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1 O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO ................................................ 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 2 Prefácio ................................................................................................. 3 CAPITULO I ............................................................................................ 7 Física e Metafisica.................................................................................... 7 CAPITULO II ......................................................................................... 19 0 espaço e o tempo do Espírito............................................................... 19 CAPITULO III ....................................................................................... 25 As linguagens de descrição na Física .................................................. 25 CAPITULO IV ....................................................................................... 35 0 espaço-tempo complexo .................................................................... 35 CAPITULO V ......................................................................................... 44 0 elétron portador do Espírito ............................................................. 44 CAPITULO VI ....................................................................................... 56 Uma evolução neoteilhardiana ............................................................ 56 CAPITULO VII ...................................................................................... 62 Observação do Espírito dentro da Matéria ........................................ 62 CAPITULO VIII .................................................................................... 82 As ramificações eternas de nosso Espírito .......................................... 82 CAPITULO IX ....................................................................................... 88 Mecanismos do Espírito e parapsicologia .......................................... 88 CAPITULO X ......................................................................................... 97 0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física .................... 97 CAPITULO XI ..................................................................................... 110 Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação ............................................ 110 CAPITULO X11 ................................................................................... 120 Reivindicação para uma o evolução copernicana ................................. 120 CAPITULO X111 ................................................................................. 125 Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria ........................... 126 CAPITULO XIV................................................................................... 140 Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito ........................... 140 CAPITULO XV .................................................................................... 150 0 Matricialismo .................................................................................... 150 CAPITULO XVI................................................................................... 163 0 Futuro desconhecido ......................................................................... 163 Fim ..................................................................................................... 172 O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO

O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO INTRODUÇÃO … Gnose foi, no primeiro século de nossa era, um sistema filosófico ... quando o Homem afirma "eu penso", enfatizam eles, ele deveria

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1

O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO ................................................ 1

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 2

Prefácio ................................................................................................. 3

CAPITULO I ............................................................................................ 7

Física e Metafisica.................................................................................... 7

CAPITULO II ......................................................................................... 19

0 espaço e o tempo do Espírito ............................................................... 19

CAPITULO III ....................................................................................... 25

As linguagens de descrição na Física .................................................. 25

CAPITULO IV ....................................................................................... 35

0 espaço-tempo complexo .................................................................... 35

CAPITULO V ......................................................................................... 44

0 elétron portador do Espírito ............................................................. 44

CAPITULO VI ....................................................................................... 56

Uma evolução neoteilhardiana ............................................................ 56

CAPITULO VII ...................................................................................... 62

Observação do Espírito dentro da Matéria ........................................ 62

CAPITULO VIII .................................................................................... 82

As ramificações eternas de nosso Espírito .......................................... 82

CAPITULO IX ....................................................................................... 88

Mecanismos do Espírito e parapsicologia .......................................... 88

CAPITULO X ......................................................................................... 97

0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física .................... 97

CAPITULO XI ..................................................................................... 110

Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação ............................................ 110

CAPITULO X11 ................................................................................... 120

Reivindicação para uma o evolução copernicana ................................. 120

CAPITULO X111 ................................................................................. 125

Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria ........................... 126

CAPITULO XIV ................................................................................... 140

Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito ........................... 140

CAPITULO XV .................................................................................... 150

0 Matricialismo .................................................................................... 150

CAPITULO XVI ................................................................................... 163

0 Futuro desconhecido ......................................................................... 163

Fim ..................................................................................................... 172

O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO

2

JEAN E. CHARON

Esta obra é dedicada a todas as pessoas que refletem sobre o mistério

do nosso corpo e de nossa consciência e, mais amplamente, sobre as

relações do Espírito com a Matéria, na escala do Universo inteiro.

Pela primeira vez, encontra-se sustentadas, de maneira científica, as

numerosas manifestações do Espírito como os fenômenos

parapsicológicos ou as intervenções do inconsciente.

“O Espírito, este desconhecido” é um convite para se descobrir a

essência do Homem e do Universo.

INTRODUÇÃO

"Devemos libertar o homem do cosmo criado pelo gênio dos físicos e

dos astrônomos, cosmo esse no qual está mergulhado desde a Renascença.

Apesar de sua beleza e de seu tamanho, o mundo da matéria inerte é muito

estreito para ele. Da mesma forma, o nosso meio econômico e social não é

feito à nossa medida. Não podemos aderir ao dogma de sua realidade

exclusiva. Sabemos que não estamos inteiramente confinados, que nos

estendemos em outras dimensões além do continuum físico... O

espírito do homem se estende, além do espaço e do tempo, em um outro

mundo. E deste mundo, que é ele mesmo, ele pode, se tiver vontade,

percorrer os ciclos infinitos. O ciclo da Beleza, que contemplam os sábios,

os artistas e os poetas. 0 ciclo do Amor, inspirador do sacrifício, do

heroísmo, da renúncia. 0 ciclo da Graça, suprema recompensa daqueles

que buscaram com paixão o princípio de todas as coisas ... É necessário

nos levantar e nos colocar em marcha. Nos libertar da tecnologia cega.

Realizar, em sua complexidade e em sua riqueza, todas as nossas

potencialidades“.

Alexis Carrel

"Chegou o momento de nos darmos conta de que uma interpretação,

mesmo positivista, do Uni- verso deve, para ser satisfatória, cobrir o

interior e o exterior das coisas - o Espírito assim como a Matéria. A

3

verdadeira Física é a que conseguirá, qualquer dia, integrar o Homem total

em uma representação coerente do mundo."

Pierre Teilhard de Chardin

Prefácio

Sou o que chamam de um físico teórico; isto quer dizer que me

interesso pela descrição das leis que governam a natureza. Minhas

pesquisas estão dirigidas às teorias ditas "unitárias", que são as teorias que

se esforçam para unificar as diferentes leis observadas, demonstrando que

elas formam casos particulares de uma lei mais geral, válida para todos os

fenômenos, e que designaremos, em razão do nome, de lei unitária.

Esse tipo de pesquisa leva a analisar o menor tanto como o maior, as

partículas ditas "elementares" tanto como o cosmo em seu conjunto, pois,

se tal lei unitária existe, ela deve ser válida, isto é verificável, em todas as

escalas dimensionais.

Quando olho meu trabalho e minhas publicações desses últimos vinte

anos, não tenho certeza, entretanto, de ter sido um físico, ou em todo caso,

um físico no sentido que se dá a este termo no contexto científico

contemporâneo. Supõe-se que o físico tradicional, em princípio, se

interesse exclusivamente, durante sua pesquisa científica, pelas

propriedades da matéria considerada "inerte". Realmente, ele reconhece,

como todo mundo, que existem fenômenos onde o "físico" não atua

sozinho, fenômenos onde intervém também o que chamamos de

psiquismo, ou a consciência, ou o pensamento. Mas estes fenômenos são

da competência dos psicólogos, ou a rigor, dos biologistas.

A Física, tal como se define neste fim do século XX, parece considerar

um "ponto de honra" não misturar o psicológico ao físico, o que (pelo

menos é o que ela acredita) lhe permite se vangloriar de ser uma ciência

"exata".

Ora, refletindo, sempre estive, no curso de minhas pesquisas sobre esta

matéria chamada "inerte", em busca dos primeiros traços de fenômenos

psíquicos, isto é, procurando o Espírito dissimulado sob a matéria. Aliás,

sempre me senti pouco à vontade diante do Programa "Reducionista" dos

físicos de nossa época, que se esforçam voluntariamente para construir

uma Física deixando o Espírito de fora.

E creio ter tido razão. Explico nesta obra como, no curso destes últimos

anos, pude enfim mostrar que, para perceber de modo completo e

satisfatório a estrutura e as propriedades de certas partículas elementares,

é necessário fazer intervir um espaço-tempo particular, apresentando

4

todas as características de um espaço-tempo do Espírito, ladeando o da

matéria bruta. Exponho, aqui, os diferentes aspectos e as conseqüências

desta Física neognóstica.

Por que chamamos a esta Física de "neognóstica"? Não fui eu quem a

designou assim e, além disso, já havia escrito aproximadamente metade

deste livro quando descobri que, contrariamente ao que pensava, esta

tendência de não mais separar completamente Matéria e Espírito na

descrição científica do Universo já existia e estava se aprofundando há

alguns anos. Este "movimento", se se pode qualificar assim esta nova

orientação das idéias científicas, parece ter nascido principalmente em

Princeton e em Pasadena nos Estados Unidos nos anos de 1970 1. Os mais

eminentes físicos e astrônomos estiveram presentes nesta origem. A eles

se uniram biologistas, médicos e psicólogos. E, mais recentemente ainda,

teólogos.

A Gnose foi, no primeiro século de nossa era, um sistema filosófico

onde os participantes (os gnósticos) pretendiam ter um conhecimento

direto de Deus. Esta atitude se caracterizava pelo fato de que ela queria

apoiar tal doutrina, não sobre simples crendices, mas sobre os dados

científicos da época. Nesta filosofia existiam notadamente seres

portadores de Espírito, intervindo no comportamento da matéria,

chamados eons.

Os novos gnósticos de Princeton e Pasadena guardaram da antiga

filosofia, a idéia de que aquilo que chamamos Espírito é indissociável de

todos os fenômenos que vemos no Universo, sejam físicos sejam

psíquicos. Devemos, portanto, ao menos em principio, ser capazes de ter

um conhecimento "científico" do Espírito, isto é, de fornecer uma

descrição em termos científicos com o risco de, se necessário, renovar a

própria linguagem científica. Mas, precisamente por permitir ao Espírito

ascender à condição de fenômeno "científico", os neognósticos recusam,

desde o principio, colocar o Homem no centro do fenômeno pensante;

quando o Homem afirma "eu penso", enfatizam eles, ele deveria dizer, de

forma mais correta, "ele pensa", ou "ele domina um pensamento no

espaço", do mesmo modo que o físico diz "ele domina um campo

magnético no espaço" ou que o homem da rua anuncia "chove". Em outros

termos existe uma realidade profunda, presente em todo o Universo, que é

capaz de fazer "nascer" o pensamento no espaço, no mesmo sentido em

que um elétron é capaz de fazer nascer em torno de si um campo elétrico

no espaço. Desde então, o pensamento está presente em toda parte, tanto

no mineral, no vegetal, no animal como no Homem. É ele, notadamente,

que transparece no comportamento dos organismos vivos, mesmo que se

trate apenas de uma simples bactéria.

5

De fato, enquanto esta concepção neognóstica não der prova, de acordo

com a linguagem científica, de que ela corresponde a uma realidade

"ajustada" aos fenômenos científicos observados e descritos, ela será

apenas uma aproximação para chegar ao Conhecimento.

Mas isto, por si mesmo, já é fundamental; pois, mesmo que não seja

suficiente abrir uma janela para descobrir imediatamente todos os detalhes

da paisagem, se a janela permanecer fechada, jamais veremos alguma

coisa. Ora, a atitude atual dos neognósticos é exatamente esta, e ela não

ambiciona, no momento, ser outra coisa: ser uma nova janela para

considerar o Universo do Espírito e da Matéria, e tentar descrevê-lo em

linguagem científica sem deixar de considerar ao mesmo tempo um e

outro. Ou, exprimindo de outra forma, ser uma nova linguagem científica

para formular o Conhecimento; ser um esforço de "Psicossintese", dirão

ainda os neognósticos.

Esta nova atitude em relação ao Conhecimento apresenta alguns outros

aspectos, que vale a pena enfatizar.

Há, primeiro, a adoção de um ponto de vista relativamente "modesto"

para considerar o que chamamos o saber humano. Dentro de cada homem,

há individualidades microscópicas que pensam, que sabem, que

transportam o Espírito dentro do Universo, e que podemos chamar,

segundo os antigos gnósticos, de eons2. Estes conhecem o saber humano,

visto que são eles que "pensam" este saber. Mas este saber ultrapassa

largamente o saber humano, tal como somos capazes, por exemplo, de o

formalizar em uma linguagem qualquer; os eons sabem, notadamente,

como criar a vida. 0 saber humano atual é somente esta parte minúscula

do saber total dos eons que pode ser expresso através da linguagem

humana, levando em conta as numerosas convenções próprias das

sociedades humanas.

Outra conseqüência, aliás em relação com a precedente: é absurdo e

inexato crer que nosso irmão humano que não fez o que chamamos de

"estudos", ou ainda nosso irmão animal ou vegetal, "seja um ignorante".

Afirmá-lo é um pouco como se, considerando dois cientistas de alto nível,

disséssemos que um é ignorante porque, ao contrário do outro, não sabe

jogar bridge. Em relação ao conjunto do saber dos eons, esta é uma

atitude antropocentrista e inaceitável: querer de todo modo que nosso

parco saber humano individual possa nos tornar, de alguma maneira,

superior ao outro. 0 Homem deve guardar, no mundo, seu modesto lugar

de "macaco sem pêlo", não tanto porque não saiba mais do que o macaco

no reino das sociedades animais, mas principalmente porque, no reino do

Universo cosmológico, não há certeza de que os eons do macaco não

6

saibam mais do que os seus próprios eons. Portanto, nada de tentativas de

hierarquia degradante a respeito do saber e, tampouco, nada de Mestre.

A noção de "Mestre", com efeito, é ainda mais proscrita entre os

neognósticos que entre os próprios eons; estas individualidades imortais

que vivem a aventura espiritual do Universo, não conhecem de maneira

absoluta os objetivos e as "regras do jogo" do Universo; eles somente são

capazes, como veremos, de aumentar, sem cessar, "a ordem" 3 do

Universo, inventando regras do jogo cada vez mais complexas, sem saber

jamais se novas regras não farão entrever um novo objetivo. Os

neognósticos, que conseguiram de uma maneira geral salvaguardar sua

alma de criança, ilustram esta invenção de regras para um novo jogo de

cartas, que parece expandir-se rapidamente nos campus do Oeste

americano. 0 jogo se chama "Elêusis"; cada jogador, por sua vez, inventa

regras do jogo, que escreve, para verificação, em um papel escondido dos

outros jogadores. Depois coloca uma carta sobre a mesa; os outros

jogadores respondem escolhendo cuidadosamente uma carta de sua mão. 0

vencedor de cada partida é designado por aquele que inventou a regra, e

este vencedor recolhe, então, todas as cartas da rodada. No fim, conta-se o

número de pontos das cartas recolhidas por cada um, segundo uma tabela

conhecida somente pelo inventor do jogo. Aquele que primeiro

"compreendeu" as regras do jogo é (geralmente) o que possui o maior

número de pontos e é declarado o vencedor. É particularmente instrutivo

notar que muitos jogadores ganham tendo "imaginado" regras diferentes

daquelas que constituem o regulamento "oficial" editado pelo inventor do

jogo. 0 mesmo se dá ao nível do Espírito na Natureza: os eons não são

obrigados a falar uma linguagem "oficial" para evoluir em um sentido que

marque um progresso no plano do psiquismo. E, inversamente, os

"oficiais" não são, entre os humanos, os mais capazes de fazer progredir o

psiquismo.

Ainda outra conseqüência da atitude neognóstica: se ninguém deve

procurar para si um Mestre, muito menos ninguém deve se considerar

um Mestre; portanto, nada de "proselitismo',,'. Somos todos pesquisa-

dores, ninguém conhece, desde o principio, a regra que é preferível para

fazer o Espírito progredir, e nenhum "nível psíquico" do Espírito permite

descobrir o objetivo definitivo da aventura espiritual do Mundo. Portanto

ainda, nada de religião "humanista", pretendendo conhecer onde se

encontra "o Bem" do Homem. Como observa Raymond Ruer4: "para os

neognósticos é, no fundo, uma questão de honestidade. Eles acham

leviano, e mesmo criminoso, fazer experimentações na pele humana.

Pode-se permitir ensaios e erros na sua própria vida. Não se tem o direito

de aparentar saber o que convém aos outros, que sabem melhor do que

nós".

7

0 que convém enfatizar é que a atitude neognóstica, que busca organizar

em torno de um "imenso povo de eons", e não em torno do Homem, a

aventura espiritual do Universo, não consiste em concluir que o Homem é,

com todo o resto do mundo, de alguma forma "manipulado" no plano do

Espírito por este povo de eons, com a conseqüência de não participar

verdadeiramente de seu próprio destino. Não são os eons que "pilotam"

meu próprio espírito "Eu" sou estes próprios eons, no sentido de que em

cada um dos eons que entram no meu corpo está presente o que eu chamo

de meu "Eu", isto é minha pessoa. A atitude neognóstica não faz do

Homem um "fantoche" cujos cordões outros puxariam, mas sugere que

nossa pessoa participe diretamente de toda a aventura espiritual do

mundo, uma aventura que tem suas raízes na origem de nosso Universo, e

que terminará com ele ... caso o Universo deva terminar um dia (o que os

eons - que têm a sabedoria de saber que o futuro será aquilo que eles

tiverem escolhido fazer - não segredaram, parece, a ouvido algum).

0 presente trabalho se dirige a todos que refletem sobre o mistério de

nosso corpo e de nossa consciência, e mais globalmente às relações do

Espírito com a Matéria, na escala do Universo inteiro. Creio pro-

fundamente que nossas civilizações humanas estão à procura - porque têm

extrema necessidade dela - de uma atitude que permita a cada um melhor

se situar na imensa aventura cosmológica, colocando em harmonia o que

elas sabem com o que sentem.

A Nova Gnose, nasceu de uma reunião de aspirações tão diversas

quanto as que encontramos nos campus ou nas comunidades hippies de

Berkeley, nos astrônomos e astrofísicos dos montes Palomar e Wilson, nos

físicos de Princeton; a qual hoje interessou um grande número de

biologistas e médicos e, mais recentemente ainda, um número crescente

de pessoas da Igreja; e que, depois dos dois últimos anos, começa a se

expandir progressivamente para fora dos Estados Unidos; a Nova Gnose,

como eu dizia, talvez seja uma atitude digna de ser explorada.

De resto, como sempre, nosso companheiro inseparável, o Tempo, será

o único juiz.

Jean E. Charon

CAPITULO I

Física e Metafisica

0 Espirito inseparável das pesquisas na Física. - Newton, o alqui-

mista. - Voltaire e Valéry: ateus espiritualistas. - Ciência criativa e

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ciência de descoberta. - A pesquisa científica e o "grande público". -

As diversas linguagens para descrever a Natureza.

"Eis que ele me antecedeu, novamente, deixando este mundo estranho.

Isto não significa nada. Para nós, físicos crentes, esta separação entre

passado, presente e futuro guarda somente o valor de uma ilusão, por mais

tenaz que ela seja."

Quando Albert Einstein, em 21 de março de 1955, escreveu esta carta à

irmã e ao filho de seu amigo de sempre Michele Besso, falecido alguns

dias antes, para ele também restava um pouco menos de um mês de vida

para dizer adeus a este "mundo estranho".

Talvez, de uma maneira disfarçada, o problema da Morte esteja no

centro desta obra. Pois a Morte não é, pensando bem, quem nos revela o

Espirito sob a Matéria? E se acabo de citar Einstein no limiar de sua

própria morte é porque, creio, a linguagem da Física é atualmente

apropriada para encetar um diálogo com a Morte, para procurar situá-la no

quadro da evolução geral do nosso imenso universo.

Por que a Fisica, e não a Biologia, ou ainda a Teologia? Porque a

Morte, como todos os grandes problemas da Metafisica, somente pode ser

situada em relação aos limites daquilo que constitui o nosso Universo, na

escala do maior e na escala do mais pequeno. E é a Fisica que se propõe a

nos fornecer um conhecimento do cosmo em seu conjunto assim como do

átomo. Mas, paradoxalmente, enquanto a Física é sem dúvida a mais apta

para esclarecer os problemas metafísicos, os físicos se recusam, há perto

de três séculos, a ver a Metafísica penetrar em sua linguagem e em seu

campo de experiência; como se estes problemas fossem indigitos do

conhecimento "científico"; ou ainda, como se as questões que formam os

temas da Metafísica não fossem, finalmente, aquelas para as quais o

Homem deseja mais ardentemente obter elementos de resposta.

Direi, mais adiante, como os trabalhos de Albert Einstein o levaram ao

limiar de um dos problemas essenciais apresentados ao Homem: o da

natureza daquilo que chamamos "nosso espirito", em oposição à matéria

de nosso corpo. E direi, também, como minhas próprias pesquisas em

Fisica, em prosseguimento aos trabalhos de Einstein, me permitiram

continuar esta análise do Espirito, para mostrar, finalmente, que a

aventura do nosso Espirito é tão "eterna" quanto o próprio Universo, no

passado assim como no futuro.

Mas, como me disponho a falar aqui de um problema fundamental da

Metafisica na linguagem da Física, espero primeiro, exprimir sem

desvios, o que penso da -atitude geralmente hostil dos fisicos diante dos

temas da Metafisica.

9

Antes, podemos questionar se os principais temas da Metafisica têm

alguma relação com os problemas estudados pela Fisica. 0 Conhecimento,

a existência do mundo exterior, a substância e a forma, o problema da

vida e da morte, a alma e o corpo, o problema de Deus, todos estes objetos

de investigação tradicionais da Metafisica são susceptiveis de entrar no

campo das pesquisas da Fisica? A resposta a esta questão será afirmativa

ou não, se aceitarmos ou não considerar a análise do Espírito como objeto

de estudo da FÍsica. 0 problema da natureza e dos mecanismos do Espirito

é, com efeito, sem nenhuma dúvida, o problema central de toda a

Metafisica, do qual derivam todos os outros objetos de reflexão (o

Conhecimento, a vida, a morte, a Matéria, Deus ... ). A Fisica e a

Metafisica formam, portanto, duas disciplinas complementares,

encarregadas de aumentar nosso conhecimento do Universo se, e somente

se, Matéria e Espirito são inseparáveis nos métodos de pesquisa e nas

linguagens destes dois ramos do Conhecimento.

Ora, como poderiamos racionalmente impedir que a Fisica progredisse

através de uma análise não só da Matéria mas também do Espirito? Desde

que as investigações dos fisicos se voltam para o mais pequeno, ou ainda

para o maior, para estas particulas misteriosas que formam a essência da

Matéria, ou ainda para nosso Universo em seu conjunto, então as palavras

de Santo Agostinho se tornam hoje sempre mais verdadeiras: "0 mundo é

tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem". E Teilhard de

Chardin observava igualmente que "atingindo o extremo de suas análises,

os fisicos não sabem mais se a estrutura que eles alcançaram é a essência

da Matéria que eles estudam ou, então, reflexo de seu próprio

pensamento".

Neste caso, como não reconhecer como urna evidência atual que o

Espírito é, com efeito, parte integrante do domínio de investigação da

Física, do mesmo modo que a Matéria, visto que não há descrição possível

da Matéria que não faça intervir, em primeiro plano, os mecanismos

estruturais do nosso próprio Espírito?

Esta importância dada ao Espírito no estudo dos fenômenos "físicos”

que acontecem no Universo, na verdade, nunca foi contestada na

Antiguidade e mesmo até o fim do século XVII. Para se convencer, é

suficiente lembrar Descartes que nos declara em suas Meditações:

"Assim, toda a Filosofia é como uma árvore cujas raizes são a Metafísica,

o tronco é a Física e os galhos que saem deste tronco são todas as outras

ciências". E Newton, de quem se quis fazer o modelo do ,”cientista", isto

é, do sábio apenas preocupado com as certezas associadas aos fatos

observáveis, na verdade (corno demonstram belos estudos recentes sobre

Newton ) orientou toda sua vida para os problemas do Espírito: ele

10

escreveu mais páginas sobre a alquimia e sobre o que hoje chamaríamos

de parapsicologia do que sobre a óptica e a gravidade.

Observemos, um instante, os conceitos de Newton, cujos escritos, se os

analisarmos não buscando "ver somente o que queremos ver", são a prova

de que o pai da teoria da gravidade sempre defendeu conceitos de essência

espiritualista, bem longe das idéias puramente mecanicistas-positivistas

que quiseram lhe atribuir. Uma aproximação surpreendente

(compreenderemos melhor este aspecto quando discutirmos a análise

moderna sobre a natureza do Espírito) é a que Newtori faz entre o Espírito

e a luz. "Não seria possível, escreve Newton em sua óptica, que os corpos

e a luz se transformem uns nos outros? E não sería possível que os corpos

recebam a maior parte de seus princípios ativos das partículas de luz que

entram em sua composição? Admitido isto, visto que a luz é o mais ativo

de todos os corpos que conhecemos, e visto que esta luz faz parte de todos

os corpos compostos pela natureza, por que não seria ela o principio

regente de todas as suas atividades?" E Newton distingue, então, dois

tipos de luz: uma luz fenorriênica, que seria a que se entende pelo sentido

comum do termo, isto é, a que vemos; e uma luz nuniênica, que seria uma

luz virtual, intervindo mais particularmente nos mecanismos do ser vivo, e

portadora do que chamamos Espírito. Veremos, no decorrer desta obra,

que se trata de uma intuição extraordinária de Newton sobre o aspecto

"espiritual" da Matéria, aspecto que se confirmará como repousando sobre

trocas "virtuais" de fótons de luz. Segundo observa P. M. Rattensi : "as

reflexões de Newton parecem indicar que no fim de sua vida ele concebeu

que o objetivo da pesquisa alquimista consistia no restabelecimento do

corpo de luz e pensou que isto poderia ser demonstrado através de

operações realizadas em laboratório". Assim, Newton, durante toda sua

vida, considerou o Espírito como de natureza diretamente acessível à

experiência, e portanto, do domínio das investigações da Física. Por outro

lado, ele viu na luz, que é sem dúvida alguma um fenômeno bem físico, a

direção privilegiada para a qual, lhe parecia, deviam se orientar estas

investigações.

Além disso, é necessário enfatizar que Deus (igualmente no centro da

reflexão metafisica) está sempre presente na obra de Newton. Certamente,

Newton irá propor suas célebres leis sobre o movimento dos astros, o que

permitirá, por volta dos meados do século XIX, ao matemático Pierre-

Simon de Laplace mostrar que os astros podiam, de acordo com estas leis,

se mover de modo estável, sem nenhuma interferência de Deus. Mas o

próprio Newton nunca formulou, ou mesmo sequer sugeriu, tal

possibilidade; pelo contrário, defendia o ponto de vista da necessidade

constante da presença de Deus no Universo. Para Newton, Deus

intervinha na natureza por intermédio do Espírito (a luz nuniênica). Esta

11

natureza, escreveu Newton, "age sempre sem trégua, até o seu último

termo, e depois cessa; pois, desde o começo, era para ele coisa certa que

ela poderia se aperfeiçoar no seu curso e que chegaria, enfim, a um

repouso sólido e total, ao qual, para este efeito, ela tendia com todo o seu

poder". Assim, Newton tem também a convicção de um sentido definido

da evolução do Universo, de uma "flecha" do tempo, como alvo desta

evolução, com um estado do Universo que nos lembra o "ponto õmega" de

Teilhard de Chardin. Mas voltaremos a falar sobre isto.

Apesar desta profunda complementaridade entre Física e Metafisica na

obra de Newton, paradoxalmente, é a partir de Newton que se produzirá

uma clivagem cada vez mais profunda entre Física e Metafisica, isto é,

entre as pesquisas sobre a Matéria e as pesquisas sobre o Espírito.

Para isto, como relembra muito propriamente a análise de Jean

Zefiropulo e Catherine Monod, far-se-á "Newton oscilar entre o que ele

foi e o que dele fizeram, ocultando algumas de suas pesquisas e mesmo

dispersando uma grande parte de sua obra".

Os argumentos são bastante complexos, mas pode-se, entretanto,

distinguir algumas correntes principais.

Primeiro, há a enérgica reação da Renascença contra o aristotelismo,

reinando sobre o pensamento intelectual há dois mil anos. Ora, lutar

contra Aristóteles e seu sistema do mundo seria restabelecer o

beliocentrismo de Aristarco, perfeitamente demonstrado agora, pelas leis

da atração de Newton; e seria, também, restabelecer o velho atomismo de

Demócrito, segundo o qual "nada mais existe a não ser o átomo e o

espaço vazio, tudo o mais é apenas comentário". Finalmente, seria

explicar todo o nosso Universo através de movimentos de átomos se

deslocando segundo leis imutáveis, explicadas matematicamente.

Assim, não teríamos necessidade de Deus, nern do Espírito para tomar

conhecimento do que se passa no mundo. 0 próprio pensamento seria

"segredado" por certos movimentos dos átomos, somente a Matéria sendo

a substância essencial. Propositalmente esqueceríamos que, entretanto,

Demócrito havia proposto seus átomos como conservando uma existência

independente do Espírito, visto que também "a alma é constituida de

átomos particulares, finos e unidos". Mas teríamos necessidade de

eliminar da Ciência tudo o que não se manifestasse na Natureza através

do movimento de partículas puramente materiais segundo leis

conheciveis (senão conhecidas). E acaso poderíamos escolher um porta-

bandeira deste novo enfoque científico melhor do que Newton, pois foi

12

ele quem descobriu, depois de Kepler, as leis fundamentais que explicam

a trajetória das estrelas, dos planetas ... e das maçãs?

Não podemos negligenciar a parte benéfica que provocou este retorno ao

positivismo puramente materialista para aumentar nosso conhecimento

das coisas. Depois dos desnorteios do período da Idade Média, seria útil

que o conhecimento se esforçasse para progredir pésquisando leis

confirmáveis experimentalmente. Mas seria, sem dúvida, ir muito longe

ao se esquecer da presença do Espírito nesta evolução da natureza; não

seria simplesmente porque, apesar de tudo, e como o notava tão

propriamente o filósofo Georges Berkeiey desde Newton, "as coisas só

existem na medida em que são percebidas"; e por que outros meios

poderiam elas ser percebidas, em última análise, senão pelo Espírito, pelo

nosso espírito?

Dentre as circunstâncias que contribuíram para deturpar o processo de

pensamento verdadeiro que presidiu às leis e às descobertas newtonianas,

é necessário ver também o fato de que, no principio, aqueles que eram os

mais ardorosos defensores de Newton (contra as teses cartesianas mais

em voga, então, entre os cientistas) foram principalmente ateus que, para

melhor afastar Deus das explicações da Ciência, não hesitaram em

expulsar igualmente tudo o que se referia ao Espírito.

Entre estes estava Laplace, que nós já mencionamos anteriormente;

também, especialmente na França, Voltaire e um pouco mais tarde

Auguste Conite e seu positivismo; igualmente, no nosso século, Paul

Valéry e as teses marxistas. Todos se ocuparam em "refutar Deus", e

mais amplamente em minar a credibilidade da Metafisica, julgando suas

especulações como "logomaquias vazias e estéreis".

Voltaire foi a Londres em 1727 assistir aos funerais de Newton e trouxe

um exemplar, em inglês, de seus Principia. Ficou imediatamente

seduzido pelo sistema do mundo newtoniano, e foi o primeiro a difundir,

na França, a obra de Newton . Mas difundiu o pensamento newtoniano

insistindo, como Laplace, sobre a abertura que ele oferecia para uma

compreensão de um mundo puramente mecanicista, sem nenhuma

necessidade de uma intervenção divina. Isto foi compreendido como se a

noção do Espirito fosse supérflua e pudesse ser, em todo caso,

definitivamente afastada das concepções da Fisica: estava ai uma

deformação do pensamento de Voltaire, pois se ele desejava a "morte de

Deus", por outro lado, não preconizava a morte do Espirito. Com efeito,

não afirmou ele, como conseqüência lógica de seu racionalismo, a

existência de uma "sensibilidade" da Matéria, que não é muito diferente

13

da "psique elementar", com que Theilhard proporá, em nossa época, dotar

cada corpúsculo de Matéria, visando a apoiar sua concepção espiritualista

do Mundo?

0 caso de Paul Valéry é mais particular. Ele nos exibe sarcasmos,

algumas vezes extremamente violentos, contra a Metafisica, e mais

amplamente contra qualquer tese de natureza espiritualista. "Os espiritos

com suas mesas e seus ectoplasmas, escreveu, têm o mérito imenso de

colocarem sob sua verdadeira forma grosseira, clara e insensata, o que os

espiritualistas, as pessoas com alma, dissimulam para si próprios sob um

véu de palavras, metáforas e expressões ambiguas". Mas, nas 6.000

páginas manuscritas de seus Cadernos, que redigia no dia-a-dia, e que

atualmente começam a ser objeto de publicações, descobrimos que

Valéry esteve toda sua vida preocupado com a estrutura e com o

funcionamento do Espirito, cuja descrição desejava compreender na

linguagem da Fisica e das Matemáticas. 0 estudo do Espírito não é,

portanto, especificamente do dominio tradicional da Metafisica? E

haveria uma descrição "não espiritualista" do que chamamos Espirito? A

leitura mais atenta dos Cadernos nos explica, entretanto, esta aparente

contradição. Valéry se recusa a reconhecer que existe uma realidade

independente da Matéria que se chama Espírito; sua pesquisa sobre

mecanismos do espírito está orientada para a descoberta de uma estrutura

particular das partículas de matéria, assim como para as transformações

no tempo desta estrutura; estas explicariam um fenômeno físico de

essência puramente material e mecanicista, que seria a função-espirito

ligada ao comportamento da Matéria. Apostemos, entretanto, que, desde

que se torne possível falar do Espirito na linguagem da Física, todos os

grandes problemas tradicionais da Metafisica se apresentarão com uma

acuidade aumentada, e que será necessário dizer o que se tornam, nesta

nova linguagem, a Vida, a Morte, o mundo exterior, Deus. Em resumo,

apesar do que pensa Valéry, conseguir falar do Espírito na linguagem da

Física, como ele o deseja, é introduzir em pé de igualdade todos os temas

da Metafisica no campo das pesquisas da Física. Em uma análise

posterior, Valéry e eu estamos, portanto, de acordo; mas, à primeira

leitura, os ataques de Valéry à Metafisica, sem dúvida, contribuíram para

retardar o nascimento de uma Física interdisciplinar.

Sejam Laplace, Voltaire, Conite, Valéry ou os marxistas, o mais grave

reparo que se lhes pode fazer é sua posição dogmática, que consiste em

recusar ao Espírito de ser objeto de pesquisa... simplesmente porque não

existiria "alguma coisa" chamada Espírito que fosse possível descrever

independentemente desta outra coisa chamada Matéria. "Pobre

14

presunçoso, você vê uma planta que vegeta e diz vegetação, ou mesmo

alma vegetativa, escreve Voltaire; mas, por favor, o que você entende por

estas palavras? Esta flor vegeta, mas há um ser real que se chama

vegetação?"

E Valéry se excede: "seria interessante vaguear pelo cérebro, ali não

encontrariamos um estado de alma".

Quanto aos marxistas, recusando a evidência, ao mesmo tempo lógica e

experimental, segundo a qual nossa única prova irrefutável da existência

do mundo é a percepção espiritual que temos dele (como enfatizava

Berkeley), eles afirmam, ao contrário, que percebemos o mundo porque

ele existe. Como estes marxistas, tão apaixonados por razões

"científicas", poderiam fazer a prova científica de sua afirmação, visto

que toda experiência que temos do mundo exterior, em última análise, se

apresenta como pensamentos, isto é, Espírito?

Para os positivistas, a Matéria é, portanto, principal, e o Espírito é

somente uma "emergência" da Matéria, sem existência independente.

Neste caso, como o notou Auguste Conite, resta à Metafisica ser reduzida

a uma "reflexão sobre as ciências da Matéria" - ou não ser.

Entretanto, toda a História nos mostra que os dogmas tiveram uma

existência apenas provisória. E poder-se-ia verificar que o Espírito

aparece finalmente como uma realidade tão "tangivel" quanto a Matéria;

do mesmo modo que as pedras no céu, isto é, os meteoritos, se tornaram

realidade, contrariamente à advertência dogmática de Laplace, segundo a

qual "não poderiam cair do céu ... visto que não havia pedras no céu".

Em todo caso, é isto o que a presente obra pretende demonstrar, a fim de

tirar um certo número de conseqüências das respostas atuais às questões

fundamentais que são objeto da Metafisica.

Entretanto, penso que existem outras razões além das que foram retiradas

do contexto histórico que, ainda na nossa época, fazem com que pareça

dificil aceitar como objetos científicos de pesquisa os grandes temas da

Metafisica.

Rivaud, um historiador da filosofia, escrevia em 1948: "Os únicos

filósofos verdadeiramente qualificados da idade moderna são os físicos,

os químicos ... que, partindo do estudo minucioso dos fatos particulares,

ousaram formular hipóteses de caráter geral".

15

É verdade. Em todo caso, para os físicos, não se trata unicamente de

formular hipóteses de âmbito geral para serem qualificados de filósofos, e

ainda menos de metafisicos. A Metafisica exige muito mais do que um

esforço de pesquisa: ela exige qualidades de criação, e posso afirmar, por

freqüentá-los de longa data, que bem poucos físicos de nossa época são o

que chamamos de criadores; em sua maioria, porque são "especialistas"

em assunto determinado, são apenas simples analistas.

Retomemos o que considero uma das melhores definições da Metafisica,

para percebermos quanto poder criador exige esta disciplina do

Conhecimento:

"A Metafisica existe desde que o espirito, em busca de uma unidade total,

se decide a encher as lacunas que o quadro 'científico' do Universo

oferece, graças a uma 'flexibilidade' tirada de sua própria essencia, a um

'principio' (tomado por empréstimo de sua experiência interna ou

externa), que ele considera verdadeiramente básico".

A Metafisica aparece, através desta definição, enfatizando suas estreitas

relações não somente com o enfoque científico, mas também com o

enfoque artistico e ainda com o pensamento religioso. Certamente, o

fisico pode formular princípios gerais, ou leis, que dão a aparência de

universalidade às suas descobertas. Mas não faz, necessariamente, ainda,

uma obra metafisica. Ele faz, precisamente, algumas "descobertas"; isto

é, descobre o mundo como se levantasse um véu, como se este mundo

preexistisse a seu esforço, e que seu ato de físico não tivesse mudado

nada nele, nada lhe tivesse acrescentado. Ora, não é, de modo algum, que

neste ato de "descoberta" vemos, ao mesmo tempo, o espírito do físico e

o espírito do metafisico, reunidos ambos para alcançar um progresso no

conhecimento profundo das coisas. Na simples descoberta há apenas uma

generalização de um certo número de fatos de experiência para um

número maior de fatos de experiência (ou de fatos sobre os quais será

possível experimentar). No ato metafisico de criação, o pensador, ao

contrário, age por si mesmo, ele vai buscar no fundo do seu inconsciente

uma "flexibilidade" ainda não formulada, como observa François

Grégoire na sua definição da Metafisica; e é somente em seguida que

considera a maneira pela qual esta flexibilidade chegou a completar

harmoniosamente a visão que ele possuía da Natureza. Este é um enfoque

que se aproxima bastante do enfoque do artista ou do religioso, cada um

“metamorfoseando" nossa visão do Universo e, através de sua criação,

executando um passo novo para o conhecimento do mundo. Esta

16

sensação bastante forte de que existe uma distinção fundamental entre o

ato criador e o ato de descoberta, somente pode ser, creio eu,

verdadeiramente percebida sob seu aspecto autêntico por aqueles que

experimentaram na vivência um e outro destes dois atos. Albert Einstein

descreveu esta situação em uma fórmula que embaraçou alguns fisicos:

"Uma teoria pode ser verificada pela experiência, mas não existe nenhum

caminho que leve da experiência para a criação de uma teoria". Um

pintor ou um músico compreendem isto perfeitamente. Mas então vocês

irão dizer à comunidade científica que a teoria que lhes oferecem é uma

obra de artista! Serão logo relegados ao rol de fantasistas! Serão tratados

de "metafisicos" e, creiam-me, é um qualificativo que não os deixará

mais ... e, pouco a pouco, todas as portas "oficiais" lhes serão fechadas.

Mas não será porque é necessário ser-se bem pequeno para saber transpor

estas portas?

Seja como for, fazer Metafisica é também ser capaz de dar prova de um

espírito de criação, e não somente de um espírito de descoberta, no

sentido que acabamos de indicar. E os cientistas que conheci, no decurso

destes últimos vinte anos, raramente me pareceram possuir uma

imaginação suficiente para serem capazes de "criar". A maioria deles são

bons "funcionários" da Ciência. Esta observação levou Albert Einstein a

afirmar que "o templo da Ciência ficaria bem vazio se dele retirássemos

todos os que não fazem verdadeiramente Ciência".

De minha parte estou convencido de que, se os cientistas contemporaneos

recusam, instintivamente, a penetração dos temas da Metafisica nas suas

pesquisas, apesar de serem tão fundamentais para o Homem, em parte é

porque são "incapazes de filosofar"; porque são incapazes de imaginar e

de criar; e, finalmente, porque a reflexão metafisica lhes é inacessivel.

A primeira vez que estive na televisão francesa foi há cerca de quinze

anos, por ocasião da publicação de trabalhos sobre teoria fisica. Eu me

recordo de ter ficado chocado com o fato de o jornalista cientista que me

interrogava orientar nossa entrevista muito mais para as conseqüências

metafisicas dos meus trabalhos do que para o seu conteúdo propriamente

do dominio da Fisica, que era o objeto de minhas publicações. Tendo ele

percebido que minhas pesquisas abordavam o problema do Universo, em

seu conjunto, vi-me interrogado sobre a criação do nosso Universo, seu

destino no futuro, sobre a existência de Deus ...

Este jornalista, como todo bom colaborador da televisão, durante toda a

entrevista, tinha a preocupação de me fazer falar sobre o que interessava

17

ao público. E tinha razão: naturalmente, não era o aspecto altamente

técnico e especializado dos meus trabalhos que interessava ao público,

mas a parte metafisica associada a eles. De que serviria um programa de

televisão usando uma linguagem hermética e, portanto, sem interesse

para o telespectador?

Naturalmente, o meu propósito aqui não é discutir qual a melhor

utilização para um veículo de comunicação como a televisão. Este

episódio tem o sentido de insistir no fato de que o "grande público" se

interessa pela Ciência sobretudo através de suas conseqüências

"metafisicas". Para ele pouco, ou quase nada, importam as técnicas

usadas para atingir a Lua ou Marte, o que lhe interessa é saber "se a vida

existe lá". Os mecanismos biológicos do cérebro não o deixam

indiferente, mas ele gostaria mais de saber até onde chegaram os estudos

dos fenômenos parapsicológicos, isto é, a possibilidade (com evidentes

conseqüências metafisicas) de cérebros se comunicarem a distancia, sem

o apoio dos métodos tradicionais de comunicação. Andrômeda está a dois

milhões de anos-luz; bem, mas isto não diz grande coisa ao público; ele

desejaria, ao contrário, saber se as particularidades da teoria da

Relatividade, que fazem "envelhecer" menos depressa quando se vai

muito depressa, permitirão ao Homem alcançar os planetas habitados da

galáxia de Andrômeda, e, mais amplamente, se este enorme Universo,

que percebemos à volta de nós, é ou não acessível ao Homem (ao menos

em seu principio, com técnicas de propulsão melhoradas). A descoberta

dos vestígios dos primeiros hominideos, há algumas centenas de milhares

de anos, interessa ao nosso "grande público"; mas é a possível existência

de civilizações tão evoluidas quanto as nossas em um passado distante,

vindas talvez de “outros lugares", que o fascina e ele gostaria que os

cientistas o esclarecessem sobre isso.

Ora, os "cientistas" raramente falarão ao público sobre tais assuntos

"metafisicos", simplesmente porque suas pesquisas não são autorizadas

pelos donos da ciência "oficial" a serem orientadas para tais assuntos

metafisicos. Ainda uma vez, os grandes temas metafisicos não podem ser

objeto de pesquisa científica.

Pessoalmente, acho esta atitude escandalosa. Primeiro, porque o "grande

público", que deseja legitimamente esclarecimentos (senão respostas)

sobre as questões metafisicas, é, na verdade, quem financía, com seu

próprio trabalho, a pesquisa científica. Além disso, o grande público não

tem o direito de ver inscritos, nos programas de pesquisa, os temas que

mais lhe interessam? Portanto, quem pode estar autorizado a considerar

18

esse público como uma criança incapaz de saber o que gosta de comer? E

antes de tudo, com que direito decidiríamos privá-lo do conhecimento

que gostaria de receber?

Que me compreendam bem: não pretendo que não deva haver pesquisas

teóricas ou aplicadas sobre assuntos especializados, escolhidos por

cientistas "sérios e oficiais", cujos resultados, por natureza, permanecerão

incompreensíveis para a maior parte do meu querido "grande público".

Mas pretendo que o que interessa a esse público deveria também ser

considerado por aqueles que comandam os programas da pesquisa

científica. Muitos pesquisadores, e mesmo alguns dos melhores, estariam

dispostos a enfrentar tais ternas metafisicos em bases cientificas.

Solicitem ao meu amigo Rémy Chauvin, professor na Faculdade de

Ciências de Estrasburgo, para colocar em ação uma equipe de jovens

pesquisadores sobre a parapsicologia; ou a Guérin, astrônomo em

Meudon, para organizar, em bases científicas, uma pesquisa sobre a

possibilidade de visitantes extraterrestres; rapidamente, eles utilizarão os

créditos que vocês colocarem à disposição deles, com prudência e

"cientificamente".

Se olhamos esse problema de um outro ângulo, reconhecemos que os

cientistas se prejudicam a si próprios recusando a "colaboração" do

grande público soberano em suas pesquisas. "Soberano", ele o é sempre,

esse público, e eu diria por construção: pois, mais uma vez, é ele quem

deve pagar de seu bolso todas as despesas do Estado, inclusive

27

a pesquisa científica. Sêneca já havia enfatizado que "nada de importante

e de durável pode ser realizado sem o apoio da população". E não são os

cientistas do projeto Apolo, que necessitaram de enormes somas de

dinheiro para colocar o Homem na Lua, que desmentirão Séneca; pois

sabem que foi o esforço de propaganda para fazer o público americano

participar desse projeto que proporcionou à N.A.S.A. os créditos

necessários a este maravilhoso empreendimento, marcando urna etapa na

história da humanidade terrestre.

Esta advertência de Sêneca é mais verdadeira do que nunca em relação

à Ciência contemporânea. Se nossos ministros, nossos deputados e nossas

comissões científicas oficiais atualmente decidem, na maioria das vezes,

limitar os créditos para as pesquisas aplicadas, em detrimento das

pesquisas teóricas, é, em parte, porque nosso grande público não está, na

verdade, interessado diretamente na pesquisa teórica, pois não lhe

mostram as ramificações metafisicas. A pesquisa aplicada fará de nós,

19

portanto, apenas simples consumidores de bens materiais, e paciência se a

principal caracteristica e a vocação essencial do Homem na evolução é,

entretanto, como já observava Pascal, ser um íçanimal pensante".

Abrir para a Metafisica as portas da Fisica é, primeiro, exigir dos fisicos

que sejam capazes de refletir filosoficamente; é dar curso livre à

imaginação e à criação na pesquisa; e é, também, saber que os problemas

verdadeiramente "importantes" para o Homem devem ser igualmente

enumerados pelo "Senhor Todo o Público".

Há já bastante tempo nossos físicos se preocupam um pouco mais, sem

precisar esconder-se, com o aspecto "espiritual" da matéria que estudam.

CAPITULO II

0 espaço e o tempo do Espírito

Um espaço-tempo novo: o do Espírito. - A memória. - Um espaço em

neguentropia não decrescente. - As partículas "eternas" portadoras

do Espírito. - Morte, eis a sua derrota! - Nosso "Eu" tem suas raízes

em um eterno passado e se prolongará em um eterno futuro.

Já lembrei que sou um físico teórico. Isto significa que procuro definir as

leis básicas dos fenômenos psíquicos e elaborar o que habitualmente

chamamos "modelos" destes fenômenos. Isto implica principalmente a

pesquisa de modelos do que chamamos as partículas elementares: que são

os "tijolos" menores que constituem toda a matéria de nosso Universo; são

os "átomos" de que nos falava Demócrito cinco séculos antes da nossa era.

Um modelo dessas partículas é uma descrição da substância, da forma, das

dimensões, dos mecanismos internos e das propriedades externas dessas

partículas.

No outro extremo da escala das dimensões, o físico teórico se interessa,

também, por um modelo mais amplo: o do nosso Universo no seu

conjunto; qual é a sua forma, quando começou, para onde evolui, quais

são suas dimensões no espaço e no tempo...

Como vemos, não é tão estranho que esse tipo de objeto de pesquisa

conduza diretamente e de maneira natural a reflexões metafísicas: por

exemplo, qual é o lugar do Espírito nesse modelo do Universo em seu

conjunto? Pois, um modelo do mundo incapaz de nos dizer o que quer que

seja sobre este lugar do Espírito, entretanto tão presente e de maneira tão

evidente no comportamento animal ou humano, não seria bastante

incompleto (para não dizer bastante imperfeito)? E visto que este Espírito

se manifesta especialmente na região do espaço ocupada pelo nosso

20

próprio corpo, não deveríamos fornecer igualmente um modelo das

partículas elementares (que constituem o nosso corpo) que seja capaz de

mostrar como o Espírito se situa em face desta matéria elementar?

Eu me proponho explicar aqui como as minhas pesquisas em Física, em

continuação aos trabalhos de Albert Einstein, sobre a Relatividade geral,

me permitiram propor modelos de partículas elementares que respondem a

questões interessando não somente a Física, mas também a Metafísica, no

sentido de que descreverão, na linguagem da Física, a estrutura de uma

matéria "contendo" um espaço do Espírito.

No principio, meus trabalhos para precisar a estrutura das partículas

elementares não estavam, de modo algum, orientados para a Metafísica.

Mas, no decorrer dos anos de 1975-1976, pude mostrar que algumas das

partículas elementares, portanto partículas estáveis (isto é, com duração

de vida praticamente indefinida), continham, como envolvido por uma

carapaça de matéria (explicaremos tudo isso), um espaço-tempo novo,

diferente do espaço que estamos habituados a considerar. A primeira

imagem grosseira que podemos propor aqui (e não me privarei, nestas

páginas, de fornecer imagens para que os não iniciados na Física

compreendam o que quero dizer, não desagradando aos "senhores de preto

"), a imagem, como dizia, que me parece ser conveniente aqui é a das

partículas comparáveis a bolhas de sabão que flutuariam em nosso

espaço-tempo ordinário; mas, no interior destas minúsculas bolhas de

sabão, existiria um espaço-tempo de natureza especial.

