendente doao paternalista, elitista, por parte das classes dominantes, vistas como se seguras de si e isoladas da cena poltica. Ao contrrio, so o produto da presso operria interna, reforada pela ameaa que esta mesma classe colocava no ar com sua ao no plano internacional, e num contexto de incio da crise da prpria forma de dominao burguesa at ento vigente no Pas.40

    Muito possivelmente essas duas vises sejam igualmente corretas e no excludentes entre si, podendo encontrar a sua sntese na seguinte afirmao da pesquisadora Amlia Cohn:

    exatamente esse duplo carter da previdncia social - elemento de resposta a reivindicaes pr-existentes e ao mesmo tempo mecanismo de controle - que permite entender a natureza diferenciada do processo de criao e sobretudo atuao dos diferentes institutos durante todo o decorrer de sua histria.41

    Fato inegvel que os trabalhos apresentados por esses pesquisadores possibilitam compreender como se deu o surgimento e a evoluo da previdncia social no Brasil, das primeiras dcadas do sculo XX at o incio dos anos de

    39 MALLOY, James M., op. cit., p. 165-166.40 OLIVEIRA, Jaime Antonio de Arajo; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. (Im)previdncia

    Social: 60 Anos de Histria da Previdncia no Brasil. Petrpolis: Vozes, 1986, p. 49.41 COHN, Amlia. Previdncia Social e Processo Poltico no Brasil. So Paulo: Moderna, 1981, p. 21.

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    1980, mostrando sua estreita relao com a forma pela qual foi estruturado o Estado nacional e como se desenvolveram as relaes entre Estado e sociedade civil durante esse perodo. Antes, porm, devem ser referidos alguns eventos que, j no sculo XIX, continham esboos iniciais do que viria a ser a manifestao de um direito previdncia social.

    A Constituio de 1824, influenciada pelo liberalismo do sculo XVIII, cuja caracterstica principal era restringir a atuao do Estado a sua prpria auto-organizao e proteo e tutela dos direitos civis individuais, foi a primeira Constituio no mundo a realizar a subjetivao e positivao dos direitos fundamentais do homem, ao trazer em seu texto uma declarao de direitos e garantias, contida em seu artigo 179.42 No inciso XXI desse artigo encontrava-se prevista a garantia dos socorros pblicos, de carter assistencial bastante vago e escassa efetividade, por no se constituir verdadeiramente em um dever estatal, sendo, porm, uma primeira indicao de um embrio de futuro direito social.

    Posteriormente, a Constituio de 1891, a mais sinttica de nossa histria, cuja inspirao encontra-se no constitucionalismo norte-americano, trouxe somente uma referncia restrita ao direito previdncia social, ao tratar, em seu artigo 75, da aposentadoria por invalidez no servio dos funcionrios pblicos.

    Ainda no sculo XIX, iniciativas governamentais remotas buscaram criar instituies que assegurassem alguma espcie de proteo previdenciria a categorias especficas do funcionalismo pblico ou ligadas prestao de servios pblicos. Porm, conforme assinalam Jaime Antonio de Arajo Oliveira e Sonia Maria Fleury Teixeira, as tentativas de criao de instituies previdencirias antes da dcada de 1920 tiveram sempre um mbito bastante limitado e poucas vezes alcanaram implementao concreta.43 Por essa razo, tais autores apontam o ano de 1923 como o marco inicial da previdncia social brasileira, posio que hoje adotada pela quase totalidade dos estudiosos do tema. No dia 24 de janeiro daquele ano foi aprovado o Decreto n 4.682/1923, que passou a ser conhecido como Lei Eloy Chaves, por meio do qual foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Penses - CAPs, dirigidas aos empregados das empresas de estradas de ferro existentes no pas.

    Durante as dcadas de 1900 e 1910 houve um crescimento da massa trabalhadora urbana na sociedade brasileira, dando incio formao de um movimento operrio-sindical, influenciado pela presena dos imigrantes europeus. Paralelamente, alguns parlamentares tentavam propor no Congresso medidas

    42 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 174.

