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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE
CARLOS AUGUSTO EUZÉBIO
O ESPORTE ENQUANTO CONHECIMENTO NOS CURSOS DE
FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA
NOVEMBRO DE 2009
2
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE
CARLOS AUGUSTO EUZÉBIO
O ESPORTE ENQUANTO CONHECIMENTO NOS CURSOS DE
FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Vidalcir Ortigara.
NOVEMBRO DE 2009
3
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O ESPORTE ENQUANTO CONHECIMENTO NOS CURSOS DE
FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Dr. Vidalcir Ortigara.
Criciúma, 30 de novembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Vidalcir Ortigara – Doutor (Unesc) - Orientador
Profª. Astrid Baecker Ávila – Doutora – (UFPR)
Prof. Gildo Volpato – Doutor – (Unesc)
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Vidalcir Ortigara, mais do que os cumprimentos
protocolares, desejo expor minha enorme admiração por sua capacidade
acadêmica, compromisso ético e generosidade humana.
Aos meus colegas do curso de Educação Física da UNESC.
A minha colega Vânia Vitório, grande amiga e simplesmente “a melhor”.
A Anelise Arns, que além de me apoiar sem restrições constituiu no curso
de Educação Física da UNESC o ambiente ideal de convívio, respeito e produção de
conhecimento na área.
Agradeço aos meus filhos Paulo Henrique Salvan Euzébio, Carlos
Augusto Euzébio Júnior e Gabriela Salvan Euzébio pelo carinho comprometido e
silencioso demonstrado no período de construção deste trabalho.
Agradeço a minha mãe Maria Vanilde Mariano Euzébio, que me ama de
forma incondicional e que sonhou com minhas “conquistas” acadêmicas antes de
qualquer outra pessoa.
A Ana Lúcia Cardoso, minha companheira de mente, alma e coração.
6
RESUMO
Nesse estudo retomei o debate da centralidade do conhecimento na Educação em geral e na Educação Física em específico. O debate é orientado a partir da pedagogia histórico-crítica e sua congênere na Educação Física, a concepção crítico-superadora. O objetivo geral deste estudo é compreender qual conhecimento de esporte está presente nos cursos de formação inicial de professores em Educação Física. O foco de análise deste estudo são as obras indicadas como bibliografia básica nos planos de ensino dos componentes curriculares dos Cursos de Graduação em Educação Física situados na região sul de Santa Catarina, que tenham o esporte como tópico em suas ementas. As categorias de análise foram elencadas a partir da produção teórica de autores da Educação Física, vinculados ao campo crítico. Nesse aspecto, a análise das obras indicadas foi orientada pelas seguintes categorias: distinção entre esporte moderno e esporte antigo, interdependência do esporte em relação às estruturas sociais, relação esporte e capitalismo e sua expressão como mercadoria - espetacularização. Setenta e três por cento das obras apontadas nas bibliografias básicas apresentam uma abordagem do esporte que não contempla as categorias consideradas na análise. Apenas quatro disciplinas apresentaram uma bibliografia básica que claramente demarcou a apreensão do conhecimento esporte por um viés crítico. Logo, o conhecimento esporte propiciado pelos cursos de formação inicial de professores em Educação Física na região sul de Santa Catarina encontra-se no campo conservador e reduzido às temáticas acerca das regras, técnicas e táticas das modalidades esportivas.
Palavras-chave: Educação. Educação Física. Conhecimento. Esporte.
7
ABSTRACT
In this study I recalled the debate of centrality of knowledge in Education and in Physical Education specifically. This debate is oriented by historical-critical pedagogy and its similar thought in Physical Education, critical-overcoming conception. The main goal of this study is to understand which knowledge about sport is presented in initial formation of physical education courses for teachers. The focus is to analyze the texts that are basic bibliography in syllabuses of Physical Education Undergraduate Courses situated in the southern of Santa Catarina, whose topics in their synopses are sports. The categories analyzed were chosen from theoretical basis of Physical Education authors, connected to critical field. This way, the analysis of the texts was oriented by the following categories: distinction between modern sports and old ones, interdependency of sport and its social structures, sport and capitalism relation, and sport as a commodity – spectacularization. Seventy-three percent of the texts pointed in basic bibliographies show a sports approach that doesn’t take into account the categories analyzed. Only four courses have shown basic bibliography which stated an appropriation of knowledge through critical view. Then, sport knowledge, given by initial formation of physical education courses for teachers in the southern of Santa Catarina, is placed in a conservative field and reduced to subjects as rules, techniques and tactics of sports modalities. Keywords: Education. Physical Education. Knowledge. Sport.
8
SUMÁRIO
1 RECONHECENDO O CAMPO ................................................................................9
2 EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO FÍSICA E O CONHECIMENTO: ENTENDENDO AS
REGRAS...................................................................................................................25
2.1 Aquecimento - A questão do conhecimento na Educação Física ............................................... 33
3 O ESPORTE NO CAMPO CRÍTICO: QUE JOGO É ESTE?.................................39
4 COMEÇA O JOGO: ANÁLISE DAS OBRAS........................................................56
4.1 Primeiro Set: Análise das Obras Técnico-Metodológicas ........................................................... 58
4.2. Segundo Set: Análise do Segundo Grupo de Obras.................................................................. 73
4.3 Terceiro Set: Análise da Articulação das Referências Bibliográficas das Disciplinas................. 81
4.3.1 Disciplinas que utilizam como bibliografia básica apenas livros técnico-
metodológicos.............................................................................................................................. 83
4.3.2 Disciplinas que utilizam como bibliografia básica apenas livros do segundo grupo . 86
4.3.3 Disciplinas que utilizaram referencial dos dois grupos ................................................. 89
4.4. Quarto Set: análise das instituições ........................................................................................... 96
5 TIE-BREAK? OU INÍCIO DA PRORROGAÇÃO! ................................................103
REFERÊNCIAS.......................................................................................................114
ANEXO 01...............................................................................................................119
9 9
1 RECONHECENDO O CAMPO
Não consigo recordar de muitas aulas de Educação Física da minha
infância e adolescência. Assombra-me a lembrança, na condição de aluno, de uma
aula utilizada para enfeitar e preparar a escola para a festa junina. Recordo, sem
saber se invento, de uma partida de futebol e um gol “histórico” decorrente de um
chute “fantástico”. Enfim, um ou outro fragmento desconexo que jamais constituem
um saber concreto e palpável.
Estranhamente, para mim, o interesse pela Educação Física não iniciou
nas aulas e sim com uma bola de basquete apresentada em uma praça pública. O
desafio de fazer aquela bola passar pela cesta daquela pracinha ocupou-me horas e
horas. Quando descobri que o “dono do saber” daquele jogo maravilhoso era o
“professor de Educação Física”, concluí imediatamente que era isso o que eu seria.
Joguei basquetebol por anos, antes, durante e depois de minha graduação
em Educação Física. Tornei-me treinador da modalidade e encontrei no mundo do
esporte um sem-fim de professores e professoras de Educação Física. Contudo,
quando atuando nas escolas, deparei-me com um sentimento de insatisfação
profunda com o meu fazer pedagógico, que não conseguia responder às minhas
angústias de educador.
Ministrei as aulas de Educação Física com inúmeras dúvidas, com
dificuldades para responder às indagações mais simples. Qual é seu papel na
escola? O que caracteriza sua especificidade? Qual sua importância no cenário
pedagógico? O que efetivamente ensinar na Educação Física?
Essas perguntas foram parcialmente respondidas. Apesar de estarmos
ainda em ambiente incerto em que nenhuma explicação assumiu posição
10 10
consolidada, é possível afirmar que a área apresenta avanços significativos na
resolução de seus problemas. Autores como Bracht (2003), Kunz (2006) e Assis
(2001), entre outros, apresentaram estudos sobre esses temas.
Não obstante, convivemos ainda com um ambiente pedagógico cheio de
incertezas. Dúvidas a respeito do currículo, das metodologias de ensino, sobre o
processo avaliativo. O que caracteriza efetivamente uma educação
crítica/progressista? Por que devo, como educador, alinhar-me a essa corrente
crítica? Qual a função da Educação Física em uma proposta crítica? Como lido com
o conhecimento nesse caso? Qual conhecimento?
Há alguns anos debato-me com a árdua tarefa de lecionar na formação
inicial em um curso de licenciatura em Educação Física. Coube-me atuar com
disciplinas de metodologias de ensino dos esportes coletivos e em tempos mais
recentes com a disciplina de estágio. Essa experiência ajudou-me a perceber a
enorme dificuldade que os acadêmicos apresentam para definir de qual
conhecimento trata a Educação Física. Essa dificuldade surge em relação a
definições do campo político/ideológico, em termos epistemológicos e conceituais e,
por consequência, na intervenção pedagógico/operativa.
Perguntar o que caracteriza uma educação crítica é perguntar sobre a
insuficiência de uma educação conservadora. Mas de onde partem os adjetivos
crítico e conservador? Conservador em relação a quê?
É no debate da organização da sociedade que as adjetivações vão fazer
sentido e ganham consistência. É sobre uma determinada ordem societária que
ganha sentido discutir se a escola possui uma função reprodutivista ou
transformadora. Cumpre confirmar a sociedade capitalista como uma sociedade
organizada em classes sociais necessariamente conflitantes. Sem esse
11 11
entendimento não faz sentido afirmar-se como crítico, seja na educação ou em
qualquer atividade ou organização. Se compreendermos que a luta de classes está
ultrapassada, que não se trata de uma sociedade articulada a partir dos proprietários
do modo de produção e dos expropriados dessa produção, se compreendermos à
Fukuyama1(1992) que a organização liberal-capitalista hegemônica nas nações
contemporâneas é o formato final da sociedade, não resta sentido no termo
crítico/progressista. Existe a tentativa de impor constrangimento à crítica ao
capitalismo. Mészáros (2002, p. 39) aponta para um “fazer de conta” imposto
socialmente.
Assim espera-se que finjamos para nós mesmos que as classes e contradições de classe já não existem ou não mais importam. Da mesma forma, pressupõe-se que o único rumo viável da ação no assim postulado “mundo real” ia ignorar ou “oferecer explicações que neguem” as evidências de instabilidade estrutural proporcionada por nossos próprios olhos, varrendo pressurosamente para baixo de um tapete imaginário os problemas crônicos e os sintomas da crise (ambos de gravidade cada vez maior) que diariamente a ordem social vigente coloca diante de nós.
Coloco-me no grupo de educadores que compreendem a escola como
espaço de tensionamento, ambiente constituído da dialética ruptura-permanência,
grupo que acredita na possibilidade de desempenhar, a despeito de uma margem de
manobra muito pequena, uma tarefa denunciadora das contradições a partir da
função precípua da socialização de um saber historicizado. Denúncia que
desemboca em possibilidade de intervenção transformadora da realidade.
A interlocução e a superação das posições crítico-reprodutivistas foram
feitas nas últimas décadas, mas parece-me necessário manter discursivamente
explícito o entendimento da função ativa da escola em um projeto revolucionário de
1 Autor de “O fim da história e o último homem” que defende o liberalismo como a realização máxima
da humanidade. Mais recentemente, o autor realizou uma autocrítica apontando modificações importantes de compreensão.
12 12
sociedade. Valho-me novamente de Mészáros (2005, p. 25-26) em uma citação
justificada pela contundência e clareza com que o autor aborda a relação do capital
com a educação.
Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. Mas, sem um acordo sobre esse simples fato, os caminhos dividem-se nitidamente. Pois caso não se valorize um determinado modo de reprodução da sociedade como o necessário quadro de intercâmbio social, serão admitidos, em nome da reforma, apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo o da educação. As mudanças sob tais limitações, apriorísticas e prejulgadas, são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução. Podem ajustar-se as formas pelas quais uma multiplicidade de interesses particulares conflitantes se deve conformar com a regra geral preestabelecida da reprodução da sociedade, mas de forma nenhuma pode-se alterar a própria regra geral.
O alinhamento a uma concepção crítica de sociedade e educação não
pode se dar pela aceitação passiva, deve decorrer do desconforto frente as enormes
contradições encontradas nesse mundo contemporâneo.
Como este estudo não tem a pretensão de aprofundar-se nos aspectos
econômicos do debate, apenas gostaria de enunciar a compreensão clara de que
esses aspectos representam questões fundamentais para a educação. Em outras
palavras, pretendo anunciar que a relação do modo de produção capitalista com a
educação estará sempre presente neste estudo, mesmo quando não aprofundada
ou sequer explicitada.
Outro princípio fundante deste estudo é a relação da educação com a
Educação Física. Parto do lugar da educação sem diferenciá-lo do lugar da
Educação Física. Contudo, resulta óbvio que a Educação Física apresenta suas
13 13
especificidades, suas tradições, que constituem sua identidade no quadro mais
amplo da educação.
Então, cumpre repetir que a compreensão da relação entre a produção
teórica no campo da educação e a produção no campo específico da Educação
Física é um dos pressupostos deste estudo. É necessário, contudo, apontar
descompassos entre as duas produções. Esse descompasso, essa ausência de uma
articulação perfeita, decorre principalmente da impossibilidade de estarem todos,
produtores e produções, em mesmo tempo e espaço de acúmulo. Acrescente-se o
fato de que se trata de objetos com especificidades definidoras de suas
constituições e, portanto, passíveis de aproximação e interpretação relacionados à
tradição de suas próprias matrizes.
A produção teórica contemporânea tem procurado resgatar a centralidade
do conteúdo no espaço escolar2. O conteúdo foi negligenciado, muitas das vezes
marginalizado, em um ambiente em que se consolidava uma autonomia e
protagonismo dos alunos nas questões relativas à constituição do currículo. Era
importante a percepção do aluno como polo ativo do processo de ensino e essa
importância se afirmava na negação do professor, ou qualquer outra instância, como
definidora dos assuntos relevantes a serem abordados.
A educação deslocava-se para a apreensão de um rol de habilidades e
competências que implicavam “aprender a aprender” (DUARTE, 2006) acima do
apreender uma realidade não escolhida.
Esse esvaziamento do conteúdo gerou uma sensação de incerteza e
insegurança para os professores e alunos em uma ponta e uma compreensão
2 Destacamos Saviani, (2003, 2006), Duarte (2006).
14 14
(equivocada) de que o debate de valores morais e de relacionamentos a partir de um
“praticar juntos” bastaria, em outra extremidade.
Sem a consistência do conteúdo, a pedagogia em geral, e a Educação
Física em particular, torna-se uma amálgama de atividades, propostas, vivências,
que não articulam um conhecimento e muito menos uma leitura crítica sobre esse
conhecimento.
Na defesa do conteúdo, Libâneo (1985, p. 39) considera que “[...] os
conteúdos são realidades exteriores ao aluno que devem ser assimilados e não
simplesmente reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades
sociais”.
Essa perspectiva também se encontra em Duarte (2006, p. 9), quando
afirma que “a pedagogia histórico-crítica deve defender, de forma radical, que o
papel da escola consiste em socializar o saber objetivo historicamente produzido”. O
autor procura elucidar a armadilha colocada no esvaziamento do papel da educação
em garantir o acesso ao conhecimento, entendido nesse caso como sinônimo de
verdade.
Uma das diferenças entre a pedagogia histórico-crítica e as pedagogias adaptadas aos atuais interesses da burguesia reside no posicionamento perante a questão da verdade. As pedagogias centradas no lema “aprender a aprender” são antes de mais nada pedagogias que retiram da escola a tarefa de transmissão do conhecimento objetivo, a tarefa de possibilitar aos educandos o acesso à verdade. (DUARTE, 2006, p. 5)
Decorrência desse entendimento da função da escola, a Educação Física
pode ser definida, ainda que “provisoriamente”, como
uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal. (SOARES et al., 2006, p. 50)
15 15
A proposta crítico-superadora3 (SOARES et al, 2006) aponta como
conteúdos da Educação Física as expressões da cultura corporal, contudo não fica
explícito como se desdobram esses conteúdos no dia-a-dia escolar. Também não
fica evidente como esses conteúdos são compostos. Ou seja, não se apresenta o
que é constituinte dos conteúdos denominados esporte, dança, ginástica, jogos e
brincadeiras.
A partir da proposta crítico-superadora, concentrei-me na questão do que
é conhecimento de esporte na atividade pedagógica em Educação Física. Nesse
estudo concentrei-me no tema esporte pela posição de hegemonia que goza na
realidade escolar.
Inicialmente é necessário delimitar o conceito de conhecimento
desenvolvido neste trabalho. Trato ao utilizar a expressão conhecimento da questão
da interpretação da realidade. Ao indagar sobre o conhecimento esporte, pergunto
efetivamente sobre o que é esporte. Entendo que a resposta a essa pergunta
precede o ato pedagógico. Pires (2001, p. 4), discutindo a crise de identidade da
Educação Física e a necessidade de constituição de seu campo de conhecimento,
alertou que “se não sabemos o que sabemos (ou o quê devemos saber), não
sabemos quem somos!”.
O conhecimento como interpretação da realidade em nossa opção
epistemológica está inextrincavelmente ligado à categoria de totalidade. A totalidade,
bem como todo o edifício materialista dialético, tem enfrentado o ceticismo
contemporâneo que facilmente manipula definições e transforma complexidades em
impossibilidades, retirando da dialética sua dinâmica, logo sua essência.
3 Proposta pedagógica crítica da área da Educação Física apresenta por Soares et all (2006). Vários
de seus autores estão atualmente em posições teóricas divergentes.
16 16
A forma como Kosik (2002, p. 44) esclarece seu entendimento sobre a
categoria totalidade me parece não deixar espaço para sustentação da tese de
impossibilidade do uso da categoria como método.
Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido. Acumular todos os fatos não significa ainda conhecer a realidade; e todos os fatos (reunidos em seu conjunto) não constituem, ainda, a totalidade. Os fatos são conhecimento da realidade se são compreensíveis como fatos de um todo dialético – isto é, se não são átomos imutáveis, indivisíveis e indemonstráveis, de cuja reunião a realidade saia constituída – se são entendidos como partes estruturais do todo.
Nesse sentido, procurei compreender o que é conhecimento sobre o
esporte buscando entender suas várias manifestações e a dinâmica de suas
interações histórico-sociais. Em que pese a importância de saber praticar o esporte,
o que aponta para a necessidade de executar de forma minimamente competente
seus fundamentos técnicos e reconhecer coletivamente suas regras mais
elementares e caracterizadoras, considero essa abordagem insuficiente. Cabe então
interrogar sobre o que é constituinte do fenômeno esporte e o que deve ser
pedagogicamente considerado.
Pergunto sobre o que é mais importante, central, definidor do esporte a
partir dessas discussões. Ou, para utilizar a expressão de Saviani (2006), o que é
clássico no conhecimento do esporte. Que conteúdos, além dos fundamentos
técnicos de execução e regras básicas, devem ser eleitos nas aulas de Educação
Física?
Dos estudos preliminares que realizei da produção sobre esporte,
observei a presença de alguns temas: a história dos esportes em geral e de cada
esporte em específico; suas regras e fundamentos técnicos, que constituem em
última análise a representação social de suas especificidades; suas bases e
17 17
evoluções táticas; sua inserção social; suas relações com a sociologia; suas facetas
de mercado, trabalho e lazer; suas múltiplas relações com a mídia, com o
espetáculo de arena, com a mercadorização dos atletas e fetichização de produtos.
Percebe-se nesta lista de temas que o esporte é entendido como um
fenômeno com múltiplas facetas e possibilidades e não redutível a sua execução
motora. A partir de minha experiência com os cursos de formação inicial em
professores de Educação Física, perguntei-me: o que dessa produção é
possibilitado no processo de formação inicial do professor de Educação Física?
Azevedo (2009, p. 76) denuncia que a formação de professores de
Educação Física tem priorizado aspectos técnicos em detrimento de elementos
formadores mais críticos.
Os cursos de formação de professores de EF ainda nos dias atuais traduzem, predominantemente, esse modelo tecnocrático e tem-se dado ênfase em descobrir aquilo que funciona. Estes futuros professores de EF, nessa perspectiva, são orientados e estimulados no desenvolvimento de capacidades como a de compartilhar técnicas aplicadas e encontrar a melhor forma de organização das atividades diárias, o domínio de uma disciplina em sala de aula e o ensino de um assunto com eficiência. Dessa forma, os professores formados por esse modelo de curso tornam-se técnicos especializados, incapazes de pensarem criticamente sobre os meios e os fins de uma política escolar, sobre o seu papel de educador e o que deve ser feito em sala de aula para uma formação crítica do educando.
Compreendo que o momento determinante para que os professores
apreendam um conceito mais amplo e preciso do significado do conhecimento em
Educação Física, e do esporte em particular, é a formação inicial. Considero que
nesta é possível tratar da questão do conhecimento com a consistência que o
assunto solicita. Portanto, meu objeto de análise foram as disciplinas4 dos cursos de
formação de professores de Educação Física que tenham em sua ementa
4 Utilizei-me do termo disciplina em concordância com as matrizes curriculares dos cursos de
formação de professores de Educação Física.
18 18
explicitado o esporte como tema. A partir da análise das obras referenciadas nos
planos de ensino, busquei verificar que conhecimento do esporte há nelas. Ou que
apreensão do fenômeno esporte tem sido proporcionada aos alunos da graduação
em Educação Física desses cursos.
Uma lista de assuntos sobre o esporte, ou sobre qualquer conhecimento
presente em uma matriz curricular, não é conclusiva e não garante a realização
plena do ato pedagógico. Entendo que sem o suporte de uma pedagogia que oriente
a relação teoria/prática, sem uma didática que organize e articule esse
conhecimento, não prosperam os objetivos emancipadores/superadores. Não
obstante, os limites desse trabalho impuseram a omissão de alguns temas
relevantes. Uma didática para o esporte, por exemplo, embora não desvinculada
desta abordagem, não estava no escopo deste projeto.
O objetivo geral deste estudo foi compreender qual conhecimento de
esporte está presente nas obras citadas nas referências dos planos de ensino das
disciplinas dos cursos de formação inicial de professores em Educação Física.
A análise das obras de referência das disciplinas nos cursos de graduação
justificou-se pela implicação na formação de professores e de seus consequentes
entendimentos sobre o esporte.
No desenvolvimento do estudo realizei uma incursão pela constituição
histórico-pedagógica das concepções de Educação e Educação Física, situando a
posição do conhecimento nesses tempos e locais.
Sobre os temas relacionados ao esporte foi necessário compreender e
apresentar a produção da área. Esses temas não são apenas a dissecação fria do
fenômeno, mas a tentativa de aproximar-se do objeto vivo, capturando sua
complexidade e suas inter-relações. Compreendi que, para lograr algum êxito nesse
19 19
objetivo, seria vital apropriar-se do debate teórico do conhecimento esporte dos
autores do campo crítico.
A definição do campo crítico foi marcada pela compreensão de que
apenas nele é possível haver possibilidade de resistência à lógica sócio-econômico-
política estabelecida. Os autores dessa perspectiva na área de Educação Física se
balizam, em geral, pelo materialismo histórico-dialético ou pela teoria crítica.
Portanto, na delimitação das obras utilizei como critério os autores que
discutem o esporte na Educação Física a partir dessas matrizes teórico/filosóficas.
Compreendo que esse critério carrega em si um traço tautológico, não obstante
considero que autores como Vaz (2006), Bracht (2003) e Kunz (1998) possuem
inegável reputação construída com suas produções marcadamente vinculadas às
correntes críticas do pensamento e produção do conhecimento.
Outros autores foram incluídos na pesquisa em função de suas obras
terem sido citadas como importantes contribuições para a compreensão do
fenômeno esporte pelos primeiros autores elencados. Dentre eles os seguintes
pesquisadores: Rezer, Proni, Gebara, Pilatti, Buendia, Coleman, Betti. Tratou-se
evidentemente de um exercício complexo que necessitou de recortes, mesmo com o
risco de supressão de questões importantes.
A produção crítica sobre esporte, ainda que dentro dos limites impostos
pelo estudo, apontou categorias que serviram de ferramentas para que eu pudesse
me incumbir da tarefa central do trabalho. As categorias foram elencadas a partir de
sua recorrência e centralidade para os argumentos dos autores. Nesse aspecto, a
análise das obras apontadas como referência foi orientada pelas seguintes
categorias: distinção entre esporte moderno e esporte antigo, interdependência do
20 20
esporte em relação às estruturas sociais e sua expressão como mercadoria -
espetacularização.
Neste estudo foram consideradas as obras indicadas como bibliografia
básica nos planos de ensino das disciplinas dos Cursos de Graduação em Educação
Física situados na região sul de Santa Catarina, que tenham o esporte como tópico
em suas ementas.
Analisei as obras de referência listadas nos referenciais bibliográficos dos
cursos de licenciatura em Educação Física da Universidade do Extremo Sul
Catarinense - UNESC, da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, da
Escola Superior de Criciúma - ESUCRI e do Centro Universitário Barriga Verde –
UNIBAVE. A UNESC e a ESUCRI têm sede em Criciúma. A UNISUL encontra-se
sediada em Tubarão5. O UNIBAVE tem sua sede localizada na cidade de Orleans.