Antes de retornarmos mais detalhadamente sobre este novo espa-

ço-tempo, desejo dar rapidamente suas propriedades essenciais, para

demonstrar o interesse "metafísico" que ele apresenta.

Enquanto nosso tempo ordinário progride, de maneira irreversível, do

passado para o futuro: o novo tempo, fechado nas nossas "bolhas de

sabão", é um tempo cíclico com período muito curto. Isto quer dizer que

se o espaço desta bolha registrou um fato no tempo t, o mesmo fato tornará

a ser presente no espaço da bolha dentro de um tempo ligeiramente

posterior t + T2. Este tempo novo é, portanto, idêntico ao que prevalece

nos fenômenos onde a memória intervém. Com efeito, quando nos

lembramos por um instante de um fato passado, é que este fato, gravado

em alguma parte do que chamamos nossa memória, volta a aparecer

novamente no presente do nosso espírito, neste instante. 0 tempo

particular de nossas bolhas de sabão, que por esta razão chamarei de

tempo do Espírito (por oposição ao nosso tempo ordinário, que chamarei

de tempo da Matéria) continuamente traz de volta os fatos passados para

o instante presente, colocando-os à nossa disposição para transforiná-los

em um ato de memória do passado.

21

Isto não é tudo. 0 espaço de nossas bolhas de sabão, e não apenas o seu

tempo, igualmente apresenta uma grande analogia com o que se espera de

um espaço próprio dos fenômenos espirituais. Com efeito, todos sabem

que os fatos que acontecem no nosso espaço ordinário, o espaço da

Matéria, obedecem a um famoso principio chamado "segundo principio da

termo dinâmica", pelo qual os fenômenos físicos não podem se

desenvolver fazendo decrescer sua entropia. Explicando sucintamente, isto

quer dizer que a energia utilizável no espaço do nosso Universo diminui

continuamente à medida que o tempo passa e que, em um dado momento,

teremos consumido toda a energia disponível no Universo (o qual terá,

então, uma temperatura uniforme em todos os seus pontos). Em outras

palavras, se convencionamos dizer que um objeto qualquer está "morto"

quando não podemos dele retirar mais nenhuma energia, nós diremos que

nosso Universo da Matéria está fadado, cedo ou tarde, a uma morte certa.

Pois bem, nossas bolhas de sabão encerram um espaço onde as coisas se

passam ao contrário: neste espaço, a quantidade de informações

acumuladas só pode aumentar. Como, por outro lado, existe uma

equivalência entre informação e entropia negativa (ou neguentropia),

podemos afirmar que, no espaço de nossas bolhas de sabão, a entropia só

diminui (isto é, a neguentropia só aumenta), contrariamente ao que

acontece no espaço ordinário, o espaço da Matéria. Mas, então, este

espaço não é especificamente um espaço do Espírito? Pois é isto o que

notamos, desde que se pode diagnosticar a presença do Espírito em um

fenômeno da natureza, principalmente entre as estruturas vivas ou

pensantes. Em resumo, desde que ela é portadora do que chamamos

Espírito, a estrutura "se instrui pela experiência", e de maneira

irreversível, dada a irreversibilidade da memória. Este fenômeno de

instrução crescente, ou em todo caso nunca decrescente, não é devido à

presença, na estrutura viva ou pensante, destas "bolhas de sabão"

contendo este espaço do Espírito particular, onde a informação cresce à

medida que o tempo decorre?

Em resumo, meu trabalho sobre as partículas elementares em Física me

mostrou que algumas destas partículas encerram um espaço e um tempo

do Espírito, coexistindo com o espaço e o tempo no qual toda a Física,

desde Aristóteles, tem se esforçado para descrever a Matéria e sua

evolução. Então, até agora, sempre acreditamos na existência de um

espaço-tempo "simples", mas eis que se descobre um espaço-tempo onde

cada uma das dimensões é "dupla": existe um espaço-tempo do Espírito ao

lado do espaço-tempo tradicional da Matéria.

Albert Einstein, no princípio do nosso século (1905), já havia

acrescentado um progresso considerável à Física, mostrando que o espaço

22

e o tempo eram intimamente solidários um com o outro, a ponto de se

comportarem verdadeiramente como se eles pudessem se transformar um

no outro. Tal transformação pode ser ilustrada pelo fato de que, depois de

Einstein, a Física teve de afirmar (e pudemos verificar

experimentalmente) que se envelhecia menos depressa quando se

atravessava mais rápido uma dada distância de espaço.

Mas eis que surge, atualmente sobre a noção de espaço-tempo, uma nova

revolução necessária para se ir mais longe no conhecimento, não

dissociando mais como antes os aspectos físicos e espirituais dos

fenômenos naturais. Desta vez se trata de constatar que o espaço-tempo

não é de natureza "simples", mas de natureza "complexa". E este novo

espaço-tempo pode ser, então, decomposto em um espaço-tempo do

Espírito e um espaço-tempo da Matéria, justapostos um ao outro. 0

espaço-tempo do Espírito, até agora, passara desapercebido dos físicos,

pois só se descobre sua existência no interior de certas minúsculas

partículas elementares que entram na constituição da Matéria.

Estas partículas espirituais são "estáveis", isto é, a Física constata que

(salvo "acidente" excepcional que provoque sua desintegração) a duração

da vida destas partículas é comparável à duração da própria vida inteira do

Universo. Isto é extremamente importante pelas suas conseqüências

metafísicas. Pois se, por um lado, estas partículas encerram um espaço que

não pode jamais perder seu conteúdo informacional, visto que, como já

dissemos, a neguentropia do espaço do Espírito só pode evoluir crescendo;

e se, por outro lado, estas partículas têm uma duração de vida

praticamente "eterna", então todas as informações que, durante nossa vida

humana, armazenamos nestas partículas espirituais entram na constituição

de nosso corpo vão subsistir além de nossa morte corporal, praticamente

pela eternidade. Se convencionamos chamar Deus o principio de

eternidade, então o que acabamos de dizer nos permite afirmar que Deus,

enquanto Espírito ligado ao princípio de eternidade, "existe" e, de resto,

que cada um de nós é "consubstancial" com Deus.

Outras conseqüências, também fundamentais "metafisicamente", surgem à

luz das idéias precedentes. Como nosso corpo é, com efeito, construído de

partículas que, por serem eternas, datam praticamente do "começo do

mundo", o nosso próprio espírito se enraíza em toda a História passada do

mundo. Este espírito que chamamos "nosso" vive o que vive o próprio

Universo, cada um de nós possui um "Eu" coextensivo à eternidade do

tempo, no passado assim como no futuro.

23

Este "Eu", escrevi: é aqui um ponto primordial sobre o qual voltaremos

longamente. Pois, não há dúvida, segundo o que estes estudos no campo

da Física teórica nos sugerem para o "modelo" do espaço tempo do

Espírito, em se dizer que o que chamamos de nossa pessoa, isto é o nosso

espírito, se encontra "disseminado", esfarelado, diremos, entre os bilhões

de partículas elementares que formam nosso corpo. Esta era, dela nos

lembramos, a tese de Pierre Teilhard de Chardin. Minhas pesquisas sobre

o plano da Física demonstram que não é lógico sustentar como plausível

esta concepção teilhardiana. 0 que devemos dizer, ao contrário, é que cada

uma das partículas que formam nosso corpo possui em si mesma o

conjunto da informação que caracteriza, por seu conteúdo, o que

chamamos de "nosso" espírito, nossa pessoa, nosso "Eu". Em resumo,

reencontraríamos aqui, mas no plano do Espírito, o que os biologistas

puderam experimentalmente constatar no que concerne à "bagagem

genética". Sabemos que cada uma das células de nosso corpo possui os

mesmos cromossomos, que esta célula pertence à ponta de nosso dedo ou

ao nosso encéfalo. Não parece haver nenhuma dúvida, na biologia

moderna, que os cromossomos são portadores da maior parte da

informação manifestada, através do seu comportamento, pelo ser vivo ou

pensante.

0 que os meus trabalhos parecem ter demonstrado é que seria necessário ir

ainda mais longe no plano do elementar... e ir, na verdade, até às

partículas chamadas precisamente de "elementares" (isto é indivisíveis),

tais como a Física as estuda. É cada uma destas partículas físicas

compondo os cromossomos que conteria a totalidade da informação que

associamos habitualmente ao conjunto do jogo cromossômico, em um

dado indivíduo. É mesmo possível (senão provável) que esta informação

esteja contida, igualmente, em sua totalidade, em cada uma das partículas

que formam a substância inteira da célula (núcleo, citoplasma, membrana)

e não somente nos cromossomos.

Isto não significa, bem entendido, que cada partícula de nosso corpo não

se diferencia de sua vizinha, sob o ponto de vista de seu conteúdo

informacional. Com efeito, já dissemos, cada partícula possui uma

"história" que remonta a todo o passado do Universo; isto significa que

cada partícula viveu uma experiência diferente da de sua vizinha, antes de

participar com ela da mesma estrutura complexa viva ou pensante,

Morte, eis a sua derrota! Desde que situamos nossa pessoa, nosso "Eu", no

lugar que parece caber-lhe após uma investigação suficientemente

avançada sobre as partículas elementares da Física, então não há mais para

24

nós verdadeira Morte, do mesmo modo que não há verdadeiro

Nascimento. Nós vivemos no plano espiritual aquilo que vive o próprio

Universo. Portanto, será através dos "modelos cosmológicos" da Física,

descrevendo a evolução do conjunto do nosso Universo no tempo e no

espaço, que nós seremos informados (ao menos em parte) sobre a aventura

do invólucro material que encerra o Espírito, nosso espírito. Em seguida,

restará procurar saber o sentido e a direção da aventura do próprio

Espírito; e não apenas do seu invólucro material. Nós nos esforçaremos

para explicar isto nas páginas seguintes.

Primeiro quis dar uma visão de conjunto das implicações metafísicas de

minhas pesquisas em Física. Proponho-me retornar sobre estas pesquisas,

mais detalhadamente, nos próximos capítulos, a fim de demonstrar

melhor, justificando-os "cientificamente", os mecanismos e as

propriedades do Espírito.

Entretanto, não se trata de empregar neste livro a linguagem do físico. 0

domínio no qual trabalho comporta um formalismo matemático

extremamente árduo, que suplantaria o conhecimento dos meus leitores,

mesmo que eles tivessem uma formação científica. Isto o digo sem

nenhuma pretensão, a razão disso é simplesmente porque este formalismo

matemático é bastante especializado e, de fato, pouco utilizado pelos

próprios físicos contemporâneos. Este formalismo é essencialmente uma

extensão daquele de que se serviu Einstein para a Relatividade geral. Mas

é necessário relembrar que esta teoria é apenas esboçada no âmbito das

Faculdades e Universidades. Esta situação é mais especialmente

verdadeira na França. Enquanto existem centenas de manuais franceses

associados ao ensino da Mecânica quântica, podemos contar nos dedos de

uma só mão os cursos básicos escritos sobre a Relatividade geral. Einstein

sempre lastimou, enfaticamente, durante sua vida, esta desafeição dos

"grandes mestres" para com a Relatividade geral, pouco ensinada

comparativamente à Mecânica quântical. Nestes últimos quinze anos, um

grande esforço de recuperação foi, entretanto, feito no estrangeiro, onde

os cientistas têm consciência de que os progressos em Física se realizarão

através de um "cerrar fileiras" sobre a obra de Einstein. Na França, espera-

se ainda ... e creio que não poderia encontrar no nosso país mais do que

cem leitores capazes de compreender completamente o formalismo da

Relatividade complexa.

Portanto, nesta obra, vou exprimir-me em uma linguagem que os

cientistas, pejorativamente, qualificam de "vulgarização". Eu o farei,

entretanto, com bastante cuidado para não deformar o espírito (senão a

25

forma) dos resultados tais como são expressos na linguagem puramente

científica.

Aliás, meu editor Albin Michel aceita publicar, simultaneamente com esta

obra, meu próprio trabalho científico (Théorie de Ia Relativité complexe),

dirigido somente aos especialistas da Física teórica. Assim, os leitores que

desejarem poderão encontrar nele as bases científicas das concepções e

dos resultados que exporei mais simplesmente aqui.

CAPITULO III

As linguagens de descrição na Física

Descartes e a descrição por "figuras e movimentos". - A relatividade

einsteiniana do tempo e do espaço. - A geometrização da Física. - 0

probabilismo é incompatível com uma geometrização completa da Física?

- Uma nova revolução necessária sobre os conceitos de espaço e de

tempo, para neles incorporar o Espírito.

Demonstrar que há um certo "Espírito" associado às partículas

elementares da Física, é reconhecer este "Espírito" na descrição que

propomos quer do conteúdo, quer do comportamento da partícula. Como o

comportamento da partícula não pode ser motivado ou justificado a não

ser pela interação de seu conteúdo com o mundo exterior, é finalmente

este conteúdo que devemos procurar descrever em primeiro lugar. Então é

necessário que, para esclarecer este problema da eventual natureza

espiritual das partículas, forneçamos uma descrição da estrutura das

partículas. Diremos, por exemplo, que a densidade da matéria ou a

temperatura da radiação estão distribuídas de tal ou qual modo no volume

de espaço ocupado pelo "corpo" da partícula.

Mas a Física está agora, desde há um pouco mais de meio século, diante

de uma dificuldade fundamental no que concerne a qualquer tentativa de

descrição da estrutura de uma partícula. Com efeito, a Física declara desde

1925 que a "descrição" da partícula, no sentido que acabamos de definir, é

simplesmente impossível por princípio. Não é possível estabelecer um

"rosto" para a partícula, exprimindo-nos da mesma forma como o

faríamos, por exemplo, para o rosto humano. Para descrevê-lo poderíamos

dizer "que ele tem um nariz, uma boca situada no meio e sob dois olhos,

que sua forma é oval e enfeitada por duas orelhas, uma de cada lado, etc.".

26

Para um físico contemporâneo não tem mais sentido uma descrição

geométrica semelhante para falar do aspecto e do conteúdo de uma

partícula. Em contraposição, podemos descrever a partícula atribuindo-lhe

características de tipo "subjetivo", isto é, sob forma de opiniões motivadas

relativas à observação, opiniões baseadas em grande parte em convenções

de linguagem imaginadas pelo observador humano. Diremos, por

exemplo, que esta partícula é "estranha", que ela não tem "cor" mas que

tem "encanto", etc. Estes termos não foram inventados aqui para ilustrar a

minha afirmação; os termos estranho, cor, encanto são efetivamente

qualidades dadas pelos físicos modernos às partículas elementares; e estes

termos substituem a "descrição" dos físicos.

Como então fomos obrigados, parece-nos, a dar à descrição científica esta

forma tão distanciada da que sempre foi, até o começo deste século? É o

que desejamos explicar primeiro, para demonstrar claramente como

seremos em seguida conduzidos, de maneira natural, a introduzir a

existência de um espaço-tempo do Espírito, justaposto ao espaço-tempo

tradicional, o da Matéria.

Desde que o Homem é capaz de pensar, parece que ele sempre considerou

possível descrever o mundo em torno de si como uma "substância"

presente no espaço e evoluindo no tempo. Podemos representar

geometricamente esta distribuição da substância no espaço e no tempo.

Assim, a arte pré-histórica nos mostra, sobre os muros das cavernas de

Lascaux, por exemplo, representações de animais traçadas pelo Homem,

há muitas dezenas de milhares de anos: a "substância" representada aqui é

a carne do animal e o desenho simboliza a maneira pela qual esta carne é

repartida no espaço; algumas vezes, muitas posições sucessivas dos passos

no tempo são igualmente representadas no mesmo desenho, o que

demonstra bem a idéia de poder representar geometricamente as coisas

como formas evoluindo no tempo.

No princípio do século XVII, Renê Descartes confirmava ainda esta

possível descrição "geométrica" da natureza. Para Descartes, o mundo é

capaz de ser inteiramente representado por "figuras e movimentos"; por

outro lado, ele introduz a noção de "sistema de referência", ao qual

relacionaremos, para melhor descrevê-lo, o fenômeno geométrico.

Suponhamos, por exemplo, um objeto com a forma de um pião girando

sobre si mesmo no chão de um quarto. Escolheremos, como sistema de

referência, as três arestas concorrentes obtidas pelo encontro de duas

paredes do quarto e do chão. Poderemos, em seguida, descrever de

maneira precisa o movimento do pião indicando como variam, no decurso

27

do tempo, as distâncias de cada ponto do pião até às três arestas das

paredes e do chão, que chamaremos eixos do sistema de referência

escolhido. Poderemos descrever desta maneira, por exemplo, o balanço

bastante conhecido do pião enquanto ele gira, e também a queda ao chão

no momento em que pára de girar. Resumindo, como o desejava

Descartes, o fenômeno "rotação do pião" pode ser, graças a este sistema

de referência, descrito de maneira precisa em termos de "figuras e

movimentos".

Albert Einstein, no princípio do nosso século, apresentará dois

melhoramentos sucessivos a esta descrição dos fenômenos físicos.

Primeiro, em 1905, ele mostra que não é suficiente escolher um

referencial para descrever corretamente o fenômeno; também é necessário

prestar atenção ao fato de que as dimensões da forma representada

dependem da velocidade desta forma, tal como a avaliamos no referencial.

Esta forma tem, com efeito, tendência a se "deformar" na direção de sua

velocidade. Assim, uma régua de cem centímetros de comprimento,

deslocando-se na direção de sua maior dimensão, no sistema de referência

escolhido, mede um pouco menos de 1 metro. Este efeito, curioso à

primeira vista, não é sensível a pequenas velocidades; mas se torna

importante quando nos aproximamos da velocidade da luz (300.000

quilômetros por segundo). Julguemos: nossa régua de 100 cm não tem

mais do que 43,6 cm quando ela se desloca na direção do seu

comprimento a 90% da velocidade da luz; a mesma régua mede somente

14,1 cm a 99% da velocidade da luz; e esta régua teria dimensões nulas se

ela pudesse deslocar-se à veloci;dade exata da luz.

A que se deve este efeito de "encurtamento"? Einstein nos explica, na sua

Relatividade restrita de 1905, que é devido ao fato de que o tempo e o

espaço não são independentes um do outro, como os homens sempre

pensaram até então. Esta interdependência aparece desde que interfiram

velocidades, pois uma velocidade é um espaço percorrido por unidade de

tempo. Se acreditamos, até 1905, em um espaço e um tempo "absolutos",

e, portanto independentes um do outro, é que o efeito do "encurtamento"

não se manifesta de maneira apreciável à observação, a não ser para as

velocidades próximas à da luz. E o princípio do nosso século XX é

precisamente a época em que as experiências sobre objetos viajando no

espaço a velocidades próximas à da luz se tornaram possíveis e se foram

desenvolvendo. É relativamente "coMUM93, por exemplo, chegar a fazer

medições experimentais na Física sobre elétrons circulando a 90 por cento

da velocidade da luz; ora, este efeito de esmagamento do espaço na

28

direção da velocidade da luz, como acabamos de ver, tem por

conseqüência a redução dos comprimentos para menos da metade a uma

tal velocidade. Desde 1905, pudemos verificar milhões de vezes que este

efeito de encurtamento previsto por Einstein aconteceu, e temos, portanto,

certeza de que não se trata de nenhuma especulação do nosso grande

físico, mas sim de um efeito real.

Notaremos que este efeito tem profundas implicações filosóficas. Assim,

quem ainda não se perguntou se o Homem será capaz um dia, com o

progresso da técnica, de chegar a planetas de estrelas bem afastadas do

nosso Sol? A galáxia de Andrômeda, por exemplo, comporta bilhões de

sóis, e também bilhões de planetas girando em torno destes sóis. Mas

infelizmente, estes planetas de Andrômeda estão terrivelmente longe, e

são necessários perto de dois milhões de anos para que a luz saída da

Terra chegue lá. Se o espaço fosse absoluto, isto é, se nossa distância até

Andrômeda não dependesse da velocidade com a qual se chega lá, então

deveríamos concluir que o Homem não poderá jamais visitar nossos

eventuais irmãos pensantes que habitam estas terras longínquas, quaisquer

que sejam os progressos da técnica; com efeito, mesmo à velocidade da

luz, seriam necessários dois milhões de anos para chegar até Andrômeda,

o que é incompatível com as simples dezenas de anos da vida humana.

Mas o espaço, e portanto as distâncias, não são absolutos, como o

sabemos desde 1905. E um cálculo simples mostra que, a 99 por cento da

velocidade da luz, somente seriam necessários 28.000 anos para

chegarmos à Andrômeda: 283 anos a 99,999999 por cento da velocidade

da luz ... e somente 2,8 anos se conseguirmos, um dia, construir um

foguete (por que não?) que se desloque a 99,9999999999 por cento da

velocidade da luz. Notemos que tal velocidade não é tão inacessível como,

à primeira vista, parece: acelerando continuamente, no decorrer da

viagem, na aceleração à qual somos constantemente submetidos pela

gravidade terrestre quando estamos na Terra, será necessário perto de um

ano para nos aproximarmos muito perto da velocidade da luz. Quem pode

predizer onde se deterá a técnica humana? 0 "encurtamento" das

distâncias com a velocidade leva a afirmar que não existe nenhuma razão

de princípio nos impedindo de esperar que todo nosso imenso Universo

será, um dia, acessível às viagens do Homem no cosmo. Aqui, ainda,

vemos a Metafísica invadindo a Física, para desagrado de alguns

"cientistas"!

Dez anos depois de ter mostrado que tempo e espaço eram tão

dependentes um do outro, Albert Einstein "recomeçava" sua contestação

das idéias admitidas há milênios sobre o tempo e o espaço. Defendia, em

29

1915, com a sua Relatividade geral, que o espaço não era de modo algum

este quadro "vazio" que se imaginava simplesmente como contendo os

fenômenos físicos; o espaço era a própria "substância" que constitui a

essência dos fenômenos.

Pode-se fazer uma idéia da modificação de perspectiva que isto implicava,

comparando-se os fenômenos físicos com atores representando no palco

de um teatro. Até aqui estávamos persuadidos de que estes atores eram

seres de carne e osso tendo uma existência independente do espaço do

palco no qual se movimentavam e declamavam seus papéis. Ora, com

Einstein, aprendemos rápido que estes personagens são produzidos por

uma radiação laser e por alto-falantes distribuídos no palco, e não têm

portanto nenhuma existência independente de todos os dispositivos

audiovisuais que são parte integrante do palco.

Na Relatividade geral, de maneira semelhante, os fenômenos não têm

nenhuma existência independente do espaço, pois eles são constituídos

com o próprio espaço, e sua "substância" é do espaço. Mas, continua

Einstein, o espaço é capaz de possuir "curvaturas", isto é, formas, e são

estas formas que desenham a aparência que conhecemos dos fenômenos

físicos.

Em resumo, vemos com Einstein o desejo de Descartes completamente

satisfeito: tudo é feito com a forma da extensão. Assim, uma partícula

elementar, por exemplo, será apenas uma região do espaço

particularmente curva na minúscula região onde esta partícula se localiza.

As ondas eletromagnéticas, a gravitação e, mais amplamente, todos os

fenômenos físicos conhecidos seriam, do mesmo modo, regiões curvas e

em movimento do espaço, um pouco como as ondas do oceano. Portanto,

com Einstein, temos o triunfo da geometria na Física; todo nosso Universo

é apenas constituído por formas geométricas de uma substância única

chamada espaço; ou, mais precisamente, espaçotempo visto que, desde a

Relatividade restrita de 1905, tempo e espaço não eram mais

independentes um do outro.

Seria isto uma simples visão do espírito? De modo algum; e todas as

experiências feitas desde 1915 para confirmar a Relatividade geral jamais

contradisseram a interpretação einsteiniana dos fenômenos físicos

considerados como do espaço com curvas em movimento (isto é, do

espaço-tempo com curvas). No decurso destes últimos quinze anos, as

aplicações deste ponto de vista foram particularmente produtivas em

astrofísica, permitindo especialmente explicar a estrutura das estrelas

30

muito densas: pulsares, quasares, buracos negros. Teremos ocasião de

voltar a estes resultados.

É necessário notar que, ainda aqui, as implicações filosóficas, ou melhor

dizendo metafísicas, da descoberta de Einstein são extremamente

fundamentais. Com efeito, graças à Relatividade geral tornou-se possível

falar em termos científicos do nosso Universo como um todo. A idéia

admitida atualmente, em astrofísica, é que o espaço do nosso Universo é

"fechado". 0 espaço em seu conjunto, com efeito, seria ligeiramente

curvo, de tal modo que, se tivéssemos a possibilidade de nos deslocar no

Universo sempre "em linha reta" (isto é, segundo uma trajetória sem

nenhuma "curvatura", por menor que ela seja), acabaríamos por retornar

ao ponto de partida. Em resumo, esta descoberta da curvatura de conjunto

do nosso Universo assemelha-se a que foi feita na época de Cristóvão

Colombo no fim do século XV, segundo a qual nossa Terra, também, era

curva em seu conjunto e possuía uma forma geral de aparência esférica.

Na Terra, como em todo o Universo, retornamos ao ponto de partida

caminhando continuamente para frente, em linha reta. Certamente, a idéia

de um Universo fechado sobre si mesmo requer reflexão, e os argumentos

contra Einstein para tentar desacreditar seu ponto de vista foram

numerosos. Contra a Terra esférica, também se dizia que era absurdo,

visto que neste caso os humanos deveriam andar "de cabeça para baixo"

em relação aos antípodas, e cairiam portanto no vazio do espaço que

circunda a Terra. Os argumentos contra o Universo em curvatura

traduzem aproximadamente o mesmo espírito ou, mais exatamente, a

mesma ignorância.

Voltaremos longamente sobre esta propriedade do espaço de poder se

curvar, a ponto de se fechar sobre si mesmo, como acontece para o

conjunto de nosso Universo. Veremos, com efeito, que algumas partículas

da Física, os elétrons, são minúsculos microuniversos formados de um

espaço-tempo particular, fechado ele também em torno de si mesmo. Este

espaço-tempo será o do Espírito.

Mas, antes disso, devemos falar ainda um pouco sobre o "drama" da

Física, em 1925, quando foi introduzida a noção de "probabilismo". 0

probabilismo induzia a pôr de alto a baixo todo o belo edifício

einsteiniano, propondo "geometrizar" completamente a Física. Vejamos

isto mais de perto.

Em 1925, os físicos se baseavam tanto em trabalhos teóricos

(Schrõdinger, de Broglie, Heisenberg... ) corno em experimentais

31

(difração dos elétrons), para constatar que era impossível obter, de uma

partícula, informações precisas concernentes à sua posição e à sua

velocidade, de uma só vez. Não é útil retornarmos aqui, detalhadamente,

sobre esta etapa importante do conhecimento em Física; indicaremos,

simplesmente, o essencial das conclusões a que chegaram os físicos.

Se se obtinham, no decurso de uma experiência em Física, informações

para localizar exatamente, em um instante dado, a posição de um elétron,

por exemplo, então não se podia saber nada de sua velocidade neste

mesmo instante; esta velocidade poderia ter qualquer valor entre zero e a

velocidade da luz. Inversamente, se se conseguia medir exatamente, em

um instante dado, a velocidade de um elétron, então não se podia saber

nada mais sobre sua posição no espaço, que podia muito bem ser aqui ou a

centenas de lugares daqui. Resumindo, tornava-se impossível falar da

"trajetória" de uma partícula como um elétron, isto é, proibido tentar uma

representação exata de sua posição e de sua velocidade em um sistema de

referência dado (ou, de uma outra maneira, de falar de suas posições

sucessivas no espaço em função do tempo).

Isto era muito grave para a esperança de "geometrização" completa da

Física preconizada por Einstein; pois, com efeito, geometrizar a Física é,

precisamente, poder descrever exatamente, em cada momento, a forma

geométrica do espaço. Um elétron em movimento, por exemplo, está na

Relatividade geral de Einstein descrito num referencial dado como uma

forte curvatura bem localizada do espaço (uma minúscula "saliência" do

espaço) se deslocando no correr do tempo. Portanto, considera-se que esta

"saliência" vai percorrer uma trajetória precisa: o que está em flagrante

contradição com as conclusões dos físicos de 1925, que declaram que não

há mais nenhum sentido em se falar da "trajetória" de um microobjeto

como um elétron, pois esta trajetória não pode, em nenhum caso, qualquer

que seja o dispositivo experimental escolhido, ser um fenômeno

"observável". E, naturalmente, é necessário construir as teorias físicas

com o auxílio de conceitos que permitam verificar a teoria, isto é, que

levem à experiência, ao observável.

Portanto, quais são os novos conceitos que os físicos de 1925 vão propor

para construir a Física? Primeiro, vão proscrever, como acabamos de

notar, a possibilidade de descrever a estrutura de uma partícula como

descreveríamos, por exemplo, o rosto e o corpo humano. Tal descrição

supõe, com efeito, um conhecimento preciso da situação dos pontos que

constituem a estrutura da partícula no decorrer do tempo, isto é, supõe a

possível existência de uma "trajetória" de cada um dos pontos da

32

estrutura; e isto está proibido daqui por diante. Os defensores da teoria

quântica (como chamaremos a seguir este novo enfoque em Física),

entretanto, admitirão que a partícula, um elétron, por exemplo, possa ser

um objeto mínimo corpuscular, visto que ele se manifesta como um

corpúsculo nas observações (o choque de um elétron sobre a tela da

televisão, por exemplo, é localizado como um "ponto" sobre a tela). Os

teóricos quânticos recusarão com energia que se dê um "rosto" a este

elétron, isto é, que se tente dizer como ele é feito. Em outras palavras,

mais uma vez, nada de descrição "geométrica" para falar dos fenômenos

físicos.

A propósito, os teóricos quânticos vão introduzir, em Física, um elemento

extremamente novo, totalmente desconhecido até então: proporão uma

onda puramente subjetiva (a famosa onda psi), que não será mais

representante do próprio objetivo físico estudado, mas serão as

informações que se é capaz de conhecer, a todo instante, sobre este objeto

físico. Estas informações, pelas razões que acabamos de dar, não são

nunca dados precisos que contêm, ao mesmo tempo, a posição e a

velocidade de uma partícula. Estas informações exprimem somente a

probabilidade de encontrar, em um dado momento, a partícula neste ou

naquele ponto do espaço.

Dizíamos, e é necessário insistir, que esta onda psi, portadora das

informações "probabilísticas" que temos sobre o fenômeno estudado, é

subjetiva, no sentido de que ela não pode e não deve, em nenhum

momento, ser considerada um fenômeno "objetivo" que ocupa lugar no

espaço e no tempo onde se movimenta o que chamamos a Matéria. A onda

psi é comparável a um registro de informações que se distribuiria aos

automobilistas para lhes indicar a quantidade provável de veículos nas

diferentes estradas em tais e tais horas do dia. A densidade real dos

veículos, em tal lugar e em tal momento, constitui o fenômeno objetivo

que se localiza no espaço e no tempo; as probabilidades contidas no

registro de informações, ao contrário, não têm nenhum caráter objetivo;

elas se referem a avaliações estatísticas estabelecidas pelo espírito desse

observador que é o Homem. Em outros termos, se a onda psi com

característica probabilística dos físicos devesse ter um caráter "objetivo"

qualquer, certamente isto não poderia ser, em todo caso, no espaço-tempo

onde evolui a Matéria (os automóveis neste caso acima), mas em um

espaço-tempo diferente, que poderíamos chamar de espaço-tempo das

informações probabilísticas, ou melhor ainda, de espaço-tempo do

Espírito. Naturalmente, voltaremos a este ponto de vista.

33

Entretanto, Einstein não abandonaria, tão facilmente, sua esperança de

"georn etriz ação" da Física. Todo o resto de sua existência, entre 1925 e

1955, será consagrado a lutar contra o enfoque puramente probabilístico

da Física. Einstein pensará sempre que se trata lá de uma descrição

incompleta, no sentido em que uma probabilidade de observação é uma

descrição menos completa do que a que consiste em dar às coisas, a cada

instante, uma forma geométrica e um movimento preciso. E, para

Eínstein, o objetivo da Física deverá ser o de descrever em termos de

formas e de movimentos.

Mas, contra Einstein, os físicos quânticos se tornaram sempre mais

numerosos. Com a morte do grande físico, em 1955, quase todos os

pesquisadores em Física estimavam que, apesar do seu enfoque

considerável no domínio da Relatividade, Einstein teria, finalmente, se

enganado nos últimos trinta anos de sua vida, desejando

desesperadamente agarrar-se a uma Física determinista, tendo como

objetivo a geometrização completa dos fenômenos do espaço-tempo.

Tendo a causa sido entendida, a Física permanecerá probabilística? Não

há certeza nenhuma; nestes últimos vinte anos, pudemos assistir a esforços

renovados, em todos os países do mundo, para tentar completar a

descrição probabilística, ou pelo menos, para tentar retomar um

verdadeiro ponto de vista determinista, como antes de 1925.

No meu entender, o progresso deve hoje realizar-se muito menos por uma

contestação do probabilismo do que por um esforço de discernir por que,

em um referencial de espaço-tempo, somos incapazes de representar com

uma exatidão total, isto é, sem indeterminação, ao mesmo tempo a posição

e a velocidade de uma partícula. Esta tentativa não deve ser feita, no

espírito, com a pretensão de mostrar que podemos num tal referencial

contornar a dificuldade e obter as informações exatas e simultâneas que

desejamos. Isto seria desconhecer as bases extremamente sólidas sobre as

quais se apóia a Teoria Quântica. Em revide, não é proibido questionar se

o referencial espaço-tempo escolhido para descrever todos os fenômenos

físicos é bem apropriado para nos fornecer a totalidade das informações

possíveis e simultâneas sobre os fenômenos observados.

Para ilustrar este ponto, suponhamos que o espaço comporta uma outra

dimensão além das três (altura, largura e comprimento) tradicionalmente

atribuídas ao nosso espaço físico. Para perceber suas conseqüências,

suponhamos que escolheríamos somente referenciais com duas dimensões

para descrever os objetos de nosso espaço físico, que possui, como

34

sabemos, três dimensões. Isto significaria que deveríamos nos limitar a

descrições de objetos tridimensionais sob a forma de "cortes", através de

superfícies bidimensionais. Certamente, multiplicando os cortes,

poderíamos ainda, sem dúvida, fazer uma idéia do objeto tridimensional:

mas com que riscos de dificuldades na linguagem! Por exemplo, se o

objeto é um cilindro, um corte plano poderá nos fornecer um círculo, um

outro corte plano um retângulo: como um objeto pode ser, perguntaremos,

ao mesmo tempo círculo e retângulo? 0 problema de um objeto ao mesmo

tempo onda e corpúsculo não se parece com o precedente?

E as coisas seriam mais ambíguas ainda se a dimensão que falta não fosse

do tipo espaço, mas do tipo tempo. Assim, suponhamos que o tempo físico

não seja inteiramente constituído pelo tempo t ,,ordinário", aquele que nos

serve para avaliarmos os movimentos da matéria, mas também de um

outro tempo V, justaposto ao tempo ordinário t. Então, nada permitiria

pensar que o movimento real de um objeto no espaço pudesse ser descrito

como uma trajetória contínua em função do único tempo t. Se, no mesmo

instante t, o objeto é igualmente capaz de se deslocar em função de V,

então se torna impossível prever exatamente o movimento deste objeto no

espaço físico, dando-se somente sua posição e sua velocidade iniciais em

função do tempo t; naturalmente faltam os mesmos dados iniciais em

função do tempo t’.

Resumindo, devemos nos perguntar se não é uma estrutura do espaço-

tempo mais complexa do que a imaginada até então pelos nossos cientistas

que justificará o probabilismo estrito da Física atual, isto é, um

probabilismo que não é possível considerar como de origem estatística.

E esta estrutura mais complexa, a Teoria Quântica não nos coloca no

caminho para descobri-Ia? Não é necessário pesquisar em que espaço-

tempo (mais "complexo" que o de Einstein e também que o da Teoria

Quântica) a onda psi terá uma existência "objetiva"? Visto que a onda psi

é portadora de informaçoes para o espírito humano, este espaço-tempo

complementar do espaço-tempo "ordinário" não deve ser um espaço-

tempo do espírito?

Em outras palavras, é questionando novamente, depois de Einstein, o

problema da natureza e da estrutura do espaço e do tempo que, talvez,

pudéssemos realizar um novo passo em Física. Mas, pelo que acabamos

de ver, tal passo só poderia ser dado com a condição de termos, desde o

início, consciência de que será necessário fazer constar na descrição dos

fenômenos físicos tanto o Espírito quanto a Matéria.

35

É o que vamos examinar, agora, mais detalhadamente.

CAPITULO IV

0 espaço-tempo complexo

Matéria e Espírito unificados em um espaço-tempo complexo. - 0 "ponto"

do espaço-tempo tradicional é um domínio extenso. - Os "buracos negros"

como prova da complexidade do espaço e do tempo. - Diário de viagem

através de um buraco negro. - 0 espaçotempo dos buracos negros

memoriza e ordena os acontecimentos, assim como faz o Espírito.

Devo confessar entretanto aos meus leitores que, pessoalmente, não me

propus, no início das minhas pesquisas, alcançar um progresso em Física,

buscando deliberadamente fazer participar o Espírito nas minhas

descrições dos fenômenos ao lado da Matéria.

0 problema que me havia proposto inicialmente, como um físico-teórico,

era construir uma teoria unitária dos fenômenos físicos, isto é, uma teoria

unificando o conjunto dos fenômenos físicos observados, mostrando que

cada um deles constituía apenas um caso particular de uma grande lei

geral (a lei unitária). Mas, entretanto, não havia excluído, a priori, a

possibilidade de que, se conseguisse formular uma tal lei unitária, então

uma das conseqüências desta lei seria a de nos fornecer alguma luz sobre

a natureza e os mecanismos do Espírito. Pois, finalmente, não é o próprio

Espírito o princípio unificante de todos os fenômenos observados? Pois

bem, na verdade, foi o que aconteceu.

No decorrer dos meus anos de pesquisa, convenci-me, pouco a pouco, de

que o meio mais lógico para tentar uma unificação dos fenômenos físicos

era "ampliar" de alguma forma o quadro de referência habitual do espaço

e do tempo. Aliás, esta idéia, à luz da reflexão, era também, sem dúvida, a

mais "natural": quando queremos fazer uma síntese entre fenômenos

aparentemente sem relação direta um com o outro, é necessário preencher

o "nada" que os separa com alguma coisa; um método é criar um espaço-

tempo mais largo, capaz de conter os diversos fenômenos considerados,

colocando-os em relação..Ê com tais exemplos que percebemos

claramente o sentido profundo da afirmação de Einstein, já citada,

segundo a qual "uma teoria pode ser verificada Pela experiência, mas não

existe nenhum caminho que leve da experiência à criação de uma teoria".

36

0 físico deve, ao menos nas suas diligências iniciais, fazer uma verdadeira

criação, isto é, retirar as premissas da sua teoria de sua própria intuição e

não dos fatos experimentais, que não permitirão ao Conhecimento avançar

um passo, se tomarmos estes fatos pelo que acreditávamos que eram na

origem das pesquisas. Estou intimamente persuadido de que a Física

alcançou seus maiores progressos, contrariamente ao que pretendem em

geral, renegando os fatos experimentais (que não são jamais "fatos" no

absoluto, mas interpretações baseadas somente numa parte dos dados que

a Natureza coloca ao alcance dos nossos sentidos).

Portanto admiti que, para caminhar para a unificação dos fenômenos, era

necessário postular que existiam dois espaços-tempos justapostos,

constituindo um espaço-tempo mais geral, no qual, então, os fenômenos

apareceriam unificados. Guiado pelos trabalhos de Einstein sobre a

Relatividade geral, que faziam intervir o tempo como uma dimensão

"imaginária", admiti que as quatro dimensões (três de espaço e uma de

tempo) de meu espaço-tempo generalizado eram, cada uma, desdobradas

entre uma parte "real" e uma parte "imaginária". Em Matemática, quando

falamos de números "desdobrados", chamamolos de números complexos.

As dimensões do meu espaço-tempo generalizado são, portanto, no

sentido matemático, dimensões complexas; daí o nome de Relatividade

complexa que dei à teoria que desenvolvi explorando as propriedades

deste espaço-tempo generalizado.

Não tenho intenção de abordar aqui os detalhes da teoria matemática das

grandezas ditas "complexas". Não é objeto desta obra. Mas, para que o

leitor não-iniciado possa fazer uma idéia do que é necessário entender por

"complexo", fornecerei uma imagem.

Tomemos uma moeda deitada sobre uma mesa. Só percebemos o lado da

"cara" da moeda. Podemos traduzir este fato dizendo que o lado da face é

"real", posto que é visível. Um garotinho (seis a doze meses segundo as

experiências do psicólogo Piaget) pensará, na maioria das vezes, que esta

peça tem um só lado, visto que só um lado é apreendido diretamente pelos

seus sentidos. Entretanto, como adultos, podemos fazer um esforço de

imaginação e declarar que esta peça possui igualmente um lado "coroa",

escondido pelo contato com a mesa. Entretanto, como não o vemos,

podemos qualificá-lo de "imaginário". Isto não impede que, mesmo que

ele não seja visível, sua existência pareça certa para a maioria dos

observadores. Se, portanto, admitimos a existência destes dois lados da

peça, um lado coroa e um lado cara, a despeito de vermos apenas um,

37

poderemos caracterizar esta opinião anunciando que a peça tem um

anverso e um reverso, ou ainda dizendo que a peça é complexa.

Dizer que as dimensões do tempo e do espaço são complexas é análogo

(mas, bem entendido, não idêntico) a dizer que o tempo e o espaço têm

um direito e um avesso. Portanto, não seria realmente exato dizer que com

um espaço-tempo "complexo" teremos "dobrado" as dimensões do espaço-

tempo "ordinário" (que seriam então oito em vez de quatro): o que é

correto dizer é que iremos construir uma teoria física em um espaço-

tempo, onde o direito e o avesso desempenharão ao mesmo tempo o papel

das três dimensões do espaço e da dimensão do tempo.

Mas existem indícios na Física atual que permitiriam entrever os

primeiros sinais de uma tal "complexidade" do espaço-tempo apreendida

pelos nossos sentidos?

De repente, como já disse, a existência de uma tal complexidade me

parece muito evidente, considerando as duas "faces" do nosso Mundo

sensível que são a Matéria e o Espírito. Mas, "antes disso", isto é, antes do

início da teoria, foram razões muito mais prosaicas que me apareceram

como indícios de uma complexidade do espaço-tempo. Selecionarei aqui

duas dessas razões, que são, talvez, as principais.

Primeiro, o fato de que a Física contemporânea, desde a Teoria Quântica

de 1925, muitas vezes é levada a dar um conteúdo físico a um ponto de

espaço-tempo; ou antes, a um ponto-acontecimento de espaço-tempo,

visto que tal ponto é feito de um ponto "matemático" de espaço (isto é, de

volume nulo) associado a uni instante do tempo (isto é, de duração nula).

Tal "conteúdo físico" atribuído ao ponto-acontecimento aparece

principalmente no que chamamos Teoria Quântica dos campos, onde cada

ponto do campo é considerado como um pequeno oscilador independente,

possuindo certa quantidade não nula de uma grandeza chamada ação 1.

Como é possível "manter" uma quantidade física que, por sua própria

definição, deve necessariamente ocupar um volume não nulo de espaço,

em um ponto matemático que, igualmente por definição, é sem volume?

Problema análogo para algumas partículas, como o elétron, por exemplo:

colocamo-nos em dificuldades para interpretar as observações se

admitimos que o elétron não é assimilável a um ponto matemático,

ocupando, portanto, um volume nulo de espaço; tomemos uma partícula

que possui uma massa não nula, e ficamos com a obrigação, a fim de não

contradizer a experiência, de "instalar" esta massa não nula em um

volume nulo de espaço!

38

A idéia mais simples que sugere uma tal situação é que a massa se

esconde "em algum outro lugar" que não o espaço-tempo ordinário que

consideramos, e onde situamos o ponto matemático de espaço tempo.

Estaríamos aqui, parece, como diante de um muro opaco onde, entretanto,

perceberíamos um ponto minúsculo filtrando um raio de luz. Que

concluir, senão que atrás do lado aparente do muro existe um espaço

contendo luz, e um minúsculo buraco no muro (um ponto) nos permite

perceber esta luz. Em Física, o aspecto pontual de uma partícula dotada de

massa como o elétron poderia ter uma explicação análoga: a massa do

elétron está situada em um espaço "justaposto" ao nosso espaço ordinário.

Ignoramos este novo espaço quando falamos do elétron através das

equações que o descrevem, pela simples razão de que não escolhemos,

para esta descrição, um referencial contendo dimensões representáveis

neste novo espaço.

Estas reflexões simples, sem dúvida nenhuma, guiaram minhas pesquisas

desde o início dos meus trabalhos. Alguns não hesitarão em considerar

estas reflexões "simplistas" e, portanto, não utilizáveis em matéria

científica. Não os seguirei nesta linha, pois minha experiência me mostrou

que, muitas vezes, a idéia "mais simples" é a mais útil, entretanto a mais

difícil de distinguir no princípio de qualquer pesquisa, obscurecido como

está naquele momento o nosso espírito pelos pressupostos inevitáveis que

tem para julgar de toda a situação. Aristóteles nos lembrava que "os

Homens, diante das idéias simples, são como os morcegos diante da luz:

cegos".

Mais recentemente (no início de 1973), uma outra razão, mais "técnica"

desta vez, forneceu-me novos indícios para justificar a existência de um

espaço-tempo complexo.

Todos conhecem, hoje em dia, as analogias que a Natureza apresenta

quando comparamos os fenômenos nas duas extremidades da escala de

suas dimensões: o átomo, com seus minúsculos elétrons girando em torno

do núcleo, parece-se com o sistema solar, com os planetas girando em

torno do sol central; as partículas elementares pesadas, como o nêutron,

por exemplo, que entra na constituição de todos os núcleos atômicos

(salvo o do hidrogénio), têm grandes semelhanças com o que chamamos

em astrofísica pulsares, que são estrelas terminando sua existência, e cuja

densidade é precisamente da ordem de grandeza da densidade dos

nêutrons; como os nêutrons, os pulsares giram rapidamente em torno de

39

um de seus eixos e possuem um campo magnético bipolar; enfim, como os

nêutrons, os pulsares estão em pulsação radial.

Tinhamos assim o direito de esperar ver este espaço-tempo complementar

do espaço-tempo da Matéria, se ele existe e exerce um papel nas

partículas elementares como pensamos, de mostrar também sua existência

na escala cósmica.

Ora, encontramos este espaço-tempo novo, efetivamente, intervindo ein

astrofísica. É o espaço-tempo que os astrofísicos encontram no que

chamam "buracos negros",

Os buracos negros e seu estudo tornaram-se um dos temas centrais da

astrofísica contemporânea, sobretudo desde que nossos radiotelescópios

nos permitiram pensar que havíamos identificado um na Constelação do

Cisne. 0 que é, pois, um buraco negro?

As estrelas nascem, vivem e morrem, do mesmo modo que os Homens.

Dizemos que uma estrela se aproxima de sua morte quando seu fogo

interior, alimentado pelas reações termonucleares que acontecem no

interior do corpo estelar, termina por se apagar porque todo o seu

combustível se queimou. Durante sua "agonia", as estrelas se comportam

diferentemente uma da outra. Se sua massa ultrapassa 3,4 vezes a massa

do nosso Sol, elas começam a tomar-se estrelas explosivas, expulsando

uma parte de sua matéria periférica (supernova). Quando sua massa é

reduzida a menos de 3,4 vezes a do nosso Sol, elas se apagam

progressivamente. Em todos os casos, no decorrer deste período final de

"extinção", elas "murcham" para se tornar, primeiro, anãs brancas, ainda

relativamente muito quentes. Depois, ainda perdem calor, diminuindo

sempre seu raio. Seu movimento de rotação sobre si mesmas vai se

acelerando, levando-se em conta o fato de que seu diâmetro diminui.

Quando sua densidade é da ordem de grandeza da da matéria nuclear, elas

se tornam o que chamamos pulsares, isto é, objetos que possuem massa de

ordem igual à do Sol, mas medem apenas alguns quilômetros de diâmetro.

Estes pulsares estão em pulsação radial, com um período principal

geralmente da ordem do segundo. Reconhecemos estas pulsações através

dos breves sinais de radiação eletromagnética que o pulsar nos envia a

cada contração. Mas esta energia eletromagnétíca dissipada no espaço é

tirada da rotação do pulsar, e o período de pulsação, portanto, aumenta

lentamente. Em um certo momento se produz, então, uma "exaustão

gravitacional": a velocidade de rotação do pulsar sobre si Mesmo torna-se

muito mais fraca para que as forças centrífugas e a pressão

40

eletromagnética venham compensar as forças de contração gravitacional;

o pulsar tem seu raio que diminui ainda mais rapidamente, e a estrela

exaure-se. É provável que, no decorrer desta fase final, os próprios

nêutrons, esmagados uns contra os outros, terminem por fundir-se em um

só magma de enorme densidade.

Consideremos que é aí que aparece o que chamamos um "buraco negro"

(black hole). A gravitação na superfície da estrela que se exauriu, com

efeito, vai aumentando sem cessar, visto que as forças gravitacionais sobre

a superfície variam com o inverso do quadrado do raio. Como o espaço se

curva tanto mais quanto mais forte é a gravitação, chega um certo nível de

achatamento (isto é, um certo raio da estrela) para o qual o espaço se

curva a ponto de se fechar sobre si mesmo. Então estamos diante não de

apenas um mas de dois universos: nosso grande Universo, que tem seu

próprio espaço fechado sobre si mesmo, com um raio de milhões de anos-

luz; depois, vindo como que a se justapor a este espaço, à maneira de uma

bolha que se forma sobre o couro de uma enorme bola, um "ovo" como

que gerado pelo nosso próprio Universo, um espaço que forma um todo

em si mesmo, com o qual (como iremos ver) nosso Universo terá apenas

um "ponto" de contato: assim identificamos um buraco negro.

