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O espaço sagrado e o espaço profano: o sagrado como estratégia da Companhia de Jesus na formação do espaço urbano e da sociedade da Vila de Nossa Senhora da Vitória Dra. Luciene Pessotti de Souza Fundação São João Batista / Faculdade de Aracruz INTRODUÇÃO A pesquisa sobre a Vila da Vitória foi objeto de estudo nas pesquisas de mestra- do e doutoramento (SOUZA, 2000; SOUZA, 2005). O estudo da história urbana de Vitória na longa duração considerou ao longo destes anos, a análise de seus aspectos geográficos, econômicos, sociais, políticos-administrativos, do universo mental, da cultura material, do imaginário e, da morfologia do território. Os aspectos citados ofereceram subsídios para uma série de análises dos elementos morfológicos que definiram a estruturação de seu espaço urbano nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX 2 . Além de todas estas contribuições, não podemos deixar de citar a importante contribuição da história pela inovação que ocorreu em seu aparato conceitual no sé- culo XX, e que foi preponderante no aprofundamento nas pesquisas sobre as cidades (LE GOFF, 998; LEPETIT, 200). Logo, a análise da forma urbana da Vila da Vitória, no período supra citado, reflete os diferentes fenômenos e valores, as transformações e as possíveis e diferentes formas de urbanização que este espaço pode ter assumido. A morfologia urbana supõe a convergência de dados de outras disciplinas – história econo- mia, sociologia, geografia – como o objetivo de explicar a cidade como fenômeno físico e construído. Portanto, os fenômenos sociais, políticos, econômicos e outros convergem como explicação da forma urbana, mas, não como objeto de estudo (LAMAS,993). 2 A cidade, conforme afirma Lamas (993, p.3), não é um “[...] simples produto determi- nistas dos contextos econômicos, políticos e sociais: é também, o resultado de teorias e posições culturais e estéticas”.

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O espaço sagrado e o espaço profano: o sagrado como estratégia da

Companhia de Jesus na formação do espaço urbano e da sociedade da Vila de Nossa Senhora da Vitória

Dra. Luciene Pessotti de SouzaFundação São João Batista / Faculdade de Aracruz

INTRODUÇÃO

A pesquisa sobre a Vila da Vitória foi objeto de estudo nas pesquisas de mestra-do e doutoramento (SOUZA, 2000; SOUZA, 2005). O estudo da história urbana de Vitória na longa duração considerou ao longo destes anos, a análise de seus aspectos geográficos, econômicos, sociais, políticos-administrativos, do universo mental, da cultura material, do imaginário e, da morfologia do território. Os aspectos citados ofereceram subsídios para uma série de análises dos elementos morfológicos� que definiram a estruturação de seu espaço urbano nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX2.

Além de todas estas contribuições, não podemos deixar de citar a importante contribuição da história pela inovação que ocorreu em seu aparato conceitual no sé-culo XX, e que foi preponderante no aprofundamento nas pesquisas sobre as cidades (LE GOFF, �998; LEPETIT, 200�). Logo, a análise da forma urbana da Vila da Vitória, no período supra citado, reflete os diferentes fenômenos e valores, as transformações e as possíveis e diferentes formas de urbanização que este espaço pode ter assumido.

� A morfologia urbana supõe a convergência de dados de outras disciplinas – história econo-mia, sociologia, geografia – como o objetivo de explicar a cidade como fenômeno físico e construído. Portanto, os fenômenos sociais, políticos, econômicos e outros convergem como explicação da forma urbana, mas, não como objeto de estudo (LAMAS,�993). 2 A cidade, conforme afirma Lamas (�993, p.3�), não é um “[...] simples produto determi-nistas dos contextos econômicos, políticos e sociais: é também, o resultado de teorias e posições culturais e estéticas”.

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Para além destas considerações, a história urbana, com seus conceitos-chave, abriu várias possibilidades de se problematizar as cidades na longa duração. Con-forme afirma Burguière (�998), para a antropologia histórica, no campo do univer-so mental, os resultados das pesquisas foram mais fecundas a partir da adoção do conceito de mentalidade, sem encerrá-lo num campo puramente psicológico, e se procurou detectar nestes estudos “[...] as expressões mais anódinas, menos formu-ladas, da vida cultural: as crenças populares, os ritos que impregnavam a vida co-tidiana ou se prendem à vida religiosa” (p.�48), entre outros aspectos.

