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MAGNO EDMUNDO MAGALHÃES http://lattes.cnpq.br/3470045278351511 O ESCABINATO COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO JURISDICIONADO MILITAR, NO JULGAMENTO DE CRIMES MILITARES DOLOSOS CONTRA A VIDA DE CIVIS Monografia apresentada à UNIVERSIDADE FUMEC como requisito para obtenção do título de bacharelado no Curso de Direito. Orientador: Prof. Guilherme Orlando Anchieta Melo. Belo Horizonte 2012

O ESCABINATO COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO …jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/monoescabinato.pdf · Dedico esse trabalho a todos os Militares Brasileiros; em especial,

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MAGNO EDMUNDO MAGALHAtildeES

httplattescnpqbr3470045278351511

O ESCABINATO COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO

JURISDICIONADO MILITAR NO JULGAMENTO DE CRIMES

MILITARES DOLOSOS CONTRA A VIDA DE CIVIS

Monografia apresentada agrave UNIVERSIDADE FUMEC como requisito para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharelado no Curso de Direito

Orientador Prof Guilherme Orlando Anchieta Melo

Belo Horizonte 2012

DEDICATOacuteRIA

Dedico esse trabalho a todos os Militares Brasileiros em especial aos

integrantes dos quadros da Gloriosa Poliacutecia Militar de Minas Gerais da ativa da

reserva reformados em vida eou pos mortem que com abnegaccedilatildeo renuacutencia e

sacrifiacutecio serviram servem e serviratildeo com orgulho a essa Briosa Corporaccedilatildeo de

Tiradentes

De maneira mui especial aos honrados Policiais Militares mineiros

participantes do Movimento Reivindicatoacuterio de 1997 que por amor agrave farda e a

profissatildeo mostraram ao Brasil e ao mundo a forccedila da uniatildeo provando que a honra

do militar eacute mais forte do que qualquer regulamento por mais tirando que seja A

esses verdadeiros heroacuteis que um dia a histoacuteria haveraacute de reconhececirc-los - dentre os

quais me incluo com muita honra ndash minha singela homenagem

Ao irmatildeo de farda e companheiro de luta Cabo Valeacuterio (In Memoriam) maacutertir

daquele Movimento cujo sangue derramado se transformou em trincheira salvando

a vida de muitos Agrave sua memoacuteria todo nosso respeito

Aos militares das Forccedilas Armadas Brasileiras aos quais faccedilo minhas as

palavras de Muniz Barreto em carta escrita ao Rei de Portugal no ano de 1893

Senhor umas casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum comendo do mesmo alimento dormindo em leitos iguais De manhatilde a um toque de corneta se levantam para obedecer De noite a outro toque de corneta se deitamobedecendo Da vontade fizeram renuacutencia como a vida Seu nome eacute sacrifiacutecio Por ofiacutecio desprezam a morte e o sofrimento fiacutesico Seus pecados satildeo generosos facilmente esplecircndidos A beleza de suas accedilotildees eacute tatildeo grande que os poetas natildeo se cansam de celebrar Quando eles passam juntos fazendo barulho os coraccedilotildees mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si A gente conhece-os por militares Coraccedilotildees mesquinhos lanccedilam-lhes em rosto o patildeo que comem como se os cobres do preacute pudessem pagar a liberdade e a vida Publiscitas de vista curta acham-nos caros demais como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidatildeo Eles poreacutem calados continuam guardando a naccedilatildeo do estrangeiro e de si mesma Pelo preccedilo de sua sujeiccedilatildeo eles compram a liberdade para todos e defendem da invasatildeo estranha e do jugo das paixotildees Se a forccedila das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isso algum dia o fizeram algum dia o faratildeo E desde hoje eacute como se fizessem Porque por definiccedilatildeo o homem da guerra eacute nobre E quando ele potildee em marcha agrave sua esquerda vai a coragem e agrave sua direita a disciplina (BARRETO 1893)

