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ANDREA DE AGUIAR CANÇADO AZEVEDO IMAGEM, FEMININO E RESISTÊNCIA NA MODA Belo Horizonte UNIVERSIDADE FUMEC 2007

O espirito das roupas.pdf

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ANDREA DE AGUIAR CANÇADO AZEVEDO

IMAGEM, FEMININO E RESISTÊNCIA NA MODA

Belo Horizonte

UNIVERSIDADE FUMEC 2007

ANDREA DE AGUIAR CANÇADO AZEVEDO

IMAGEM, FEMININO E RESISTÊNCIA NA MODA

Monografia apresentada à UNIVERSIDADE FUMEC como requisito parcial para a obtenção do certificado de Especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Design de Moda.

Orientador: Professor Geraldo Majela Martins

Belo Horizonte

UNIVERSIDADE FUMEC 2007

A Deus, força maior; À minha mãe, pela inspiração. Ao meu marido, pelo apoio e carinho.

AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Geraldo Majela Martins, pelo apoio, dedicação,

disponibilidade, amizade e constante motivação, verdadeiro Mestre;

À instituição FUMEC e aos membros do corpo docente da Pós-Graduação

Lato Sensu em Design de Moda, que proporcionaram a realização do curso de Design

de Moda;

Ao SENAC/MG, pelo apoio no meu desenvolvimento como profissional da

área de Consultoria de Imagem;

Aos meus pais que me apoiaram nessa nova empreitada da minha vida

profissional;

Às minhas clientes, por elas e para elas;

Aos meus colegas de sala, novos e bons amigos;

E a todos que contribuíram direta ou indiretamente para essa pesquisa.

Diz-se que tudo pode ser lido num rosto; quanto a mim, aposto que tudo pode ser lido em roupas; mas se o rosto deve ser radiante, as roupas vêm à luz só

quando o corpo se move.

Sônia Rykiel

RESUMO

O presente trabalho visa analisar a imagem do feminino e sua resistência na

Consultoria de Estilo, com base na obra O Espírito das Roupas – A Moda no Século

XIX, de Gilda de Mello e Souza. Investigamos a imagem do feminino na citada obra,

descrevendo os principais capítulos do livro que retratam a questão da feminilidade na

moda do século XIX. Ao longo da análise do livro de Gilda de Mello e Souza, vê-se que

a moda feminina passou por diversas transformações sendo incorporado ao vestuário da

mulher peças masculinas. Tal transformação foi um reflexo na mudança do papel da

mulher na sociedade no período do século XIX para o século XX, uma vez que essa

deixou de ser uma pessoa sem expressão intelectual e passou a ocupar um espaço no

mundo profissional que antes era somente dos homens. Na segunda parte do trabalho,

verifica-se o conceito freudiano de resistência para a psicanálise, tendo em vista que,

conforme mencionado anteriormente, a mulher contemporânea apresenta sinais de

resistência ao feminino quando solicita os serviços e orientações de um profissional de

Consultoria de Estilo. Na terceira parte do trabalho são descritas as mudanças ocorridas

no guarda-roupa da mulher, com as peças masculinas que passaram a ser incorporadas

pelo público feminino e suas respectivas simbologias, procurando verificar na história

as razões para essas atitudes.

Palavras-chave: Imagem. Estilo. Consultoria. Resistência. Mulher. Feminino. Século

XIX.

ABSTRACT

The present research analyses the image of the feminine and its resistance at

the Style Consulting, based on the book O Espírito das Roupas – A Moda no Século

XIX, of Gilda de Mello e Souza. We investigated the image of the feminine at the

mentioned book, describing the most important chapters that show feminility at fashion

of the nineteenth century. Through Gilda de Mello e Souza’s book, we see that

women’s fashion was transformed many times and the male style was incorpored to the

female’s clothes. That transformation was a reflex of women’s part at society of 19th to

20th century, where they became someone that occupies a place at business’ world. At

the second part of the present research, we verify the Freud’s concept of resistance,

considering that the contemporary woman resists the feminine when she requires the

services of an image consulting. At the third part, we describe changes occurred at

women’s wardrobe, incorporating male’s clothes at women’s closet and its respective

signs, trying to verify the historical reasons for those attitudes.

Key-words: Image. Style. Consulting. Resistence. Woman. Feminine. Century XIX.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: Cena do filme Razão e Sensibilidade, baseado no romance de Jane

Austen. .................................................................................................... 14

FIGURA 2: Cena do filme E o Vento Levou............................................................... 15

FIGURA 3: Cena do filme Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. ......................... 15

FIGURA 4 : Cenas do filme Entre Dois Amores ......................................................... 26

FIGURA 5: Cenas do filme Entre Dois Amores ......................................................... 27

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 9

PRIMEIRA PARTE A IMAGEM DO FEMININO NA OBRA O ESPÍRITO

DAS ROUPAS – A MODA NO SÉCULO XIX, DE GILDA DE MELLO E

SOUZA........................................................................................................................... 12

SEGUNDA PARTE O CONCEITO DE RESISTÊNCIA AO FEMININO............ 20

TERCEIRA PARTE A RESISTÊNCIA AO FEMININO E SUA

FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA........................................................................... 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 32

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 34

INTRODUÇÃO

A Consultoria de Estilo é um trabalho que busca um visual que favoreça o

indivíduo, em termos de cores, formas e estilo do vestuário, mediante análise baseada em

informações sobre sua vida pessoal e profissional, tonalidade de pele, cabelo e olhos, medidas

corporais e faciais.