Assim, através do recorte teórico deste conceito-chave, i.e., da história do ima-ginário, foi possível abarcar o campo da experiência humana e focar o conjunto das representações, ou seja, o imaginário de cada sociedade em diferentes níveis de complexidade. Através da arte, por exemplo, pode-se identificar como o processo de cristianização do Novo Mundo influenciou no estabelecimento de uma estrutura social e de um sistema de representações aliado ao projeto colonial nas Américas. Um dos exemplos mais significativos da formação de um conjunto de valores cultu-rais e sociais, que se tornaram representativos no território ultramarino americano, foi a atuação da Companhia de Jesus no processo de conversão dos povos indígenas e de viabilização do projeto colonial nas povoações dos colonos. Tendo iniciado suas atividades em �549, os jesuítas organizaram de forma sistemática os espaços de suas igrejas, das aldeias e, foram elementos de destaque dos conjuntos urbanos onde se instalaram. Atuaram através da educação, do teatro, da música, da carpintaria, enfim, através de diversas manifestações artísticas e, foram, até sua expulsão, o principal canal de transmissão da cultura européia para a América (SOUZA, 2000). Foram, portanto, os jesuítas a expressão máxima do sentido da colonização, no colo, no cultus e em culturus3 (BOSI, �996), tendo sido o Auto da Vila da Vitória um exemplo paradigmático deste processo na Capitania do Espírito Santo.

2. A Vitória dos Jesuítas: a influência da ordem religiosa na consolidação da nova sede da Capitania do Espírito Santo no Século XVI

A implantação da Vila da Vitória na ilha localizada dentro da baía de mesmo nome não se tratou de uma fundação com função especificamente militar, nem tão pouco, tinha como objetivo ser uma importante cidade, que teria como função ser o centro de uma rede urbana e de uma zona produtiva.

3 Segundo Bosi (�996, p.��) “[...] as palavras colo, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino Colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus” (grifo nosso). Nas três palavras estavam, portanto, designado o sentido da colonização: terra que seria sujeitar; cultura que se moldou para a viabilização do projeto colonial; e, culto, como conjunto de valores morais e religiosos que deveriam formar a sociedade colonial.

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A nova sede da Capitania do Espírito Santo surgiu de uma povoação localiza-da numa ilha, sesmaria doada a Duarte Lemos, e se estruturou pela ação dos mis-sionários jesuítas, empenhados em propagar o ideal cristão no Novo Mundo, dos esforços do primeiro donatário em vencer as inúmeras dificuldades de seu vilão farto, e pela ambição de aventureiros e homens que apostaram no lucro, acima de tudo, na empreitada de desbravar, ocupar e tomar posse das riquezas do território recém descoberto.

As referências históricas da fundação da Vila da Vitória rendem uma “[...] série de peripécias controvertidas” (DERENZI, �995, p.�5), passando pela invencível tenacidade dos povos indígenas da região em repetir os portugueses, até a defini-ção da data oficial de sua fundação. As inúmeras versões sobre a fundação de Vi-tória levaram Derenzi (�995), afirmar em sua celebre obra que a ilha, onde se im-plantou uma nova povoação, foi “[...] abandonada pelas tribos litorâneas [testemunha o autor que os sambaquis, entre outros vestígios, provam que o local havia sido habitado por índios] protegida pela soberba configuração topográfica” (p.�5), o que levou os povoadores lusitanos nela se refugiarem “[...] cansados de lutas exaustivas e perigosas” (p.�5).

A cidade de Vitória ressalta Derenzi (�995), “[...] não tem fé de oficio. Não foi legalmente batizada. Precisa de uma justificativa em juízo” (p.�5). A vila surgiu de uma escolha estratégica pela segurança, pelas fontes de águas, e principalmente pela presença atuante dos missionários jesuítas (SOUZA, 2000).

Os inacianos estiveram na capitania do Espírito Santo antes de �549, ocasião da implantação do Governo Geral, período em que o Padre Manoel da Nóbrega teve importância singular no ideal e na propagação da catequese na América Por-tuguesa. O primeiro inaciano a visitar a capitania foi o padre Leonardo Nunes, que de passagem na primeira sede, a Vila do Espírito Santo, localizada a entrada da baía, fez um diagnóstico da vida social, expondo as dificuldades do projeto colo-nial naquele momento (LEITE, �945, Tomo. II).

A chegada oficial da Companhia de Jesus na capitania se deu em �550, e se tornou um fator determinante na dinâmica social, política e econômica local (CAR-VALHO, �982; NOVAES, s.d.). Um fato relevante na historiografia capixaba é a au-sência de Vasco Fernandes Coutinho, o primeiro donatário, no momento em que os padres da Companhia de Jesus aportam no Espírito Santo (LEITE, �945, Tomo II). A ausência do donatário se justifica pela tentativa de conseguir recursos e apoio em Portugal para recuperar os investimentos realizados na capitania. As inúmeras difi-culdades encontradas por Vasco Fernandes Coutinho só foram, em parte superadas, com a chegada dos padres da Companhia de Jesus, e a posterior fixação destes na ilha de Duarte Lemos, em virtude de terem recebido deste último uma data de terra.