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas

plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no

olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de

fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas

gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde

com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no

Reino da Gloacuteria saudades eternas

Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno

agradecimento e reconhecimento por tudo

Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de

orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais

distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos

A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial

exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas

meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e

fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde

Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja

existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me

renovado a cada dia

A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda

precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em

matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos

anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias

Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e

tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender

meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha

A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma

forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo

RESUMO

Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados

para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia

individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio

do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que

modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a

Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada

sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional

n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de

1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio

Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual

Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia

individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de

constitucionalidade

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 07

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS

BRASILEIRAS 09

3 A LEI N929996 EMBRI 10

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO

E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA

CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23

7 PRINCIPIOLOGIA 24

71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24

8 CONCLUSAtildeO 31

REFEREcircNCIAS 37

6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

DEDICATOacuteRIA

Dedico esse trabalho a todos os Militares Brasileiros em especial aos

integrantes dos quadros da Gloriosa Poliacutecia Militar de Minas Gerais da ativa da

reserva reformados em vida eou pos mortem que com abnegaccedilatildeo renuacutencia e

sacrifiacutecio serviram servem e serviratildeo com orgulho a essa Briosa Corporaccedilatildeo de

Tiradentes

De maneira mui especial aos honrados Policiais Militares mineiros

participantes do Movimento Reivindicatoacuterio de 1997 que por amor agrave farda e a

profissatildeo mostraram ao Brasil e ao mundo a forccedila da uniatildeo provando que a honra

do militar eacute mais forte do que qualquer regulamento por mais tirando que seja A

esses verdadeiros heroacuteis que um dia a histoacuteria haveraacute de reconhececirc-los - dentre os

quais me incluo com muita honra ndash minha singela homenagem

Ao irmatildeo de farda e companheiro de luta Cabo Valeacuterio (In Memoriam) maacutertir

daquele Movimento cujo sangue derramado se transformou em trincheira salvando

a vida de muitos Agrave sua memoacuteria todo nosso respeito

Aos militares das Forccedilas Armadas Brasileiras aos quais faccedilo minhas as

palavras de Muniz Barreto em carta escrita ao Rei de Portugal no ano de 1893

Senhor umas casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum comendo do mesmo alimento dormindo em leitos iguais De manhatilde a um toque de corneta se levantam para obedecer De noite a outro toque de corneta se deitamobedecendo Da vontade fizeram renuacutencia como a vida Seu nome eacute sacrifiacutecio Por ofiacutecio desprezam a morte e o sofrimento fiacutesico Seus pecados satildeo generosos facilmente esplecircndidos A beleza de suas accedilotildees eacute tatildeo grande que os poetas natildeo se cansam de celebrar Quando eles passam juntos fazendo barulho os coraccedilotildees mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si A gente conhece-os por militares Coraccedilotildees mesquinhos lanccedilam-lhes em rosto o patildeo que comem como se os cobres do preacute pudessem pagar a liberdade e a vida Publiscitas de vista curta acham-nos caros demais como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidatildeo Eles poreacutem calados continuam guardando a naccedilatildeo do estrangeiro e de si mesma Pelo preccedilo de sua sujeiccedilatildeo eles compram a liberdade para todos e defendem da invasatildeo estranha e do jugo das paixotildees Se a forccedila das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isso algum dia o fizeram algum dia o faratildeo E desde hoje eacute como se fizessem Porque por definiccedilatildeo o homem da guerra eacute nobre E quando ele potildee em marcha agrave sua esquerda vai a coragem e agrave sua direita a disciplina (BARRETO 1893)

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas

plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no

olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de

fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas

gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde

com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no

Reino da Gloacuteria saudades eternas

Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno

agradecimento e reconhecimento por tudo

Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de

orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais

distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos

A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial

exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas

meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e

fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde

Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja

existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me

renovado a cada dia

A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda

precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em

matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos

anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias

Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e

tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender

meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha

A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma

forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo

RESUMO

Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados

para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia

individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio

do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que

modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a

Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada

sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional

n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de

1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio

Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual

Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia

individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de

constitucionalidade

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 07

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS

BRASILEIRAS 09

3 A LEI N929996 EMBRI 10

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO

E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA

CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23

7 PRINCIPIOLOGIA 24

71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24

8 CONCLUSAtildeO 31

REFEREcircNCIAS 37

6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

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CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

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LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

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MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