Grande parte das pessoas apresenta curiosidade por este tipo de serviço, tendo em

vista que o mundo gira em torno da primeira impressão que causamos.

Apesar do grande interesse pelo tema, vê-se uma resistência muito grande por

parte da mulher contemporânea em adotar as sugestões e orientações colocadas pelo

Consultor de Estilo, seja quanto às mudanças de corte de cabelo ou deixar de usar uma roupa

que tecnicamente não favorece seu biótipo ou até mesmo maquiar-se de acordo com seu estilo

de vida.

Em virtude desse problema, iremos ao longo do presente trabalho analisar a

imagem do feminino e sua resistência na Consultoria de Estilo, com base na obra O Espírito

das Roupas – A Moda no Século XIX, de Gilda de Mello e Souza.

Na primeira parte, investigaremos a imagem do feminino na citada obra,

descrevendo os principais capítulos do livro que retratam a questão da feminilidade na moda

do século XIX.

Veremos que, ao longo da análise do livro de Gilda de Mello e Souza, a moda

feminina passou por diversas transformações sendo incorporado ao vestuário da mulher peças

masculinas.

Tal transformação foi um reflexo na mudança do papel da mulher na sociedade no

período do século XIX para o século XX, uma vez que essa deixou de ser uma pessoa sem

expressão intelectual e passou a ocupar um espaço no mundo profissional que antes era

somente dos homens.

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Na segunda parte do trabalho, nosso objetivo é verificar o conceito freudiano de

resistência para a psicanálise, tendo em vista que, conforme mencionado anteriormente, a

mulher contemporânea apresenta sinais de resistência ao feminino quando solicita os serviços

e orientações de um profissional de Consultoria de Estilo.

Veremos que esse descobrir é um desafio temeroso para a mulher contemporânea.

Na terceira parte do trabalho, relataremos as mudanças ocorridas no guarda-roupa

da mulher, com as peças masculinas que passaram a ser incorporadas pelo público feminino e

suas respectivas simbologias, procurando verificar na história as razões para essas atitudes.

Roupas não são jamais uma frivolidade são sempre expressão das tensões sociais e econômicas fundamentais

de uma época.

James Laver, Dandies, apud Diane Crane

PRIMEIRA PARTE A IMAGEM DO FEMININO NA OBRA O ESPÍRITO

DAS ROUPAS – A MODA NO SÉCULO XIX, DE GILDA DE MELLO E

SOUZA

O Espírito das Roupas, de Gilda de Mello e Souza é uma obra que retrata a moda

e suas mudanças com base na análise de comportamento, cultura, gestos, atitudes, ou seja,

contextualizando a moda num momento de toda uma época e relacionado-a com a sociedade

desse mesmo período, qual seja, século XIX.

Iremos investigar a imagem do feminino na citada obra, destacando-se para o

nosso trabalho os seguintes capítulos: A moda como arte, O antagonismo, A Cultura

Feminina e O mito da Borralheira.

Dando início ao trabalho, Gilda de Mello e Souza traz, no capítulo um, a seguinte

definição de moda, in verbis:

A moda é um todo harmonioso e mais ou menos indissolúvel. Serve à estrutura social, acentuando a divisão em classe; reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como membro do grupo); exprime idéias e sentimentos, pois é uma linguagem que se traduz em termos artísticos. (SOUZA, 2005, p. 28)

Esteticamente, desde a Idade Média até o século XIX, a moda vai sendo

construída sobre alguns pilares, quais sejam: forma, cor e tecido. Não iremos adentrar

detalhadamente no estudo dos pilares citados, uma vez que não faz parte do nosso trabalho.

Contudo é importante verificarmos sua existência e significado para compreender o

desenvolvimento do vestuário e da imagem do feminino na obra de Gilda. Vejamos.

Quanto à forma, de acordo com Souza (2005), pode-se ter no vestuário três tipos

de eixo: o reto, o angular e o curvo.

Quanto à cor, tem-se que esta é de grande relevância, pois tem algumas utilidades

no vestuário que são retratadas por Gilda como sendo as seguintes, in verbis:

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1 – aumentar ou diminuir o peso aparente e o tamanho de uma região, as cores escuras tendendo a aumentar o primeiro e reduzir o segundo, as claras produzindo um efeito contrário.

2 – tornar uma região menos evidente através de tons escuros e superfícies opacas.

3 – afetar o tom emocional da vestimenta toda, pois que a cor tem um significado simbólico e podem atrair, repelir ou esposar nossos sentimentos;

4 – conduzir o olhar numa determinada direção por meio de ângulos coloridos, enfeites angulares, etc;

5 – produzir ilusão ótica, as linhas verticais aumentando a altura, as horizontais, a largura (SOUZA, 2005, p. 44).

Por fim, o tecido mostra uma íntima relação com a cor podendo afetar a

“luminosidade do colorido, avivar o tom pelo brilho ou reduzi-lo pela opacidade.” (SOUZA,

2005, p. 44), fazendo com que os tecidos se tornem nobres ou não e conseqüentemente

identifiquem uma classe social.