O documento de doação foi assinado por Bernardo Sanches de La Pimenta, provedor da Capitania do Espírito Santo em �552, que passa as referidas terras a Companhia de Jesus em virtude de ter existido, na afirmativa do Padre Manoel Paiva ali presente para as comemorações da Páscoa, um acordo entre o sesmeiro e a ordem religiosa. Segundo Manoel Paiva, Duarte de Lemos “[...] lhe dera hum seu

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assinado per que na sua ilha de Sancto Antônio, e terra que elle tinha nesta dita Capitania do Spíritu Sancto podessem tomar toda a terra que lhes fosse necessária pêra casa e pêra mantimentos pêra dita casa” (LEITE, �954, Tomo II, p. 30�).

Assim, o povoado que foi se consolidando na ilha pela influência do desenvolvi-mento das atividades missionárias veio a se transformar na sede da capitania4. A Com-panhia de Jesus foi a ordem religiosa que desempenhou um papel relevante na conso-lidação social, política e econômica da Vila da Vitória, tendo em vista, sua ação pioneira no local, tendo os franciscanos só se instalado ali em fins do século XVI.

Desta forma, pode-se afirmar que a Companhia de Jesus participou de forma dire-ta na formação da sociedade que se constituiu na nova sede do governo, a Vila da Vi-tória, que ao longo do século XVI foi se consolidando na antiga ilha de Duarte Lemos.

3. Os Jesuítas, a Contra-Reforma e o Barroco: a sociedade da fé e o Novo Mundo

A formação de uma nova sociedade na América Portuguesa deu-se pelo o encontro de dois mundos, de duas sociedades, até então sem contato, dando ori-gem a um processo civilizatorio, uma façanha “[...] tanto no desfazimento de po-vos, como na edificação de nações” (RIBEIRO; MOREIRA NETO, �992, p.�6), onde a conversão aos dogmas e crenças da cristandade européia era a única forma pos-sível de existência.

A luta pela hegemonia de uma das tradições culturais na Europa medieval, a cristã ocidental, se tornou um fator histórico importante na formação da cultura do território ultramarino da América Portuguesa. Tal tradição influenciou o processo de constituição do Estado português, onde os fundamentos da religião tiveram um tônus mais forte. Neste momento singular a “[...] a filosofia medieval [que] nasceu e, em grande parte, gravitou em torno das religiões, ou melhor, das teologias, das quais era solidária, quando não subordinada” (PAIM, �987, p. 200), dominou o espírito da sociedade lusitana.

Assim, em Portugal, a separação entre teologia e filosofia só se daria depois do século XV, pois, a entrada dos princípios filosóficos do Renascimento ocorreu num processo tardio dentro do contexto europeu, e não impediu o predomínio do espí-rito escolástico da Contra-Reforma na península ibérica (PAIM, �987), caracteriza-

4 Conforme se pode atestar, a povoação existente na ilha de Duarte Lemos não havia se tor-nado, no momento da doação de terras aos jesuítas, em �552, a Vila de Nossa Senhora da Vitória, sede da capitania, pois, para tanto deveria ter sido oficializada segundo as exigên-cias legais do período. Entretanto, conforme podemos constatar a transferência dos jesuítas para a ilha de Santo Antônio foi o acontecimento mais marcante do século XVI, pois, decidiu a consolidação da nova vila na ilha de Duarte Lemos, que com o tempo se tornou a sede da capitania do Espírito Santo.

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da pelo seu profundo misticismo religioso, fundamentado no radical Tomismo puro (HOORNAERT, �994).

A fundação da Companhia de Jesus, em �540, surgiu neste contexto para atender aos objetivos missionários das coroas ibéricas. Após o Concílio de Trento (�545-�563), houve uma ascensão da ordem, imbuída de vencer os valores contrários aos valores cristãos, enaltecida por suas características militares.

Para tanto, os jesuítas utilizaram um recurso valioso: a arte e sua associação com os valores cristãos, apoiados no misticismo, na retórica, na alegoria. Procura-ram, assim, diminuir os conflitos, as tensões, criando um mundo de novas referên-cias, onde novas experiências se fariam possíveis.