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OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas

plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no

olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de

fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas

gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde

com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no

Reino da Gloacuteria saudades eternas

Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno

agradecimento e reconhecimento por tudo

Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de

orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais

distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos

A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial

exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas

meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e

fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde

Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja

existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me

renovado a cada dia

A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda

precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em

matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos

anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias

Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e

tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender

meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha

A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma

forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo

RESUMO

Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados

para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia

individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio

do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que

modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a

Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada

sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional

n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de

1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio

Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual

Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia

individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de

constitucionalidade

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 07

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS

BRASILEIRAS 09

3 A LEI N929996 EMBRI 10

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO

E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA

CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23

7 PRINCIPIOLOGIA 24

71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24

8 CONCLUSAtildeO 31

REFEREcircNCIAS 37

6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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RESUMO

Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados

para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia

individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio

do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que

modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a

Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada

sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional

n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de

1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio

Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual

Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia

individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de

constitucionalidade

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 07

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS

BRASILEIRAS 09

3 A LEI N929996 EMBRI 10

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO

E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA

CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23

7 PRINCIPIOLOGIA 24

71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24

8 CONCLUSAtildeO 31

REFEREcircNCIAS 37

6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 07

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS

BRASILEIRAS 09

3 A LEI N929996 EMBRI 10

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO

E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA

CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23

7 PRINCIPIOLOGIA 24

71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24

8 CONCLUSAtildeO 31

REFEREcircNCIAS 37

6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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6

1 INTRODUCcedilAtildeO

A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre

missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila

especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das

corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina

Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma

justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da

justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a

Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)

A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares

e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na

prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um

exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo

atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares

Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais

cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do

cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de

entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida

militar

Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um

militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de

perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a

justiccedila militar

Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua

previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados

bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional

n 4504

A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no

artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm

caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum

considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a

existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais

sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

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O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

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4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

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Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

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Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

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de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

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5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

7

distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso

o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar

A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o

surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos

de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A

necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave

existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a

implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio

sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de

regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo

castrense

Na visatildeo de Univaldo Correcirca

[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)

O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os

chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais

conhecido por Conde de Lippe 2

Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de

Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel

por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa

Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila

Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do

Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra

que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo

brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana

Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o

alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil

quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila

Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a

primogecircnita da Judicatura Nacional

2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora

indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762

8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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8

2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS

BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES

a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer

referecircncia agrave Justiccedila Militar

b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial

c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio

(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os

Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar

sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares

estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe

muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado

d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou

e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis

f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para

processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado

e ordem poliacutetica e social)

g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais

vigentes

h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente

i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo

e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia

das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para

conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais

9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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9

3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504

Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)

A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de

Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos

Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que

alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram

policiais militares

A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano

da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo

penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar

em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de

1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem

da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de

Janeiro dentre outros

Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha

de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade

das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e

excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do

legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de

garantias individuais do jurisdicionado militar

31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio

Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio

sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e

irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra

que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes

Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira

Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)

10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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10

O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as

Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais

militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees

militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes

A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a

definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei

n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia

da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares

dolosos contra a vida de civis

A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar

da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como

pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila

corporativista

Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da

justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa

competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo

A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo

a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua

vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE

RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal

Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504

11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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11

4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO

IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO

DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO

DE 1988

Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)

A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila

militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares

militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo

Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a

presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na

forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do

escabinato

Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo

de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem

constitucional derivada

Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional

originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504

acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a

justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de

Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional

Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda

Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da

Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos

representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do

Trabalho

Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da

magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da

vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela

se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de

um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio

12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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12

Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que

resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a

tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado

Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da

PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a

protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como

antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual

amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e

aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto

diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se

convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo

Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma

pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996

embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual

seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da

Constituiccedilatildeo de 1988

Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a

tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem

deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu

como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento

constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -

pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e

qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente

Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito

gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para

processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da

Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares

previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo

militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar

Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis

13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

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Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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13

Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo

deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi

apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e

civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo

constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute

a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil

Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em

sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute

de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n

4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo

penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar

tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo

menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm

do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri

para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida

de civis

Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da

Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes

militares sendo julgados pela justiccedila comum

Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma

categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a

competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar

da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam

dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao

tribunal do juacuteri na justiccedila comum

Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do

Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao

processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos

os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn

nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no

julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer

interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees

entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

14

de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo

Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988

Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da

competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as

mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico

no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996

O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico

segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem

julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava

A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos

legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as

mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade

a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash

STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do

artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar

O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de

competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do

julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil

Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de

competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia

para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele

soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum

Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda

Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um

enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos

desmedidos contra as Poliacutecias Militares

Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute

das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco

para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um

lado estaacute sua vida do outro as iras da lei

Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade

15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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15