Por que este nome de buraco negro? Porque, precisamente, este

espatempo do buraco negro tornou-se um outro espaço-tempo que não o

nosso, aliás com propriedades bastante diferentes. E, especialmente, uma

propriedade essencial: mesmo se esta estrela exaurida, este microuniverso

feito de um espaço-tempo distinto, contivesse luz, ou neutrinos, ou

partículas, ou tudo o que se possa imaginar, agora é impossível por

qualquer razão que seja sair dessa bolsa que acaba de nascer e é feita de

um espaço-tempo distinto. Em resumo, nenhum dos nossos sentidos,

nenhum dos nossos aparelhos científicos, tanto os atuais como os do

futuro, poderá discernir o que quer que seja do conteúdo do buraco negro.

Este conteúdo caiu, verdadeiramente, no negro absoluto. Daí o nome de

um tal objeto.

Mas então, vocês poderiam dizer, se este buraco negro é tão negro que

nada pode dele sair, como poderia ele assinalar sua presença se está

condenado a permanecer "pontilhado", como um objeto eternamente

inobservável de nosso Universo? Podemos mesmo afirmar que ele

apresenta ainda alguma relação com o nosso Universo?

Estudos teóricos aprofundados1 sobre os buracos negros mostram que ao,

desaparecer, apresentando somente um ponto de contato com o nosso

41

Universo, o buraco negro deixa, entretanto, traços atrás de si, sob a forma

de uma forte curvatura local no espaço de nosso próprio Universo,

convergindo como um funil para o ponto do desaparecimento do buraco

negro. Isto faz com que a matéria do nosso Universo, passando perto do

buraco negro, tenha tendência a cair no fundo deste funil, se ela não tiver

velocidade suficiente para escapar. 0 fenômeno é aqui totalmente

comparável ao que se dá em torno do "olho" de um redemoinho. É o

imenso turbilhão que provoca o bura co negro que permite detectar a

presença de um buraco negro (como o recentemente descoberto na

Constelação de Cisne); as partículas carregadas que caem no funil emitem

ao girar, ao mesmo tempo que se aproximam do fundo, uma forte radiação

X, que traduz a presença de um buraco negro para os observadores

afastados, tais como nós.

Devemos então dizer que o buraco negro vai sempre aumentar sua massa

ao absorver a matéria que passa em sua vizinhança, visto que ele "toma

sem nunca devolver"? A resposta é uma das mais "lindas" histórias da

Relatividade: posto que, quanto mais o espaço-tempo se curva em torno

de uma estrela, mais os fenômenos, para nós que os contemplamos da

Terra, longe da zona curva, nos parecem vagarososs, longe de nos parecer

cair cada vez mais rápido no fundo do funil, à medida que ela se aproxima

deste fundo, a matéria vai nos parecer, na Terra, ao contrário, sempre

diminuir sua velocidade ao se aproximar do fundo do funil. E demonstra-

se que, na verdade, será necessário um tempo infinito para que ela atinja

este fundo, de tal sorte que não a veremos nunca desaparecer no buraco

negro. Aliás, é isto que explica o fato de o buraco negro ser um espaço

"fechado": desde que ele se fechou, não vemos nada nele entrar, nada sair

dele. Somente fenômenos do tipo de "turbilhões" em torno do "olho"

pontual do buraco negro nos indicam que há "perigo" de aproximação,

pois nos arriscamos a sermos colhidos para sempre pelo turbilhão!

Mas se chegássemos realmente a cair neste turbilhão, atingiríamos

finalmente o olho do buraco negro, ou então, corno se constata da Terra

ser-nos-ia necessário um tempo infinito para atravessar este olho?

Nós passaríamos, responde a Relatividade (e aí está o "lindo" da história),

e passaríamos mesmo muito rapidamente; pois se, da Terra, temos a

impressão de uma diminuição de velocidade à aproximação do olho, isto

não é verdadeiro se consideramos o fenômeno avaliando-o com o tempo

apropriado, isto é, medindo o envelhecimento do viajante enquanto ele

desce no olho do redemoinho. 0 viajante vai efetivamente 44entrar" no

buraco negro a uma grande velocidade ... e se encontrar diante de um

42

espaço e de um tempo bem diferentes daqueles que acabou de deixar! É

sobre este espaço-tempo do buraco negro que falaremos agora, pois

veremos que é aqui, embora ainda na ponta dos pés, que veremos apontar

o nariz do Espírito, ou melhor, o de um espaçotempo do Espírito.

Desde que transpusemos o olho do buraco negro, constatamos (segundo os

estatutos teóricos 1 das equações da Relatividade) que o tempo e o espaço

habitualmente considerados em nosso Universo de repente invertem seus

papéis. As dimensões do espaço novo se tornam do tipo tempo (isto é, se

comportam como nosso tempo), enquanto que a dimensão do novo tempo

se torna do tipo espaço (isto é, se comporta como nosso espaço). Tudo

isto, tão espantoso quanto possa parecer, é bem visível nas equações que

chamamos "a métrica da Relatividade". Ainda uma vez, não temos

intenção de entrar aqui nos detalhes matemáticos, e me esforçarei para

expor as principais conseqüências "palpáveis" para um explorador não-

matemático que teria realmente penetrado no novo espaço-tempo, que

chamaremos, para distingui-lo do espaço-tempo ordinário (ou espaço-

tempo da matéria), espaço-tempo do buraco negro.

Primeiro, este espaço do buraco negro tem um comportamento

extravagante. Escutemos Wheeler:

"0 explorador em seu foguete tinha sempre a possibilidade de fazer meia-

volta antes da passagem pela entrada do buraco negro. Bem diferente é a

situação desde que ele passou esta entrada. Agora, seu movimento no

espaço representa o escoamento do tempo. Jamais será possível ao

explorador comandar o seu foguete a fazer meia-volta. Este poder

invisível do mundo que arrasta cada um de nós, feliz ou infelizmente, dos

20 para os 40 anos e dos 40 para os 80 anos, arrastará o foguete no espaço,

sem esperança de volta pelo caminho já percorrido (do mesmo modo que

não podemos voltar ao passado, no tempo). Nenhum ato humano, nenhum

motor de foguete, nenhuma força poderá parar o tempo. Com tanta certeza

como as células morrem, como o relógio do nosso explorador marca os

"minutos cruéis", também com tanta certeza, sem nunca parar no caminho,

o foguete avança sem cessar para frente."

E, devemos acrescentar ainda, o foguete transpõe assim o espaço, sem

poder jamais parar sobre uma espécie de 1imite" do espaço. Com efeito se

chamamos R o raio do buraco negro, como se trata de um universo

"fechado", demonstra-se que o viajante terá voltado à vizinhança do olho

do buraco negro depois de ter percorrido a distância ,n R (e não 2 iz R,

como seria no caso de um círculo). 0 próprio tempo do nosso explorador

43

retomará então seu curso desenvolvendo, sob os olhos do viajante, o

mesmo espaço. Em outros termos, o viajante é aqui prisioneiro num

universo cíclico onde, periodicamente, a cada "volta" do buraco negro, ele

viverá os mesmos acontecimentos.

Eis que nos lembramos, mas numa escala de tempo muito mais fraca, o

que os cosmologistas relativistas prevêem geralmente para o nosso próprio

Universo: ele está atualmente em expansão, mas se contrairá em seguida,

depois se dilatará novamente, e assim por diante; nós assistiríamos,

portanto, assim (nós, ou nossos "duplos" sucessivos) a "eternos retornos".

Mas, atenção! Os estudos relativistas do espaço-tempo dos buracos negros

fazem aparecer uma diferença essencial entre o escoamento do tempo nos

buracos negros e o escoamento do tempo no nosso Universo. 0 tempo se

escoa no buraco negro em sentido inverso ao do nosso próprio tempo. Em

outras palavras, os fenômenos físicos no buraco negro se desenvolvem

regredindo no tempo.

Eis um resultado notável, e que não pode deixar de ter consequencias

importantes. A mais significativa é, sem dúvida, esta: nosso Universo de

Matéria vê os fenômenos se desenrolarem em entropia crescente (isto é, os

fenômenos só podem diminuir sua "ordem" ao evoluir); a evolução em um

universo onde o tempo mudou de sinal conduziria, ao contrário, a

fenômenos se desenrolando em entropia decrescente 1. E, acabamos de

ver, eis o que acontece efetivamente no espaço-tempo do buraco negro: os

fenômenos vão aqui se ordenando sempre um pouco mais.

Na linguagem da teoria da informação isto significa em nosso espaço da

Matéria, o de nosso próprio Universo, um sistema isolado só pode evoluir

com alguma perda de informação sobre o estado do sistema. Ao contrário,

no espaço de um buraco negro, um sistema isolado evoluirá permitindo

obter sempre mais informações sobre seu estado.

Estamos visivelmente, diante de conclusões de uma importância tal que

não hesitarei em qualificá-la de "dramática".

Pois, que vemos se destacar como características essenciais do espaço-

tempo de um buraco-ntgro, segundo o que acabamos de descobrir como

conclusões dos estudos relativistas?

Primeiro, um espaço onde a informação só pode se enriquecer (ou, ao

menos permanecer constante) à medida que o tempo se escoa. Um espaço

44

que é capaz, graças a estas informações, de aumentar sem cessar sua

"ordem" 1. Um espaço que se distingue, portanto, sempre mais do nosso

espaço da Matéria, onde a evolução se opera com degradação contínua da

informação e da ordem. Um espaço que apresenta, finalmente, as

características do que chamamos o espaço do Vivo, o espaço encerrado na

membrana de uma célula viva, por exemplo, que é também um espaço

onde a observação faz aparecer claramente uma evolução em neguentropia

crescente. E, sem dúvida também, o espaço do Pensante, o espaço da

memória que é, ele também, um espaço onde a informação só pode ir

crescendo (ao menos em regime de funcionamento "normal").

E isto não é tudo. Vimos que estamos diante de um espaço-tempo cíclico".

A informação estocada neste espaço, a que foi registrada a cada segundo,

sem poder jamais se perder, no curso do desenrolar do tempo, vai voltar e

estar, portanto, novamente, na paisagem de informações do nosso

explorador, depois que ele tiver completado uma volta inteira no espaço

do buraco negro. Mas isto não é simplesmente o mecanismo da memória;

as informações são registradas sem cessar e podem, em seguida, ser

relembradas em um instante posterior, como no curso de uma certa "volta

do tempo" passado para o instante vivido, isto é, para o presente.

Sem conseguirmos, um dia, projetar qualquer luz sobre o Espírito, não

deveremos, paradoxalmente, reclamar esta luz dos buracos negros!

Mas é conveniente retornar agora às nossas partículas elementares, pois,

não somos naturalmente feito$ de buracos negros, mas de partículas

materiais, e essencialmente de prótons, de nêutrons e de elétrons. Os

buracos negros, entretanto, nos interessaram muito especialmente porque

iremos ver que uma destas partículas elementares que formam nosso

corpo, o elétron, possui uma estrutura que a representa como um

"tnicroburaco negro", uma "geometria" contendo um espaço-tempo

inteiramente semelhante ao dos buracos negros. Um espaço-tempo do

Espírito, finalmente.

CAPITULO V

0 elétron portador do Espírito

0 espaço-tempo do elétron é comparável ao dos buracos negros. -

Lembrete das concepções atuais das partículas "elementares". - A

partícula "cava" o espaço como o faz um buraco negro. - 0 espaço

"fechado" do elétron, e suas interações virtuais "à distância". - 0 elétron

45

é portador de um espaço "espiritual". - As provas do psiquismo, ao nível

das partículas. - As comunicações entre o Homem e o Espírito da

Matéria. - Representação simbólica de Matéria e Espírito no Universo.

Assim, o que acabamos de ver? Essencialmente que, quando a Matéria se

concentra a ponto de ter o equivalente de uma massa tão grande quanto a

do nosso Sol, dentro de uma esfera com um raio da ordem de somente um

quilômetro (posto que o nosso Sol tem 700.000 quilômetros de raio),

neste caso, a atração gravitacional na superfície da estrela superdensa se

tornava tão forte que se criava no espaço uma espécie de "bolso" no qual

a estrela se encontra encerrada. Fato extremamente interessante para o

que nos preocupa aqui é que o espaço e o tempo no interior deste "bolso"

são diferentes de nosso espaço e de nosso tempo ordinários. Esta

diferença se traduz, de um lado, por um 14 retorno" do tempo, isto é, pelo

fato de que o espaço retoma, a intervalos regulares, o conjunto de seus

estados passados (fenômeno análogo a uma memorização, portanto uma

reminiscência do passado); e, de outro lado, a evolução dos fenômenos

neste espaço se efetua em neguentropia crescente, e não em entropia

crescente, como no caso em nosso próprio espaço, o que permite

aproximar os fenômenos de um tal espaço dos que nos proporcionam ver

o Vivo ou o Pensante.

A questão que colocamos, agora, é a seguinte: sabemos que o que

chamamos de partícula "elementar", em Física, um elétron ou um próton,

por exemplo, é formada igualmente de matéria extremamente densa,

precisamente da ordem de grandeza da densidade que encontramos nos

buracos negros; neste caso, não haveria algumas dessas partículas (senão

todas) que teriam, também, cavado um "bolso" em nosso espaço e

encerrado em seu interior este estranho espaço-tempo que reconhecemos

nos buracos negros, tão estranho que somos inclinados a qualificá-lo de

"espaço-tempo do Espírito"? Em resumo, para sermos breves, algumas

das partículas elementares conhecidas não seriam "rnicroburacos

negros"?

Se a resposta fosse afirmativa, visto que sabemos que tais partículas

entram na composição de nosso corpo, estaríamos, sem dúvida, no

caminho que lança uma ponte entre a Matéria e o Espírito.

Mas, como estamos aqui no terreno da Física, devemos justificar esta

resposta não simplesmente através de conclusões hipotéticas, por mais

sugestivas que sejam, mas através de deduções precisas.

46

Atualmente, creio que esta resposta é, efetivamente, aos olhos da Física,

uma resposta afirmativa; as partículas elementares que chamamos léptons

carregados, dos quais o elétron é o único representante “estável" (isto é,

com uma duração de vida praticamente infinita), seriam "microburacos

negros" encerrando este espaço-tempo do Espírito que começamos a

descrever. Demonstrei este resultado, na linguagem do físico, na obra que

estou publicando ao mesmo tempo que esta, chamada a Teoria da

Relatividade Complexa.

É possível traduzir igualmente este resultado em linguagem "ordinária"?

Tomarei de empréstimo a resposta ao grande matemático Henri Poincaré.

Ele foi, em seu tempo, examinador nos concursos das Grandes Escolas.

Quando um estudante cobria vários quadros-negros com sinais

matemáticos, ele lhe pedia que deixasse o giz, se afastasse um metro do

quadro, se voltasse para ele, e lhe dissesse na linguagem de "todo o

mundo" o que havia tentado demonstrar matematicamente. E bomba na

nota do estudante, se fosse incapaz de satisfazer a este teste!

Creio, igualmente, que a Física não vale nada se não for capaz de ser

também uma Física popular; neste sentido entendo uma Física traduzível

em linguagem acessível a todos. E me proponho tentar, eu mesmo, o teste

de Poincaré, deixando que meu leitor julgue.

Comecemos por relembrar algumas idéias simples, mas fundamentais,

sobre o que a Física chama partícula elementar.

Podemos representar a partícula de Matéria

como formada por uma região muito pequena

mas de densidade muito forte (a região

ocupada precisamente pela matéria da

partícula) boiando em nosso espaço de

aparência "vazia", que nós todos conhecemos.

A região de forte densidade pode ser chamada

de espaço forte, pois não podemos penetrar facilmente neste espaço. Ao

contrário, nossa experiência nos mostra que podemos facilmente nos

deslocar no espaço "vazio" que rodeia a partícula. Entretanto, é mais

exato qualificar este espaço de “gravitacional" do que de "vazio", pois a

partícula exerce em torno de si, no espaço onde bóia, uma atração que

tende a fazer com que uma outra partícula se aproxime espontaneamente

dela. Esta atração é chamada pelos físicos de “interação gravitacional";

sua existência prova que o espaço que envolve a partícula, que

poderíamos julgar vazio, não é tão vazio assim, visto que contém

47

qualquer coisa que emana da partícula de matéria e que atrai para ela os

objetos circunvizinhos.

0 que acontece no espaço gravitacional quander, como é o caso para uma

estrela ou para um planeta, acumulamos um número muito grande de

partículas, umas ao lado das outras, como o faríamos com um enorme

saco de bolas de bilhar, por exemplo?

Posto que uma só partícula já atrairia os objetos materiais em sua direção,

os bilhões de partículas que formam a estrela vão atrair muito mais

fortemente os objetos da vizinhança; quanto mais numerosas forem as

partículas, isto é, quanto maior for a massa total, a força de atração sobre

um objeto dado será também maior. Na Relatividade geral de Einstein,

onde o fenômeno é descrito geometricamente, dizemos que a estrela

"curva" tanto mais o espaço que a

rodeia quanto maior é sua massa; do mesmo modo como se o espaço

gravitacional fosse uma

tela elástica horizontal esticada

e que a estreia viesse, com sua

massa, fazer uma

"concavidade" na tela (ver o

esquema acima). Qualquer objeto material seria, numa tal representação,

atraído pela estrela precisamente porque ele teria tendência de rolar sobre

a tela deformada, para cair no fundo da "concavidade" criada no espaço

pela estrela.

Para uma dada massa de

estrela, a curvatura do espaço

na vizinhança da superfície

da estreia (isto é, no lugar

onde a atração é máxima) é

tanto maior quanto o raio da

estreia é menor, como resultado da lei de Newton.

0 esquema acima nos mostra como evolui a curvatura do espaço à medida

que o raio da estrela diminui por contração gravitacional, Em um certo

momento, o espaço "adere" literalmente na superfície da estreia, o que

quer dizer que o espaço se "fechou" em torno da estrela, encerrando-a em

uma espécie de bolso. Estamos, então, diante de um buraco negro, e

48

explicamos no capítulo precedente como o espaço e o tempo não tinham

mais, no interior do buraco negro, as propriedades que lhes atribuímos

em nosso espaço "ordinário".

0 que acabamos de ver é a maneira pela qual se deforma o espaço

gravitacional quando uma massa da ordem de grandeza da das estrelas se

contrai sempre cada vez mais, para chegar finalmente a um buraco negro.

Em lugar do espaço gravitacional, consideremos, agora, o espaço forte da

forma como vimos que existe no interior de uma partícula elementar. Um

tal espaço forte corresponde, ele também, a uma curvatura do espaço-

tempo: mas esta curvatura está aqui bem localizada, pois ela termina na

fronteira da matéria, em vez de se prolongar até o infinito, como era o

caso na curvatura do espaço gravitacional.

Existem dois tipos principais de partículas de matéria, distinguindo-se um

do outro pela maneira como vai se operar a curvatura do espaço: os

hádrons e os léptons carregados.

Como iremos ver, nos hádrons o espaço está simplesmente curvado; nos

léptons carregados, ao contrário, à semelhança dos buracos negros, ele

está tão curvado que se fechou sobre si mesmo, transformando-se em um

espaço-tempo de um tipo diferente do de nosso espaço-tempo "ordinário".

Os hádrons podem ser esquematizados geometricamente como uma

espécie de um minúsculo turbilhão criado no espaço.

Este turbilhão tem a forma de um "dedo de luva", relativamente profundo,

deformando fortemente o espaço em uma região microscópica (na

verdade, em um diâmetro da ordem de um milésimo de bilhonésimo de

milímetro). 0 que é aqui característico é que a curvatura do espaço se

detém nas próprias bordas do turbilhão, e não há nenhum efeito à

distância, contrariamente ao que acontecia com a curvatura do espaço

gravitacional. Assim, a curvatura do espaço forte só se faz sentir sobre os

objetos exteriores (uma outra partícula, por exemplo) se estes objetos se

aproximarem muito perto do "turbilhão". Se estes objetos se aproximam

em grande número, somente alguns, os que atingirem a borda do

turbilhão, sentirão os efeitos de deformação do espaço'. Enfim, para que

49

esta imagem esteja ainda mais de acordo com o modelo matemático dos

hádrons, seria necessário acrescentar que o turbilhão possui uma fronteira

que está em pulsação radial. Naturalmente, há continuidade, como vemos

no esquema, entre o espaço forte onde se localiza o hádron e o espaço

"exterior" na fronteira do hádron, que é o espaço gravitacional. A pulsação

radial do espaço forte induz, de resto, uma onda no espaço gravitacional

em volta do hádron, e esta onda não é senão o "campo" gravitacional do

hádron.

Os hádrons possuem massas muito diversas, contando-se por dezenas,

geralmente com "durações de vida" muito curtas (bem inferiores ao

bilionésimo de segundo). Entre os hádrons, somente o próton e o nêutron,

quando este está no interior dos núcleos atômicos, têm durações de vida

infinitas (isto é, são "estáveis").

Além dos hádrons, a Física contemporânea reconhece um (e só um) outro

tipo de partícula de matéria: este tipo corresponde aos léptons carregados,

que são todos portadores da mesma carga elétrica elementar. Os léptons

carregados são em número de dois (contrariamente aos hádrons que são

muito numerosos): o múon e o elétronl. Somente o elétron possui uma

duração de vida quase eterna. É ele que vai nos interessar aqui muito

particularmente, pois é ele o portador do Espírito.

No decorrer de minhas pesquisas 1, pude mostrar que o elétron deforma o

espaço à sua volta à maneira de um buraco negro, no sentido de que o

espaço "se fecha" completamente", como vemos representado no esquema

abaixo:

A imagem mais fiel é, talvez aqui, a de uma bolha de sabão pousada sobre

uma mesa plana e rígida: o elétron é a bolha e possui somente um ponto

de contato com nosso espaço-tempo habitual, que está representado pela

mesa rígida (curvatura fraca ou nula). Como para o hádron, devemos notar

aqui que a curvatura do espaço está limitada ao próprio elétron, pois não

há efeito de curvatura se prolongando para fora das fronteiras do elétron. 0

elétron forma um verdadeiro universo por si só, cujo espaço está

completamente isolado do espaço exterior. Nenhum objeto pode penetrar

nesse espaço ou dele sair, é um espaço "fechado".

50

Mas então, se este micro universo eletrônico está completamente

"fechado", como pode interagir com o exterior, com o resto do Universo?

E, mais simplesmente, como pode interagir com os outros elétrons

presentes no Universo, interações cuja experiência mostra bem a

existência (repulsão eletrostática entre dois elétrons, por exemplo)?

A resposta se apóia aqui sobre uma idéia emitida, há já alguns anos, pelo

físico americano Richard Feynmann, idéia que foi perfeitamente

confirmada pelas minhas próprias pesquisas sobre a estrutura do elétron.

0 micro universo eletrônico não está vazio (senão o espaço que o encerra

não estaria curvado); ele contém, como nosso próprio Universo, Matéria e

radiação. E contém, principalmente, o que chamamos radiação "negra",

uma espécie de gás de fótons tendo todas as velocidades e todas as

direções, e definindo uma temperatura T, dita temperatura da radiação

negra do espaço. Para o nosso próprio Universo, esta temperatura da

radiação negra enchendo o espaço é da ordem de três graus absolutos ( -

270 graus Celsius), e ela diminui progressivamente com o tempo, à

medida e na proporção que aumenta o raio do nosso Universo em

expansão. Para o microuniverso eletrônico, a temperatura da radiação

negra do espaço é muito mais elevada. Meus trabalhos mostraram que ela

variava entre 70 milhões e 650 bilhões de graus, enquanto que o

microuniverso eletrônico sofre, ele também, expansões e contrações

sucessivas ... mas com um período de pulsação radial 1011 vezes mais

fraca do que a do nosso próprio Universo!

Eis aqui como intervém a repulsão entre dois elétrons:

Um fóton negro de um dos elétrons vai trocar sua velocidade 11 com a de

um fóton negro do outro elétron, tendo a mesma velocidade absoluta que o

primeiro fóton, mas de sinal contrário. 0 processo está esquematicamente

representado acima. Feynmann dirá que há troca de fótons "virtuais", o

que significa que nada passou realmente de um elétron para outro;

estamos, portanto, diante de uma verdadeira interação "à distância", que se

51

produz entre fótons negros correspondentes dos dois micro universos

eletrônicos.

0 efeito global desta troca de fótons virtuais, como a representamos no

esquema, é que cada elétron está submetido a uma força que tende a

afastá-lo do outro elétron. Este é o princípio da repulsão eletrostática entre

os dois elétrons.

Este tipo de interação "à distância" entre dois elétrons vai ter, no contexto

filosófico onde nos colocaremos logo mais, uma importância muito

grande. Com efeito, veremos que esta radiação contida no micro universo

eletrônico não permanece sempre uma pura radiação "negra": ela é capaz

de aumentar,' sem cessar, sua ordem (os físicos dirão “aumentar sua

neguentropia"), coletando uma informação cada vez mais rica, informação

que se traduz, precisamente, por certos estados definidos da radiação

encerrada no universo eletrônico.

De resto, o elétron vai ser capaz de trocar esta informação à distância com

outros elétrons, seguindo um princípio idêntico ao utilizado na interação à

distância puramente eletrostática. Esta troca de estados informacionais

entre elétrons vai representar, duvida-se disso, um papel essencial, visto

que se trata, na verdade, de trocas de natureza 14espiritual", na medida em

que a informação deve ser considerada como um "produto" espiritual.

Notaremos que, da mesma forma que um elétron sofre a influência

eletrostática de um outro elétron, qualquer que seja a distância entre eles

(a influência, entretanto, variando como o inverso do quadrado da

distância), do mesmo modo a troca de informações entre dois elétrons, isto

é, a troca espiritual, poderá acontecer qualquer que seja a distância. Não

vemos aparecer aqui as primeiras bases verdadeiramente científicas dos

fenômenos telepáticos?

Resumindo: o elétron forma, portanto, uma individualidade autônoma,

possuindo um espaço e um tempo próprios. E este espaço-tempo

eletrônico é, como vimos para os buracos negros, diferente de nosso

espaço-tempo ordinário. 0 elétron é um verdadeiro micro universo; possui

um tempo cíclico que lhe permite reencontrar os estados passados do

espaço pelo qual é constituído; e, de resto, os fenômenos neste micro

universo se desenvolvem em neguentropia crescente, isto é, aumentando

sem cessar seu conteúdo informacional. Em breves palavras, o elétron

contém em si mesmo um espaço-tempo do Espírito.

52

Mas, então, perguntar-nos-emos imediatamente, se o elétron é portador de

um espaço "espiritual", como aconteceu que não o tenhamos percebido há

muito mais tempo? Por que o elétron, considerado isoladamente, não tem

um comportamento que faça aparecer imediatamente suas qualidades

espirituais?

A própria questão trai o antropocentrismo espontâneo do Homem diante

de toda situação que a Natureza lhe apresenta. Pois, não somente não há

objeção real à concepção de partículas dotadas de psiquismo, mas ainda

tudo que percebemos à nossa volta mostra-nos o psiquismo disseminado

nas coisas, quaisquer que sejam a pequenez ou o estado de fracionamento

sob os quais consideramos estas coisas.

Primeiro, precisamos nos livrar imediatamente da idéia de que a

obediência estrita das partículas de matéria às leis puramente físicas seja

um argumento contra um psiquismo eventual associado a elas. Tomem o

maior pensador da nossa Terra, transportem-no de avião e, quando

estiverem a 2.000 metros de altitude, joguem-no para fora; vocês

constatarão que ele obedece estritamente às leis da gravitação, "apesar" de

seu psiquismo. Semelhantemente, não podemos criticar um elétron

"espiritual" por ele obedecer às leis do eletromagnetismo quando se

encontra mergulhado em um campo elétrico ou magnético.

Para saber se um objeto é ou não dotado de psiquismo, para nós, humanos,

parece que existem apenas duas maneiras disponíveis: ou nos

comunicamos com este objeto através de uma linguagem apropriada, ou

observamos como este objeto se comunica com os outros objetos

próximos.

Se suponho (como voltarei a falar mais tarde) que os elétrons que formam

meu corpo são não apenas portadores do que chamo "meu" espírito, mas

constituem mesmo, de fato, meu próprio espírito, então não há,

naturalmente, nenhuma dificuldade em reconhecer que meu "Eu", isto é,

meu espírito, se comunica com meus elétrons. Existe aqui identidade entre

meu "Eu" e meus elétrons.

Se agora coloco o problema do Homem se comunicando com outros

elétrons que não os de seu próprio corpo., estamos diante da questão geral

das relações do Homem com a Natureza. É bem certo que, nos fenômenos

de telepatia, estamos diante de uma comunicação direta, sem o

intermediário da linguagem habitual, entre dois espíritos diferentes. Isto

poderia ser perfeitamente explicado por uma comunicação direta entre

53

meus próprios elétrons, portadores do "meu" espírito e os elétrons do

outro, portadores do "seu" espírito.

E por que limitar a telepatia à comunicação a distância entre dois

personagens humanos? Muitas pessoas, que não dão a impressão de ter

um espírito "desorientado" em seu comportamento habitual, dirão que elas

se comunicam, sem o intermediário de nenhuma linguagem, com um

animal, um vegetal, ou até mesmo um mineral. Alguns índios da América

afirmam que as árvores "falam". Certamente, esta faculdade de poder se

comunicar com toda a Natureza não é sentida por todo o mundo com a

mesma intensidade: os fenômenos telepáticos não são, é certo, tão

imediatamente e comumente sentidos quanto os fenômenos gravitacionais.

Esta é uma razão para negar em bloco sua existência? 0 que nos falta para

aceitar estes fenômenos como possíveis não é tanto conseguir colocá-los à

disposição de cada um, mas sobretudo poder tornar sua possibilidade

"explicável" no quadro dos nossos conhecimentos científicos atuais. É o

primeiro passo nesta direção que nos esforçamos para dar aqui..

Mas vamos mais à frente desta interrogação sobre as possibilidades de

comunicação direta do Homem com o "espírito" que reside na Natureza,

seja ele Homem, animal, vegetal ou mineral. E coloquemo-nos a questão:

os elétrons nos oferecem "espetáculos" indicando que eles se comunicam

entre si para "criar" alguma coisa nova, isto é, para desenvolver a

informação do sistema que formam entre si; ou dito de uma outra maneira,

para fazer evoluir o sistema ao qual eles pertencem em neguentropia

crescente? Pois é isto, e nada mais do que isto, finalmente, que faz a prova

de elétrons dotados de um certo psiquismo: é ver os elétrons constituírem

entre si, sem nenhuma ajuda vinda do exterior, um sistema que evolui

aumentando sua ordem, isto é, também seu conteúdo informacional.

Então, agora, para responder verdadeiramente, só temos o embaraço da

escolha entre os fenômenos que a Natureza nos exibe continuamente.

Podemos citar, naturalmente, o conjunto dos fenômenos vivos, por mais

elementares que sejam. Estes fenômenos nos mostram o elementar capaz

de se organizar, se concentrar para se dispersar em seguida e ir para

lugares precisos, criar "máquinas" que terão a aparência da liberdade,

escapando das leis entrópicas que governam uma matéria que não obedece

a não ser às nossas leis "físicas" conhecidas, leis das quais o psiquismo é

de propósito completamente excluído. Toda forma de vida, desde o vírus

até o Homem, não é ela um exemplo gritante que traduz esta aptidão do

elementar de se organizar por si próprio, com uma ciência que nós

mesmos seríamos incapazes de fazer? Não é suficientemente claro que,

54

em certos momentos, esta livre iniciativa permitindo escapar a passividade

relativa das leis físicas conhecidas, é tomada pelo elementar? Como

devemos considerar esta criação maravilhosa do organizado a partir do

caos, senão como uma prova evidente do psiquismo da Matéria?

Poderemos ainda pretender, entretanto, que não são as partículas

elementares individuais da Física, mas já do organizado, que realiza esta

"ordenação" dos fenômenos que caracterizam a Vida. Mas esta atitude

nada mais é do que a que consiste em confundir o limite de aumento dos

nossos microscópios com o limite elementar de organização onde já se

manifesta a iniciativa da Vida. Por menores e fragmentários que sejam os

elementos materiais que consideramos no corpo de uma célula viva,

ficamos constrangidos a dizer que vemos estes elementos agirem, ao

mesmo tempo isoladamente e em associação, para sempre melhor

"organizar" o meio. E todas as experiências sobre a síntese preferencial

dos componentes que entram na matéria viva a partir dos elementos

minerais, como, por exemplo, o hidrogênio, o metano, o amoníaco e o

vapor d'água sob iluminação ultravioleta, demonstram perfeitamente, hoje,

este poder de organização que transparece desde as partículas ditas

"elementares".

Uma análise aprofundada no plano da Física parece poder me permitir

afirmar que o conteúdo informacional indispensável a estas "criações"

executadas pela matéria elementar se situa nesta partícula de aparência

banal que chamamos elétron. Porque o elétron encerra em seu próprio

micro universo um espaço capaz de acumular a informação e de torná-la

disponível para cada pulsação de seu ciclo à maneira de um verdadeiro

fenômeno de "reminiscência", é por isso que ele possui a faculdade de

"pilotar" operações complexas, comunicando-se e agindo juntamente com

os outros elétrons do sistema que busca organizar.

Certamente, ainda uma vez, é necessário que os elétrons estejam reunidos

em um meio apropriado para que se torne visível aos nossos olhos este

comportamento psíquico. Se não me dão um meio qualquer de traçar

sinais sobre uma superfície qualquer, sou igualmente incapaz de provar

que sei escrever. Mas, desde que os elétrons estão face a face nesse meio

apropriado, então trocam entre si interações que não podemos qualificar

de outra forma a não ser como interações psíquicas. Chamamos assim as

interações que fazem evoluir o meio para estados sempre mais ordenados,

contrariamente ao que vemos quando esta matéria elementar não dispõe

de materiais necessários que lhe permitam intervir, ou melhor, manifestar

para nossos olhos "míopes" seu psiquismo. Seria necessário não querer

55

ver, para não chegar, hoje em dia, a tais conclusões. Isto já era verdadeiro

há vinte anos, depois das convincentes exposições de Teilhard sobre o

assunto; mas é ainda mais verdadeiro hoje, quando já é possível localizar

este espaço-tempo particular encerrado na Matéria eletrônica, que é ao

mesmo tempo a origem e o suporte do psiquismo.

Assim podemos, agora, fazer uma idéia de representação puramente

geométrica do Universo. Se queremos fazer unia tal abstração, para

descrição, de toda a linguagem matemática, podemos nos arriscar a dar a

imagem que segue.

0 Universo parece-se a um imenso oceano, constituído da água que o

forma e do ar sobre sua superfície. Esta superfície tem, portanto, um

"direito" na água, um "avesso" no ar. 0 espaço-tempo situado na água é o

espaço-tempo da Matéria; o espaço-tempo situado no ar é o espaço-tempo

do Espírito.

A superfície deste oceano é agitada continuamente por ondas leves, que

representam o aspecto ondulante do espaço gravitacional.

Neste oceano, percebemos também enormes turbilhões de água, cavando

funis na superfície do oceano: são as estrelas. Olhando melhor,

constatamos que estes imensos turbilhões são produzidos por bilhões de

minúsculos turbilhões, que são as partículas de matéria (hádrons). Quanto

mais o diâmetro dos grandes turbilhões vai diminuindo, mais a rotação é

rápida e mais o turbilhão se afunda no oceano, corno um redemoinho.

Para diâmetros suficientemente pequenos se produz um novo fenômeno: a

embocadura do turbilhão se fecha, aprisionando ar ao mesmo tempo; o

turbilhão então tornou-se quase invisível, deixando sobre a superfície

apenas um vestígio, como uma grande vasilha: estamos diante de um

buraco negro.

Enfim, sobre este imenso oceano da Matéria, vogam igualmente

minúsculas bolhas de ar, encerradas em uma fina película de água: são os

elétrons. Nós os vemos, de tempos em tempos, vir nadar sobre as paredes

dos turbilhões, grandes ou pequenos (os átomos). É Espírito que bóia

sobre a Matéria.

Os fótons e os neutrinos, estas partículas que não contêm nenhuma

matéria (massa nula), e por isso não "curvam" a superfície do oceano,

podem nos aparecer como múltiplas pequeninas manchas multicoloridas,

56

correndo entre as diferentes curvaturas da superfície da água,

estabelecendo assim "comunicações" entre estas diferentes ondulações.

A aventura do Universo é, portanto, ao mesmo tempo, uma aventura da

Matéria e uma aventura do Espírito. Mas, quanto mais o tempo passa,

mais esta aventura parece querer se organizar para proveito do Espírito e

em detrimento da Matéria. Como se, pouco a pouco, sob os raios de um

sol brilhante, a água se transformasse em vapor, para finalmente deixar

espaço para uma multidão de bolhas irisadas, esvoaçando sempre mais

alto, em direção aos céus.

CAPITULO VI

Uma evolução neoteilhardiana

Comparação às concepções teilhardianas. - A evolução segundo a lei de

complexidade-consciência de Teilhard. - 0 elétron "espiritual" contém, na

verdade, nosso "Eu" inteiro. - A aventura espiritual do Mundo está

centralizada no elementar….. e nós somos este elementar.

Já citamos muitas vezes Pierre Teilhard de Chardin quando se tratou da

associação entre a Matéria e o Espírito. Mas poderíamos voltar bastante

mais para trás na História. Thales, fundador da Escola de Mileto, na Jônia,

no século VI antes de Cristo, já afirmava que "todas as coisas estão cheias

de deuses", o que era uma outra maneira de exprimir que uma espécie de

psique, uma emanação dos deuses, complementa sempre a substância

material e a conduz aos fins que só os deuses conhecem. Empédocles, na

mesma época, antes de se jogar no Etna, por sua vez, professava que o

Amor e o ódio são, desde o início, os motores que animam toda a matéria.

0 Amor e o ódio, não estamos aqui em presença de qualidades de natureza

espiritual? Anaxágoras sustentava que os grãos de matéria se movem

graças ao "noûs", que é novamente uma espécie de psique ou de Espírito.

Depois da Idade Média, idéias análogas foram retomadas pelos maiores

físicos: Descartes com seus "espíritos animais", ou Leibniz com seus

"mônadas", ou ainda Newton com as suas inumeráveis pesquisas em

"alquimia" (que os racionalistas que o seguiram quereriam tornar

esquecidas, como já enfatizamos anteriormente). Mais perto de nós,

encontramos Bergson, com seu "ímpeto vital". Mas ninguém melhor do

que Pierre Teilhard de Chardin me parece ter sabido dar a esta idéia de

57

uma "psique" associada aos corpúsculos elementares de matéria, uma

forma convincente para o próprio espírito científico.

Teilhard não era físico, mas sim antropólogo. Portanto, não tentou apoiar

sua convicção sobre pesquisas da Física teórica, concernentes à estrutura

das partículas elementares. Mas soube abordar este problema com uma

lógica bastante científica, passando do geral para o particular, através de

um estudo minucioso da evolução do Universo inteiro, do mineral ao

Vivo, e do Vivo ao Pensante.

E a conclusão de Teilhard, que citaremos novamente, é esta': "Nós somos

logicamente levados a conjeturar, em todo corpúsculo de matéria, a

existência rudimentar (em um estado infinitamente pequeno, isto é,

infinitamente difuso) de alguma psique".

Portanto, para Teilhard, já existe alguma coisa, como a que chamamos

Espírito, nos elementos mais simples da Matéria, isto é, nos prótons, nos

nêutrons e nos elétrons que entram em toda Matéria durável. Mas esta

"alguma coisa" é tão tênue, tão difusa em relação ao Espírito tal como o

percebemos, por exemplo, através do pensamento humano, que ele só

pode ser considerado como um "germe"; é este germe que, com o tempo,

dará em seguida a árvore, as folhas, as flores e os frutos. E esta progressão

acontecerá, gradualmente, através dos bilhões de anos de toda a evolução,

com transposições de "limiares" onde o Espírito, bruscamente, passa uma

etapa diferenciante, que penetra em uma nova fase, sem medida comum

com a precedente. Teríamos assim o limite que separa a matéria orgânica

da matéria mineral, com o aparecimento da primeira célula viva. Depois,

no decorrer da progressão do Vivo, assistiríamos à transposição de um

novo limite, com o aparecimento do Pensante. Somente com o Homem é

que Teilhard saudará a chegada do Pensamento no Universo'. Teilhard

imagina para o futuro um ser "ultrapensante", como continuação evolutiva

lógica do Homem. Este desenvolvimento progressivo do Pensante

convergiria, finalmente, para um estado do Universo de pura

espiritualidade, que ele chama de "ponto Omega": o que não é senão um

outro nome que Teilhard dá ao Deus dos Cristãos.

Portanto, para Teilhard, como progride o Espírito da Matéria? Através de

uma multidão de tentativas infrutíferas, frutos não apenas do acaso

somente mas também desta psique elementar associada a toda partícula; a

Matéria edificaria estruturas cada vez mais complexas, com o objetivo de

fazer crescer sempre mais o Espírito, ou melhor, de fazer crescer o

que.Teilhard chama de a "consciência" das coisas criadas. Haveria,

58

segundo Teilhard, como que uma grande lei de complexidade-consciência:

algumas estruturas complexas, geralmente produzidas pela reunião de

estruturas mais simples, arrumadas pela Matéria no decorrer do tempo,

teriam por efeito produzir uma espécie de "ressonância" desta psique

própria a cada partícula e assim intensificariam o Espírito de cada

partícula do corpo de Matéria, ao menos no tempo durante o qual ela

continua a pertencer à estrutura complexa. Isto pode ser ilustrado, por

exemplo, com a passagem da matéria inerte para a matéria contida em

uma célula viva. A reunião dos elementos que compõem a célula viva

provoca, de súbito, um ser todo novo, cuja consciência sofreu uma brusca

intensificação em relação à consciência que possuía a matéria inerte.

Então, a consciência do conjunto se reflete em cada um dos elementos

materiais que formam o conjunto: a ponto de sermos obrigados a dizer que

cada um dos elementos materiais de uma célula viva não é mais da

matéria inerte, mas da matéria "viva". Mas retirem este elemento de

matéria viva do meio encerrado dentro da membrana da célula, expulsem-

no do "sistema", e ele retornará ao nível difuso da psique elementar, cuja

presença Teilhard reconhece, desde o começo do mundo, em cada

partícula isolada de Matéria.

Uma outra ilustração de como progride a consciência ao mesmo tempo

que a complexidade, é a de que Teilhard nos fala para o futuro da

evolução humana, no decorrer do qual o Homem passará do nível

pensante para o nível ultrapensante. Vemos, com o progresso das técnicas

de comunicação, uma tendência de colocar a totalidade da informação

disponível sobre a Terra à disposição de cada homem; de resto, não é

proibido pensar no momento em que a ação individual de cada um poderá

se incorporar de maneira harmoniosa na ação do conjunto da humanidade.

Em resumo, podemos admitir que nossa humanidade terrestre, onde cada

um "puxa" ainda um pouco do seu lado (é o mínimo que podemos dizer),

verá, um dia, se conjugarem todos os esforços para participar dos mesmos

objetivos "nobres". Então, estará criada sobre a Terra uma Humanidade

(com H maiúsculo), que constituirá um verdadeiro novo ser evolutivo em

relação a cada uma das células vivas de seu corpo.

Mas, acrescenta Teilhard, se esta Humanidade é verdadeiramente um novo

ser evolutivo, isto se reconhecerá pelo fato de que ela será psiquicamente

"ultrapensante", isto é, que disporá, através do esforço conjugado dos

pensamentos que funcionam em harmonia com todos os elementos

humanos, de um pensamento mais "consciente" (mais elevado, mais

eficaz) que o do Homem de "antes da Humanidade". E, por uma espécie

de reflexão do Todo para o Um, o homem individual que compõe esta

59

Humanidade disporá, então, na medida em que ele pertencer a esta

Humanidade, destas qualidades ultrapensantes de que soube dar prova a

Humanidade considerada como um todo.

Seguindo Teilhard, eu mesmo, durante muito tempo, defendi este modelo

de evolução, baseado na lei de complexidade-consciência. Entretanto,

hoje em dia, tenho um ponto de vista bastante diferente, conseqüência de

minhas próprias pesquisas sobre a estrutura do Espírito no interior da

Matéria, e vou explicá-lo aqui.

Primeiro, há qualquer coisa logicamente chocante, olhando melhor, na

idéia teilhardiana segundo a qual o que é "menos consciente" seria capaz,

com a ajuda do tempo, de criar alguma coisa "mais consciente". Parece-

me, que teríamos antes tendência de pensar exatamente o contrário. Bem

sei que é possível fazer intervir o acaso: a Matéria elementar, com sua

minúscula psique, estaria "a espera" de uma estrutura ocasional

satisfatória; se as leis físicas permitissem tal estrutura "favorável", mesmo

que fosse por um instante, então a psique elementar seria capaz de se

lembrar dos "planos" desta nova estrutura para lhe dar logo uma "duração

de vida" prolongada, e depois para reproduzi-Ia no futuro? Isto parece em

princípio aceitável; mas, a um exame mais minucioso, somos

constrangidos a reconhecer que as leis físicas, por si só, mesmo com a

ajuda do acaso, não têm tendência de deteriorar a informação (isto é,

também a consciência) contida na Matéria. Queremos admitir que, se

supomos que o problema está resolvido, isto é, se uma estrutura mais

complexa e mais consciente se realiza pelos jogos do acaso, então tal

estrutura é capaz de "fazer filhotes", e de dar um passo à frente na

evolução para mais consciência. Mas não vemos como o elementar

poderia resolver o problema de criar uma pnmeira vez (ou mesmo

simplesmente reconhecer) uma estrutura mais consciente do que ele

mesmo.

Tomemos o exemplo da criação de uma Humanidade ultrapensante pelos

homens atuais; enquanto esta Humanidade ainda não existe, os homens

são apenas seres pensantes (e não ultrapensantes). Não vejo absolutamente

como, na prática, cada um de nós poderia transpor bruscamente um limiar

e tornar-se-ia ultrapensante, simplesmente porque conseguimos constituir,

todos os homens juntos, um sistema harmonioso sobre este planeta.

Acredito, muito mais facilmente que, se deve existir um progresso no

pensamento humano, ele será, primeiro, conquistado progressivamente no

decorrer do tempo por cada um de nós, principalmente com o

desenvolvimento da instrução, ou com engrenamento de certos enfoques

60

espirituais que permitem utilizar melhor as possibilidades potenciais de

nossas faculdades psíquicas. Depois, em seguida, e somente em seguida,

quando uma grande parte de nós tivermos, enfim, nos tornado "sábios",

quando todos nós tivermos adquirido estas qualidades de espírito que

mereceriam o nome de ultrapensantes, então seremos talvez capazes,

todos juntos, de constituir um novo ser, com funcionamento harmonioso,

que chamaremos Humanidade (com H maiúsculo).

Resumindo, hoje em dia creio que, contrariamente ao que dizia Teilhard, é

mais "natural" pensar que a evolução enriquece sempre mais o espírito do

elementar, e que é somente quando as qualidades do psiquismo elementar

(isto é, quando o conteúdo informacional do elementar) tiverem atingido o

nível "neguentrópico" suficiente é que então ele será capaz de edificar

uma nova estrutura complexa, que constituirá uma nova "ferramenta" para

aumentar ainda o ritmo de aquisição e a qualidade das informações (isto é,

para aumentar sempre mais rapidamente seu nível neguentrópico).

Por que esta mudança de perspectiva em relação a Teilhard é

particularmente importante? Porque, finalmente, com Teilhard, o

elementar não é nada na evolução: desde que os elementos materiais que

pertencem a uma célula viva saem da membrana celular, então, nos diz

Teilhard, eles perdem todas as qualidades de consciência próprias do

Vivo, as qualidades que possuíam enquanto pertenciam ao corpo celular.

A consciência do elementar retorna à minúscula "psique difusa" que o

elementar possuía, segundo Teilhard, desde a origem do mundo...

esperando participar novamente do corpo de um outro ser vivo. Em suma,

toda a aventura espiritual do mundo é aqui polarizada e levada por este

ínfimo número de estruturas organizadas e com vida tão curta, como

dizemos, sobre a Terra, dos homens. Mesmo admitindo, como faço, aliás,

voluntariamente, que o fenômeno humano não está limitado à nossa Terra,

mas amplamente difundido em todo o Universo, não posso impedir de me

sentir pouco à vontade diante desta concepção do "Homem portador de

toda a aventura do Universo". E estaria, também, bem pouco à vontade se

os Homens, ou os seres pensantes ou ultrapensantes de outros planetas,

fossem cem ou mil vezes mais numerosos por estrela, do que o que

constatamos no nosso sistema solar.

A aventura do Universo não pode ser centralizada neste ser frágil e

efêmero parecendo-se com um Homem. 0 Homem faz parte desta

aventura, mas ele não pode ser considerado o eixo. Tal atitude me parece,

refletindo, ser ainda urna atitude antropocentrista, resultante da miopia do

olhar que lançamos habitualmente sobre o mundo. A aventura espiritual

61

do Universo só pode ser centralizada em torno da elevação do Espírito

daquilo que constitui, de maneira visível ou invisível, praticamente a

totalidade do que existe no Universo; ela pode, de resto, ser centralizada

nos seres ou nos objetos que "vivem" no tempo uma duração de acordo

com a escala da duração de vida do próprio Universo inteiro. Resumindo,

só existe a Matéria, e mais precisamente as partículas elementares de

Matéria, que são suscetíveis de serem séria, lógica e cientificamente

consideradas como capazes de serem "portadoras" do destino espiritual do

universo.

Acrescentaria, se ainda eu devesse duvidar da conclusão precedente, que o

ponto de vista de Teilhard, que coloca o mais organizado (e não o

elementar) no centro da aventura espiritual do Universo, é incompatível

com uma parte importante dos resultados que obtive no plano da Física,

que demonstram que o elétron possui todas as qualidades requeridas para

ser a partícula portadora do Espírito no Universo.

Estes resultados confirmam, certamente, a convicção teilhardiana de uma

psique associada às partículas elementares de Matéria. Mas estes mesmos

resultados nos dizem também que o micro universo eletrônico possui um

espaço cujo conteúdo informacional não pode regredir (evolução em

neguentropia não decrescente). Isto quer dizer que esta matéria que entra

na constituição de uma estrutura viva, ou pensante, e que possui, durante a

curta duração de vida desta estrutura, a "consciência" da estrutura viva ou

pensante total, não pode retornar simplesmente à sua "psique difusa"

inicial, no momento da morte do sistema ao qual ela pertenceu na duração

de uma vida. 0 que é adquirido pelo elementar sob o ponto de vista

informacional, sob o ponto de vista da "consciência" do mundo, é

adquirido para sempre; nada poderá provocar uma regressão de

consciência do elementar após o que chamamos a morte da estrutura

complexa organizada. 0 elementar, desejaria alguém, não poderia, assim

como não podemos nós, em nosso espaço da Matéria, fazer a lei da

entropia crescente correr ao inverso; da mesma forma como nós não

podemos inverter o sentido do tempo.