Entrando em contato com cada coordenação de curso, foram solicitadas
as ementas das disciplinas dos cursos de licenciatura. A leitura das ementas serviu
para selecionar quais disciplinas possuem como tema o esporte em seu conteúdo
programático. As disciplinas que enfatizam em sua denominação as modalidades
esportivas (ex: Basquetebol) ou conjuntos de modalidades esportivas (ex:
Metodologia dos Esportes Coletivos) foram inicialmente contempladas.
Busquei também disciplinas com abordagens do esporte por outras
dimensões como sociologia do esporte, filosofia do esporte, história da educação
física, etc. Nesse critério encontrei nos cursos pesquisados as seguintes disciplinas:
História e Filosofia da Educação Física (UNESC), Bases do Profissional de
Educação Física e Pedagogia da Educação Física (UNISUL), Introdução à
Educação Física (ESUCRI), História da Educação Física (UNIBAVE).
5 A UNISUL também possui um curso no Campus Pedra Branca, no município de São José, que não incluí em meu estudo.
21 21
Disciplinas que indicavam o esporte como tema, mas que se referiam a
atividades corporais, como por exemplo “esporte na natureza”, foram excluídas da
análise6. Também foram desconsideradas disciplinas que em sua ementa explicitam
uma abordagem exclusivamente motora ou instrumental. Como exemplo, cito a
disciplina de Habilidades do Esporte, que traz em sua ementa: “Desenvolvimento
das capacidades motoras gerais: visão periférica, percepção, deslocamentos,
equilíbrio, tempo de reação”. (UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE,
2003).
Das disciplinas selecionadas observei as referências apontadas. Como o
volume de obras era significativo e inviabilizaria a pesquisa pela ausência de tempo
para análise de todas as referências, realizei nova seleção, optando pelas disciplinas
que tratam especificamente das modalidades esportivas basquetebol, voleibol,
handebol e futebol/futsal, e as disciplinas já citadas anteriormente: História e
Filosofia da Educação Física (UNESC), Bases do Profissional de Educação Física e
Pedagogia da Educação Física (UNISUL), Introdução à Educação Física
(UNIBAVE). A escolha das modalidades esportivas justifica-se pela tradição
pedagógica que as elege como modalidades hegemônicas nas aulas de Educação
Física na Educação Básica. Desse levantamento, cheguei a um total de dezesseis
disciplinas7, conforme quadro a seguir:
6 No capítulo três estão apresentadas as caracterizações utilizadas para conceituação do esporte. A leitura desse capítulo permitirá a compreensão do recorte executado. 7 A disciplina esporte coletivo V-futebol do UNIBAVE ainda não foi ministrada por ser um curso em implantação. A coordenação comunicou não estar constituído o plano de ensino, o que inviabilizou considerar essa disciplina na pesquisa.
22 22
Disciplinas Ementa Instituição 1. História e
Filosofia da Educação Física
O processo histórico, social e político da origem e evolução da Educação Física. Bases epistemológicas históricas e filosóficas das correntes teóricas em Educação Física. O fenômeno da corporeidade e suas implicações filosóficas nos processos pedagógicos e esportivos.
UNESC
2. Metodologia dos Esportes Coletivos I
Evolução, organização e metodologia dos esportes coletivos institucionalizados: voleibol, basquetebol.
UNESC
3. Metodologia dos Esportes Coletivos II
Evolução, organização e metodologia dos esportes coletivos institucionalizados: handebol, futebol, futebol de salão.
UNESC
4. Bases do Profissional de Educação Física
A estrutura da universidade. História da Educação Física. Os jogos olímpicos e principais eventos esportivos do cenário catarinense e brasileiro. O esporte e sua importância econômica e social. Legislação profissional. Documentos de Intervenção do Profissional. Cenário do campo de atuação do profissional de Educação Física. Código de ética e conduta profissional. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
UNISUL
5. Pedagogia da Educação Física
Estudo dos procedimentos das teorias pedagógicas dos esportes individuais, coletivos e de lutas. Análise da ação pedagógica do profissional de Educação Física, estrutura e responsabilidade frente as variáveis no processo ensino-aprendizagem. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
UNISUL
6. Fundamentos Metodológicos do Handebol
Histórico do handebol em âmbitos mundial, nacional e estadual. Fundamentos e habilidades individuais no handebol. Gestos técnicos do handebol no desenvolvimento das funções motoras. Planejamento escolar de handebol com conteúdos adequados a diversas faixas etárias e treinamentos, preparação de equipes. Aspectos físicos, técnicos e táticos do handebol. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
UNISUL
7. Fundamentos Metodológicos do Voleibol
Histórico e evolução do voleibol e sua estrutura formal. Princípios da técnica, da tática e da interpretação das regras oficiais. Possibilidade das atividades de voleibol como fator de desenvolvimento do ser humano em análise teórica e vivência prática. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
UNISUL
8. Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal
Histórico do futebol e futsal. Fundamentos e habilidades individuais. Gestos técnicos no desenvolvimento das funções motoras. Métodos de ensino e estratégias utilizadas para o ensino do futebol e futsal. Planejamento escolar para o futebol e futsal. Abordagem destes aspectos para o futebol de campo e futsal. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
UNISUL
9. Fundamentos Metodológicos do Basquetebol
Histórico e a evolução do basquetebol em âmbito mundial, nacional e estadual como prática educativa. Fundamentos e habilidades individuais no basquetebol. Gestos técnicos
UNISUL
23 23
do basquetebol no desenvolvimento das funções motoras. Conhecimento didático pedagógico dos fundamentos do jogo no contexto do esporte escolar, através de sequências pedagógicas. Jogo lúdico e noções das regras da modalidade. Prática pedagógica, sob orientação e supervisão docente, compreendendo atividades de observação dirigida ou experiências de ensino.
10. História da Educação Física
Origem e evolução dos conceitos da Educação Física. Evolução dos fenômenos na Educação Física. Acontecimentos que marcaram a História da Educação Física. História dos Jogos Olímpicos. A história da Educação Física no Brasil. Ética Profissional. Bioética. Legislação.
UNIBAVE
11. Esporte Coletivo I – Voleibol
Conhecimento histórico dos fundamentos e das regras básicas da modalidade técnico-esportivo visando o domínio de suas características fundamentais, o método e a didática de transmissão dos seus conteúdos. Participação na organização prática de eventos e na análise destas na cultura desportiva.
UNIBAVE
12. Esporte Coletivo II – Handebol
Conhecimento histórico dos fundamentos e das regras básicas da modalidade técnico-esportiva visando o domínio de suas características fundamentais, o método e a didática de transmissão dos seus conteúdos. Participação na organização prática de eventos desportivos e na análise destas na cultura Desportiva.
UNIBAVE
13. Esporte Coletivo III- Basquetebol
Os aspectos fundamentais do Basquetebol e a realidade socialmente construída. O Basquetebol da e na escola. As regras da modalidade, as possibilidades didático-pedagógicas do basquetebol.
UNIBAVE
14. Esporte Coletivo IV – Futsal
Conhecimento histórico dos fundamentos e das regras básicas da modalidade técnico-esportiva visando o domínio de suas características fundamentais, o método e a didática de transmissão dos seus conteúdos. Participação na organização prática de eventos desportivos e na análise destas na cultura Desportiva.
UNIBAVE
15. Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos I
Conceituação e classificação dos esportes coletivos. Princípios básicos de fundamentos técnicos e táticos. Fundamentos pedagógicos da iniciação esportiva. Esportes coletivos na aula curricular de Educação Física no Ensino Fundamental. Estratégias pedagógicas de ensino: simplificação de regras, esportes “mini” (mini-handebol, voleibol, etc). Fundamentos técnico-táticos do Voleibol e Handebol.
ESUCRI
16. Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos II
Metodologias de ensino-aprendizagem-treinamento nos esportes coletivos. Fundamentos técnicos e táticos do Basquetebol e do Futsal/Futebol. Sistemas de jogo. Os esportes coletivos na aula de Educação Física curricular no Ensino Médio. Esportes Coletivos e projetos educacionais na comunidade. Os esportes coletivos e a inclusão escolar.
ESUCRI
24 24
Na bibliografia básica dos planos de ensino das disciplinas selecionadas
encontram-se sessenta e seis textos.
A leitura e análise das obras objetivaram revelar quais as dimensões de
esporte são consideradas ou qual o entendimento de esporte está exposto em cada
livro empregado. Detalhamentos dos métodos de análise como agrupamentos
temáticos e utilização de “subcategorias” estão apresentados no capítulo quatro.
De posse do material bibliográfico passei a estudar a articulação do
referencial bibliográfico apontado em cada disciplina, procurando compreender que
conhecimentos podem ser oferecidos sobre esporte a partir do agrupamento das
obras listadas. Ou seja, se no conjunto das obras apontadas em cada disciplina está
garantida a complexidade e pluralidade do fenômeno esporte, ou se as obras
circunscrevem o esporte sobre um olhar único e reducionista. Por último, procurei
vislumbrar que conhecimento de esporte é proporcionado pelo conjunto de
disciplinas em cada instituição.
25 25
2 EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO FÍSICA E O CONHECIMENTO: ENTENDENDO AS
REGRAS
É necessário entender a história das concepções em educação para
visualizar a importância do conhecimento em cada uma delas. Essa história, muitas
vezes contada, é assunto dos mais repetidos e possivelmente cause certo desalento
encontrar nessa pesquisa um espaço destinado a tal questão. Não obstante o receio
de enfastiar os leitores mais preparados, abordei o tema ancorado em alguns
critérios.
O debate contemporâneo da Educação e da Educação Física não tem
destacado as questões acerca do conhecimento. Essa situação subalterna do
debate sobre conhecimento sinaliza que seu embate histórico não foi solucionado.
Em tempos de tantos sufixos “neo” e “pós” pareceu-me significativo abarcar neste
trabalho uma visão mais panorâmica da história da educação, relativizando
modernismos ou modismos e recolocando a discussão em termos mais conceituais
e fundantes. Retomo que a relação estreita, diria indissociável, entre educação e
Educação Física foi um dos eixos centrais do trabalho, e, portanto, para traçar o
debate do conhecimento em Educação Física é metodologicamente imperativo
retraçar o percurso do conhecimento em educação.
Saviani (2006) divide as teorias educacionais em dois grandes grupos: os
que entendem a educação como um instrumento de equalização social e os que,
contrariamente, entendem a educação como um instrumento de discriminação
social. Já em seu princípio enunciador, Saviani vincula a educação a projetos
específicos de sociedade. A proposta do texto foi abraçar as definições de Saviani a
partir das categorias por ele levantadas, marcadamente a categoria de
26 26
marginalidade, e em paralelo explicitar o entendimento de conhecimento
apresentado em cada concepção e período histórico.
Para Saviani (2006, p. 4), o grupo que entende a educação como
equalizador social compreende a sociedade como
essencialmente harmoniosa, tendendo à integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros, o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, no limite, com a superação do fenômeno da marginalidade (...). Como se vê, no que respeita às relações entre educação e sociedade, concebe-se a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo a construção de uma sociedade igualitária.
Algumas teorias pedagógicas basearam-se no pressuposto da “ampla
margem de autonomia em face da sociedade”. Saviani, utilizando o critério de
criticidade em relação aos condicionantes objetivos da sociedade, denomina as
teorias pedagógicas oriundas do entendimento exposto acima de “teorias não-
críticas”.
Outro conjunto de teorias pedagógicas se articulou a partir de pressuposto
diametralmente oposto.
O segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. Nesse quadro, a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade. Isso porque o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante se apropriando dos resultados da produção social, tendendo, em consequência, a relegar os demais à condição de marginalizados. Nesse contexto, a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalização. Nesse sentido, a educação, longe de ser um instrumento de superação da marginalidade, converte-se num fator de marginalização já que sua forma específica de reproduzir a marginalidade social é a produção de marginalidade cultural e, especificamente, escolar. (SAVIANI, 2006, p. 4)
27 27
Esse segundo conjunto de teorias compreende a educação em sua
relação de determinação social. Não apresentam, contudo, o entendimento de que
no seio da educação habitam as contradições decorrentes das resistências de
classe. Nesse sentido, à educação cabe o papel da reprodução da ordem social. Por
essa percepção, Saviani vai cunhar a expressão “teorias crítico-reprodutivistas”.
Saviani (2006) apresenta então propostas educacionais ou reflexões sobre
a função da educação que se organizaram a partir desses dois entendimentos. Na
primeira categoria elenca: a pedagogia tradicional, a pedagogia nova e a pedagogia
tecnicista. Na segunda categoria a Teoria do Sistema de Ensino como Violência
Simbólica, a Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado e a Teoria da
Escola Dualista.
Tendo em vista que o conjunto de análise encapsulado no conceito
Teorias Crítico-Reprodutivistas não articulou propostas de intervenção pedagógica,
concluindo pela impossibilidade da educação ser um espaço de contradições e
mudanças, o embate é feito com as teorias não críticas. Não pretendo, portanto,
investir nenhum esforço no sentido de acrescentar as perspectivas crítico-
reprodutivistas às análises, o que não desobriga os educadores de se apropriarem
de suas reflexões.
Iniciando pela pedagogia tradicional, Saviani (2006) evidencia a relação da
constituição dos “sistemas nacionais de ensino” com os interesses na classe
burguesa a partir de meados do século XIX. Essa escola em estado incipiente
pretende desempenhar o “papel de difundir a instrução, transmitir os conhecimentos
acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente”. (SAVIANI, 2006, p. 6).
Os alunos entrariam na escola em condições diferenciadas de conhecimentos e aprendizagens, porém deveriam sair em condições aproximadamente equalizadas; isso lhes garantia a possibilidade de construir individualmente a igualdade; a igualdade aí significa a disputa
28 28
individual entre iguais. A educação escolar criaria condições individuais para a luta pela igualdade. (LUCKESI, 2007, p.134)
O conhecimento é organizado, sistematizado, hierarquizado pelos
professores e repassado aos alunos. A classe de aula foi o modelo de organização
empregado. Porém, ficou claro que essa concepção não conseguiu cumprir suas
promessas de universalização e qualidade e abundaram críticas à denominada
Escola Tradicional.
A pedagogia nova pretendia ser resposta às dificuldades encontradas na
Escola Tradicional.
A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantá-la, primeiro, através de experiências restritas; depois advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares. (SAVIANI, 2006, p. 7)
Essa teoria principia o movimento de desvalorização do conteúdo, e uma
aproximação do entendimento da educação à luz das compreensões da psicologia e
dos valores. Utilizo as palavras textuais de Saviani (2006, p. 9) na caracterização e
delimitação da pedagogia nova.
Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional, tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (SAVIANI, 2006, p. 9)
As ideias escolanovistas exerceram forte efeito gravitacional nos atores
da cena educativa da época. Suas promessas de qualificação do ensino e da
29 29
atenção necessária às formas como os alunos deveriam assimilar o conhecimento
marcaram toda uma geração de educadores e continuam influenciando discursos e
práticas na educação.
Quando a escola nova emite sinais de que não atingiria seus propósitos,
surge no horizonte nova proposição pedagógica, a pedagogia tecnicista. Segundo
Saviani (2006, p. 12), na pedagogia tecnicista:
Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. Daí a proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o microensino, o telensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar, etc. Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas.
Novo deslocamento! Afasta-se a centralidade do aluno - que por sua vez
havia afastado a centralidade do conhecimento e constitui-se o marco dos
processos. É a organização dos especialistas em planejamento que passava a
balizar a intervenção pedagógica. Nesse ambiente de fragmentação do trabalho
pedagógico, em que o objetivo era a operacionalização e implementação da lógica
fabril para o meio escolar, diluiu-se ainda mais a importância do conteúdo. “Do ponto
de vista pedagógico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão
central é aprender e para a pedagogia nova, aprender a aprender, para a pedagogia
tecnicista o que importa é aprender a fazer”. (SAVIANI, 2006, p. 14)
Essas concepções de educação exerceram e exercem influência nas
escolas. Talvez mais relevante, embora não original, seja salientar que nas escolas
essas concepções coexistem, misturando-se às práticas dos professores e
constituindo um ecletismo pedagógico que confunde a observação e interpretação.
30 30
O entendimento sobre o que é conhecimento e como deve ser tratado
evidentemente sofre efeitos dessa ausência de marcos pedagógicos mais claros.
Ora, se toda a realidade social envolve sempre uma gama de perspectivas, um conjunto de aspectos interdependentes, é lógico que a análise dessa realidade deva ser considerada sob múltiplas faces. Por isso, o conteúdo escolar será sempre um instrumento de compreensão da realidade em que aluno e professor estão inseridos. O conhecimento passa a ser entendido, então, como uma forma teórica das necessidades sociais práticas dos grupos humanos. (GASPARIN, 2007, p. 40-41)
Não tive como objetivo desenvolver um ensaio sobre a pedagogia
Histórico-crítica e, portanto, não reproduzi o embate desta com as demais correntes
pedagógicas. Para o objetivo que pretendi alcançar, foi suficiente referendar a
pedagogia e apontar em seus princípios os aspectos mais relevantes para minha
proposta.
Um dos ataques mais frequentes à pedagogia histórico-crítica é de que
seria um retorno à pedagogia tradicional e que se trata de uma abordagem
essencialmente conteudista. Como o conhecimento é pedra fundamental de minha
proposta e enfatizei desde as primeiras linhas o engajamento a um projeto
revolucionário de sociedade, essas críticas fustigam diretamente os princípios
fundantes de meu estudo.
Saviani enfrenta esse debate esgrimindo a partir de uma análise dialética,
não deixando o debate deslizar para uma dicotomia entre conteúdo e forma.
Quando se insiste na importância dos conteúdos, o que se está frisando aí é a necessidade de trabalhar a educação em concreto e não de forma abstrata. Com efeito, a lógica formal é a lógica das formas e, como o próprio nome está dizendo, abstrata. A lógica dialética é uma lógica concreta. É a lógica dos conteúdos. Não, porém, dos conteúdos informes, mas dos conteúdos em sua articulação com as formas. (SAVIANI, 2003, p. 144)
31 31
Duarte (2006, p. 9), no contexto de uma crítica severa a problemas
gerados pelo lema “aprender a aprender” e em defesa de uma pedagogia histórico-
crítica, aponta, sobre o conhecimento, que:
A pedagogia histórico-crítica deve defender, de forma radical, que o papel da escola consiste em socializar o saber objetivo historicamente produzido. Não se trata de defender uma educação intelectualista nem de reduzir a luta educacional a uma questão de quantidade maior ou menor de conteúdos escolares. A questão é a de que, ao defender como tarefa central da escola a socialização do saber historicamente produzido, a pedagogia histórico-crítica procura agudizar a contradição da sociedade contemporânea, que se apresenta como a sociedade do conhecimento e que, entretanto, ao contrário do que é apregoado, não cria as condições para uma real socialização do saber. Cumpre resistir de forma ativa.
Em sua obra podem-se encontrar várias passagens em que Saviani
expressa sua divergência com o trato do conhecimento na pedagogia tradicional,
impondo à pedagogia histórico-crítica tarefas emancipadoras impossíveis à
pedagogia tradicional. Destaco as tarefas elencadas pelo autor à pedagogia
histórico-crítica:
a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação. b) Conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares. c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências de sua transformação. (SAVIANI, 2003, p. 9)
Duarte (2006, p. 11) dialoga com a passagem exposta acima e mais uma
vez desqualifica as afirmações de que a pedagogia histórico-crítica seria
“conteudista”.
[...] é evidente que essa tarefa da pedagogia histórico-crítica no âmbito da educação escolar nada tem de neutra nem de puramente técnica ou restrita às quatro paredes da sala de aula. Essa tarefa não pode ser reduzida a uma proposição pedagógica “conteudista” nem a uma mera questão de realizar pesquisas para aperfeiçoar os métodos de ensino específicos a
32 32
cada conteúdo escolar. A prioridade que a pedagogia histórico-crítica atribui ao conteúdo do trabalho educativo, a defesa intransigente que essa pedagogia faz do papel da escola na socialização das formas mais desenvolvidas do saber objetivo - significa, em termos de ações práticas, agudizar no campo da educação escolar as contradições da sociedade capitalista.
Sem dúvida, as críticas à pedagogia histórico-crítica repercutem, a
despeito de sua carência de substância, em função do peso ideológico conservador
que carregam.
As ideologias críticas que tentam negar a ordem estabelecida não podem mistificar seus adversários pela simples razão de que não tem nada a oferecer – por meio de suborno e de recompensas pela acomodação - àqueles que já estão bem estabelecidos em suas posições de comando, conscientes de seus interesses imediatos tangíveis. Por isso, o poder da mistificação sobre o adversário é um privilégio da ideologia dominante, e só dela. (MÉSZÁROS, 2007, p. 234)
Poderia citar nesse momento diversos autores e obras que constroem o
arcabouço que legitima a centralidade do conteúdo, mas farei uso da passagem de
Tonet (2005, p. 234) pela sua clareza e percuciência.
Um requisito de uma prática educativa emancipadora está no domínio dos conteúdos específicos, próprios de cada área do saber, sejam eles integrantes das ciências da natureza ou das Ciências Sociais e da Filosofia. Aqui também é preciso enfatizar que de nada adianta, para as classes populares, que o educador tenha uma posição política favorável a elas se tiver um saber medíocre, posto que a efetiva emancipação da humanidade implica na apropriação do que há de mais avançado em termos de saber e de técnica produzidos até hoje. Para dar um exemplo bem claro: o momento predominante - mas não único - que faz de um físico um educador emancipador não está no seu compromisso político, mas no seu domínio do saber e da difusão do conteúdo específico e de um modo que sempre estejam articulados com a prática social.
Espero ter elucidado a importância do conhecimento como possibilidade
revolucionária e libertadora na pedagogia histórico-crítica. O debate inequívoco que
decorre desse entendimento é o que seria conhecimento para a área da Educação
Física.
33 33
2.1 Aquecimento - A questão do conhecimento na Educação Física
Abordo, ainda que sucintamente, os marcos históricos, pedagógicos e
epistemológicos da Educação Física. Novamente afirmo a influência da área de
educação no debate e produção da Educação Física. Evidencia-se que a área da
educação apresenta uma produção mais vasta e madura na comparação com a
Educação Física. Embora óbvia essa afirmação, insisto nesse ponto para que não
se acalente uma ilusória homologia das áreas. A Educação Física recorre à
produção da educação e responde a partir de seu lugar sócio-histórico.
A Educação Física apresentou também consideráveis variações nos
entendimentos do conhecimento e da relação com o conjunto da escola e da
sociedade. Marca a Educação Física a intenção de afirmar-se como componente
curricular legítimo no espaço da escola8. Se a organização societária dos modos de
produção capitalista jamais colocou em dúvida a importância (ou o que é mais
relevante: a necessidade) da instituição escola, nunca ficou pacificada a existência
da Educação Física nesse ambiente.
Nesse cenário a área da Educação Física dialogou, quase sempre com
subserviência, com outras áreas do conhecimento socialmente mais sólidas, no
sentido de encontrar apoio a sua permanência na escola. Notadamente é no campo
das ciências da saúde e na organização militar que a Educação Física arquiteta
suas mais valiosas parcerias.
Bracht (1999, p. 72), refletindo sobre a constituição das teorias
pedagógicas da Educação Física, concorda com a ideia apresentada do
8 Apenas após a LDB de 1996 (Lei 9394/96) a Educação Física deixa de ser simplesmente uma
atividade curricular e passa a ser considerada como componente curricular.
34 34
engajamento das instituições militares e da medicina no projeto histórico da
Educação Física.
A constituição da Educação Física, ou seja, a instalação dessa prática pedagógica na instituição escolar emergente dos séculos XVIII e XIX, foi fortemente influenciada pela instituição militar e pela medicina. A instituição militar tinha a prática – exercícios sistematizados que foram ressignificados (no plano civil) pelo conhecimento médico. Isso vai ser feito numa perspectiva terapêutica, mas principalmente pedagógica. Educar o corpo para a produção significa promover saúde e educação para a saúde (hábitos saudáveis, higiênicos). Essa saúde ou virilidade (força) também pode ser (e foi) ressignificada numa perspectiva nacionalista/patriótica. Há exemplos marcantes na história desse tipo de instrumentalização de formas culturais do movimentar-se, como, por exemplo, a ginástica: Jahn e Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália e Getúlio Vargas e seu Estado Novo no Brasil.
O conhecimento tratado pela Educação Física neste período transita entre
a mais antiga prática dos movimentos ginásticos e a compreensão dos benefícios
físicos, psicológicos e sociais dessa prática e a mais recente introdução da iniciação
às modalidades esportivas com ênfase nos saberes relativos à sua execução efetiva
como domínio da técnica, das táticas elementares e das regras oficiais.
A década de 70 apresenta um conjunto de iniciativas que objetivaram o
acúmulo na área. A participação de alguns professores nos programas de pós-
graduação “stricto sensu” no exterior fortaleceu a capacidade de produção
acadêmica. Utilizo-me de uma citação de Bracht (1999, p. 59) com o objetivo de
contextualizar esse momento histórico.