    43 OLIVEIRA, Jaime Antonio de Arajo; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit., p. 19-21.

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    voltadas regulamentao das relaes trabalhistas, porm eles representavam uma minoria, e a orientao do Estado nesse perodo era claramente liberal, opondo-se a interferir na problemtica trabalhista e social. Apenas a partir de 1919, quando foi aprovada a Lei n 3.734, que tratava das indenizaes por acidente de trabalho, dando incio a nossa legislao trabalhista, essa situao comeou a ser alterada. A dcada de 1920 marcou o gradual rompimento com o liberalismo e foi caracterizada pelo aumento das medidas repressivas contra os movimentos das classes trabalhadoras, de um lado, e pela concesso a algumas de suas reivindicaes que se tornaram consensuais para a sociedade brasileira, de outro.

    Entre o final do sculo XIX e incio do sculo XX surgiram muitas sociedades de auxlio mtuo, de adeso voluntria, com o objetivo de prestar assistncia aos trabalhadores em situao de dificuldade, alm de caixas beneficentes organizadas por grandes empresas para a formao de fundos destinados ao amparo de seus empregados. Tais entidades mutualistas foram, de certa forma, precursoras do sistema das CAPs.

    A Lei Eloy Chaves definiu as bases legais e conceituais sobre as quais se estabeleceu o sistema previdencirio no Brasil, adotando o princpio de que a previdncia social no deveria ser estendida a amplas categorias sociais ligadas a uma noo abstrata de classe ou cidadania, mas concedida a grupos especficos que exerciam uma determinada atividade, resultando na diviso horizontal dos trabalhadores.44 So a seguir destacados os principais pontos estabelecidos para o sistema das Caixas de Aposentadoria e Penses - CAPs:

    a) Cada empresa de estrada de ferro contava com uma CAP especfica para os seus empregados, a ser gerida por um Conselho de Administrao com a participao de trs representantes da empresa (um deles o seu Superintendente, que atuava como Presidente do Conselho) e dois representantes dos empregados, sem interferncia direta do Governo, que apenas exercia um papel de superviso, por meio do Conselho Nacional do Trabalho (rgo criado poucos meses depois, pelo Decreto n 16.037, de 30 de abril de 1923).

    b) Os benefcios abrangiam: 1) socorros mdicos, em caso de doena do trabalhador ou de pessoa de sua famlia; 2) aquisio de medicamentos por preo reduzido; 3) aposentadoria (por invalidez, desde que contasse 10 anos de servio, ou se resultante de acidente de trabalho; ordinria, aos 50 anos de idade, com um tempo mnimo de 30 anos de servio); 4) penso por morte, paga aos dependentes do empregado falecido; 5) auxlio financeiro aos empregados convocados para o servio militar.

    c) O valor da aposentadoria ordinria era calculado sobre a mdia dos 44 MALLOY, James M, op. cit., p. 49.

  • salrios recebidos nos ltimos cinco anos de servio, com uma proporo varivel de 60% (salrios mais altos) at 90% (salrios mais baixos). A aposentadoria por invalidez tinha esse mesmo valor e a penso por morte correspondia a 50% do valor da aposentadoria ordinria. O auxlio para servio militar era de 50% dos vencimentos do empregado.

    d) As principais fontes de receitas eram: 1) contribuio mensal dos empregados, correspondente a 3% de seus vencimentos; 2) contribuio das empresas, equivalente a 1% de sua renda bruta anual; 3) contribuio de 1,5% sobre as tarifas pagas pelos usurios das estradas de ferro (quota de previdncia).

    e) Uma disposio importante, de natureza trabalhista, foi a estabilidade concedida aos empregados das empresas abrangidas pelo sistema das CAPs, quando completassem 10 anos de servio.

    O Decreto n 5.109, de 20 de dezembro de 1926, promoveu as seguintes alteraes na Lei Eloy Chaves:

    a) Estendeu o sistema das CAPs para duas novas categorias de trabalhadores: porturios e martimos.

    b) Eliminou a exigncia de 50 anos de idade para a aposentadoria ordinria, reduziu a carncia para concesso de aposentadoria por invalidez no resultante de acidente do trabalho para 5 anos, criou os benefcios de peclio e auxlio funeral e, em relao assistncia mdica, acrescentou a previso de internao hospitalar, em casos de intervenes cirrgicas.

    c) Reduziu de cinco para trs anos o perodo da mdia dos salrios a serem verificados e aumentou a proporo sobre os salrios para clculo da aposentadoria ordinria, passando a variar entre 75% e 100% dos vencimentos do empregado.

    d) Elevou a contribuio das empresas de 1% para 1,5% de sua renda bruta anual e a contribuio devida pelos usurios (quota de previdncia) de 1,5% para 2% sobre as tarifas cobradas.