O período dos descobrimentos e do início da exploração dos novos territórios ocupados foi um momento de profundas transformações científicas, e houve tam-bém, um fenômeno particular no campo da arte. Cabe ressaltar, que nos séculos XVI e XVII, segundo Bazin (�997), e em nenhum outro momento da história da arte, a teoria encontrou-se tão intensamente oposta à prática, derivando daí “[...] à pro-liferação das mil e uma formas daquilo que denominamos com o nome casual de barroco” (p.�7).

O Barroco ressalta o autor (BAZIN, �997), expressava não só uma manifesta-ção artística, como também, todo o conflito de uma época. As formas expressivas desta nova concepção estética e filosófica residiam no conflito, no drama, e na ruptura espacial.

Segundo Gasparini (�997), o Barroco foi um fenômeno cultural que refletiu os conflitos e incertezas do homem do Seiscentos e, o poder de persuasão foi a noção primordial da estética barroca.

Na América Latina, a difusão da retórica, como discurso persuasivo, encontra terreno fértil e “[...] uma aplicação fanática nas atividades artísticas manejadas pelo único poder que as controlava: a Igreja” (GASPARINI, �997, p.44). No contexto co-lonial “[...] a função persuasiva da arte [...] vale-se de um programa condicionado, restrito e limitado a enfatizar o signo triunfal da religião. Recorrer ao espetacular é o essencial. No fundo, institucionaliza-se o ilusório e o engano” (p.44) (grifo nosso).

A arte barroca, conforme afirma Averini (�997), seria a “[...] primeira manifes-tação de arte, no mundo moderno, a ter uma nota de universalidade extra-euro-péia” (p.23) (grifo nosso). O advento do barroco coincidindo com a exploração européia de outros continentes, em sua maioria situados nas zonas dos trópicos e, com o contato com povos e civilizações até então desconhecidas, denominados tropicais ou subtropicais, teria, então, sofrido influência do choque entre as cultu-ras e a natureza encontradas. Obras do período retrataram as maravilhas dos espe-táculos naturais e das culturas encontradas, algumas compostas por missionários, na maioria jesuítas, com pormenores, ilustrações e por vezes até com discernimen-to crítico e valorização afetiva (AVERINI, �997).

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A perspectiva teórica ora apresentada considerou que nos trópicos, i.e., nos territórios conquistados pelos povos europeus, com ênfase na América, a expansão da Igreja Católica teria encontrado compensações para as graves perdas obtidas com a reforma luterana e o cisma inglês, o que reforça a perspectiva apresentada por Gasparini (�997). Logo, quando se considera que do século XVI em diante o eixo territorial do catolicismo foi naturalmente se deslocando em direção aos trópi-cos, sob a influência do impulso renovador da Igreja Católica, e com a instituição da Propaganda Fide, pode-se conjeturar que os eclesiásticos souberam, não só engendrar um quadro social capaz de estimular os artistas a criarem uma lingua-gem estética, bem como, criou situações favoráveis a sua expressividade.

Enquanto estilo internacional ou arte internacionalizada, o Barroco, como afir-ma Pereira (�997), possuiu formas e temas que também se expandiram pelos terri-tórios europeu e americano, muitos influenciados pelos avanços científicos5. A cosmologia barroca, tema que influenciou na composição formal da arte e da ar-quitetura, teria nascido, segundo o autor [...] com a descoberta de Kepler que pro-vava que a órbita do planeta Marte em redor do Sol não era circular mas elíptica” (p.�64). Assim, o círculo perdeu seu sentido enquanto unidade significante e sim-bolicamente atuante; e a elipse remetia a idéia de dois centros – um aparente e outro obscuro – ou da pluricentralidade, que refundou uma nova epistemologia na arte e na arquitetura: “[...] assim [...] os esquemas compositivos [...] influenciados pela figura do centro múltiplo e da eplipse [...] [expressavam] descentramento, duplo centro real e virtual, anamoforse do círculo” (p.�64).

A excepcionalidade do Barroco, conforme aborda Gasparini (�997), está na ampla utilização da persuasão, da profusão das formas, do apelo aos sentidos para a conversão dos fiéis. Assim, conforme assinalou Nunes (�98�, p.24), não há mais neste período “[...] aquela homologia formal entre a arte e o pensamento teórico, conceptual e abstrato, que encontramos no Medievo e ainda no Renascimento”. Houve, portanto, uma significativa afinidade entre a visualidade dominante do bar-roco e o plano de fundo de pensar filosófico, que abrigou “[...] os pressupostos não aclarados dos sistemas metafísicos modernos” (p.25), uma afinidade contraída em torno da experiência da infinitude.