A década de 70 parece ter sido realmente decisiva para a área da EF/CE9. O Diagnóstico da Educação Física e dos Desportos, realizado pelo MEC em 1969/1970, identificara a falta de pesquisa científica na área. Datam dessa década uma série de iniciativas do setor: Envio de grande número de professores para cursar pós-graduação no exterior, principalmente nos EUA; Convênios e intercâmbios com centros de pesquisa no exterior - por exemplo, com a Escola Superior de Colônia, da Alemanha; Criação e implantação de cursos de pós-graduação na área da EF/CE; Implantação de laboratórios de pesquisa, principalmente de fisiologia do esforço e cineantropometria, em alguns centros universitários – por exemplo, na UFRJ e UFRGS.
9 Educação Física e Ciências do Esporte
35 35
Não se deve esquecer que é nesse âmbito que vão surgir o CELAFISCS e, posteriormente, o próprio CBCE10.
Os ventos democráticos que sopravam a partir da segunda metade da
década de 80 contribuem para a constituição de um ambiente favorável aos avanços
sociais e acadêmicos em todas as áreas. É muito difícil precisar o início do debate
progressista que se robustece, de fato, nos anos 80 e constitui a base de
sustentação teórica, prática, política e ideológica das produções mais recentes. Não
obstante, algumas obras e artigos datados do início dos anos de 1980 sinalizam
rumos progressistas. Autores como Silvino Santin (1986) e Lino Castellani Filho
(1988), entre outros, publicam livros que apresentam uma nova tradição de
criticidade e de construção argumentativa dos textos.
O livro Metodologia do Ensino da Educação Física (SOARES et al, 1992)
tornou-se um marco de referência sobre as propostas pedagógicas progressistas da
Educação Física, em especial a proposta intitulada na obra de crítico-superadora.
Evidentemente, datar o nascimento de uma proposta pedagógica é compreender de
forma linear e pontual um processo histórico muito complexo e impreciso.
Levantei alguns acontecimentos centrais, encontros demarcatórios, obras
seminais, no sentido de montar um quadro mínimo do contexto das últimas décadas
na produção e debate da área. Esse esforço visa dar ao surgimento da concepção
crítico-superadora a devida linha histórico-pedagógica, bem como identificar o corpo
teórico e as bases epistemológicas que habitam a concepção.
Portanto, em 1992, ano do lançamento do Metodologia do Ensino da
Educação Física, vivia-se um momento de aprendizado da redemocratização,
debates sobre a função social da Educação Física e questionamentos sobre novas
10 CELAFISCS – Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul. CBCE - Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.
36 36
metodologias que pudessem responder às contradições e limitações apontadas pela
produção de viés crítico.
A concepção crítico-superadora reflete, sistematiza e propõe para a área
de Educação Física as orientações emanadas da pedagogia histórico-crítica e por
consequência da psicologia histórico-cultural11 e das bases filosóficas do
materialismo histórico dialético12.
Muito já foi escrito sobre a proposta pedagógica crítico-superadora.
Importou para o estudo a definição do conhecimento de que trata a Educação Física
nessa proposta. Soares et al (2006, p. 61-62), conceituando Educação Física e ao
mesmo tempo explicitando quais seriam seus conteúdos, consideram que:
A Educação Física é uma disciplina que trata, pedagogicamente, na escola, do conhecimento de uma área denominada aqui de cultura corporal. Ela será configurada com temas ou formas de atividades, particularmente corporais, como as nomeadas anteriormente: jogo, esporte, ginástica, danças ou outras, que constituirão seu conteúdo.
Soares et al (2006, p. 64) optam pela expressão conteúdo em função do
uso habitual dos professores, mas deixam explícito o entendimento de que conteúdo
“sempre significará ‘conhecimento’”.
Tratando de apontar a vinculação com os princípios do materialismo
histórico-dialético, Soares et al (2006, p. 40) observam como o conhecimento na
concepção crítico-superadora deve ser organizado.
O conhecimento é tratado metodologicamente de forma a favorecer a compreensão dos princípios da lógica dialética materialista: totalidade,
11
Interessante articulação da psicologia histórico-cultural com a pedagogia histórico-crítica pode ser encontrada em livro de Suze Scalcon (2002). 12 Não abordei neste trabalho as incontáveis confusões referentes às apropriações desses termos pelos educadores. Especificamente sobre a pedagogia histórico-crítica, Duarte (2006) expõe conjunto sólido de argumentos contra a posição de aproximação desta com perspectivas piagetianas. Duarte (idem) combate a inapropriação do termo sociointeracionismo para reportar-se às propostas de Saviani, considerando-a uma oportunista tentativa de impossível conciliação de Vigotsky com Piaget.
37 37
movimento, mudança qualitativa e contradição. É organizado de modo a ser compreendido como provisório, produzido historicamente e de forma espiralada vai ampliando a referência do pensamento do aluno.
Na análise da obra Metodologia do Ensino da Educação Física, utilizei-me
de parte extensa do texto de Kunz (2006, p. 20-21) por compreender que nessa
passagem o autor acaba por abordar o aspecto mais central de nosso problema de
forma direta:
A questão que mais interessa, neste momento, no trabalho em análise: relaciona-se ao tratamento dado ao conteúdo esporte como um conhecimento pedagogicamente transmitido na escola pela Educação Física. O esporte é, para esses autores, uma prática social de origem histórico-cultural e que precisa ser questionada como conteúdo pedagógico, especialmente em relação às “suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria” (p. 71). Para tanto é necessário no contexto escolar “desmitificá-lo”, através de conhecimentos que permitam aos alunos, “criticá-lo dentro de um determinado contexto sócio-econômico-político-cultural”. O mesmo conhecimento deverá, também, capacitar os alunos para a compreensão “de que a prática esportiva deve ter significado de valores e normas que assegurem o direito à prática do esporte” (p. 72). A seguir é apontado um elenco de modalidades e sua forma de transmissão em diferentes níveis de ensino. O que não ficou claro naquela abordagem, e que no meu modo de ver é um dos aspectos mais importante da questão metodológica para o ensino dos esportes, é o problema relacionado ao “conhecimento” que os alunos precisam adquirir para “criticar o esporte” e para “compreendê-lo” em relação a seus valores e suas normas sociais e culturais. Assim, quando analisa, por exemplo, o programa de Atletismo, encontra-se a mesma divisão tradicionalmente conhecida da modalidade, ou seja, em elementos do correr, saltar e arremessar/lançar. E o conteúdo a ser transmitido desses elementos também obedece a uma velha classificação, qual seja: Corridas: de resistência, de velocidade (com ou sem obstáculos); de campo- cross-country; pedestrianismo (de rua) e de revezamento. Saltos: de extensão, triplo, altura e vara. Arremesso: de peso. Lançamentos: de disco, dardo e martelo. Dessa forma, fica-se curioso em relação a esse “conhecimento” que deve ir além da simples “prática” de atividades apresentadas nos exemplos e que os alunos devem aprender.
É pertinente a crítica de Kunz sobre as fragilidades do texto de Soares et
al relativa à falta de definição do conhecimento que possibilitaria um salto qualitativo
de análise da realidade. No entanto, acredito que é no balizamento oferecido pelo
materialismo histórico-dialético, no qual Soares et al estão vinculados e que remete
38 38
à pedagogia histórico-crítica, que se encontra a possibilidade desse conhecimento
libertador. À crítica da insuficiente proposição sobre o conhecimento da Educação
Física deve-se juntar um esforço ainda mais concentrado para o aprofundamento do
tema a partir dos princípios da pedagogia histórico-crítica.
39 39
3 O ESPORTE NO CAMPO CRÍTICO: QUE JOGO É ESTE?
Este capítulo busca identificar alguns dos conhecimentos produzidos
sobre o esporte disponíveis na literatura da área. Pretendi nesta etapa do estudo
definir minimamente as fronteiras possíveis de um debate que objetive a
compreensão do esporte em algumas de suas múltiplas determinações.
O esporte ocupa posição de destaque na contemporaneidade. Encontra-
se presente em todos os continentes, aglutina multidões em estádios e ginásios,
atinge um número ainda mais expressivo a partir da cobertura midiática dos eventos
relacionados à prática esportiva.
Os Jogos Olímpicos13 e a Copa do Mundo podem ser apontados como
símbolos da materialização da capacidade humana, eventos apontados como
símbolos da capacidade humana de superação e espaço de convivência harmoniosa
de povos e cultura.
O comércio esportivo, na esteira desse fenômeno, movimenta enormes
somas de dinheiro, emprega centenas de milhares de pessoas e transforma os
campeões esportivos em mitos modernos14.
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A comoção da escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos em 2016 oferece a perspectiva adequada da dimensão contemporânea desses eventos. 14 Relatório da Fifa mostra arrecadação de US$ 253 milhões (R$ 499 milhões) com direitos de marketing no ano de 2008. Em direitos de TV, a entidade ficou com US$ 550 milhões (R$ 1,085 bilhão). O total da receita foi pouco inferior a US$ 1 bilhão (R$ 2 bilhões). Quase toda a receita é referente à Copa. Até os patrocinadores permanentes da FIFA – são seis – só têm acordos pela garantia de aparecerem no Mundial. Os novos contratos para 2014 foram fechados no primeiro semestre de 2008, com a Castrol e a Continental. Do Brasil, o Banco Itaú foi anunciado oficialmente como patrocinador do Mundial local. Outros cinco contratos deste tipo vão ser fechados. Neste caso, o COL pode ficar com a verba. O comitê organizador da Copa na África do Sul, no entanto, recebeu apenas US$ 130 milhões (R$ 256 milhões) em 2008. Esses repasses da Fifa são progressivos: crescem conforme o Mundial se aproxima. (FONTE: Observatório do esporte, acessado em 06.07.09). Rodrigo Matto, Folha de São Paulo.
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Alguns autores ressaltam o impacto emocional que o esporte exerce na
sociedade. Para Weiss (apud COLEMAN; BAUM, 1989, p. 6):
Tanto quando se participa como quando se assiste, o esporte logo atua sobre as emoções; as pessoas facilmente se dedicam/sujeitam a ele, e muitas vezes em nível tal que nenhuma outra coisa é capaz de conseguir. O entusiasmo e dedicação da humanidade ao esporte é notável e merece que se reflita sobre isso.
Ainda para o autor, nenhum outro empreendimento humano
entra nas discussões diárias das pessoas ou requerem fidelidades fundamentais da mesma forma ou no mesmo grau que o esporte o faz. É o esporte que atrai o interesse e suscita dedicação de jovens e velhos, de sábios e ignorantes, de cultos e analfabetos. (WEISS, apud COLEMAN; BAUM, 1989, p. 6)
A impactante presença do esporte a partir do espaço de mídia ocupado,
sua cada vez mais robusta participação na estrutura capitalista e os sentimentos que
gera na população em geral são inegáveis (descolando-se aqui de uma análise
apenas economicista) e nos oferece no mínimo uma perspectiva de sua relevância.
Essa apresentação do esporte não esgota sua ubiquidade contemporânea
e não aprofunda o entendimento de suas múltiplas faces. Na verdade, tratar o
esporte com o olhar empolgado de torcedores mais confunde do que esclarece.
Os homens usam dinheiro e com ele fazem as transações mais complicadas, sem ao menos saber, nem ser obrigados a saber, o que é o dinheiro. Por isso, a práxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade. (KOSIK, 2002, p.14)
Faz-se necessário compreender o esporte a partir de critérios mais
rigorosos de análise. Da leitura das obras brotaram alguns temas ou eixos que pela
recorrência validam sua relevância. A questão da distinção entre esporte moderno e
esporte antigo parece ser temática consagrada entre os autores. Não significa dizer
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que os autores concordem com o mérito de forma inquestionável, nem que não
apresentem importantes divergências de análise sobre variados fenômenos
esportivos. Contudo, todos debatem a partir da tese fundamental de separação do
esporte moderno das anteriores manifestações de práticas corporais.
Decorrente desse debate, mas com vitalidade própria, a polêmica de
homologia ou autonomia do esporte em relação às estruturas sociais encontra-se
fortemente demarcada na produção crítica da área. Novamente, não encontrei
posição única. Diferenças sobre questões mais leves e sutis existem entre os
autores, bem como distinções mais substanciais e agudas.
Outro eixo que bebe na fonte da homologia do esporte com as estruturas
sociais é de que a principal influência seria da sociabilidade capitalista. Ou seja, dos
variados recortes possíveis de serem feitos para a confirmação de uma relação
imbricada da sociedade com o esporte, a mais estreita e fundamental é a
econômica.
Por último, tema mais contemporâneo é a manifestação do esporte como
espetáculo. A tendência de espetacularização do esporte é resultado da
consolidação do esporte como mercadoria. As inovações tecnológicas e as
modernas configurações de tempo e espaço permitiram o aparecimento de novas
estratégias de marketing e relações atleta-torcedor.
É a delimitação precisa do esporte enquanto construto sócio-histórico e
não como qualidade intrínseca do ser humano, condição quase metafísica, que
constitui sua condição de objeto pedagógico da Educação Física. Não seria o
esporte cultura corporal se não pudéssemos retraçar seu percurso histórico. Não
seria histórico também, se suas representações estivessem já determinadas,
acabadas e fechadas às transformações presentes e futuras.
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A tentativa de conceituar o esporte enfrenta sempre a dificuldade de
abarcar em uma única sentença as variadas manifestações e entendimentos
possíveis. Em geral a solução escolhida é a caracterização do esporte a partir de um
conjunto de enunciados que não se excluem uns aos outros e por ângulos diversos
procuram envolver o fenômeno.
Brohm (apud PRONI, 2002, p. 33) fundamentando-se em Marx insere o
esporte no princípio da totalidade, entendendo que sua “complexidade só pode ser
desvendada por meio de uma ‘síntese de abstrações’ e cuja evolução é guiada pelas
contradições que lhe são inerentes”.
Kunz (2006, p. 29) levanta importantes considerações sobre a “dimensão
polissêmica” do esporte.
O fenômeno social do esporte, para poder ser transformado numa atividade de “interesse real” a todos os participantes, deve ser compreendido na sua dimensão polissêmica. Isso significa que compreender o esporte nessa dimensão deve abranger também, conforme Brodtamann/Trebels (1979): 1. ter a capacidade de saber se colocar na situação de outros participantes no esporte, especialmente daqueles que não possuem aquelas “devidas” competências ou habilidades para a modalidade em questão; 2. ser capaz de visualizar componentes sociais que influenciam todas as ações socioculturais no campo esportivo (a mercantilização do esporte, por exemplo); 3. saber questionar o verdadeiro sentido do esporte e por intermédio dessa visão crítica poder avaliá-lo.
Kunz (2006) aponta dois entendimentos de esporte: em sentido restrito e
sentido amplo. No sentido restrito considera o esporte que tem como conteúdo o
treino, a competição, o atleta e a lógica do rendimento. No sentido amplo considera
como esporte jogar, dançar, caminhar, andar de bicicleta, brincar, enfim um conjunto
diverso de movimentos e atividades. Em suas reflexões, o esporte que interessa a
uma Educação Física progressista seria o esporte em seu sentido amplo,
considerando que em seu sentido restrito o esporte não apresenta condições de
uma intervenção progressista.
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Por sua vez, Brohm (apud PRONI, 2002, p. 41) sustenta uma definição de
esporte que abarca quatro dimensões:
1. Sistema institucionalizado de práticas competitivas (com predomínio do aspecto físico) delimitadas, reguladas, codificadas e regulamentadas convencionalmente, cujo objetivo é designar o melhor concorrente ou registrar o melhor desempenho; 2. Sistema de competições físicas universalizadas, aberto a todos, que se estende no espaço e no tempo sociais, cujo objetivo é medir e comparar o rendimento humano; 3. Sistema cultural dedicado a registrar o progresso corporal humano (o positivismo institucionalizado do corpo), a instituição devotada à progressão física continuada e a ininterrupta busca de superação das façanhas; 4. E campo de relações sociais no qual impera o espírito novo, industrial, a mentalidade do rendimento e do êxito.
É importante distinguir nesse esquema de análise o esporte antigo do
moderno, apresentando as diferenças existentes entre essas manifestações. Para
Brohm (apud PRONI, 2002, p. 37),
o esporte moderno difere do antigo não apenas por introduzir a noção de recorde, mas fundamentalmente no que se refere aos respectivos “cimentos sociais” (relação de produção escravista versus capitalista) e à concepção de corpo associada às tendências dominantes nos respectivos modos de produção (metafísica do finito versus teoria do progresso linear e contínuo).
O autor continua seu estudo aprofundando um sistema de consolidação
do esporte tal como o conhecemos.
O fato é que o esporte, tal como o entendemos, i) nasce com a sociedade industrial e é inseparável de suas estruturas e funcionamento; ii) evolui estruturando-se internamente de acordo com a evolução do capitalismo mundial; e iii) assume forma e conteúdo que refletem essencialmente a ideologia burguesa. (BROHM, apud PRONI, 2002, p. 37).
Fica evidente nessa condução teórica a diferenciação do esporte moderno
e suas representações sociais, do esporte praticado na antiguidade, se é que
podemos denominar tais práticas de esporte. Da mesma forma que os autores,
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compreendo que o processo histórico do esporte não é contínuo e linear, sofrendo
descontinuidades e rupturas, o que o formata a partir das condições objetivas em
forte mutação da passagem feudal para o modo de produção capitalista. Uma
passagem de Bracht (2003, p. 97) fortalece a posição empregada no texto.
Tomemos como exemplo o jogo de pelota dos antigos Maias – para não recair no exemplo comum dos jogos gregos – realizado desde 1500 a.C. até a invasão espanhola (descobrimento da América) por volta de 1500 d.C. Se considerarmos a forma prática, identificaremos semelhanças com os hodiernos jogos de voleibol e basquetebol. Mas, se perguntarmos pelo sentido daquela prática, pela sua inserção sociocultural, somos forçados a reconhecer que ela muito pouco se assemelha ao esporte de hoje. Aquela atividade estava intimamente relacionada com a instituição religiosa – que nas sociedades antigas era o centro articulador e gerador de significado – ou seja, era função dessa (da instituição religiosa), fazendo parte de um ritual que culminava com um sacrifício humano, próprio dos rituais de fecundidade/fertilidade, de manutenção e preservação da vida, como demonstra o fato de que após o jogo um participante era sacrificado, sendo seu coração pulsante perfurado para que jorrasse sangue (Weis,1979, p. 103). O jogo de pelota possuía, assim, um valor solene e sagrado. Era revelador da verdade dos destinos. Através dele se alcança a ordem do mundo e a submissão a ele. Se na sociedade tradicional as práticas corporais, inclusive aquelas que alguns autores, afoitamente, chamam de esporte antigo, estavam embutidas em instituições como a religiosa e a militar, ou seja, as práticas corporais aí se realizavam sob a ótica e a lógica dessas instituições, na sociedade moderna vimos surgir uma prática corporal constituindo uma nova instituição, autonomizando-se em relação àquelas.
Para iniciar a aproximação ao esporte moderno utilizei as sete
características apontadas por Guttmann (apud GEBARA, 2002): secularismo,
igualdade de oportunidades na competição e em suas condições, especialização
das regras, racionalização possibilitando sua internalização, organização
burocrática, impulso para a quantificação e a busca dos recordes. Vale registrar, que
Proni (2002), ao destacar a análise de Guttmann, assinala que sua obra é
influenciada pela construção intelectual weberiana, o que culmina com uma análise
sobre um esporte idealizado e não uma análise histórica do esporte “real”.
Guttmann (apud PRONI, 2002), tratando da questão do secularismo,
considera relevante o fato que culturas primitivas raramente apresentavam uma
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palavra para definir esporte. Decorrência dessa linha de raciocínio considera
equivocado apontar os esportes gregos como antecessores dos esportes modernos,
uma vez que nos jogos gregos o caráter religioso era absolutamente evidente. O
autor concebe nas práticas romanas uma aproximação maior com o esporte
moderno.
Os romanos não tinham nem competições, nem festivais tributados para os “deuses”, eles se exercitavam para manter a forma física e para participar de seus eventos. Com isso não se quer dizer, em absoluto, que esses eventos eram completamente despojados de um caráter ritual. Os esportes gregos eram considerados efeminados pelos romanos. Para os romanos, esportes eram brigas, corridas de bigas e coisas do gênero, os quais tinham um tom bestial. Em seu caráter secular, os esportes romanos estão mais próximos do esporte de nossos dias. Os eventos romanos, marcados pelo ideário clássico do pão e circo, também guardam semelhança com a idéia do espetáculo, que é uma idéia nuclear na sociedade de nossos dias. (GUTTMANN, apud PRONI, 2002, p. 66)
Atualmente restam poucas dúvidas sobre o esporte ser um fenômeno
secular. Para Pilatti (2002, p. 67), “a ligação entre o secular e o sagrado foi
quebrada; entre o real e o transcendental também. O tempo do esporte não é mais
um tempo ritual”. A característica de igualdade não se encontrava nos povos
primitivos. Sobre a influência dos cultos religiosos não fazia sentido tecer
considerações sobre as condições objetivas do esporte. “As equipes que se
colocavam em contenda eram montadas pelos ‘deuses’”. (Idem, Ibidem)
Pilatti (2002) chama a atenção para a contradição dos povos romanos
que, aceitando a ideia de igualdade, contudo organizavam as lutas de gladiadores
com os mais variados arranjos. Homens enfrentavam animais ou digladiavam com
armas diferentes. Anões e mulheres eram utilizados nas arenas em combates
bizarros que objetivavam a atenção e o entusiasmo do público.
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A terceira característica apontada por Guttmann é a especialização. Para
Guttman (apud PILATTI, 2002, p. 70), os jogos populares medievais e pré-modernos
possuíam três eixos de semelhança:
1) elementos do que depois se tornaram jogos altamente especializados como rúgbi, futebol, hóquei, boxe, luta livre e polo eram contidos freqüentemente em um único jogo; 2) havia pequena divisão de trabalho entre os jogadores; e 3) nenhuma tentativa foi feita para esboçar uma distinção forte e rápida entre jogar e assistir.
Como aponta Pilatti (2002), no esporte moderno temos o sentido oposto,
um crescente movimento de especialização – por vezes hiperespecialização – não
só dos atletas, mas de um conjunto de atores envolvidos no espetáculo esportivo.
Em paralelo, a organização dos eventos também se modernizou, transformando as competições esportivas em megaespetáculos. Essas transformações, impostas pela especialização, geraram o profissionalismo, ou seja, transformaram o tempo de trabalho do atleta em um tempo de especialização. (PILATTI, 2002, p. 70)
A característica da racionalização trata da transição das regras orientadas
pelo divino para mudanças orientadas pelas relações humanas que articulavam
interesses específicos da sociedade que emergia. Para Pilatti (2002, p. 71), “são
apresentados os eventos de cultuação do povo maia, orientados por regras de
cunho divino, de um lado, e o basquete, esporte inventado racionalmente e dotado
de regras gradativamente mais complexas e universais, de outro lado”.
A construção e articulação desse sistema esportivo solicitaram uma
organização inexistente nos povos primitivos. Foi necessária a criação de um
aparato burocrático que por si só tornou-se representativo do esporte moderno.
Instituições esportivas para cuidar da organização e interesses das modalidades
específicas e do esporte em geral proliferaram e se fortaleceram com a passagem
dos anos. A burocratização é característica inconfundível do esporte nos dias atuais.
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Instituições esportivas como FIFA15 e COI16 possuem vigor social, político e
financeiro comparáveis aos antigos blocos de organização dos estados políticos.
Pilatti (2002, p. 72) relaciona a burocratização a outras duas
características do esporte moderno.
A configuração do processo pode ser percebida, entre outras características, na universalização das regras, na elaboração de estratégias de desenvolvimento mundial implantadas pelas organizações gestoras, no controle de recordes, na produção de espetáculos, tudo dentro de uma visão administrativa racionalmente moderna. Muito provavelmente é esse o fator preponderante na modernização, ou não, de uma modalidade esportiva. A essa característica estão associadas as duas últimas características do esporte moderno indicadas por Guttmann: a exigência de quantificação e a busca de recordes.
A quantificação, aspecto tão presente em nossa sociedade moderna, é
simbolizada no esporte pela invenção do cronômetro, datada de 1730.
(GUTTMANN, apud PILATTI, 2002). A busca de recordes é característica única e
exclusiva da modernidade, não se encontrando em nenhum período histórico ou
civilização específica.
Gebara (2002) reconhece a importância do modelo proposto por
Guttmann, mas se propõe a uma abordagem que valorize o processo histórico de
constituição do esporte moderno. Ou seja, recusa o tratamento a partir de categorias
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A Federação Internacional de Futebol Associação (do francês: Fédération Internationale de Football Association), mais conhecida pelo acrônimo FIFA, é a instituição internacional que dirige as associações nacionais de futebol, o esporte coletivo mais popular do mundo. Filiada ao COI, a FIFA foi fundada em Paris em 21 de maio de 1904 e tem sua sede em Zurique, na Suíça. Ao todo possui 210 países e/ou territórios na associação. Com esse número, é a instituição internacional que possui a maior quantidade de associados, inclusive mais associados do que a ONU. 16
O Comitê Olímpico Internacional (COI) foi fundado em 23 de junho de 1894 pelo barão francês Pierre de Coubertin com o intuito de organizar os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna e ajudar a promover a sua realização de quatro em quatro anos. É uma organização não governamental e não lucrativa que atualmente atua como órgão centralizador da administração e legislação das Olimpíadas. Coordena o chamado Movimento Olímpico, que hoje inclui 205 Comitês Olímpicos Nacionais, 34 Federações Esportivas Internacionais, os Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos, associações, clubes e, claro, os atletas.