O importante quanto à descrição dos pilares acima é verificar que, a partir de um

determinado momento houve, no vestuário, uma separação entre homem e mulher, aonde cada

qual tinha com muita clareza a sua forma, cor e tipo de tecido que lhe cabia naquele contexto

social. Vale aqui citar, novamente, Souza:

O século XIX, trazendo as profissões liberais, a democracia, a emancipação das mulheres e a difusão dos esportes, completará as metamorfoses sociais que fizeram o traje hirto dos séculos anteriores, desabrochar na estrutura movediça de hoje em dia. (SOUZA, 2005, p. 50)

Vimos até então, uma pequena introdução quanto às mudanças sofridas pela moda

no século XIX. No capítulo denominado O Antagonismo, Gilda de Mello e Souza nos traz

uma descrição mais detalhada quanto à diferenciação do vestuário masculino e feminino,

retratada no trecho: “[...] todo um conjunto de diferenças acentua através da roupa as

características sexuais, modula de modo diferente a voz da mulher, produz um vagar maior

dos movimentos, um jeito de cabeça mais langue sobre os ombros.” (SOUZA, 2005, p. 55)

No século XIX, o antagonismo homem/mulher apresenta-se retratado de forma

acentuada no vestuário. Criaram-se duas formas distintas:

[...] a indumentária masculina evoluiu na sua trajetória de um “oblongo em pé”, sólido dos ombros aos tornozelos, ao segmento de uma estrutura assemelhando-se no desenho a um H. A feminina como “símbolo básico de sua construção um X.” Ademais, o espírito sedutor das roupas femininas repletas de rendas, fitas e brocados, praticamente desaparece da indumentária masculina que se caracteriza por

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um crescente despojamento, “do costume de caça do gentil-homem inglês para o ascetismo da roupa moderna. (SOUZA, 2005, p. 60)

É interessante ver as mudanças da vestimenta feminina ao longo do século XIX.

Quanto à forma, o vestido feminino primou-se pela simplicidade, abolindo os espartilhos,

anáguas, saltos altos, dando primazia ao vestido estilo camisola branca atada debaixo dos

seios. Nessa fase, privilegia-se o exibicionismo do corpo, com tecidos leves e transparentes e

com o uso de turbantes ou “poke-bonnet” ou chapéu de palha campesino.

FIGURA 1: Cena do filme Razão e Sensibilidade, baseado no romance de Jane Austen. Fonte: RAZÃO, 2007.

Por volta de 1820, de acordo com Souza, a cintura volta à sua posição normal, e a

figura se constrói por um sistema de triângulos, ou seja, chapéu enorme, mangas bufantes,

cintura marcada, saia ‘triangular’.

A partir de 1830, há uma mudança fundamental nos desenhos: mangas justas nos

ombros e largas nos pulsos, escondendo as mãos dentro de ordens superpostas de rendas e

babados: é a forma em pagoda. O traje é simples com inspiração vinda dos séculos XIV e

XVII e a figura se constrói em torno dos ângulos góticos: “a cintura abaixa, o corpete fica

pontudo, o decote desce em forma de V acentuando a estreiteza do busto, a saia apresenta

uma abertura na frente”. (SOUZA, 2005, p. 63)

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FIGURA 2: Cena do filme E o Vento Levou... Fonte: E O VENTO, 2007.

Outra mudança a partir de 1855: introduz-se a crinolina e os xales e mantilhas

escondem a cintura.

Em 1859, com o aperfeiçoamento das máquinas de costura, criadas em 1830, o

vestuário começa a ficar mais rico em detalhes. Em 1884, há um interesse em destacar as

costas: penteados em cascatas, presença da cauda nos vestidos, anquinha é atirada para cima e

a frente do vestido se torna quase rígida.

FIGURA 3: Cena do filme Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. Fonte: ORGULHO, 2007.

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O final do século XIX, a forma do vestuário apresenta uma variação tubular do

corpo feminino, transformando a mulher num milagre de curvas.

As cores acompanham a complexidade das formas, passando dos tons pálidos para

os “belos tecidos floridos e o esquema cromático se apura, as cores vivas sendo mais

apropriadas aos trajes de jantar, e as claras – rosa, limão, azul – ao baile e à Ópera”. (SOUZA,

2005, p. 68)

A roupa masculina é o contrário da feminina, apresentando-se em tons muito

discretos, principalmente após 1840 que traz a moda do preto para os trajes masculinos.

Por fim, o tecido apresentou-se também como uma forma de distinguir homens e

mulheres. Isso porque, até o século XIX, segundo relata Gilda de Mello, tal distinção inexistia

no que tange aos tecidos.

Até 1850, as fazendas vaporosas eram permitidas somente às mulheres, por

exemplo, a batista, musselina, tarlatana, organdi. Os tecidos pesados como veludo, seda

adamascada, brocados, tafetás cambiantes, gorgorão, cetim são característicos da segunda

metade do século XIX. Nos vestidos de rua, mais simples, predominavam o uso de linho-e-

seda e da lã-e-seda.

Já aos homens fica restrito o uso do linho e da lã, bem diferente do luxo outorgado

às mulheres:

Mais do que em épocas anteriores, ela afastou o grupo masculino do feminino, conferindo a cada um uma forma diferente, um conjunto diverso de tecidos e de cores, restrito para o homem, abundante para a mulher, exilando o primeiro numa existência sombria onde a beleza está ausente, enquanto afoga a segunda em fofos e laçarotes. [...] Para a mulher a beleza, para o homem o despojamento completo. (SOUZA, 2005, p. 72)

É interessante salientar que a moda masculina ficou, a partir do século XIX, em

segundo plano, pois outros fatores passaram a destacar o sexo masculino na sociedade, tais

como a inteligência, dignidade, talento e competência.