Visto que compreendemos bem e aceitamos este ponto de vista, então, e

somente então, começamos a compreender também como se eleva

progressivamente o nível psíquico do conjunto do Universo; isto acontece

no decorrer das "sucessivas experiências vividas" da matéria elementar,

que participa, por períodos mais ou menos breves, aqui no mineral, ali no

vivo, lá no pensante, e que não esquece jamais o conteúdo informacional

adquirido durante estas sucessivas experiências vividas.

62

Então, estamos de acordo com Teilhard para dizer que este conteúdo

informacional das partículas de Matéria, em aumento constante em cada

partícula e na escala do Universo inteiro, permite a esta Matéria dar

nascimento a estruturas sempre mais complexas permitindo, como vimos,

aumentar sem cessar o ritmo de aquisição da informação, e a qualidade

desta informação; e, portanto, por um retorno das coisas, aumentar ainda

sempre mais o estado neguentrópico de cada partícula elementar.

0 Homem, e aqui também concordo com Teilhard, é sem dúvida a

"máquina" que permite ao elementar, ao menos na nossa Terra, a

aquisição da informação mais elaborada e, talvez, também em ritmo mais

rápido. Mas a aventura espiritual do Universo, naturalmente, está bem

longe de haver chegado ao seu final; e não sabemos se a "maquina" mais

sofisticada de amanhã, para aumentar o Espírito do mundo, terá ainda uma

cabeça humana; sabemos menos ainda de que forma se reveste o Espírito

"superior" em outros cantos do cosmo, a milhões ou bilhões de anos-luz

de nosso "detrito" terrestre.

E não vejo porque nos consideraríamos desobrigados de entender tratar

nosso indivíduo humano como "máquina"; o que realmente nos constitui é

o nosso Espírito, e este é que está todo inteiro, repetimo-lo, contido em

cada um dos bilhões de elétrons que entram no nosso corpo.

É o que queremos explicar agora.

CAPITULO VII

Observação do Espírito dentro da Matéria

Nosso Espírito indissociável de nosso corpo. - A transposição de nossa

morte corporal. - A célula viva e os cromossomos. - A duplicação celular

e a reprodução sexuada. - Aquele que faz é "mais consciente" do que

aquele que é feito. - "0 Bom Deus não joga ao acaso".

Eu sou. Se sei que eu sou é, sem dúvida, porque, como o observou

Descartes, tenho certeza de que penso.

Entretanto, outro problema completamente diferente é saber o que este

"Eu", atualmente pensante, foi no passado, antes do meu nascimento, se é

que ele já existia sob alguma forma. Também é ainda um outro problema

63

saber se este "Eu" será no futuro alguma coisa, depois da minha morte

corporal.

Para conseguirmos refletir melhor sobre estas duas últimas questões, seria

conveniente começar por responder claramente a esta primeira

interrogação: quem sou? Quem é esta entidade que batizo com o nome de

"Eu", ou que chamo ainda de meu "Eu"? Pois, se quero pesquisar o que se

tornará este "Eu" além da minha morte, é necessário que comece dizendo

o que é este "Eu" durante minha vida.

Procuremos abordar, de maneira sistemática, as respostas possíveis a esta

questão prévia.

Podemos afirmar que meu "Eu" é alguma coisa situada na região do

espaço ocupado pelo meu corpo. Este "Eu", a bem dizer, meu Espírito,

meu pensamento, onde poderia estar situado, durante minha vida, senão

dentro do meu corpo? Em todo caso, esta seria a resposta que somos

levados a dar, tendo em conta nossos conhecimentos neste fim do século

XX. Como a região de espaço que meu corpo ocupa coincide, ademais,

com a "matéria" do meu corpo, sou mesmo obrigado a afirmar que meu

"Eu" é indissociável da matéria que forma o meu corpo. Crer na existência

de um Espírito "puro", que seria nosso "Eu", e que teria uma forma

"etérea" totalmente independente de nosso corpo, isto é, da matéria de

nosso corpo, já era dificilmente aceitável nos séculos passados, mas ainda

o seria muito menos nos dias atuais. Antigamente, propunham que nosso

"Eu", isto é, nossa "alma", estivesse particularmente localizada em tal ou

qual parte de nosso corpo: na glândula pineal, no coração, no encéfalo.

Atualmente, a biologia e a psicologia parecem antes achar que cada parte

de nosso corpo, o artelho, o coração, o braço ou o encéfalo, estaria

associada de alguma maneira à nossa vida espiritual e contribuiria para

compor nosso "Eu". A resposta deve ser considerada aqui, mais ainda do

que para qualquer outra questão, como provisória. Mas o que

estabeleceremos, no momento, é que "até prova em contrário", devemos

associar nosso "Eu" a toda ou parte da matéria que forma nosso corpo,

Mas se este "Eu" não tem nenhuma existência sem os materiais que

formam nosso corpo, não podemos visualizar racionalmente para este

"Eu" uma existência qualquer após a nossa morte, a não ser que ao menos

alguns dos edifícios materiais de nosso corpo, mais precisamente os que

na nossa vida estavam associados ao nosso "Eu", persistam depois de

nossa morte.

64

Ora, o que resta do nosso corpo depois da nossa morte?

Se pensamos nas partículas elementares, tais como os prótons ou os

elétrons, podemos dizer que toda a matéria do nosso corpo se conserva

depois de nossa morte; a Física nos confirma que tais partículas são

"estáveis", isto é, têm praticamente uma duração de vida infinita. Em

contraposição, se devêssemos dizer que nosso "Eu" não tem nenhuma

existência possível sem ser suportado pelo menos por algumas das

estruturas complexas que formam nosso corpo, durante nossa vida,

seríamos obrigados a concluir que nada subsiste de nosso "Eu" depois de

nossa morte. Mesmo nossos cromossomos, esta "bagagem" genética que

se transfere de uma geração a outra, são fortemente modificados durante

essa "corrida de revezamento" (veremos isto mais detalhadamente a

seguir), e não poderiam suportar seriamente a idéia de que nosso "Eu",

este que conhecemos hoje, prolongue sua existência para depois de nossa

morte.

Então, finalmente, a única "aposta" que possamos fazer para responder à

infinita necessidade de eternidade própria a cada um de nós, é que é

dentro destas partículas elementares microscópicas, que são os elétrons ou

os prótons de nosso corpo vivo, que é necessário buscar e discernir o

Espírito, o nosso Espírito.

Além disso, seria necessário ainda entender e examinar como nosso "Eu"

estaria presente nesta multidão de elétrons ou de prótons que formam

nosso corpo. Com efeito, um homem de 60 quilos, por exemplo, contém

um número de elétrons que corresponde a um 4 seguido de 28 zeros! É o

conjunto destes elétrons, colocados lado a lado, que seria necessário para

justificar nosso "Eu"? Neste caso, uma vez mais não restaria nada deste

"Eu" depois de nossa morte, visto que, com o tempo, estes elétrons se

dispersarão bem depressa pelos quatro cantos do planeta. Ou então, ao

contrário, alguns, senão todos, dos bilhões de elétrons de nosso corpo

vivo, seriam eles individualmente portadores do nosso "Eu" completo?

Neste caso, nosso "Eu", depois de nossa morte, não só não desapareceria

mas, ao contrário, teria se multiplicado e continuaria, até a eternidade, sua

aventura espiritual, participando ocasionalmente de outras existências

vivas ou pensantes, por vezes bem longe do nosso berço terrestre, tendo o

Universo inteiro por moradia.

Mas, antes de prosseguirmos nossa investigação sobre nosso "Eu"

eletrônico, asseguremo-nos de que os cromossomos de nosso corpo não

são suficientes, como havíamos anunciado, para assegurar a perenidade de

65

nosso "Eu". Para isso, relembremos o essencial de nossos conhecimentos

atuais sobre os cromossomos.

Todo nosso corpo é formado por uma imensa reunião de células vivas.

Descrevendo as coisas de uma maneira extremamente simplificada,

podemos dizer que cada célula é formada de um núcleo que bóia dentro de

uma substância líquida que chamamos citoplasma, e o conjunto está

encerrado no interior de uma membrana. Cada célula forma, portanto, uma

unidade individualizada. Em função dos nossos propósitos, passaremos a

nos dedicar agora, com alguns detalhes, ao núcleo de cada célula.

Se fosse necessário comparar a célula viva com um ser organizado como o

Homem, e mais especialmente com a organização geral do sistema

nervoso humano, diríamos o seguinte: como sabemos, o sistema nervoso

humano se decompõe em dois: o sistema nervoso cérebro-espinhal - que

comanda as funções de relação e que está sob a dependência da vontade -

e o sistema nervoso neurovegetativo que regula e coordena as atividades

de nosso corpo sem que tenhamos necessidade de intervir (respiração,

movimento cardíaco, digestão. . .). Grosso modo, o sistema cérebro-

espinhal está associado ao encéfalo (em termos vulgares, cérebro) e o

sistema neurovegetatívo ao bulbo raquidiano e às cadeias ganglionares

disseminadas em todo o corpo. Bem-entendido, estes dois sistemas estão

estreitamente ligados um ao outro, mas não podemos deixar de atribuir

uma supremacia ao sistema cérebro-espinhal, que compreende o encéfalo.

0 cérebro sempre foi considerado corno a parte essencial do potencial

humano. Utilizando esta imagem para a célula, diríamos, então, de bom

grado, que o núcleo da célula está para a célula, assim como o cérebro está

para o corpo humano. É o núcleo, e seu conteúdo, que preside à

coordenação de todo o funcionamento celular. Se retiramos o núcleo de

uma célula, esta desacelera sua atividade, encarquilha-se, toma-se incapaz

de se alimentar, e termina por morrer; do mesmo modo, se retiramos a

quase totalidade do encéfalo de um ser humano, ele pode subsistir ainda

algum tempo, mas se torna incapaz de qualquer atividade e morre

rapidamente.

0 que há, portanto, dentro do núcleo que o torna tão importante? É mais

ou menos como o encéfalo para o Homem: podemos dizer o que vemos

em uma análise microscópica. Mas daí a pretender que se veja o suficiente

para começar a compreender, ou mesmo pretender que se perceba o

essencial, há um passo bem grande.

66

Dois estados muito diferentes do núcleo devem, primeiro, ser

distinguidos: o estado que ele toma no momento em que a célula se

desdobra e o estado "em repouso" (o da intercinese, como o chama o

biologista), entre duas duplicações celulares.

Examinemos, primeiro, o estado de intercinese. 0 núcleo está, então,

completamente envolvido pelo citoplasma. No interior do núcleo

percebemos uma ou duas massas densas, os nucléolos. 0 resto do núcleo é

feito de cromatina, que é a substância que se transformará em

cromossomos quando da divisão celular. Esta cromatina se assemelha, em

alguns lugares, a pequenos grãos ou filamentos, os cromocentros. 0 núcleo

é limitado externamente por uma membrana, a membrana nuclear.

A parte essencial do núcleo é, sem dúvida, a cromatina. Seu principal

constituinte é o ADN (ácido desoxirribonucléico). 0 ADN está presente

em todos os núcleos, mas não se encontra em nenhuma outra parte da

célula. Enquanto a maior parte dos outros constituintes da célula são

"usados" pela atividade celular e renovados sem cessar por empréstimo do

meio exterior, o ADN da célula, ao contrário, jamais se modifica: é o

invariante celular. E sabemos que importância se deve dar àquilo que se

conserva em todos os fenômenos, mais especialmente em fenômenos tão

complexos como os do ser vivo.

Como sabemos que o ADN do núcleo nunca é renovado? Para isto

empregamos um método muito usado, desde há alguns anos, em todos os

estudos biológicos: utilizamos o que chamamos de precursores marcados.

Quando queremos ver se uma célula fabrica um corpo A no decorrer de

sua atividade e onde se dá essa fabricação no corpo celular,

acrescentamos, no meio exterior onde ela bóia, uma molécula B, que

utiliza a célula para realizar a síntese de A. Dizemos que B é um precursor

de A, visto que A utiliza B para sua síntese. Mas vamos igualmente

"marcar" B, isto é, tornar B radioativo (o que pode ser realizado por

técnicas de "bombardearnento" nuclear). Uma molécula radioativa emite

continuamente partículas carregadas, ou de radiação, que são capazes de

impressionar uma chapa fotográfica. Compreendemos, então, corno as

operações celulares se tornarão, assim, visíveis. A célula se alimenta de B

radioativo, se serve de B para fabricar o corpo A do qual tem necessidade;

e se filmamos toda a operação, vamos poder seguir o traçado de B na

célula (graças à sua radioatividade) e ver claramente onde B vai, e como

ele participa da síntese do corpo A. Depois, prosseguindo por um tempo

maior, eventualmente, veremos o corpo A, agora radioativo, sendo

67

"consumido" pela atívidade celular e os resíduos radioativos lançados para

o meio exterior.

Fornecendo à célula um precursor marcado que serve especificamente à

síntese do ADN, constatamos então que, mesmo se injetamos este

precursor no citoplasma ou no núcleo, a célula não se utiliza dele: isto

quer dizer que ela não sintetiza o ADN no decorrer de sua existência.

Como, por outro lado, podemos medir a quantidade de ADN no núcleo

(da ordem de um milhonésimo de milhonésimo de grama) e constatamos

que esta quantidade é constante, concluímos que a célula não consome

nem fabrica o ADN: esta substância é realmente o invariante celular.

Esta qualidade aproxima, ainda um pouco mais, o núcleo do encéfalo

humano e, mais amplamente, do sistema nervoso; sabemos, com efeito,

que todas as células do corpo se renovam no decorrer da vida, salvo,

entretanto, as células do tecido nervoso; conservamos estas mesmas

células durante toda nossa vida de adulto.

Um novo ADN somente será sintetizado pela célula no momento do

desdobramento celular,- pois será necessário, então, que a célula-mãe

tenha suficiente ADN para poder prover as duas células-filhas. Mas, como

o veremos, o ADN das células-filhas será uma cópia exata do ADN da

célula-mãe, de tal sorte que podemos dizer que a invariância do ADN

parece se conservar mesmo de uma geração a outra.

A cromatina não contém apenas o ADN, mas também outras substâncias,

e principalmente o ARN (ácido ribonucléico) que serve para transmitir as

ordens do ADN ao resto da célula, e para informar ao ADN o que se passa

na célula. Mas somente o ADN formará os cromossomos no momento do

desdobramento celular e somente o ADN carrega o potencial genético.

0 nucléolo, ou os nucléolos quando são muitos, contêm numerosas

substâncias: sua concentração em matéria seca é de 40 a 80 por cento,

enquanto que o conjunto da célula não contém mais do que 10 a 25 por

cento de matéria seca, sendo o resto água. Nos nucléolos encontramos

urna quantidade considerável deste ARN que desempenha o papel de

mensageiro entre o ADN e a célula. Contrariamente ao ADN, o ARN dos

nucléolos é consumido e se renova sem cessar, o que é necessário se deve

desempenhar o papel de mensageiro. Isto é constatado, mais uma vez,

alimentando a célula com um precursor marcado pelo ARN.

68

A membrana nuclear que envolve o núcleo é uma parede resistente que se

opõe, por exemplo, à passagem de uma microagulha que apoiamos sobre

ela. Examinando-a, mais detalhadamente, constatamos que é formada de

duas folhas superpostas perfuradas por numerosos poros que permitem a

circulação de substâncias entre o núcleo e o citoplasma. A folha externa,

geralmente, termina em uma rede de canalizações situada no citoplasma, o

retículo endoplásmico.

Uma característica que salientamos mais especialmente em relação ao

núcleo é sua fragilidade diante de todo contato com o meio exterior

diferente do citoplasma. Se extraímos o núcleo de uma ameba, mesmo por

uma fração de segundo, e o colocamos em seguida no citoplasma, ele

perdeu todas as suas propriedades: não exerce mais nenhuma ação sobre a

atividade da arneba, que aliás o considera como um corpo estranho e o

expulsa. Não conhecemos uma fórmula de citoplasma "artificial", onde

poderíamos conservar um núcleo isolado. Tudo se passa como se a

"informação", que permite ao núcleo conferir à célula suas propriedades

vivas, escapasse desde o momento em que retiramos o núcleo do

citoplasma. Isto significa que a membrana celular encerra um espaço com

"topologia" particular, capaz de "confinar" a informação contida no

núcleo? Teremos que voltar à possibilidade de uma topologia particular do

espaço no interior da célula, a qual desempenha um papel essencial no

funcionamento do ser vivo.

Expressamente, um dos papéis do ser vivo parece ser "cada vez mais"

fazer vivos. Há como uma competição entre a matéria inerte e a matéria

viva: o vivo parece ter, entre suas tarefas, de açambarcar sempre mais a

substância inerte para transformá-la em substância viva.

A maneira que parece mais simples para realizar esta tarefa é, para a

célula viva, absorver, através de sua membrana, matéria inerte emprestada

do meio exterior, fazer dela elementos úteis para compor seus próprios

organitos e, quando tudo está pronto, se desdobrar; a célula-mãe dá

nascimento a duas células-filhas idênticas. 0 vivo, assim, se multiplicou

por dois. Se cada célula faz outro tanto, e suponho que o meio exterior

possa fornecer os materiais inertes necessários, isto vai muito rápido, pois

o crescimento do vivo se faz, assim, em progressão geométrica. Uma

célula leva, geralmente, um tempo da ordem de uma hora para completar

esta operação de desdobramento. 0 peso médio de uma célula se aproxima

de um milionésimo do grama. Se, partindo de uma só célula inicial, a

duplicação poderia, assim, acontecer em todas as horas, teríamos, em

quarenta horas, cerca de uma tonelada de células vivas. Neste ritmo

69

desenfreado, seriam necessários menos de cinco dias para que o peso do

vivo fosse igual ao peso total de nossa Terra!

Bem-entendido, uma tal transformação do inerte em vivo não é possível

pois, como já vimos, a célula precisa, para se desdobrar, encontrar no seu

meio exterior os alimentos necessários à síntese da substância viva; na

prática, uma seqüência de cultura de células rapidamente esgota os

recursos de seu meio ... e a duplicação se interrompe.

Então, visivelmente, a tarefa do vivo não consiste simplesmente em se

esforçar para se multiplicar o mais rapidamente possível: o vivo procura

melhorar suas estruturas para lhe ser possível uma adaptação melhor ao

meio exterior; o vivo procura também, sem dúvida, atingir um objetivo

mais distante, ele participa de toda evolução cósmica e traz sua própria

contribuição a esta evolução. 0 vivo não é uma substância passiva, é uma

substância "que busca"; e buscar, para o vivo, é fabricar novas estruturas

vivas, as células-filhas não sendo apenas uma simples réplica da célula-

mãe, mas se tornando uma associação das características de muitas

células. Para criar assim, sem cessar, novo do vivo, a célula inventou a

fecundação ou reprodução sexuada. Uma célula-mãe e uma célula-pai se

associam para construir células que não serão nem inteiramente análogas

às da mãe, nem inteiramente análogas às do pai; é uma nova "tentativa" de

vida utilizando uma versão original, onde estão integrados certos

caracteres do pai e certos caracteres da mãe.

0 simples desdobramento celular leva o nome de mitose. 0 processo de

fecundação se chama miose. Iremos estudar sucessivamente estas duas

atividades da célula viva.

Podemos fazer uma "cultura" de células vivas colocando algumas delas

em um meio que contém as substâncias necessárias à sua vida, e mais

especialmente ao seu desdobramento. Se vocês pegarem algumas folhas

que apodrecem no solo no fim do outono e as colocarem em um prato

fundo recobrindo-as com água, descobrirão, geralmente depois de alguns

dias, que o líquido do prato, examinado com um microscópio médio,

pulula de pequenos organismos, que se deslocam rapidamente, muitas

vezes paramécios. Isto quer dizer que existiam alguns destes organismos

vivos sobre as folhas mortas recolhidas e que eles se multiplicaram

rapidamente no meio criado pelas folhas em decomposição na água do

prato.

Procuremos ver o filme desta multiplicação celular.

70

Primeiro, há um período, chamado intercinético, durante o qual a célula se

contenta em reunir os materiais necessários ao seu desdobramento; ela

estoca matéria e fontes de energia. 0 microscópio não revela grande coisa

neste período; a célula respira, se alimenta, correntes circulam no seu

citoplasma, mas suas estruturas fundamentais (núcleo, nucléolo, retículo

endoplasmático, etc.) permanecem inalteráveis. Depois, ao cabo de um

momento e com a condição de ter podido encontrar no seu meio exterior

os elementos de abastecimento necessários, a célula está pronta, está

pronta para se desdobrar, para se transformar em duas células iguais a ela

mesma.

Olhemos atentamente para o núcleo; é aí que as coisas acontecem.

Sabemos que o núcleo continha um nucléolo rico em ARN e cromatina

rica em ADN. Esta cromatina, que até aqui se apresentava como grãos

fechados dispersos dentro do núcleo, começa a se transformar. Os grãos se

alinham e formam pequenos segmentos; estes segmentos se juntam e um

certo número de filamentos individualizados de cromatina se desenham

dentro do núcleo. Os filamentos são os cromossomos, que vão

desempenhar um papel essencial no desdobramento celular.

Durante este tempo, dois pequenos pontos no limite da visibilidade, os

centríolos, que se avizinham do núcleo (mas fora dele), começam a se

separar deslizando ao longo da membrana nuclear e vão se localizar nos

dois pólos opostos da pequena esfera constituída pelo núcleo. Os dois

centríolos vão desempenhar o papel de "radares", que vão pilotar os

cromossomos no decorrer de seu movimento e, finalmente, cada um vai

atrair para si metade dos cromossomos.

Mas concentremos nossa atenção sobre o núcleo. Os cromossomos, que

até então estavam alinhados um pouco em desordem dentro do núcleo,

começam a se enrolar em hélice sobre si mesmos; se encolhem, se

encurtam, engrossando. Há um ponto de seu comprimento em que o

enrolarnento helicoidal se aperta muito particularmente, dando ao

filamento cromossômíco um aspecto estrangulado neste lugar; este ponto

leva o nome de centrômero; é ele que será capturado no campo do "radar"

dos centríolos; é ele que é o elemento-piloto sobre o qual agem os

centríolos para manipular cada um dos cromossomos.

Eis, agora, a membrana nuclear que se funde no citoplasma; o nucléolo

faz outro tanto. Os cromossomos parecem boiar livremente no citoplasma,

não há mais núcleo. Na verdade, os cromossomos não estão livres; corno

71

havíamos notado, estão estreitamente submetidos à ação dos dois

centríolos, que se afastam pouco a pouco um do outro, cada um dos

centríolos emigrando para os dois pólos diarnetralmente opostos do

citoplasma, perto da membrana celular.

Esquema geral da mitose. 0 centrômero está representado por um

pequeno círculo branco sobre os cromossomos. Salvo em H, o contorno

celular está omisso. A: núcleo intercinético; B e C: dois estados da

prófase; D: pró-metáfase; E: placa equatorial; F: anáfase; G: telófase;

H: estreitamento e reconstrução. (De acordo com Robertis et coll.,

General Cvtology, Saunders, Filadélfia, 1960.)

Vemos como raios que emergem de cada um dos dois centríolos, os raios

emitidos por um vindo convergir para o outro, o conjunto formando um

luso (nome que se dá a esta configuração) no interior do citoplasma. Os

cromossomos se agitam, cada centrômero se encaminha para um dos raios

do fuso, "prendendo" assim o cromossomo pelo centrômero a um raio. Ao

mesmo tempo, constatamos que cada fila~ mento cromossômico está

fendido longitudinalmente, partindo-se em dois filamentos paralelos

reunidos no centrômero. Na verdade, os cromossomos já estavam fendidos

assim, isto é, eram constituídos de dois meios cromossomos (ou

72

cromatídios) desde o princípio da duplicação celular; mas distinguimos

melhor os dois cromatídios quando, como atualmente, começam a se

separar suavemente um do outro.

Os cromossomos estão, curiosamente, dispostos em um mesmo plano,

perpendicular à reta que une os dois centríolos, bem no meio do corpo

celular. Este plano se chama a placa equatorial. Cada centrômero está

sobre um raio e os cromossomos estendem seus braços para o exterior da

célula.

Começamos a perceber, então, que a membrana da célula, que até aqui

não se tinha modificado em nada, é a sede de um borbulhamento cada vez

mais pronunciado. Grossas bolhas se formam, estouram, a parede se fecha

novamente, recomeça a borbulhar, e assim por diante.

É o momento em que a verdadeira divisão celular vai começar a efetuar-

se. Cada metade de cromossomo se põe bruscamente a deixar a placa

equatorial, uma metade emigrando para um centríolo e a outra metade

para o segundo centríolo, em cada extremidade do corpo celular. Cada

metade de cromossomo é como que "rebocada" pelo seu centrômero, ele

mesmo enfiado em um raio que atravessa o citoplasma e liga um centríolo

ao outro.

À medida que os cromossomos convergem para eles, os centríolos

parecem afastar-se, a célula vai se alongando no sentido do movimento

dos cromossomos. 0 cacho de cromossomos, agora, está convergindo para

cada um dos centríolos. A membrana celular está em ebulição intensa. Ela

começa a se estreitar na região central vazia, desenhando um algarismo

oito cada vez mais pronunciado. Durante este tempo, os cromossomos

perdem seu contorno definido: incham e se entrelaçam uns nos outros.

Aos poucos, uma nova membrana nuclear vai se desenhando em torno de

cada um dos dois jogos de cromossomos; novamente aparece um nucléolo

no núcleo em formação.

Eis que, agora, os cromossomos se dissolvem totalmente dentro destes

dois núcleos novos; vemos somente cromatina indiferenciada, como antes

do princípio do desdobramento. Durante este tempo, a membrana celular

terminou de se romper no estrangulamento do oito, e as duas células

completamente constituídas se separam totalmente uma da outra. A

célula-mãe deu nascimento a duas célulasfilhas inteiramente

independentes, mas réplicas fiéis da célula de onde saíram. As duas filhas,

73

entretanto, são menores do que a mãe; vão crescer ao se alimentar, e

depois elas também, por sua vez, se dividirão.

Acabamos de assistir a uma multiplicação celular. A célula decide se

dividir para produzir duas células idênticas.

Já tivemos oportunidade de assinalar que, no mecanismo de toda célula

viva, há uma substância, localizada no núcleo, que desempenha o papel de

um regente de orquestra, comandando todos os processos: é o ácido

desoxirribonucléico, ou abreviando, o ADN. 0 que talvez seja mais

chocante na divisão celular, é a engenhosidade que empregará a célula-

mãe em repartir exatamente sua herança de ADN entre as duas células-

filhas. Comecemos por constatar esta divisão eqüitativa, antes de refletir

sobre suas conseqüências.

E, primeiro, o que é o ADN? Sabemos que é o essencial da substância que

constitui os cromossomos. Durante os últimos vinte e cinco anos, os

biologistas têm-se preocupado especialmente com a estrutura do ADN,

visto que todo o patrimônio hereditário da célula parece implícito nesta

estrutura. 0 prêmio Nobel de Medicina de 1962 foi atribuído aos

americanos Watson e Crick, cujas pesquisas de análise espectral pela

difração dos raios X permitiram fazer uma idéia da constituição do ADN.

0 ADN é uma molécula geralmente muito longa, que pode ser visualizada,

em uma primeira aproximação, como uma corda que seria trançada com

dois cordões, formando um enrolamento helicoidal de cada um dos dois

cordões. Os dois cordões são idênticos, e cada um deles é constituído por

moléculas de fosfato e de açúcar ligadas umas às outras: um fosfato, um

açúcar, um fosfato, um açúcar, etc. Além disso, é necessário que também

imaginemos os dois cordões como suportes de uma estranha escada de

corda (visto que os suportes estão torcidos em hélice), que comportaria

barras; estas barras vêm agarrar-se às moléculas de açúcar, uma barra indo

de uma molécula de açúcar de um suporte a uma outra molécula de açúcar

do outro suporte. As barras são construídas de duas maneiras diferentes,

por substâncias que chamamos de bases azotadas: uma barra será feita de

uma molécula de adenina ligada a uma molécula de timina; a outra barra

será feita de uma molécula de guanina ligada a uma molécula de citosina.

0 que é importante notar é que estas quatro bases azotadas não podem

jamais ligar-se entre si a não ser de duas maneiras:

adenina - timina

guanina - citosina

74

A o lado:

Estrutura helicoidal do ADN. A linha vertical

indica o eixo da fibra. As duas fitas representam

as duas correntes construídas pelos grupos de

fosfato e de açúcar. Os bastões horizontais

figuram os pares de base atando as duas correntes

uma à outra. (Esquema de Watson e Crick, de

acordo com CI. Vendrely.)

Embaixo:

Esquema da molécula do ADN e sua reprodução.

Por convenção: adenina; -< = timina;

guanina; --C = citosina. Um fragmento de

molécula completa à esquerda. Para simplificar,

não representamos a disposição em dupla hélice da molécula. A metade

da molécula (no centro) contém todas as informações para reconstituir a

molécula inteira (à direita).

75

Não podemos nunca, por exemplo, ter uma barra feita de adenina e de

citosina.

As barras de nossa escada helicoidal são muito numerosas (geralmente

milhões). Para simplificar, chamemos os dois tipos de barras: negra e

vermelha. A "mensagem" hereditária, de que seria portadora a molécula

do ADN, conteria então, segundo as concepções atuais, na maneira pela

qual estão arrumadas entre si estas barras diferentes, algo parecido a um

alfabeto morse que utiliza dois sinais: um longo e um curto. A sucessão

negra-negra-vermelha-negra, por exemplo, teria geneticamente uma

significação; e esta significação seria diferente da sucessão negra-

vermelha-vermelha-negra. Em todo o comprimento desta escada de corda

helicoidal, que é uma molécula de ADN, se inscreveria, portanto, uma

"mensagem", da qual a célula se servirá para dirigir todos os mecanismos

do metabolismo celular.

Como a célula vai se arranjar para reproduzir exatamente este

encadeamento dos elementos em uma outra molécula de ADN, no

momento da duplicação da célula? Naturalmente, é necessário que isto

seja feito com grande cuidado, pois devem existir milhões de barras na

escada de corda, e as colocações delas devem ser rigorosamente as

mesmas na escada original e na nova escada que vai ser fabricada. Como

evitar que aconteça algum erro?

A maneira pela qual a célula opera é maravilhosa na sua simplicidade. 0

problema é refazer uma outra escada de corda. Começamos, portanto, por

sintetizar todas as substâncias químicas que serão necessárias para fazer

uma nova escada e as colocamos em reserva (fosfatos, açúcares e as

quatro bases azotadas). Depois a célula separa os dois suportes da

molécula de ADN, cortando ao meio cada barra, entre as duas bases

azotadas que constituem cada barra. Agora, portanto, transformamos a

escada de corda da molécula de ADN em duas meias escadas. Então,

recorremos às substâncias químicas armazenadas na célula para

reconstruir uma escada completa a partir de cada metade de escada. Mas,

como a base azotada que representa a metade de uma barra não se pode

associar quimicamente a não ser a uma só das três outras bases azotadas

(por exemplo, a adenina somente com a timina e nunca com a guanina ou

citosina), cada meia barra vai se reconstruir exatamente como ela estava

76

na escada original, antes do corte das barras; com efeito, não existem

outras maneiras para a barra se completar, pois não há escolha e nunca

podemos nos enganar; ou existe a barra certa (isto é, igual à de antes do

corte) ou não existe barra nenhuma.

Dessa maneira, cada meia escada é capaz de reconstruir exatamente a

escada completa original. Se havia uma mensagem inscrita na escada

original, a mesma mensagem será exatamente inscrita nas duas escadas

filhas, fabricadas pelo corte de cada barra da escada-mãe.

É evidente que a descrição precedente é bastante esquematizada. Pudemos

verificar através dos raios X que a molécula de ADN possuía a estrutura

em escada de corda helicoidal. Pudemos verificar também que,

alimentando a célula com precursores radioativos marcados para a síntese

de uma das bases azotadas, cada escada-filha era constituída por metade

da escada-mãe original e por metade de bases azotadas novamente

sintetizadas. Mas ainda restam grandes mistérios nesta duplicação da

molécula de ADN. Um deles é o seguinte: como se separam os dois

suportes da escada de corda, no momento em que as barras se cortam em

duas, sabendo-se que estes suportes estão enrolados em espiral bem

fechada um em volta do outro? É necessário que os dois suportes "se

desenrolem" para que possamos separá-los. Ora, isto exige que os suportes

girem um em volta do outro (como quando desfazemos uma trança ou

uma corda trançada) em um ritmo da ordem de 10.000 a 20.000

revoluções por minuto, na maioria dos casos! Além disso, e isto não

simplifica o problema, no momento de sua duplicação, parece que a maior

parte das moléculas de AI)N não apresentam a forma de uma corrente

linear, mas antes de uma corrente circular, fechada sobre si mesma.

Imaginem, portanto, esta molécula como uma corda trançada com dois

suportes, cujas extremidades teríamos ligado; e procurem agora ver como

separar os dois suportes sem cortar a corda! Isto é um verdadeiro "truque

de prestidigitação" realizado pelo vivo, cuja explicação ainda nos escapa

completamente.

0 que guardaremos é o fato de que a célula se dispõe (como,

detalhadamente, é muito difícil de dizer) para reconstituir exatamente a

molécula de ADN inicial nas duas células-filhas que resultam da

duplicação celular. Não apenas cada molécula nova de ADN terá a mesma

estrutura geral, mas será ainda composta exatamente de metade do antigo

ADN, que já "viveu" na célula, e de metade de AI)N recentemente

sintetizado, fabricado a partir de substâncias que a célula pode encontrar

no meio exterior. Isto, acrescido do fato de que, como já vimos no

77

decorrer do processo de duplicação, dois cromossomos, cópias um do

outro, se dirigem, sem jamais se enganarem, um para uma célula-filha e o

outro para a outra célula-filha, nos leva a concluir que a primeira

preocupação da multiplicação celular é assegurar uma herança em AI)N

rigorosamente idêntica para cada uma das duas células-filhas.

A duplicação celular é o processo que permite a todo ser vivo organizado,

isto é, constituído pela reunião de um número imenso de células,

"crescer", e, portanto, ao ser humano passar de seu estado inicial de óvulo

fecundado por um espermatozóide (primeira célula) para um corpo

humano adulto. Evidentemente, vem acrescentar-se ao processo de

duplicação celular um fenômeno de diferenciação celular, que faz com

que as células, à medida que são criadas, vão se reagrupar segundo um

plano bem definido, formando os órgãos, o aparelho circulatório, o

sistema nervoso, etc.

0 que desejaríamos bem salientar aqui, é o mecanismo maravilhoso que

parece presidir a esta edificação de um ser organizado. Não podemos nos

impedir de pensar que o Espírito, e não somente a Matéria, deve intervir

nesta edificação. As leis físicas, próprias da Matéria bruta, repetimo-lo

mais uma vez, podem, se as deixamos agir livremente, degradar a ordem

do sistema inicial. Ora, este sistema inicial é para o Homem um óvulo

fecundado por um espermatozóide; quanto ao sistema final, se o tomamos

no instante do nascimento, é esta máquina extraordinariamente complexa

e diferenciada que é um bebe humano. Como admitir que simples leis

físico-químicas conduziram a este resultado? Assistimos, sem dúvida

nenhuma, à obra altamente organizada de objetos microscópicos que

possuem um espírito comparável, e talvez mesmo bastante superior, ao

nosso próprio espírito. A "consciência" do organizado, já dissemos, não

nos parece poder ser superior à "consciência" daquele ou daqueles que

criaram o organizado. Pretender o contrário me parece tão absurdo como

querer afirmar que uma calculadora tem mais espírito do que o Homem

que a inventou e realizou. A calculadora pode ser um instrumento para

servir o espírito; não pode ser mais "espiritual" do que aquele que criou o

instrumento.

Mas eis aqui uma criança que acaba de nascer e que cresceu para ser agora

um adulto. Ela possui, desde sua concepção, alguma coisa que chamamos

seu "Eu", isto é, seu próprio Espírito, que irá, como seu corpo, se

modificando. Entretanto, no decorrer de sua vida, este ser terá o

sentimento indubitável da continuidade de seu "Eu", sentimento

justificado pela sensação profunda de ser hoje o mesmo que ontem vivia

78

nele. Mas este ser sabe igualmente que, cedo ou tarde, está predestinado a

morrer; teria ele algumas razões para crer que o que fazia seu "Eu" se

perpetuará no tempo, além desta morte?

Se deve haver uma chance para esta persistência da alma, podemos pensar

primeiro que esta chance se dará no plano da matéria cromossômica,

graças ao fenômeno conhecido pelo nome de reprodução sexuada. Isto nos

assegura, com efeito, que é provavelmente na matéria que forma os

cromossomos que seria mais lógico associar o Espírito, isto é, o "Eu", de

um indivíduo humano. Ora, uma parte desta matéria cromossômica é

transmitida pelos pais aos seus descendentes. Haverá uma chance para que

o Eu dos pais prossiga, desta maneira, sua existência além da morte

corporal? Tentemos ver, através de uma descrição sumária, como se opera

a duplicação dos cromossomos paternos, no decorrer da reprodução

sexuada (chamada de miose pelos biologistas).

0 problema é associar duas células (uma chamada de pai, a outra de mãe),

através de seus cromossomos, principalmente, de modo a fabricar uma

célula-criança. A célula-criança deverá ter o mesmo número de

cromossomos que cada uma das duas células dos pais. É necessário,

portanto, antes da fusão e para que a célula-críança não tenha duas vezes

mais cromossomos, que cada uma das células dos pais abandone metade

de seus cromossomos. Isto vai exigir um estado intermediário onde,

portanto, deverão existir células vivas com menos da metade de

cromossomos que a normal (células haplóides). Como o caráter "vivo"

exige um certo número de propriedades empregadas pelos cromossomos,

isto significará que podemos já ter todas estas propriedades que fazem o

ser vivo somente com a metade dos cromossomos dos pais. Dizendo de

outro modo, isto significa que os cromossomos dos pais são feitos de dois

grupos homólogos, cada um dos quais é suficiente para produzir urna

célula viva (então com metade de cromossornos). Como a célula dos pais

é ela mesma produto de uma reprodução sexuada, os dois grupos de seus

cromossomos homólogos não podem ser dados senão um pelo pai, o outro

pela mãe.

Representemos, agora, de modo preciso, uma dessas células parentes, a

célula do pai, por exemplo. Ela possui, portanto, 2n cromossomos no total,

ou n pares de cromossomos homólogos, n cromossomos lhe foram dados

pelo pai e n cromossomos (os homólogos), pela mãe.

79

Esta célula deve fabricar, a partir daí, uma célula que tenha somente n

cromossomos e que será útil na operação de fecundação com uma outra

célula semelhante.

0 que vai fazer a célula? Podemos dizer que vai, no decorrer de uma dupla

escolha que vamos explicar, fazer intervir na elaboração de novos

cromossomos destinados à criança que vai nascer, ao mesmo tempo:

• as características cromossômicas do avô e da avó (crossing-over);

• as características emprestadas diretamente do meio exterior no qual vive

a célula (complementação das escadas do ADN).

Em um primeiro tempo, os cromossomos homólogos da célula vêm se

colocar lado a lado (ver o esquema), como se este Espírito que preside,

sem dúvida, a operação quisesse fazer uma comparação das características

cromossômicas homólogas, antes de fazer uma escolha.

Esquema geral da miose.

(Segundo Robertis et coll., General Cytology, Saunders, Filadélfia,

195O.)

80

Depois, cada cromossomo vai se cortar em dois, no sentido do seu

comprimento, como já explicamos no decorrer da duplicação celular. Mas,

enquanto que, durante esta duplicação, as duas metades do cromossomo se

separam para se tornar, em seguida, um jogo cromossômico estritamente

idêntico ao jogo dos pais das duas células-filhas, na reprodução sexuada

observamos uma espécie de reajustamento dos filamentos cromossômicos:

os cromossomos se cortam em partes diferentes, depois as pontas cortadas

vêm se reagrupar de maneira a formarem associações diferentes das que

compunham os cromossomos iniciais. Explicando melhor, antes de

transmitir à sua criança seus cromossomos, o pai começa por escolher

entre os cromossomos do avô e da avó da criança que vai nascer o que lhe

parece ser o mais desejável (subentendido, desejável para o objetivo que

tem a evolução no momento da escolha). Do mesmo modo, a mãe começa

preparar os cromossomos de sua criança, escolhendo os "melhores

fragmentos" dos cromossomos do avô materno e da avó materna da

criança. Estas "escolhas" acontecem durante uma rápida operação de

"cavalgamento" dos cromossomos, que chamamos de crossing-over.

Quando termina o processo de cavalgamento, assistimos à duplicação por

separação das duas metades dos novos cromossomos, assim

lIcaprichados" pelo espírito da Natureza.

Mas, eis que agora vão atuar os elementos do meio exterior à célula. Com

efeito, os cromossomos que se separam compreendem somente metades

das escadas helicoidais de ADN. Como explicamos durante a duplicação

celular, a célula deverá completar as escadas de ADN enquanto faz a

duplicação. Os materiais necessários para completar a escada são

necessariamente tomados de empréstimo ao ADN sintetizado pela célula,

a partir de seu meio exterior (do qual ela "se alimenta"). Assim, na medida

em que os materiais provenientes do exterior são portadores de uma certa

"experiência" espiritual, os novos cromossomos completos da criança que

vai nascer terão acesso a esta experiência. Notaremos a importância

fundamental deste fenômeno: sem ele poderíamos considerar que o jogo

cromossômico da criança é feito da substância dos cromossomos da

mesma espécie animal; com esta associação dos elétrons do meio exterior

aos cromossomos da criança, são as outras espécies animais, e também o

vegetal e o mineral, que podem participar na evolução de uma dada

espécie.

Como se espantar, então, com as maiores ou menores afinidades da

criança em relação a este ou aquele animal, ou vegetal, ou mineral! Ainda

81

uma vez, ficamos maravilhosamente confundidos diante dos métodos

simples, mas eficazes, utilizados pela Natureza (seria melhor escrever o

"Espírito" da Natureza). Esta Natureza se arranja para obter a participação

de tudo o que existe no espaço e no tempo a fim de "evoluir", isto é, para

se aproximar cada vez mais do objetivo que a evolução se propõe

(objetivo sobre o qual retornaremos).

A duplicação da célula do pai tendo sido assim efetuada, fazendo intervir

uma "dupla escolha", agora resta preparar os espermatozóides que deverão

ter apenas a metade do número de cromossomos das células normais; com

efeito, será necessário que, durante a fecundação, venham juntar-se aos

cromossomos do espermatozóide os cromossomos do óvulo materno 1,

que igualmente só contêm a metade dos cromossomos de uma célula

normal da mãe.

As duas células provenientes da dupla escolha vão, então, realizar

simplesmente uma duplicação celular normal, resultando em quatro

espermatozóides.

0 processo de preparação dos óvulos acontecerá da mesma maneira na

mãe: a partir de uma dupla escolha durante a primeira duplicação, depois

de uma segunda duplicação, obteremos a divisão de uma célula normal

materna em quatro óvulos, tendo cada um menos metade de cromossomos

do que a célula "normal" inicial.

Novamente, então, acontecerão duas escolhas independentes. Primeiro,

dos quatro óvulos preparados pela mãe da criança a nascer, três serão pura

e simplesmente eliminados: não achamos aqui que seja o acaso que

presida esta eliminação. Com efeito, assistimos a urna escolha de óvulo: é

o mais bem "aquinhoado", levando em conta o concurso de materiais do

meio exterior, que será retido para a fecundação.

Eis portanto, neste instante preparatório da fecundação, os

espermatozóides que se dirigem desabaladamente para o óvulo, um pouco

como a multidão de zangões da colméia, um belo dia, voando aos céus

para conquistar a abelha-rainha. 0 óvulo está envolvido por uma geléia

transparente, na qual um grande número de espermatozóides vem afundar,

primeiramente, a cabeça. Uma nova escolha acontecerá, executada pelo

óvulo; pois não é o "primeiro a chegar" dos espermatozóides que será aqui

o primeiro atendido, materializando a fecundação: é o óvulo que vai emitir

para um dos espermatozóides que está debatendo a cabeça na geléia uma

espécie de pseudópode (cone de atração); isto fará aparecer uma ranhura

82

na membrana do óvulo e permitirá assim a penetração do espermatozóide

"eleito". Quem ousará negar seriamente que, ainda aí, é o "Espírito"

contido no óvulo a fecundar, e não o acaso, que interveio para escolher

entre os milhares de espermatozóides "pretendentes" o que se combinará

de maneira mais favorável com as características cromossômicas do

óvulo? Relembremo-nos de Albert Einstein e de sua célebre frase: "0 bom

Deus não joga ao acaso".

CAPITULO VIII

As ramificações eternas de nosso Espírito

0 que se torna meu Espírito depois de minha morte? - 0 "acaso" incapaz

de substituir o Espírito nos processos evolutivos. - As provas biológicas e

"lógicas" de que meu "Eu" inteiro é levado por cada um dos elétrons de

meu corpo. - Mas meu "Eu" cósmico é mais rico do que o "Eu" consciente

correspondente à minha presente vida vivida. - Estaremos reunidos para

sempre com os nossos ancestrais e com os nossos descendentes.

Ainda não respondemos à questão que nos propusemos primeiro: no

decorrer deste maravilhoso fenômeno da reprodução sexuada, no qual um

certo número de meus cromossomos vão fornecer sua substância para

constituir os cromossomos de meu filho ou de minha filha, há alguma

coisa do meu "Eu" que vai passar?

Se este "Eu" fosse mantido, como fizéramos a hipótese anteriormente,

pelo conjunto dos meus cromossomos, então somente uma fração deste

"Eu" irá para meus filhos; e uma parte menor ainda irá para os meus netos;

e quase nada do meu "espírito" será, além da minha morte, transplantado

para os meus bisnetos.

0 cálculo é simples de fazer. Visto que, no decorrer da reprodução

sexuada, meu filho não recebe cromossomos idênticos aos meus, mas uma

"mistura" dos cromossomos que vêm de seu pai e dos que vêm de sua

mãe, devemos dizer que o "Eu" de meu filho será diferente do meu.

Certamente, podemos admitir que aparecerão caracteres mais ou menos

"semelhantes" aos de meu "Eu", mas isto não será de modo algum

idêntico. Mesmo no caso de uma partenogênese, isto é, de uma

reprodução a partir de um óvulo fecundado 1, vimos que a duplicação

contínua, que se efetua ao nível celular enquanto "cresce" o ovo

fecundado, utiliza materiais do meio exterior; estes materiais têm sua

83

própria história no passado no plano "espiritual", o que acarreta que a

criança de uma partenogênese só pode ser considerada "espiritualmente"

idêntica à mãe.

Resumindo, penso que nos casos mais favoráveis, somente 50 por cento

do nosso "Eu" poderia ser transportado aos nossos descendentes de

primeira geração . A segunda geração terá, então, menos de 25 por cento

do nosso "Eu", a terceira menos de 12,5 por cento ... e a décima, menos de

1 por mil. Nestas condições, é claro que não podemos pretender que nosso

"Eu" nos sobreviva no futuro, se tal sobrevivência deva ser assegurada

pelo transporte de nossas estruturas cromossômicas; nosso "Eu" irá se

extinguindo rapidamente (o que são 10, 100, 1.000 gerações em face dos

tempos na escala cósmica!), e não teremos finalmente representado nada

na aventura universal mas apenas nos limitado à nossa efêmera vida

terrestre.

Mas são as estruturas cromossômicas, ou qualquer coisa ainda mais

simples, e portanto também mais durável, que assegura a perenidade do

nosso "Eu"?

Parece que é suficiente olhar atentamente como se processa a reprodução

de uma célula viva para se obter uma resposta.

Com efeito, já vimos que no período chamado "intercinese", no qual a

célula não está ocupada em se multiplicar mas em simplesmente acumular

os materiais para preparar sua próxima duplicação, os cromossomos se

dissolvem completamente no núcleo, para fornecer a cromatina. Portanto,

não é razoável pretender que é a disposição geométrica dos elementos

químicos uns em relação aos outros, tais como estão na estrutura

cromossômica, que "mantém" meu "Eu", já que a célula arrasa estas

estruturas cromossômicas durante a ocorrência da intercinese, ao passo

que o que chamamos nosso "Eu" deve se beneficiar de uma necessária

continuidade. Se os cromossomos reduzidos a migalhas, como se

apresentam na cromatina do núcleo, são capazes, no momento da

duplicação, de construir novamente as estruturas cromossômicas, é que

existe na simples cromatina uma substância "mais consciente" que os

próprios cromossomos acabados. Se vocês olharem uma calculadora e

constatarem que ela pode ser posta em pedaços sucessivamente, depois

reconstruída, vocês serão constrangidos a reconhecer que há, atrás deste

jogo de construção um espírito maior do que o da própria calculadora

acabada, visto que, quando esta última é reduzida a mil pedaços, é

84

necessário que ,,alguém" reorganize estes pedaços, numa ordem certa, a

fim de obter novamente uma calculadora "que funcione".

Mas, dirá ainda o cético, a cromatina é, em maioria, constituída de

moléculas de ADN, substância especial cujo papel essencial vimos nos

processos vivos. Não é, então, a molécula de ADN que leva o Espírito,

graças à sua forma geométrica, e esta reunião bem definida de "barras" da

molécula, que faz o conjunto desta parecer-se com alguma mensagem

codificada? É interessante reler sobre este assunto um texto de Diderot,

que coloca em relevo este fato: um edifício molecular qualquer, seja qual

for a sua complexidade estrutural, não será nunca um "vivo" se não for

constituído por outras coisas que objetos inertes (isto é, se eles mesmos já

não forem "vivos"). Em uma carta para Sophie Volland, em 15 de outubro

de 1759, Diderot escrevia: "Supor que colocando ao lado de uma partícula

morta uma, duas ou três partículas mortas formaremos um sistema de

corpo vivo, me parece um absurdo muito grande, ou eu não me conheço.