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preconcebidas e procura compreender as condições objetivas, relações econômicas
e políticas que urdiram o fenômeno esportivo.
Para traçar esse caminho, Gebara cita a obra de Hobsbawnm (apud
GEBARA, 2002, p. 7).
Para referir-se ao surgimento da política de massas em final do século XIX, coloca a questão do ressurgimento dos elementos “irracionais” na manutenção da estrutura e da ordem social. Neste sentido, três novidades seriam mais importantes: a educação primária secular, as cerimônias públicas e a produção em massa de monumentos públicos. Afirma ainda que a invenção das tradições políticas mais universais foi obra dos Estados, não obstante tenham participado deste processo movimentos de massa que reivindicavam status independente, como os movimentos socialistas operários (com o 1º de maio). Esse processo apresentou tradições próprias, entre elas o esporte; particularmente o futebol tornar-se-ia um “culto proletário de massa”. Esta modalidade se modernizou em torno dos anos 1880, funcionando em escala local e nacional: de esporte amador das escolas particulares inglesas, tornou-se, a partir de 1885, proletarizado e profissionalizado. Os clubes passaram a ser organizados e dirigidos por comerciantes. De uma certa maneira, no continente europeu o mesmo fenômeno se verificaria com o ciclismo.
Betti (1997) explicita que o esporte atual é produto da Revolução Industrial
na Europa ocorrida nos séculos XVIII e XIX, sobretudo a partir da Inglaterra.
Até o século XVIII, o esporte era uma prática tipicamente aristocrática na Inglaterra, tendo este panorama se modificado substancialmente no decorrer do século seguinte, com a proliferação do esporte em outras camadas sociais e sua institucionalização em órgãos diretivos... Houve relação entre o aumento do tempo de lazer, em parte induzido pela Revolução Industrial, e a difusão do esporte entre a população operária e urbana. O esporte tornou-se acessível às classes trabalhadoras inglesas em decorrência de conquistas como a redução da jornada de trabalho, por volta de 1870. Foi então que se deu a grande proliferação de clubes esportivos e organizações distritais. (BETTI, 1997, p. 17-18)
Buendia (2001), procurando descrever a origem do esporte moderno,
caminha pelos entendimentos de diversos autores, entre eles Diem (1966) e sua
controvertida hipótese sobre as peculiaridades do povo inglês como variáveis
significativas para a gênese do esporte. Para Diem (apud BUENDIA, 2001), é a
soma do caráter empreendedor, o gosto pelas apostas, o apreço pela demonstração
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de força física e de forma especial o “espírito esportivo inglês” que vem a ser o
“motor” que impulsionou o surgimento do esporte moderno.
Mandell (apud BUENDIA, 2001) reconhece a originalidade inglesa em
questões como a criação de regras de jogo fixa para esportes distintos, a formulação
do conceito de “esporte amador”, a noção de recorde esportivo, o desenvolvimento
do trabalho em equipe e a planificação do treinamento. Contudo, Mandell (idem)
recusa as qualidades intrínsecas do povo inglês como explicação para esses
avanços, apontando as condições geo-políticas da Inglaterra como determinantes de
especiais condições sociais e econômicas em relação ao restante da Europa.
O entendimento neste estudo foi de que o esporte em questão, ou seja, o
esporte contemporâneo que exerce influência dominante na plataforma pedagógica
da Educação Física é o esporte moderno de base capitalista. Para referendar essa
opção utilizei o estudo de Proni que, dialogando com a obra de Jean Marie Brohm,
traça o percurso de organização do esporte a partir do capitalismo.
Um dos temas abordados por Brohm (apud PRONI, 2002, p. 32), refere-se
aos os desvios ideológicos do esporte como a exploração do atleta e a utilização
como propaganda política.
Esses desvios refletiam a ambientação do esporte a um mundo organizado em torno do capitalismo industrial (que se expressa na ênfase no máximo rendimento, na especialização do trabalho, no movimento corporal robotizado) e a utilização do esporte como aparelho ideológico do estado (que se manifesta na transformação do espetáculo em meio de distração das massas, desviando os homens adultos de uma participação política consciente). O movimento olímpico internacional era visto, dessa perspectiva, como uma instituição altamente conservadora, um gigantesco empreendimento de despolitização, baseado numa ideologia imperialista reacionária.
Brohm (apud PRONI, 2002, p. 39) reforça o entendimento de que a
gênese do esporte moderno situa-se na Inglaterra, no contexto da gênese da
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produção capitalista e na consolidação do Estado burguês. Com a expansão do
império britânico espalham-se seus esportes aristocráticos em parceria com sua
burguesia industrial. Para o autor, o “esporte é, nesta perspectiva, um produto da
sociedade burguesa industrial”. Essa posição é ratificada pelos seguintes fatores:
a) o aumento do tempo livre e o desenvolvimento do ócio (que ocupa um lugar de destaque na civilização do lazer); b) a universalização dos intercâmbios mediante os transportes e os meios de comunicação de massa (o esporte converte-se em “mercadoria cultural” graças à sua natureza cosmopolita); c) a revolução técnico-científica (que reflete-se na busca da eficiência corporal, nos novos materiais e equipamentos, inclusive no surgimento de novas modalidades esportivas); d) e a revolução democrático-burguesa e o enfrentamento das nações no plano internacional (isto é, a dinâmica político-ideológica). (BROHM, apud PRONI, 2002, p. 39)
Gostaria ainda de assentar uma passagem de Bracht (2002, p. 193-194),
em que reafirma a conexão entre as representações esportivas e o modo de
produção capitalista.
É forçoso reconhecer que é necessário identificar no processo de constituição e mudança da sociedade moderna (industrial capitalista, depois socialista, agora pós-industrial capitalista e... quem sabe o que mais?) um elemento fortemente determinante e/ou condicionante da gênese e do desenvolvimento do esporte. Entre estes elementos estruturais, destacamos a forma de organização do trabalho, da produção e suas consequências no plano da cultura.
Proni (2002, p. 43) oferece, a partir dos escritos de Brohm, sua
interpretação para uma “homologia estrutural” entre a rivalidade mercantil capitalista
e a competição esportiva:
Do mesmo modo que há uma racionalidade que organiza os mercados e a concorrência capitalista, há um quadro de normas que regulam a competição esportiva. E como os princípios da sociedade capitalista mercantil determinam estruturalmente o esporte, as categorias socioecononômicas encontram correspondência nas categorias esportivas: a especialização esportiva é o produto da divisão social do trabalho (técnica do corpo); a busca do máximo rendimento torna o recorde similar a
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uma medida da capacidade produtiva almejada; o esporte é uma corrida contra o relógio (o tempo capitalista); o espetáculo esportivo torna-se uma mercadoria; os esportistas perdem sua individualidade (despersonalização e massificação). A produtividade do sistema esportivo é medida pelo número de atletas internacionais produzidos e/ou pelo número de medalhas obtidas.
Rezer (2006, p. 146) reforça a tese de homologia do esporte com
organização social capitalista ao afirmar que,
historicamente, o fenômeno esportivo vem refletindo, em muito, a lógica do modo de produção fundamentada no capital, que aponta no sentido da maior produção, a partir do menor desgaste, fundamentado pela lógica da melhor relação custo/benefício, a partir da “livre concorrência” (lógica neoliberal, que imprime um novo caráter ao “velho” capitalismo). Este pano de fundo acaba constituindo a forma de entendimento hegemônica acerca das relações que constituem o meio esportivo, onde interpretações simplificadas e tendenciosas se difundem e acabam constituindo “verdades” difíceis de serem questionadas.
No entendimento de que a sociedade organizada a partir dos modos de
produção capitalista possui a tendência de incorporar seus sentidos, seus princípios,
a todas as esferas de relacionamento social, temos que compreender que o esporte
não conseguiria refugiar-se dessa influência. Logo os códigos e balizamentos
necessários à produção e reprodução da ordem social vigente se colocam no ideário
esportivo.
Outro autor que aponta as relações existentes entre trabalho e esporte é
Rigauer (apud VAZ, 2006, p. 8):
O esporte não é um sistema à parte, mas de diversas formas interligado com o desenvolvimento social, cuja origem está na sociedade burguesa e capitalista. Embora constitua um espaço específico de ação social, o esporte permanece em interdependência com a totalidade do processo social, que o impregna com suas marcas fundamentais: disciplina, autoridade, competição, rendimento, racionalidade instrumental, organização administrativa, burocratização, apenas para citar alguns elementos. Na sociedade industrial, formas específicas de trabalho e produção tornaram-se tão dominantes como modelo, que até o chamado tempo livre influenciaram normativamente [...].
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A insistência em demonstrar a trama indissociável do fenômeno esportivo
moderno com a organização da sociabilidade capitalista deve-se à centralidade que
tal tese possuiu na proposta desse texto. Malina e Cesário (2009, p. 29) ressaltam a
necessidade de partimos da compreensão da organização social para podermos
compreender o fenômeno esporte.
O esporte é fruto da condição humana e da transformação da natureza pelo homem, ou seja, fruto do trabalho humano e socialmente referenciado. Para sua existência foram necessárias implementações de códigos de linguagem próprios e modificações na própria estrutura social. Até chegarmos a um gesto simples, como uma braçada na piscina ou um chute de futebol, foram necessárias muitas criações e transformações que tornaram complexa a sociedade. Por isso, hoje discutimos o “mundo do esporte”, eivado de questões e contradições. As diferentes mediações que possibilitaram o desenvolvimento do esporte tornaram-se menos simplificadas na medida do desenvolvimento social do modo de produção capitalista. Como o sistema mais complexo é sempre o último, é também o ponto de partida para seu entendimento de forma ampla e nas questões particulares, como o esporte.
A transformação do esporte em objeto de consumo é decorrência
inescapável da lógica capitalista. É estratégico para a apreensão do fenômeno
esporte em sua representação moderna a clareza sobre o processo e seus
princípios.
A mercadorização do esporte significa a extensão da lógica da mercadoria para o âmbito das práticas corporais (de lazer), tanto no sentido do consumo de prestação de serviços (serviços e equipamentos) quanto na produção e no consumo do espetáculo esportivo e de seus subprodutos. (BRACHT, 2002, p. 196)
Para Vaz (2006, p. 10) “associada à questão da ideologia estaria o
caráter de mercadoria do esporte. Aliás, a demarcação ideológica se mostraria no
fato de que todos os fenômenos sociais podem tornar-se, na sociedade capitalista,
mercadoria”.
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Gebara (2002, p. 13) nos oferece interessante reflexão sobre o tema da
mercadorização:
Outro aspecto que não deve ser negligenciado, e que é evidente neste processo vivido pelos esportes nos últimos cem anos, é o seu deslocamento da área de saber articulada pelo lazer e tempo livre para aproximar-se do mundo do trabalho e da mercantilização. Trata-se de um duplo movimento: de um lado, o atleta moderno, um profissional altamente qualificado, executando tarefas possíveis com base em um ritmo e processo de treinamento, que fazem inveja aos que cultuam a qualidade total. De outro lado, as imagens produzidas por esses virtuoses se tornam elas mesmas mercadorias.
Betti (1997, p. 29), concentrando esforços na compreensão das relações
midiáticas com o esporte, indica que “uma chave importante para abrir nosso
entendimento do esporte atual é a figura do espectador. O esporte profissional é
possível porque existe um público disposto a pagar para apreciá-lo”.
Outros autores como Pires (2002) e Betti (1997) têm produzido
articulações sobre o fenômeno esportivo e a mídia.
O esporte vem se tornando uma parte cada vez maior da indústria do lazer, e um fator decisivo para isto é o papel desempenhado pelos meios de comunicação, em especial a televisão. Desde os tempos da Antiga Roma do século V d.C., quando mais da metade de sua população podia abrigar-se simultaneamente nos seus estádios e anfiteatros, uma audiência de tal magnitude só foi novamente possível na história da humanidade com o advento da televisão. O esporte e a televisão partilham de uma “relação simbiótica”, o que significa que eles apóiam-se mutuamente, e dependem um do outro. A massificação e a comercialização do esporte têm sido apontadas por sociólogos como a origem estrutural de comportamentos desviantes no esporte, como a violência, doping, fraude, etc, e frequentemente relacionados com o papel exercido pela mídia esportiva. O desenvolvimento das funções políticas e econômicas do esporte é intensificado pela reportagem esportiva. É por meio da popularidade dos astros esportivos, e da combinação do sucesso com a imagem do produto que o esporte torna-se interessante para a indústria. Por todos esses motivos a expressão “esporte espetáculo” parece ser a mais apropriada para designar a forma assumida pelo esporte na nossa sociedade. (BETTI, 1997, p. 30)
Pires (2002) anuncia o esporte como o principal parceiro da mídia na
contemporaneidade. A inclusão da publicidade no uniforme, a exploração da arena
54 54
de eventos e as mudanças significativas nas regras de diversas modalidades
atestam a fidelidade dessa relação.
Até aqui tratei da articulação das obras de autores que em linha gerais,
com ligeiras nuances, convergem na compreensão de que o esporte sofre
determinações da sociedade e em especial da organização capitalista de sociedade.
Também apresentei os acordos existentes da mercadorização do esporte que
encaminha o processo de espetacularização deste.
Contudo, alguns autores levantaram posições divergentes em relação às
posições anteriormente consideradas. Lenk (apud VAZ, 2006, p. 13) contrapõe que
“o rendimento esportivo não pode ser compreendido como trabalho compulsório,
nem como uma forma desumana de rotina e nem mesmo como trabalho ‘alienado’
no sentido que Marx atribui ao termo”.
Ainda a partir de Vaz (2006, p. 13), encontramos Lenk em sua defesa da
autonomia do esporte em relação à estrutura capitalista. O alicerce da crítica é a
impossibilidade de utilização da categoria alienação para caracterizar a relação entre
esportista e o esporte.
O rendimento esportivo não é obtido por meio de pressão rigorosa, nem é vivido como tal, mas corresponde em alto grau aos interesses e capacidades dos atletas. O esportista não se relaciona de forma “alienada” com seu desempenho. Este, por sua vez, não é vivido como carga ou obrigação, mas como livre escolha. Sob plena disposição pessoal o rendimento procurado é valorizado positivamente, tanto do ponto de vista emocional quanto afetivo, demarcando-se como um verdadeiro “gozo”.
Vaz (2006, p. 15) não tem dificuldade em retirar os alicerces da crítica
trançada por Lenk:
As observações de Lenk de que não haveria relação entre o esporte de rendimento e a pressão por resultados é pelo menos ingênua, uma vez que em tempos de extrema profissionalização parece estar cada vez mais claro
55 55
que o controle da performance é em grande parte externo ao atleta, muitas vezes dado pela mediação tecnológica. Vale o resultado e não propriamente o sujeito que o realiza ou, dito de outra forma, a ação e não o ator. Ainda que seja necessário verificar esta questão de maneira empírica, pode haver aí um indício, sim, de trabalho alienado.
Vaz (2006) encaminha suas reflexões para a necessidade de maiores
estudos sobre o fenômeno esporte sempre à luz de uma posição de crítica à
organização societária da contemporaneidade.
Este estudo não possuiu a pretensão de ser exaustivo na cobertura do
debate realizado sobre esporte no campo crítico. A lista de omissões de autores é
significativa e mesmo dos autores estudados foi analisado um conjunto específico de
textos e não sua obra completa. O que procurei traçar foram as fronteiras de um
amplo território a ser explorado. Busquei, portanto, definir os marcos para análise
das obras de referência apontadas nos cursos de formação inicial para professores
em Educação Física.
56 56
4 COMEÇA O JOGO: ANÁLISE DAS OBRAS
Inicialmente retomo questões metodológicas que balizaram a leitura das
obras. A leitura dos autores do campo crítico indicou as categorias de análise a partir
de sua recorrência na abordagem do tema esporte. Assim, orientei as análises pelas
seguintes categorias: distinção esporte moderno - esporte antigo, interdependência
do esporte em relação às estruturas sociais e mercadorização e espetacularização
do esporte.
Vários livros apontados nas referências das disciplinas tratam de
modalidades específicas e têm como objetivo explícito a apresentação de exercícios
já consagrados na área de treinamento. Abordam especificamente questões da
performance esportiva, como a preocupação da organização dos treinamentos
levando em consideração a idade dos envolvidos. Outros temas recorrentes são as
regras dos esportes em questão e a tentativa de oferecer um quadro organizativo da
modalidade em relação às questões estruturais e legais.
Alguns desses textos sugerem uma plataforma esportiva mais generalista
como, por exemplo, a obra Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos
esportivos, de Christian Kröger, em que são apresentadas propostas metodológicas
que transcendem uma única modalidade, mas não se diferenciam ou superam os
objetivos ligados ao treinamento e ao rendimento esportivo. Tratei esse conjunto de
livros como técnico-metodológico. Esse grupo, com trinta e oito obras, foi organizado
utilizando como critério as modalidades esportivas e/ou as propostas generalistas.
Organizei outro grupo com vinte e oito obras que transitam no debate do
esporte sem repousar nas questões relacionadas ao detalhamento de técnicas,
táticas, regras e metodologias de treinamento. Esses textos não constituem, no
57 57
entanto, um conjunto homogêneo seja na forma, seja no conteúdo. Procurei agrupá-
las pela proximidade de suas propostas na caracterização do fenômeno esporte.
Contudo, esse exercício de agrupamento tem limitações e procurei não imprimir
similitudes inexistentes. Quando necessário o livro foi tomado em sua singularidade
sem nenhum esforço de incluí-lo em uma estrutura mais alargada.
Alguns desses livros, como Transformação Didático-pedagógica do Esporte, de
Elenor Kunz, e Metodologia do Ensino de Educação Física, de Soares et al,
propõem metodologias de ensino da Educação Física, configuram-se como obras
seminais para as proposições críticas da área. Outros, como Educação Física no
Brasil: a história que não se conta, de Lino Castellani Filho; Educação Física e
aprendizagem social, de Valter Bracht, e Educação Física cuida do corpo e... mente,
de João Paulo Medina, não são homogêneos em seus conteúdos, transitando entre
a história, a sociologia e a pedagogia, mas apresentam em comum o traço da fase
de denúncia e reflexão da Educação Física na década de oitenta do século XX.
Outros livros se debruçam na elaboração de estudos sobre
particularidades do esporte menos visitadas pelos estudiosos. Istvan Karoly Kasznar
e Ary Graça Filha fazem uma dessas incursões em O esporte como indústria, em
que abordam predominantemente questões relativas ao impacto econômico da
atividade esportiva, centrando boa parte das análises na modalidade de voleibol.
Em vários textos é possível apenas inferir a dimensão ou entendimento do
autor ou autores sobre esporte. Como exemplo, cito o livro Ética Profissional na
Educação Física, de João Batista Tojal, que apenas tangencia o tema esporte.
Enfim, um número muito pequeno de livros não aborda a temática do
esporte. Obras como Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra, de
58 58
Leonardo Boff. Esses livros estão nos referenciais teóricos das disciplinas que
exploram outras temáticas além do esporte em suas ementas.
Com isso, embora nomeie o primeiro grupo de “técnico-metodológico”,
optei por não estabelecer um conceito unificador para esse segundo grupo devido a
sua heterogeneidade.
A análise, portanto, buscou fazer emergir das obras o entendimento de
esporte abraçado pelos autores. Ou seja, se na estrutura do texto é possível
perceber uma distinção entre esporte moderno e antigo, se são feitas conexões
entre a estrutura esportiva e a organização societária e se colocam o esporte em um
cenário amplo de mercadorização e espetacularização.
Na tentativa de ilustrar os argumentos tecidos utilizei citações das obras.
Todavia, desejando evitar um tedioso desfile de citações muitíssimo semelhantes,
optei pela seleção de algumas passagens mais elucidativas ou demarcatórias.
Nesse sentido não houve exercício de generalização, procurei manter as diferenças
entre as obras, explicitando-as quando implicaram compreensões diferentes do
esporte.
4.1 Primeiro Set: Análise das Obras Técnico-Metodológicas
Inicialmente apresento uma tabela com os livros técnico-metodológicos
organizados pelo critério das modalidades esportivas.
59 59
Modalidade Autor e Livro
Basquetebol
1. ALMEIDA, Marcos Bezerra de. Basquetebol: iniciação 2. COUTINHO, Nilton Ferreira. Basquetebol na escola. 3. DE ROSE, Dante Jr. E TRICOLI, Valmor. Basquetebol: uma visão
integrada entre ciência e prática. 4. MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo basquetebol. 5. OLIVEIRA, Valdomiro de. Ciência do Basquetebol: pedagogia e
metodologia da iniciação à especialização. 6. OLIVEIRA, Valdomiro de. Preparação física no Basquetebol: pedagogia
e metodologia da iniciação à especialização.
Futebol
1. FERNANDES, José Luiz. Futebol da “escolinha” de futebol ao futebol
profissional. 2. FREIRE, João Batista. Pedagogia do Futebol. 3. FRISSELLI, Ariobaldo; MANTOVANI, Marcelo. Futebol: teoria e prática 4. GOMES, Antonio Carlos e MACHADO, Jair de Almeida. Futsal:
metodologia e planejamento na infância e adolescência. 5. LEAL, Julio Cesar. Futebol, Arte e ofício. 6. MELO, Rogério Silva. Futebol: da iniciação ao treinamento.
Futsal
1. BALZANO, Otávio Nogueira. Metodologia dos Jogos Condicionados para o Futsal e Educação Física Escolar.
2. COSTA, Claiton Frazzon. Futsal - aprenda a ensinar. 3. FERREIRA, Ricardo Lucena. Futsal e a iniciação. 4. FONSECA, Gerald Maurício Martins. Jogos de futsal. 5. MELO, Rogério Silva. Ensinando Futsal. 6. SANTOS FILHO, José Laudier dos. Manual de futsal. 7. TENROLLER, Carlos Alberto. Futsal: Ensino e Prática. 8. VOZER, Rogério da Cunha e Giusti, João Gilberto. O futsal e a escola:
uma perspectiva pedagógica.
Handebol
1. Confederação Brasileira de Handebol. Handebol - Regras Oficiais. 2. EHRET, Arno; SPATE, Dietrich; SCHUBERT, Renate; Roth, Klaus. Manual
de Handebol. 3. MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo handebol. 4. SANTO, Ana Lúcia Padrão. Manual de mini-handebol: programa de
iniciação para crianças entre 6-10 anos. 5. SANTOS, Rogério dos. Handebol – 1000 exercícios. 6. SIMÕES, Antonio Carlos. Handebol defensivo: conceitos técnicos e
táticos. 7. TENROLLER, Carlos Alberto. Handebol: Teoria e Prática.
Voleibol
1. BIZZOCHI, Cacá. O voleibol de alto nível: da iniciação à competição. 2. BOJIKIAN, João Crisostomo Marcondes. Ensinando o Voleibol 3. CAMPOS, Luis Antonio Silva: Voleibol da Escola. 4. COSTA, Adilson Donizeti. Voleibol: Fundamentos e Aprimoramento Técnico 5. MORAVIA, Otto. Voleibol – 1000 exercícios. 6. SHALMANOV, Alexander. Voleibol: fundamentos biomecânicos.
Gerais
1. OLIVEIRA, José; TAVARES, Fernando. Estratégia e tática nos jogos desportivos coletivos.
2. TAVARES, Fernando. Estudo dos jogos desportivos: concepções, metodologias e instrumentos.
3. TEIXEIRA, Hudson Ventura. Educação física e desportos: técnicas, táticas, regras e penalidades.
4. GRECO, Juan Pablo. Iniciação esportiva universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube.
5. KROGER, Christian. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos.
TOTAL 38 Livros
60 60
Foi dada maior atenção aos capítulos dos livros referenciados que
pudessem elucidar o entendimento do autor sobre o esporte, sua caracterização e
manifestações contemporâneas. A partir das categorias enunciadas organizei
algumas pistas a serem perseguidas:
� Se e como os autores apresentaram a gênese e o percurso histórico da
modalidade.
� Se havia uma articulação explícita das categorias do esporte moderno
com questões relacionadas às modalidades esportivas.
� Como foram apresentadas e justificadas as constantes modificações
de regras das modalidades esportivas.
A presença (ou ausência) de menção da gênese e percurso histórico da
modalidade oferececeu subsídios para compreensão do autor sobre o esporte.
Como aponta Luckesi (2007, p. 127), “não se pode esquecer que o passado se faz
presente em qualquer situação ou objeto do conhecimento ao qual nos
dediquemos”.
A inexistência dessa abordagem denunciou uma compreensão não
histórica de alguns autores do processo de constituição do esporte. Algumas obras,
procurando caracterizar sua modalidade, se limitaram a afirmar que se tratava de
uma modalidade esportiva com determinadas regras e com determinada origem.