Tais concepções de espaço foram utilizadas pelos jesuítas, que as tornaram expressas em suas igrejas, reduções e mesmo nas cidades onde se implantaram. Esta noção da nova espacialidade foi decorrente da participação que os inacianos tiveram no florescimento e investigação dos princípios teóricos e científicos no Renascimento6. Em Portugal os jesuítas estiveram à frente do Colégio de Santo An-

5 Nesta época inquieta e dilacerante, os conflitos vieram das descobertas científicas, tais como, a hipótese heliocêntrica de Copérnico contida no De Revolutionibus Orbium Caelestium, pu-blicado em �543, e que só teve grande repercussão revolucionária a partir da segundo metade do século, e as obras de autores como Giordano Bruno, que foi publicada em �584.6 Nesta época já era conhecida pelos inacianos a noção do ilimitado, do espaço e do movi-mento, a imensidão do cosmos, o continuum do real, o infinito, enfim, as noções que deram suporte as teorias de Giordano Bruno a Spinoza. A Igreja de Jesú in Roma, subverteu, então,

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tão, onde se formaram dezenas de engenheiros militares (BUENO, 200�). Além disto, os inacianos possuíam a época amplo domínio das ciências consideradas tradicionais, pois, constituiu-se em um dos poucos grupos de indivíduos que dominavam a fala e a leitura do latim, idioma em que estas obras estavam, em sua maioria, escritas.

Portanto, a hipótese apresentada por Averini (�997), demonstra o amplo co-nhecimento que as ordens religiosas, especialmente os jesuítas, possuíam, não só no âmbito teológico e filosófico, bem como, no âmbito científico.

Conforme afirmou Nunes (�98�), através da homologia entre referências teóri-cas, e mesmo teológicas, e as artes, utilizaram-se os representantes da Igreja Cató-lica, do recurso da visualidade, da persuasão, dos efeitos cênicos, seja na arquite-tura ou no espaço urbano, com o intuito de persuadir, convencer, catequizar e subjugar, índios e colonos.

Assim, podemos afirmar que a através das orientações da Contra Reforma, princi-palmente, nas colônias, e através da ação missionária jesuítica, imprimiu-se à arte um modo particular de representar, que adequou os fins catequéticos aos fins artísticos.

A experiência da infinitude, contida na estética barroca, foi, portanto, a expressão máxima da força de persuasão pela arte, pela fé e pela cultura. Tal experiência teve campo fértil na postura doutrinária defendida pelo padre Antônio Vieira, a tabula rasa, onde o recurso da catequese suprimiu o sentido da alteridade, e por muitas vezes o outro, em contatos, que acabaram muitas vezes em embates desiguais.

4. O Espaço da cidade e os autos: o teatro e o espetáculo da fé

O entendimento da morfologia urbana, i.e., da organização espacial de vilas e cidades, pressupõe não só a dimensão física, embora esta seja fundamental para a análise dos conteúdos eruditos e vernaculares subjacentes a sua configuração. Na análise da forma urbana devem-se considerar os momentos ou níveis de sua produ-ção, identificando-se no contexto das relações sociais, econômicas e políticas, a preponderância dos fatores associados a um destes fenômenos (LAMAS, �993).

O processo de formação da cidade envolve, então, diversos fenômenos e “[...] é freqüente que, na produção das formas urbanas, exista um fenômeno que seja determinante e, portanto que assuma maior preponderância em qualquer análise” (LAMAS, �993. p.37; 38) (grifo nosso).

No âmbito de nossas pesquisas, problematizamos um dos fenômenos que assu-miu maior importância na configuração de diferentes núcleos urbanos coloniais, a

o equilíbrio e a simetria através de uma arte hiperbólica e impetuosa, de decoração profusa e ilusionista, a serviço do humanismo devoto da Contra-Reforma (NUNES, �98�).

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participação da Igreja Católica, devido a preponderância que este agente modelador teve na conformação destas morfologias urbanas (SOUZA, 2005; 2000; �996).

A apropriação dos espaços nos núcleos urbanos coloniais teve uma dimensão simbólica que era exercida, principalmente pela Igreja. A instituição enquanto uma dos principais agentes modeladores atribuiu através de sua atuação diferentes sig-nificados aos espaços urbanos coloniais, a saber, (�) uma razão e uma forma de ser. A razão de ser atribuiu um conceito, predominantemente religioso e, um uso de cunho ritual aos espaços urbanos. A forma de ser, atribuiu no âmbito das áreas comuns, uma maior referência aos locais sagrados e, ao trato, raros elementos da simbologia cristã (MARX, �989).