A partícula A colocada à esquerda da partícula B não tinha a menor

consciência de sua existência, não sentia nada, estava inerte e morta; e eis

que a que estava à esquerda colocada à direita, e a que estava à direita

colocada à esquerda, o conjunto vive, se conhece, se sente! Isto não pode

ser. 0 que faz aqui a direita ou a esquerda?"

Os biologistas mecanicistas (também chamados "reducionistas"), que

proliferam, no meu entender, em grande número na nossa época, deveriam

meditar sobre este texto de Diderot. Ele é simples, existe há mais de dois

séculos mas, entretanto, me parece "imbatível". É necessário fazer o

Espírito intervir desde o nível elementar se queremos começar a

compreender o Vivo.

Agora podemos duvidar bem menos desta conclusão lógica, apoiada sobre

tudo o que nos mostra o Vivo no trabalho, de que descobrimos o espaço-

tempo do Espírito, encerrado em cada elétron. Todo processo puramente

mecanicista, que admite que os atos e as estruturas ordenados vivos

poderiam ser obra do acaso, agindo no quadro das alterações físicas

habituais próprias da Matéria, só pode permanecer incompreensível e é,

aliás, contrário ao que nos diz precisamente a Física sobre a evolução da

Matéria em um sistema deixado ao acaso: o sistema só pode "degradar"

sua ordem. A ordem somente pode nascer da própria ordem. Somente um

espaço "ordenado" pode ser "ordenador" da Matéria, e dar nascimento a

estruturas e evoluções ordenadas dela mesma. 0 Espírito não poderá nunca

ser explicado como uma "secreção" da Matéria, por mais complexa que

esta seja. Atrás de cada obra prima é necessário um arquiteto.

85

Resta-nos agora um último passo, e ele é importante. Seja, admitamos

pois por enquanto, que a aventura principal do Espírito no Universo é, em

primeiro lugar, a aventura dos bilhões de elétrons que povoam o Universo

e que são capazes de estocar a informação no espaço-tempo particular que

encerram, depois ordenar sempre mais esta informação, a fim de utilizá-la

especialmente durante as sínteses, cuja eficácia e complexidade deixam

atônitos os melhores técnicos de nossas civilizações ditas, entretanto,

"avançadas". Parece certo que estas sínteses não constituem o fim da

evolução; podem ser somente um meio para atingir este fim; do mesmo

modo os foguetes que não constituem um fim em si mesmos, mas somente

um meio de atingir pontos afastados do cosmo. Antes de nos

interrogarmos sobre este fim da evolução na escala cósmica, supondo que

ele exista, formulemos uma questão de importância: como nosso "Eu", o

dos Homens, isto é, nosso Espírito, se compara ao Espírito destes elétrons,

que certamente vimos atuando em tarefas complicadas e que nos

ultrapassam espiritualmente, tarefas, entretanto, muito diferentes daquelas

sobre as quais se exerce habitualmente nosso espírito: criar máquinas para

melhorar nosso bem-estar, lutar contra a fome e a ignorância, conservar a

saúde, atingir terras longínquas ... para citar apenas algumas de nossas

"nobres" tarefas (elas não são naturalmente todas tão nobres assim, não

tenho nenhuma necessidade de convencer disso o meu leitor).

A única resposta lógica para esta questão me parece ser afirmar que nosso

"Eu" e suas preocupações entram no campo de consciência dos elétrons de

nosso corpo e, provavelmente, de cada um destes elétrons. Com efeito, de

que serviria a estes elétrons nos ter fabricado como uma máquina capaz de

possuir um "Eu", uma máquina capaz de ser uma "pessoa" e não

simplesmente um autômato, se este "Eu" não trouxesse por sua vez algum

proveito aos próprios elétrons. Afinal de contas, Pascal tinha razão em

observar que o Homem é um "animal pensante" e nossa vocação mais

profunda é, sem nenhuma dúvida, pensar. Cada um de nós deveria retirar

do pensamento sua experiência vivida, pois, qualquer que seja nossa ação

na vida, tudo se resume finalmente para nós em refletir sobre a ação

passada e preparar a ação seguinte. Mas este pensamento, que nos dá o

sentimento profundo de existir, é precisamente ele que "sonda" sem cessar

o meio exterior e informa nossos elétrons. É explorando a informação

vivida pelo Vivo, inclusive o Homem, que a aventura eletrônica

progredirá e se aproximará cada vez mais do seu objetivo. Portanto, é

necessário que este "Eu" que conhecemos, que chamarei de "Eu

consciente", seja um subconjunto do estoque de informações de que

dispõe a matéria elementar eletrônica ao entrar no nosso corpo. Digo um

86

subconjunto, pois o conjunto das informações de que dispõem nossos

elétrons forma um "Eu" cósmico, que é com certeza infinitamente maior

que o que colocamos a crédito do nosso “Eu consciente". Vimos antes que

possuímos muito poucas informações que permitem ao elementar criar as

estruturas vivas; nossos melhores pesquisadores ainda estão no bê-a-bá.

Também é visível que os elétrons dispõem de informações extremamente

especializadas, próprias para assegurar cada uma das funções do nosso

corpo, cujos mecanismos nos escapam desde que descemos do nível

macroscópico para nível microscópico. Aliás, estes conhecimentos seriam

em grande parte não indispensáveis, e mesmo inúteis, para nossa própria

sobrevivência que está assegurada, independentemente da da nossa

vontade pelos múltiplos conhecimentos de que dispõe, silenciosamente, o

elementar em ação dentro do nosso corpo.

Mas se o elementar possui mais informações do que o nosso "Eu"

consciente, ele recebe, contudo, a cada instante, as informações que este

"Eu" consciente percebe e é para recebê-las que criou uma máquina que

chamamos Homem. Ainda uma vez, não se trata de pensar aqui que a

informação própria ao nosso "Eu" poderia "se dispersar" nos bilhões de

elétrons que formam nosso corpo, onde um elétron particular só teria, por

sua vez, conhecimento de um fragmento microscópico. A informação

própria do nosso "Eu" deve permanecer inteira, não deve ser despedaçada,

ou então ela nada vale, nada é. Tornem uma tragédia de Shakespeare,

distribuam uma frase para cada um dos seres humanos do planeta e vejam

se isto é útil, de alguma forma, para que qualquer terráqueo possa fazer

uma idéia da informação contida na obra do grande escritor!

Não, é o nosso "Eu" inteiro que é um subconjunto da informação contida

em cada uma das partículas elementares que formam nosso corpo. Senão

em todas, ao menos em bilhões delas. Mesmo admitindo que somente as

partículas que entram na composição do ADN de nossas células possuem

cada uma a informação própria sobre nosso "Eu", dado que a quantidade

de ADN de cada célula humana é da ordem de milionésimo de

milionésimo do grama, haveria perto de cem bilhões de elétrons

"espirituais" portadores de nosso "Eu" em cada uma das células de nosso

corpo. E as células do nosso corpo se contam naturalmente aos bilhões.

Temos em nós, provavelmente, tantos elétrons portadores do nosso "Eu"

quantas estrelas e planetas há no firmamento. Ainda aqui a Natureza nos

põe em face de números imensos, tanto na escala da Matéria -como na do

Espírito. E se esta imensidão é capaz de ser harmoniosa é porque cada

unidade possui seu papel no todo, como cada nota em uma sinfonia, cada

músico em uma orquestra.

87

Entretanto, há ao mesmo tempo qualquer coisa de estranho e de fascinante

nestes "grandes números", tais como os encontramos quase em toda parte,

a partir do momento em que perscrutamos um pouco atentamente nosso

Universo. Assim, não podemos nos impedir de "sonhar" quando

calculamos que há mais elétrons em um centímetro cúbico de ar do nosso

planeta do que há estrelas em todo nosso Universo.

Mas não há uma misteriosa "razão de ser" dissimulada atrás destes

grandes números? É urna interrogação que foi bastante sentida, de

maneira intuitiva, pelos neognósticos de Princenton e Pasadena e eles a

traduziram por "numeração paradoxal". Com efeito, eles procuraram dar a

conhecer, tanto em seu meio quanto por publicações e em tom de "gracejo

sério", algumas conseqüências puxadas pela existência dos grandes

números, conseqüências que devemos aceitar, pois, apesar de sua

aparência paradoxal à primeira vista, elas resultam de deduções e de

cálculos perfeitamente "científicos", e não podemos de modo algum

colocá-las em dúvida. Eis um exemplo.

César foi assassinado, como sabemos, no ano 44 antes de Cristo. No

instante de sua morte exalou, como cada um de nós neste momento

crítico, um "último suspiro"; isto quer dizer que, naquele instante, ele

expulsou para a atmosfera, pela última vez, em torno de um litro de ar que

estava circulando em seus pulmões. Ora, eis a questão: será que

respiramos ainda agora, em cada uma de nossas inspirações, e qualquer

que seja nosso lugar neste planeta, alguns dos elétrons que entravam nas

moléculas de ar que compunham o "último suspiro" de César? Se

supomos, como é cientificamente aceitável, que o último litro de ar de

César ao morrer foi uniformemente diluído em todo o ar de nosso planeta

no decorrer do tempo, e isto em uma altura da atmosfera da ordem de cem

quilômetros acima do solo, inteiramente ao redor da Terra, então um

cálculo bastante simples mostra que a resposta é: "Sim, nós respiramos

atualmente algumas dezenas destes elétrons cesarianos em cada uma de

nossas inspirações".

Mas então, se estes elétrons tiveram tempo, quando de sua curta estada no

corpo de César, de levar alguma coisa do Espírito de César, então o

grande tribuno não é para nós totalmente desconhecido, nós

"comungamos" de alguma forma com um pouco dele, por intermédio do

nosso "Eu" cósmico, a cada uma de nossas inspirações!

88

0 mesmo tipo de cálculo pode ser feito em relação aos elétrons do nosso

corpo. Admitamos que somente os elétrons que entram na composição do

nosso ADN sejam portadores do nosso "Eu". Depois de nossa morte, os

elétrons se dispersarão progressivamente, no decorrer do tempo, no

interior e em volta de nossa Terra. Suponhamos estes elétrons, alguns anos

depois de nossa morte corporal, uniformemente dispersados numa esfera

contendo toda nossa Terra e numa camada atmosférica de uma espessura

da ordem de cem quilômetros. Calculamos, então, facilmente, ainda uma

vez, que cada centímetro cúbico desta esfera contém alguns dos elétrons

portadores do nosso "Eu", e que fizeram, por um momento, parte do nosso

ADN celular. Portanto, nossos descendentes absorverão, em cada uma de

suas inspirações do ar atmosférico, alguns dos elétrons portadores do

nosso “Eu". E isto enquanto durar a nossa Terra.

Melhor ainda: em cada centímetro cúbico do espaço da nossa Terra virão

"se reencontrar", depois de um tempo suficiente, durante uma espécie de

"comunhão" uns com os outros, os "Eu" de meus ancestrais, meu próprio

"Eu", e os "Eu" dos meus descendentes! Nós que nos conhecemos não

seremos nunca separados! Nós nos reuniremos não tanto pelos nossos

corpos, cujos elétrons não constituem, no centímetro cúbico considerado,

mais do que uma minúscula parcela: mas nos reuniremos, o que é

essencial, no plano do Espírito, posto que cada elétron que pertenceu ao

nosso corpo (ou ao menos ao nosso ADN) é portador do nosso "Eu"

inteiro. Nossos "Eu" se encontram assim reunidos e em comunicação um

com o outro até a eternidade! Quem recusará perceber a profunda

significação metafísica desta constatação?

Portanto, para isso, será necessário idealizarmos uma "pluralidade" do

nosso "Eu". E penso que, depois de alguma reflexão, deveríamos mesmo

aceitar esta pluralidade, pois ela constitui, sem dúvida, o primeiro passo

para compreender nosso verdadeiro lugar no Universo, para nos

libertarmos desta esmagadora opressão de um Universo, cuja escala das

dimensões no tempo e no espaço não tem uma medida comum com a

nossa vida terrestre cotidiana. Nossa profunda consciência, graças a esta

pluralidade das partículas eternas que a contêm, pertence a toda esta

imensidão do tempo e do espaço. Morte contra a Natureza, talvez tenha

chegado a sua derrota!

CAPITULO IX

Mecanismos do Espírito e parapsicologia

89

Uma experiência imaginária de comunicação telepática com a múmia de

Ramsés II. - As bases científicas da parapsicologia. - Primeira abordagem

"analógica" dos mecanismos do Espírito. - Nossa "reencarnação" em

novas vidas. - Retorno sobre nosso "Eu" consciente, nosso "Eu"

inconsciente e sua união no nosso "Eu" cósmico.- Criação e raciocínio. -

Vocês sabem que as árvores falam?

Assim, o que diferencia minhas conclusões das de Pierre Teilhard de

Chardin é essencialmente o fato de que, enquanto Teilhard via o Espírito

de um ser organizado, como um Homem, por exemplo, repartido no

conjunto dos corpúsculos elementares que formam este ser, creio, ao

contrário, que, com toda a lógica, devemos pensar que o nosso Espírito,

nosso "Eu", está contido inteiro dentro de cada um dos elétrons de nosso

corpo, ou ao menos dentro dos bilhões de elétrons que pertencem ao nosso

corpo (os que participam principalmente da edificação das moléculas de

ADN).

Quero ilustrar esta mudança radical de ponto de vista com um exemplo,

que propositalmente será um pouco "caricatural", pois é importante que

meu leitor conceba verdadeiramente o que implica esta mudança de

perspectiva em considerar o Espírito.

Ramsés II era um faraó da XIX.a dinastia, que reinou de 1301 a 1235

antes de Cristo, há portanto mais de três milênios. Este faraó particular

nos interessa pois, como sabemos, foi descoberto seu túmulo no fim do

último século, e no interior dele seu corpo mumificado. Atualmente, todos

podem ver Ramsés II mumificado no museu do Cairo, ou quando de sua

passagem por qualquer outro museu do mundo, em Paris ou em Nova

York, por exemplo.

Parece que as viagens que lhe são impostas, de uma maneira certamente

inesperada para ele pelo nosso século XX, não trazem proveito nenhum

aos restos do célebre faraó, e que os danos constatados em sua múmia

entre a descoberta de seu túmulo e hoje não são negligenciáveis,

comparados aos dos 3.000 anos que precederam. Mas nosso problema não

é este: é suficiente para nós podermos afirmar que, com a múmia de

Ramsés II certamente estamos em face de uma matéria que "viveu" em um

corpo humano há uns 3.000 anos, e que deve, portanto, conter um bom

número dessas partículas elementares de matéria que participaram do

corpo e do espírito de Ramsés II vivo. Estes elétrons, que levaram o

Espírito inteiro do grande faraó egípcio, são mostrados aos visitantes dos

90

museus; e estes visitantes estariam certamente interessados em aprender

que, escondidos sob os restos em perdição da múmia, estão lá, bem perto

deles, alguns corpúsculos de matéria capazes de lhes revelar o pensamento

de sua majestade defunta.

Parecemos tomar isto em tom de gracejo, tanto essa idéia, à primeira vista,

se mostra surpreendente, levando em conta nossos dogmas atuais de

pensamento sobre a Morte. Mas, na realidade, não gracejamos: é

exatamente (ou quase) a conclusão lógica à qual sou conduzido, se levo

em conta as pesquisas sobre a presença do Espírito nas partículas

elementares. Aprofundemos este assunto, conservando o exemplo de

nosso faraó.

Ramsés II, como cada um de nós, nasceu, viveu e morreu. Durante sua

vivência, o Espírito que ele mostrou, isto é, o que chamamos seu "Eu" no

capítulo precedente, estava contido inteiro nos bilhões de elétrons que

entravam na composição de seu corpo. Estes elétrons, nós o vimos, tinham

sua própria história, que ascendia a bem antes do nascimento do faraó;

cada um dos elétrons de Ramsés II possuía a memória da experiência

vivida de seus pais, avós .... e assim por diante até a um passado que se

aproxima da origem do próprio Universo. Nestes elétrons estava inscrita,

portanto, uma experiência vivida haurida não somente do mundo humano,

mas também do mundo animal, do mundo vegetal e do mundo mineral.

Aliás, os elétrons de Ramsés II, insistimos igualmente nisto possuíam um

Espírito que ultrapassava de muito o Espírito associado ao "Eu"

consciente do faraó, se limitamos este à memória dos acontecimentos

vividos pelo faraó somente durante sua existência terrestre. Os elétrons

faraônicos são mais "sábios" do que o "Eu" consciente do faraó; eles

eram, principalmente, enquanto Rarasés vivia, capazes de fazer funcionar

esta máquina ultracomplexa que foi o corpo humano de Ramsés,

recorrendo a conhecimentos milenares. 0 "Eu" consciente de Ramsés,

aquele que lhe permitiu se conduzir "acertadamente" no meio de sua corte,

era praticamente destituído deste saber milenar.

É por este pequenino "Eu" consciente, entretanto, que nos interessamos

aqui. Ele estava contido em cada um dos bilhões de elétrons de Ranisés 11

vivo. Mas, todo Homem é mortal: e eis que o grande faraó, mumificado,

será colocado para sempre na sua suntuosa tumba mortu ria, na

concavidade da pirâmide.

91

Para sempre, não, pois cerca de 3.000 anos mais tarde, retiraram Ranisés

desse repouso que ele acreditava que fosse eterno, para mostrá-lo em

espetáculo a uma multidão de pessoas estranhas.

Entrementes, bilhões de elétrons que seu Espírito continha escaparam de

seu túmulo, apesar das bandagens e dos muros espessos da pirâmide. Pois

estes elétrons são objetos tão pequenos que é bastante difícil retê-los. Os

elétrons que escaparam foram flutuar nas vastas planícies do Nilo e,

durante estes 3.000 anos, foram provavelmente participar de outras

numerosas estruturas organizadas, tais como minerais, vegetais, animais ...

ou mesmo humanas.

Entretanto, podemos esperar ter sido retida ainda, entre as bandagens

milenares, uma boa quantidade dos elétrons do Ratrisés 11 que viveu.

Novamente, é a lei dos grandes números que aparece: se o Espírito de

Ranisés tivesse sido contido apenas dentro de algumas dezenas ou

centenas de elétrons, a cbance de ter conservado ao menos um na sua

múmia até o século XX seria mínima, sem dúvida; mas, como já

observamos anteriormente, perto de cem bilhões destes elétrons estavam

dentro do ADN de cada uma das células do corpo do faraó. Podemos

esperar, portanto, que alguns milhões deles, ao menos, ainda estejam

presentes nos restos mostrados nos museus.

Estamos, agora, portanto, diante da grande questão: se estes elétrons são

os mesmos que ditavam ao faraó as ações que ele realizava desde o seu

levantar matinal, não podemos esperar uma "comunicação" com eles para

aprender alguma coisa das idéias deste nobre personagem, que acreditava

ser igual aos deuses?

Diremos, durante os próximos capítulos, de que forma é constituída esta

"memória" do faraó dentro do espaço-tempo do Espírito que compõe cada

elétron. Diremos também como se comunicam entre si, no plano

"espiritual", os elétrons que compõem um corpo humano vivo. No

momento, nos contentamos em notar que esta memória é uma espécie de

radiação eletromagnética "codificada". Entrar em comunicação com o

Espírito de Ranisés II, tal como subsiste nos restos que vemos, é chegar a

"ler" esta radiação codificada, encerrada ainda hoje nos elétrons do faraó.

Isto certamente não é uma operação fácil, do mesmo modo que não foi

fácil aos astrônomos detectar, depois ler, e por fim interpretar, as ondas de

rádio provindas das estrelas do céu, que também nos contam a história do

Universo. Antes de poder ler estas ondas, os físicos tiveram que adquirir

92

um grande número de conhecimentos sobre eletro-magnetismo e sobre as

características dos sinais eletromagnéticos emitidos pelas estrelas.

Em relação às ondas que levam o Espírito, no interior das estruturas

eletrônicas, o problema parece árduo à primeira vista: com efeito, como já

dissemos, estas ondas estão num espaço "fechado", no sentido que damos

a esta palavra na Relatividade geral; não existe nenhuma possibilidade de

fazer sair o que quer que seja deste espaço fechado. Vimos, entretanto,

que trocas de informações entre este espaço eletrônico fechado e nosso

espaço (o da Matéria) poderiam ser estabelecidas por meio de interações

"virtuais", o que quer dizer que poderão mudar alguma coisa "à distância"

neste espaço fechado, com a condição de mudar alguma coisa

correspondente, simultaneamente, no nosso espaço da Matéria. A simples

interação eletrostática entre dois elétrons (dois espaços "fechados"

independentes) é explicada assim, por exemplo, na Física contemporânea,

por um tal processo de ação "à distância". É assim, igualmente, que

acontece o processo de comunicação "espiritual" entre dois elétrons, e

retornaremos a este assunto, mais detalhadamente, um pouco mais à

frente.

Então, considerando que nossa Ciência e nossas técnicas nos permitem

comunicar diretamente, um dia, por meio de um receptor de rádio de um

tipo novo, com os elétrons do grande Ramsés, imaginaremos uma outra

possibilidade, teoricamente à nossa disposição, para tal comunicação:

utilizaremos os receptores que são os nossos próprios elétrons, para nos

comunicar com os elétrons de Ramsés por meio de uma espécie de

processo telepático, que nos revelará, assim, alguns dos "sonhos" de

Ranisés II.

Já falei dos "sonhos" de Ramsés. Pois se queremos prosseguir este

raciocínio em toda sua lógica (deixando de lado, deliberadamente, todos

os problemas "técnicos"), podemos esperar em não discernir através dessa

comunicação telepática senão aquilo que Ramsés II vivo percebia através

de seus sonhos. Por quê? A resposta requer que precisemos um pouco,

desde já, o estado em que se encontra o Espírito de Ramsés, quando ele se

manifesta somente através dos elétrons encerrados nos seus restos mortais.

Podemos comparar o espaço espiritual contido nos elétrons com um

imenso quadro coberto de pequenas lâmpadas. Durante a vida normal,

pela interação à distância entre os elétrons dos corpos vivos, este quadro

pisca sem cessar, acendendo e apagando algumas lâmpadas, criando uma

mensagem (um pensamento) que, por sua vez, permitirá uma ação sobre o

93

meio exterior. Diremos, tomando emprestado aqui a terminologia da

Física, que no decorrer da vida consciente este quadro está em estado de

"excitação". Ao contrário, durante o sono profundo, a excitação entre os

elétrons se interrompe, o quadro pára quase que completamente de piscar,

e diremos que ele está no seu estado "fundamental". Neste último, as

lâmpadas permanecem sempre prontas a piscar, mas não são mais

"excitadas" pelas interações com os elétrons vizinhos, e é por isso que elas

permanecem no seu estado fundamental, de uma certa forma em repouso

Entretanto, há o sonho. Ele é produzido por "auto-excitações", como se

algumas lâmpadas do quadro estivessem particularmente quentes e

sofressem um "auto-acendimento", favorecendo um nivelamento da

temperatura sobre a superfície do quadro. A pessoa que sonha recebe,

então, idéias mais ou menos coerentes, voltando mais ou menos longe

sobre o seu passado, mas sobretudo influenciadas naturalmente pela

experiência consciente vivida mais próxima.

Penso que, na Morte, os elétrons daquilo que foi nosso corpo estão em um

estado semelhante ao do sono profundo. Cada elétron está praticamente

entregue a si mesmo, com pouca ou nenhuma comunicação com os

elétrons exteriores, vizinhos ou afastados. Enquanto não participam de

uma outra vida, os elétrons permanecem neste estado fundamental,

entregues a um pensamento puramente interior, que corresponde mais a

uma "reorganização" do conteúdo espiritual do que a uma aquisição de

novas informações, Salvo ...

Salvo, entretanto, se intervém, no meio exterior dos elétrons post-mortem,

o que podemos chamar um "médium". Este pode, por exemplo, ser um

homem. Ele é capaz de se colocar "em ressonância" com o leve piscar do

quadro espiritual dos elétrons, no seu estado post-mortem de sono

profundo. 0 espírito do médium "lê" este piscar e comunica-se diretamente

com o que pode exprimir o morto, no seu estado de sono profundo. É um

pouco como se o médium colocasse a mão sobre o quadro de lâmpadas

dos elétrons da pessoa que dorme, provocasse assim o acender das

lâmpadas mais facilmente excitáveis (as mais "quentes"), e encontrasse,

em seguida, sua mão marcada nos lugares onde as lâmpadas se

acenderam, tornando-se, portanto, capaz de "ler" o impresso do sonho

provocado na pessoa que dorme.

Poderíamos proceder assim para adivinhar alguns trechos dos pensa

mentos de Ramsés II. Com o fim de sua vida corporal, seus elétrons

passaram para o estado fundamental correspondente ao do sono profundo.

Nosso médium do século XX seria capaz, entretanto, de entrar em

94

ressonância com o que resta de atividade "sincrônica" em todos os

elétrons restantes do corpo mumificado de Ramsés. No decorrer da

intervenção mediúnica, o "Eu" de Ramsés vai reviver por um instante,

como vive nosso próprio "Eu" no decorrer de um de nossos sonhos,

liberando alguns dos elementos de sua experiência vivida, sob uma forma

mais ou menos simbólica, mais ou menos coerente.

Eis, portanto, o que o meu leitor deve entender, quando afirmo que nosso

"Eu" está contido inteiro nos bilhões de elétrons que participam da

Matéria do nosso corpo.

0 que acabamos de dizer deve ser tomado estritamente ao pé da letra. Na

verdade, utilizei imagens para melhor "visualizar" o que queria exprimir.

Mas estas imagens devem ser consideradas, efetivamente, como uma

linguagem simbólica, para exprimir uma realidade bem "real", isto é,

tendo uma existência física objetiva.

Desta linguagem simbólica devemos principalmente guardar este fato

fundamental: a Morte não é o fim de nossa participação nos processos do

Universo. A aventura espiritual do morto prossegue, quando os elétrons de

seu corpo, depois de terem permanecido mais ou menos tempo neste

estado de sono profundo ao qual aludimos há pouco, "renascem"

participando da matéria de um outro ser organizado vivo, nos reinos do

vegetal, do animal ou do Homem. Então é, de alguma forma, uma

"reencarnação" do "Eu" em um novo ser vivo. No decorrer destas

sucessivas vidas, nada da experiência espiritual anterior é esquecido. Pois,

lembremo-nos disso, o conteúdo informacional encerrado no espaço-

tempo do Espírito não pode diminuir quantitativamente, a evolução do

estado espiritual está em neguentropia não decrescente. Isto significa que

o conteúdo informacional pode parar de crescer por um momento

(persistência no estado fundamental), mas que, cedo ou tarde, ele

terminará aumentando novamente (reencarnação em uma nova vida).

Assim o elétron tendo participado sucessivamente de uma árvore, de um

homem, de um tigre, depois de novo de um homem, sempre "se lembrará"

de suas experiências vividas no passado. Ele terá em si mesmo as

experiências vividas enquanto árvore, enquanto homem nº 1, enquanto

tigre, e também enquanto homem nº 2, no qual participa no presente

instante. Mas, entendamos bem, cada um dos elétrons que constituem este

homem nº2 terá uma experiência vivida no passado diferente; somente

esta parte da experiência, limitada no tempo, vivida pelo homem nº2

durante sua própria existência, do seu nascimento até o presente instante,

95

será repartida por todos os elétrons de seu corpo. Aliás, é precisamente

porque todos os elétrons do meu corpo têm em comum a memória da

mesma parte da vida, da "minha" vida, que esta memória comum vai

brilhar mais intensamente na minha consciência do que a memória das

minhas vidas precedentes, que são tão numerosas quanto as de cada um

dos elétrons do meu corpo, mas também todas diferentes uma das outras.

Chamei anteriormente Eu consciente esta parte da memória que todos os

elétrons do meu corpo possuem. Mas meu "Eu total", que chamei de Eu

cósmico, é muito mais rico em informações do que este "Eu consciente":

ele compreende também uni Eu inconsciente, que tem suas raízes bem

antes do meu nascimento, no passado e nos espaços mais longínquos do

Universo inteiro. 0 "Eu inconsciente" compreende a memória das

experiências individuais vividas por cada um dos elétrons de meu corpo,

com exclusão da memória comum a todos estes elétrons, que constituem

meu "Eu consciente".

Estou convencido de que urna parte da memória inconsciente, em certas

condições, pode "propagar-se" lentamente até a memória consciente; ou,

exprimindo-nos de outra maneira, que nosso "Eu consciente" pode chegar

a formular, na sua própria linguagem (a da minha vida de Homem), dados

provenientes de nosso "Eu inconsciente". Creio 1 que este processo de

propagação do inconsciente para o consciente está associado ao que

chamamos a criação, em oposição ao raciocínio, que retira suas

informações somente da memória do "Eu consciente"'. Creio também que

nosso "Eu consciente" pode não somente se comunicar com nosso "Eu

inconsciente", mas também com as informações memorizadas nos elétrons

exteriores ao nosso corpo, aqueles que estão encerrados no corpo "dos

outros", em tudo aquilo que faz o nosso mundo. chamado "exterior".

Mas, naturalmente, é mais cômodo se comunicar com um grupo de

elétrons que dizem todos a mesma coisa, falando em coro sobre sua vida

em comum, do que se comunicar com um só elétron do grupo, que conta

sua experiência pessoal vivida. É porque também, como notei, o médium

ao interrogar a múmia de Ramsés despertará, sem dúvida, mais facilmente

com uma centelha de vida "sonhada" a experiência vivida pelo próprio

Ramsés, visto que o grande número dos elétrons presentes sob as

bandagens possuem a memória de uma vivência comum, a vivência do

personagem chamado Ramsés 11. Isto não exclui, bem entendido, as

"interferências" do médium com as lembranças trazidas das vidas

anteriores de Ramsés.

96

Sob o efeito do que chamamos Reflexão, nosso "Eu consciente" pode, sem

dúvida, tornar-se algumas vezes, por um breve instante, muito mais

"permeável" a trocas com o Espírito contido no nosso "Eu inconsciente".

Isto corresponderia a uma brusca elevação do nível neguentrópico do

nosso "Eu consciente", portanto, também do nível de todos os elétrons que

trazem consigo o nosso "Eu cósmico" (que participam todos do "Eu

consciente"). Não devemos ver aí a brusca mudança de estado do nosso

nível de consciência, fruto da Reflexão (da Meditação), de que nos

falaram os profetas e os sábios?

Notaremos, em todo caso, que este processo de súbita intensificação do

nível de consciência, se ele pode existir, é ainda uma operação de Amor.

São os elétrons do nosso corpo que subitamente se tornam capazes de ter

entre si uma "linguagem" comum e que "falam" todos juntos a linguagem

do nosso "Eu consciente".

Assim, existe uma interação de "Amor interno", entre os elétrons do nosso

corpo, ao lado de uma interação de "Amor externo", entre nossos elétrons

e os "dos outros”.

Uma segunda conclusão que devemos ter em mente, generalizando os

resultados precedentes, é que as mesmas faculdades que fazem que certos

humanos sejam "médiuns" deveriam também permitir provar o caráter

pensante de tudo o que existe à nossa volta, do mineral ao humano.

"Vocês sabem que as árvores falam?" diz um poema hindu. Deste lado do

mundo, somente as crianças, os sábios ... e os loucos ainda são capazes de

ter este conhecimento "amoroso" da Natureza inteira. Um texto muito

bonito de Pierre Emmanuel, em um livro recente, exprime melhor do que

eu poderia fazê-lo as qualidades de médium que possuímos no

nascimento, no mais profundo de nós mesmos, mas a "civilização" atual

está tentando impedir sua manifestação:

"Eu, Homem, eu pequena pessoa, escreveu Pierre Emmanuel, eu me

integro na gênese universal: tal é o ato de fé, simples e exaustivo, neste

nós-mesmos maior do que nós. Esta experiência é na maioria das vezes

obscura, porque nós, nas nossas civilizações da superfície, embotamos,

irremediavelmente o sentido interior. 0 uso dos nossos sentidos se torna

confinado aos limites da nossa experiência social, cada vez mais

estereotipada. Quanto à sensibilidade geral e à imaginação que a sustém,

toda nossa formação nos conduz a deixá-las incultas, rechaçá-las em vez

de integrá-las e orientar sua energia. Ternos somente um conhecimento

abstrato do elementar: nossa intuição do vivo é muito fraca, quer se trate

97

do animal ou da planta. Alguns, dotados de simpatia instintiva, podem

fazer amizade com a raposa, abraçar um carvalho para retirar sua força,

ou, apalpando 'a crosta das pedras', preparar a entrada de um instrumento.

Mas a maioria fica no exterior, não somente dos seres e das coisas, mas de

suas próprias sensações. Falta-nos esta forma de amor quotidiano,

ilimitado, que é a ligação com a realidade universal, com a unanimidade

dos elementos, Amar o ritmo de crescimento da planta, a forma e a curva

do vento, as leis de composição da duna e da turfeira; perceber no olhar

do animal a alteridade misteriosa, ressentida às vezes de maneira tão

pungente, e que é como um ) julgamento da nossa separação em relação à

natureza, como uma interrogação ou um apelo infinitamente discreto disto

lá, não é uma experiência autêntica da realidade que nos ultrapassa, um

saber interno, um instinto do ser-necessário à ciência, como a carne ao

espírito? É necessário terminar com a alienação que o homem moderno se

impõe, negando qualquer valor à subjetividade, à imaginação e à magia,

exilando, amputando, recusando os poderes cósmicos da alma humana e

caçoando dela. Se nossa experiência fosse mais física e nossa presença

total mais ativamente comprovada, o corpo apareceria com sua aura de

inteligência. 0 conhecimento, quaisquer que sejam a sua ordem e objeto,

seria vivido como um imenso sistema de focos incontáveis cujas ondas, se

encontrando, formariam o batimento de um só coração “.

CAPITULO X

0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física

Estrutura do elétron espiritual. - Papel do "spin" nos mecanismos

espirituais. - Enriquecimento neguentrópico do espaço eletrônico. - Já

existe o instrumento matemático de descrição do Espírito. - 0 elétron sabe

estocar e utilizar a energia. - 0 carbono assimétrico e a topologia do

Vivo. - Louis Pasteur: um precursor de gênio.

Somos, novamente constrangidos a falar um pouco "tecnicamente".

Porque este problema da descrição da estrutura do que chamamos Espírito

é muito importante, como vimos, pelas conseqüências esboçadas durante

os capítulos precedentes, para que eu deixe de dizer aqui algumas palavras

sobre a maneira como vejo, no plano dos conhecimentos científicos, isto

é, na linguagem da Física, o processo de funcionamento do Espírito, indo

um pouco mais além deste "quadro de mil luzes piscando", de que me

utilizei acima para imaginar as operações espirituais.

98

Para seguir no tempo o processo de enriquecimento contínuo do Espírito

no elétron e dizer também como ele se torna capaz de alargar seu campo

de ação na proporção do seu desenvolvimento espiritual, conduzindo-o do

mineral ao Homem, depois, sem dúvida, a estados mais "conscientes"

ainda no futuro, consideraremos primeiro um elétron do "começo do

mundo”, quando seu Espírito era o mais "pobre" possível e seguiremos a

sua evolução. Pois como Aristóteles já havia notado, "para ver as coisas

claramente, é necessário tomá-las no seu começo".

Este elétron do "começo do mundo" é precisamente o elétron que

consideramos na Física atual, com suas propriedades puramente físicas,

onde o Espírito não está absolutamente ausente (vamos constatá-lo), mas

é, sem dúvida, comparável a esta "psique extremamente difusa", de que

Teilhard dotava cada partícula de Matéria.

É este elétron da Física que descrevi na minha Teoria da Relatividade

complexa. É um minúsculo objeto esférico "fechado", com

aproximadamente um milésimo de bilhonésimo de milímetro. Devemos

tomar aqui o termo "fechado" no sentido entendido pelos físicos da

Relatividade geral: um espaço independente do nosso próprio espaço, da

Matéria, onde nenhuma comunicação direta pode acontecer entre espaço

da Matéria e o espaço interior do elétron (espaço do Espírito), o qual

possui um tempo cujo sentido é inverso relativamente ao nosso, como já

explicamos. Vimos, entretanto, e vamos aí voltar, que podem existir

comunicações "virtuais" entre o espaço da Matéria e o espaço do Espírito,

ou ainda entre dois espaços do Espírito, pertencentes a dois elétrons

diferentes.

0 espaço do elétron está em pulsação contínua em um ritmo em tomo de

1023 (1 seguido de 23 zeros) períodos por segundo. Enquanto seu raio

cresce e decresce assim durante uma pulsação 1, a densidade da matéria

contida no elétron oscila entre os enormes valores de 1.000 bilhões e 1

milhão de bilhões de gramas por centímetro cúbico. Estas densidades

parecem muito grandes, mas são as que caracterizam não somente as

partículas elementares mas também certas estrelas superdensas observadas

de fato pelos astrônomos, corno, principalmente, os pulsares.

Esta grande densidade no espaço eletrônico é concomitante com

temperaturas muito altas, que, durante a pulsação do elétron, variam entre

100 bilhões e 1.000 bilhões de graus. Estas temperaturas, que nos parecem

enormes na nossa escala humana, são igualmente as que constatam os

99

astrofísicos em certas estrelas particularmente densas. Estas temperaturas

são materializadas por uma radiação eletromagnética presente no espaço,

que se assemelha a um verdadeiro gás de fótons3 .

Esta radiação é chamada de "radiação negra" e é caracterizada pelo fato de

as energias e as velocidades dos fótons terem todos os valores e todas as

direções possíveis, como as partículas de um gás fechado dentro de um

frasco. 0 termo "negra" significa precisamente que as partículas não

podem sair do espaço onde estão encerradas.

Independentemente dos fótons encontramos, no corpo do espaço

eletrônico, partículas que, como o fóton, possuem uma massa própria

nula, e que chamamos neutrinos. Estes neutrinos se distinguem

essencialmente dos fótons, pelo fato de que o que chamamos seu "spin"

ser somente metade do dos fótons.

É preciso nos demorarmos um pouco sobre esta característica chamada de

"spin", pois vamos ver que ela desempenhará um papel fundamental nos

mecanismos do Espírito.

Cada partícula estudada pelos físicos comporta, entre os números inteiros

ou semi-inteiros que servem para descrever suas prioridades, um número

particularmente importante que chamamos o spin. Apesar do fato de que,

atualmente, os físicos não gostam de fornecer imagens "visualizadas" dos

conceitos que manipulam, a idéia que fazem do spin é a mesma de

Uhlenbeck e Goudsmidt, que "inventaram" o spin em 1925: as partículas

se assemelham aos planetas ou às estrelas, elas giram em torno de um de

seus eixos, como um pião; daí o nome de 4~spin", que significa,

precisamente, em inglês "girar como um pião".

Mas, diferentemente dos planetas, das estrelas e dos piões, que podem

girar em qualquer velocidade para uma dada massa, as partículas estão

sujeitas a girar somente em certas velocidades precisas, que dependem da

massa da partícula. É necessário que sua energia de rotação, multiplicada

pelo seu período de rotação 1, seja sempre múltiplo da metade de uma

quantidade que desempenha um papel fundamental na Natureza, e que

chamamos constante de Planck. Chamamos spin este produto da energia

pelo período', e dizemos que o spin de uma partícula pode,

conseqüentemente, ter os valores 1/2, 1, 3/2, 2 . . ., quando exprimimos o

spin tendo por unidade a constante de Planck (dividida por 2 7).

0 spin oferece esta particularidade de que não parecemos ser capazes de

poder determinar, de maneira absoluta, a partir do seu valor, o sentido de

100

rotação da partícula girando sobre si mesma como um pião. Assim,

peguem um pião, olhem-no por cima, e constatem, por exemplo, que ele

gira no sentido dos ponteiros de um relógio. Se vocês o olharem agora por

baixo, constatarão que o mesmo pião gira em sentido inverso ao dos

ponteiros de um relógio. Por causa desta particularidade, a descrição de

um fenômeno físico permanecerá a mesma, e as leis de conservação da

impulsão-energia permanecerão exatamente as mesmas se, considerando

um sistema formado de uma só partícula, dizemos que ela gira no sentido

dos ponteiros de um relógio (diremos, convencionalmente, por exemplo,

que seu spin é + 1), ou no sentido inverso dos ponteiros de um relógio

(spin – 1).

Não será a mesma coisa, entretanto, se considerarmos um sistema

formado por muitas partículas. Ilustremos ainda um pouco isto, por meio

de dois piões em rotação, de eixos paralelos. Se decido atribuir

convencionalmente ao sentido de rotação do primeiro pião o spin + 1, e

constato em seguida que o segundo gira no sentido inverso do primeiro,

então não tenho mais escolha sobre o sinal do spin do segundo pião: devo

dizer que seu spin é - 1. Do mesmo modo, se os dois piões giram no

mesmo sentido, poderia (convencionalmente) dizer que os dois têm o spin

+ 1, ou o spin - 1, mas nunca dois spins de sinais contrários.

Exprimimos tudo isto em Física dizendo que, quando consideramos um

sistema formado de muitas partículas, deve haver aí uma conservação do

spin total, qualquer que seja a convenção de sinal do spin escolhido para

designar o spin de qualquer uma das partículas. Assim, se duas partículas

giram no mesmo sentido, o spin total pode ser +2, ou -2, já que,

considerando a primeira partícula, decidimos que seu spin era + 1, ou - 1.

Se elas giram em sentido contrário, o spin total deverá ser zero, qualquer

que seja a convenção de sinal na primeira partícula. Aliás, uma vez

definido o spin total do sistema, o valor desse spin total do sistema não

pode mais mudar, salvo se o sistema interage com uma ou muitas outras

partículas situadas fora do sistema.

101

Por que tudo isto tem importância nos mecanismos espirituais? Porque,

como nos lembramos, comparei anteriormente o funcionamento do

Espírito com um quadro de luzes que piscam. Ora, as lâmpadas são aqui

os fótons da radiação encerrada no interior do elétron, e o piscar de uma

lâmpada é traduzido fisicamente pela mudança, no decorrer do tempo, do

sinal do spin de um fóton: de + 1 (imagem da lâmpada acesa) ele se torna

- 1 (lâmpada apagada), ou vice-versa6.

A conservação do spin total no espaço fechado de um elétron nos indica

então que, sem a contribuição de uma energia ou de uma impulsão

exterior, será possível ao elétron mudar simultaneamente os sinais dos

spins de um número par de fótons da radiação negra contidos no elétron,

contanto que os fótons que compõem este par tenham spins iguais mas de

sinais contrários, pois este processo não mudará o spin total e não exigirá

nenhuma energia. Podemos dizer que o elétron é "livre" para escolher à

vontade o sinal do spin de um par de seus fótons negros e para inverter

estes spins quantas vezes quiser no decorrer do tempo. Estamos aqui como

diante de dois piões em rotação de sentidos contrários, nos quais,

bruscamente, os sentidos de rotação teriam o direito de ser invertidos. Isto

não seria possível com dois piões reais sem a contribuição de energia, pois

os piões têm uma massa que não é nula. Em contraposição, é possível para

os fótons, que possuem massa própria nula.

A mudança do sinal do spin por pares de fótons, no interior de um mesmo

elétron,. é o processo normal de funcionamento espiritual "sobre si

mesmo" do elétron, entretanto inobservável do exterior, pois o espaço do

elétron é fechado 1. Aqui o elétron funciona "livremente" sobre as

próprias informações que possui, mas não pode haver enriquecimento da

informação do elétron, visto que não há contribuição de informações do

meio exterior. Notemos, aliás, também que não pode haver perda de

informações, pois o espaço do elétron está aqui em neguentropia

constante.

Mas eis que o elétron E, cujo mecanismo espiritual estudamos, vai poder

agora se comunicar com o espaço exterior, da seguinte maneira: no espaço

exterior (que pode ser ou o espaço da Matéria, ou o espaço do Espírito

fechado dentro de um outro elétron), um fóton, e somente um, muda o

sinal de seu spin; este spin passa, por exemplo, de + 1 para 0 se o fóton

exterior desaparece. 0 processo vai ser autorizado pela lei de conservação

do spin total se um dos fótons do espaço do elétron E, de spin - 1, por

exemplo, passa simultaneamente para o spin - 22. Outra possibilidade

102

ainda: o fóton de um elétron vizinho de E passa do spin + 1 para o spin +

2, enquanto que, simultaneamente, um fóton do elétron E passa do spin - 1

para o spin -2. Em cada um destes casos podemos verificar, pela simples

adição dos spins em causa, que há conservação do spin total9.

Mas, neste processo de comunicação com o exterior, notamos então que o

elétron E enriqueceu sua informação e fez crescer sua neguentropia. De

simples radiação negra, de que o elétron E "do começo do mundo" era

composto na origem, com todos seus fótons de spin + 1 ou - 1, passamos

agora para um elétron E que possui um de seus fótons no estado de spin -

2, em vez de - 1: esta marca distintiva é alguma coisa que aparece

claramente como a aquisição de uma informação suplementar, antes

mesmo que a tenhamos justificado em linguagem científica. Entretanto,

encontramos esta justificação científica, desde o século passado, nos

trabalhos de Helmholtz. Ele mostrou, com efeito, a equivalência existente

entre a ação de um sistema, considerado em valor absoluto, e a

neguentropia deste sistema. Ora, no processo que acabamos de assistir no

elétron E, cujo spin aumentou, em valor absoluto, de uma unidade, há

também aumento da ação do elétron de uma quantidade igual a uma

unidade da constante de Planck; portanto, também, de acordo com

Helrnholtz, um aumento da neguentropia do elétron; e portanto, enfim,

aumento da informação estocada pelo elétron10.

Somos então, uma vez mais, testemunhas dos procedimentos maravilhosos

estabelecidos com precisão pela Natureza: ligando-se sempre mais ao

"Outro", comunicando-se cada vez mais com o mundo exterior que o

envolve (e chamaremos um pouco mais tarde estes dois tipos de ligação,

respectivamente, de Amor e de Conhecimento), o "Um" aumenta sua

neguentropia, isto é, aumenta finalmente suas faculdades espirituais (sua

"consciência"). Quem é, portanto, este imenso Arquiteto, que soube fazer

que ser espiritualmente mais é também projetar mais nosso Amor para os

outros?

E assim, permutando cada vez mais com seu meio exterior, o espaço de

nosso elétron E "do começo do mundo" vai se tornar sempre mais

consciente, mais neguentrópico. Até o momento em que esta consciência

se tornará suficiente para "inventar" máquinas que intensificarão ainda,

em qualidade e em quantidade, suas trocas com o mundo que a envolve.

Assim, veremos a evolução de nosso Universo conduzir do caos inicial,

feito de partículas elementares isoladas, aos elementos químicos, depois

ao vegetal, depois ao animal e depois ao Homem. Isto, falando somente de

nossa Terra: onde estão os outros planetas do mundo, nós o ignoramos

103

quase completamente. Mas é certo que a marcha para frente da evolução,

para sempre mais Espírito no Universo, é uma marcha cada vez mais

rápida, que deveria levar sempre para mais perto de um estado de

neguentropia quase infinita, de espiritualidade total. Não é este estado

último que Teilhard gostava de chamar o "ponto Omega"?

Onde está a Física para descrever matematicamente estes estados dos

spins superiores (2, 3 ... n), que seriam suscetíveis de capturar os fótons

encerrados no espaço do elétron?

Curiosamente, podemos dizer que todo o formalismo geral para tal

descrição já existe". ]É na França, aliás", que estudamos particularmente

estes estados de spin superior dos fótons, considerando-os como "fusões"

de spins mais simples: o spin 1 fabricado na fusão de dois estados de 1/2

spin, o spin 2 por quatro estados de spin 1/2 ou 2 estados de spin 1, e

assim por diante. 0 interessante é notar que as equações que descrevem o

estado do spin 'múltiplo' contêm as descrições dos estados mais

elementares de que é composto o múltiplo. Assim, o spin 2 contém não

somente ondas específicas características deste estado de spin 2, mas

ainda as ondas ordinárias de spin 1, isto é, a radiação eletromagnética

habitual. Percebemos assim, ainda melhor, como o crescimento do spin

corresponde a um verdadeiro crescimento da informação, os novos estados

não fazendo de modo algum desaparecer os antigos, mas ajuntando

somente novos estados mais complexos.

De qualquer maneira, o que é importante guardar é que não estamos

completamente no "escuro" para descrever matematicamente os

sucessivos estados espirituais do espaço-tempo do elétron/O instrumento

matemático de cálculo, como na maioria das vezes na história das ciências

em Física, já está disponível. Ele foi criado, é verdade, com um objetivo

bem diferente daquele para o qual o destinamos aqui, isto é, a descrição de

estados "espirituais" no espaço eletrônico fechado; mas ele se encontra

agora, bem à mão, para nos ajudar a progredir no conhecimento do

Espírito. 0 que nos mostra, mais uma vez, que o caminho da Física é

coberto de intenções metafísicas, mesmo se estas intenções não são

visíveis numa primeira vista d'olhos ...

Vimos assim como se enriquece espiritualmente o elétron comunicando-se

com o seu meio exterior. Mas este enriquecimento do Espírito deve

conduzir a uma ação verdadeira do elétron e deve ser associado ao que

chamaremos mais adiante de uma Ação do elétron. Mais Espírito, é

verdade, mas mais Espírito para aumentar sempre mais o ritmo de

104

"subida" do Espírito, construindo novas máquinas próprias para esta

intensificação do Espírito no Universo. Tivemos, nas páginas anteriores,

uma primeira visão (retornaremos a ela) dos meios utilizados pelo elétron

para obter proveito dos processos espirituais de Reflexão, de

Conhecimento e de Amor: resta-nos ver como o elétron vai saber utilizar o

fruto deste enriquecimento espiritual para agir. Para agir, e principalmente

para construir novas "máquinas de pensar", o elétron é como nós: precisa

dos meios de locomoção e da energia.

Como o elétron vai resolver estes dois problemas essenciais? Com efeito,

ele vai, como iremos ver, ao mais simples e obterá assim a solução dos

dois problemas de uma só vez.

Primeiramente, de que dispõe o elétron no interior de sua própria

estrutura, sob o ponto de vista de fonte de energia?