    A escolha das primeiras categorias de trabalhadores urbanos do setor privado includos no sistema de previdncia social proporcionado pelas CAPs - ferrovirios, porturios e martimos - se justifica por duas razes: a importncia que desempenhavam para o modelo capitalista ento vigente no Brasil, baseado em uma economia voltada para a exportao de produtos primrios, priorizando assim setores ligados s atividades de infra-estrutura, e a capacidade de mobilizao e organizao dessas categorias, tornando necessrio buscar a sua cooperao por meio da proteo social que lhes era concedida.

    Ainda durante o ano de 1923 foram criadas 24 CAPs, abrangendo quase 23.000 segurados. Ao final de 1930 existiam 47 CAPs, com cerca de 142.000

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    segurados ativos e 15.000 aposentados e pensionistas. Ao longo desse perodo houve um crescimento expressivo das despesas, que representavam apenas 12,5% das receitas em 1923 e chegaram a 64,7% em 1930, demonstrando uma rpida elevao nos custos do sistema.45

    A partir de sua chegada ao poder, em 1930, Getlio Vargas precisou estabelecer uma nova coalizo dominante que desse sustentao ao seu regime. Essa coalizo se formou e manteve pela distribuio de benefcios a diferentes setores da sociedade: as velhas elites rurais foram atendidas pelas polticas de combate crise econmica originada da depresso e pela proteo ao caf; a burguesia industrial, pelo crescimento do setor secundrio a partir da poltica ento implantada de substituio de importaes por produtos nacionais; a classe mdia urbana, pelas polticas de proteo dos consumidores e expanso do emprego de nvel mdio, no setor estatal e privado; e as massas urbanas, pela materializao das polticas sociais.46

    No que diz respeito s polticas trabalhistas, em 26 de novembro de 1930 foi criado o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, por meio do Decreto n 19.433/1930. Adotou-se uma poltica de marcante interferncia estatal nas relaes trabalhistas, tendo por objetivos neutralizar o trabalho como fonte de apoio de grupos de oposio radicais, despolitizar as organizaes trabalhistas como fonte autnoma de demandas e tornar o trabalho um ponto de apoio passivo do regime.47 Grande parte dos lderes trabalhistas eram ligados diretamente ao Governo e os sindicatos foram burocratizados, tornando-se subordinados ao Ministrio do Trabalho e dedicando-se a prestar servios sociais e assistenciais aos seus membros. A Justia do Trabalho foi estruturada, a partir dos moldes da representao classista.

    No campo da previdncia social, o regime Vargas realizou a sua extenso progressiva a outras categorias de trabalhadores. Em 1931 o sistema passou a abranger os servios de transporte, luz, fora, telgrafos, telefones, portos, gua, esgotos e assemelhados (Decreto n 20.465/1931) e em 1932 foram abrangidos tambm os servios de minerao (Decreto n 22.096/1932).

    O Decreto n 20.465/1931, parcialmente alterado pelo Decreto n 21.081/1932, reformou a legislao das CAPs, substituindo a legislao de 1923 e 1926. Em seguida, o Decreto n 22.016/1932 regulamentou a execuo dos servios de assistncia mdica e hospitalar pelas CAPs.

    Entretanto, a partir de 1933 um novo elemento organizacional foi 45 OLIVEIRA, Jaime Antonio de Arajo; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit., p. 339-343.46 MALLOY, James M., op. cit., p. 61-63.47 MALLOY, James M., op. cit., p. 64.