O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande

pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce

incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e

equivocado das pessoas

A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial

militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo

onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e

truculecircncia

Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso

contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em

detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa

Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees

trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da

Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para

com a justiccedila mais antiga do Brasil

O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao

ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia

para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida

praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa

pesquisa

A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao

Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista

do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por

qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um

civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que

um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se

esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar

Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor

da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a

do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do

que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo

perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que

fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual

16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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16

Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser

apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a

reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda

Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o

legislador para os fins colimados pelo Estado

A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas

circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo

9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e

preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico

A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar

na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava

Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e

com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de

uma justiccedila ceacutelere e eficaz

Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar

o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e

militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas

sobretudo no que concerne agrave celeridade

Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a

Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da

inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares

Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute

passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como

paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal

Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a

incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a

alteraccedilatildeo constitucional3rdquo

Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar

3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564

17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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17

5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO

O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)

Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo

constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional

originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o

constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do

tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer

distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou

ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo

O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares

Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a

competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de

1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de

seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute

talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento

justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho

Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)

4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

18

Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que

satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma

cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares

A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute

prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo

importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na

Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo

da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de

forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata

A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos

124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja

competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei

Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares

estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo

abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo

Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento

constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora

a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para

processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis

praticados por militares federais

Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda

Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando

aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se

entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora

A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e

competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)

o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual

consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares

na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica

do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)

5 Ob Cit p 110

19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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19

Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos

entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo

de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a

submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito

individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por

intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504

O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do

Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e

segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os

Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato

e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais

funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o

Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do

uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois

juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto

constitucional

O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui

caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam

a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo

maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime

e razoaacutevel

Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito

do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o

presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar

Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem

de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda

Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado

sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda

constitucional

Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a

nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato

no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e

6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo

Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

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Paulo Revista dos Tribunais 2012

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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

20

retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da

espada e da toga7rdquo

A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda

Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional

de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser

processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja

no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do

jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder

constituinte originaacuterio

Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a

reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia

da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute

inconstitucional

Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil

acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a

sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do

escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser

julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares

Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado

militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar

previsto em lei

7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos

21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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21

6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR

Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao

preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo

vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver

nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema

A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar

e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a

oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo

No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila

militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda

Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida

Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual

Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila

militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional

derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o

julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de

exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar

A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da

justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo

(GALVAtildeO 2006)

Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento

Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que

manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17

publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da

constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a

competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o

processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados

por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que

a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar

um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar

no sect 2ordm e caput de seu artigo 82

DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03

Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha

Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino

Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME

Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996

22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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22

7 PRINCIPIOLOGIA

71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares

Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)

O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)

antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se

confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de

acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza

ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em

prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a

equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual

natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido

chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar

voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem

Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars

boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita

pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um

abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo

E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade

na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e

por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural

que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo

E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela

ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas

as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como

princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis

Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada

caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei

se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor

aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas

sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela

O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute

Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser

preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto

23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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23

Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose

baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm

diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos

realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)

Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as

anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade

limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto

estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos

que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute

imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se

estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)

A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da

aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves

circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso

isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses

julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta

Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o

ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades

revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo

ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes

como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral

pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo

reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva

ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute

inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que

apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia

madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo

ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude

sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)

Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo

haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de

1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e

a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se

O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute

assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a

24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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24

oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo

(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)