“A beleza passou a ser privativa da mulher”, havendo, no século XIX, uma

separação clara entre dois mundos: o feminino e o masculino. (SOUZA, 2005, p. 81)

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Contudo, tais mundos se completam, conforme Gilda de Mello expõe:

O encanto feminino e a determinação masculina não se excluem mutuamente: na verdade, são parcelas que se somam na contabilidade astuciosa da ascensão. A graça de trazer o vestido, de exibir no baile e os braços e ombros, fazendo-os melhores “por meio de atitudes e gestos escolhidos”, é simétrico ao talento e ambição, exigidos pela carreira. (SOUZA, 2005, p. 81)

Na realidade, a mulher torna-se uma espécie de troféu ou adorno para os homens

ostentarem seu sucesso profissional. Essa “imposição” da época delimita a figura feminina do

século XIX, conforme verificamos no capítulo A Cultura Feminina.

Com a Revolução Industrial, o aparecimento das classes burguesas, o

desenvolvimento dos centros urbanos e a produção em maior escala de produtos como roupas,

alimentos e tecidos, a mulher burguesa viu-se num quadro de ociosidade, com funções

domésticas reduzidas devido ao desenvolvimento.

A sociedade passou a exigir dessas mulheres o papel de esposa. Então, o objetivo

delas era se preparar para um bom casamento. Caso contrário, a mulher “via seu prestígio na

sociedade diminuído, dedicando-se ao trabalho remunerado descia imediatamente de classe”.

(SOUZA, 2005)

Como conseqüência, a mulher desenvolveu a arte da sedução em gestos e atitudes

que transpareciam no vestuário para a conquista do seu alvo maior. Mesmo após se casar, a

mulher via abandonada a si mesma, ainda ociosa, passando a se interessar ainda mais pela

moda.

Aos homens, conforme Gilda de Mello:

[...] a sociedade permitia a realização integral da individualidade na profissão, nas ciências ou nas artes, a ela negava interesses de outro tipo além dos ligados à casa, aos filhos e a sua pessoa. Era como se não tivesse cérebro, como se o exercício da inteligência torna-se duros os seus traços e lhe empanasse o brilho da virtude. (SOUZA, 2005, p. 99)

Ressalte-se que no capítulo O Mito da Borralheira fica clara a importância das

festas como um costume da sociedade do século XIX. A moda feminina apresenta uma função

importante nesse contexto de celebração, pois era o momento da ruptura da rigidez dos

costumes arremetendo seus participantes a um mundo de fantasia.

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Aqui, a moda é uma das mais eficientes ferramentas de exibicionismo das festas e

as mulheres utilizavam-na em conjunto com a sedução de gestos e não-gestos, de forma a

conquistar seus objetivos: um marido ou, para aquelas que já o possuem, um status maior na

sociedade, ostentando o luxo proporcionado por seus homens bem sucedidos.

Até então, vimos que, na primeira metade do século XIX, a moda era uma das

únicas atividades permitidas ao mundo da mulher e através da moda esta buscava uma

identidade, que aparecia num vestuário complexo e rebuscado.

Entretanto, com o interesse feminino pelas profissões, a partir da segunda metade

do século XIX, cria-se um impasse para a mulher, pois, in verbis:

[...] a carreira, privativa do homem e compreendida, como vimos, em termos de austeridade do traje, obrigava-a a desinteressar-se do adorno e a renunciar ao comportamento narcísico, [...] lançando-se no áspero mundo dos homens, a mulher viu-se dilacerada entre dois pólos, vivendo simultaneamente em dois mundos, com duas ordens diversas de valores. Para viver dentro da profissão adaptou-se à mentalidade masculina da eficiência e do despojamento, copiando os hábitos do grupo dominante, a sua maneira de vestir, desgostando-se com tudo aquilo que, por ser característico do seu sexo, surgia como símbolo de inferioridade: o brilho dos vestidos, a graça dos movimentos, o ondulado do corpo. (SOUZA, 2005, p. 106)

Verificando o contexto cultural retratado em O Espírito das Roupas, vê-se a

evolução do feminino na sociedade que foi, ao longo do século XIX, representado por uma

mulher inexpressiva intelectualmente, porém detentora de um poder de sedução através da

moda, aonde se firmava como indivíduo.

A busca de realização profissional, trazendo a mulher para o mundo do trabalho,

refletiu na mudança da sua imagem visual que passou a se adequar ao masculino para ser

aceita e ter credibilidade na carreira.

A partir dessa mudança de comportamento da mulher concebida no final do

século XIX, iremos analisar no próximo capítulo o conceito de resistência ao feminino.

Algumas mulheres, felizmente poucas, relegam a faceirice a um plano secundário, explicando esse desinteresse como

“superioridade intelectual”. Nada mais falso.

Clarice Lispector, Correio Feminino

SEGUNDA PARTE O CONCEITO DE RESISTÊNCIA AO FEMININO

No primeiro capítulo relatamos o feminino e sua evolução no século XIX, de

acordo com a abordagem da obra de Gilda de Mello e Souza, O Espírito das Roupas. A partir

dessa introdução, iremos verificar nesse segundo capítulo a resistência, tendo em vista seu

conceito a partir da teoria freudiana, para pensarmos o conteúdo de resistência ao feminino na

sociedade contemporânea.