Bojikian (2003, p.19)17 caracteriza o voleibol, em texto elucidativo,
limitando-se a elencar suas regras:
17
Obra de referência das disciplinas Fundamentos Metodológicos do Voleibol da UNISUL e Esporte Coletivo I da UNIBAVE
61 61
O voleibol é praticado em quadra retangular (18x9m), dividida ao meio por uma rede que impede o contato corporal entre os adversários. A disputa é entre duas equipes compostas por 6 jogadores que podem ter, no máximo, 6 reservas. O jogo consiste em golpear a bola (geralmente com as mãos) de forma que ela passe sobre a rede em direção ao campo defendido pelo adversário, evitando-se que ela caia no solo do seu próprio lado.
Tenroller (2004a, p. 17)18, autor que aparece citado em mais de uma
modalidade, descreve assim o que é handebol:
O Handebol (hand significa mão em inglês e ball, bola) é um esporte coletivo que pode ser posto em prática na praia, conhecido como beach handball, praticado por quatro jogadores em cada equipe, cada vez mais valorizado, já contando com calendário e competições a nível nacional e internacional organizados pela IHF ( Federação Internacional de Handebol). Poderá ser disputado em campo de Futebol com onze jogadores em cada equipe, pouco realizado atualmente, praticamente extinto. O mais conhecido acontece em ginásios cobertos, com a participação de sete jogadores em cada equipe, sendo obrigatoriamente jogado com as mãos nas três possibilidades mencionadas, devendo haver um goleiro em cada equipe para iniciar-se uma partida. Este esporte surgiu da fusão dos elementos que compõem o Basquetebol e o Futebol de Campo, no entanto, com características e regras que o diferenciam.
Menos óbvias, e seguramente mais árduas, foram as interpretações
decorrentes de textos em que se encontrou passagem sobre a constituição histórica
da modalidade. Nesse caso foi necessário perceber como o autor descreve a
história e quais pontos foram apontados como relevantes e demarcatórios da
constituição da modalidade. Exponho algumas passagens de textos em que o
decurso histórico das modalidades é abordado procurando, na articulação dos
diferentes autores, textos e modalidades referidas, explicitar a rasa dimensão
oferecida sobre o tema.
Melhem (2004, p. 23)19 conta assim o histórico do basquetebol:
O Basquetebol surgiu no ano de 1891, no Colégio Internacional da Associação Cristã de Moços, que funcionava na Universidade de Springfield, em Massachusetts, USA. Foi criado pelo professor James A. Naismith, que partiu em busca de um jogo que pudesse servir para grande número de
18
Obra de referência das disciplinas Metodologia dos Esportes Coletivos II da UNESC e Fundamentos Metodológicos do Handebol UNISUL. 19 Obra de referência da disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos I da UNESC.
62 62
alunos, fosse um exercício completo, atraente, de fácil aprendizagem e que fosse também científico, para satisfazer o interesse geral. Observando os esportes, retirou de cada um o que lhe parecia mais positivo. Percebeu que nos jogos praticados com bola, com as mãos, em que os jogadores não pudessem correr com a bola nas mãos e possuíssem um objetivo permanente (alvo-cesta), o jogo ganharia em dinamismo e poderia agradar a todos. Na primeira vez que foi praticado, Naismith chamou seus alunos, dividiu-os em duas equipes de nove jogadores, deu algumas instruções de como o novo esporte deveria ser jogado e arremessou a bola para o alto. O novo jogo obteve um sucesso tão grande que, rapidamente, foi sendo divulgado para todos os Estados Unidos e para todo o mundo.
Coutinho (2003)20 descreve uma história absolutamente semelhante
oferecendo detalhes pitorescos sobre o jogo pioneiro de basquetebol, como a
utilização dos cestos de colher pêssegos.
Campos (2006)21 organiza a abordagem histórica do voleibol com um
pequeno texto de William Morgan, reconhecido como o idealizador do esporte.
O voleibol veio preencher uma lacuna em matéria de jogos. Trata-se de um jogo de recinto fechado, para os que desejam uma modalidade esportiva menos rude que bola-ao-cesto, mas que ainda requer certo grau de atividade. É um jogo adequado a ginásio ou pátios de exercícios, mas que também pode ser jogado em campo aberto. Pode jogá-lo qualquer número de jogadores. O jogo consiste em manter uma bola em movimento sobre uma rede alta, participando, assim, do caráter de dois outros jogos: Tênis e Hand-ball.
Bizzocchi (2004, p. 3)22 oferece uma descrição da gênese do voleibol e
sua expansão que surpreende pela riqueza de informações. Identifica a estreita
relação de James Naismith, o precursor do basquetebol, com William Morgan e
postula que o voleibol decorre da necessidade de “um jogo menos vigoroso que o
basquetebol e mais recreativo que a calistenia - exercício ginástico para beleza e
vigor físicos - praticada pelos associados de meia-idade”. O voleibol, denominado de
minonette, foi inicialmente apresentado aos alunos de Morgan na ACM de Holioke e
20 Obra de referência das disciplinas Esporte Coletivo III do UNIBAVE e Fundamentos Metodológicos do Handebol da UNISUL. 21 Obra de referência da disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos I da UNESC. 22
Obra de referência da disciplina Esporte Coletivo I do UNIBAVE.
63 63
em 1896 o novo jogo foi demonstrado na Conferência dos Diretores dos
Departamentos de Atividades Físicas das ACMs da região de Springfield.
(BIZZOCCHI, 2004)
Bizzocchi (2004) revela que a troca de nome foi sugerida em função da
bola se encontrar em constante voleio (volley, em inglês) sobre a rede e coloca na
criação de núcleos internacionais da ACM, no início do século XX, a possibilidade de
expansão do voleibol.
Em nenhuma obra, de forma explícita ou velada, é feito referência ao re-
ordenamento ocorrido com a passagem do sistema feudal para o modo de produção
capitalista como aspecto relevante para o surgimento, a consolidação e a expansão
dos esportes em sua configuração moderna.
Desconsideram que “a idéia de esporte é inconcebível em uma sociedade
feudal agrária, pois exige a fluidez do mercado, o livre intercâmbio de idéias, a
liberdade jurídica dos indivíduos”. (BROHM, apud PRONI, 2002, p. 39).
Retornando as obras da bibliografia básica, Tenroller (2004b)23 aborda a
origem do futsal, a história da evolução das regras de futsal, para em seguida
encaminhar todo o processo pedagógico do ensino do futsal. A obra ocupa-se em
sua maior parte desse aspecto. A partir da polêmica da origem uruguaia ou brasileira
do Futsal, Tenroller (2004b, p. 20) inicia o histórico da modalidade. Para o autor, o
criador do futsal seria Juan Carlos Ceriani, da Associação Cristã de Moços (ACM) de
Montevidéu, a quem é atribuída a elaboração das primeiras regras em 1933.
As idéias essencialmente partiram do futebol de campo, de onde muitos fundamentos técnicos foram empregados como modelos na nova modalidade. Do basquete, aproveitou-se o tamanho da quadra; do pólo aquático a regulamentação do goleiro, e do handebol, a trave e a área.
64 64
No Brasil a partir da ACM de São Paulo o futsal rapidamente se expandiu.
Tenroller (Idem, ibidem) continua acrescentando argumentos em favor da origem
uruguaia do esporte. “Quando alguns brasileiros fizeram-se presentes na ACM do
Uruguai, eles retornaram para trazer as primeiras regras lá organizadas por Ceriani”.
Melo (2000, p.18)24 não se restringe à versão uruguaia da gênese do
futsal e aponta também dados da hipótese brasileira de criação. Nesta versão o
surgimento do futsal é datado entre o final dos anos 30 e início dos anos 40, “já que
as crianças jogavam o Futebol na Associação Cristã de Moços de São Paulo a título
de recreação, em quadra de basquete sem nenhuma preocupação com normas ou
regras”.
Voser (2002, p. 42)25 apresenta contribuição para o entendimento do
sucesso do futsal no Brasil. Reafirmando que o esporte teria surgido no Uruguai:
Entre os adultos, o gosto pelo futebol de salão era tanto que sua prática passou a ser um problema disciplinar na maioria das ACMs da América do Sul, a ponto de, na Conferência dos Diretores de Educação Física das ACMs sul-americanas, ser recomendado que a modalidade fosse limitada aos menores. A ACM de São Paulo foi a única que continuou com o seu programa para adultos. Sem dúvida, deveu-se à ACM de São Paulo a divulgação desse esporte, especialmente entre os adultos, conforme palavras encontradas nas primeiras regras divulgadas em abril de 1950 pelo Departamento de Educação Física daquela entidade.
Em nenhum dos textos consultados que abordam as modalidades de
voleibol, basquetebol e futsal, que surgem no seio da Associação Cristã de Moços –
ACM, encontra-se uma análise do seu significado26. Nenhum dos autores deteve-se
23 Obra de referência da disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos II da UNESC. 24
Obra de referência das disciplinas Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos II da ESUCRI e Esportes Coletivos IV do UNIBAVE. 25 Obra de referência das disciplinas Metodologia dos Esportes Coletivos II da UNESC e Esportes Coletivos IV do UNIBAVE. 26 A primeira ACM foi fundada no dia 6 de junho de 1844 em Londres, Inglaterra, então a maior cidade do mundo e no início da Revolução Industrial. Em 1851, fundaram-se as ACM de Montreal e Boston. Mais tarde havia ACM em países tão distintos quanto Holanda, Índia, Austrália, Estados Unidos e Alemanha. Em 1893, Myron Clark, no dia quatro de julho, funda a primeira ACM da América Latina, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Os dados mais recentes da Aliança Mundial contabilizam um
65 65
para aprofundar a apresentação do que seria a ACM, qual a sua origem e função na
ordem social da Inglaterra. Alguns autores inclusive, em omissão perigosa, não
citam a ACM como local de idealização das modalidades em questão.
Sem se reportar especificamente à ACM ou qualquer outra instituição
Brohm (apud PRONI, 2002, p. 38) explicita que “o império britânico espalhou aos
quatros ventos os esportes de sua aristocracia e de sua burguesia industrial”.
Em relação ao futebol, a obra de Frisseli e Mantovani (1999)27 investe todo
um capítulo para tratar dos aspectos históricos da modalidade. É entre as obras
listadas a que fez a maior apresentação sobre a história da modalidade escolhida.
Ao tratar da gênese do futebol considera jogos antigos como Kemari – de origem
japonesa - o grego Haspartun e o Calcio italiano. Atravessa essas manifestações até
chegar ao século XIX na Rugby School e na divisão entre o Rugby e o Footbal.
Segue então na apresentação das datas demarcatórias dos eventos relevantes do
futebol. Nas Américas são listados jogos praticados pelos Aztecas e outras tribos, no
Chile e na região da Patagônia.
Leal (2001, p. 23)28 encaminha o debate na mesma direção e forma
lembrando que “historiadores, na busca da origem do futebol, mencionam jogos com
bola de bambu nos quais se usavam pés e mãos desde cinco mil anos a.C., na
China, e 4.500 a.C., no Japão, portanto há mais de sete mil anos.”
Frisseli e Mantovani (1999, p. 7) garantem espaço em seu texto para
reafirmar a origem inglesa do jogo.
Apesar do “Cálcio” organizado existir desde 1500 e nos primórdios o futebol ter sido introduzido e disseminado na Normandia através do “Haspartum”, levado pelos conquistadores romanos, a reivindicação dos italianos da
total de 14.000 associações locais em 120 países com 45 milhões de membros. Fonte: Wikipedia. Acessado em 02.11.09. 27
Obra de referência da disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos II da UNESC. 28
Obra de referência das disciplinas Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal da UNISUL.
66 66
paternidade do futebol não procede. Devido aos relatos, parece que o processo de consolidação do futebol, como esporte, realmente ocorreu na Inglaterra, e respeitando todas as contribuições extremamente relevantes, desde a pré-história até a reunião na Taverna Freemason, não se pode negar que o início do processo de estabelecimento da maneira de se jogar do futebol moderno, tenha ocorrido na Inglaterra.
Apesar do exposto acima, em que os autores cunham a expressão futebol
moderno, fica evidente a indiferenciação no texto entre esporte moderno e esporte
antigo. A simples menção do Kemari demonstra que os autores se vinculam aos
entendimentos ligados à manifestação externa do fenômeno, não percebendo as
diferenças entre sagrado e profano que se colocam entre essas práticas.
Gebara (2002, p. 17) desenvolve um raciocínio cristalino a esse respeito.
Buscar as origens do futebol em um amontoado de práticas, ainda que formalmente impliquem chutar algo parecido com uma bola, é sem dúvida arbitrário. Não pensem que estou falando de algo enigmático; afinal de contas, não são poucos os professores de faculdades de Educação Física, especialmente da disciplina futebol, que afirmam – e o que é pior, apoiados em bibliografia realmente existente – que a origem desta modalidade está ligada a um jogo no qual os contendores chutavam os crânios dos adversários. Observem que nossa questão central, a esportivização das práticas corporais, é, arbitrariamente, reduzida a uma verdade genérica universal. Pouco importa que muitas coisas tenham sido chutadas em tempos e espaços diferentes. A questão não respondida, ou sequer pensada, é justamente saber por que aqueles chutes, dados na Inglaterra a partir de meados do século XIX, estes sim, tornaram-se universais, “ditaram as regras”, para ser mais preciso.
Nos livros apontados no referencial bibliográfico nenhuma discussão que
abrangesse as características do esporte moderno fica evidente. Várias referências
sobre a igualdade de oportunidades e especialização poderiam ser depreendidas,
mas foram sistematicamente ignoradas. Também as crescentes racionalização e
burocratização dos esportes não receberam um tratamento mais detido. Os dados
são lançados, no mais das vezes, como informações sem contexto, ou como
erudição estéril. Seguem alguns exemplos da redação encontrada.
Tenroller (2004b) discorre sobre a consolidação do futsal pontuando que
em 1955 foi fundada a Federação Paulista de Futebol de Salão para em seguida
67 67
serem fundadas as federações do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Pernambuco,
do Paraná e do Rio Grande do Sul. Em 1971 surge a Federação Internacional de
Futebol de Salão (FIFUSA) presidida pelo brasileiro João Havelange. Em 1979 foi
fundada a Confederação Brasileira de Futebol de Salão.
Coutinho (2003, p. 20) elabora um quadro explicativo das entidades
controladoras do basquetebol e das categorias de organização da modalidade
justificando que,
por ser um esporte praticado por milhões de pessoas em todo o mundo e também por contar com um grande número de competições, tanto nacionais quanto internacionais, o basquetebol necessita do apoio de algumas entidades para poder dirigir e organizar da melhor forma possível as atividades inerentes a este esporte.
A explicação do autor oferece uma leitura superficial da característica de
burocratização e muito menos procura elucidar como se edificou a estrutura
esportiva do basquetebol para em relação dialética de constituição “ser um esporte
praticado por milhões de pessoas em todo o mundo”.
Bracht (2003, p. 101-102), tecendo comentário sobre as instituições
esportivas, oferta um entendimento mais elaborado.
As instituições possibilitam que a formação de motivação passe a ser fixada em objetos do meio circundante exterior, que por sua vez passam a servir de pontos de apoio para as decisões e fornecem ao comportamento uma garantia de durabilidade. Uma instituição possui o efeito prático de servir como um propulsor de uma ação unilateral estabilizada, ou seja, a instituição “chama” o homem para uma forma específica e não para quaisquer formas de ação. Isso não é diferente com a instituição esportiva: ela fornece uma forma de satisfazer necessidades ligadas ao movimento – sem considerar agora quais motivações estejam por trás dessa necessidade.
As constantes modificações de regras das modalidades esportivas
também foram catalizadores da análise. Essas regras têm sido modificadas em
68 68
função da evolução técnica dos atletas, decorrência direta e inexorável da
profissionalização e especialização dos atores esportivos (atletas, técnicos,
dirigentes, mídia especializada, pesquisadores) e das exigências impostas pelo
fenômeno da espetacularização esportiva. Então a leitura dos textos concentrou-se
em saber se os autores na discussão das regras do esporte em foco se restringiam
à apresentação das regras oficiais em vigor ou se avançavam para um quadro
comparativo com as regras originais da modalidade e seu caminho até o formato
contemporâneo.
A divisão nesses dois blocos permitiu uma análise uniforme do primeiro.
Àqueles autores as transformações históricas das regras são irrelevantes;
importante é o conhecimento atualizado das regras e não uma reflexão sobre os
condicionantes histórico-concretos dessas transformações. O segundo bloco
precisou ser lido com maior rigor, procurando depurar da exposição do percurso das
regras pioneiras até o estádio atual qual o conhecimento de esporte para o autor.
Tenroller (2004b, p. 24) organizou rápido capítulo discutindo a história da
evolução das regras de futsal. Retirei a passagem que compreendi apresentar maior
relevância sobre as constantes mudanças de regras no futsal.
Por que as regras do futsal sofrem tantas alterações? Para tentar responder a essa questão, é interessante levar-se em consideração o estudo que fiz acerca dessas mudanças e evoluções. O propósito de mudar as regras praticamente a cada ano é tornar cada vez mais dinâmica e atrativa para o público essa modalidade esportiva. É muito bom, pelas regras atuais, poder substituir infinitas vezes, chutar sem a formação de barreira a partir da sexta falta anotada na súmula e por aí vai... Se formos comparar um livro de regras da década de 70 com o atual, concluiremos que são bem mais interessantes as possibilidades de participação e de preservação da integridade dos seus praticantes.
Voser (2002, p. 42) tenta elaborar resposta sobre os motivos para as
constantes modificações de regra no futsal.
69 69
No atual cenário, observa-se que o futsal tem sofrido inúmeras alterações na sua forma de jogo, impostas pelas modificações das regras, pela evolução da preparação física (melhora da capacidade de marcação das equipes e maior movimentação dos jogadores) e pela profissionalização dos atletas e de toda a comissão técnica.
Fica patente que os autores apresentam os efeitos como causas e não
conseguem, ou não desejam desenvolver uma reflexão das mudanças de regras a
partir dos interesses econômicos e estruturais da modalidade.
O esporte, tal como outros fenômenos culturais humanos, estão circunscritos em seu tempo histórico, e não podemos compreendê-lo fora dele. É por isso que atualmente não podemos dissociá-lo da compreensão do modo de produção capitalista, sob o risco de entendermos o esporte em si, como um fenômeno auto-explicável ou fora do seu tempo. É nas suas inter-relações (com os fenômenos que não estão “dentro” do esporte) que podemos entendê-lo. (MALINA; CESÁRIO, 2009, p. 28)
Campos (2006, p. 23) apresenta um quadro com algumas alterações de
regras do voleibol desde 1896 e elabora uma reflexão sobre essas alterações e suas
motivações:
Com este quadro, que não apresenta todas as mudanças ocorridas durante estes 107 anos de vôlei até a presente data, 2003, pretende-se destacar um aspecto importante: essas alterações provocaram mudanças significativas na forma de se jogar vôlei, e a cada alteração na regra, era exigida uma reavaliação nas habilidades motoras necessárias para a sua prática e ao mesmo tempo o desenvolvimento de novas e surpreendentes habilidades motoras. Por exemplo, quando surgiu o saque em suspensão, logo aconteceu o bloqueio do saque. Essa mudança provocada foi suprimida, pois quando começou a bloquear o saque, o jogo de voleibol começou a deter características não muito atrativas para se assistir ao jogo, já que ficava restrito ao jogo do bloqueio e do saque. Assim, adotou-se a regra de não poder bloquear mais o saque. Essas mudanças foram impondo novas regras, inclusive, na forma de contagem de pontos para que o jogo fosse transmitido pela TV e atingisse um público adepto maior.
O autor não aprofunda o debate a respeito da espetacularização do
voleibol, contudo, não se furta a explicitar a relação direta entre as alterações de
regras e a disposição de convocar um público cada vez mais interessado em assistir
as partidas.
70 70
Acrescento a respeito da cobertura televisiva como indutora das
mudanças de regras a percepção que Nuzzman (apud PIRES, 2002, p. 91) destacou
do presidente do COI, Juan Antonio Samaranch:
Os esportes que não se adaptarem à televisão estarão fadados ao desaparecimento; da mesma forma, as televisões que não souberem buscar o acesso aos programas esportivos jamais conseguirão sucesso financeiro e de público.
A divisão social do trabalho, eixo fundante do capitalismo, se converte em
uma especialização esportiva constante (PRONI, 2002). Agem em favor desse
princípio capitalista as mudanças de regras - que delimitam espaços e funções – e
as táticas e técnicas que restringem os atletas a um conjunto cada vez mais
específico de valências físicas e requisitos motores.
Bizzochi (2004, p. 132) ao tratar sobre o sistema 5x1, o mais utilizado do
voleibol de competição, evidencia a constante especialização imposta aos
praticantes da modalidade.
O sistema mais utilizado hoje em dia é produto da evolução do voleibol, que se tornou altamente especializado. Em princípio o 5x1 trazia a desvantagem de, por três passagens, o levantador estar na rede dispondo somente de dois atacantes. Isso foi superado a partir da inclusão de um especialista em ataques de fundo, que não participava da recepção. No 5x1 há a vantagem de tudo girar em torno de um único levantador; os acertos são feitos com ele; as preferências individuais são controladas pelas suas mãos; e a organização e o ritmo ficam a cargo de uma só pessoa.
Também é inescapável afirmar que a especialização ultrapassa as
dimensões da quadra e demarca novas funções organizativas para a viabilização do
espetáculo esportivo.
Frisseli e Mantovani (1999, p. 33) listam as funções necessárias a um
ótimo rendimento no futebol.
71 71
Normalmente a comissão técnica é constituída de: supervisor, técnico, assistente técnico, preparador físico, treinador de goleiros, médico, massagista, mordomo ou roupeiro. Existem ainda outros membros, que ainda não compõem o cotidiano da maioria dos clubes de futebol no Brasil. Entre esses novos elementos temos o fisioterapeuta, o fisiologista, o psicólogo esportivo, o nutricionista.
As mudanças de regras relativas ao goleiro no futsal, a introdução do
líbero no voleibol e a introdução da regra dos três pontos no basquetebol são
exemplos dessas especializações extremas do esporte. Entretanto, nenhum dos
textos desenvolveu relações mais elaboradas dessas especializações com a
crescente exigência por espetáculo do setor esportivo.
É claro que a própria organização dos treinamentos – que variam em
margens muito pequenas -, a partir da estratificação dos alunos-atletas em várias
faixas de idade, da sistematização do treinamento a detalhes extremos e a
necessidade de um aporte “multidisciplinar”, sugere a lógica capitalista de
rendimento e seus mecanismos como hiperespecialização, divisão social do
trabalho. A questão colocada é que as obras não convidam os leitores à reflexão
desses temas.
Vários livros iniciam seus textos sem explicitarem ao leitor seu objeto de
reflexão. Partem diretamente para as questões técnico-metodológicas ligadas à
lógica do rendimento sem oferecerem o contexto da modalidade esportiva tratada.
Considerei que para os autores em questão é desnecessário situar o seu debate
face ao consenso estabelecido pela tradição da literatura da área. A modalidade em
questão é a sua expressão motora, midiaticamente veiculada e socialmente
absorvida, sem a necessidade de maiores esclarecimentos. Na omissão de conceito
encontra-se o conceito!
Do conjunto de obras técnico-metodológico estudado nenhuma obra
utilizou-se das categorias levantadas nesse estudo a partir de uma matriz crítica.
72 72
Algumas obras aventuraram-se na questão do histórico de suas modalidades, mas
sem a intencionalidade de desenvolver conexões com o fenômeno mais amplo do
surgimento, consolidação e expansão do esporte a partir das novas configurações
socioeconômicas advindas da Inglaterra do século XIX. O histórico das modalidades
foi apresentado sem contextualização das condições sociais objetivas e sem o
desvelamento dos interesses de classe envolvidos na esportivização dos jogos
populares. Trata-se de históricos sem história.
Alguns livros elencam as regras das modalidades, dentre estes, poucos se
preocupam com o percurso das alterações das regras desde sua versão pioneira até
a configuração contemporânea. Contudo, estes e aqueles não se concentram nos
princípios que nortearam e norteiam as transformações dos regulamentos
específicos das modalidades.
Os textos subtraem a necessária (para um projeto crítico) alusão às
ideologias em disputa nos projetos de sociedade, encenadas nos espaços
esportivos. Omitem a subserviência do sistema esportivo aos interesses
econômicos, ou ainda mais funestos, emulam o esporte como espaço privilegiado de
ascensão socioeconômica a partir dos atributos da competência e perfomance.
É necessário ressaltar que as obras em questão são heterogêneas em
seu estilo e consistência. Algumas navegam da introdução dos fundamentos às
técnicas mais elaboradas, outras ancoram em temas específicos da defesa ou
ataque. Alguns textos são visões panorâmicas da modalidade, outros são mergulhos
profundos nos detalhes constitutivos das equipes de alto rendimento. Não obstante
sejam tantas as diferenças adjetivas das propostas, encontrei uma homogeneidade
substantiva no conteúdo das produções: a ausência de uma abordagem crítica.
