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O Estado Ampliado Como Ferramenta Metodologica. Texto
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O Estado Ampliado como Ferramenta MetodolgicaThe Expanded State as a Methodological Tool
Sonia Regina de Mendona*
Resumo
Inmeros estudos dedicados ao Estado brasileiro insistem em conceb-lo ora
como questo da natureza, ora como via de mo nica onde os atores sociais
so tomados como entidades estranhas entre si. Isso remete a origem do Esta-
do ideia do contrato social, resultando num Estado-Sujeito que paira acima
da sociedade, dotado de vontade prpria e desvinculado dos grupos sociais. Foi o
marxismo que se contraps a esta matriz, criticando seu extremo individualismo.
Todavia, mesmo em seu interior algumas simplificaes mecanicistas adulteram
o conceito de Estado. As transformaes sociopolticas de incios do sculo XX
propiciaram condies para renovaes no marxismo e sua noo de Estado, so-
bretudo aquela elaborada por Gramsci. Este, superando a dicotomia das matrizes
anteriores, resgatou os conceitos de sociedade civil e sociedade poltica recriando
o conceito de Estado Ampliado que, alm de inovar teoricamente, institui-se em
ferramenta metodolgica contendo em si mesmo um roteiro de pesquisa.
Palavras-chave: Marxismo; Estado Ampliado; Metodologia
Abstract
Numerous studies devoted to the Brazilian State insist in devising it or as a problem
of nature, or as a kind of one-way-street where social actors are seen as entities
strangers to each other. In this record, the origin of the State is anchored in the idea of a
social contract, resulting in a Subject State, which hovers above the society, endowed
with own initiative and without explicit links with the different social groups. It was
Marxism that provided an alternative to that thought, criticizing its radical individu-
alism. However, even within Marxism some simplifications that distorted the concept
of State. The sociopolitical transformations occurred in the early twentieth century
provided conditions for renovations in Marxism and its notion of State, especially that
elaborated by Gramsci. Overcoming the dichotomy present in the previous schools of
thoughts, he rescued the concepts of civil society and political society in order to recre-
ate the concept of Expanded State which, besides the theoretical innovation, institutes
a methodological tool that contains in itself a road map for research.
Keywords: Marxism; Expanded State; Methodology
* PPGH UFF / CNPq
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Marx e o Marxismo v.2, n.2, jan/jul 2014
O Estado Ampliado como Ferramenta Metodolgica
Uma breve introduo
Inmeros so os trabalhos dedicados ao estudo e pesquisa sobre o Estado, pro-
cedentes das mais distintas filiaes tericas. Por certo, tais escolhas no so isentas
de repercusses sobre o rumo das pesquisas realizadas por seus autores, redundan-
do, no mais das vezes, em concluses diversas, quando no, bastante antagnicas.
Por tal motivo, a definio explcita do conceito de Estado adotado por
cada investigador reveste-se de suma importncia, de modo a percebermos no
apenas as concluses de seus estudos, mas, sobretudo, seus desdobramentos po-
lticos junto historiografia especializada.
Antes de desenvolver a proposta contida neste texto, claramente filiado
concepo gramsciana de Estado, buscarei sumariar as vicissitudes deste con-
ceito, em particular a partir de fins do sculo XIX.
O Estado na Leitura Liberal
Varias so as matrizes de pensamento que informaram o conceito de Esta-
do, conquanto, no senso comum, ele seja identificado ora a um organismo bu-
rocrtico, ora a alguma figuradestacadada administrao pblica. Na verdade,
tais identificaes nada mais so do que a reificao da prpria noo do Estado,
coisificao esta que fruto de inmeras operaes tericas subjacentes, nem
sempre percebidas ou mesmo conhecidas e que impedem conhec-lo em sua
dinmica mais complexa e profunda.
Grande parte das vises contemporneas do Estado caudatria desse tipo
de operao simplificadora, que tem suas razes mais remotas ancoradas na ma-
triz liberal, elaborada, originalmente, no sculo XVIII. O conceito de Estado pau-
tado por essa matriz parte de dois princpios-chave: 1) que o estudo do Estado
deriva do estudo do Direito, especialmente do Direito pblico, quela poca im-
bricado tica e Moral; 2) que tal Direito, do qual emergiu o Estado, pertencia
ao domnio da Natureza.