Vimos que o elétron dispõe de uma radiação eletrornagnética negra com

temperatura muito alta, de muitos bilhões de graus. Mas o microuniverso

do elétron está "fechado" e esta radiação não pode sair do corpo do elétron

11. 0 elétron vai então utilizar esta radiação interior para fazer trocas

virtuais de impulsão de seus fótons com as impulsões dos fótons de seu

meio exterior, isto é, os fótons do nosso espaço-tempo da Matéria. Já

examinamos (capítulo V) o princípio desta troca de impulsões do elétron

com o exterior, através de fótons chamados "virtuais" (diagramas de

Feynmann), quando percebemos a interação eletrostática entre partículas

carregadas eletricamente. Notaremos que, desde que esta troca de fótons

virtuais com o meio exterior é possível, o elétron resolveu então o seu

problema de deslocamento e de utilização da energia exterior. 0 elétron

dispõe, com efeito, no seu próprio espaço, de fótons que possuem todas as

direções e todas as energias 11: supondo que os fótons do meio exterior

sejam, igualmente, fótons “negros", isto é, tendo também todas as direções

e todas as energias, então será suficiente que o elétron saiba fazer uma

escolha conveniente do fóton de seu espaço que ele quer trocar

virtualmente com o exterior, para assegurar seu deslocamento na direção e

na velocidade desejada; o mesmo procedimento lhe permitirá "pilotar"

determinado fóton exterior, para fazê-lo produzir os efeitos que deseja,

provocar uma reação química, por exemplo.

0 problema do armazenamento de energia está, também, resolvido: se o

elétron é capaz de provocar as reações químicas que deseja "pilotando" os

fótons de seu meio exterior, será suficiente para ele abastecer sua

vizinhança de elementos químicos capazes de se dissociarem sob a ação

105

dos fótons libertando energia. Isto pode ir desde as reações químicas

chamadas "exotérmicas" (isto é, que libertam calor), até verdadeiras

reações nucleares, que fazem intervir a transmutação sob radiação dos

núcleos atômicos (fusão e fissão)15.

Mas falta ainda o problema essencial, que condiciona tudo o mais: como o

elétron pode dispor na sua vizinhança de uma radiação "negra"? A

resposta é clara: a radiação "negra" existe desde que possamos definir no

espaço uma certa temperatura. 0 elétron deverá então criar, no espaço que

o cerca, uma "membrana", de maneira a isolar localmente sua vizinhança

do espaço exterior; ele se esforçará, em seguida, para fazer "subir" a

temperatura do espaço interior até a membrana, provocando, por exemplo,

as reações químicas exotérmicas, de que falamos.

Não estamos fazendo aqui uma petição de princípio?

Pois, para que o elétron ponha sua membrana protetora frente a frente do

meio exterior, é necessário, primeiro, que possa agir, isto é, dispor de uma

radiação negra exterior com temperatura suficiente... isto é, de uma

membrana que isole localmente sua vizinhança do espaço exterior.

Isto quer dizer que o elétron deverá utilizar, no começo, estruturas

químicas já existentes, que sejam capazes de reter a radiação, e mais

especialmente uma radiação do tipo da radiação negra.

Dizendo de outra maneira, a primeira membrana que deve ser utilizada

pelo nosso elétron do "começo do mundo" deve ser não uma membrana

material, produzida pela aglomeração conveniente de partículas,de

matéria (como a membrana celular ou nuclear, por exemplo), mas uma

membrana "espacial", causada pela configuração do próprio espaço.

Deverá ser uma membrana produzida pela topologia do espaço. E é

exatamente isto que o elétron vai fazer: ele vai utilizar, como primeiro elo

do Vivo, uma estrutura química particular, que chamamos de carbono

assimétrico e que tem a propriedade de modificar de maneira "natural" a

topologia do espaço. Para explicar melhor, diremos primeiro algumas

palavras sobre o que é necessário entender por "topologia" do espaço.

Tomemos uma folha de papel milimetrado, que colocaremos estendida à

nossa frente sobre a mesa.

106

Esta folha representa o que podemos chamar de um espaço com duas

dimensões, visto que é uma superfície sem espessura.

Nesta folha, podemos desenhar, por exemplo, um triângulo retângulo,

como ilustrado na figura (A) acima. Se sabemos um pouco de geometria,

poderemos verificar que este triângulo retângulo demonstra bem o

teorema de Pitágoras, segundo o qual a soma dos quadrados dos dois lados

do ângulo reto é igual ao quadrado do terceiro lado, a hipotenusa.

Agora, curvemos ligeiramente a folha de papel, como na figura (B), como

se quiséssemos formar um cilindro de papel com esta folha. Esta operação

é fácil, e podemos fazê-la sem amarrotar a folha de papel. 0 triângulo

retângulo desenhado sobre a folha também se curvou ligeiramente,

enquanto dávamos à folha este início de forma cilíndrica. Mas, como o

notamos, o triângulo não se deformou no espaço de duas dimensões (o

espaço da superfície da folha); seus ângulos e seus lados permaneceram

inalterados, os dois lados do ângulo roto ficaram rigorosamente

perpendiculares entre si e o teorema de Pitágoras se verifica

rigorosamente.

Com efeito, se fôssemos observadores de duas dimensões somente (das

sombras, por exemplo), alojadas na superfície da folha, todas as medidas

que poderíamos fazer sobre esta superfície não nos permitiriam descobrir

se nosso espaço de duas dimensões possui a forma 14plana", como é

representada por (A), ou a forma ligeiramente encurvada de (B). Nos dois

casos, é a geometria euclidiana habitual, aquela que postula que duas

paralelas não se encontram nunca, que prevaleceria em todas as nossas

medidas executadas sobre a folha de papel. Entre (A) e (B) a diferença

não se encontra na geometria da folha, mas na sua topologia. Dizemos que

os dois espaços euclidianos (A) e (B) têm topologias diferentes: (A)

possui uma topologia plana, (B) uma topologia cilíndrica.

107

Entretanto, em vez de encurvar ligeiramente a folha, como (B), fizéssemos

um verdadeiro cilindro (C) fechado, com as bordas coladas uma na outra,

então um observador sobre a folha

Faixa de Möbius

poderá adivinhar, por meio de medidas, que seu espaço não é plano e tem,

talvez, uma topologia cilíndrica. Com efeito, este observador constatará,

agora, que existem certas direções de seu espaço (o círculo materializado

por uma seção do cilindro) onde, depois de ter caminhado

suficientemente "sempre para frente", ele retornará ao ponto de partida;

isto não poderia acontecer nunca se a topologia de seu espaço euclidiano

fosse plana. Notemos que ele não poderia, entretanto, garantir que sua

topologia "não plana" é cilíndrica: entre as superfícies euclidianas, com

efeito, existem outras além do cilindro que possuem "retas" que se

fecham. Um exemplo é a célebre faixa de Mõbius (acima), que se obtém

colando uma sobre a outra as duas extremidades de uma faixa de papel,

depois de virar uma de suas bordas sobre si mesma 180 graus.

Topologias como as do cilindro ou da faixa de Möbius oferecem a

propriedade interessante de confinarem melhor a radiação do que uma

topologia plana; com efeito, os fótons da radiação sempre se propagam no

espaço em "linha reta": se o espaço só tivesse duas dimensões, os fótons

fariam, nestes espaços onde certas linhas retas são fechadas sobre si

mesmas, como nosso viajante de há pouco, eles também retornariam

sempre ao seu ponto de partida, isto é, permaneceriam confinados numa

pequena região do espaço considerado, em vez de escapar para o infinito,

como em uma topologia plana. Como enunciamos anteriormente, certas

topologias do espaço (o cilindro ou a faixa de M8bius, por exemplo)

podem, portanto, desempenhar o papel de uma verdadeira membrana

"espacial", capaz de reter os fótons de luz ou de calor em uma região

relativamente estreita.

Uma vantagem importante de saber confinar o espaço modificando a

topologia, e não a geometria, é que a modificação topológica não reclama

nenhuma energia particular se permanecemos, como antes da deformação,

na geometria euclidiana. Como veremos logo adiante, sobre o exemplo do

carbono assimétrico, uma topologia de retas "fechadas" pode ser

108

engendrada pela simples disposição dos elementos químicos que

constituem uma molécula, uns em relação aos outros. 0 que "custa"

energia, com efeito, é quando desejamos "curvar" o espaço, no sentido da

Relatividade geral, isto é, fazer com que este espaço não mais satisfaça a

geometria euclidiana. Passa-se aqui como acontece com uma folha de

borracha elástica: enrolemo-la em forma de cilindro, isto exigirá apenas

um esforço bem fraco; ao contrário, tentemos recobrir exatamente, com

esta folha de borracha, a superfície de uma esfera (espaço não-euclidiano);

será necessário puxar "energicamente" a folha em alguns pontos e

comprimir "energicamente" a folha em outros, a fim de fazer que sua

elasticidade se desempenhe; logo, isto reclamará muita energia. Nossos

elétrons pensantes, eles também, desejam fazer economias de energia:

para confinar o calor ao seu redor, eles preferem utilizar a topologia do

espaço, permanecendo em geometria euclidiana. E como sabemos que a

Natureza oferece configurações químicas que encerram um espaço onde

certas direções estão "fechadas", eles terão a grande idéia de utilizá-las:

vão construir a Vida sobre carbonos assimétricos. Expliquemo-nos.

É possível reconhecer que uma região do espaço possui uma topologia

não-plana, como uma topologia cilíndrica ou uma faixa de Möbius, por

exemplo? Em outros termos, se enviamos luz através do nosso próprio

espaço, cuja topologia é geralmente "plana" (ou quase), e que esta luz

atravessa uma pequena região do espaço com uma topologia "não-plana",

será possível percebê-lo analisando a luz na saída desta região de

topologia não-plana?

A resposta é afirmativa. Entretanto será necessário utilizar, na experiência,

luz "polarizada". Não entraremos aqui nos detalhes experimentais 11. Será

suficiente notarmos que se traçamos uma reta sobre nossa folha de papel

milimetrado enquanto ela está plana e que em seguida enrolamos esta

folha para fazer um cilindro, de tal maneira que a reta traçada não esteja

nem em uma seção do cilindro, nem seja paralela ao eixo do cilindro,

então a reta se tornou uma espécie de espiral, semelhante ao enrolamento

helicoidal de uma mola. Se fótons de luz se propagam segundo esta reta

"espiralada", sua direção de polarização poderá ser esquematizada por

urna perpendicular à folha em cada ponto onde se encontra o fóton a cada

instante. Vemos, então, facilmente que esta direção de polarização vai

virar em um certo ângulo enquanto o fóton, que entrou por uma ponta da

espiral, sairá pela outra ponta, tendo atravessado, assim, a pequena região

de espaço com topologia cilíndrica. Em resumo, se notamos que um

objeto qualquer de nosso espaço ordinário é capaz de fazer virar a direção

de polarização da luz 11, então diremos que este objeto encerra um

109

Moléculas-imagens de carbono assimétrico (analina)

microespaço de topologia não-plana, e provavelmente de topologia

cilíndrica ou de faixa de Möbius.

Ora, tais "objetos", capazes de fazer virar a direção de polarização de um

fóton polarizado incidente, existem de maneira natural, são as moléculas

químicas chamadas carbonos assimétricos. Uma tal molécula de carbono

possui o que os físicos chamam de dissimetria molecular, isto é, a

propriedade de existir sob duas formas, apresentando-se como imagens,

uma da outra, em um espelho; uma das formas faz virar a direção de

polarização dos fótons que a atravessam para a direita (carbono direito), a

outra para a esquerda (carbono esquerdo). Representamos, acima, as duas

moléculas-imagens da analina. Notamos que elas não são sobreponíveis

uma à outra, exatamente como não são geralmente sobreponíveis um

objeto e sua imagem no espelho.

0 Vivo vai procurar confinar a energia térmica, que lhe é, como vimos,

indispensável para sua "ação", utilizando nas suas estruturas carbonos

assimétricos, que encerram, entre seus quatro "braços", minúsculas

regiões do espaço onde a topologia não é plana, mas contém "retas"

fechadas sobre si mesmas. Constatamos, com efeito, que todo organismo

Vivo, qualquer que seja, é constituído de carbonos assimétricos de um só

tipo, somente carbonos direitos ou somente carbonos esquerdos (a

utilização dos dois ao mesmo tempo anula, evidentemente, todo o efeito

de confinamento da radiação). A analina, que representamos, é um dos

vinte ácidos aminados que a célula viva ou os vírus utilizam para fabricar

suas longas cadeias de proteínas. Ora, como esta escolha, entre os

materiais oferecidos pela Natureza, de carbonos assimétricos, poderia ser

explicada se, em um nível de organização ainda mais simples que a cadeia

de proteínas, não houvesse um objeto mais elementar capaz de fazer uma

escolha? Pretendemos aqui que esta escolha acontece já ao nível dos

elétrons, graças ao espaço-tempo espiritual que cada elétron encerra em si

mesmo. Para sua "ação", isto é, para executar os movimentos específicos

110

do vivo, o elétron precisa dispor em torno de si, como explicamos, de um

meio com temperatura suficiente. Ele facilitará a criação e o confinamento

deste meio "quente, utilizando, para abrigar as estruturas que edifica,

carbonos assimétricos. Um único carbono não faz mais do que virar

levemente o plano de polarização da radiação: mas nas cadeias carbonadas

muito longas, como as das proteínas vivas, os elétrons poderão dispor de

microrregiões do espaço capazes de confinar completamente a radiação

negra, com a ajuda de uma verdadeira membrana topológica.

Neste espaço de topologia não-plana, como vimos, uma linha reta se torna

uma hélice espiralada. Uma cadeia reta qualquer tomará, portanto, neste

espaço, uma forma geral helicoidal. Ora, que forma possuem as cadeias de

ADN ou ARN, segundo os estudos que valeram aos biologistas Watson e

Crik o prêmio Nobel de Medicina em 1962? Exatamente a forma de um

enrolamento helicoidal. Este resultado, se ainda fosse necessário, nos

mostra que o carbono assimétrico e suas propriedades de modificar a

topologia do espaço constituem sem dúvida o "primeiro elo" do Vivo, o

primeiro material de que o elementar tem necessidade e se utiliza para

construir suas "máquinas de evolução".

É interessante notar que Louis Pasteur teve, desde a sua época, a intuição

da interpretação, que somos levados a dar hoje em dia para a observação

das dissimetrias moleculares na matéria viva. Em uma carta a Raulin, de 4

de abril de 1871, Pasteur escrevia: "Você sabe que creio em urna

influência cósmica dissimétrica que preside naturalmente, constantemente,

a organização molecular dos princípios imediatos essenciais à vida, e que

em conseqüência as espécies dos reinos da vida estão, nas suas estruturas,

nas suas formas, em relação com os movimentos do Universo".

Para Louis Pasteur, corno já encontramos nos maiores físicos e

biologistas, a reflexão metafisica é inseparável da criação científica mais

elevada e constitui um motor possante para fazer progredir o

Conhecimento. Sem desagradar aos senhores cientistas!

CAPITULO XI

Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação

As quatro interações do elétron com o mundo exterior e com o Espírito do

outro. - Descrição na linguagem da Física. - 0 enriquecimento

informacional e o crescimento neguentrópico do espaço do elétron pelo

111

Conhecimento e pelo Amor. - 0 Amor é um processo telepático. - Uma

Física neognóstica.

Praticamente terminamos com a exposição "técnica"; agora tentaremos

resumir os "poderes psíquicos" do elétron e as características destes

poderes.

Vimos, portanto, que o elétron possuía, ao mesmo tempo, propriedades de

reflexão interior e de comunicação exterior.

Posto que o elétron é um microurtiverso fechado, mergulhado no nosso

espaço-tempo da Matéria, suas propriedades só podem se manifestar sob

duas formas: no próprio seio do espaço eletrônico (Reflexão), ou através

de ações "à distância" com o universo exterior. Esse segundo caso se

subdivide em comunicações à distância com nosso espaço-tempo habitual,

o da Matéria (Ação e Conhecimento), ou em comunicações à distância

com outros elétrons (Amor). Iremos examinar, sucessivamente, estas

propriedades diferentes do microuniverso eletrônico.

A reflexão interior, que doravante chamaremos Reflexão, se refere aos

processos que se desenvolvem unicamente no interior do elétron. Já vimos

como opera esta Reflexão: os fótons interiores do elétron, que constituem

a radiação negra do microuniverso eletrônico, podem aos pares mudar o

sinal de seu spin, modificando assim o estado da "memória" do elétron. 0

spin + 1 de um fóton se torna - 1, enquanto que, simultaneamente, um

outro fóton do espaço eletrônico passa do spin - 1 para o spin + 1. A

mesma coisa acontece nos fótons de spin superior a 1. Como o spin está

associado a um sentido de rotação do fóton sobre si mesmo, vemos que

esta operação corres

131

ponde a transformar, simultaneamente, cada um destes elementos de um

par de fótons de spins opostos em sua própria imagem no espelho: daí o

nome de Reflexão.

Notaremos em que ponto o processo de memorização central das

calculadoras se inspira em tal mecanismo; aí, também, tudo é memorizado

em elementos magnéticos (análogos aos fótons negros do elétron)

suscetíveis de tomar dois estados magnéticos "espelhos" (análogos aos

spins + ou -), que designamos simbolicamente, em geral, por 0 e 1. Toda a

112

"Reflexão" da calculadora vai consistir em inverter, nos lugares

apropriados da memória, estes estados magnéticos, onde os 0 se tornam 1

e vice-versa. Do mesmo modo, toda a Reflexão eletrÔnica vai consistir

em fazer passar os estados de spin existente em um dado instante de + a -,

ou vice-versa, em certos pontos precisos do espaço eletrônico. Não

devemos, certamente, nos admirar com tal analogia entre o funcionamento

da calculadora e o da Reflexão eletrônica (e, mais em geral, da Reflexão

do Vivo): como enfatizava meu amigo o psicanalista Pierre Solié 1, "você

pensa que teríamos podido descobrir as leis do átomo que o físico nos

ensinou, se este mesmo físico não fosse ele próprio constituído destes

mesmos átomos? E pensa você que, no funcionamento do que chamamos

nossa psique, o menor átomo do nosso organismo não tem também sua

palavra a dizer?" Se demos à calculadora a estrutura que conhecemos, é

porque esta estrutura foi Inventada", em última análise, pelos elétrons

pensantes que habitam os corpos humanos; e estes elétrons pensantes

sugeriram, como o mais eficaz, para ajudar com a calculadora o

pensamento humano, reproduzir um mecanismo análogo ao pensamento

eletrÔnico, que já deu provas através de uma experiência de bilhões de

anos 1. Quando, entrando um pouco mais no detalhe do conhecimento em

Física contemporânea, conhecemos as estreitas ligações existentes entre o

spin de uma partícula e seu estado magnético (momento magnético),

somos obrigados a constatar que a analogia entre o pensamento eletrônico

e o "pensamento" da calculadora é tão grande que o elétron não terá

necessidade de dar prova de muita imaginação para "sugerir" os princípios

da calculadora!

Entretanto, há dois aspectos importantes que distinguem o mecanismo da

Reflexão eletrônica do mecanismo do ordenador: a Reflexão eletrÔnica

não exige nenhuma energia; e, por outro lado, a Reflexão eletrônica é livre

(ela "opta").

Detalhemos sucessivamente estes dois aspectos. As trocas de sinais

1 Pierre SOLIÉ, Médicines Initiatiques, edições EPI, 1976.

2 10 a 15 bilhões de anos, se assim datamos com os cosmologistas

contemporâneos o "começo" provável de nosso Universo.

132

dos spins opostos de dois fótons, neste gás de fótons que preenche o corpo

eletrônico, não exigem nenhuma energia, nenhuma impulsão. Aliás, isto é

113

absolutamente necessário, pois o elétron é um universo "fechado", cuja

energia própria deve permanecer continuamente invariável 1. É também o

que experimentamos no decorrer do funcionamento da nossa própria

reflexão interior: ela também não reclama nenhuma energia. Na verdade,

o trabalho intelectual consome energia; mas se trata de um processo de

produção de calor animal, que não tem nada a ver com o que é essencial

no funcionamento do pensamento. Os jejuns prolongados ou as greves de

fome nunca impediram ninguém de pensar, muito ao contrário.

E é sem dúvida porque a Reflexão eletrônica não reclama para funcionar

nenhuma energia, que ela é também um pensamento livre, capaz de

"optar", isto é, de escolher os pares de fótons nos quais vai provocar a

inversão dos spins. ,

Não é possível, entretanto, compreender bem o processo segundo o qual

se opera esta escolha, se não nos lembrarmos de que o espaço~ tempo

eletrônico possui um tempo que se escoa ao inverso do nosso, o tempo

habitual próprio da Matéria. Levando em conta este fato, o espaço

eletrônico está, como vimos, em neguentropia não decrescente,

contrariamente ao espaço da Matéria que está em entropia não

decrescente.

Iremos ilustrar o mecanismo e o papel da Reflexão em um exemplo.

Consideremos uma mesa de bilhar com muitas bolas brancas e uma bola

vermelha. A mesa, circunscrita pelos quatro bordos, é análoga ao espaço

interior no elétron; as bolas representam os fótons interiores no espaço

eletrônico. Tudo o que não for a mesa constitui o mundo exterior; neste,

há principalmente um personagem interessante, armado com um bastão

que chamamos geralmente de taco de bilhar, e que se prepara para se

"comunicar" com a mesa, batendo em certas bolas com o taco.

As bolas brancas formam, no momento, uma porção compacta, em um dos

cantos do bilhar; em outro canto se encontra, sozinha, a bola vermelha.

Eis que agora o personagem exterior (também chamado o "jogador") se

aproxima e bate, com a ponta do taco, na bola vermelha, que vem se

chocar violentamente com a porção de bolas brancas, na outra

extremidade do bilhar. As bolas brancas vão então se dispersar pelos

quatro cantos do bilhar, ricocheteando ao mesmo tempo nos bordos e uma

na outra até, finalmente, parar.

114

Agora, olhemos o filme se desenrolar ao inverso, em um espaço onde o

tempo se escoaria "retornando", como o que acontece no espaço-tempo do

Espírito próprio do elétron.

3 Pretender o contrário, seria afirmar que a massa própria do elétron varia

no tempo, o que é experimentalmente desmentido.

133

As bolas brancas, primeiro, estão imóveis, dispersas em toda a superfície

do bilhar; depois, uma após outra, estas bolas se põem em movimento,

segundo direções bem diferentes que parecem ter livremente escolhido.

Depois de terem rodopiado um momento sobre a mesa, de terem se

chocado muitas vezes contra os bordos, de terem se batido umas nas

outras, eis que, entretanto, todas as bolas brancas vêm se reunir e se

imobilizar numa mesma porção, enquanto parecem afastar deste grupo a

bola vermelha; esta pára, finalmente, em um ponto particular do bilhar, ao

mesmo tempo em que se choca violentamente com um bastão sustentado

por um senhor no exterior do bilhar.

No princípio do desdobramento deste filme "ao inverso", enquanto víamos

apenas o movimento aparentemente "escolhido" pelas bolas no bilhar,

poderíamos acreditar que as bolas eram dotadas de "consciência", e que

elas davam prova disso decidindo livremente seu comportamento. Mas,

desde que vimos o taco e o jogador, não mais nos enganamos:

compreendemos imediatamente que nos passavam um filme ao inverso, e

as bolas voltavam a ser simples objetos materiais.

Mas pensemos em nosso espaço eletrônico: posto que há um I~retorno"

contínuo do tempo neste espaço, o filme está como que "enrolado" sobre

si mesmo; o desenrolamento que acabamos de assistir será "memorizado"

e poderá reproduzir-se novamente em um instante posterior. Com efeito,

será desencadeado quando um objeto exterior, como o taco de bilhar, vier

"comunicar-se" com o espaço do bilhar, colocando-se na vizinhança do

ponto de partida da bola vermelha. Coloquemos, então, o taco sozinho

neste ponto de partida, sem o jogador. No espaço eletrônico, vimos que

não é necessária nenhuma energia para desencadear o desenrolamento do

filme ao inverso e, portanto, o movimento das bolas; só a "estimulação"

provocada pela presença do taco no ponto de partida será suficiente para

que o processo de "reminiscência" do desenrolamento anterior aconteça, e

a bola vermelha vai, finalmente, como antes, chocar-se com a ponta do

taco de bilhar. Mas, atenção! Desta vez não há mais jogador, a bola

115

vermelha vai atirar o taco para fora da mesa, de uma maneira

perfeitamente inexplicável ... salvo se supusermos que o conjunto do que

acontece em cima da mesa de bilhar faz intervirem objetos ,(conscientes",

que escolheram um comportamento ordenado, com a intenção de se

comunicar com um objeto exterior, neste caso, o taco de bilhar.

Vemos, portanto, que o processo da Reflexão, no interior do espaço

eletrônico, supõe primeiro uma experiência memorizada com o meio

exterior; assim, no início, há aquisição de informação proveniente do

exterior. Em seguida, estimulado pelo Conhecimento de uma situação

análoga (o taco do bilhar colocado sozinho no ponto de

134

partida), o espaço eletrônico vai "se lembrar", e utilizar o mesmo processo

que ele registrou no momento da experiência inicial. Mas, desta vez, o

fenômeno terá a aparência de uma Ação do elétron, e urna Ação escolhida

livremente.

Portanto podemos dizer que, estimulada pelo Conhecimento de uma nova

situação criada pelo mundo exterior, e ajudada pela memória do

desenrolar dos fenômenos no interior do espaço eletrônico em uma

situação análoga anterior, a Reflexão prepara uma Ação. Mais

resumidamente, podemos dizer que a Reflexão é o Conhecimento que

&íse reflete" no espaço-tempo do Espírito eletrônico, para se tornar uma

Ação do elétron.

Um aspecto importante da Reflexão é que ela se situa inteiramente

no,espaço eletrônico, portanto, sem crescimento da informação contida

neste espaço: a Reflexão é um processo em neguentropia constante.

0 que chamamos Ação, que é uma segunda propriedade "psíquica" do

elétron, está igualmente em neguentropia constante. 0 objetivo aqui é

puramente motor: trata-se para o elétron de se mover no espaço exterior, o

da Matéria. Já examinamos como funciona este mecanismo: o elétron

provoca uma troca de impulsão linear de seus próprios fótons com os

fótons de uma radiação exterior. A radiação exterior pode ser essa

radiação negra que vimos aparecer nas estruturas chamadas "vivas"; essa

radiação pode ser também aquela que está contida nos outros elétrons da

vizinhança do elétron considerado. Neste último caso, estamos diante do

que os físicos chamam de interação eletrostática entre dois elétrons. Não

116

retornaremos mais detalhadamente sobre estes processos ligados à Ação,

porque já foram estudados anteriormente.

Iremos nos interessar por duas outras propriedades psíquicas do elétron

que, contrariamente à Reflexão e à Ação, acontecem com aumento da

neguentropia do elétron, isto é, aumento de seu conteúdo informacional.

Trata-se do Conhecimento e do Amor. Nos dois casos, a comunicação do

elétron com o exterior se dá não mais através unicamente de trocas de

impulsões lineares entre fótons (como na Reflexão e na Ação), mas

através de trocas de spins entre os fótons do elétron e os fótons exteriores.

Se estes últimos pertencem ao espaço-tempo da Matéria, será um processo

de Conhecimento,, se pertencem a um outro elétron, será um processo que

chamamos Amor.

No Conhecimento, um fóton do espaço exterior desaparece quando cede

sua impulsão, sua energia e seu spin a um fóton do espaço do elétron,

fazendo assim aumentar em valor absoluto o spin total do fóton eletrônico

1. Um fóton exterior de spin + 1 vai, por exemplo,

4 Pois, em virtude da neguentropia não decrescente que manda no espaço

eletrônico, a ação (portanto, a informação) não pode diminuir neste

espaço.

135

desaparecer (retorno ao spin 0), levando o spin + 1 de um fóton do espaço

eletrônico ao spin + 2. Desta vez, há enriquecimento informacional do

espaço eletrônico, o que justifica o termo Conhecimento para qualificar

este processo. Notaremos que o Conhecimento põe em movimento o

elétron, pois ele absorve a impulsão e a energia do fóton desaparecido;

haverá, portanto, a conjugação do Conhecimento com um movimento, isto

é, o que designamos corno uma Ação. Como todo o movimento de

elétrons se traduz na observação por uma impulsão elétrica, isto significa

ainda que o Conhecimento é acompanhado da criação de impulsões

elétricas. É isto que constata a biologia (eletroencefalogramas, impulsões

nervosas ... ) .

Enfim, pode haver troca de spin dos fótons do elétron considerado com

fótons de um elétron vizinho. Designaremos este processo de troca com o

nome de Amor. Por exemplo, teremos um dos elétrons com um de seus

fótons passando do spin + 1 para o spin + 2, enquanto que no elétron

vizinho um fóton passa do spin - 1 para o spin -21, Aqui, não há

117

necessariamente movimento dos dois elétrons que se trocam; em

contraposição, ainda há, como no Conhecimento, aumento da

neguentropia, e mesmo aqui aumento da neguentropia dos dois elétrons ao

mesmo tempo. Podemos, portanto, dizer que o Amor é o processo mais

simples e mais eficaz para aumentar a neguentropia no Universo.

A comunicação pelo Amor exige, entretanto, serem dois, dois a intervir,

dois a aceitar a troca de spin. É necessário que, em cada um dos dois que

intervêm, o espaço eletrônico, isto é, a "memória" gravada neste espaço

eletrônico, possa aceitar tal elevação de spin de um de seus fótons, do spin

1 para o spin 2, por exemplo 1. É necessário, exprimindo-nos de outra

maneira, que haja uma certa compatibilidade estética entre as duas

memórias que vão procurar se juntar para elevar seu conteúdo

informacional, aumentando cada uma sua neguentropia. Cada um é ao

mesmo tempo doador e recebedor, e será necessário, para que o fenômeno

se estabeleça, que as duas novas configurações do Espírito (as memórias

eletrônicas) sejam, de algum modo, "concordantes". Penso que, na escala

do mundo Vivo organizado e não mais

5 Lembremo-nos que deve haver sempre a conservação do spin total.

Notemos que cada elétron, considerado como partícula, passa

simultaneamente, de um do spin - 1/2 para o spin + 1/2, para outro do spin

+ 1/2 para o spin - 1/2. 6 Isto aparece bem quando queremos descrever a

situação em linguagem matemática. Um fóton de spin 2 estabelece em

torno de si um campo mais complexo do que um fóton de spin 1; na

verdade, como também vimos, o spin 2 "contém" o estado de spin 1 e

pode haver compatibilidade de presença entre fótons de spin 1 e de spin 2

no mesmo espaço, no mesmo instante: entretanto, devem ser satisfeitas

certas "condições dos limites", para que haja "aceitação" da passagem de

um fóton do spin 1 para o spin 2.

136

na do elementar, uma certa afinidade devida à filiação (o amor de uma

mãe por seu filho), ou, ao contrário, a uma complementaridade (o amor

entre um homem e uma mulher, onde um "completa" o outro), deve

facilitar esta comunicação entre os elétrons, pelo processo que chamamos

Amor, no nível elementar. Contrariamente ao que geralmente crê o ser

organizado, são na verdade seus elétrons pensantes que prodigalizam o

amor, ou que fazem o amor: o ser organizado não faz mais do que

"veicular" o fenômeno, em uma região limitada do espaço e do tempo.

Certamente é necessário insistir aqui no fato de que o processo de

comunicação pelo Amor, tal como acabamos de descrevê-lo, coloca em

118

evidência que o Amor é também uma certa forma de Conhecimento. Pois,

o que é que vai finalmente se trocar, através do processo amoroso? São os

estados memorizados em cada um dos elétrons. Enquanto na operação de

Conhecimento, que descrevemos acima, o elétron obtém informação sobre

seu meio exterior (o espaço da Maténa), onde ele desenvolve em seguida

suas Ações, no processo do Amor a informação é obtida sobre o Espírito

do outro isto é, sobre espaço espiritual do elétron com o qual se vai fazer

~ma troca de informação.

Sem dúvida, é por esta razão que percebemos, em todo o reino do Vivo,

esta ligação estreita entre a mãe e o filho: através dos laços de Amor que

se estabelecem entre eles, é, na realidade, uma forma de Conhecimento

que passa, o filho vai obtendo informações sobre o conteúdo e o

mecanismo do pensamento materno, enquanto que a mãe aprende,

também, a conhecer seu filho ao amá-lo. Os laços entre o "Eu" mãterno e

o "Eu" do filho são tão estreitos que, na maioria das vezes, a mãe sente as

sensações do filho como se fossem suas próprias sensações: se ele sofre,

ela sofre; se ele está contente, ela está contente; se ele corre perigo, ela

intervém espontaneamente no mesmo instante, por uma espécie de reflexo

instintivo, exatamente como se tratasse de um perigo que seu próprio

corpo estivesse correndo. Isto me parece ser uma razão fundamental para

não separar a mãe do filho, ou mais geralmente para envolver o filho em

um meio afetivo o mais rico possível, elaborado cuidadosamente por laços

de Amor. Existem poucos seres vivos capazes de sobreviver sem a

proteção e o ensinamento que o Amor confere na primeira infância.

Certamente, teríamos necessidade de nos lembrarmos melhor disso, em

nossa época em que se julga que pai e mãe "dão mais lucro" estando fora

do lar, do que permanecendo perto de seus filhos.

Para dizer a verdade, o Amor aparece também como uma espécie de

processo telepático, realizando a comunicação direta entre dois es

137

píritos.,~Ou, mudando a ordem dos dois termos desta proposição, parece

exato dizer que o que chamamos telepatia no nosso nível humano exige,

para se produzir, que uma compatibilidade semelhante à que acompanha o

Amor exista antes, entre os espíritos que desejam se comunicar. Ser

médium, isto é, estar especialmente disponível para uma comunicação

telepática, seria primeiro estar especialmente disponível, frente a frente,

para o estabelecimento de ligações de Amor com o outro. Em resumo, isto

quer dizer que não se é médium "sozinho": aqui também há necessidade

de dois. Não haverá comunicação entre espíritos sem que, primeiro, haja

119

uma grande afinidade de troca entre os espíritos que desejam se

comunicar.

Levando em conta o que acabamos de ver sobre as ligações a distância

capazes de se estabelecer entre pares de espaços espirituais eletrônicos,

não parece pois razoável querer admitir que qualquer um possa se

comunicar espiritualmente à distância com qualquer outro. Aliás, é o que

afirmam aqueles que se propõem estudar "cientificamente" estas

propriedades pouco conhecidas do Espírito 1: a percepção extrasensorial

exigiria, ao mesmo tempo, um emissor e um receptor, tendo ambos

qualidades mediúnicas. Penso que devemos ver na telepatia uma ligação

espiritual análoga às ligações tecidas pelo Amor, que necessitam de um

par de indivíduos capazes de uma tal ligação. Creio, mais sinceramente,

nas ligações entre a mãe e o filho, ou entre Tristão e Isolda, do que

naquelas que pretenderia estabelecer com seja quem for um personagem

que declara possuir qualidades de médium.

Mas se um casal de indivíduos dispõe realmente das qualidades espirituais

que permitem estabelecer entre si comunicações biunívocas que, no plano

do elementar, chamamos Amor, então sim, penso que esta comunicação

pode ter aspectos telepáticos. Nada nos permite de considerar neste caso

como "cientificamente" impossível uma comunicação com um ser humano

desaparecido. Entretanto creio, como já disse, que este último tipo de

comunicação se apresentará um pouco como o reconhecimento das

imagens de um sonho, durante um sono profundo, isto é, um sono onde o

próprio sonho não é solicitado diretamente por sensações provenientes do

meio exterior.

Basendo-me no exemplo da telepatia, não é meu propósito aqui querer

sistematicamente estigmatizar o que Raymond Ruyer 1 chama de

"ingénuo doginatismo cientista", que pretende não querer reconhecer

como "existente" senão o que já foi reconhecido pela Ciência (belo modo

de fazer progredir o Conhecimento!). 0 que quero simplesmente mostrar

aqui é que, desde que aceitamos fazer entrar o Espírito ao lado

7 Penso particularmente no meu amigo, o biologista Rémy Chauvin, que

participou por vários anos das experiências telepáticas do grupo Rhine,

nos Estados Unidos, na Universidade Duke.

8 La Gnose de Princeton, op. cit.

138

120

da Matéria em uma Física "neognóstica", isto é, uma Física que se

preocupa com o lugar do Espírito nos fenômenos naturais, então abrese

amplamente o campo do "possível cientificamente", mesmo que ainda não

seja o "conhecido cientificamente".

No que me concerne, em todo caso, não hesito em dizer que me é

"fisicamente" impossível admitir que o Universo percebido pelo meu

pensamento, que descrevo em uma linguagem necessariamente ainda

forjada pelo meu pensamento, possa ser representado corretamente por

leis físicas, das quais o pensamento estivesse completamente ausente. Isto

me parece concomitantemente ilógico e absurdo. Entretanto penso que o

absurdo deste enfoque "cientista" pode e deve ser demonstrado através do

emprego de fatos, de concepções e da própria linguagem científica. É o

que me esforço por fazer aqui.

139

CAPITULO X11

Reivindicação para uma o evolução copernicana

É necessário parar de pensar em uma evolução do Universo inteiro

centralizada no Homem. - A aventura espiritual cósmica tem raiz em

partículas presentes em todo o Universo cósmico: os elétrons "pensantes"

ou éons. - 0 Homem está, entretanto, presente espiritualmente no povo dos

éons. - Se você é um sábio ...

Se até agora o Homem não aceitou, espontaneamente, colocar um Espírito

comparável ao seu próprio espírito na Matéria é porque, em última

análise, pretendeu atribuir a si próprio um lugar de todo excepcional no

Universo. Como sempre, isto acontece devido a sua inevitável inclinação

para o antropocentrismo.

121

Mesmo quando o "sábio", qualquer que seja a sua época, de Thales de

Mileto a Pierre Teilhard de Chardin, aceitou dar um certo Espírito à

Matéria, sempre considerou este espírito como "elementar", "difuso", sem

medida comum com o Espírito do Homem. Na verdade, o Homem aceitou

a presença dos deuses, isto é, a existência de um Grande Espírito no

Universo: mas sempre foi um Espírito com o qual o Homem era capaz de

dialogar, um Espírito à imagem do do Homem ("Deus criou o Homem à

sua imagem", nos explica o Gênesis). A morte devia conduzir o Homem

"à direita de Deus". As teorias pré-evolucionistas, da Antiguidade a

Darwin, sempre foram teorias "racistas" em relação ao reino dos vivos,

outro que não o reino humano e o Homem estava, espontânea e

obviamente, colocado no alto da criação: como poderia ser diferente se

entre os próprios homens estabeleceu-se uma profunda hierarquia, do rei

ao escravo, do branco ao homem de cor? Com as teorias evolucionistas, a

situação não mudou nada, mesmo quando apresentavam uma atitude

espiritualista: com Teilhard, o Homem permanece sempre como a "ponta

atual" da evolução; entretanto, admite-se a possibilidade de ver este

Homem evoluir, no decorrer do tempo, para o "ultra-humano"; mas

reserva-se sempre, única

141

mente para os descendentes do Homem, a possibilidade de chegar ao lugar

de escolha, no fim dos tempos, à direita de Deus. Devemos compreender

mesmo que o Homem terminará por se confundir com o próprio Deus,

quando atingir o "ponto õmega".

Nisto tudo é o Homem, o Homem, sempre o Homem. Parece que todo este

vasto Universo, com seus planetas espalhados em bilhões de anos-luz,

com suas modificações progressivas que duram há bilhões de anos, teve

por único objetivo a criação deste ser fraco e efêmero, cuja existência

constatamos, depois de somente um instante do tempo cósmico, neste

minúsculo canto do cosmo a que chamamos Terra.

0 Homem lutou obstinadamente para que não lhe tirassem esta ilusão de

que o Universo foi "feito para ele". Sabemos de quantos perderam suas

vidas tentando contestar o lugar do Homem, ou mesmo somente o de seu

habitat, a Terra, em relação ao resto do Universo. Hoje, é verdade, com

nossos meios de investigação astronômica, não é mais possível retirar a

Terra de seu lugar real, um planeta entre bilhões de outros, girando em

torno de uma estrela que não tem nada de particular entre os bilhões de

outras estrelas, tudo isto no interior de uma galáxia que não se apresenta

122

diferente de centenas de bilhões de outras galáxias que povoam o

Universo. Mas ainda tentamos desesperadamente nos agarrar à idéia de

um Homem terrestre que seria a exceção das exceções neste vasto

Universo! Apegamo-nos ainda à idéia de um Universo puramente

mecanicista um pouco por toda a parte, obedecendo somente às leis físicas

... menos aqui, neste minúsculo planeta Terra, onde um ser "altarnente

improvável" teria aparecido e seria capaz, sozinho, de dar sentido ao

Universo inteiro; uma exceção escolhida por Deus, um ser eleito; um ser

praticamente sem "concorrente" na imensidão cósmica.

Entretanto, tudo se torna absurdo e desconcertante a partir do momento

em que desejamos sustentar hoje, com os olhos abertos, tal ponto de vista.

Principalmente, é impossível entrever para o Universo uma significação

suficientemente lógica para satisfazer os critérios atuais do Conhecimento

ou para situar racionalmente o Homem em relação aos outros objetos com

os quais convive, do mineral ao vivo. As próprias relações humanas estão

completamente falseadas por este erro monumental de perspectiva para

nos situar em um lugar mais justo no inventário universal. Segundo o

nosso pensamento, o Homem está bem alto na escala dos seres, então

procuramos utilizar nossa vida terrestre para escalar ainda alguns

degrauzinhos na escada, para sermos os primeiros entre os primeiros e,

paciência, se para chegar aí temos que pisar em alguns seres que partilham

conosco do nosso planeta, humanos ou não: além disso, não está escrito

que, quando mais nos elevamos, mais nos aproximamos de Deus? Então,

por que esta torre de Babel construída sobre o egoísmo, a injustiça e a

destruição?

142

Aquele que "vence" não dá prova de que "pensa melhor"? E Deus não é o

mais elevado em graduação dos que "pensam melhor"?

É verdade que, na nossa época, alguns "intelectuais", parece, tomaram

consciência de que "alguma coisa não ia bem"; propuseram,

sucessivamente, a morte de Deus, depois a morte do Homem, a fim de

recomeçar do zero e reconstruir o Homem sobre novas bases ideológicas.

Mas se trata sempre do Homem como ponta da evolução; e com o

desenvolvimento atual de suas "técnicas", o Homem de hoje está

deslumbrado: quer suprimir Deus, simplesmente porque agora crê que é

grande o suficiente para se arranjar sozinho, para desdenhar de todos os

mitos ancestrais, inclusive o religioso. Não somente o Homem à direita de

123

Deus, mas o Homem no lugar de Deus, o Homem sozinho no Universo, o

Homem único senhor do seu destino 1.

É um absurdo; digo o que sinto. 0 fenômeno cósmico principia e evolui

sobre um terreno que está necessariamente na escala cósmica, tanto no

espaço como no tempo. Na verdade, é o Espírito que está no centro da

aventura universal; mas este Espírito não é privilégio só do Homem. Não

é o Homem que assume mais plenamente as capacidades disponíveis no

Espírito. Não é com o Homem que o fenômeno cósmico conta sua

aventura 2.

Ou melhor, não é somente com o Homem. Na escala do Universo, a

história do Homem não é nem mais nem menos importante do que a da

estrela, da folha da árvore, da bactéria ou do cão. Todos estes seres são tão

"inteligentes", ou, em todo caso, tão "pensantes" uns quanto os outros. E

são também pensantes pois são formados, no plano espiritual dos mesmos

elétrons pensantes, mesmo se estes inventaram "máquinas" muito variadas

para se encaminhar para o objetivo que tem somente uma certa

consistência na escala cósmica: aumentar ao máximo a neguentropia do

Universo inteiro, isto é, sua ordem,

1 Seria necessário relembrar aqui Le Hasard et Ia Necessité de Jacques

MONOD?

2 Um primeiro passo em direção a uma evolução "copernicana", que

coloca o Homem e seu comportamento em um lugar mais justo, é

fornecido pelo livro recente de E. 0. WILSON: Sociobiology, Harvard

University Press, 1975. Wilson partiu do estudo do comportamento dos

indivíduos para concluir, finalmente, que a evolução é uma aventura dos

genes que compõem os cromossomos de todo o reino animal ou vegetal,

sendo o indivíduo um simples "veículo" para esta aventura. Partindo da

Física e indo do estado do elementar para o do organizado, ataquei este

problema da evolução de um "outro ângulo" e concluí que é ainda mais

fundo que se situa o centro da aventura evolutiva, se este centro deve ser

situado no "portador" do Espírito: não no nível dos genes, mas no dos

elétrons, pois são eles e somente eles que são os portadores do Espírito no

Universo. A aventura do Espírito não está mais limitada aos reinos vegetal

e animal, os únicos portadores de genes, mas estende-se ainda ao reino

mineral e mais amplamente à toda a Matéria que participa do nosso

Universo.

143

124

sua ação (no sentido da Física), sua consciência 1. Todas estas palavras

têm um valor semântico equivalente; e vimos que podemos expor não

definições vagas, mas um formalismo tão preciso quanto o da

Relatividade geral ou da Teoria quântica.

Sim, irmão humano, será bem necessário que você se renda à evidência e

abandone uma vez mais seu antropocentrismo. Quando você diz "Eu

penso", já observamos, você deveria dizer mais corretamente "Ele pensa",

da mesma maneira como você diz "chove". Pois o que pensa em você, são

estes bilhões de elétrons que sozinhos encerram um espaço-tempo onde

podem se desenrolar os processos espirituais. Aquele que você vê no seu

espelho é seu contorno de Matéria, e este não pensa; é utilizado pelos seus

elétrons pensantes, para ajudá-los a procurarem para si a energia de que

têm necessidade, e para executarem certas tarefas que lhes permitam

aumentar a quantidade e a qualidade de suas informações. Mas,

naturalmente, estas informações não se referem somente às cotações da

Bolsa, ou às respectivas vantagens das ideologias comunistas ou

capitalistas, ou à hierarquia a estabelecer entre Maorné, Jesus Cristo e

Buda! Seus elétrons pensantes, seus éonS4~ COMO gostaríamos de

chamá-los para distinguir suas propriedades daquelas que os físicos atuais

somente querem reconhecer nesta partícula, seus éons, dizia, pouco se

interessam por estas preocupações especificamente humanas. Têm outros

problemas, problemas que nos parecem bem mais difíceis de resolver e

que reclamam muito mais inteligência: ocupar-se, por exemplo, em fazer

funcionar corretamente a máquina viva e pensante que é o Homem que

eles produziram.

Mas escute ainda, bem-aventurado pequeno Homem! Se você não é este

personagem de Matéria que vê no espelho, entretanto, você é este imenso

povo de éons que o formam, você se confunde espiritualmente com eles,

quando eles pensam é você que pensa, quando eles se enganam é você que

se engana. Sua responsabilidade cósmica não se evapora sob pretexto de

que sua unidade vai se repetir no múltiplo. Ao contrário, eis seu "Eu" que

agora se reproduz em cada um dos éons que participam de seu ser, você é

a "interseção espiritual" de todas estas partículas. Todos estes éons têm

sua própria história, vivem e pensam desde o começo do mundo,

participaram de milhões de "máquinas", habitaram milhões de anos nas

estrelas, viveram os momentos excitantes da criação das primeiras células

vivas, esperaram pacientemente por milhares de anos na rocha,

inventaram a fotossíntese e a

125

3 Veremos mais adiante que este objetivo de aumento da neguentropia é

apenas um meio para "escolher melhor" o que deve ser a evolução.

4 Lembremos que, para os gnósticos, os éons representam o Espírito

emanado da inteligência universal.

144

molécula de ADN, transformaram a topologia do espaço; foram

engenheiros com as enzimas, artistas com as pétalas da rosa. E, de tudo

isto, seus éons se lembram. Mas estes éons, que pensam com você,

também memorizaram sua própria experiência vivida, a que começou

desde o seu nascimento. Têm muito mais memória do que a que você crê

estar associada ao seu "Eu" e também muito mais saber. Cada um dos

elétrons de seu corpo conhece bem o seu "Eu", cada éon do seu corpo

deseja conhecê-lo para aproveitar a sua experiencia vivida, e assim evoluir

espiritualmente ainda um pouco mais alto, para participar melhor ainda da

aventura espiritual cósmica. De você, de seu "Eu", seus éons se lembrarão

por toda a vida deles, eles o levarão consigo na vida futura deles, depois

que os outros homens o declararem "morto". E esta vida futura no corpo

dos éons será muito longa, praticamente tão longa quanto a do próprio

Universo, uma vida eterna.

Mas se você sabe ver, pequeno Homem, se você é um sábio, então você

compreenderá que seu "Eu" se confunde, na verdade, com o pensamento

dos éons que edificaram sua vida; que seu "Eu" possui também raízes num

passado eterno, e que "participará" eternamente, no futuro, como o fez no

passado.

Se você é um sábio, saberá entender o primeiro sopro de vida que se

prepara sob a rocha, conhecerá a alegria do pezinho de erva que se levanta

para o sol no raiar da manhã, ou a euforia da corça que corre nas sendas

da floresta. Você sentirá tudo isto, pois já viveu tudo isto; tudo isto está

inserido para sempre na memória destes microscópicos espaços-tempos do

Espírito que formam seu corpo e levam seu "Eu".

145

CAPITULO X111

126

Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria

A Cosmologia própria do Espírito é inseparável da Cosmologia própria da

Matéria. - Os "modelos" atuais do Universo da Matéria. 0 começo, a

expansão, a contração e o fim do Universo. - 0 modelo do Universo

deduzido da Relatividade complexa. - Nascimento dos elétrons e do

Espírito,

Vimos o pensamento eletrônico intervir em quatro tipos essenciais de

interações "espirituais": a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação.

Detalhamos, utilizando os conceitos habituais da Física contemporânea

(principalmente o conceito de spin), os mecanismos correspondentes a

estas quatro interações. Escolhemos, para designar estes quatro processos,

uma terminologia que já possui uma significação para nomear os

processos conhecidos do pensamento humano. Não devemos, repetimo-lo,

espantar-nos com essa analogia entre as operações do pensamento

elementar próprio dos elétrons e o pensamento humano. Meu pensamento

é o mesmo dos meus elétrons pensantes; há mais do que uma analogia, há

identidade. Não há dois tipos de "seres pensantes" no Universo: há os

éons, e é tudo. Podemos dizer "Eu penso" somente à maneira como uma

coletividade de indivíduos humanos pode pretender "pensar": o público

"pensa" que a peça de teatro foi bem encenada; mas o que pensa, aqui, não

é naturalmente o 66 público", mas os indivíduos que formam este público.