73 73
4.2. Segundo Set: Análise do Segundo Grupo de Obras
Nesse grupo procurei extrair o conceito de esporte utilizado pelo autor em
cada obra citada como referência nas disciplinas. Busquei encontrar uma
caracterização ou conceituação explícita do fenômeno esporte que pudesse ser
examinada à luz dos eixos escolhidos neste trabalho.
No conjunto das obras não etiquetadas como técnico-metodológicas
encontrei caracterizações do esporte que dão maior possibilidade de entendimento
da complexidade do fenômeno. Inicio com a apresentação das obras que explicitam
o conceito de esporte. González e Fensterseifer (2005, p. 170)29, organizadores de
uma obra que objetiva clarificar conceitos da Educação Física à luz de uma
abordagem crítica, dispensam espaço para o termo “esportivização” e para tal
buscam conceituar esporte. Reputo o texto como uma das mais completas e
coerentes caracterizações do esporte, pelo menos na matriz proposta por este
trabalho. Num sentido restrito, os autores assinalam que o esporte é entendido
como uma prática motora/corporal: a) orientada a comparar um determinado desempenho entre indivíduos ou grupos; b) regida por um conjunto de regras que procuram dar aos adversários iguais condições de oportunidades para vencer a contenda e, dessa forma, manter a incerteza do resultado, e c) com essas regras institucionalizadas por organizações que assumem (exigem) a responsabilidade de definir e homogeneizar as normas de disputa e promover o desenvolvimento da modalidade, com o intuito de comparar o desempenho entre diferentes atores esportivos (por exemplo, a nível mundial).
Após essa definição o verbete evidencia a ligação indissociável entre
esporte e a organização societária capitalista. O debate está inserido na discussão
do conceito de “esportivização” e não necessariamente do conceito de “esporte”.
29
Obra referência da disciplina História e Filosofia da Educação Física da UNESC.
74 74
Porém, não é necessário nenhum artifício argumentativo para situar ambos os
termos em um mesmo quadro conceitual.
O que poderia ser denominado de esportivização inaugural é entendido como a transformação de elementos da cultura corporal de movimentos das classes populares e da nobreza inglesa em práticas corporais pautadas pelas características do esporte anteriormente citadas. Esse processo iniciou-se no século XVIII, desenvolvendo-se mais intensamente no final do século XIX e começo do século XX. Foi contemporâneo dos processos de industrialização e urbanização da Inglaterra, e nele tiveram um papel fundamental as “public schools” e os “clubs” bretões. A sua origem na Inglaterra é interpretada como um produto da ascensão da nova forma de organização social capitalista daquela época (BROHM, apud PRONI, 2002), e também como parte do processo civilizador daquele país, que teve como caracterísitica fundamental o aumento da sensibilidade em relação à violência e aceitação do princípio da alternância dos vencedores (ELIAS; DUNNING, 1995). (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2005, p. 171-172).
A obra de Soares et al (2006, p.70-71)30 procura caracterizar o esporte
considerando sua imbricada conexão com a organização social capitalista e as
decorrentes consequências dessa relação.
Sendo uma produção histórico-cultural, o esporte subordina-se aos códigos e significados que lhe imprime a sociedade capitalista e, por isso, não pode ser afastado das condições a ela inerentes, especialmente no momento em que se lhe atribuem valores educativos para justificá-lo no currículo escolar. No entanto, as características com que se reveste – exigência de um máximo rendimento atlético, norma de comparação do rendimento que idealiza o princípio de sobrepujar, regulamentação rígida (aceita no nível da competição máxima, as olimpíadas) e racionalização dos meios e técnicas – revelam que o processo educativo por ele provocado reproduz, inevitavelmente, as desigualdades sociais. Por essa razão, pode ser considerado uma forma de controle social, pela adaptação do praticante aos valores e normas dominantes defendidos para a “funcionalidade” e desenvolvimento da sociedade.
O livro Sociologia Crítica do Esporte de Valter Bracht31 é uma tentativa de
inserir fundamentos de uma análise sociológica no debate da área da Educação
Física sobre o esporte. Organizado em capítulos que trafegam pelas diferentes
matrizes de reflexão sobre o esporte, o livro reserva espaço para tratar a gênese do
esporte moderno, sua vinculação ao modelo capitalista e sua dimensão de
30
Obra referência das disciplinas Esportes Coletivos III do UNIBAVE e Metodologia dos Esportes Coletivos I e II da UNESC.
75 75
espetacularização. Retomando a tese da esportivização de elementos da cultura
corporal, defende que os jogos populares foram caindo em desuso “porque os
processos de industrialização e urbanização levaram a novos padrões e novas
condições de vida, com as quais aqueles jogos não eram mais compatíveis”.
(DUNNING, apud BRACHT, 2003, p. 14).
Assento passagem esclarecedora do entendimento do autor sobre as
funções mercadológicas do esporte em uma sociedade capitalista.
Num esforço de síntese, podemos dizer que o esporte de alto rendimento ou espetáculo, aquele imediatamente transformado em mercadoria, tende, a nosso ver, a assumir (como já acontece em maior escala em outros países, como nos EUA) as características dos empreendimentos do setor produtivo ou de prestação de serviços capitalistas, ou seja, empreendimentos com fins lucrativos, com proprietários e vendedores de força de trabalho, submetidos às leis do mercado. Isso se reflete nos apelos cada vez mais freqüentes à profissionalização dos dirigentes esportivos e na administração empresarial dos clubes (empresas) esportivos (esportivas). (BRACHT, 2003, p.18)
Oliveira (1987, p. 75-76)32 parece se confundir ao tentar lidar com a
polissemia envolvida no conceito de esporte. Tratando da temática “Educação Física
e Esporte”, afirma que este é
Praticado pelo homem desde as mais remotas épocas, o esporte tem suas raízes etimológicas no francês desport, que os ingleses alteraram para sport. O termo tinha, então, a conotação de prazer, divertimento, descanso. E, apesar das diversas nuances que o esporte assumiu ao longo do nosso século, as pessoas continuam fiéis ao seu sentido original. Até hoje, por exemplo, quando se pretende manifestar algum descompromisso, diz-se que se fez alguma coisa por esporte. Apoiado nesse conceito, o lúdico aparece como sua característica básica, na medida em que o esporte será sempre um jogo, antes de mais nada. Mas várias funções são acrescentadas a essa ludicidade e, com essa diversificação, torna-se difícil delimitar o campo conceitual do esporte. As competições motorizadas e os jogos intelectuais (corridas de carro e xadrez, por exemplo) ilustram atividades que revelam o grau de dificuldade dessa análise. O esporte tornado profissional também embaraça a tentativa de se entender o esporte. Se considerarmos amador como o praticante do esporte pelo simples prazer de praticá-lo, um jogador que ganha dinheiro fazendo gols já não faz esporte, está trabalhando.
31 Obra referência da disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos I da UNESC. 32
Obra referência da disciplina História e Filosofia da Educação Física da UNESC.
76 76
Tubino (1998, p. 35)33 esclarece que o esporte a partir do pressuposto do
direito de todos à prática esportiva,
passou a ser compreendido através das três manifestações esportivas, que na verdade são as formas de exercício deste direito, e constituem-se nas efetivas dimensões do esporte: a) o esporte-educação; b) o esporte-participação ou esporte popular; c) esporte-performance ou de rendimento.
Em outro momento, Tubino (1998, p. 54) constrói argumentos de análise a
partir do tensionamento exercido pela mídia esportiva.
Valores esportivos, desenvolvidos desde a Antiguidade e consolidados no associacionismo em no “fair play”, vão sendo, gradualmente, destroçados pelos aspectos pragmáticos do lucro... Definham modalidades clássicas, que não provocam espetáculos para a televisão, ou que não prometem lucro em suas disputas. Por outro lado, cresce o número de modalidades relacionadas com mais risco de morte (ralies, automobilismo, motociclismo, bicicross, etc), e consequentemente despertam mais interesse como espetáculo de televisão. Também cresce a quantidade de novas modalidades desportivas de relação com a Natureza e que exigem aparelhos de fabricação industrial (vôo livre, surfe, skate, etc).
Ferraz (2002, p. 26)34 elabora um conceito de esporte utilizando
características do esporte moderno e deixa patente sua adesão a uma abordagem
asséptica do fenômeno.
O esporte no Brasil é conceituado como uma ação institucionalizada, com regras convencionais, possuindo caráter lúdico na forma de competição entre duas ou mais pessoas oponentes ou contra a natureza, cujo objetivo é a comparação de desempenhos para se estabelecer o vencedor ou registrar recorde; seu resultado é influenciado pela técnica, pela tática e pela estratégia do participante, e é gratificante tanto intrínseca como extrinsecamente.
A maior parte dos autores, entretanto, não explicitou um conceito de
esporte sendo necessário um exercício – com as limitações óbvias dessa prática –
33 Obra referência da disciplina Pedagogia da Educação Física da UNISUL. 34
Obra referência da disciplina Pedagogia da Educação Física da UNISUL.
77 77
de utilizar a arquitetura esboçada na obra para deduzir o entendimento de esporte
no texto.
Castellani Filho (1994, p. 109)35, ao tratar da função exercida pela
Educação Física no Estado Novo, se reporta ao esporte como local “da ordem da
produtividade, eficiência e eficácia”. Fica evidente que para o autor é indissociável
para a compreensão do esporte a leitura do modelo político-econômico operado
socialmente em determinado período histórico.
Santana e Reis (2006)36 justificam a importância do ensino dos esportes
para crianças alegando tratar-se de uma manifestação cultural muito valorizada na
sociedade e que a garantia de autonomia de sua prática compete para uma vida
melhor individual e coletivamente.
Gomes e Constantino (2004, p. 225), no contexto do debate da ética,
esporte e intervenção da Educação Física, fazem diversas aproximações do
conceito de esporte visto como “campo de exercício da ética, na relação: ação,
reflexão e ação transformada”. Os autores esgrimem uma série de argumentos
objetivando defender a importância do princípio de competição do esporte.
Por que a competição simplesmente, por si só, é imoral ou educadora para certos sistemas sociais e políticos, produzindo um certo tipo de indivíduo calculista? Ao defender tal posicionamento e tomá-lo como princípio, vislumbra-se uma Antropologia Filosófica calcada no ideal de indivíduo que apenas compartilha, coopera e não se sobrepuja ao outro. Entretanto, se adotarmos tal perspectiva temos que estendê-la coerentemente (sob o ponto de vista racional) para todos os campos de atuação da nossa vida, inclusive o profissional e o acadêmico. (GOMES; CONSTANTINO, 2004, p. 226)
Os autores corretamente vinculam as práticas empregadas no esporte
como simétricas às práticas sociais em um espectro ampliado. Porém, ao ignorar a
dialética da contradição e as possibilidades históricas de resistência e ruptura
35
Obra referência da disciplina Bases do Profissional de Educação Física da UNISUL.
78 78
explicitam sua opção ideológica conservadora. Na mesma esteira conservadora
encontra-se a orientação de Bento (2006, p.13)37 sobre as questões referentes à
competição no esporte.
Poderá ferir a nossa sensibilidade auditiva, mas o desporto exibe um estatuto moral e cultural precisamente por ser um jogo de confronto, ou competição. Em que as pessoas se opõem umas às outras, para medir forças, para sustentar a aposta de querer ser manifestamente melhor, mais forte e mais rápido e chegar mais alto e mais longe.
Poderia continuar o desfile de autores e textos, mas acredito que da
análise engenhada até aqui seja possível a percepção do conjunto das obras desse
segundo grupo. Pela heterogeneidade apresentada organizei a distinção das obras
em dois eixos que se entrecruzam. O primeiro parte das obras com ausência
completa do fenômeno esporte para no outro extremo posicionar as obras que tem
no esporte sua centralidade. O segundo se constitui na relação de livros com
abordagem conservadora de um lado e livros com abordagens críticas no espectro
oposto. Preferi a expressão conservadora em detrimento da similar “não-crítica”, por
entender que poderia assim constituir sem maiores confusões os polos de oposição.
Obviamente apenas com estes eixos, e com esquema tão dualista, a
categorização dos textos e autores apresentou-se, em alguns casos, insuficiente e
caricata. É impossível capturar com a ferramenta empregada as inúmeras nuances
presentes nos livros. Várias obras se encontram em posição intermédia nos vetores
estabelecidos. Nesses casos optei por um ou outro quadrante considerando o
engajamento do autor com as correntes críticas ou conservadoras (considerando o
conjunto de sua obra), a centralidade do tema esporte para a manutenção dos
argumentos constituídos, a contundência e ou qualidade de determinada passagem
36
Obra de referência da disciplina Pedagogia da Educação Física da UNISUL.
79 79
do texto que justificasse por si a vinculação a determinado projeto e/ou
entendimento.
O diagrama a seguir objetiva explicitar o mecanismo utilizado. Na
sequência encontra-se a distribuição nos quadrantes das vinte e oito obras
presentes nos planos de ensino das disciplinas.
37
Obra referência da disciplina Bases do Profissional de Educação Física da UNISUL.
80 80
Quadrante Autor e Livro
01
Esporte Ausente
Posicionamento Conservador
1. CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Principais Documentos do Confef.
2. SHIGUNOV, Viktor e SHIGUNOV NETO, Alexandre. Educação Física – Conhecimento Teórico Versus Prática Pedagógica.
3. STEINHILBER, Jorge – Profissional de E.F. existe?
02
Esporte Presente
Posicionamento Conservador
1. BENTO, Jorge Olivo; TANI, Go; PETERSEN, Ricardo Demétrio. Pedagogia do Desporto.
2. BENTO, Jorge Olivo. Desporto – discurso e substância. 3. DANTE, De Rose Jr. Esporte e Atividade Física na infância e
adolescência. 4. KASZNAR, Istvan Karoly; GRAÇA FILHO, Ary S. O esporte
como indústria: solução para criação de riqueza e emprego. 5. MARINHO, Inezil P. História geral da Educação Física. 6. TOJAL, João Batista; DA COSTA, L.P. E BERESFORD, H. Ética
profissional na Educação Física. 7. TUBINO, José Gomes. Dimensões Sociais do Esporte.
03
Esporte Presente
Posicionamento Crítico
1. BARBIERI, César Augustus. Esporte Educacional: uma possibilidade para a restauração do humano ao homem.
2. BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. 3. BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte. 4. GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo.
Dicionário Crítico de Educação Física. 5. KUNZ, Elenor. Transformação Didático-pedagógica do
esporte. 6. KUNZ, Elenor. Educação Física: Ensino e mudança. 7. OLIVEIRA, Vitor Marinho. O que é Educação Física. 8. PAES, Roberto Rodrigues. Educação Física Escolar: o esporte
como conteúdo pedagógico do ensino fundamental. 9. SOARES, Carmen et al. Metodologia do Ensino de Educação
Física. 10. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios
e propostas. 11. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios
e propostas II.
04
Esporte Ausente
(Posicionamento crítico)
1. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra.
2. CASTELANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta.
3. FONSECA, Denise Grosso da. Educação Física para dentro e para além do movimento.
4. GHIRALDELLI, Paulo. Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos.
5. MEDINA, João Paulo. Educação Física cuida do corpo e ... mente. 6. SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e
Brasil. 7. VAZ, Alexandre Fernández; SAYÃO, Deborah Thomé; PINTO,
Fábio Machado. Editora do Corpo e Formações de Professores.
TOTAL 28 Livros
81 81
4.3 Terceiro Set: Análise da Articulação das Referências Bibliográficas das Disciplinas
Concluída a análise dos livros apontados nos referenciais bibliográficos
das disciplinas à luz das categorias erguidas na leitura dos autores do campo crítico,
iniciei a análise das disciplinas a partir do conjunto das obras listadas em cada
disciplina. Procurei determinar se as disciplinas contavam com obras dos dois
grupos identificados em relação ao tema esporte. No segundo grupo foi considerado
em que quadrante a obra ficou localizada, objetivando depurar que conhecimento de
esporte é possibilitado pela articulação dos textos.
Foi constituído um agrupamento com disciplinas que apresentaram uma
lista de obras dos dois grupos, um agrupamento com disciplinas que solicitaram
apenas a leitura dos livros técnico-metodológicos, e outro das disciplinas que
solicitaram apenas obras do segundo grupo.
As disciplinas que constituíram o referencial bibliográfico apenas com
livros técnico-metodológicos foram: “Fundamentos Metodológicos do Handebol”,
“Fundamentos Metodológicos do Voleibol”, “Fundamentos Metodológicos do Futebol
e Futsal” e “Fundamentos Metodológicos do Basquetebol”, disciplinas da UNISUL.
“Esporte Coletivo II” e “Esporte Coletivo IV”, do UNIBAVE.
As disciplinas que utilizaram apenas livros identificados como do segundo
grupo foram: “História e Filosofia da Educação Física” da UNESC, “Bases do
Profissional de Educação Física” da UNISUL e “História da Educação Física” do
UNIBAVE.
As disciplinas de “Metodologia do Esporte Coletivo I”, “Metodologia do
Esporte Coletivo II” da UNESC, “Pedagogia da Educação Física”, “Esportes
82 82
Coletivos I” e “Esportes Coletivos III” do UNIBAVE e “Metodologia dos Esportes
Coletivos I” e “Metodologia dos Esportes Coletivos II” da ESUCRI apresentam obras
dos dois grupos em sua bibliografia básica.
Urgem algumas considerações iniciais sobre o julgamento das listas, e por
consequência dos professores e instituições que as produziram e utilizam. É
evidentemente plausível que um professor possa (e talvez deva!), utilizando obras
com uma formulação mais conservadora do esporte, a partir dos mais variados
recursos didático-pedagógicos instalar uma relação dialógica e dialética com seus
alunos, suprindo e superando (no sentido filosófico) os textos de referência.
Luckesi (2007, p. 122) sustenta esta possibilidade quando discorre sobre
as formas de apropriação do conhecimento. Se por um lado o conhecimento pode
ser adquirido pelos livros, é mister um papel ativo de incorporação desse
conhecimento.
O que está em primeiro lugar, o que está na raiz do conhecimento, é a elucidação da realidade e não a retenção de informações contidas nos livros. Essas informações deverão ser auxiliares no entendimento da realidade; contudo, elas por si mesmas não são o conhecimento que cada sujeito humano, em particular, tem da realidade. É preciso utilizar-se das informações da maneira intelectualmente ativa, para que se transformem em efetivo entendimento do mundo exterior.
Não obstante também compreender que a dinâmica educador-educando-
conteúdo possa garantir a apreensão histórica, crítica e competente do
conhecimento, parece-me que esse complexo exercício é em muito beneficiado por
uma seleção do referencial teórico mais consistente, logo mais profícua.
83 83
4.3.1 Disciplinas que utilizam como bibliografia básica apenas livros técnico-
metodológicos
Do conjunto de disciplinas com referencial exclusivo do grupo de livros
técnico–metodológicos apresento a análise de uma única disciplina de cada
instituição, objetivando não enfadar o leitor com a repetição do óbvio ad nauseum. O
exercício permitiu a explicitação da leitura de esporte oferecida na disciplina.
Disciplinas Instituição
Fundamentos Metodológicos do Handebol
Fundamentos Metodológicos do Voleibol
Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal
Fundamentos Metodológicos do Basquetebol
UNISUL
Esporte Coletivo II
Esporte Coletivo IV
UNIBAVE
A disciplina de “Fundamentos Metodológicos do Handebol” da UNISUL
apresenta o seguinte referencial teórico:
1. Confederação Brasileira de Handebol. Handebol Regras Oficiais; 2. EHRET, Arno; SPATE, Dietrich; SCHUBERT, Renate; ROTH, Klaus. Manual de Handebol; 3. SANTOS, Ana Lúcia Padrão. Manual de mini-handebol: programa de iniciação para
crianças entre 6-10 anos; 4. SANTOS, Rogério dos. Handebol – 1000 exercícios; 5. TENROLLER, Carlos Alberto. Handebol: Teoria e Prática.
Apenas Tenroller (2004a, p. 19) destina parte de sua obra para refletir sobre o
histórico do handebol.
84 84
Na Grécia antiga, praticado com uma bola do tamanho de uma maçã, era realizado com as mãos, não havendo goleiras e com o nome de Urânia é escrito por Homero, provavelmente um jogo que hoje nós conhecemos como Handebol. Porém, dando um grande pulo na História... É atribuído ao professor dinamarquês Holger Nielsen, a partir do ano de 1848, no instituto de Ortrup, o jogo, naquela época, denominado Haandbold. Naquele mesmo período outro jogo era praticado pelos tchecos, porém estes utilizavam a denominação de Azena a este esporte, que de forma similar era praticado na Irlanda e no Uruguai. Em termos de organização e reformulação das regras desta modalidade, temos registros de que isto foi feito em 1919, pelo professor de Educação Física e marinheiro, o alemão Karl Schelenz, que passou a denominar este esporte de Handebol através de publicações de regras em que onze jogadores disputavam em um campo de futebol este jogo com o uso das mãos. No ano seguinte, já oficializado pela Escola de Educação Física e chamado de Handebol de Campo, foi incluído nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Porém, em conseqüência da grande ascensão do Futebol e por ter também o mesmo espaço de prática (os campos de Futebol) e, ainda, influenciada por fatores climáticos como chuva, frio e neve, o Handebol passou a ser praticado em locais cobertos, nos ginásios, o que implicou a criação de novas regras. As principais mudanças nas regras se deram a partir da redução tanto das dimensões da quadra como quanto ao número de jogadores, que foi reduzido de onze para sete em cada equipe.
Fica denunciado o pedestre entendimento do autor sobre os
condicionantes históricos da modalidade de handebol. Também não transpira do
texto uma compreensão de homologia entre os acontecimentos específicos da
modalidade e a expansão de uma ordem societária singular.
Santos (2003, p. 3) descreve o mini-handebol como “uma adaptação da
modalidade esportiva handebol que objetiva adequar a prática de uma atividade
motora a crianças entre seis e os dez anos”. A autora deixa evidente o limite de sua
proposição umbilicalmente atrelada às propostas de iniciação ao rendimento da
modalidade de handebol.
As demais obras limitam-se à apresentação de sequências de exercícios e
elucubração sobre técnicas de treinamento, muito ao gosto da tradição da área. É
possível como consequência da delimitação estrita das obras utilizadas afirmar que
o referencial bibliográfico da disciplina não permite a apreensão da produção do
campo crítico da área.
85 85
A disciplina de “Esporte Coletivo II” do UNIBAVE apresenta o seguinte
referencial teórico:
1. MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo handebol; 2. SIMÕES, Antonio Carlos. Handebol defensivo: conceitos técnicos e táticos.
Surpreende a "economia" de obras utilizadas no referencial. Via de regra,
cerca de cinco livros são sugeridos na bibliografia básica. O texto de Simões (2002)
é um dos mais comprometidos com uma proposta de rendimento esportivo. O
conteúdo da obra é constituído, de forma predominante, pelos aspectos técnicos,
táticos e metodológicos do fundamento de defesa da modalidade de handebol.
A obra de Melhem (2002) é composta basicamente de atividades
relacionadas com o ensino das técnicas e táticas do handebol. O autor utiliza
prioritariamente a metodologia de minijogos e desafios para alcançar seus objetivos.
Novamente aflora da articulação dos dois livros (!) um território estrito da
manifestação esportiva vinculado aos projetos conservadores da área.
As outras quatro disciplinas, com ligeiras variações de tons, circunscrevem
o esporte no mesmo perímetro, censurando as possibilidades de aproximações
críticas do objeto.
86 86
4.3.2 Disciplinas que utilizam como bibliografia básica apenas livros do
segundo grupo
Disciplinas Instituição
História e Filosofia da Educação Física UNESC
Bases do Profissional de Educação Física UNISUL
História da Educação Física UNIBAVE
A disciplina de “História e Filosofia da Educação Física” da UNESC tem como
referencial bibliográfico:
1. GHIRALDELLI, Paulo. Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos.
2. GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Dicionário Crítico de Educação Física.
3. MARINHO, Inezil Penna. História Geral da Educação Física. 4. OLIVEIRA, Vitor Marinho de. O que é Educação Física.
A obra de González (2005) foi assentada no quadrante três (Esporte
presente e posicionamento crítico). Pela natureza e objetivo da obra, o esporte é
apenas mais um dos inúmeros e igualmente relevantes tópicos abordados pelo livro.
Todavia, a clareza na definição utilizada, imbricando de forma indissociável as
temáticas críticas da área com o conceito de esporte, o posiciona no quadrante três.
A obra de Oliveira (1987) causou dificuldades de categorização com
passagens pendulares entre as posições conservadoras e críticas no corpo do texto.
Não obstante essas contradições, produções do autor em vários espaços e
momentos o vinculam ao debate crítico da área. Por exemplo, ao refletir sobre a
relativa autonomia da instituição esportiva, Oliveira (2009, p. 125) esclarece que “o
entendimento do esporte enquanto fenômeno social não pode considerá-lo como
87 87
parte de uma realidade, desvinculada do todo social”. Destarte, introduzi autor e
obra no quadrante três (Esporte presente e posicionamento crítico). O livro de
Marinho (s/d) foi selecionado para o quadrante dois.