Para os psicanalistas franceses Jean Laplanche e Jean Bertrand Pontális, “dá-se o

nome de resistência a tudo o que, nos atos e palavras do analisando, se opõe ao acesso deste

ao seu inconsciente”. (LAPLANCHE; PONTÁLIS, 2001, p. 595)

O mesmo autor coloca ainda o posicionamento de Freud que “falou de resistência

à psicanálise para designar uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que

elas revelavam os desejos inconscientes e infligiam ao homem um vexame psicológico”.

(LAPLANCHE; PONTÁLIS, 2001, p. 596)

A abordagem da resistência ao feminino, no presente trabalho, partiu da

verificação desse fenômeno no serviço de Consultoria de Estilo que é, em síntese, a

construção de uma imagem visual baseada na essência do indivíduo.

Na Consultoria de Estilo acredita-se na possibilidade de uma pessoa ser

tecnicamente analisada com base em informações sobre sua vida pessoal e profissional,

tonalidade de pele, cabelo e olhos, medidas corporais e faciais, para, a partir daí, buscar um

visual que a favoreça, tanto em termos de cores, formas e estilo.

Grande parte das pessoas apresenta curiosidade por este tipo de serviço, tendo em

vista que o mundo gira em torno da primeira impressão que causamos.

Apesar do grande interesse pelo tema, vê-se uma resistência muito grande por

parte das mulheres em adotar as sugestões e orientações colocadas pelo Consultor de

Imagem/Estilo, seja quanto às mudanças de corte de cabelo ou deixar de usar uma roupa que

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tecnicamente não favorece seu biótipo ou até mesmo maquiar-se de acordo com seu estilo de

vida.

Posicionamentos como “e para que se arrumar agora? [...] meus filhos são minha

vida; não sobra tempo para mim [...] detesto usar saias e vestidos [...] ora, eu já sou casada há

tantos anos [...] eu realmente não ligo para roupas [...]” (CONSTANTINE, 2007, p. 5),

demonstram a resistência apresentada por mulheres no momento de trabalharem sua imagem.

De acordo com Laplanche e Pontális (2001, p. 596) em sua obra Vocabulário de

Psicanálise, o conceito de resistência exerceu um papel decisivo na psicanálise e foi

introduzido cedo por Freud, tendo sido descoberta como obstáculo à elucidação dos sintomas

e à progressão do tratamento.

Freud procurou vencer tais obstáculos pela “insistência ou pela persuasão, antes

de reconhecer um meio de acesso ao recalcado e ao segredo da neurose”. (LAPLANCHE;

PONTÁLIS, 2001, p. 596)

Sabe-se que um dos elementos da resistência é sua ligação com a função defensiva

do indivíduo de desvendar seu inconsciente, uma vez que para o mesmo, a própria cura

representa um novo perigo.

Por analogia, podemos entender que a mulher, ao mesmo tempo em que tem

interesse e iniciativa em procurar um auxílio profissional quanto à orientação de um novo

estilo, tem receio em adotar essa imagem desejada como se essa “nova mulher” representasse

um perigo para ela mesma. Contudo, essa “nova” imagem nada mais é do que sua própria

essência feminina. Isso nos leva a pensar que, para a mulher, o descobrir-se é um perigo e o

vestir-se é uma maneira disso ocorrer.

A roupa é uma forma de desvendar a mulher. Maria José de Souza Coelho, no seu

livro Moda e Sexualidade feminina, revela a profundidade do vestir-se e sua relação com o

feminino nas seguintes palavras:

[...] a roupa nos fala de quem a veste. O vestir feminino fala de classe social, financeira, cultural; faixa etária, tecnologia; nos lembra sedução, narcisismo, castração, bissexualidade, erotismo, cores, foscos, brilhos e tempo...um pensar múltiplo sobre a mulher múltipla que nos apresenta Assoun: mãe, amante, feiticeira,

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fatal, virgem, inviolável, guerreira, atriz, assim como múltiplas serão as indagações sobre o conhecimento do “continente negro”. (COELHO, 2003, p. 27)

Diante dos vários papéis da mulher, existem aquelas que copiam a moda,

colocando-se no lugar da passividade, ou seja, obedecendo aos ditames e lançamentos como

uma criança que copia imitando. Essas não possuem o auto-conhecimento do seu corpo, bem

como não tem uma identidade própria. Em contrapartida, existem as “mulheres que elegem as

roupas que usam” (COELHO, 2003, p. 29), participando ativamente do ato de vestir. Vale

aqui citar a autora:

Há mulheres que elegem a roupa que usam. Escolher, esta seria uma forma ativa de se vestir; dar à criação do estilista a intenção que faltava; personalizá-la, singularizá-la, fazer emergir a “pequena diferença”. Eleger envolve querer, desejar, discriminar, ter gosto próprio, personalidade própria, identidade. Vestir-se elegendo, seria então ser a roupa feminina o objeto do desejo da mulher desejante. (COELHO, 2003, p. 29)

Essa mulher que elege, de acordo com a teoria de Maria José de Souza Coelho, é

sujeito feminino, pois ela se posiciona diante de algo, interferindo na obra do estilista e

conseqüentemente trazendo uma singularidade àquela roupa que marca seu estilo pessoal, ou

seja, sua identidade.