As regulamentações eclesiásticas7 exerceram também, (2) através de um con-junto de práticas ligadas à difusão da fé católica, o controle dos espaços urbanos, definindo uma territorialidade, onde o tempo e os corpos puderam ser domina-dos, pois, “[...] a difusão da fé torna-se particularmente importante para a geografia ao se refletir sobre a ação missionária, de expressão de idéias e condicionamentos simbólicos” (ROSENDHAL, �996, p.52; 58).

Estes conjuntos de valores e regras (3) definiram também a localização dos templos religiosos, que representaram do ponto de vista simbólico, poder e valori-zação. Enquanto marcos ideológicos, os templos foram elementos formadores de espaços, pontos quentes ou pontos de referência (LE GOFF, �992), pois, agrupa-vam em sua vizinhança a produção de serviços à população.

Assim, a localização de um templo religioso, determinava a valorização do solo de uma área vizinha, diretamente relacionada com os serviços por elas presta-do no local. Estes serviços por estarem ligados diretamente ao cotidiano da popu-lação, auxiliavam, com o passar do tempo, a reafirmar a existência do templo en-quanto um marco ideológico.

Um dos principais exemplos da importância que os espaços de implantação de templos religiosos assumiram na Capitania do Espírito Santo são as aldeias e igrejas jesu-íticas. Mas, o templo de maior significado simbólico foi a Igreja de São Tiago, em Vitória, onde teria se dado a encenação do Auto da Vila da Vitória.

O Auto da Vila da Vitória foi um dos principais instrumentos de persuasão que os jesuítas utilizaram com os índios da capitania na questão da sucessão de Vasco Fernandes Filho, em 1589, ano provável de sua morte.

7 Um dos testemunhos significativos da influência eclesiástica na configuração dos espaços urbanos, segundo Marx (�989), foi a elaboração no século XVIII das Constituições primeyras do arcebispado da Bahia, que agruparam diversas orientações canônicas, então organiza-das no Sínodo de Salvador em �707, que originaram um instrumento legal e, que abordou diversos temas, dentre eles, aspectos relativos ao panorama urbano. Não só os locais e auto-rização da ereção de um templo foram abordados, como também o foram o uso e trato das ruas e largos que o circundavam.

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Conforme atesta Novaes (s.d.), o Auto da Vila da Vitória, é de autoria Anchie-ta, mas não foi datado pelo jesuíta, mas, sua encenação, segundo Bosi (�996), teria se dado em �589. Segundo o autor (BOSI, �996) o auto não foi escrito somente para os nativos, mas, também, para os colonos, e se confrontarmos as questões políticas da época veremos que a peça teve um alcance muito maior que a catequi-zação indígena.

Como o próprio nome sugere, o auto foi encenado na Vila da Vitória, entretan-to, a historiografia não indica o local, i.e., se na vila da entrada da barra, ou na ilha, em virtude da ausência de dados comprobatórios sobre qual o local da sede da capitania neste momento, conforme citado.

Entretanto, Cardim (�978), cita que em �583, a vila que era sede da capitania do governo do Espírito Santo8, estava sediada na ilha, embora Vasco Fernandes Filho e Luisa Grimaldi, sua esposa e sucessora, residissem na Vila Velha entre �563 e �593, ou seja, na primeira povoação.

A origem do embate político era a sucessão do poder local, ocorrido em �593, no momento da União Ibérica (�580-�640), onde a Vila da Vitória era cabeça de capitania vacante, e ao mesmo tempo, entidade administrativa, juridicamente caste-lhana. A viúva de Vasco Fernandes Filho (que veio a falecer c.�593), Luísa Grimaldi, governava a capitania na ocasião que a sucessão do governo da capitania era dispu-tada entre lusos e espanhóis. Os primeiros, herdeiros legítimos do governo pelo grau direto de parentesco com o primeiro donatário, reclamaram um estatuto especial para vila, expresso no auto “[...] um título novo/com nova governação”, o que sugere a solução para a outra questão política e jurídica pendente, a sede da vila.

Tendo visto que Duarte Lemos9, sesmeiro da ilha, morreu em �558, e Vasco Fernandes Coutinho, o primeiro donatário em �56�, a questão da sede da vila po-deria ter sido resolvida por Vasco Fernandes Filho que assumiu o governo da capi-tania em �563, mas sua permanência até a morte na Vila Velha, deixa uma impor-tante lacuna no âmbito jurídico-administrativo na historiografia capixaba.