Por certo, em suas origens, a matriz liberal do Estado guardava sua prpria
historicidade, consistindo num instrumento essencial de enfrentamento da Igre-
ja e seu pressuposto de um Direito divino, de cunho transcendente e pertencente
ao domnio do mgico. Nessa perspectiva, ao homem caberia to somente di-
minuto papel, sendo a Igreja, em contrapartida, a intrprete legtima dos desg-
nios de Deus. Nesse sentido, os tericos da matriz liberal representaram signifi-
cativo avano no pensamento poltico ocidental do perodo, trazendo o homem
para o centro do universo, com isso tornando-o responsvel por suas aes e
modos de vida. E como operava, sinteticamente, o conceito liberal de Estado?
(Bobbio & Bovero, 1987).
Em primeiro lugar, necessrio apontar que os pensadores liberais buscaram
transformar as cincias do homem em algo to rigoroso e passvel de comprova-
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Marx e o Marxismo v.2, n.2, jan/jul 2014
Sonia Regina de Mendona
o quanto as ditas cincias exatas, tomando a Matemtica como seu paradigma.
Dentro dessa lgica, fazia-se imperioso estabelecer leis que, tal como no mbito da
Qumica ou Biologia, assegurassem a repetio comprovada das condutas huma-
nas. O grande problema deste procedimento estava no fato de buscarem leis uni-
versais, consideradas vlidas para explicar o comportamento humano de modo
universal, ou seja, verificvel em toda e qualquer contexto histrico, como se tal
fosse possvel. A ideia subjacente a tal formulao era a negao da Histria, pos-
to que, somente para alm dela, poder-se-ia verificar uma lei universal da conduta
humana. Da decorreu a noo de estado de natureza, considerada como princpio
da conduta humana universal e base do conceito liberal de Estado.
Percebe-se, assim, que o problema central da concepo de Estado e de
Sociedade, por certo gestada pelos tericos liberais residiu em seu teor a-hist-
rico, permanecendo, dessa forma, a um passo da naturalizao do prprio con-
ceito de Estado (Bourdieu, 1996).
Dentro de sua lgica explicativa, o Estado, na viso liberal, emergiria de um
contrato social. E para que este ocorresse, hierarquizavam duas modalidades
ou estados de vida dos homens: o estado de natureza ou o estado civil, sendo
este ltimo a forma de vida humana mais civilizadae progressista, posto ter
como base o contrato social.
O estado de natureza ainda que variasse sensivelmente entre os distintos
pensadores liberais do perodo implicava num modo de vida a-social, onde os
homens viviam em permanente barbrie e guerra, obedecendo estritamente a
seus apetites individuais, seus desejos, seus instintos (Mendona, 1998). Nesse
estado, o homem estava fadado ao prprio extermnio, pois as lutas frequen-
tes entre individualidades mltiplas levariam destruio da prpria espcie.
Tratava-se, assim, de um estado apoltico e nocivo, onde o convvio social sequer
se fazia possvel. Se esta era uma das leis universais da conduta humana, algo
deveria ser feito para impedir a autodestruio dos homens.
E este algo, superada a intervenincia divina, seria a Lei, derivada do
contrato social. Ou seja, um dado grupo de indivduos decidiria, num dado mo-
mento, pr fim a este estado ou modo de vida e, para tanto, todos eles de-
veriam abrir mo de seus direitos e prerrogativas individuais, em nome de um
outro elemento o Soberano tido por capaz de frear as consequncias funestas
do autogoverno at ento vigente. Essa era a origem do chamado estado (ou
sociedade) civil, sendo o termo derivado do latim civilitas civilizao ou mes-
mo civitas cidado.
Dessa forma, o verdadeiro estado poltico, onde os homens seriam tanto
civilizados quanto cidados, era o estado (sociedade) civil ou Estado, pura e
simplesmente. A partir do pacto estabelecido, a lei, oriunda do Governante, pas-
saria a regular a todos do mesmo modo, supostamente imparcial e acima dos
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O Estado Ampliado como Ferramenta Metodolgica
interesses individualistas prevalecentes at ento. De igual modo, est clara a
identificao estabelecida entre Governante e Estado, assumindo, ele prprio, a
encarnao do Estado,
Tal explicao da origem do Estado guarda, todavia, inmeros problemas.
O primeiro a noo de que a sociedade (estado) civil criava uma sociabilidade
estritamente poltica, ou seja: ou existiria um soberano e um pactumsocietatis,
ou os homens no seriam beneficiados pelo poder protetor e universal da lei e
do governante, ambos tornados sinnimos. O segundo indica que se imps uma
viso de Estado como fruto de um somatrio de direitos individuais (naturais)
dos quais se abriu mo em nome da superao do estado de natureza, resultan-
do numa noo de Estado como individualidade (entidade) distinta do conjunto
de indivduos que lhe deu origem.