Ghiraldelli (1988) tornou-se um clássico na área, referência quase
obrigatória nas reflexões sobre a história pedagógica da Educação Física brasileira,
entretanto o tema esporte é periférico na obra. Sua presença é presumida e
subordinada ao debate mais amplo da Educação Física, o que me levou a identificar
o livro como pertencente ao quadrante quatro (Esporte ausente e posicionamento
crítico).
Ganha relevo o equilíbrio demonstrado nas obras, transitando em três dos
quadrantes adotados para análise do segundo grupo. A utilização de produções de
matiz histórica em articulação com textos de ordem filosófica parece favorecer
análises mais elaboradas.
A disciplina “Bases do Profissional de Educação Física” da UNISUL
apresenta como ementa e referencial bibliográfico:
1. CASTELANI Filho, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 2. Conselho Federal de Educação Física. Principais Documentos do Confef. 3. MEDINA, João Paulo. Educação Física cuida do corpo e... mente. 4. TOJAL, João Batista; DA COSTA, Lamartine Pereira; DERESFORD, Heron. Ética
Profissional na Educação Física.
As obras de Medina (1983) e Castelani (1994) foram (e são) leituras
obrigatórias para a iniciação de um olhar mais ampliado sobre as construções e
percepções sociais do campo da Educação Física. Ambas representam a fase da
denúncia dos anos oitenta e possuem inestimável valor para a área de Educação
Física em compreendê-la como participe do contexto histórico-social. Não obstante,
o esporte é nessas obras apenas um espectro diluído na temática mais abrangente
88 88
da Educação Física. Não se encontra em ambos os livros uma definição explícita de
esporte, o que me levou a classificá-los no quadrante quatro.
Tojal (2004) claramente assume uma posição conservadora e imprime a
presença do esporte como temática significativa para o agir ético do profissional de
Educação Física. Com essa formatação conduzi a obra para o quadrante dois
(Esporte presente e posicionamento conservador).
O estudo da produção do Conselho Federal de Educação Física (2003)
me pareceu impositivo para uma disciplina que se propõe a refletir sobre as “Bases
do Profissional de Educação Física”. Por tratar-se, em linhas gerais, de normas e
regulamentos de conduta distanciam-se da perspectiva crítica e do debate mais
especificado, seja do esporte ou de qualquer outro componente da cultura corporal.
Logo os “Principais Documentos do CONFEF” se encontram no quadrante um
(Esporte ausente e posicionamento conservador).
A disciplina possui bibliografia de três dos quadrantes empregados para
análise do segundo grupo de obras. Muito embora não cite nenhum livro que
pudesse situar-se no quadrante três (Esporte presente e posicionamento
conservador), a utilização de autores da envergadura de Castellani e Medina
concretam bases necessárias para avanços de uma leitura progressista da realidade
que pode se estender para a construção de um conceito crítico do esporte.
A disciplina de “História da Educação Física” do UNIBAVE está
organizada com o seguinte referencial bibliográfico:
1. STEINHILBER, Jorge - Profissional de E.F. existe? 2. SHIGUNOV, Viktor; SHIGUNOV NETO, Alexandre. Educação Física - Conhecimento
Teórico Versus Prática Pedagógica. Complementar. 3. MEDINA, João Paulo. A Educação Física cuida do corpo... e "mente". 4. VAZ, Alexandre Fernández; SAYÃO, Deborah Thomé; PINTO, Fábio Machado. Educação do
Corpo e Formações de Professores. 5. FONSECA, Denise Grosso da. Educação Física para dentro e para além do movimento. 6. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra.
89 89
Os autores Steinhilber (1996) e Shigunov (2002) adotam uma posição
conservadora e não articulam debate sobre o esporte, o que coloca seus textos no
quadrante um (Esporte Ausente e Posicionamento Conservador).
As outras obras foram posicionadas no quadrante quatro. O autor
Alexandre Vaz possui extensa produção sobre esporte, notadamente a partir da
teoria crítica frankfurtiana, porém a obra apontada Educação do Corpo e Formações
de Professores, de 2002, em parceria com Sayão e Pinto, concentra-se nas
experiências com a disciplina de prática curricular e não investe atenção nas
reflexões sobre esporte.
Logo nenhuma das obras aborda a temática do esporte. Permanece a
dúvida sobre como é abordada a “História dos Jogos Olímpicos” prevista na ementa
sem a presença no referencial bibliográfico de obras que tematizem o esporte.
4.3.3 Disciplinas que utilizaram referencial dos dois grupos
Em algumas disciplinas percebeu-se a intenção dos responsáveis pelos
componentes curriculares de conjugar, na organização da disciplina, livros técnico-
metodológicos com livros de ordem mais problematizadora e crítica (segundo
grupo).
90 90
Disciplinas Instituição
Metodologia dos Esportes Coletivos I
Metodologia dos Esportes Coletivos II
UNESC
Pedagogia da Educação Física UNISUL
Esportes Coletivos I
Esportes Coletivos III
UNIBAVE
Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos I
Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos II
ESUCRI
A disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos I da UNESC é constituída
com o seguinte referencial bibliográfico:
1. BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte. 2. CAMPOS, Luis Antonio Silva. Voleibol da Escola. 3. MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo basquetebol. 4. KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. 5. SOARES, Carmen Lúcia. Metodologia do Ensino da Educação Física.
Os livros de Campos (2006) e Melhem (2004) procuram situar o voleibol e
o basquetebol como possibilidades pedagógicas para as aulas de Educação Física
nas escolas. Melhem, sem arroubos de originalidade, repete para o basquetebol a
mesma fórmula de minijogos e/ou atividades lúdicas utilizadas para a modalidade de
handebol. Campos propõe-se a demonstrar um “Voleibol da Escola”, mas fica
aquém de suas pretensões, com a apresentação de um plantel de atividades
recreativo-formativas a partir das técnicas e táticas do voleibol.
Contrariamente ao usual nas disciplinas que enfocam as modalidades
esportivas, a disciplina em tela optou por um número menor de publicações técnico-
metodológicas em relação às obras que abordam outras dimensões do esporte.
91 91
A utilização de três livros do segundo grupo constituiu a principal linha de
análise da bibliografia básica da disciplina. Os três livros foram vinculados ao
quadrante três (Esporte presente e posicionamento crítico) e oferecem uma
perspectiva privilegiada da produção do campo crítico.
A disciplina Metodologia dos Esportes Coletivos II da UNESC organiza-se
a partir da seguinte bibliografia básica:
1. FRISSELLI. Ariovaldo; MANTOVANI, Marcelo. Futebol: teoria e prática. 2. KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. 3. SOARES, Carmen Lúcia. Metodologia do Ensino da Educação Física. 4. TENROLLER, Carlos Alberto. Futsal: Ensino e Prática. 5. TENROLLER, Carlos Alberto. Handebol: Teoria e Prática. 6. VOSER, Rogério Cunha; GIUSTI, João Gilberto. O futsal e a escola: uma perspectiva
pedagógica.
As obras de Frisselli e Mantovani (1999), Tenroller (2004a, 2004b) e Voser
(2002) fazem parte do conjunto de obras técnico-metodológicas.
Os autores Kunz (2006) e Soares et al (2006) estão no quadrante três do
segundo grupo (Esporte presente e posição crítica). Parece-me que a introdução de
Kunz e Soares em diálogo com os livros técnico-metodológicos favorece a
aproximação crítica do esporte, transbordando os conhecimentos elencados na
ementa.
A Disciplina Pedagogia da Educação Física da UNISUL tem como ementa
e referencial bibliográfico:
1. BENTO, Jorge Olímpio. TANI, Go; PETERSEN, Ricardo Demétrio. Pedagogia do Desporto. 2. BENTO, Jorge Olímpio. Desporto – discurso e substância. 3. FREIRE, João Batista. Pedagogia do Futebol. 4. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios e propostas. 5. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios e propostas II. 6. TUBINO, José Gomes. Dimensões Sociais do Esporte. 7. DE ROSE, Dante. Esporte e Atividade Física na Infância e Adolescência.
Essa disciplina referenda uma obra técnico-metodológica de Freire (2003)
e quatro obras do segundo grupo do quadrante dois (Esporte presente e
92 92
posicionamento conservador). Os livros de Moreira (2004, 2006) estão
acondicionados no quadrante três do segundo grupo.
Pode causar algum estranhamente a presença do livro de João Batista
Freire na lista de obras técnico-metodológicas. O autor é uma das figuras
consagradas na Educação Física e seu livro “Educação Física de Corpo Inteiro.
Teoria e Prática da Educação Física” (1989) cumpriu importante função de colocar a
Educação Física no palco do debate educacional brasileiro. Entretanto, “Pedagogia
do Futebol” (2003), a despeito de uma estética lírica e singular, não rompe com as
publicações de ordem técnica. Desfila com estilo e poética a mesma lógica de
rendimento dos demais autores do esporte de competição. Desenvolve capítulos
para tratar do desenvolvimento das habilidades motoras e fundamentos do futebol,
enquanto passa à margem sobre os condicionantes sócio-históricos da modalidade.
Apesar de considerar que apenas duas obras, de um total de sete,
estejam na quadra crítica do esporte38, parece-me justo afirmar que a lista de textos
em questão mantém a possibilidade de reflexões progressistas.
A disciplina “Esporte Coletivos I” do UNIBAVE sistematiza-se com a
bibliografia básica abaixo:
1. BIZZOCHI, Cacá. O voleibol de alto nível: da iniciação à competição. 2. BOJIKIAN, João Crisostomo Marcondes. Ensinando o Voleibol. 3. MORAVIA, Otto. Voleibol – 1000 exercícios. 4. COSTA, Adilson Donizeti. Voleibol: Fundamentos e Aprimoramento Técnico. 5. KASZNAR, Istvan Karoly; GRAÇA FILHO, Ari. O esporte como Indústria: solução para
criação de riqueza e emprego.
A disciplina encontra-se nesse grupo pela introdução em seu referencial
bibliográfico do livro de Kasznar e Graça Filho (2002), considerando que todos os
38
Minha preocupação neste trabalho é o conhecimento de esporte anunciado nas disciplinas a partir da bibliografia básica. Porém, apoiando-me na ementa da disciplina e extrapolando o foco definido, causou-me surpresa a omissão de obras relacionadas à concepção crítico-superadora.
93 93
demais livros são técnico-metodológicos. Cumpre, portanto, observar se essa obra
isoladamente poderá oferecer uma visão ampliada das várias dimensões do esporte
consideradas neste trabalho.
A obra de Kasznar e Graça Filho é o compêndio de múltiplos dados sobre
as questões econômicas envolvendo o esporte em geral e o voleibol em especial.
Realiza toda uma série de construções discursivas com o objetivo de convencer os
leitores da função contemporânea de entretenimento do esporte. Trata-se de
publicação absolutamente vinculada aos interesses do modo de produção
capitalista, sendo inclusive financiada pela instituição esportiva objeto de suas
pesquisas39.
Para que os esportes possam crescer, é necessário assegurar formas de aumento de sua produtividade e capitalização. Para tanto, investimentos se fazem necessários. O governo, assoberbado por dívidas e demandas sociais crescentes, possui poucos recursos para fazer face à capitalização de todos os setores. No caso do setor de esportes, em que a formação bruta de capital fixo prevalece na formação dos investimentos, o volume requisitado de recursos é crescente. Quanto mais a população cresce e se expande pelo território brasileiro, mais ela demanda estabelecimentos esportivos. (KASZNAR, 2002, p. 118)
Por evidência ancorei os autores no quadrante dois do segundo grupo
(Esporte presente e posicionamento conservador). Evidencia-se nesse caso que a
disciplina de Esportes Coletivos I aproxima-se do conhecimento esporte de maneira
similar às disciplinas que citaram todas as obras do grupo técnico-metodológico,
com o agravante de optar em subsidiar o discurso hegemônico. Como
divertidamente considerou Mészáros (2007, p. 60), “obviamente, o pensamento que
identifica os próprios desejos com a realidade não tem vergonha nem limites”.
A disciplina “Esportes Coletivos III” do UNIBAVE tem as seguintes
ementa e bibliografia básica:
39
A patrocinadora do livro foi a Confederação Brasileira de Voleibol.
94 94
1. COUTINHO, Nilton Ferreira. Basquetebol na escola. 2. ALMEIDA, Marcos Bezerra de. Basquetebol: iniciação. 3. BRACHT, Valter. Educação Física e Aprendizagem Social. 4. KUNZ, Elenor. Ensino e Mudança. 5. SOARES,Carmen. Metodologia do Ensino da Educação Física.
O capítulo “A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo...
capitalista”, da obra “Educação Física e Aprendizagem Social”, de Valter Bracht,
tornou-se slogan de uma geração de educadores dispostos à contestação do modo
de produção capitalista e, principalmente, da função de subordinação da Educação
Física nesse cenário.
No esporte, desenvolvem-se idéias ou valores que levam ao conformismo, como é o respeito incondicional a regras, porque o comportamento não conformado no esporte não leva a modificações do esporte, mas, sim, à exclusão dele. No esporte, coloca-se em destaque a idéia de que todos têm a oportunidade de vencer (vencer no esporte=vencer na vida), através do esforço pessoal e individual. Bastando para isso que se esforcem e que tenham talento (como Pelé, Zico, Berrnard e outros), o que, em última análise, justifica e explica as diferenças sociais, negando toda e qualquer determinação social. Esta crença de que no esporte desaparecem as desigualdades colabora também para um certo abrandamento das contradições ou conflitos sociais. (BRACHT, 1992, p. 62-63)
A disciplina conta com três livros do segundo grupo, todos situados no
quadrante três (Esporte presente e posicionamento crítico). Articulados com os livros
técnico-metodológicos, permitem vislumbrar as dimensões mais avançadas do
debate esportivo.
A disciplina “Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos I” da ESUCRI
apresenta as seguintes ementa e relação de livros:
1. EHRET, Arno et al. Manual de handebol: treinamento de base para crianças e adolescentes.
2. GRECO, Juan Pablo. Iniciação esportiva universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube.
3. KROGER, Christian. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos. 4. PAES, Roberto Rodrigues. Educação Física Escolar: o esporte como conteúdo
pedagógico do ensino fundamental.
95 95
Os livros de Ehret (2002), Greco (1998) e Kroger (2002) estão entre os
livros definidos neste trabalho como técnico-metodológicos. A produção de Greco
(1998) pretende ser uma abordagem de “Iniciação esportiva universal”, oferecendo
princípios de iniciação ao treinamento que dialogam com variadas modalidades
esportivas. O livro é sustentado com vários artigos que iniciam pelo histórico e
descrição da modalidade específica para em seguida apresentar exercícios e
métodos de treinamento.
Kroger (2002, p.14) empunha uma proposta diferenciada com seu Escola
da Bola, defendendo que as “as crianças devem adquirir uma capacidade geral do
jogo e competência tática; os jogos devem ser construídos de forma que
determinadas constelações típicas dos jogos e conseqüentes ‘elementos táticos’
possam ser desenvolvidos”.
Não é objetivo deste estudo examinar se os autores entregam o que
anunciam. Confrontadas com as categorias de análise levantadas, as obras não
superam ou subvertem, em forma e conteúdo, as publicações técnico-metodológicas
apontadas em outras disciplinas.
Com o único reforço de Paes (2001), obra acomodada no quadrante três
(Esporte presente posicionamento crítico) do segundo grupo é difícil supor que um
olhar mais aguçado e um debate mais elástico para as questões do esporte sejam
ofertados na disciplina.
A disciplina de “Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos II” é assim
organizada:
1. BARBIEIRI, César Augustus Santos. Esporte Educacional: uma possibilidade para a restauração do humano ao homem.
2. OLIVEIRA, José; TAVARES, Fernando. Estratégia e tática nos jogos desportivos coletivos.
3. MELO, Rogério Silva. Futebol: da iniciação ao treinamento. 4. TAVARES, Fernando. Estudo dos jogos desportivos: concepções, metodologias e
instrumentos.
96 96
5. TEIXEIRA, Hudson Ventura. Educação Física e desportos: técnicas, táticas, regras e penalidades.
Quatro das obras são do grupo técnico-metodológico. Teixeira (2003)
constrói uma obra que se reporta às variadas modalidades esportivas sem introduzir
evolução no entendimento dos condicionantes socioeconômicos dessa
manifestação.
Quando um jogo segue formas corretas de jogar e regras oficiais é chamado de desporto. A prática dos desportos ajuda a desenvolver não só os músculos como também a capacidade de raciocínio. Além de melhor desenvolvimento muscular, orgânico e mental, os desportos estabelecem normas comportamentais e criam situações que reforçam a moral e o caráter, trazendo uma melhor formação do praticante. Desporto é educação. Dessa maneira, ele deverá ser sempre um veículo da formação integral de uma pessoa. O desporto é alimentado pelo espírito de competição. Seu objetivo é a vitória justa e honesta. Em suas disputas, cria situações durante as quais os indivíduos são estimulados a se superar para conseguir o sucesso desejado. (TEIXEIRA, 2003, p. 39-40)
O texto de Barbieri (2001) encontra-se no segundo grupo no quadrante
três (Esporte presente e posicionamento crítico). Novamente é necessário ressaltar
que, embora seja possível, não é provável que um único autor possa ser mediador
dos debates mais avançados do esporte.
4.4. Quarto Set: análise das instituições
Concluída a análise do conhecimento esporte constituído a partir da
bibliografia básica das disciplinas dos cursos de formação inicial de professores de
Educação Física do sul de Santa Catarina, procurei compreender se a articulação
das disciplinas de cada instituição constitui um conhecimento sobre esporte que,
consideradas as categorias erguidas nesse estudo, supere o pensamento
conservador e apresente-se como uma abordagem crítica do fenômeno esportivo.
97 97
Como existe uma diferença significativa do número de disciplinas por
instituição, optei por fazer um tratamento percentual dos dados a serem
considerados. Ressalta-se que a organização das disciplinas na UNESC e no
ESUCRI formatou o estudo das modalidades esportivas basquetebol, futsal, futebol,
handebol e voleibol de forma mais condensada que na UNISUL e no UNIBAVE. Não
é constitutivo deste projeto considerações de mérito a respeito da configuração das
matrizes curriculares dos cursos de formação inicial de professores de Educação
Física. Coube-me organizar uma metodologia que não permitisse que as diferenças
de ordem numérica afetassem as análises pretendidas.
Procurei primeiramente quantificar no número total de livros sugerido na
bibliografia básica como ocorreu a distribuição, em termos percentuais, pelos grupos
e quadrantes utilizados como critérios.
A UNESC apresentou a seguinte distribuição:
Obras Segundo Grupo Quadrantes
Instituição
Disciplinas
Obras Técnico- Metodológicas
1° 2° 3° 4°
História e Filosofia da Educação Física
-
-
1
2
1
Metodologia dos Esportes Coletivos I
2
-
-
3
-
Metodologia dos Esportes Coletivos II
4
-
-
2
-
Livros Repetidos* -2 Parcial 6 - 1 5 1
UNESC
Total 13 * Metodologia do Ensino da Educação Física. * Transformação Didático-Pedagógica do Esporte.
Logo, dos treze livros apontados na bibliografia básica: 53,8% adotam
uma perspectiva conservadora, sendo 46,2% livros técnico-metodológicos e 7,6%
livros em que o esporte está presente em uma perspectiva conservadora; 46,2%
adotam perspectiva crítica e o esporte está presente em 38,5% do total de livros.
98 98
É a instituição analisada com o menor percentual de obras do campo
conservador. Todavia, é interessante considerar que ainda se preserva a tradição de
elencar um número significativo de obras técnico-metodológicas, mesmo em cursos
com anunciada vocação crítica.
As três disciplinas articulam as condições, na perspectiva da literatura
sugerida, de fazer o debate do esporte a partir do campo crítico da área. É
consequente e não parece precipitado considerar que as três disciplinas operem em
seu conjunto uma apreensão expandida do conhecimento esporte, garantindo a
leitura das complexidades, contradições e nuances do tema.
A repetição dos livros Metodologia do Ensino da Educação Física e
Transformação Didático-Pedagógica do Esporte nas disciplinas metodologia dos
esportes coletivos I e II permitiu reflexão sobre a articulação entre disciplinas do
mesmo curso. Apesar da inestimável importância dos textos e autores, pode a opção
incidir em justaposição desnecessária. Não será mais interessante evitar a repetição
e acrescentar mais duas produções de caráter crítico?
A UNISUL apresentou os seguintes percentuais:
Obras Segundo Grupo
Quadrantes
Instituição
Disciplinas
Obras Técnico- Metodológicas 1° 2° 3° 4°
Bases do Profissional de Educação Física
- 1 1 - 2
Pedagogia da Educação Física
1 - 4 2 -
Fundamentos Metodológicos do Handebol
5
-
-
-
-
Fundamentos Metodológicos do Voleibol
4
-
-
-
-
UNISUL
Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal
5
-
-
-
-
99 99
Fundamentos Metodológicos do Basquetebol
5
-
-
-
-
Livros Repetidos - 1* Parcial 19 1 5 2 2 Total 29
* Pedagogia do Futebol
Logo, dos 29 livros apontados como referência: 86,2% são de perspectiva
conservadora, sendo 65,5% livros técnico-metodológicos; 17,2% são livros em que o
esporte está presente em uma perspectiva conservadora e 3,4% livros de matriz
conservadora em que o esporte não está presente. Além disso, 13,8% são livros de
matriz progressista, sendo que o esporte está presente em metade desse
percentual.
As disciplinas “Fundamentos Metodológicos do Handebol”, “Fundamentos
Metodológicos do Voleibol”, “Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal”,
“Fundamentos Metodológicos do Basquetebol” contam apenas com livros técnico-
metodológicos. Em exposição anterior procurei demonstrar a insuficiência de uma
aproximação às dimensões do conhecimento do esporte a partir exclusivamente de
obras de ordem técnico-metodológicas.
A disciplina “Bases do Profissional de Educação Física” não utiliza
nenhum livro do quadrante três (Esporte presente e posição crítica), o que implica
uma limitação explícita do referencial. Não obstante, retomando argumento pretérito,
a indicação de Medina (1983) e Castelani (1988) – no método empregado
posicionados no quadrante quatro (Esporte ausente e posição crítica) - permite a
expectativa de leituras mais abrangentes do esporte no debate com a obra de Tojal
(2004) – segundo quadrante (Esporte presente e posição não crítica). A disciplina
“Pedagogia da Educação Física” tem nas obras de Evando Moreira (2004, 2006) as
referências que ofertam uma perspectiva crítica do esporte em patente desequilíbrio
com cinco livros não críticos.
100100
A UNISUL apresenta, portanto, quatro disciplinas com um referencial
bibliográfico marcadamente não crítico e duas disciplinas que emitem uma
mensagem ambígua, sugerindo algumas obras do campo crítico, mas permitindo
hegemonia de livros não críticos.
É justo considerar que enquanto possibilidade o debate crítico do esporte
se preserva (no limite do otimismo pedagógico). Contudo, é possível afirmar que o
conjunto das disciplinas e suas respectivas referências bibliográficas parecem
operar no sentido da galvanização de uma compreensão esportiva atrelada aos
conceitos conservadores de sociedade e a uma aproximação da realidade que nega
a constituição histórica e dialética das práticas sociais.
O UNIBAVE distribuiu assim suas obras:
Obras Segundo Grupo Quadrantes
Instituição
Disciplinas
Obras Técnico- Metodológicas
1° 2° 3° 4°
História da Educação Física
- 2 - - 4
Esporte Coletivo I – Voleibol
4 - 1 - -
Esporte Coletivo II – Handebol
2 - - - -
Esporte Coletivo III- Basquetebol
2 - - 3 -
Esporte Coletivo IV – Futsal
6 - - - -
Parcial 14 2 1 3 4
UNIBAVE
Total 24
Logo, dos 24 livros apontados como referência: 70,8% são de perspectiva
conservadora, sendo 58,3% livros técnico-metodológicos; 4,2% livros em que o
esporte está presente em uma perspectiva não crítica e 8,3% livros de matriz
101101
conservadora em que o esporte não está presente. E 29,2% são livros de matriz
progressista, sendo que o esporte está presente em 12,5%.
Duas disciplinas constituem sua bibliografia básica unicamente com obras
técnico-metodológicas. Conforme exposto acima, essa configuração do referencial
bibliográfico demonstra a compreensão de esporte não crítica agasalhada nas
disciplinas. A disciplina “Esporte Coletivo I” avança (?) essa compreensão
reforçando o debate não crítico com a obra de Kasznar (2002), concretada em
indicadores do mundo das finanças. A disciplina “História da Educação Física” não
prospera no campo crítico, do ponto de vista da bibliografia sugerida, considerando a
ausência de textos referentes ao esporte.
Resta a honrosa exceção da disciplina “Esporte Coletivo III” e sua lista de
obras que transitam no território crítico. Cumpre indagar se uma única disciplina
consegue, desde uma visada crítica, impregnar com o conhecimento de esporte
acadêmico em formação.