Da mesma forma, são os éons do meu corpo que pensam, quando afirmo

que sou eu quem pensa. Nosso comportamento traduz, é verdade, a

presença do pensamento; mas o pensamento que "pilota" nosso

comportamento é o desses bilhões de individualidades que entram na

composição do nosso corpo, que chamamos de elétrons pensantes ou éons.

Desde que queremos reconhecer que o pensamento, na sua essência,

pertence a estes seres imortais que são os éons, a história da evolução

147

do pensamento no Universo se torna, naturalmente, inseparável da história

do conjunto do Universo. É certo que a história humana é sempre

interessante, mesmo que se trate da história dos incas ou da história dos

127

faraós egípcios. Mas o episódio não é toda a história, pois o centro de

perspectiva deve ser, agora, bem diferente. Por exemplo, não é mais

racional querer falar do Homem como "ápice da evolução". É no mundo

dos éons, e somente aí, que podemos descobrir as individualidades que

representam os ápices do pensamento no Universo. Simplesmente porque

o mundo dos seres pensantes é único: é o mundo dos éons.

Então, como tentar discernir esta história do pensamento no nosso

Universo? Podemos, primeiro, voltar-nos para a Cosmológia

contemporânea, pois ela constitui o ramo da Física que se esforça para nos

contar a história do espaço-tempo e do que ele contém, desde o "começo"

até o "fim" do tempo. Mas esta Cosmologia tradicional é a da Matéria

somente e ela nunca se interessou diretamente pela história do Espírito.

Essa aventura do Espírito, entretanto, tem ligações estreitas com a da

Matéria, pois os próprios elétrons portadores do Espírito são feitos de

Matéria. 0 Espírito não pode, portanto, ter nascido senão ao mesmo tempo

que a Matéria e desaparecerá com ela.

Uma Cosmologia neognóstica, como a que procuramos, deve, antes de

tudo, estar em harmonia com os nossos conhecimentos cosmológicos

atuais, concernentes à Matéria sozinha. Mas teremos que examinar, em

seguida, como vem se inserir, nesta Cosmologia da Matéria, uma

Cosmologia do Espírito. Este capítulo relembrará, primeiro, nossas

modemas concepções sobre o nascimento, a vida e a morte de nosso

Universo da Matéria, no seu conjunto.

Na linguagem da ciência deste fim do segundo milênio, é para a teoria de

Einstein que devemos nos voltar para obter uma descrição do Universo no

seu conjunto, ao mesmo tempo que sua evolução no tempo. Entretanto, é

conveniente ressaltar que não é nem a primeira, nem a última Cosmologia,

naturalmente.

Os Homens de todos os tempos "fizeram uma idéia" do mundo onde se

encontravam. Alguns o viram menor, outros maior, estes sem nenhuma

mudança, aqueles em contínua transformação; lá atribuíram 6.000 anos de

"idade" ao nosso Universo, aqui 12 bilhões de anos. Mas, de cada vez,

estas indicações procuraram estar de acordo com o Conhecimento

"científico" da época. De resto, não devemos sorrir de nenhuma destas

representações. Se tivermos vontade, será suficiente pensar no que será

provavelmente a representação que os Homens farão do nosso Universo

daqui a alguns milênios, ou mesmo alguns séculos. Devido ao crescimento

acelerado do conhecimento, assistire

128

148

mos a tais mudanças na linguagem da Ciência, que será certamente inútil

tentarmos sobrepor o "retrato" do Universo que terão nossos descendentes

de uma dúzia de gerações do retrato atual. Então, quando Aristóteles

coloca a Terra no centro do mundo e dispõe, em distâncias crescentes,

nove esferas transparentes e concêntricas representando, sucessivamente,

a Lua, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno, as estrelas e enfim... o

próprio Deus; ou quando Santo Agostinho dá à Terra a forma do santo

tabernáculo, duas vezes mais comprido do que largo, envolvido de água

por todos os lados, com a ilha do Paraíso fora, e o conjunto recoberto por

um "teto" em forma de meio cilindro; ou quando o grande Kepler crê ter

descoberto a "arquitetura do Universo" através de figuras geométricas

encaixadas umas nas outras, e escreve que "a alegria que me deu a minha

descoberta, não poderia jamais descrevê-la"; é necessário tomarmos

precaução para acreditar que hoje estamos fazendo muito melhor.

É notável, entretanto, constatar que, se não nos deixamos levar pela ilusão

das palavras dos séculos passados que conservam, hoje, sua significação

"ao pé da letra", então transparece alguma coisa de "invariável" na

maioria dos "modelos" cosmológicos dos séculos passados, aí incluídos os

da época atual. Quando as Escrituras nos apresentam, por exemplo, a

gênese do mundo, anunciando que a luz foi criada "no começo", não é

notável aproximar este ponto de vista daquele que os cosmologistas

proclamam hoje, apoiando-se na Relatividade geral de Einstein, no que

concerne ao "começo" do nosso Universo? Ele teria sido, nesta época

longínqua, coberto por uma radiação eletromagnética de alta temperatura,

o que na realidade significa que estava coberto de luz; como as Escrituras,

nossos astrofísicos nos dizem também que a Matéria só foi criada mais

tarde, depois da luz.

Os modelos atuais do nosso Universo no seu conjunto são, sumariamente,

de dois tipos.

0 primeiro tipo propõe que o Universo, depois de ter evoluído um certo

tempo, "repassa" em seguida, ao inverso, as mesmas fases que atravessou;

volta assim, novamente, ao seu estado original, depois recomeça a evoluir

como ele havia feito inicialmente; e assim por diante, até a eternidade.

Este tipo é chamado Universo com evolução cíclica.

Um segundo tipo de Universo parte de um certo estado original, que

chamamos o "começo", depois evolui para estados que não são nunca

129

análogos aos estados anteriores. Dizemos que se trata de um Universo

com evolução irreversível.

Podemos nos espantar que a teoria deixe assim a escolha entre dois tipos

fundamentalmente diferentes de evolução. Poderíamos, também, nos

espantar que, desde sua frágil e minúscula torre de marfim,

149

o Homem já possa dizer tanto sobre a evolução desta coisa imensa que é a

totalidade do nosso Universo.

Dois tipos de modelos parecem possíveis porque os dados astronômicos

não permitiram ainda, através de medições expenmentais, separá-los com

segurança.

A grandeza principal que a teoria fornece, para descrever a evolução do

nosso Universo no decorrer do tempo, é o valor do "raio" do Universo.

A noção do "raio" do Universo se introduz, como já dissemos antes, nas

concepções da Relatividade geral, pois o espaço que abarca este Universo

pode possuir uma certa "curvatura" de conjunto, exatamente como a

superfície esférica da nossa Terra possui uma curvatura de conjunto. Para

o Universo, como para a Terra, é possível falar então do "raio" do espaço

fechado sobre si mesmo 1. A idéia de uma curvatura de conjunto do

espaço de três dimensões é, entretanto, menos simples de conceber para o

nosso espírito do que a curvatura de uma superfície, como é o caso da

Terra e de seu raio. Podemos dizer que o espaço está fechado sobre si

mesmo e está caracterizado por um ',raio" de conjunto, se partindo em um

foguete "sempre para a frente" no espaço que nos envolve chegássemos,

depois de uma viagem muito longa, a retornar ao nosso ponto de partida.

Entendamos bem: esta curvatura de conjunto do nosso Universo é bem

pequena; é este fato que nos leva a crer falsamente que, se puxamos as

duas pontas de um barbante, materializamos assim uma "reta".

Rigorosamente, isto parece falso no espaço do nosso Universo: nosso

barbante está ligeiramente curvo, e é por isto que se nosso barbante fosse

suficientemente longo, as duas extremidades viriam se juntar,

materializando uma "reta" que dá a volta completa do nosso Universo.

Como a luz acompanha exatamente a curvatura do espaço, nosso barbante

materializa ainda um raio de luz que dá a volta ao Universo: o que fazia

Einstein dizer brincando que, olhando direto para a frente, com um olho

130

suficientemente penetrante, deveríamos perceber o corte de cabelos da

nossa nuca!

Mas voltemos ao nosso Universo no seu conjunto. Seu raio, tal como foi

no passado e tal como será no futuro, é conhecido pela teoria de Einstein

apoiada em dados astronômicos experimentais.

Constatamos que este raio aumenta com o tempo, isto é, que o espaço de

nosso Universo é como uma esfera que inchasse sem cessar. É o que

chamamos a "expansão" do Universo. Esta expansão foi pri

1 Os físicos definem, aliás, um raio de conjunto do espaço do nosso

Universo mesmo no caso em que este espaço não seja fechado sobre si

mesmo (espaço hiperbólico). Mas não trataremos aqui desta variação.

150

meiro prevista pela teoria, mas foi também verificada diretamente pela

observação das galáxias do céu, que se afastam efetivamente de nós, e se

afastam tanto mais rapidamente quanto mais longe estão, como

constataríamos pondo pontos (simulando cada um uma galáxia) no couro

de uma bola que estivéssemos enchendo.

Em um Universo cíclico, o raio varia periodicamente entre um valor

mínimo e um valor máximo; a expansão observada atualmente deveria ser

seguida, portanto, de uma compressão do espaço, seguida de uma nova

expansão, e assim por diante. Estas oscilações do raio se prolongariam

eternamente, tanto no passado como no futuro. Entretanto,

convencionamos chamar de "começo" do nosso atual Universo o instante

em que nosso espaço estava mais comprimido e o raio do Universo era,

então, mínimo. Os cosmologistas não estão todos de acordo sobre o valor

do raio do Universo no momento do seu começo: uns dizem que o raio era

da ordem de grandeza do nosso sistema solar (10.000 vezes o raio do

nosso Sol), mas outros falam de um raio muito menor, da ordem do de

uma partícula elementar, ou seja, um raio nulo. Existe um acordo melhor

sobre o raio atual, que estaria compreendido entre 10 e 20 bilhões de anos-

luz. A idade do nosso Universo, isto é, a duração que nos separa do seu

"começo" de compressão máxima, estaria compreendida entre 10 e 18

bilhões de anos. Esta "bifurcação" de idade é ainda relativamente ampla.

Mas não é tão mal, se lembrarmos que não há muito tempo (na verdade,

no século passado) pensávamos que o Universo tivesse sido "criado"

131

somente a alguns milhares de anos, de acordo com os dados da Bíblia que

falava em 6.000 anos!

No caso de o Universo ter uma evolução irreversível, ele teria começado

igualmente, há mais ou menos 15 bilhões de anos, de um estado bastante

comprimido; depois teria "inchado", mas este período de expansão, que

ainda prossegue atualmente, não deveria terminar nunca. 0 raio tenderia

para o infinito em um futuro de duração infinita.

Para tentar escolher entre as duas evoluções possíveis, os astrofísicos se

entregam, atualmente, a elaboradas medições experimentais, procurando,

por exemplo, determinar se a velocidade de "inchação" do Universo tende,

neste momento, a decrescer (neste caso o Universo possui chances de ser

cíclico) ou a crescer (e neste caso estaria, então, em expansão contínua).

Além da modificação do raio, os "modelos" de nosso cosmo indicam

tarpbém como variam, no tempo, a densidade da matéria e a temperatura

da radiação.

A matéria é constituída, principalmente, por bilhões de estrelas e planetas

ocupando o céu e também por imensas nuvens de poeira cósmica. Mas

existem também muitas outras "coisas" no céu, e provável

151

mente (como dizia o Hamiet de Shakespeare), "muito mais coisas do que a

nossa filosofia poderia sonhar". 0 que chamamos de radiação cósmica, por

exemplo, é constituído de numerosas partículas elementares (prótons,

elétrons ... ) sulcando o cosmo em velocidades quase iguais às da luz,

possuindo dessa forma uma enorme energia'. A matéria que ocupa o

espaço apresenta formas muito variadas; é "compacta" como nas estrelas

ou nos planetas, diluída como nas nuvens de pó, ou individualizada como

na radiação cósmica, ela é, entretanto, sempre constituída das mesmas

partículas elementares de Matéria, aquelas que a Física conhece e estuda:

os prótons, os nêutrons, os elétrons, os neutrinos e os fótons. Estas

partículas constituem a única Matéria "estável", isto é, possuem durações

de vida da ordem de grandeza da duração de vida do próprio Universo.

Estas partículas estáveis podem, entretanto, sofrer alguns "acidentes", se

chegam a se bater uma na outra com energias suficientes; neste caso,

podem desaparecer, transformando-se por um instante em partículas

chamadas "instáveis", que têm durações de vida geralmente bem inferiores

ao milionésimo de segundo (às vezes, até do milionésimo do bilionésimo

132

do bilionésimo de segundo!). Mas, finalmente, estas partículas instáveis

desaparecerão para dar novamente nascimento a partículas estáveis.

A observação de uma temperatura que caracteriza o Universo inteiro é

recente. Para que haja possibilidade de se definir uma temperatura do

espaço, é necessário que o Universo esteja cheio de um número suficiente

de fótons interagindo com a Matéria e possuindo, em seguida a estas

interações, todas as direções e todas as energias 1. Durante os últimos dez

anos, pudemos verificar que o conjunto do nosso Universo estava repleto

de um "gás de fótons", cuja temperatura atual é de 2,7 graus Kelvin (ou

seja, da ordem de -270 graus Celsius). Dizendo de outra maneira, faz

muito frio no espaço, mas não é, ainda assim, o frio absoluto (0 grau

Kelvin). Já que nosso Universo "incha" e que um gás se resfria se está

fechado dentro de um volume em expansão, a temperatura do nosso

Universo abaixa sempre, sem parar; isto significa também que, no

passado, esta temperatura era muito mais elevada. Ela depende, na

verdade, do raio do Universo; no começo do Universo, e se supomos para

este momento um raio nulo, a temperatura dos fótons teria sido infinita (o

que é "fisicamente" desprovido de significação). Estimamos,

habitualmente, que o raio original do Universo era pequeno comparado

com o raio atual, mas não

2 0 físico Edward Teller, pai da bomba H, calculou que a energia da

radiação cósmica na nossa própria galáxia, Via-Láctea, é da mesma ordem

de grandeza que a energia representada pela massa de todas as estrelas e

planetas da Via-Láctea. 3 A distribuição das energias em um gás, a uma

dada temperatura, foi fornecida por Maxwell no último século; Planck

precisou esta distribuição para os fótons no começo deste século.

152

completamente nulo; a temperatura do começo do mundo era, então,

provavelmente, da ordem de centenas de milhões de graus. Em resumo, o

Universo, no seu princípio, teria se parecido à explosão de uma imensa

bomba atômica; a temperatura no centro de uma explosão atômica, com

efeito, no instante da explosão, está compreendida entre cem milhões e um

bilhão de graus. Ainda uma vez, os Homens só sabem "copiar" as

maneiras de fazer do Universo!

Estimamos, geralmente, que a Matéria estava totalmente ausente do

espaço do nosso Universo no "começo" do mundo. Esta Matéria teria

começado a se formar, a partir da radiação de fótons, desde os primeiros

133

instantes da expansão. Primeiro, teriam assim nascido os nêutrons, os

neutrinos e os elétrons (positivos e negativos), depois, teriam vindo os

prótons.

Os prótons e os elétrons constituíram os primeiros átomos de hidro-

gênio. Este gás formou, primeiro, uma nuvem única imensa; depois

esta nuvem se separou em bilhões de nuvens menores, que deveriam

constituir a primeira fase de cada uma das galáxias que ocupam hoje

o nosso céu. Chamamos protogaláxias esta etapa original da evolução

das galáxias. Cada protogaláxia, em seguida, se dividiu em bilhões de

enormes "gotinhas", sob o efeito das forças gravitacionais; estas deve-

riam ser a primeira forma das estrelas. A nuvem esférica de hidrogê-

nio que constitui a proto-estrela foi se condensando cada vez mais, por

contração gravitacional, enquanto que a temperatura central da proto-

estrela aumentava ao mesmo tempo que se comprimia o gás de hidro-

gênio. Esta temperatura central se torna logo suficiente para que co-

mecem, no coração da proto-estreia, as primeiras reações termonuclea-

res entre átomos de hidrogénio. A proto-estrela se "acende" e então

nasce uma estrela. No coração estelar, em uma temperatura muito

alta, começaram a se fabricar os diferentes elementos químicos que

conhecemos, mais pesados do que o hidrogénio, durante uma com-

plexifícação crescente d ' a matéria elementar. Estes elementos químicos,

não "combustíveis" à temperatura em que funcionava a estrela, foram

gradualmente ejetados para fora do corpo estelar e formaram, em tor-

no dele, uma vasta nuvem concêntrica. Com a ajuda da gravidade e do

tempo, esta nuvem de elementos químicos se cinde em nuvens esféri-

cas individuais, que vieram a formar os planetas que giram em torno

de cada estrela. E em alguns destes planetas a evolução prosseguiu,

dando origem ao reino vegetal, depois ao reino animal e depois ao

reino humano.

Nós estamos aí, sobre a Terra. É provável que, em alguns outros planetas

do cosmo, a evolução esteja atrasada em relação à evolução terrestre,

porque prevaleceram, por exemplo, condições um pouco diferentes de

temperatura e de pressão, ou porque o "preparo" de dosagem

153

dos elementos químicos se operou de uma outra maneira. Mas é provável

que, do mesmo modo, a evolução em outros planetas esteja mais avançada

do que a nossa. Admitir o contrário seria despropositado, seria sempre esta

eterna propensão ao antropocentrismo.

134

Se há uma questão para qual desejaríamos obter uma resposta do modelo

do Universo, é a do começo do mundo. Pois, como compreender a

evolução posterior, sem ter informações relativamente precisas sobre o

princípio desta evolução? Ora, infelizmente, vimos, os modelos

resultantes da Relatividade geral de Einstein são muito vagos sobre este

estado do Universo no seu começo. Se tratamos rigorosamente as

equações "cosmológicas" fornecidas por esta teoria, caímos, em todos os

casos, sobre um instante chamado "singular", onde o raio do Universo

seria nulo, acarretando uma densidade e uma temperatura ambas infinitas.

Como o zero e o infinito dificilmente têm interpretações no plano físico,

os astrofísicos "acomodam" as equações de Einstein dizendo que, nos

primeiros instantes do Universo, elas não são aplicáveis rigorosamente.

Não vejo porque, então, se estas equações não são válidas "no princípio",

devamos ter confiança nelas depois. Os artilheiros bem sabem que um

erro inicial na direção do tiro só pode ir se ampliando quando se aproxima

do alvo.

É por isso que fiquei particularmente feliz ao constatar, durante minhas

próprias pesquisas, que prolongando, como fiz, a Relatividade geral de

Einstein para uma Relatividade complexa', as equações cosmológicas não

apresentavam mais esta "singularidade" no momento original do

Universo. Na verdade, como tínhamos direito de acreditar numa

Cosmologia neognóstica, obtive dois modelos cosmológicos

complementares um do outro: um descrevendo a evolução do espaço-

tempo da Matéria, e o outro descrevendo a evolução do espaço-tempo do

Espírito. Os dois modelos estão esquematizados à p. 155 através da

variação do raio R de seu espaço-tempo inteiro, no decorrer do tempo t.

0 modelo da Matéria nos mostra que o Universo, no instante original,

estava unicamente ocupado pela radiação negra, como o descobriria

também a Relatividade geral; mas aqui a temperatura é muito mais baixa

do que a obtida em Relatividade geral: somente em torno de 60.000 graus.

0 raio do Universo é, neste instante inicial, 20.000 vezes menor do que o

raio atual, ou seja, da ordem de grandeza das distâncias intergaláticas. Não

há dúvida aqui, como em Relatividade geral, de um "começo" onde o raio

pudesse ser nulo. Quanto à Matéria particular, ela é inexistente no

princípio do mundo (sobre este ponto, a Relatividade geral e a

Relatividade complexa estão de acordo).

Mas a Matéria estava ausente sob forma particular, isto é, sob a forma de

nêutrons, prótons, elétrons e neutrinos; em compensação,

135

4 Jean E. CHARON, Theorie de la Relativité Complexe, op. cit.

154

MODELOS COSMOLóGICOS DA MATÊRIA E DO ESPIRITO

EM RELATIVIDADE COMPLEXA

estava presente sob forma de "curvatura de conjunto" do espaço. Esta

curvatura, com efeito, é equivalente' a uma densidade uniforme de

matéria, que chamamos a densidade cosmológica 1. No instante zero do

Universo, a energia se encontra, portanto, repartida entre a densidade

cosino16gica que acarreta a curvatura de conjunto do espaço e a

densidade de energia eletromagnética da radiação negra que, como

demonstramos em Relatividade, não provoca nenhuma curvatura do

espaço. A Relatividade complexa postula que a soma algébrica destas

duas energias é nula no começo do mundo; mais amplamente ainda,

porque a energia total do Universo deve ser conservada, se ela é nula no

instante zero, ela o será sempre no futuro. As três fases presentes no

espaço universal, a saber, a matéria cosmológica curvando o conjunto do

espaço, a radiação negra dando sua temperatura de conjunto ao Universo

mas não provocando nenhuma curvatura do espaço e a matéria particular

(prótons, nêutrons, elétrons) ocasionando somente curvaturas locais do

espaço, sem modificar a curvatura de conjunto, deverão apresentar um

balanço total de energia algebricamente nulo.

5 Como se demonstra em Relatividade. é A densidade cosmológica inicial

se calcula como sendo de lo- 16 g/CM 3; hoje ela é da ordem de lo- 29

g/CM 3.

136

155

Posto que esta energia é sempre nula, isto nos evitará ter de responder à

pergunta sempre embaraçosa: "Quem criou a energia presente no

Universo?" Ela não teve necessidade de ser "criada", pois ela é no

princípio e permanecerá para sempre rigorosamente nula.

Uma conseqüência notável desta nulidade da energia algébrica total do

Universo é que, no começo do mundo, onde somente a matéria uniforme

cosmológica e a radiação uniforme negra estão presentes, é necessário que

estas duas energias sejam de sinais contrários. Se damos, portanto, um

sinal positivo à energia caracterizada pela temperatura do Universo, temos

de admitir que a matéria cosmológica curvando o conjunto do espaço

representa uma energia negativa e deve ser considerada, portanto, como

da antimatéria. Assim, nossos físicos sempre se perguntaram por que

nossos átomos e nossas moléculas, construídos com a matéria particular,

eram feitos quase que unicamente de matéria, enquanto as equações da

Física mostram que átomos e moléculas de antimatéria são igualmente

autorizados por estas leis e têm uma probabilidade igual de se fabricar. A

resposta é esta: as moléculas de antimatéria são raras porque a matéria

particular que se fabrica desde a origem do mundo deve ser do mesmo

sinal que o do balanço de energia das três fases: matéria cosmológica,

radiação negra e matéria .particular, ou seja, sempre algebricamente nulo.

Vejamos um pouco mais de perto como evolui o conteúdo energético de

cada uma destas três fases a partir do instante zero. 0 universo entra então

em expansão, isto é, seu raio R aumenta. Ora, prova-se que, durante esta

expansão', a densidade cosmológica diminui como o inverso do cubo do

raio R, enquanto que a densidade de energia da radiação negra' diminui

ainda mais rápido, na verdade, como o inverso da potência 4 do raio R. A

conseqüência é que, a fim de manter o balanço global de energia do

Universo nulo, é necessário que "nasça" espontaneamente matéria

particular e, como percebemos, uma matéria particular de energia positiva,

isto é, partículas de matéria e não partículas de antimatéria.

Assim, tanto em Relatividade complexa como em Relatividade geral, as

partículas de matéria que constroem nosso Universo nascem durante uma

transformação da energia da radiação eletromagnética em matéria. Mas os

processos são muito diferentes para explicar este nascimento particular.

Em Relatividade geral é porque a temperatura do Universo no seu

nascimento era muito elevada (da ordem de muitas centenas de milhões de

137

graus) que podemos perceber, nesta época e somente nesta, a criação de

praticamente toda a matéria par

7 Teoria da Relatividade Complexa, op. cit.

8 A radiação negra ocupando todo o Universo se comporta, aqui, como

um "gás de fótons", durante uma expansão adiabática (isto é, falando

estatisticamente na escala do Universo inteiro, sem troca de calor com a

matéria do Universo).

156

pido, pois a expansão faz cair tão depressa a temperatura do Universo

que o físico Georges Garnow calculou que a fabricação de todos os

nêutrons do Universo deve ter acontecido na primeira meia-hora! De-

pois disso, a temperatura do espaço tornou-se muito baixa para

"cozer"

as partículas no forno cósmico. Em Relatividade complexa, este "for-

no" está, desde o princípio, em uma temperatura muito baixa (60.000

graus) para fabricar o menor nêutron. Mas, em compensação, ele vai

usar a sacrossanta lei da conservação da energia no Universo inteiro:

esta vai "forçar" uma criação espontânea de partículas de matéria,

com

uma densidade de criação sensivelmente constante em todos os

pontos

do espaço, a um dado instante. Em resumo, vemos aqui um me-

canismo de criação das partículas de matéria, semelhante ao que

haviam proposto os três físicos Hoyle, Bondi e Gold há uns vinte

anos,

para justificar um Universo "estacionário", sem evolução. Para estes

físicos, as galáxias longínquas, que se afastam de nós em velocidades

tanto maiores quanto mais distantes elas estão, terminam, em uma

distância suficiente, por "sair" do nosso Universo; mas, simultanea-

mente, cria-se por toda a parte matéria ex nihilo, sob forma de partí-

culas, com urna taxa de criação sensivelmente constante em todos os

pontos do espaço, em uma determinada época. A Relatividade com-

plexa conduz a um processo análogo de "criação permanente": mas

sem sacrificar a idéia de evolução, que nos nossos dias parece

repousar

sobre bases extremamente sólidas e, por isso, seria difícil voltar atrás.

Antes que começasse a expansão do Universo, isto é, antes do

que

138

chamamos o começo da evolução, o espaço era estático: o raio era

invariável, só existia a radiação a 60.000 graus, as partículas de maté-

ria estavam totalmente ausentes. Mas o Universo era "instável" sob

esta forma, e bastou a fabricação (talvez a partir da radiação negra

a 60.000 graus, processo pouco provável, entretanto, fisicamente) da

primeira partícula de matéria (um nêutron, sem dúvida, ou um próton

e um elétron), para que se iniciasse o fenômeno de expansão que

cons-

tatamos ainda hoje 1.

A idade do nosso Universo atual, desde o princípio da expansão,

está compreendida entre 10 e 18 bilhões de anos. No decorrer de todo

este período passado, como já dissemos, é o princípio da conservação

da impulsão-energia que regulou. o equilíbrio energético das três

fases:

matéria cósmica, radiação negra e matéria particular. Porque a pri-

meira partícula nasceu da radiação negra existente na origem, o Uni-

verso se pôs em expansão; porque ele está em expansão, sua tempe-

1 Lembraremos que um modelo cosmológico igualmente---eme,pe a"

de evolu,ão,

por um tempo indeterminado, foi proposto pelo abade Lemaltré

desde 1929, a

partir das equações de Einstein. Mas ele se chocava com graves

dificuldades

quando era comparado com os dados experimentais.

157

ratura esfriou; porque ele esfriou "adiabaticamente", se fabrica sem cessar

matéria particular.

A Relatividade complexa, entretanto, nos sugere que esta expansão não é

eterna. A expansão seria reversível. Dentro de alguns bilhões de anos

deveríamos atingir um raio máximo de expansão; entraremos, em seguida,

em uma evolução do raio inverso ao da precedente: o raio do Universo

diminuirá em vez de crescer, e a expansão do Universo será substituída

por uma contração do Universo. No decorrer desta fase de compressão, a

temperatura do Universo irá aumentando, e a conservação da energia

exigirá então que a matéria particular vá progressivamente diminuindo de

massa. Fisicamente, esta "evacuação" da Matéria do nosso Universo

acontecerá sob a forma da criação de "buracos negros", estes novos

espaços-tempos situados "fora" do nosso próprio espaço-tempo da

139

Matéria, dos quais já falamos longamente. Notaremos que estes buracos

negros, onde a matéria atinge densidades enormes, não contêm mais

partículas eletricamente carregadas, mas somente um "magma" de

matéria, onde os próprios nêutrons não se apresentam mais como

partículas "diferenciadas". Pois, como vimos, são os elétrons (e mais

geralmente as partículas carregadas) que são os portadores do Espírito, a

evacuação da Matéria do Universo, por intermédio de um "escoamento"

nos buracos negros, não corresponde a uma "fuga" do Espírito para fora

do nosso Universo; é o contrário que se produz: quanto mais a fase de

contração do Universo se aproxima do momento de contração máxima

(simetria-do momento-origem da expansão em relação ao momento de

expansão máxima), mais o Universo se toma "espiritual", abandonando

sua matéria, para conservar apenas os pares elétron-pósitron, como

veremos no capítulo seguinte.

A relatividade complexa nos fornece também o modelo cosmológico para

o espaço-tempo do Espírito, isto é, para cada elétron (ver o esquema da

pág. 155).

Como dissemos, trata-se de um microuniverso "fechado", em pulsação

cíclica. Uma característica importante deste microuniverso é que ele

regride com o correr do tempo, o que confere ao elétron as qualidades

neguentrópicas, sobre as quais já falamos. 0 raio desse microuniverso

eletrônico é da ordem das dimensões particulares, e seu período de

pulsação é da ordem também dos tempos na escala particular. Enfim, não

devemos esquecer que, relacionado aos referenciais habituais do espaço-

tempo da Matéria, o elétron aparece como pontual: somente utilizando um

referencial com coordenadas complexas é que se pode descobrir, ao

descrevê-la, a estrutura desdobrada do elétron. Lembre

158

mos, por fim, que a temperatura do espaço eletrônico é da ordem de 100

bilhões de graus.

0 elétron pode "nascer" no decorrer de toda uma gama de interações da

escala nuclear. Desde que ele nasce, começa a "bater" como um coração,

com esta pulsação rápida de seu espaço que já descrevemos. Ao mesmo

tempo, no interior deste minúsculo espaço, a radiação começa a se

ordenar; isto quer dizer que a neguentropia deste sistema não pode nunca

decrescer. Ã medida que aumenta sua neguentropia, aumenta também o

que devemos chamar de as propriedades "psíquicas" do elétron. Pouco a

pouco, de simples objeto obediente às interações puramente físicas que ele

140

é no princípio, o elétron vai se tornar um "objeto obediente às interações

físicas que manifestam interaçóes psíquicas". Reconhecemos quatro

interações psíquicas, que chainamos de Reflexão, Ação, Conhecimento e

Amor.

Vamos voltar, no capítulo seguinte, a esta evolução psíquica do elétron e,

mais amplamente, à evolução psíquica do Universo inteiro.

159

CAPITULO XIV

Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito

0 Universo "à espera". - 0 Espírito nasceu. - Os "pares" dos elétrons

positivos e negativos. - 0 povo dos éons tem necessidade de "máquinas". -

A evolução como conseqüência do jogo de quatro interações físicas

"deterministas" e de quatro interações psíquicas "livres".

Procuremos, agora, seguir o desenvolvimento do Espírito, desde o

"começo" do mundo; completemos a Cosmologia da Matéria por uma

Cosmologia do Espírito, pois isto é necessário para termos o que

chamamos uma Cosmologia neognóstica.

Entendamos bem que, tudo o que dissemos sobre a evolução da Matéria

na escala do Universo inteiro permanece válido, e o Espírito deve

desenvolver sua evolução em harmonia com a da Matéria. 0 Espírito

sozinho não é capaz de invalidar as leis físicas da Matéria, tais como são

formuladas pela Física; ele pode, apenas, utilizar estas leis para criar

processos particulares, exatamente como o fazemos na escala humana,

utilizando o nosso próprio espírito.

Assim, a densidade média do Universo ou seu raio ou sua temperatura não

podem ser modificados pelo Espírito. Na medida em que o modelo

cosmológico usado para descrever a evolução destas grandezas é válido e

141

repousa unicamente sobre leis físicas bem estabelecidas (como a

conservação da energia), será necessário que o Espírito se desenvolva

respeitando a evolução inexorável destas grandezas associadas à Matéria.

Se nós situamos o instante zero da vida do Universo no momento do

princípio da expansão (como o fazemos geralmente), então a Relatividade

complexa nos ensina, como vimos, que antes do começo o Universo

estava estático, sem expansão. 0 espaço era esférico, fechado, e possuía

um raio de uma dezena de vezes o de nossa Via-Láctea. A Matéria

particular estava inteiramente ausente e o espaço estava

161

ocupado por uma radiação eletromagnética "negra", com uma temperatura

da ordem de 60.000 graus.

0 universo estava "à espera". Como não havia ainda nenhum elétron, não

havia também nem Matéria particular, nem Espírito. A Luz reinava

sozinha, como nos primeiros dias do mundo, na versão bíblica.

Então, como o Universo vai sair desta "espera"? Três possibilidades

parecem poder ser encaradas.

0 que requer menos energia no domínio da criação de partículas é

certamente a criação de um par de partículas elétron + pósitron. A criação

de um par de partículas mais pesadas, como os nêutrons, por exemplo,

requereria perto de 2.000 vezes mais energia. As atuais observações

experimentais em Física nuclear mostram, entretanto, que não mais do que

um par de elétrons do que um par de nêutrons podem 16nascer" a partir de

um gás de fótons a uma temperatura tão fraca quanto 60.000 graus, que é

a que existia no espaço antes do começo do Mundo. De uma outra

maneira, podemos dizer que a probabilidade para que apareça numa tal

radiação a temperatura relativamente baixa um par de elétrons é nula ...

salvo se dispusermos de um tempo infinito para esperar que se produza

enfim uma tal criação. Mas não foi, precisamente, um tempo infinito que

precedeu o "começo" do mundo? Ninguém pode afirmar o contrário, e

esta possibilidade de um Universo "começando" depois que um primeiro

par de elétrons nasceu, a partir da radiação a 60.000 graus, não pode ser

excluída.

Podemos, também, tentar sustentar que esta primeira criação de um par de

elétrons, que na verdade traz o Espírito para o mundo (pois os elétrons são

142

os portadores do Espírito), é uma obra de origem "divina", isto é, um ato

proveniente do exterior de nosso Universo, um ato que devemos aceitar

como operado ex nihilo quando o consideramos do nosso Universo. Mas

uma atitude rigorosamente científica parece proscrever uma explicação

dos fenômenos que fazem apelo a outra coisa do que àquilo que faz parte

do nosso Universo: esta atitude é justificada pelo fato de que, por

definição, convencionamos designar pela palavra "Universo" o todo. Se

temos de levar em conta um ato "exterior", o Universo não é o todo, o que

é contrário à definição escolhida.

Podemos dizer, enfim, que nosso Universo nasceu a partir de um outro

Universo, este também acessível à descrição da Física (o que não é o caso

de um ato "divino"). 0 instante que chamamos o instante zero seria, então,

aquele em que nosso Universo "se desprende" de alguma forma do

Universo maior que lhe deu nascimento, e assume assim sua

individualidade própria. 0 fenômeno seria comparável ao da duplicação

celular: a partir de uma célula-mãe vão se formar duas células-filhas, e

cada uma vai "nascer" a partir do momento em que

162

as duas células-filhas se desprendem uma da outra e se tornam, cada uma,

um microuniverso independente. Se aceitamos tal eventualidade para

nosso Universo, seria necessário dizer que o instante zero corresponde, de

fato, a uma mudança de estado: inseparável de um "maior do que ele"

antes do seu nascimento, "fabricado" por este maior, nosso Universo, em

um certo momento, se "desprendeu" deste maior e obteve uma autonomia

completa. Desde este instante (o instante do começo), ele principiou sua

expansão. E esta, vimos, deve ser acompanhada imediatamente da criação

de matéria particular, e provavelmente de um par de elétrons, pois esta

criação é a que reclama menos energia.

Esta última idéia do possível nascimento de nosso mundo a partir de um

outro mundo, do qual ignoramos tudo, poderia se ver confirmada pelo

estudo dos buracos negros, dos quais já falamos longamente.

Um buraco negro, relembremos, é produzido por uma estrela que se

aproxima de sua morte: a estrela se contrai sempre mais e mais sob o

efeito das forças gravitacionais, até o ponto em que a densidade de sua

matéria se torna da ordem da da matéria num nêutron. Depois,

bruscamente, esta contração se torna tão forte, a curvatura gravitacional

em torno da estrela se torna tão grande, que a estrela "arrebenta" de

143

alguma forma o espaço-tempo da Matéria, para 16nascer" em um novo

espaço-tempo, com características muito diferentes das do nosso espaço-

tempo da Matéria, e que nós chamamos espaço-tempo do Espírito. Quem

nos diz (pois não vemos nada do que se passa dentro do buraco negro, o

que, aliás, justifica o seu nome) que nosso buraco negro que acaba de

deixar nosso Universo de Matéria não é, ele mesmo, posto em expansão

imediatamente, tornando-se um novo Universo, nascido a partir do nosso

e levando consigo os germes do Espírito? Com a expansão do buraco

negro, seus efeitos puramente gravitacionais sobre nosso espaço, na

vizinhança do ponto onde desapareceu, diminuirão mais e mais (devido ao

crescimento do raio do buraco negro). Finalmente, o buraco negro "se

desprenderia" do nosso próprio Universo e se tornaria um outro mundo,

sem nenhuma relação com o nosso. A Morte seria então, para a estrela

também, apenas uma passagem para um "outro" estado e, na verdade, um

novo nascimento.

Em todo caso, não resta nenhuma dúvida de que o estudo dos buracos

negros, nos próximos anos, demonstrando como morrem as estrelas, nos

trará informações sobre este fenômeno que é, talvez, complementar: o

nascimento do nosso próprio Universo.

Eis que acaba de nascer no nosso Universo, no instante do seu começo,

um par de elétrons. 0 Espírito acaba de se acender a partir da luz original,

Pois é o espaço do Espírito, como vimos, que encerram estes dois

primeiros elétrons do mundo.

163

Um Espírito ainda "vazio", entretanto, contendo somente radiação de alta

temperatura não diferenciada, conferindo aos elétrons suas propriedades

puramente físicas, propriedades que os físicos conhecem bem e chamam

propriedades eletromagnéticas.

Mas sabemos que o elétron possui outras propriedades além das

reconhecidas pela Física atual. 0 elétron encerra um espaço com

neguentropia crescente, no qual o Espírito vai pouco a pouco se

desenvolver, fazendo uso das propriedades "espirituais" que descrevemos:

a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação.

Em resumo, ao lado das quatro interações físicas próprias da Matéria

(interações fortes, fracas, eletromagnéticas e gravitacionais), o Espírito vai

dispor de quatro interações psíquicas (Reflexão, Conhecimento, Amor e

144

Ação). As primeiras interações estão em entropia não decrescente, as

segundas estão em neguentropia não decrescente. A aventura do mundo

vai se construir, assim, sobre uma mecânica que vai jogar com a desordem

e a ordem, uma sendo indispensável à existência da outra.

Nossos dois primeiros elétrons não são idênticos: um é positivo

(chamamo-lo pósitron), o outro é negativo (o elétron).

Não podemos deixar de notar a analogia entre este fenômeno da primeira

criação concernente ao Espírito e o que o Homem sempre adivinhou

intuitivamente e exprimiu sobre esta primeira criação. Chame-se Adão e

Eva, ou Yin e Yang, ou positivo e negativo, não são sempre outras

maneiras de "se lembrar", buscando através de nossa memória suas raízes

eternas no passado, que é um par de objetos portadores do Espírito,

complementares um do outro, que assim principiou toda a aventura

espiritual do nosso Universo? Dois objetos que, acabamos de descobri-lo,

não são senão as duas primeiras partículas, o primeiro "casal" espiritual, o

elétron negativo e o elétron positivo.

A partir do momento em que nasceram os dois primeiros elétrons, o

processo de expansão começa; e, então, é a matéria particular que deverá

nascer, de maneira interessante, a partir da diminuição da energia total da

radiação encerrada no universo, como já explicamos anteriormente.

São os nêutrons que aparecem no espaço. Mas estas partículas vão

desaparecer muito rapidamente: com efeito, a experiência mostra que, ao

fim de uns quinze minutos, um nêutron se transforma em um próton p+

(nêutron associado a um pósitron), um elétron e- e um antineutrino -V~

n ---> p+ + e- + ;v

Este processo corresponde, portanto, ao verdadeiro "nascimento"

164

de elétrons negativos, sempre em maior número. Podemos dizer ainda

que o espaço da Matéria é sempre mais completado pelo espaço do

Espírito. Nesse princípio do mundo, é ainda um Espírito praticamente

I~vazio", com certeza, um Espírito que ainda não teve tempo de

memo-

5 rizar e organizar os pensamentos. Mas é, entretanto, um Espírito "po-

145

tencialmente" pronto para se expandir. Um Espírito pronto a se

lançar

na aventura do Espírito.

Nós vemos, então, sempre mais elétrons negativos libertados no

Uni-

verso à medida que o tempo decorre: mas o que acontece aos elétrons

positivos, no plano de sua função na aventura espiritual do Universo,

os quais são capturados desde o seu nascimento pela Matéria bruta,

isto é os nêutrons, para formar prótons?

Visto que os pósitrons (elétrons positivos) também encerram um

espaço-tempo do Espírito, não há nenhuma razão para pensar que sua

função "espiritual" seja essencialmente diferente da dos elétrons.

Aliás,

quando um pósitron se associa a um nêutron para formar um pró-

ton 1, não se deve pensar que esta associação entre Matéria e Espírito

retirará do pósitron suas qualidades "espirituais". 0 que devemos

admitir logicamente corno mais verossímil é que o Espírito se apre-

senta de maneira estável nas duas formas complementares uma da

outra, o elétron e o pósitron (este último "habitando" geralmente o

próton), e que as funções destas duas partículas na evolução do Espí-

rito são, portanto, igualmente complementares no reino do vivo, o

princípio macho e o princípio fêmea.

Na verdade, como já vimos, a evolução do Espírito passará pela

criação de "máquinas", que permitem aumentar sempre mais o ritmo

da aquisição e a qualidade da informação memorizada. Neste princí-

pio, os elétrons precisam dispor de energia, para em seguida

manipular

esta energia. Entre estas "manipulações" estará, principalmente, a

síntese das substâncias químicas ou o confinamento do calor ou, mais

simplesmente, o deslocamento dos objetos uns em relação aos outros.

É preciso, portanto, que os elétrons e os pósitrons possam se

man-

ter no espaço perto das fontes de energia. Para isso eles vão se apro-

veitar das leis físicas: o pósitron pode se ligar a um nêutron, através

do que os físicos chamam de interações fracas, o nêutron aparecendo

como a fonte de energia mais abundante localizada no espaço da Ma-

téria. Em seguida, o próprio elétron se ligará ao próton, também for-

mado pelas interações eletromagnéticas, fornecendo o átomo de

hidro-

gênio (que representa, como sabemos, em torno de 55 por cento do

otal da Matéria do Universo 1). E eis então, com este primeiro átomo

146

Esta associação é regida pelas interações fracas.

2 0 resto é constituído por 44 por cento de hélio, e 1 por cento

somente de átomos

que pertencem a cerca de uma centena de outros elementos químicos

conhecidos.

165

de hidrogénio, o par de elétron dos dois sinais reunidos, com uma reserva

de energia (a matéria do nêutron) à sua disposição para partir para a

conquista espiritual do mundo.

Trata-se de uma reserva de energia enorme, pois é a partir das reações

chamadas de fusão termonuclear entre os átomos de hidrogénio (aí

incluído o hidrogénio "pesado", ou deutério, cujo núcleo comporta um

nêutron suplementar) que a Matéria espiritual vai "acender" as estrelas.

Com efeito, a evolução verá os átomos de hidrogénio leve e pesado se

juntarem em massas esféricas da ordem de grandeza da de uma estrela;

estas massas vão, em seguida, se contrair sob o efeito da atração

gravitacional e, no núcleo central, a temperatura logo se tornará suficiente

para que se efetuem as reações de fusão entre átomos de hidrogénio,

acompanhadas de um grande desprendimento de calor e de formação de

átomos de héliol. Nesta fornalha dos coraçoes estelares (várias dezenas de

milhões de graus), vamos "cozer" novos átomos, mais pesados do que o

hélio, e que formarão, mais tarde, a matéria dos planetas.

Assim vemos que se multiplica, desde as primeiras horas do mundo, o

"povo" dos elétrons pensantes. 0 Universo vai agora evoluir, apresentando

dois tipos de interações: as interações próprias da matéria bruta, que são,

na ordem decrescente de suas intensidades, as interações fortes,

eletromagnéticas, fracas e gravitacionais; e as interações próprias do

psiquismo, que descrevemos e chamamos de a Reflexão, o Conhecimento,

o Amor e a Ação. Uma Física que não deseja ser "reducionista" deve,

necessariamente, levar em consideração estes dois tipos de interações,

pois é bem evidente que eles interferem, ambos, na descrição dos

fenômenos. É esta Física mais completa que nós chamamos de a Física

neognóstica.

0 jogo complementar das oito interações que acabamos de citar se

desvenda mais ou menos na observação dos fenômenos: de um lado

dependendo da interação cuja intensidade é preponderante, e de outro,

147

dependendo do movimento que é a conseqüência desta interação. Esta

última particularidade é muito importante: pois, na verdade, nossas atuais

experiências em Física apenas revelam o movimento, elas não revelam,

diretamente, exista ela ou não, uma atividade de ordem psíquica que

poderia acontecer nas partículas observadas. Do mesmo modo, vocês não

podem observar diretamente os pensamentos que

3 As reações se escrevem:

'~H +'1D -->'2He + radiação

2He + 1,H --- > 42He + e+ + radiação

166

estão na cabeça de um homem mudo, se ele não traduz estes pensamentos

por uma ação, isto é, um movimento.

Para observar um movimento das partículas que poderíamos atribuir como

conseqüência de uma atividade psíquica, é necessário que, por um lado, a

partícula psíquica execute o que nós chamamos uma Ação (isto é, um

movimento "voluntário"); e, por outro lado, que esta Ação não possa ser

justificada como uma conseqüência das interações puramente físicas

sozínhas.

Observando a Natureza agir no nível elementar, encontramos todas as

gradações entre a ação de origem puramente física e a Ação, isto é, o

movimento que igualmente se vale das interações psíquicas.

A evolução do Universo no seu conjunto, considerada sob o ângulo da

Matéria sozinha, e apreendida, como vimos, através de modelos do

Universo retirados das equações da Relatividade geral ou complexa,

aparece como uma ação puramente física; já enfatizamos este fato de que

grandezas como o raio do Universo, ou sua temperatura, ou sua densidade

cosmológica, ou a densidade média das partículas de Matéria, estão odas

sujeitas unicamente ao grande princípio de conservação da impulsão-

energia 1, são grandezas que caracterizam uma ação puramente física da

Matéria.

Do mesmo modo, a interação física mais intensa (interação nuclear forte)

é tão possante, que é pouco provável que o psiquismo possa transparecer

de maneira concomitante.

148

A interação eletromagnética pode deixar perceber o psiquismo se ela não

contém interações puramente eletrostáticas. Estas são, com efeito,

extremamente fortes, e os elétrons são tão bem "pilotados" por ela, que é

extremamente difícil manter no espaço um campo elétrico qualquer. Os

astrofísicos sabem que a neutralidade eletrostática é, na escala cósmica,

um processo que praticamente domina todos os outros. Em compensação,

em um espaço eletrostaticamente neutro, podemos ver aparecer

movimentos (Ações) diretamente atribuíveis ao psiquismo. Para se

convencer, é suficiente pegar um microscópio e olhar a ,'efervescência

ordenada" dos materiais no interior da célula viva. Explicamos como, na

escala do elementar (uma estrutura do ADN, por exemplo), era por uma

ação "a distância" com os fátons de um espaço cuja topologia é capaz de

confinar uma radiação eletromagnética "negra" (isto é, o calor) que se

poderia explicar o movimento voluntário" das estruturas elementares vivas

(o ARN "mensageiro", por exemplo).

0 psiquismo deve, certamente, poder entrar em competição com as

interações chamadas "fracas" da Física; tal competição deverá se tra

, Com esta particularidade suplementar, já o enfatizamos, de que a

impulsãoenergia algébrica total do Universo deve permanecer

constantemente nula.

167

duzir, no observável, por certos "desvios" das leis puramente físicas, como

principalmente as leis de conservação. Observamos, efetivamente, que, no

decorrer das interações fracas, o princípio de conservação da paridade,

que estipula que a matéria bruta deveria ser incapaz de distinguir sua

direita de sua esquerda 1, é violado. Esta observação é tão importante e

espantou tanto os físicos, que valeu o prêmio Nobel de Física aos dois

americanos Lee e Yang (de origem chinesa) que descobriram este efeito

(1957) 1. É bem possível que se a paridade não é conservada nas

interações fracas é precisamente porque vemos aí, diretamente, uma

intervenção do psiquismo dos elétrons. Quando um princípio de

conservação parece violado em Física, é quase sempre porque esquecemos

de fazer intervir alguma coisa no "balanço" do fenômeno; esta "alguma

coisa" é, geralmente, um fator que ainda não foi descoberto. Isto já foi

verdadeiro com a radioatividade chamada "beta", onde víamos se

desintegrarem núcleos de átomos com aparente violação do sacrossanto

princípio da conservação da energia. Isto conduziu à descoberta do

149

neutrino de que não se fazia conta no balanço de energia dos produtos da

radioatividade ... simplesmente porque ignorávamos sua existência. Em

Física "reducionista", queremos obstinadamente ignorar que poderia haver

ações psíquicas ao nível das partículas elementares; também não fazemos

entrar a possibilidade de tais ações nas interações fracas ... e constatamos,

então, que a lei de conservação da paridade é violada. Observar, como o

fazemos, que esta não-conservação da paridade acarreta que simples

elétronsI sejam capazes de "escolher entre sua direita e sua esquerda"

deveria ajudar também nossos reducionistas a tomar consciência do fato

de que há, talvez aí, um assunto onde o psiquismo intervém de alguma

forma: pois, onde há "escolha", não há também psiquismo, por definição?