No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm

1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988

conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de

militares em movimentos grevistas

Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos

militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas

diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias

exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal

ou dos Estados

Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao

cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto

da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do

cidadatildeo civil

Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de

Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional

do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um

movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia

Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio

Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma

incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de

trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais

Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil

inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele

contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional

do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento

grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da

Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila

militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim

previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar

Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido

no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente

natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e

por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

25

A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo

forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida

profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente

distintas

Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no

tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os

cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento

isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas

Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na

mesma medida serem iguais perante a lei militar

Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil

que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar

Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma

natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar

acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus

semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode

querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei

Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal

como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia

dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento

juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres

e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela

natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra

classe

As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a

disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam

poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para

assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade

civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em

funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado

Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a

competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as

garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da

vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades

da classe

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

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ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

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Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

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1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

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ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

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Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

26

Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas

(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador

especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo

Tribunal Federal8

[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)

Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das

idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar

a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e

das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim

natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo

conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar

Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares

Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos

tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz

e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute

necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da

diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1988

Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil

Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia

de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba

em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem

disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos

Exeacutercitosrdquo

8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site

lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea

de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

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8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

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Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

27

Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem

a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o

cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia

sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus

integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os

diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e

culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a

assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e

infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo

(SOUZA 2005)

Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa

administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os

fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo

(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a

justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos

classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade

A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal

Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)

O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio

do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial

justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute

ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes

perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11

Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)

10

Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11

Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

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2010 Juruaacute

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BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

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Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

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CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

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11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

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Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

28

8 CONCLUSAtildeO

Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)

A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o

entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada

inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora

tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo

alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar

estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo

9ordm do CPM

Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila

militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos

contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos

amplamente explorados pela miacutedia

Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados

diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem

como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos

esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder

puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas

Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o

ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral

que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor

nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e

condenar os verdadeiros culpados

Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao

crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando

uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas

das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente

Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia

Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da

ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

29

ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando

obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado

e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar

Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece

haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo

poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada

obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo

Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de

seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus

semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos

adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se

armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes

Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro

problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia

policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da

sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando

fazer uso da forccedila inclusive letal

Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza

humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos

ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser

julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram

punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a

vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil

Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade

policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a

competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de

crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande

motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios

isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas

pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo

em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares

Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas

Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do

paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)

30

Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila

juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar

estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a

questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando

dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto

que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas

Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar

estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado

gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato

ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de

inconstitucionalidade

Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade

da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125

da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo

essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de

direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao

mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo

(COIMBRA 2011 p34)

Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo

juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional

deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento

preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo

feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e

qualquer que fosse o acusado

Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da

pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento

de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees

comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar

acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele

civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo

12

1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt

Acesso em 30 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

31

Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de

inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os

argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda

Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a

exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador

para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia

do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas

constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da

anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a

alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)

Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito

individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou

improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser

crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda

Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia

individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade

conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)

Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo

de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso

levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao

julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio

e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido

Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da

Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees

distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma

justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para

conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro

senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato

A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de

que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas

preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a

garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem

pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)

O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de

crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

32

tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a

legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse

tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia

constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal

ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)

Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex

militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal

tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o

militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia

Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia

constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por

emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da

Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente

realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda

maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto

nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica

Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os

instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988

naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de

inconstitucionalidade

Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a

dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser

julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia

em um Estado de Direito

Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda

constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer

ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da

Constituiccedilatildeo Federal

Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)

13

Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais

(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

agosto de 2012

ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012

CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em

lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012

OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012

33

Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de

constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas

essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a

integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a

destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois

a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida

que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da

legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a

proacutepria constituiccedilatildeo

Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o

constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988

Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado

deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da

constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar

estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)

Segundo Eurico Zecchin Maiolino

o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)

O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute

admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926

(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)

Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido

de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no

julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF

Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504

eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o

direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda

porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da

Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade

atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

34

REFEREcircNCIAS

ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e

a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de

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ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005

ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios

doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed

2010 Juruaacute

BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

Brasiacutelia Senado 1988

BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal

Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo

Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969

BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE

Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012

BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do

Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo

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CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar

Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal

11 ed Satildeo Paulo Saraiva

CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira

2003

35

LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999

MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS

GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo

Horizonte Assembleia Legislativa 1989

MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2012

NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da

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OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)

1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas

2004

ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista

de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17

ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar

estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e

Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010

Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande

do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar

promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel

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