Em terceiro lugar, e esta parece ter sido a mais grave herana legada pela
matriz liberal de Estado, tem-se que este ltimo um Estado Sujeito, ou seja,
uma entidade ativa, externa e acima dos homens e da sociedade em seu conjun-
to, dotada de vontade prpria, de autoiniciativa, sem correspondncia com os
indivduos e grupos sociais distintos e, por isso mesmo, dotada de total pode de
(co)mando sobre os homens em sociedade.
Refletindo atentamente sobre o tema, percebe-se que muitas vises do Es-
tado ainda existentes em nossos dias, guardam tais caractersticas, o que implica
em perceber a sociedade como naturalmente fraca e impotente, submissa s ra-
zoes de estado.
Marx, o Marxismo e o Estado
Nos primrdios do sculo XIX emergiu, primeiramente com Hegel, a crtica
concepo liberal de Estado, pautada, sobretudo, em seu carter a-histrico,
assim como em sua ideia de um contrato social responsvel pela transferncia
ao governante de todos os poderes dos indivduos que integravam a sociedade.A
tais crticas somava-se outra: a da forma estritamente individualista de perceber
o Estado. Seria com a matriz marxiana1 que a ruptura iniciada com Hegel adqui-
riria completude.
No se pense, todavia, que a nova matriz escaparia do carter igualmente
dual dos conceitos com que operava, embora com uma inverso: no mais so-
ciedade de naturezaversus sociedade civil, mas sim a sociedade civil e sociedade
poltica. Note-se que se inseriu uma nova noo no binmio, justamente a de
sociedade poltica, em substituio antiga sociedade civil dos jusnaturalis-
tas. Tal mudana, longe de um mero formalismo, atingiu em cheio o ncleo da
1 Usa-se aqui a expresso marxiana e no marxista posto estar-se referindo s noes e con-ceitos desenvolvidos pelo prprio Marx, e no por alguns de seus seguidores os quais, muitas ve-zes, lhe atribuem ideias que no foram, originalmente, de sua autoria.
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Sonia Regina de Mendona
matriz liberal, posto distinguir, com clareza, uma esfera propriamente poltica
distinta da esfera civil anterior, demonstrando uma inovao fundamental: que o
indivduo, na matriz marxiana, jamais teria vivido,historicamente, em estado de
natureza. Mais que isso: que a sociabilidade humana no se limitava tosomen-
te como o preconizava a matriz liberal ao mbito do poltico.
As bases da constituio do chamado modelo hegelo-marxiano (Bovero,
2009) no se assentavam nos indivduos, nem tampouco na sociedade, deixando
de ser um somatrio de individualidades. Se existe uma natureza no homem,
ela possui um cunho social e, portanto, passvel de transformao. Os homens
teriam uma sociabilidade prpria, que lhes era conferida no por um contrato,
mas, sim, pelo lugar por eles ocupado no processo de produo e de trabalho
onde alguns eram proprietrios dos meios de produzir, enquanto outros, no. Os
no proprietrios, por seu turno, exerciam distintas funes no processo produ-
tivo, como operrios, lavradores, etc.. Logo, o que a matriz marxiana apresentou
de inovao foi uma viso profundamente histrica e classista da sociedade e
dos homens, os quais pertencem, sempre, a certa classe social, inexistindo, as-
sim, individualidades essencialistas e soberanas em estado de natureza, fosse
este concebido como estado belicoso ou no.
A origem do Estado, nessa concepo residiu, justamente, na emergncia
da propriedade privada, no momento em que uma dada coletividade ou grupo
social apropriou-se privadamente daquilo que pertencia a todos, subordinan-
do os demais, transformados em fora de trabalho. Nessa perspectiva, o Estado
nascia da necessidade de certos grupos de proprietrios, agora privados, de as-
segurar, ocultar e universalizar sua apropriao, mediante leis e outras medidas
coercitivas capazes de garantir aos despossudos no apenas a manuteno des-
ta condio, como tambm que contra ela no se rebelassem.