A Consultoria de Imagem tem como objetivo auxiliar a mulher nessa busca de si

mesma, tornando-a sujeito feminino com sua identidade pessoal refletida no vestuário, cabelo

e maquiagem.

Contudo, como falamos anteriormente, muitas resistem a esse encontro pessoal,

apesar de o desejarem. As razões dessa resistência serão estudadas na terceira parte do

presente trabalho.

Antes, porém, de passarmos para tal análise, vale aqui demonstrar como exemplo

dessa resistência, o papel da renomada escritora Clarice Lispector como jornalista feminina,

em 1952.

Convidada por Rubem Braga para escrever uma página feminina cujo conteúdo

era voltado para dar conselhos utilitários e ensinar a refletir sobre cenas domésticas e do

universo feminino, Clarice Lispector aceita a proposta, “mas prefere se proteger sob um

pseudônimo”. (LISPECTOR, 2006, p. 7)

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O receio de Clarice, uma intelectual da época, “era comprometer seu nome

mediante a produção de textos menos elaborados para jornais e afetar sua imagem de esposa

de diplomata”. (LISPECTOR, 2006, p. 7) Além disso, temia uma reação negativa por parte de

seus leitores. Passou a adotar o codinome Tereza Quadros e usar os textos da imprensa

feminina e suas entrelinhas para iniciar a leitora em Ser Mulher. (LISPECTOR, 2006, p. 8)

Clarice Lispector escreveu 450 colunas femininas, uma forma de se manter

financeiramente, depois de um divórcio e dois filhos pequenos, procurando ensinar seu

público a desejar e praticar a feminilidade, mas sempre sob a sombra de uma outra mulher.

Interessante ver que ela mesma não se permitia ser conhecida como uma mulher que escrevia

sobre assuntos femininos, considerados futilidades pela sociedade, mas somente como a

renomada intelectual.

Vê-se aí um exemplo da resistência ao feminino retratada em nossa sociedade por

volta da década de 60, mas que reflete ainda em nossos tempos conforme veremos na terceira

parte deste trabalho.

As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental.

Vinícius de Moraes

TERCEIRA PARTE A RESISTÊNCIA AO FEMININO E SUA

FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA

Ao longo do presente trabalho verificou-se o conceito de feminino no século XIX

abordado por Gilda de Mello e Souza e o conceito de resistência, tendo em vista sua presença

na Consultoria de Estilo.

Iremos buscar nesse capítulo as razões históricas e culturais dessa resistência ao

feminino apresentada pela mulher contemporânea.

Antes de adentrarmos no tema em questão, ressalte-se a frase de nosso poeta

Vinicius de Morais descrita acima, qual seja, As feias que me desculpem, mas beleza é

fundamental. Apesar de polêmico, o apelo do nosso escritor conhecido pelas suas paixões

torrenciais e profunda admiração pela imagem feminina da mulher brasileira, retrata a

necessidade da busca e apropriação da feminilidade por parte da mulher de hoje.

Contudo, atualmente, algumas mulheres apresentam essa resistência ao feminino e

buscamos aqui os motivos que justificam esse posicionamento.

Vimos no Espírito das Roupas o vestuário em seu papel de comunicação

simbólica no século XIX, transmitindo informações tanto sobre o papel e a posição social

daqueles que a vestiam como sua natureza pessoal. Tal posicionamento é retratado no capítulo

Vestuário Feminino como resistência não-verbal, constante na obra A Moda e seu Papel

Social, de Diana Crane, in verbis:

Mulheres de classe média e alta dedicavam tempo e quantias enormes para criar guarda-roupas sofisticados, com o objetivo de se apresentar de forma adequada aos membros de seu grupo social. Na falta de outras formas de poder, elas usavam símbolos não-verbais como meio de se expressar. As roupas da moda, apoiadas por outras instituições sociais, ilustravam a doutrina das esferas separadas e favoreciam os papéis submissos e passivos que as mulheres deveriam desempenhar. (CRANE, 2006, p. 199)

Ao longo do século XIX vê-se claramente na obra de Gilda de Mello e Souza,

uma transformação do comportamento da mulher com sua inserção no mercado de trabalho,

refletindo no seu modo de vestir.

26

Entretanto, ao invés da mulher criar um estilo próprio e adequado para seu novo

dia-a-dia, ela incorporou roupas masculinas no seu vestuário como gravatas, chapéus, paletós,

coletes e camisa, ora usados isoladamente, ora combinados entre si.

FIGURA 4 : Cenas do filme Entre Dois Amores Fonte: ENTRE, 2007.

Ao estudar essa mudança no vestuário feminino (incorporação de peças

masculinas) nos deparamos com uma realidade sócio-cultural muito cruel em relação à

mulher do século XIX.

Um exemplo disso foi a privação da participação feminina das mulheres de

praticamente todos os direitos civis na época da Revolução Francesa. O Código Civil de 1804,

promulgado sob o regime de Napoleão, fortaleceu os direitos dos homens, excluindo,

contudo, o das mulheres que não possuíam nenhum direito legal sobre propriedades ou filhos.

O direito ao voto feminino foi uma luta que se iniciou ainda no século XIX. Em

1870, foi aprovada a emenda constitucional nº. 15 nos Estados Unidos, que garantiu o direito

ao voto aos homens de qualquer raça, cor e condição social. O território do Wyoming, no ano

de 1869, foi o pioneiro, quando pela primeira vez, a mulher obteve o direito ao voto.