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    introduzido como instrumento de modernizao no sistema de previdncia social: os Institutos de Aposentadoria e Penses - IAPs, que no mais se vinculavam concretamente a uma determinada empresa, como ocorria com as CAPs, mas se ligavam de forma abstrata a toda uma categoria profissional. Foram sucessivamente criados os seguintes IAPs: dos Martimos - IAPM (Decreto n 22.872/1933); dos Comercirios - IAPC (Decreto n 24.273/1934); dos Bancrios - IAPB (Decreto n 24.615/1934); dos Industririos - IAPI (Lei n 367/1936); dos Empregados em Transportes e Cargas - IAPTEC (Decreto-Lei n 651/1938). As CAPs continuaram existindo paralelamente aos IAPs, se expandindo at o quantitativo mximo de 183 em 1936, a partir de quando esse nmero passou a ser reduzido, pela fuso das CAPs entre si ou com os IAPs, at chegarem a 35 em 1945.48 Finalmente, essas CAPs remanescentes foram unificadas, por meio do Decreto n 34.586/1953, em uma nica instituio, a Caixa de Aposentadoria e Penses dos Ferrovirios e Empregados em Servios Pblicos - CAPFESP, que em 1960 passou a se denominar Instituto de Aposentadoria e Penses dos Ferrovirios e Empregados Pblicos - IAPFESP.

    A Constituio de 1934 foi a responsvel pela constitucionalizao dos direitos sociais no pas, sofrendo grande influncia da Constituio Alem de Weimar, de 1919. Em seu prembulo constava como misso do Estado brasileiro organizar um regime democrtico, que assegure Nao a unidade, a liberdade, a justia e o bem-estar social e econmico. O Ttulo IV, que tratava da Ordem Econmica e Social, iniciava-se em seu artigo 115 pelo condicionamento da ordem econmica aos princpios da Justia e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existncia digna. O direito previdncia social para os trabalhadores em geral encontrava-se previsto no artigo 121, 1, alnea h, juntamente com os demais direitos trabalhistas, por meio da instituio de previdncia, mediante contribuio igual da Unio, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte, destacando-se a previso de paridade no custeio do sistema.

    Na Constituio de 1937 a referncia ao direito previdncia social encontrada, de forma mais tmida, no artigo 137, alnea m, com a previso de que a legislao do trabalho observaria como um de seus preceitos a instituio de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho.

    Se a criao dos Institutos de Aposentadoria e Penses - IAPs possibilitou que aps alguns anos houvesse a reduo do nmero de instituies previdencirias, com a progressiva substituio das CAPs, ela no foi suficiente para promover a uniformizao da legislao, pois cada IAP possua sua lei e regulamentos

    48 OLIVEIRA, Jaime Antonio de Arajo; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit., p. 342.

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    especficos. Mais do que isso, a existncia de planos de custeio e de benefcios diferenciados possibilitava que determinadas categorias fossem mais privilegiadas do que outras, o que criava um clima de disputa, uma vez que esses planos passavam obrigatoriamente pela aprovao do Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio. A esse respeito, afirma James M. Malloy:

    [...] a qualidade de proteo variava dentro das categorias e entre elas. Portanto, o sistema era muito estratificado internamente e o modelo de estratificao tendia a refletir o poder de barganha relativa dos grupos. O resultado final foi que o sistema de previdncia social e o sistema sindical encorajaram entre os trabalhadores uma orientao especfica de grupo que os dividia e alimentava a competio intergrupos, minando qualquer base de solidariedade de classe.49

    Com as iniciativas para expanso da cobertura adotadas por Vargas, houve um progressivo aumento do nmero de trabalhadores protegidos pelo sistema de previdncia social, chegando em 1945 a cerca de 2.763.000 segurados ativos e 235.000 aposentados e pensionistas.50 Entretanto, o sistema trouxe proteo apenas para os setores organizados da classe mdia urbana, permanecendo sem cobertura previdenciria amplos setores da populao, tais como os trabalhadores rurais, domsticos, autnomos, profissionais liberais e outros trabalhadores sem vnculo empregatcio.

    Segundo Jaime Antonio de Arajo Oliveira e Sonia Maria Fleury Teixeira h uma diferena ntida ao se comparar o modelo existente entre 1923 e 1930, mais prdigo nas concesses, com aquele adotado entre 1930 e 1945, de orientao poltica contencionista. Nesse segundo perodo, o sistema de previdncia social passou a adotar caractersticas mais marcadamente identificadas com o seguro social, voltado capitalizao de recursos, graas a medidas como o aumento das contribuies devidas pelo empregados e empregadores, previso da contribuio estatal e restries aos benefcios e servios, notadamente no que se refere aos limites impostos aos gastos com assistncia mdica e hospitalar. Contudo, deve-se ressaltar que, diante da j mencionada diversidade na legislao dos IAPs, esse carter restritivo era menos acentuado para algumas categorias. Essa conjugao de fatores (a