Há, também, as interações gravitacionais. Estas são extremamente fracas

quando consideramos a interação de duas partículas entre si; mas se

tornam consideráveis desde que estejamos diante de bilhões de partículas

interagindo gravitacionalmente, como é o caso se considerarmos os efeitos

gravitacionais sobre uma partícula de uma estrela ou de um planeta.

Penso que, em um meio de gravitação nula, como um laboratório espacial

em torno da Terra, por exemplo, certas experiências pondo em evidência

ações psíquicas dos elétrons deveriam ser possíveis. Suprimam, na

verdade, as quatro interações físicas (o que não acon

5 Descrevi este fenômeno na obra La Matière et Ia Vie, op. cil.

6 É necessário relembrar que Einstein teve que esperar dezessete anos

pela "consagração" do Nobel.

7 Trata-se de elétrons emitidos por núcleos de cobalto, nas experiências da

física Wu, que confirmou em 1957 as teses de Lee e Yang.

168

tece nunca em um laboratório terrestre, sempre sujeito à gravidade), e toda

aceleração eventualmente observada será então, necessariamente, neste

caso, de origem psíquica. Em todo caso, parece que todo ser vivo,

libertado da coação gravitacional, deveria ter seus elétrons mais "livres"

para fazer o que julgam que deve fazer, no plano psíquico. Se admitimos,

por exemplo, como o fazem alguns médicos e biologistas', e como eu

mesmo estaria inclinado a pensar, que nossos elétrons "sabem" melhor do

que qualquer um como restabelecer o equilíbrio (isto é, a saúde) de um

organismo doente, não se exclui que uma cura de Ierdeza" favoreça este

150

trabalho eletrônico subjacente. E quando acontecerão estas curas de

lerdeza? Seria necessário, talvez, falar um dia com os nossos responsáveis

pela medicina espacial!

Voltaremos a isso no nosso último capítulo sobre a Cosmologia do

Espírito no Universo, para falar do futuro da aventura espiritual. Mas,

antes disso, iremos estudar, mais detalhadamente, que mecanismos fazem

evoluir o Espírito no interior do espaço próprio a cada elétron. Pois é aí,

finalmente, que se situa a Cosmologia do Espírito.

P. SOLIÉ, Médicine Initiatique, op. cit. Também J. ANDREVA DUVAL,

Introduction aux Techniques Osteopathiques, Maloine, 1976.

169

CAPITULO XV

0 Matricialismo

0 Espírito (se ele existe) não conhece o objetivo final do Espírito. -

Linguagem estruturalista e linguagem matricialista. - 0 sinal e o

significado. - As matrizes da linguagem natural. - A Reflexão cria as

linguagens com significação abstrata e os sinais artificiais. - 0 animal

também conhece as linguagens abstratas. - 0 lugar do Homem no contexto

do matricialismo. - Aventura espiritual cósmica e Reencarnação. -

Conhecimento e Amor como meios do Espírito (se ele existe) para

descobrir o objetivo de sua aventura.

0 Espírito em cada elétron aumenta sua "ordem", dizíamos, à medida que

o tempo passa. Aliás, ele não tem escolha: é feito de um espaço onde a

151

ordem não pode decrescer, um espaço em neguentropia não decrescente.

Portanto, vai utilizar suas quatro interações consigo mes~ mo (Reflexão),

com o mundo da Matéria (Conhecimento e Ação) e com os outros (Amor)

para aumentar sua neguentropia. 0 elétron não considera este aumento

contínuo de sua neguentropia como um objetivo em si, isto é, como o

objetívo da evolução, mas como o meio para tentar descobrir o objetivo da

evolução.

Este objetivo é, com efeito, desconhecido para os elétrons pensantes, que

nos constituem como desconhecido para nós mesmos, Se, entretanto, os

elétrons já tivessem descoberto o objetivo final da evolução, não o

saberíamos, pois quando pensamos são eles que pensam, e quando eles

pensam somos nós que pensamos. Na verdade, cada elétron é como nós: à

medida que ele aumenta suas informações memorizadas, crê entrever um

novo objetivo e o leva em conta para modelar suas ações. Por isto é que

podemos falar de uma "aventura" espiritual do Universo, pois o Espírito se

dirige para o que o Espírito tiver escolhido ser, no decorrer de uma

tomada de consciência cada vez mais elevada. É possível que exista, já o

dissemos, um Princípio de eternidade, que conheceria o objetivo para o

qual deveria se dirigir o Universo se, dispondo de um tempo infinito,

contivesse elétrons pensantes cuja neguentropia tivesse se tornado infinita.

Este Principio

171

de eternidade, nós o chamamos geralmente Deus. Mas, neste caso, a

aventura espiritual do Universo é uma busca de Deus, tanto para os

elétrons que povoam atualmente o Universo como para nós.

0 objetivo de cada elétron, portanto, é, primeiro, aumentar sua própria

neguentropia, na esperança de chegar um dia a descobrir o objetivo de

toda a evolução espiritual.

Como o elétron vai "estruturar" sua memória, isto é, seu espaço psíquico,

para aumentar a neguentropia do seu espaço?

0 elétron vai elaborar uma linguagem, segundo um procedimento que

qualificaremos de matricialista, para distingui-lo do estruturalismo, que

parece prevalecer em algumas teorias atuais da linguagem.

Relembremos, primeiro, de uma maneira bastante esquemática os

elementos essenciais da elaboração de uma linguagem.

152

A partir de um sinal reconhecido no mundo exterior, o pensamento é

capaz de associar um significado, que é na realidade diferente do sinal.

Por exemplo, vemos fumaça (sinal) e a ela associamos à idéia de fogo

(significado); vemos nuvens (sinal) e a elas associamos "vai chover "

(significado); vemos impressões de passos humanos no solo (sinal) e a

elas associamos "um homem passou por aí" (significado). A associação

sinal-significado é geralmente seguida de uma ação. Este encadeamento

sinal-significado-ação é reconhecível em todos os seres vivos.

A congeminação pelo pensamento do sinal e do significado constitui uma

linguagem. Os sinais podem ser naturais, isto é, elementos da realidade

exterior, como a fumaça, as nuvens ou as impressões dos passos nos

exemplos acima. Em resumo, é a realidade exterior que nos fala através

dessa linguagem de sinais, desde que sejamos capazes de associar um

sentido, uma significação, a estes diferentes sinais naturais.

Os sinais podem ser, também, artificiais: escrita, sinais luminosos, música,

pintura etc. Neste caso, o significado não é imediato, não se deduz

diretamente de nossa experiência sensível, é necessário acrescentar-lhe

uma convenção, resultante geralmente de um uso social; a convenção

adotada tem por objetivo principal permitir a comunicação côrnoda entre

os membros da sociedade.

Estes diferentes aspectos da linguagem, que se apóiam no funcionamento

do pensamento, nos permitem encontrar para eles uma correspondência no

plano do funcionamento do pensamento no nível ele

1 Não é possível, naturalmente, entrarmos aqui nos detalhes dos estudos

das numerosas e ricas teorias atuais sobre a linguagem e a semântica.

172

mentar dos elétrons pensantes, pois enfatizamos a identidade entre o

pensamento deles e o nosso próprio pensamento.

0 estado do espaço do microuniverso eletrônico pode ser descrito, como já

o dissemos, pelo estado dos spins dos fótons da radiação "negra" que

ocupa este espaço. Vamos representar simbolicamente este estado do

espaço eletrônico, no nível "virgem", onde ele ainda não memorizou nada,

por uma tabela de números:

153

Esta tabela é uma matriz. Cada casa representa um ponto do espaço

eletrônico, em um dado instante. Como existe uma infinidade de pontos

no espaço encerrado no elétron, por menor que seja este espaço, a matriz

correta deveria, portanto, teoricamente comportar uma infinidade de

linhas e uma infinidade de colunas, e ter três dimensões. Aqui, para

simplificar, contentamo-nos em fazer figurar três linhas e três colunas. Em

cada um dos casos, indicamos o estado de spin do fóton da radiação negra

suscetível de estar presente, neste instante, neste ponto do espaço

eletrônico; simbolicamente, marcaremos com um zero as casas onde não

há fótons 1. Na matriz acima, percebemos três fótons em seu estado

fundamental de spin 1, o que poderia ser a descrição do espaço de um

elétron antes de qualquer memorização de informação.

Vejamos agora como vai ser representado um processo de Conhecimento.

Um sinal do mundo exterior ao elétron (espaço da Matéria) se traduz por

um fóton, que é memorizado pelo elétron no momento em que este fóton

tem uma ação "a distância" com o elétron (o elétron o "vê"), fazendo

passar um dos fótons da matriz para o estado de spin 2:

Este novo estado será chamado de estado memorizado. 0 elétron registrou

o sinal, memorizando um novo estado de sua matriz, em alguma parte,

com um 2 em vez do 1 que existia antes do processo de Conhecimento. Na

verdade, o 2 deve ser interpretado aqui como englobando não somente o

spin 2, mas também o antigo estado de spin 1. Nós insistimos, com efeito,

neste aspecto importante que a anã

2 Na verdade, como o notamos, o spin do fóton só pode ser definido pelo

sinal: o sinal 1 deve ser lido aqui como + 1 ou - 1. 0 spin total (soma

algébrica dos spins) deverá ser sempre 1,

173

lise matemática do estado de "spin máximo 2" de um fóton descreve

perfeitamente: o estado de spin 2 contém o estado de spin 1; não é o 2

154

ocupando o lugar do 1, mas o spin 2 se somando ao spin 1 1. Do mesmo

modo, o spin 3 conteria os estados de spin 1, 2 e 3, e assim por diante. Em

outros termos, o elétron tem aqui, na memória, a antiga matriz virgem

compreendendo somente 1 (uns) e 0 (zeros) mais a nova matriz resultante

do processo de Conhecimento, matriz onde um 2 se substitui a um 1 na

matriz virgem, em uma determinada casa:

Suponhamos um novo ato de Conhecimento, semelhante ao precedente:

um sinal do mundo exterior, se traduzindo por um fóton, induz, na

memória do elétron, uma nova ascensão do spin em uma casa, de 1 para 2:

Esta matriz é o estado memorizado do novo sinal. Desta vez, a memória

do espaço eletrônico está "carregada" de quatro matrizes, com as seguintes

significações, em cada instante:

1 A expressão "spin máximo 2" para designar esta "acumulação" dos

estados de spin (o spin 2 contendo o spin 1) foi escolhida por Louis de

Broglie (Theórie Générale des Particules à Spin, Gauthier-Villars, 1954),

174

Não reconheço nenhum sinal Reconheço o primeiro sinal

no meio exterior no meio exterio

Reconheço o segundo sinal Reconheço os dois sinais

no meio exterio no meio exterior

155

E assim por diante. Se os dois sinais precedentes aparecem

simultaneamente no espaço exterior, o estado memorizado será traduzido

pela quarta matriz, diferente das duas matrizes correspondentes a um só

dos dois sinais ou à primeira matriz (ausência de sinal no espaço exterior).

É claro que um sinal do mundo exterior se traduz, geralmente, não apenas

por um só, mas por todo um conjunto de fótons. Há, portanto, uma

correspondência entre a "geografia espacial" dos fótons do mundo exterior

captados pelo elétron e a "distribuição espacial" dos estados memorizados

de spin no espaço do elétron. Assim o lugar relativo dos 2 nas matrizes

precedentes não é indiferente ao significado. Por exemplo, as duas

matrizes:

175

traduzem sinais e significados diferentes, a despeito do fato de que elas

possuem tantos fótons quanto um estado de spin 2. As informações

conhecidas se distinguem, portanto, ao mesmo tempo pelos estados de

spin, como também pela distribuição espacial relativa a estes estados de

spin no interior do espaço eletrÔnico.

Depois deste processo de Conhecimento, o elétron vai ser capaz de uma

operação de Re-Conhecimento. Com efeito, à medida que o elétron

memoriza as diferentes matrizes, elas se gravam no seu espaço. Mas, em

cada urna 1 de suas pulsações repassam todos os estados memorizados, no

decorrer deste mecanismo de "retorno do tempo", do qual o elétron é o

objeto, como já falamos longamente. Assim, em cada pulsação, o elétron

verá "desfilar" as quatro matrizes precedentes, após a memorização dos

dois sinais. Se os mesmos sinais se reapresentam novamente no espaço

exterior, em um instante posterior da vida do elétron, vai haver

coincidência da nova matriz memorizada com uma matriz antiga já

memorizada. 0 elétron vai "reconhecer" esta repetição; gradualmente,

depois de um número suficiente de repetições, o elétron vai dar um

significado à memorização de matrizes "vizinhas" daquelas já

memorizadas, estabelecendo uma correspondência com o conjunto de

sinais exteriores que aparecem em instantes diferentes, mas que

apresentam de cada vez uma certa "semelhança". Este conjunto de

156

matrizes memorizadas será chamado de conjunto significado de um

conjunto de sinais.

Ações poderão ser consecutivas aos estados significados, assim

reconhecidos a partir do mundo exterior ao elétron.

Em resumo, podemos dizer que o Conhecimento, pouco a pouco, permite

ao elétron interpretar, através de significações, o conjunto dos sinais que

percebe "a distância" provenientes do Universo da Matéria. Na verdade é

uma "interpretação", pois as tabelas das matrizes não são evidentemente o

próprio mundo exterior 1, formam apenas uma representação simbólica, à

qual o elétron atribui uma significação.

Mas eis que, através do processo do Amor, o elétron vai poder

compreender diretamente as significações em um outro, entenda-se, em

um outro elétron.

Desta vez o processo "enriqueceu" em matrizes memorizadas um e outro

dos dois elétrons. Ele se estabeleceu como uma espécie de

4 Lembremos que há aproximadamente 1023 pulsações por segundo.

5 É o que observava o pai da semântica geral, Alfred Korzybsky,

enfatizando que "o mapa não é o território" (Seience and Sanity).

176

.'complementação" de um pelo outro'. Depois da operação de troca, cada

um dos elétrons será capaz de dar uma significação a sinais que,

entretanto, ele mesmo ainda não reconheceu no mundo exterior da

Matéria. É um processo que chamamos de "instinto inato" no animal; os

157

pais transmitem ao filho seu conhecimento e sua habilidade. Pois o Amor,

se o considerarmos desde o nível elementar, começa no instante da

fecundação; a criança aprende enquanto cresce no ventre materno, ou

enquanto a mãe choca seus ovos; e o Amor da mãe por seu filho começa,

portanto, bem antes daquilo que costumamos chamar o nascimento 1.

Vejamos, agora, como vai acontecer o processo que chamamos de

Reflexão. Distinguimos dois aspectos desta Reflexão.

No primeiro aspecto, que descrevemos no capítulo X1, a Reflexão é o

processo "espelho" do Conhecimento. 0 sinal exterior provoca, então, uma

significação:

Conhecimento: sinal exterior significação.

A Reflexão permite ao elétron de ele próprio manifestar, através de uma

Ação, o mesmo sinal exterior, a partir da significação memorizada:

6 Notamos que, para que a troca seja possível, é necessário que os dois

elétrons já possuam, antes da troca, uma distribuição espacial

"complementar" dos fótons que se vão trocar. É necessário ser

"esteticamente" complementar para "se aceitar% em uma justa de Amor

(com A maiúsculo), que enriquece espiritualmente um e outro.

7 Aliás, como já disse anteriormente, estou persuadido de que este

Conhecimento

adquirido através do Amor prossegue, ainda, depois do nascimento da

criança.

Isto, tanto nos animais como entre os humanos.

177

Reflexão: significação o manifestação de um sinal exterior

(Ação).

Experimentei por acaso e pela primeira vez uma maçã colhida da árvore

(sinal do mundo exterior); memorizei este conhecimento através de uma

significação (gosto do sabor da maçã). Mais tarde, o sinal exterior que

representa a maçã pendurada no galho da árvore desencadeia em mim uma

reflexão da experiência vivida anteriormente: a significação memorizada

do sabor da maçã me faz a mim mesmo manifestar um sinal exterior (uma

Ação); estendo o braço, por exemplo, para apanhar a maçã da árvore e

comê-la.

158

A reflexão pode, também, apresentar um segundo aspecto, desta vez mais

"sofisticado".

0 elétron dispondo de alguns estados memorizados vai ser capaz, com a

conservação da neguentropia total do seu espaço, de deslocar os estados

de spin uns em relação aos outros no seu espaço, obtendo arrumações

espaciais relativas diferentes dos elementos de suas matrizes de

memorização. Por exemplo, partindo de uma matriz:

a Reflexão vai permitir ao elétron construir as seguintes matrizes:

o que proporciona ao elétron matrizes suplementares, elaboradas pelo

próprio elétron no decorrer do tempo, as novas matrizes se caracterizam

pelo mesmo spin total, mas com uma modificação da distribuição espacial

relativa dos spins, em relação às matrizes iniciais.

Isto vai permitir ao elétron descobrir significações que não correspondem

a nenhum sinal natural observado. Mas este processo, que representa um

funcionamento possível do pensamento, não é ainda uma linguagem. Para

que seja uma linguagem, é necessário

178

fmr corresponder um sinal, então artificial, à significação descoberta.

Aqui, portanto, a significação precede o sinal, a significação é chamada de

abstrata e o sinal, de artificial. 0 sinal poderá, por exemplo, ser

representado por uma Ação particular do elétron, por um movimento. A

observação desta Ação pelo outro (um outro elétron), entretanto, não

corresponderá imediatamente à significação que o sinal é suposto traduzir.

159

Na verdade, existe aí uma parte de convenção; o elétron que inventou uma

significação em seguida a uma Reflexão traduziu esta significação por

meio de um sinal artificial, que escolheu mais ou menos arbitrariamente.

Um outro elétron deverá, portanto, se iniciar nesta linguagem abstrata, por

um processo simultáneo de Conhecimento (leitura do sinal artificial) e de

Amor (leitura do significado abstrato no elétron "inventor").

Podemos ilustrar este processo de Reflexão da seguinte maneira: percebo

um bisão no mundo exterior (sinal); eu o memorizo e lhe atribuo uma

significação (Conhecimento). Mais tarde começa a correr o processo de

Reflexão, invento uma "variação abstrata", a partir do estado memorizado

que corresponde à significação "bisão visto no mundo Vterior"; esta

variação me conduz a desenhar no muro de minha caverna (Ação) a

imagem de um bisão (sinal artificial). Entretanto, este desenho não é

imediatamente interpretado pelos outros (uma criança pequena não o

compreenderá imediatamente, por exemplo). Com efeito, no desenho há

uma parte de "convenção", que o outro e eu devemos aceitar de comum

acordo, a fim de que o outro atribua, também, uma significação (então

abstrata) a este sinal artificial que traduz o desenho do bisão. Mas, desde

que esta convenção for estabelecida entre mim e outro, então meu sinal

artificial ter-se-á tornado o elemento de uma linguagem entre mim e o

outro.

Esta linguagem abstrata parece mais difícil de manejar que a linguagem

natural que nos coloca em relação com a Natureza; entretanto,

constatamos sua existência tanto no Homem quanto entre os animais, ou

os vegetais. E, muitas vezes, quando cremos que uma espécie animal só

dispõe de uma linguagem muito rudimentar, é em grande parte porque,

nós os Homens, somos incapazes de compreendê-la.

A linguagem animal não se apóia, tanto quanto a nossa, na palavra; mas é,

certamente, mais rica no plano dos gritos, dos cantos, das atitudes, das

mímicas, das cores, dos odores ... E, em cada vez, se estabèleceu uma

"convenção social" entre os animais de uma mesma espécie para associar

o significado ao sinal, isto é, para elaborar uma verdadeira linguagem

abstrata.

Seria necessário relembrar aqui as célebres experiências de Karl

179

160

von Frisch com as abelhas 1. Através de movimentos muito precisos,

semelhantes aos de uma dança, uma abelha é capaz de transmitir à

colméia uma mensagem como a seguinte "Vocês encontrarão em uma flor

de ciclâmen, numa direção que faz ângulo sul de 30 graus com a direção

presente do sol, a 600 metros de distância, comida em grande quantidade".

Sublinhamos as palavras-chave, que a abelha elabora e transmite através

de uma linguagem dançada. Quantas vezes vocês obtêm indicações tão

precisas, quando perguntam sobre o caminho a seguir, por exemplo?

Todas as sociedades animais, se bem que em graus diversos, possuem

assim sua linguagem abstrata de comunicação. Geralmente ignoramos, por

exemplo, que dez significações diferentes até o momento foram

reconhecidas nos "gritos" da galinha. E, se a maior parte dos

pesquisadores não distinguem, hoje, mais do que quinze ou vinte

vocalizações diferentes nos macacos uivadores, isto não prova que estas

vocalizações não sejam em realidade muito mais numerosas, tendo cada

uma uma significação (com o risco de estas vocalizações terem passado,

até aqui, desapercebidas dos pesquisadores!).

Isto não quer dizer também que não existam, nos processos psíquicos que

agrupamos sob o nome de Reflexão, diferenças quantitativas entre o

Homem e o animal; reconhecemos de bom grado que a Reflexão humana,

considerando o que podemos hoje conhecer, parece mais rica e com mais

variações do que a Reflexão animal e, evidentemente, que a Reflexão

vegetal ou mineral. Mas isto significa que níveis diferentes de

neguentropia acompanham o processo de Reflexão. A Reflexão no espaço

dos elétrons de uma abelha é, sem dúvida, executada em neguentropia

mais fraca do que no espaço dos elétrons de um Homem; mas,

qualitativamente, são os mesmos tipos de mecanismos que estão à

disposição para estabelecer uma linguagem.

Não tentamos aqui recusar ao Homem uma provável preponderância sobre

o reino animal, sob o ponto de vista do estado neguentrópico de seus

elétrons; mas não encontramos barreira ou limite que interdite de passar

continuamente do mineral para o vegetal, do vegetal para o animal e do

animal para o Homem. A transição se opera através de um enriquecimento

progressivo, no decorrer do tempo, do nível neguentrópico dos elétrons

que pertencem aos diferentes reinos que acabamos de citar. Posso ilustrar

este ponto de vista dizendo que não existe, na minha opinião, maior

diferença entre um macaco e um bebé humano do que entre este bebé

161

humano e um homem adulto. A diferença está no nível neguentrópico dos

elétrons, e nós nos encontramos

' Karl von Frisch obteve o prêmio Nobel de biologia e de medicina em

1973, como recompensa destes trabalhos.

180

psiquicamente tão próximos do macaco quanto da criança pequena. Além

disso, é preciso também sublinhar o fato de que se o Homem parece

superior ao animal na leitura dos sinais artificiais, o animal, em

compensação, parece bem superior ao Homem na leitura dos sinais

naturais,- os animais, como se sabe, são capazes de reconhecer bem

melhor do que nós os prenúncios de uma tempestade ou de um terremoto,

ou capazes de se orientar no espaço, ou capazes de descobrir quais os

produtos naturais que podem curá-los. Esta compreensão da linguagem

natural não vale, sob certos aspectos, a compreensão da linguagem

abstrata? E quem poderia nos garantir que os progressos do Homem na

elaboração das linguagens abstratas, que parece ser acompanhada de uma

"cegueira" parcial em face das linguagens naturais, não é prejudicial ao

futuro humano, que o povo dos elétrons deixará, talvez um dia, de

considerá-la como uma "máquina viável" para atingir seu objetivo? Pois,

quem pode, nas nossas civilizações ditas avançadas, compreender a

linguagem da rocha ou da árvore? Como se o Homem pudesse se permitir

evoluir sozinho, sem se preocupar com as forças subjacentes que atuam

um pouco por toda a parte, no imenso Universo que lhe deu a vida!

Creio que também é estupidez querer forçosamente "hierarquizar no

absoluto" o Homem, o animal, o vegetal e o mineral, do mesmo modo que

tentar hierarquizar no absoluto a calculadora, a televisão e a roda. Todas

estas "invenções" são, em última análise, a obra do Espírito, isto é, as

criações deste grande povo dos elétrons pensantes. Estas "máquinas"

foram inventadas para aumentar a neguentropia de cada espaço eletrônico

e com meios concorrentes para fazer esta operação. A calculadora pode

parecer superior à roda: mas peçam à calculadora para levá-los para casa;

talvez vocês mudem de idéia! E se o animal deve raciocinar tão "torto"

como nós, eu me pergunto o que pensariam do nosso nível psíquico as

aves migradoras, descobrindo que, como o Pequeno Polegar, precisamos

"deixar bolinhas de pão para reencontrar nosso caminho quando estamos

perdidos no grande bosque"!

162

Dito isto, entretanto, creio que os elétrons pensantes, que são o verdadeiro

suporte da aventura espiritual do Universo, efetuam espécies de

"andanças" de uma máquina para outra como se, depois de terem esgotado

ao máximo os meios para aumentar sua neguentropia em uma dada

espécie, decidissem prosseguir a sua carreira numa espécie vizinha.

Creio também, por que não, que existe sem dúvida uma "ordem" segundo

a qual os elétrons efetuam este "giro das espécies" e preparam, como os

artesãos dos séculos passados, a sua "obra-prima", isto é, sua realização

neguentrópica ótima, em uma dada época da

181

aceitos em uma espécie viva caracterizada por elétrons de nível

neguentrópico mais elevado. Enquanto os elétrons não tiverem atingido

,este nível, serão rejeitados e deverão viver ainda uma ou muitas

existências em uma espécie similar àquela que acabaram de deixar.

Está clara, portanto, a utilidade de se esforçar por fazer crescer sua própria

neguentropia durante cada existência vivida, visto que o meio essencial de

progressão do psiquismo, isto é, também da consciência, tanto na escala

do Universo inteiro como na do "Eu" do elétron individual, é fazer crescer

sempre mais a neguentropia do espaço do Espírito.

Então, nós começamos a ver aparecer progressivamente a profunda

significação destas operações que são o Conhecimento, o Amor, a

Reflexão e a Ação. Se sentimos, mais ou menos confusamente, que a vida

"é feita" para dar livre curso, o maior possível, a estas quatro operações, é

que elas correspondem ao eixo fundamental em torno do qual o Universo

enrola sua evolução psíquica para frente: o eixo da neguentropia

crescente.

Portanto, quem duvidará, no mais profundo de si mesmo, de que sua vida

está "bem" utilizada quando ele procura "ser mais" no plano do

Conhecimento e do Amor?

Quem não perceberá, refletindo um pouco e deixando falar o íntimo de

seu ser, que "avança" colocando sua Reflexão e suas Ações a serviço de

mais Conhecimento e de mais Amor?

Será necessário que, cada um de nós, reencontremos um pouco mais esta

"voz interior", que sabe o caminho, pois este caminho é o seu. Mas é

também o nosso. Um caminho que, olhando bem, nos foi proposto por

163

todos os profetas de todas as religiões de nossa Terra. Estes, sem dúvida,

melhor que os outros humanos, conseguiram se exprimir e souberam

traduzir, em uma linguagem humana, a voz do psiquismo universal

interior. Saber escutar os que se exprimem no mais profundo de si

mesmos, antes de falar do mundo exterior, é a palavra do sábio e do

profeta.

183

CAPITULO XVI

0 Futuro desconhecido

Retorno sobre a Cosmologia do Universo do Espírito. - Podemos prever a

evolução "determinista" da Matéria. - 0 Espírito tece sempre mais sua

malha no espaço. - Os "pequenos homens verdes" são, talvez, as partículas

da radiação cósmica. - 0 Universo expele pouco a pouco a Matéria, para

conservar somente o povo dos íons. - Nosso “Eu” e a "última máquina".

Gostaríamos de procurar examinar, neste último capítulo, como evolui o

grande povo dos elétrons psíquicos do Universo, não nos limitando mais,

como acabamos de o fazer, a estudar a evolução psíquica de cada um dos

indivíduos que formam este povo, mas considerando este povo dos íons

como uma coletividade ou, também poderíamos dizer, como um "grupo

social". Em outros termos, quais são as perspectivas de evolução do

psiquismo na escala do Universo inteiro, quais são os objetivos do

Espírito, que "máquinas" o Espírito deverá inventar para progredir ainda

mais? E também, há um fim nesta evolução, e qual é então este fim?

Desde que nos colocamos na escala do universo inteiro, é necessário, a

qualquer preço, que tomemos cuidado, a cada instante, para não cair no

erro corriqueiro do antropocentrismo.

164

Do mesmo modo, também não queremos, sob pretexto de evitar este

antropocentrismo, rebaixar exageradamente o papel do Homem na

História universal. E vimos, no capítulo precedente, que o Homem

representa, sem dúvida, um ser cujos elétrons possuem o mais alto nível

neguentrópico, ao menos na nossa Terra. Mas é sobre o Cosmos inteiro

que nosso olhar deve se dirigir, principalmente para procurar abraçar a

História do mundo, evitando, como enfatizamos às vezes, que as árvores

nos escondam a floresta.

É principalmente sobre o modelo cosmológico, que conta a História da

Matéria, que falaremos primeiro. Pois, já percebemos, não há aventura do

Espírito que possa ser independente da aventura da Matéria.

Que nos diz o modelo cosmológico deduzido da Relatividade complexa,

que prolonga e precisa essas deduções da Relatividade geral de Einstein?

Que na sua primeira fase evolutiva o Universo está em expansão; e que,

durante esta fase, a massa total da Matéria particular (elétrons, prótons ...

), nula no princípio da expansão, torna-se cada vez maior, para atingir seu

máximo quando o raio do Universo for máximo 1.

Durante toda a duração desta expansão, os pares elétron/pósitron 2

aumentam igualmente em número, sumariamente no mesmo ritmo que

aumenta a Massa da Matéria particular.

Estaríamos, atualmente, numa idade do Universo que se situa entre 10 e

18 bilhões de anos, 15 bilhões representando uma aproximação

conveniente 3.

As medições em curso, sobre o "retardamento" da expansão parecem

indicar que não estamos muito afastados do máximo da expansão.

Depois de ter atingido esta expansão máxima, o Universo vai entrar numa

fase de contração. Ela será tão longa quanto a fase de expansão

(aproximadamente 15 bilhões de anos), e terminará com um retomo do

Universo a um estado estático, de duração indeterminada, durante o qual

não haverá nem contração, nem expansão, exatamente como era antes do

princípio da expansão original.

Como no começo do mundo, esta fase final será caracterizada por uma

energia nula da Matéria particular, com uma ressalva essencial a fazer

entretanto, como veremos, concernente aos pares elétron/pósitron; aliás, a

[ca1] Comentário: -Reportemo-nos ao

esquema de evolução do universo do

capítulo XIII.

[ca2] Comentário: Os pósitons estão

geralmente associados aos nêutrons para

formar os prótons.

[ca3] Comentário: Ainda que as

medições mais recentes pareçam sugerir 10

a 12 bilhões de anos somente. Mas, é

necessário a ser precavido e esperar outras

confirmaç

165

temperatura final do Universo será como no princípio, composta de uma

radiação negra com 60.000 graus.

Todavia, vai existir uma diferença fundamental entre o estado inicial e o

estado final do Universo: enquanto que a energia nula da Matéria estava,

no estado inicial, traduzida por uma ausência completa de partículas tais

como elétrons, nêutrons, etc., a energia nula da Matéria particular, no

estado final, só é nula algebricamente, pois o espaço do Universo está

agora cheio de pares pósitronIelétron; estes, como sabemos, têm energias

iguais, mas de sinais contrários. Dizendo de outra maneira, a fase final

será diferenciada, pois sabemos agora que os pares elétron/pósitron são

portadores do Espírito no Universo; que cada elétron e cada pósitron

contém um espaço onde está inscrita sua história espiritual, uma história

que está memorizada e que ainda está presente no fim dos tempos, no

momento em que o Universo termina a sua última fase de contração.

Portanto, são os nossos próprios "Eu", de nós humanos, que estarão

presentes nesta última fase.

Mas como as partículas "pesadas" de matéria, principalmente os nêutrons,

puderam desaparecer no decorrer da fase de contração, para somente

deixar subsistir urna matéria particular feita de pares elétron/ pósitron?

Durante todo o período de expansão, como já explicamos, a radiação

inicial contida no espaço se relaxa "adiabaticamente 8"; isto provoca,

segundo as leis conhecidas concernentes à distensão de gás de fótons, uma

diminuição da energia total do gás; esta deverá ser compensada (para

conservar a energia total do Universo) por um aparecimento de energia

sob uma outra forma: será sob a forma de partículas elementares de

matéria bruta, os nêutrons.

Quase simultaneamente aos nêutrons, vimos, aparecem os pares

elétron/pósitron. Com efeito, a Física nuclear nos indica que um néutron

livre no espaço se transforma, no quarto de hora seguinte ao do seu

nascimento, em um próton (pósitron + nêutron) e um elétron.

Mas, durante o período de contração, se produzirá o fenômeno inverso: o

gás de fótons se comprime, aumenta a sua energia total e, para equilibrar

esta produção de energia, é necessário que energia seja expelida, sob uma

forma qualquer, para o exterior do nosso Universo 9.

Podemos pensar, primeiro, que expulsão da energia acontece segundo o

processo inverso àquele que assistimos na fase de expansão. Em uma

[ca4] Comentário: -Isto é, sem troca de

calor com a matéria do nosso Universo

(estaticamente).

[ca5] Comentário: -Em resumo, é o

processo inverso da criação ex nihilo da

matéria de Hoyle, Bondi e Gold.

166

primeira etapa, os prótons se tornam novamente nêutrons, ao se livrarem

de seu pósitron 10:

P -- N + e+ + -y

Depois, em uma segunda etapa, os nêutrons desapareceriam para

compensar a energia liberada pelo gás de fótons em compressão

adiabática.

Mas é mais provável, entretanto, que a Matéria seja expelida por um

processo diferente, que vamos explicar.

É necessário notar, com efeito, que, se a reação de criação de prótons a

partir dos nêutrons:

N P + e- + Y

se realiza espontaneamente nas condições "ordinárias" de pressão e de

temperatura, não se dá o mesmo na reação inversa de transformação dos

prótons em nêutrons, com emissão de pósitrons e+, tal como a

descrevemos acima; uma tal reação exige, principalmente, condições de

pressão extremamente elevadas.

Estas condições, encontramo-las na fase final de contração de uma estrela,

no momento em que os átomos da estrela estão tão comprimidos uns

contra os outros que as órbitas eIetrônicas não podem mais subsistir e que

a matéria da estrela está, então, prática e exclusivamente reduzida aos

nêutrons apertados uns contra os outros 7.

Admitiremos, portanto, que é no decorrer da formação destas estrelas

feitas unicamente de nêutrons que os pares elétron/pósitron, que entravam

nos átomos, são restituídos ao espaço.

Resta, então expelir do nosso espaço a estrela de nêutrons, a fim de

compensar, como já dissemos, o aumento de energia do gás de fótons em

contração.

Parece que já assistimos a este processo com os "buracos negros". Com

efeito, quando uma estrela fica reduzida, depois de ter queimado todas as

suas reservas de combustível, a seus nêutrons amontoados uns sobre os

outros, ela tem a tendência de se contrair cada vez mais sob a influência

das forças gravitacionais. Isto leva um certo tempo, pois tais estrelas de

nêutrons têm, geralmente, uma rotação muito rápida sobre si mesmas 12.

[ca6] Comentário: -O antineutrino é

exigido na reação para assegurar a

conservação do spin total.

[ca7] Comentário: É o que chamamo

de uma estrela-nêutrons. Os pulsres são tais

estrelas terminando suas existências.

[ca8] Comentário: Isto resultaa da

conservação do momento angular de

rotação durente a contração da estrela.

167

Esta rotação cria forças centrífugas que tentam se opor à contração

gravitacional. Mas a rotação perde progressivamente velocidade, pois

estas estrelas de nêutrons emitem uma radiação eletro magnética, cuja

energia é precisamente tomada de empréstimo à rotação da estrela sobre si

mesma. De tal modo que, pouco a pouco, a estrela de nêutrons continuará

a se contrair ... até o momento em que ela "rompe", literalmente, nosso

espaço da Matéria e se torna um buraco negro, como explicamos

detalhadamente no capítulo IV. A última fase de contração do buraco

negro consiste em se "desligar" do nosso Universo e, em conseqüência,

retirar de nosso Universo a energia correspondente à massa do buraco

negro que desaparece.

Assim se explicaria, o processo físico de eliminação da Matéria de nosso

Universo, que deve necessariamente acompanhar a fase de contração de

nosso Universo.

0 aspecto desta História da Matéria, que nos interessa mais

particulannente no plano da História do psiquismo, é que, no fim deste

período de contração do Universo, não restará mais nenhuma matéria, ao

menos sob a forma sob a qual atualmente consideramos a matéria, isto é, a

forma de um aglomerado mais ou menos importante de partículas

nucleares (nêutrons e prótons). Restarão, somente, pares elétron/pósitron,

boiando em uma radiação negra cuja temperatura deve permanecer

constante, com um valor aproximado de 60.000 graus 13. A constância

desta temperatura impedirá que os elétrons e os pósitrons se recombinem

entre si, para dar uma radiação eletromagnética, pois esta radiação

conduziria a uma elevação da temperatura “negra".

E o que terão se tornado, no momento deste "fim do mundo" os planetas

como a nossa Terra? Eles terão desaparecido bem antes da estrela em

tomo da qual giravam (nosso Sol, por exempio). As teorias atuais sobre o

envelhecimento das estrelas nos indicam, com efeito, que, quando elas se

aproximam de sua fase "final", começam por se dilatar, antes de se

contrair. Prevemos assim que o nosso Sol se dilatará a ponto de, em um

certo momento, chegar a queimar nas chamas de sua superfície

minúsculos objetos como os planetas que o rodeiam. Isto acontecerá para

a nossa Terra quando o raio do Sol tiver sido multiplicado por 100 ... o

que levará, felizmente, ainda uns bilhões de anos.

[ca9] Comentário: Não levamos em

consideração, aqui, o que chamamos de

densidade cosmológica, eu assegura a

curvatura de conjunto do Universo, e que

valerá aproximadamente 10-16 g/cm3 no fim

do mundo, que era também o seu valor ao

começo.

168

Eis um ponto interessante que parece ter sido adquirido: o "Juízo Final"

não poderá ser sobre seres ainda constituídos de Matéria, pois eles não

existirão mais. Estes seres só poderão ser pósitrons e elétrons. Estas

partículas poderão estar ou sulcando livremente o espaço, ou agrupadas

em pares, girando uma em torno da outra, constituindo o que chamamos

um átomo de positrônio 14.

Estes elétrons disporão do meio "térmico" necessário para lhes permitir

executar Atos (isto é, movimentos deliberadamente escolhidos). Com

efeito, vimos que o processo do Ato eletrônico reclamava ter o elétron

boiando em uma radiação térmica com temperatura suficiente.

Observamos que o Vivo nos dera um exemplo de como os elétrons

"sabiam" criar este meio térmico, modificando a topologia do espaço. No

fim dos tempos, este meio térmico indispensável aos Atos eletrônicos terá

sido criado pela evolução do Universo da Matéria, e os elétrons poderão

dispor dele à vontade, qualquer que seja o ponto do espaço onde

desejarem se localizar. Jamais cessaremos de nos maravilhar com os

"mecanismos" naturais! ,

0 resultado do psiquismo é, portanto, um estado do Universo levado por

um povo de elétrons pensantes ou éons, cujos microuniversos possuirão

uma neguentropia que se elevará continuamente, ao longo de toda vida

"pulsátil" do Universo da Matéria.

Podemos procurar saber, ou melhor adivinhar, como evoluirá o psiquismo

Universal entre a época atual e o estado final do Universo?

Dissemos que os elétrons vão utilizar suas propriedades "espirituais", que

têm por base a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação, tendo como

"intenção" aumentar sempre mais a sua neguentropia para tomar melhor

"consciência" do Universo e para melhor precisar o objetivo final que

desejam adotar.

Vimos que esta evolução neguentrópica passava pela criação de

"máquinas", que chamamos de mineral, vegetal, animal e humano; e ainda

de outras maquinas, sem dúvida, quando em vez de nos limitarmos a

considerar a nossa Terra, englobamos os bilhões de outros planetas que

povoam o nosso Universo 15.

Nós percebemos algumas leis às quais está submetida a elevação da

neguentropia: como aquela segundo a qual as "máquinas" deveriam juntar

elétrons de níveis neguentrópicos vizinhos. Isto provoca a "reencarnação"

[ca10] Comentário: Os átomos de

positrônio são instáveis no espaço atual:

têm a tendência de se desintegrar

espontaaneamente, produzido radiação.

Mas, no espaço de te4mperatura “negra”

imposta e constante, como será o caso no

estado final do Universo, os átomos de

positrônio serão necessariamente estáveis.

[ca11] Comentário: Os estudos

teóricos e experimentais mais recentes

(1977) confirmam que ao menos 20% das

esrelas são rodeados de planetas, como é o

caso nosso Sol.

169

dos elétrons em sucessivas existências de personagens "temporais", que

são sociedades de éons capazes de trocar nas melhores condições

Conhecimento e Amor. Toda "máquina", quer a chamemos de mineral,

vegetal, animal ou de humana na nossa linguagem do Homem, é uma tal

sociedade de éons.

0 objetivo atual destas sociedades parece ser procurar se comunicar com o

meio natural exterior, compreendendo também as outras socie.dades de

éons (isto é, outras "máquinas"), a fim de aumentar sempre mais a

neguentropia dos participantes da sociedade (isto é, os éons). Assim,

através de sucessivas existências no interior ' destas sociedades de éons,

onde foram aceitos para a duração de uma vida, cada éon eleva sempre um

pouco mais suas qualidades espirituais, ou seja, seu Espírito. A ascensão

espiritual acontece no plano coletivo ao mesmo tempo que no plano

individual. Não se produz nenhuma "mistura" das qualidades espirituais

no Aecorrer de tal aquecimento geral do Espírito no mundo: cada éon

possui uma história espiritual pessoal, permanece Icele mesmo", com seu

próprio passado, sua própria memória, diferente da de seu vizinho. E, no

entanto, é sempre unindo mais sua "pessoa" à pessoa do outro que o ritmo

de aquisição da neguentropia pessoal sobe. É se tornando mais unido que

o éon se torna mais ele mesmo. 0 povo dos éons aparece como tendo

sabido realizar perfeitamente este objetivo tão procurado da "unidade na

diversidade".

Para inventar suas novas máquinas, para "evoluir", o povo dos éons "se

informa" sobre a situação exterior, estabelecendo por Conhecimento e

Amor ligações não somente no tempo mas ainda no espaço.

As ligações no tempo, vimos, são as da memória, que cada éon possui no

plano individual, e também as ligações no tempo que o Amor permite, no

decorrer do qual cada éon de um par vem trocar fragmentos de sua própria

memória, desde a origem dos tempos, com os fragmentos da memória do

outro parceiro do par.

As ligações no espaço são as que, naturalmente, se estabelecem entre éons

provenientes de lugares muito diferentes de nosso Universo.

Primeiro, sobre nossa Terra. Se queremos nos convencer das trocas que

acontecem entre o psiquismo de nossos próprios elétrons e o psiquismo

dos elétrons de países afastados, é suficiente ver os novos critérios físicos

e espirituais que aparecem em um homem que passa um período

importante de sua vida em um país estrangeiro. Não é raro se ver desenhar

170

na face de um europeu que viveu muito tempo no Oriente os traços que

caracterizam a cara de um asiático,

Mas a vida "eônica" ambiciona estabelecer ligações espaciais em uma

escala muito mais ampla do que somente o nosso planeta. Nossa Terra,

por exemplo, é sem cessar o alvo de bilhões de partículas elementares

carregadas, que atravessam a imensidão do espaço cósmico em uma

velocidade prodigiosa e são chamadas de partículas primárias da radiação

cósmica. Estas partículas são, na maioria, prótons; mas encontramos

também elétrons. Suas velocidades são tão grandes que elas atravessam

distâncias enormes em tempos relativamente curtos. Com efeito, sabemos

que a Relatividade mostrou, e a experiência demonstrou, que quando

viajamos no espaço em velocidades muito próximas à da luz

envelhecemos menos rápido. Um próton que se deslocasse exatamente na

velocidade da luz (que é, como sabemos, o limite superior das velocidades

relativas) não envelheceria na sua viagem, isto é, teria chegado tão

depressa como partido, qualquer que fosse a distância que desejasse

atravessar. Ora, certos prótons da radiação cósmica têm uma velocidade

tão próxima à da luz que veriam escoarem-se apenas algumas horas,

mesmo alguns minutos, até se juntar a nós sobre a Terra, após terem

deixado a galáxia de Andrômeda. As maiores distâncias do Universo são

da ordem de 10.000 vezes a distância de Andrômeda; indo "mais longe",

daríamos a volta em nosso Universo e retornaríamos à Terra. Do mesmo

modo, podemos dizer que, malgrado a imensidão das distâncias cósmicas,

podemos ser "visitados" na Terra por pósitrons ou elétrons vindos do

outro lado do mundo.

Isto toma uma importância fundamental, se pensarmos que estes elétrons e

estes pósitrons são portadores de psiquismo. É, então, o pensamento do

Além que chega até nós com estes "cosmonautas" inesperados.

Mas somos capazes de "compreender" a linguagem destes éons vindos do

Além? Devemos responder afirmativamente, desde que nos lembremos

que nosso "Eu", dos humanos, está contido em cada um dos elétrons que

formam nosso corpo. Nossos próprios éons serão capazes de entender a

voz destes mensageiros do Além, que são feitos como eles e cujo

psiquismo funciona segundo os mesmos mecanismos. Estas trocas entre os

éons terrestres e os éons cósmicos se traduzirão, finalmente, por um

enriquecimento psíquico do nosso próprio "Eu", através de uma

informação que tanto pode vir da grande nebulosa de õrion, como de

Andrômeda, ou deste quasar brilhante nos confins do espaço.

171

Não tenho nada, pessoalmente, contra os "pequeninos homens verdes",

que os defensores dos discos voadores (ou melhor, dos objetos voadores

não-identificados) esperam ver pousar o pé, um dia, sobre a Terra (se é

que ainda não o fizeram). Se existem, como eu mesmo creio, bilhões de

outros planetas habitados por seres pensantes, por que deveríamos

considerar tais visitas como impossíveis, ou mesmo irracionais?

Entretanto, penso que os "pequenos homens verdes" não são, sem dúvida,

o melhor meio que o Universo escolheria para veicular o psiquismo. Visto

que é no nível elementar que encontramos a essência do psiquismo e a

forma psíquica mais própria para viajar muito rápido e para se comunicar

com o "outro", parece evidentemente mais eficaz mandar mensageiros

"eônicos" atravessarem o espaço. Estes chegam até nós em grandes

velocidades, em cada segundo, e são freados nas altas camadas de nossa

atmosfera. Esta frenagem é ocasionada pelas partículas "secundárias", que

vêm em abundância banhar cada metro quadrado do nosso planeta; entre

estas secundárias encontramos, em quantidade, exatamente elétrons e

pósitrons.

Se os autores de ficção científica chegam algumas vezes a "imaginar" a

vida em outros mundos, talvez seja porque algum éon-contador cósmico

veio lhes murmurar, no mais profundo do seu inconsciente, como as

coisas acontecem lá 16

De máquina em máquina, de troca em troca pelo Conhecimento e pelo

Amor com seres pensantes próximos ou longínquos, tanto no tempo como

no espaço, os éons vão, portanto, elevar sempre mais sua neguentropia

pessoal e criar mais máquinas novas, a fim de aumentar em qualidade e

em quantidade sua riqueza informacional.

0 Homem não é mais a "última máquina", como também não foi a

primeira máquina. Toda a Paleontologia nos mostra espécies que nascem e

que, depois de terem subsistido por algum tempo, terminam por

desaparecer. Aqui, o "algum tempo" é, naturalmente, uma duração que

não é irrisória na escala cósmica: contamos em milhões de anos, mais do

que em séculos. Não parece desarrazoado dizer que o povo dos éons

estima, geralmente, que uma máquina esgotou suas possibilidades de

aumentar a neguentropia de seus constituintes depois de uma dezena de

milhões de anos de uso. Neste ritmo evolutivo, uma espécie se renovará

mais de 4.000 vezes durante os 40 bilhões de anos, aproximadamente, da

vida psíquica que separam o princípio da expansão do Universo de seu

estado final.

[ca12] Comentário: Parmênides já

havia declarado na Grécia, há vinte e cinco

séculos, que “nada pode ser pensado que

não exista ou possa existir”.

172

Ao fim de quanto tempo terminará nossa espécie humana atual? Não sei,

mas segundo toda probabilidade, os éons não se contentarão com esta

"máquina humana" até o fim dos tempos, desde agora, prevêem-se para

ela muitas 1imitações".

Que importa! Seja ele ainda ou não hóspede de um ser com forma

humana, nosso "Eu" prosseguirá sua existência em busca de estados

sempre mais "ordenados", sempre mais conscientes, sempre mais

neguentrópicos.

Pois nosso "Eu", desde que o coloquemos em uma situação correta, isto é,

no coração dos bilhões de éons que formam hoje nosso corpo de Homem,

então este "Eu" é tão eterno como o dos éons, e toma enfim seu verdadeiro

lugar no contexto da aventura espiritual cósmica.

Quando procuro perscrutar o meu "Eu" no seu imenso passado histórico,

descubro-o participando do fogo das primeiras estrelas, rastejando na areia

úmida das praias pré-cambrianas, correndo entre as folhagens gigantes das

florestas do Paleozóico, nadando nas águas tépidas do Jurássico inferior,

voando no azul de um céu do Cretáceo. Mas eu o imagino também, no

futuro, como um ser ainda desconhecido, vagando entre as estrelas,

falando uma linguagem que compreenderá a nuvem negra ou o vento

solar, transportado sempre mais alto e mais longe pelo Conhecimento,

sempre mais ávido de Amor pelo outro.

Até o dia em que, todos os nossos "Eu" eônicos reunidos em uma imensa

estrutura mais neguentrópica do que todas aquelas do passado, nós

chegaremos lá onde o tempo parece parar, lá onde toda esta gigantesca

evolução conduziu, finalmente, o Espírito, nas verdes pastagens onde o

Universo retém seu sopro, ouvindo esta música secreta que corre agora

como um canto etéreo, entre as formas movimentadas dos éons deste fim

do mundo.

Então, como dizia Vivekananda, falando da existência de seu Mestre,

talvez o povo dos éons se contentará, enfim, de viver esta grande vida -

deixando aos outros a tarefa de encontrar a explicação.

Orsay, fevereiro 1977.

Fim