A ESUCRI apresentou esses números:
Obras Segundo Grupo Quadrantes
Instituição
Disciplinas
Obras Técnico- Metodológicas
1° 2° 3° 4°
Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos I
03
-
-
01
-
Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos II
04
-
-
01
-
Parcial 07 - - 02 -
ESUCRI
Total 09
102102
Do total de 09 livros: 77,8% são livros técnico-metodológicos de caráter
conservador por definição; 22,2% são livros de matriz crítica e com a presença do
esporte. É a instituição com o maior percentual de obras técnico-metodológicas. O
predomínio quantitativo das obras técnico-metodológicas denuncia opção por um
reduzido significado do esporte. Ambas as disciplinas não demarcam explicitamente
uma perspectiva crítica e a instituição não apresenta a partir das ementas nenhuma
outra disciplina que aborde o tema esporte por outras dimensões como a sociológica
ou histórica. Não parece que a ESUCRI favoreça, portanto, leituras do esporte
elaboradas a partir de um viés crítico transformador.
103103
5 TIE-BREAK? OU INÍCIO DA PRORROGAÇÃO!
O materialismo tem sido solapado por críticas tenazes que trombeteiam
sua insuficiência como leitura da realidade e consequente atuação efetiva. Nos
escombros do muro de Berlim encontram-se as obras dos intelectuais que não
conseguiram (ou desejaram) compreender o fenômeno sócio-político-econômico do
leste europeu como resultado da condução de um projeto que traiu seus princípios
desde muito cedo.
Não era, e não é, o caso do abandono da perspectiva socialista. Na
esteira desses dissabores e inseguranças o discurso pós-modernista floresceu em
solo fecundo. E a partir de suas plataformas relativistas, que aconchegam com
braços muito longos uma miríade de construções ou desconstruções, lançam suas
ideias de ângulos improváveis, constituem casamentos epistemológicos bizarros,
discursam imprecisões que se apresentam com pretensas releituras históricas.
Na Educação Física, no curso dos caminhos adotados pela comunidade
acadêmica em geral e da educação em específico, a evasão da matriz materialista é
a regra e o "último apague a luz" se avizinha. Das dificuldades de manter uma
proposição sustentável e consequente a partir do edifício materialista, a Educação
Física passa a flertar e emular as “boas práticas pedagógicas”.
Procurei em meu trabalho o caminho contrário. Não é o caso de novas
perguntas, é momento de retomada da explicitação da realidade e posicionamento
consequente. É vital a confirmação de fundamentos, a clarificação de conceitos, o
exercício extenuante (e sem glamour) de delimitar nossos limites e possibilidades e
atuar nessa trincheira.
104104
Na introdução deste trabalho anunciei minha vinculação a um projeto
crítico de sociedade. Reafirmo a necessidade inegociável de partir do desconforto
visceral, do inconformismo que alfineta a alma frente às dores humanas. Da
percepção de que na configuração contemporânea do capitalismo encontra-se a
usina de sofrimentos, crueldades, açoitamentos cotidianos da dignidade.
Sem medo de ser acusado de radicalismo, desejo aproveitar esses
instantes finais para imprimir tintas mais fortes na questão ao mesmo tempo mais
ampla, larga, profunda e verdadeira da ausência de esperança no modo de
produção capitalista. Nos estertores de meu trabalho, talvez pela sensação de que
não vale a pena chegar sem ter viajado, retomo a centralidade das reflexões de
Mészáros (2002, p. 39):
Em nome da razão, do bom senso e da “política real” somos convidados a nos resignar com o atual estado das coisas, não importa quão destrutivos sejam seus antagonismos, pois dentro dos parâmetros da ordem estabelecida – eternizada como a estrutura racional do essencialmente inalterável “mundo real”, com a “natureza humana” e sua correspondente instrumentalidade reprodutiva ideal: o “mecanismo de mercado” etc – não é possível enxergar-se solução alguma para as contradições onipresentes.
A recusa do argumento liberal de que não é mais possível uma outra
ordem é o ponto de partida de minhas reflexões. Compreender a função da
educação nesse cenário de resistência e constituição das bases de uma
transformação estrutural é primeiro passo de jornada realizada em estrada tão
sinuosa, íngreme e pedregosa.
Para educadores e educadoras que compreendem a negação do homem
presente em cada relação baseada na organização “sócio-metabólica do capital”,
para educadores e educadoras que percebem a educação como espaço de
compreensão da realidade contraditória, complexa, dialética e histórica, não há
105105
alternativa ética senão a vinculação incondicional ao projeto pedagógico histórico-
crítico.
Em relação à opção política assumida por nós, é bom lembrar que na pedagogia histórico-crítica a questão educacional é sempre referida ao problema do desenvolvimento social e das classes. A vinculação entre interesses populares e educação é explícita. Os defensores da proposta desejam a transformação da sociedade. Se este marco não está presente, não é da pedagogia histórico-crítica que se trata. (SAVIANI, 2003, p. 83)
Reafirmado esse compromisso com um projeto político e pedagógico para
a transformação da sociedade e atuando desde a Educação Física cumpre
considerar os papéis a serem desempenhados pelos agentes da área. A concepção
pedagógica crítico-superadora é a aproximação da Educação Física com a
pedagogia histórica-crítica, apropriando-se de princípios norteadores desta, em
especial a matriz materialista histórico-dialética.
Os conteúdos considerados na Educação Física a partir da concepção
crítico-superadora são as manifestações da cultura corporal expressas no jogo, na
dança, na ginástica, na capoeira e no esporte (SOARES et al, 2006). Destes
conteúdos o hegemônico nas escolas é o esporte. Essa posição de hegemonia,
quase monolítica em várias escolas, foi justificativa para que me embrenhasse na
disposição de estudar o conhecimento esporte.
É evidente, quase ocioso, afirmar que é necessário o domínio das técnicas
e táticas corporais dos esportes, aquilo que comumente se denomina de “saber
jogar”, uma vez que constituem essa realidade. No entanto, considerar suficiente o
necessário é equívoco que compromete uma prática pedagógica responsável.
Abordado pelos princípios crítico-superadores, o conhecimento desdobra-se em
outras dimensões, dialoga em outros níveis, converte-se em outro, sempre como
busca da compreensão do real, no caso, da prática social denominada esporte.
106106
O esporte não pode ser reduzido as suas regras e dimensões técnico-
táticas. As questões relacionadas ao mercado, ao trabalho e ao lazer devem ser
consideradas. Ou seja, é necessário pensar o atleta como trabalhador, como
operário do sistema esportivo. É vital dar relevo às novas configurações e funções
geradas pela racionalização e burocratização crescentes do esporte moderno. É
central pensar o protagonismo da população em geral, transformada nas relações
mercadológicas da contemporaneidade em espectadores/consumidores. É
fundamental constituir uma percepção histórica do esporte em suas transformações
quantitativas e qualitativas.
No mais das vezes, quando se diz histórico se diz da gênese. Gênese no
sentido de origem das coisas e ideias. Gênese, portanto, como local e data de
nascimento. Todavia, a história no materialismo não é essa compilação de datas e
locais. A história do materialismo é a história dos condicionantes sociais em
dinâmica. Dos movimentos que ora confirmam, ora negam, ora subtraem, ora
acumulam. Da quantidade que transborda em qualidade. Das múltiplas
determinações. Uma modalidade não tem sua origem na escrita de seu “idealizador”.
Tem sua origem na consolidação de práticas sociais que a destacam e referendam.
Além disso, o fio histórico não pode ser tramado com apenas alguns pontos isolados
e arbitrários. A história tem sentido e significados inscritos em uma ordem
estabelecida em determinado tempo e espaço.
É essa ordem, esse tempo e espaço em ebulição que interessam ao
estudioso. Conseguir encontrar as ligações, quase sempre sutis, entre fenômenos
na aparência autônomos e distantes é dar consequência ao princípio da totalidade.
Nesse sentido compreender o esporte é estar atento às funções desempenhadas
pelas instituições. Como aponta Proni (2002, p. 42), “na análise institucional, uma
107107
certa instituição é considerada um entrecruzamento de instâncias de uma formação
social, o lugar em que cruzam todos os níveis (econômico, político, ideológico,
cultural, etc)”.
Organismos não governamentais, escolas, exército, replicam seu ideário
sócio-político-econômico e atuam direta ou indiretamente na configuração esportiva.
A lógica do rendimento capitalista foi absorvida pelo esporte em sua obsessão para
a quantificação e recordes (PRONI, 2002). A divisão social do trabalho irrompe em
novas funções profissionais demandadas para a organização esportiva e na
hiperespecialização dos atletas em quadras e campos. Os clubes transformaram-se
em empresas com várias camadas hierárquicas de trabalhadores do esporte.
Administradores, preparadores físicos, psicólogos, nutricionistas,
fisiologistas, fisioterapeutas, assessores de imprensa, entre outros, integram a lista
dos profissionais “necessários” à organização do esporte. Na mesma tendência
atletas especializam-se em determinadas funções dominando à perfeição poucos
(às vezes um único) fundamentos. Sua intervenção é específica, pontual, cirúrgica.
Reproduzem quadro de hiperespecialização de práticas sociais como a medicina e o
direito, com ainda maior rigor.
É possível afirmar que à maioria das pessoas poderiam se oferecidas as
condições objetivas, após anos de estudo e preparação exercer a função de médico,
engenheiro, professor (e possivelmente quase todas as profissões). Entretanto, as
solicitações do esporte de alto rendimento atingiram patamares que exigem - além
de anos de treinamentos científico e esforço espartano - condições biológicas,
fisiológicas, físico-estruturais super-humanas negadas à quase totalidade da
população. O esporte consegue encenar os critérios excludentes do capitalismo com
majestade.
108108
Inserido nesse contexto a espetacularização, fase superior da
mercadorização esportiva, imprime também seus códigos e necessidades.
Necessidade de um público crescente de espectadores/consumidores ávidos por
presenciar espetáculos cada vez mais sensacionais e distantes das possibilidades
do cidadão comum. As exigências de qualidade na composição e encenação do
espetáculo esportivo afastam de sua prática a população, ao mesmo tempo em que
tornam seus atletas, transformados em atores/estrelas, cada vez mais admirados. O
esporte em sua constituição de espetáculo é para ser visto e consumido, não
praticado.
As regras em constante mudança são amálgamas desses fatores
concorrentes. Modificam-se pela evolução irrefreável da capacidade atlética oriunda
do desejo de rendimento máximo e pelas necessidades de adaptação às
transmissões televisivas, centro da estratégia midiática do mercado. Modificam-se,
portanto, em fina sintonia com o suporte tecnológico colocado à disposição do
projeto de sociedade contemporâneo.
Não repetirei aqui todo o percurso, argumentos e autores utilizados para
definição de algumas possibilidades de delimitação do conhecimento esporte. O que
pretendo demarcar é a característica ampla, complexa, polissêmica do esporte.
Retirei da leitura de autores da tradição crítica da área categorias de análise sobre o
esporte que pretendem ofertar uma leitura mais larga e profunda sobre o fenômeno:
distinção entre esporte moderno e esporte antigo, interdependência do esporte em
relação às estruturas sociais e sua expressão como mercadoria - espetacularização.
Estou convencido que a partir dessas categorias é possível empreender uma
ampliação, em relação às definições mais habituais do conhecimento esporte.
109109
Entendendo a formação inicial de professores de Educação Física como o
espaço do debate da cultura corporal, optei por pesquisar qual o conhecimento
esporte vem sendo oferecido/propiciado aos acadêmicos de Educação Física.
Entendi como basilar saber se as formulações mais críticas sobre o esporte são
oferecidas aos acadêmicos ou apenas um conhecimento que dialogando com o
senso comum não o supera. Decidi pesquisar que conhecimento de esporte é
oferecido aos acadêmicos de Educação Física nos cursos de formação inicial no sul
de Santa Catarina. Para compreender como estas instituições tratam o esporte,
estudei primeiramente quais as disciplinas abordavam o esporte utilizando como
critério as ementas das disciplinas, concentrando a análise em sua bibliografia
básica.
As obras foram divididas em dois grupos. As produções que utilizam como
aspecto central questões relativas ao rendimento esportivo, as regras e
metodologias de treinamento de fundamentos e táticas foram organizadas e lidas
como um único grupo denominado de técnico-metodológico. Outro grupo foi
constituído com as demais obras que apresentam forma e conteúdo diversificados.
Nesse grupo como engenho de análise foi elaborado um quadro que permitiu a
classificação das obras em quatro quadrantes:
1. Esporte ausente e posicionamento conservador;
2. Esporte presente e posicionamento conservador;
3. Esporte presente e posicionamento crítico;
4. Esporte ausente e posicionamento crítico.
Em seguida o percurso de volta foi executado. Ou seja, da análise do
conhecimento esporte nas referências para a análise do conhecimento esporte nas
110110
disciplinas e da análise do conhecimento esporte nas disciplinas para a análise do
conhecimento esporte nas instituições.
O quadro a seguir é a compilação dos aspectos quantitativos desses dados.
Obras do Segundo Grupo
Instituição Obras Técnico-
metodológicas 1° 2° 3° 4°
UNESC 6 - 1 7 1
UNISUL 20 1 5 2 2
UNIBAVE 14 2 1 3 4
ESUCRI 7 - - 2 -
Livros Repetidos
09
-
-
03
-
SUBTOTAL 38 3 7 11 7 TOTAL 66
Praticamente 73% (72,72%) das obras apontadas nas bibliografias
básicas são do campo conservador. Esse percentual denuncia vividamente o
ambiente de hegemonia de uma abordagem reduzida do conhecimento esporte.
Se forem desconsideradas as disciplinas História e Filosofia da Educação
Física (UNESC), Bases do Profissional de Educação Física e Pedagogia da
Educação Física (UNISUL), Introdução à Educação Física (ESUCRI), História da
Educação Física (UNIBAVE), os percentuais dos livros conservadores passam a ser
de 82% (82,35%). O quadro resultante é desolador para um projeto progressista.
Das dezesseis disciplinas consideradas, dez não articulam uma
bibliografia que permita, mesmo em termos mínimos, uma apreensão do
conhecimento de esporte tratado nos setores mais avançados da área. Outras duas
disciplinas apresentam um referencial bibliográfico que apenas insinua as questões
mais críticas, mas a cautela de pesquisador impõe o “benefício da dúvida”. E apenas
111111
quatro disciplinas de forma inequívoca constituem bibliografias básicas que abarcam
a complexidade, polissemia e profundidade que o tema necessita.
Significativo informar que os autores Pires (2002), Proni (2002), Gebara
(2002), Rezer (2006), Buendia (2009), Pilatti (2002), Betti (1997), que apresentam o
conteúdo esporte numa perspectiva crítica, não constam em nenhuma das
bibliografias básicas das disciplinas pesquisadas. Lembrando que esses autores são
interlocutores nacionais de pensadores como Brohm, Guttman e Coleman, sua
desconsideração torna evidente um rebaixamento das possibilidades do debate
sobre o tema.
Mesmo “pesos-pesados” como Bracht e Kunz, responsáveis por vasto
debate na Educação Física desde a década de oitenta e não bastassem, em grande
medida, idealizadores das concepções pedagógicas mais sedimentadas no campo
progressista, não são unanimidades das instituições. A UNISUL e a ESUCRI não
utilizam em nenhuma de suas disciplinas obras desses autores.
Causou-me surpresa o número reduzido de repetições de obras. Tinha
como hipótese inicial que muitas publicações estariam replicadas em vários planos
de ensino, o que não foi confirmado. Parece-me que nenhuma das obras goza de
prestígio e consolidação inquestionáveis da área. A partir das bibliografias básicas
depreende-se, polemicamente, que a Educação Física não possui nenhuma
“referência obrigatória”. Dito de outra maneira, cada professor tem ao mesmo tempo
um leque imenso de possibilidades bibliográficas, mas nenhuma obra que possa ser
considerada perene ou “clássica”.
A obra mais citada foi Metodologia do Ensino da Educação Física, de
Soares et al, que faz parte da bibliografia básica de três disciplinas em duas
instituições. Outro dado que demonstra o caleidoscópio em que as bibliografias
112112
estão convertidas é que nenhuma obra foi citada em mais do que duas instituições.
Fica patente a partir dos livros sugeridos pelas disciplinas que o conhecimento
esporte é oferecido, nas instituições formadoras de professores de Educação Física,
atrelado aos projetos liberais de matriz conservadora.
Ouso afirmar que dois são os caminhos possíveis, embora não prováveis,
para ampliação do entendimento crítico do esporte. Um dos caminhos são as
“disciplinas esportivas” ampliarem sua compreensão sobre as múltiplas dimensões
do esporte e adotarem uma matriz mais avançada para abordar esse fenômeno.
Outra possibilidade, para um horizonte mais crítico da Educação Física na temática
do esporte, seria acrescentar nas matrizes curriculares mais disciplinas com bases
filosóficas, sociológicas, históricas e epistemológicas vinculadas às correntes críticas
do pensamento.
Também anuncio o desafio da área em publicar obras que respondam à
estética e interesses técnico-metodológicos, ao mesmo tempo em que introduzam
elementos constitutivos de análises mais vinculadas à sociologia crítica, à filosofia e
à história dos esportes.
As constantes reduções temáticas, os recortes que a pesquisa, por
limitação de tempo, espaço e competência, teve que sofrer no período de
construção, deixa um número significativo de assuntos relevantes esperando
estudos e aprofundamentos. A metodologia do ensino dos esportes é um campo
vasto, espraiado e fecundo para novas pesquisas. O aprofundamento da matriz
materialista em um estudo documental e histórico de fôlego é convite e necessidade
para a compreensão do fenômeno esporte. A construção de um quadro relacional
das diversas teorias explicativas do esporte solicita tenacidade e vigor intelectual. A
operação fina de limar as arestas epistemológicas presentes no discurso sobre
113113
esporte demanda a constituição de documento mais rico e sofisticado que este que
ora apresento.
Ou seja, há muitos caminhos abertos para pesquisas futuras, desbravados
nas escolhas e omissões, mas também descobertos na concretude da organização
e elaboração deste texto.
114114
REFERÊNCIAS
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TUBINO, José Gomes. Dimensões Sociais do Esporte. Ed. Artmed. Rio de Janeiro. 1998
VAZ, Alexandre.Teoria crítica do esporte: origens, polêmicas, atualidade. In:
Esporte e Sociedade. V.1 – n°1 – 2006.
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VOSER, Rogério da Cunha; GIUSTI, João Gilberto. O futsal e a escola, uma perspectiva pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
119119
ANEXO 01
Lista dos Livros Apontados como Referências por Disciplina
Disciplinas Referências Básicas Instituição História e Filosofia da Educação Física
GHIRALDELLI, Paulo. Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. GONZÁLEZ, Fernando J.; Fensterseifer, Paulo E. Dicionário Crítico de Educação Física. MARINHO, Inezil P. História Geral da Educação Física. OLIVEIRA, Vitor M. O que é Educação Física.
UNESC
Metodologia dos Esportes Coletivos I
BRACHT. Valter. Sociologia Crítica do Esporte. CAMPOS, Luis Antonio Silva: Voleibol da Escola. MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo basquetebol. KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. SOARES, Carmen. Metodologia do Ensino da Educação Física.
UNESC
Metodologia dos Esportes Coletivos II
FRISSELLI, Ariobaldo e MANTOVANI, Marcelo. Futebol: teoria e prática. KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. SOARES, Carmen. Metodologia do Ensino da Educação Física. TENROLLER, Carlos Alberto. Futsal: Ensino e Prática. TENROLLER, Carlos Alberto. Handebol: Teoria e Prática. VOSER, Rogério da Cunha e Giusti, João Gilberto. O futsal e a escola: uma perspectiva pedagógica.
UNESC
Bases do Profissional de Educação Física
CASTELANI, Filho, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Conselho Federal de Educação Física. Principais Documentos do Confef. MEDINA, J.P. Educação Física cuida do corpo e... mente TOJAL, J.B; Da Costa, L.P. e Deresford, H. Ética Profissional na Educação Física.
UNISUL
Pedagogia da Educação Física
BENTO, Jorge Olivo; Tani, GO; Petersen, Ricardo Demétrio. Pedagogia do Desporto. BENTO, J.O. Desporto – discurso e substância FREIRE, J.B. Pedagogia do Futebol. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios e propostas. MOREIRA, Evando Carlos. Educação Física Escolar: desafios e propostas. TUBINO, J.G. Dimensões Sociais do Esporte. DANTE, Esporte e Atividade Física na Infância e Adolescência.
UNISUL
Fundamentos Metodológicos do Handebol
Confederação Brasileira de Handebol. Handebol Regras Oficiais. PADRÃO, A.L. Manual de mini-handebol: programa de iniciação para crianças entre 6-10 anos. SANTOS, R. dos. Handebol – 1000 exercícios. TENROLLER, Carlos Alberto. Handebol: Teoria e Prática. EHRET, A.; Spate, D.; Schubert, R.; Roth, K. Manual de Handebol.
UNISUL
120120
Fundamentos Metodológicos do Voleibol
SHALMANOV, A. Voleibol: fundamentos biomecânicos. BOJIKIAN, J.C.M. Ensinando o Voleibol. MORAVIA, Otto. Voleibol – 1000 exercícios. COSTTA, A. D. Voleibol: Fundamentos e Aprimoramento Técnico.
UNISUL
Fundamentos Metodológicos do Futebol e Futsal
FREIRE, J.B. Pedagogia do Futebol. LEAL, Julio Cesar. Futebol, Arte e oficio. COSTA, Caliton Frazzon. Futsal, aprenda a ensinar. GOMES, Antonio Carlos e Machado, Jair de Almeida. Futsal: metodologia e planejamento na infância e adolescência. FERNANDES, José Luiz. Futebol da “escolinha” de futebol ao futebol profissional.
UNISUL
Fundamentos Metodológicos do Basquetebol
ALMEIDA, M.B. de. Basquetebol: iniciação. COUTINHO, N.F. Basquetebol na escola. DE ROSE, Dante Jr. E Tricoli, Valmor. Basquetebol: uma visão integrada entre ciência e prática. OLIVEIRA, Valdomiro de. Ciência do Basquetebol: pedagogia e metodologia da iniciação à especialização. OLIVEIRA, Valdomiro de. Preparação física no Basquetebol: pedagogia e metodologia da iniciação à especialização.
UNISUL
História da Educação Física
STEINHILBER, Jorge - Profissional de E.F. existe? SHIGUNOV, Viktor e SHIGUNOV NETO, Alexandre. Educação Física - Conhecimento Teórico Versus Prática Pedagógica. Complementar MEDINA, João Paulo. A Educação Física cuida do corpo... e "mente". VAZ, Alexandre Fernández; SAYÃO, Deborah Thomé; PINTO, Fábio Machado. Educação do Corpo e Formações de Professores. FONSECA, Denise Grosso da. Educação Física para dentro e para além do movimento. BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra.
UNIBAVE
Esporte Coletivo I – Voleibol
BIZZOCHI, Cacá. O voleibol de alto nível: da iniciação a competição. BOJIKIAN, J.C.M. Ensinando o Voleibol. Moravia, Otto. Voleibol – 1000 exercícios. COSTA, A. D. Voleibol: Fundamentos e Aprimoramento Técnico. KASZNAR, Istvan Karoly; Graça Flho, Ary S. O esporte como Indústria: solução para criação de riqueza e emprego.
UNIBAVE
Esporte Coletivo II – Handebol
MELHEM, Alfredo. Brincando e aprendendo handebol. SIMÕES, Antonio Carlos. Handebol defensivo: conceitos técnicos e táticos.
UNIBAVE
Esporte Coletivo III- Basquetebol
COUTINHO, Nilton Ferreira. Basquetebol na escola. ALMEIDA, Marcos Bezerra de. Basquetebol: iniciação. BRACHT, Valter. Educação Física e Aprendizagem Social KUNZ, Elenor. Ensino e Mudança. SOARES, Carmen. Metodologia do Ensino da Educação Física.
UNIBAVE
Esporte Coletivo IV – Futsal
FONSECA, Gerald Maurício Martins. Jogos de futsal. MELO, Rogério Silva. Ensinando Futsal. BALZANO, Otávio Nogueira. Metodologia dos Jogos Condicionados para o Futsal e Educação Física Escolar. VOSER, Rogério da Cunha. Futsal. FERREIRA, Ricardo Lucena. Futsal e a iniciação.
UNIBAVE
121121
SANTOS FILHO, José Laudier A. dos. Manual de futsal.
Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos I
EHRET, Arno et al. Manual de handebol: treinamento de base para crianças e adolescentes. GRECO, P. J. Iniciação esportiva universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. KROGER, C. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos. PAES, R.R. Educação Física Escolar: o esporte como conteúdo pedagógico do ensino fundamental.
ESUCRI
Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos II
BARBIEIRI, C.A.S. Esporte Educacional: uma possibilidade para a restauração do humano ap homem. OLIVEIRA, J; TAVARES, F. Estratégia e tática nos jogos desportivos coletivos. MELO, R.S. Futebol: da iniciação ao treinamento. TAVARES, F. Estudo dos jogos desportivos: concepções, metodologias e instrumentos. TEIXEIRA, H.V. Educação física e desportos: técnicas, táticas, regras e penalidades.
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