Para além da questão do governo da vila, havia ainda, a questão da resistência indígena na capitania, que gerou um dos conflitos mais importantes do século XVI entre estes e os portugueses. No cerne do conflito estiveram os jesuítas, que ao abri-garem os Teminonós em �555, no Espírito Santo, vindos do Rio de Janeiro, em virtu-de das ameaças dos Tamoios presentes na região, ocasionou uma das mais duras vinganças dos povos nativos da região capixaba sobre os colonizadores. Os goitacás e tupiniquins, interpretaram a presença da tribo dos Teminonós como apoio aos por-tugueses para lhes suplantar o poder da região, e em �558, atacaram o norte do Es-pírito Santo obrigando Vasco Fernandes Coutinho a pedir auxílio a Men de Sá. A

8 Não se pode esquecer que o referido padre era jesuíta e teria motivos suficientes para que-rer a consolidação do poder na ilha onde estava implantada a ordem. 9 A historiografia registra um herdeiro de Duarte lemos, muito embora não se tem notícia de sua presença na capitania do Espírito Santo, nem tão pouco, de ter reclamado a sesmaria de seu falecido pai.

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batalha, ocorrida no rio Cricaré, deu origem ao poema de Anchieta, escrito em �560, em latim, com 3.054 versos, louvando as façanhas do governo contra a resistência dos nativos, enfim vencidos: “[...] As armas lançaram no inimigo extermínio medo-nho. O sangue correu em riacho que espumejavam: muitos tombaram passados ao fio da espada, muitos, de mãos e pescoços presos, carregaram cadeias. Domado as-sim, ficou o seu furor indomável. Cessou finalmente o terror, a altivez e ameaças dos bárbaros; e voltou aos lusos a paz suspirada [...]” (RIBEIRO, �992, p.�79).

Após o evento, os jesuítas iniciaram de forma sistemática a formação de al-deias no litoral da Capitania do Espírito Santo, com a mesma tríplice finalidade das demais aldeias da América Portuguesa: [...] a aprendizagem da catequese, de tra-balho estável pessoal ou de caráter público, e de solidariedade política na defesa contra piratas ou invasores estrangeiros” (LEITE, �945, Tomo VI, Cap. II, p.�43).

Assim, no Auto da Vila da Vitória, o padre José de Anchieta toma o partido assu-mindo discretamente pelos jesuítas em defesa de um governo castelhano, sempre fa-zendo gestões com a donatária para que se mantivesse no poder, mas sujeita ao poder central espanhol (BOSI, �996). No auto Anchieta utilizou recursos alegóricos, porta vozes de uma mensagem elaborada, que se remetiam a entes políticos, morais e reli-giosos, figuras emblemáticas que vão demonstrar com o juízo de valor previamente definido e incorporado a obra, a definição do processo almejada pelos espanhóis. Entre os personagens estão a Vila, o Governo, a Ingratidão, o Temor, o Amor a Deus, Lúcifer e Satanás, além de São Maurício e São Miguel.

O processo político encenado, conforme analisa Bosi (�996, p.77), “[...] é todo figurado e rebatido para uma cena em que se movem entes emblemáticos”, e neste contexto “[...] o espectador não vê nem conhece de perto o drama histórico real, em sequer os atos políticos dos grupos supostamente possuídos pela megera Ingratidão”, que avisa sobre os perigos de uma postura considerada traiçoeira. Na fala e nos traços externos dos personagens estão, a um só tempo, “[...] uma velha praxe cômico-retórica de mimar as atitudes socialmente reprováveis com falas e gestos grotescos que, por hipótese, agradariam a públicos iletrados” (p. 77).

Assim, no Auto da Vila da Vitória, estariam, “A moral e o circo enlaçados a serviço de um interesse político” (BOSI, �996, p.77).

A alegorização, para a consciência moderna, especialmente para a filiação humanista “[...] é o domínio do abstrato sobre o concreto da livre expressão do sujeito” (BOSI, �996, p.80). Anchieta, através da alegoria, então, se apropria do cotidiano dos moradores da Vila da Vitória, dos indígenas, de desejos e conflitos reduzindo-os a “[...] extremos de função exemplar: ou degradam-se ao nível bes-tial, ou sublimam-se pelo mecanismo ideológico, que consiste em assumi-los figu-radamente pelo ‘discurso sobre uma coisa para fazer entender outra’” (p.80).

Com grande poder de persuasão, o missionário Anchieta recorre a grandes esquemas alegóricos para propagar conteúdos doutrinários as massas. A alegoria tão presente no Auto da Vila da Vitória foi um exemplo singular de seu “[...] uso como ferramenta de aculturação [presente] desde a primeira hora [em nossa] vida

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espiritual, plantada na Contra-reforma que unia as pontas do último Medievo e do primeiro Barroco” (BOSI, �996, p.8�) (grifo nosso).