Posteriormente mais três Estados do Oeste também seguiriam o exemplo e aprovariam o voto

feminino.

A Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto às

mulheres no ano de 1893, as quais tinham direitos políticos no âmbito municipal desde 1886.

A Austrália concedeu o voto em 1902, com algumas restrições. Na Europa o primeiro país em

que as mulheres obtiveram o direito ao voto foi a Finlândia em 1906.

No Brasil, o direito feminino ao voto foi concedido somente em 1932.

27

De acordo com o registro de Diana Crane, em sua obra A Moda e seu Papel

Social,

[...] os mais importantes intelectuais franceses do período, como P.J. Proudhon, Jules Michelet e Auguste Comte, endossavam fielmente a crença de que as mulheres eram inferiores aos homens (física, moral e intelectualmente), e sua aptidão voltava apenas para o casamento. (CRANE, 2006, p. 220)

Esse pensamento absurdo não fazia o menor sentido com o cotidiano, uma vez

que as mulheres foram ocupando espaço no mundo profissional, passando a atuar no lugar dos

homens quando esses foram para as guerras, passando a atuar não somente como governantas,

acompanhantes ou costureiras, mas também como professoras, enfermeiras, funcionárias

públicas, vendedoras, funcionárias de escritório, advogadas e médicas.

Com o exercício dessas novas atividades, a adoção de peças masculinas

expressava uma ideologia na época, conforme mencionaremos aqui. O uso da gravata, por

exemplo, constituía uma expressão de independência. De acordo com Madeleine Ginsburg, a

gravata seria a peça central do “uniforme feminista” da década de 1890. (CRANE, 2006, p.

206)

O chapéu de palha duro, antes utilizado somente pelos homens e depois adotado

pelas mulheres combinado com gravata e um paletó era expressão de independência das

jovens que tinham novos empregos. Para CRANE: “O paletó combinado com saia para

compor um conjunto foi chamado de “símbolo da mulher emancipada no século XIX”.

(CRANE, 2006, p. 209)

FIGURA 5: Cenas do filme Entre Dois Amores Fonte: ENTRE, 2007.

28

O elemento final do traje da mulher independente surgiu nos Estados Unidos, em

1870, na forma de chemisier, uma camisa masculina adaptada, com colarinho duro ou virado,

muitas vezes ornamentada com gravata.

Apesar de presentes no vestuário feminino, tais peças de roupas ainda se

apresentavam de forma tímida na sociedade e as mulheres os usavam de forma seletiva.

Contudo, a guerra civil dos Estados Unidos impulsionou a criação do look

masculino com paletó escuro, saia mais curta e blusa simples, cujo uso foi mantido pelas

décadas seguintes.

Vê-se nessa época, ou seja, 1870, o surgimento do tailleur ou conjunto sob

medida, que era feito por alfaiates e não por costureiras. Era mais usado por mulheres de

classe média, operária ou as que viviam no campo. O fato é que:

[...] a freqüência com que as mulheres incorporaram peças do vestuário masculino, o fato de os itens adotados não perderem sua conotação masculina e a forma como esses usos de vestuário transcendiam os limites de classe social sugerem que essas peças constituíam uma afirmação simbólica do status da mulher, e que a controvérsia a esse respeito prosseguiu violentamente ao longo do século XIX. (CRANE, 2006, p. 217)

Ou seja, existia uma mensagem por trás da apropriação de peças do vestuário

masculino pela mulher, no sentido de afirmação de sua posição como ser inteligível e não

como um simples adorno como era considerada até então.

Essa necessidade de trabalhar fora também provocou uma mudança na

mentalidade das próprias mulheres que passaram a ver e acreditar no seu potencial, além de

expandir seus horizontes que antes eram limitados ao trabalho do lar.

Dessa maneira, surge uma nova mulher na sociedade, independente e forte, “de

grande visibilidade na educação, nos esportes, em reformas e na força de trabalho”. (CRANE,

2006, p. 226)

O fato de ela ocupar novas funções na sociedade e desempenhar novos papéis

quebrando a tradição vitoriana precisava ser reforçado não somente através de atos, mas

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também através de símbolos, no caso, a roupa masculina que traduzia esse comportamento

como descrevemos acima.

O novo papel social da mulher ainda é muito recente, uma vez que seu direito ao

voto no Brasil, por exemplo, tem somente 65 anos! Apesar das conquistas femininas como o

voto, direitos civis e o fato das mulheres ocuparem um espaço real no mercado de trabalho,

tem-se que (i) o salário continua sendo menor do que o dos homens, (ii) o percentual de

mulheres no comando ainda é baixo e (iii) sua jornada de trabalho é maior do que a do

público masculino, pois ela continua culturalmente responsável pelos afazeres do lar, tendo

assim a tripla jornada de trabalho, conforme mostra pesquisa do IBGE intitulada Entre as

mulheres, 90,6% realizam tarefas domésticas:

Segundo o estudo do IBGE, 109,2 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade em todo Brasil desenvolvem algum tipo de afazeres domésticos. Deste total, 71,5 milhões são mulheres, ou 65,4%. Entretanto, em relação ao total da população feminina, 90,6% das mulheres se ocupam das tarefas do lar. Esta proporção é de 51,1% para os homens. Na região Sul, 92,4% delas e 62,0% deles estão envolvidos nestas atividades, as maiores médias nacionais. Na comparação geral, o grupo etário de maior participação doméstica está concentrado entre 50 e 59 anos, com 76,3% do total de pessoas gastando, em média, 24,3 horas por semana. É seguido por pessoas que têm entre 25 e 49 anos (75,1%), com gasto de 21,5 horas. Entretanto, em termos absolutos, é esta população de 25 a 49 anos que mais realiza afazeres domésticos com 49,4 milhões de pessoas (32,4 milhões de mulheres). Na análise masculina, são os homens de 60 ou mais anos de idade que dedicam maior parte do seu tempo a atividades domésticas (13 horas semanais). A aposentadoria permite aos homens mais dedicação a estas tarefas em casa. É no grupo feminino, com idade entre 50 e 59 anos, que se verifica a maior jornada, 31,0 horas semanais. A mulher de 60 anos ou mais, dispensa, em média, 28,7 horas para as mesmas tarefas. As meninas, desde cedo, são orientadas para o trabalho doméstico, cerca de 83% delas realizam tais tarefas, enquanto que, entre os meninos, a proporção é de 47,4%. O tempo despendido diferencia-se significativamente: eles 8,2 e elas, 14,3 horas semanais. Observa-se, também, que a jornada de trabalho remunerado semanal média da população de 10 a 17 anos é de 27,8 horas semanais para os meninos e 26,1 para as meninas. São valores próximos, de onde se conclui que, desde cedo se observa uma nítida divisão sexual das tarefas domésticas nos lares. (IBGE, 2007)

Sem dúvida alguma que as conquistas das mulheres foram muitas e importantes.

Contudo, à medida que foi lutando e ganhando seu espaço na sociedade como um ser

pensante, vimos que ela não criou um novo vestuário para o exercício de seu novo papel, mas

se apropriou do vestuário masculino, pois o homem era o seu referencial e o seu concorrente.

Ainda hoje, as conquistas femininas continuam em andamento.

E, diante da evolução histórica do papel da mulher na sociedade do século XIX

podemos entender o motivo da resistência ao feminino retratada no capítulo 2 do presente

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trabalho. Talvez a mulher, ao buscar uma nova imagem através da Consultoria de Estilo, sinta

receio de se tornar feminina e de conseqüentemente voltar à posição de inferioridade à qual

era submetida. Uma outra possibilidade seja também o medo do desconhecido, uma vez que a

própria mulher não sabe a dimensão do poder que a conjugação da feminilidade através do

vestuário com seu “novo” papel pode ter na sociedade e o seu impacto no seu dia-a-dia.

Estilo é a diferença entre aquele que dá vida às palavras, aos trajes, aos quadros, e aquele que cria as palavras,

trajes e quadros sem dar-lhes vida.

Sonia Rykiel

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho em questão teve como tema a imagem do feminino e sua resistência na

Consultoria de Estilo, com base na obra O Espírito das Roupas – A Moda no Século XIX, de

Gilda de Mello e Souza.

Na primeira parte, procuramos investigar a imagem do feminino na citada obra,

descrevendo os principais capítulos do livro que retratam a questão da feminilidade na moda

do século XIX.

Vimos que, ao longo da análise do livro de Gilda de Mello e Souza, a moda

feminina passou por diversas transformações sendo incorporadas ao vestuário da mulher

peças masculinas.

Tal transformação foi um reflexo na mudança do papel da mulher na sociedade no

período do século XIX para o século XX, uma vez que essa deixou de ser uma pessoa sem

expressão intelectual e passou a ocupar um espaço no mundo profissional que antes era

somente dos homens.

Na segunda parte do trabalho, procuramos verificar o conceito freudiano de

resistência para a psicanálise, tendo em vista que, a mulher contemporânea apresenta sinais de

resistência ao feminino quando solicita os serviços e orientações de um profissional de

Consultoria de Estilo.

Ao apresentar a demanda quanto à Consultoria de Estilo, a mulher, apesar de

querer se descobrir e desvendar seu próprio eu mediante o vestuário, ela recua no momento de

se confrontar e colocar-se à mostra perante tudo e todos, inclusive ela mesma.

Vimos que a roupa irá refletir a identidade da mulher que a veste e muitas vezes

essa identidade encontra-se perdida. A mulher, ao buscar o autoconhecimento, irá deixar de

ser uma pessoa passiva diante da moda para tornar-se ativa, ou seja, aquele que elege e

conseqüentemente exerce seu papel pleno de feminilidade.

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Contudo, esse descobrir é um desafio temeroso para a mulher contemporânea,

conforme as razões históricas e culturais apresentadas na terceira parte do trabalho.

Nesse item, relatamos as mudanças ocorridas no guarda-roupa da mulher, com as

peças masculinas que passaram a ser incorporadas pelo público feminino e suas respectivas

simbologias.

Ademais, procuramos verificar na história as razões para essas atitudes e vimos

que a incorporação de peças masculinas no vestuário feminino e a conseqüente resistência

apresentada pela mulher contemporânea em encontrar sua feminilidade através do estilo, foi

uma maneira que a mulher encontrou de se colocar e ser aceita no mercado de trabalho como

profissional e independente, levando-nos a entender que culturalmente, a mulher continua

presa ao conceito de feminino do século XIX, aonde a mulher que se vestia como tal nada

mais era do que um adorno ou um troféu de exibição de seu marido.

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