Marx, secundarizando os termos sociedade civil e sociedade poltica, in-
troduziu outra tipologia, onde se confrontavam duas entidades coletivas: a in-
fraestrutura espao da produo e organizao dos homens junto a ela e a
superestrutura correspondente tanto ao domnio do Estado propriamente dito,
quanto ideologia e suas formas de representao. O Estado nada teria de natu-
ral, sendo socialmente explicvel, dentro de uma perspectiva estritamente his-
trica. Segundo Marx e Engels:
A burguesia, com o estabelecimento da grande indstria e do merca-
do mundial, conquistou, finalmente, a soberania poltica exclusiva no
Estado representativo moderno. O executivo no Estado modernono
seno um comit para gerir os negcios comuns de toda a classe
burguesa (Marx & Engels, 1848, p. 42).
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Marx e o Marxismo v.2, n.2, jan/jul 2014
O Estado Ampliado como Ferramenta Metodolgica
A viso do Estado como comit das classes dominantes gerou inmeras
correntes no interior do prprio marxismo, muitas das quais o consideravam e
ainda consideram de forma mecanicista ou, nos termos de Gramsci, econo-
micista. A isto se costuma denominar de determinismo do econmico sobre o
poltico, o social e o ideolgico. Gestava-se, assim, uma variante da matriz mar-
xiana onde o Estado, no lugar do papel de Sujeito ocupado na matriz liberal,
erigia-se em Estado Objeto, ou seja, cuja existncia devia-se, to somente, para
garantir e fazer valer os interesses econmicos das classes dominantes, baseado
fundamentalmente na coero e no engodo ideolgico.
As grandes transformaes socioeconmicas ocorridas na virada do sculo
XIX para o XX em especial a emergncia do Imperialismo teorizado por Lenin 2 permitiram que, nos domnios do prprio marxismo, surgissem outras anli-
ses do Estado, notadamente aquela produzida pelo pensador italiano Antonio
Gramsci, tributrio da contribuio leninista. Segundo Fontes
O imperialismo (...) demonstrava ser, numa de suas facetas, uma nova
capacidade de organizao contraditria da prpria burguesia (...).
Gramsci aprofunda o tema das formas de organizao, e se sua re-
flexo incide diretamente sobre a organizao da dominao, o faz
incorporando o processo da luta de classes, de conquistas democrati-
zantes e de suas limitaes no mbito do Estado capitalista. (Fontes,
2010, p. 133).
Em verdade, a reflexo gramsciana voltou-se para as formas de dominao
assumidas pelo capitalismo ocidental desde incios do sculo XX j que, sob o
Imperialismo, transformaram-se e complexificaram-se no s a estrutura produ-
tiva, como tambm as superestruturas asseguradoras da reproduo da ordem
social mediante o estudo dos processos de organizao das vontades coletivas,
como o espao particular da poltica, da cultura e da ideologia. Nesse processo, o
marxista sardo superou, significativamente, o pensamento de Lenin, elaborando
um rico e inovador conceito de Estado. Cabe destacar que, dentre as razes para
tal avano esto a prpria conjuntura histrica por ele vivida bem distinta
daquela do marxismo do sculo XIX e uma experincia indelvel, oriunda da
prpria histria da Itlia de seu tempo: a ascenso do fascismo e a adeso a ele
prestada pelas classes subalternas, mormente os camponeses, adoradores de
Mussolini. Foi partindo desta ltima perplexidade que Gramsci refletiu sobre as
peculiaridades do Estado capitalista ocidental, como ser visto a seguir.
2 Em Imperialismo: fase superior do capitalismo, de 1917, Lenin desenvolve esse contexto e a nova fase do modo de produo capitalista, marcada pelo predomnio do monoplio de poucas empre-sas por ramos produtivos, bem como pela fuso entre o capital bancrio e o industrial.
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Sonia Regina de Mendona
O Estado Ampliado: Teoria e Ferramenta Metodolgica
impossvel falar do pensamento de Gramsci sem mencionar a existncia
de uma dada leitura, hoje hegemnica, de sua obra; leitura esta que, partindo,
sobretudo das contribuies de Norberto Bobbio (1955), o define como um te-
rico das superestruturas ou um arauto da sociedade civil organizada. A partir
dessa apropriao, um fio tnue se coloca para a percepo de Gramsci como um
defensor do aliancismo entre classes apropriao essa, alis, bemcomum em
terras brasileiras. A leitura bobbiana da obra de Gramsci,vulgarizada junto ao sen-
so comum,consegue reduzir seus principais pares conceituais estrutura /supe-
restrutura; sociedade poltica/ sociedade civil; ditadura/ hegemonia, etc. como
marcadas por uma ciso, em verdade inexistente no pensamento do filosofo sardo.