Logo, através da experiência do Auto da Vila da Vitória e de sua relação com o espaço pode-se conjeturar que a escolha de ocupação de um território, a edifica-ção de um templo - e nesse caso, a Igreja de São Tiago e seu adro, espaço onde teria sido encenado o auto – definia um mundo que se escolhia para habitar. A implantação dos jesuítas na sesmaria de Duarte Lemos assume naquele momento uma importância singular para a consolidação da Vila da Vitória na ilha.

A vila, então, poderia ter tido sua sede oficial na entrada da baía até o final pe-ríodo da União Ibérica, tendo em vista que Luísa Grimaldi retirou-se para Portugal após o reconhecimento dos direitos de um parente de Vasco Fernandes Coutinho Filho, Francisco de Aguiar Coutinho, ocorrido depois �605.

Entretanto, a presença dos jesuítas na ilha, tornou a povoação na ilha cada vez mais consolidada e defensável, bem como, o estabelecimento de novas ordens re-ligiosas no local, tal como os franciscanos (Séc. XVI) e carmelitas (Séc. XVII), aca-bou por determinar que a sede da capitania ali ficasse instalada definitivamente.

5. Considerações Finais

Conforme abordado, o território da América portuguesa foi não só ocupado e explorado, segundo a lógica do Mercantilismo vigente, mas, foi também re-significa-do segundo a lógica da experiência religiosa, que foi sendo criada segundo os prin-cípios do cristianismo. Um mundo novo foi assim revelado aos povos nativos, consi-derados pagãos, como mundo sagrado, livrando-os do caos em que viviam, transformando os espaços amorfos, sem referências, determinando-lhes um ponto de orientação: os templos.

Os templos religiosos possuíram na América Portuguesa, então, uma impor-tante função no imaginário social, definindo uma mentalidade simbólica que ela-boraram e reafirmaram nestes mesmos níveis, a exemplo da reprodução terrestre de um modelo transcendente, cópia de um arquétipo celeste e, por isto um lugar san-to, re-santificando continuamente o mundo.

O espaço da igreja era o locus da comunicação entre o mundo sagrado e o mundo profano, que traz em si o significado de uma solução de continuidade, ou seja, no limite dos dois espaços (sagrado e profano), está simbolicamente definido a distância destas duas formas de ser. O espaço sagrado possui, portanto, simbolis-mo com o Centro do Mundo, e a totalidade do mundo, espalhando-se, então, ao redor deste centro (ELIADE, �992).

Estes referenciais estiveram presentes na mentalidade da cristandade que se constituiu, materializando-se na organização espacial das igrejas e dos núcleos urbanos, tornando, assim, estes espaços pontos de referência, de orientação simbó-

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lica: Centro do Mundo, onde sua totalidade espalhava-se, então, ao redor deste centro.

A extensão desta mentalidade cristã estava apoiada no conjunto de crenças dogmáticas, teológicas e filosóficas e se reproduziu nas formas dos rituais, dos cul-tos, dos valores sociais, e na composição dos espaços arquitetônicos e urbanos.

Com o objetivo de um ministério mais urbano na América Portuguesa as or-dens religiosas preferiram as cidades ao isolamento; as igrejas estavam mais desti-nadas à conversão que ao misticismo: sermão e teatro são associados para a cate-quese (LUCAS, S.J., �997; LINS, 2002).

Na liturgia, conforme problematizou Lins (2002), prevalece a linguagem dos símbolos que são apreendidas pelo homem através de seus sentidos: ouvir, ver, experimentar. Na perspectiva da Igreja Católica, pondera o autor (p.4�): “[...] a parte do homem é sinergia com Deus”. Dentre os códigos fundamentais da ação litúrgica, tais como, o silêncio, a palavra e o sonoro-musical, destaca-se a impor-tância do código cinético, i.e, do movimento, com ênfase da dança expressa no espaço; e, o código icônico, que orienta a disposição dos objetos no espaço. A partir do século XII estes códigos tiveram uma função de valorizar a dimensão de-vocional e alegórica da liturgia. Houve, portanto, uma exteriorização da religiosi-dade cuja manifestação saiu dos templos e foi para a cidade, em festas e procissões, com missas, danças e representações.

Esta prática que rompeu os limites das cidades da Europa cristã chegou até as povoações de Além-mar, onde os festejos e o teatro, através da dramatização, e da exploração do pictórico, ajudaram a decidir, num cenário barroco, a formação de uma sociedade pia e cristã.

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