Alm de deturpadora, a ideia difundida equivocada, uma vez que Gra-
msci jamais abdicou da estrutura como ponto de partida de seu edifcio terico,
ainda que tenha a ela dedicado menos espao do que poltica e ao Estado. To-
davia, a premissa de que o Estado atua para manter as condies de dominao
da classe trabalhadora pela burguesia no mundo capitalista est presente em seu
trabalho e no pode ser minimizada.
A questo que, preocupado com as mudanas verificadas no capitalis-
mo mundial na virada do sculo XIX para o XX, em especial com a afirmao do
imperialismo, sua ateno voltou sua anlise para o Estado e as modalidades de
dominao de classe, j que, com a nova forma de desenvolvimento do capita-
lismo, complexificaram-se no apenas a estrutura produtiva, como tambm as
superestruturas asseguradoras da reproduo da ordem social.
Seus cuidados com o tema tm como premissa a prpria condio da Itlia
de seu tempo, onde a renovao do Estado verificou-se sem qualquer mudan-
a profunda da estrutura social, demonstrando, assim, que, em muitos casos,
as relaes ente Estado capitalista e o mundo econmico no so determina-
das nem de modo mecnico, nem esquematicamente, havendo o que Bianchi
aponta como um desencontro dos tempos das superestruturas e das estruturas
(Bianchi, 2008,p.175), divergindo o filsofo sardo do economicismo ou das vises
instrumentalistas do Estado, que o tomam como mero reflexo da economia.
Segundo Bianchi (2008, p. 165) o marxista sardo tomava como ponto de par-
tida a anlise da relao de foras vinculadas estrutura objetiva, sobre a qual se
erguiam os grupos sociais (ou fraes de classe), assim como do grau do desenvolvi-
mento das foras materiais de produo, cada qual ocupando uma dada posio na
diviso social do trabalho. E, segundo ele, nesse nvel, a classe existe objetivamente.
Isso significa afirmar que odesenvolvimento da economia e da poltica, in-
timamente vinculados e marcados por processos e reaes recprocas, no im-
plica em admitir que as transformaes ocorridas no mundo econmico reper-
cutam de pronto sobre as superestruturas e vice-versa. Tal descompasso, alis,
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O Estado Ampliado como Ferramenta Metodolgica
integra as prprias condies de produo e reproduo das relaes sociais sob
o capitalismo, atravs da unidade econmica e poltica da classe dominante, uni-
dade essa que se processa no Estado.
Ainda assim, o Estado em Gramsci no deve e nem pode ser pensado como
organismo prprio de um grupo ou frao de classe, como no caso de outras
vertentes marxistas.Ele deve representar uma expresso universal de toda a so-
ciedade, incorporando at mesmo as demandas e interesses dos grupos subal-
ternos, mesmo que deles extirpando sua lgica prpria. Segundo Fontes
Gramsci abordou as condies sociopoltico-cultural-ideolgicas de
expanso do capitalismo e concedeu especial ateno para suas con-
dies internas de sustentao, polticas e culturais, num contexto
contraditrio onde, de um lado, havia crescentes reivindicaes po-
pulares em prol de uma socializao da poltica e, de outro, tais reivin-
dicaes sofriam processos de modificao, de mutilao e mesmo
demanipulao, de maneira a serem convertidas em sustentculos da
prpria dominao que procuravam denunciar (Fontes, 2010, p. 122).
A partir dessas questes, comeam a se delinear os contornos do concei-
to gramsciano de Estado, o qual, diferentemente de Lenin, por exemplo, en-
tendido em sua acepo mais ampla e orgnica, como o conjunto formado pela
sociedade poltica e a sociedade civil, resultando no que Gramsci denomina de
Estado Integral, ou Estado Ampliado, como o querem alguns estudiosos de sua
obra, comopor exemplo, Cristine Buci-Gluksmann (1980). Ainda assim, muitos
temem os desdobramentos da noo de Estado Ampliado, uma vez que o es-
quema simplificado segundo o qual Estado corresponde coero e a sociedade
civil hegemonia, reduz, em muito, a complexidade da anlise gramsciana (Li-
guori, 2006) onde inexiste uma rigorosa diviso entre ambas as esferas.
De uma forma ou de outra, o Estado Ampliado a principal contribuio
de Gramsci no mbito da renovao do marxismo, superando as dicotomias
vontade versus imposio, sujeito versus sociedade e base versus superestrutura,
atravs de uma anlise cuja nfase histrica (Fontes & Mendona, 2012, p. 62).
O conceito de Estado ampliado permite verificar a estreita correlao exis-
tente entre as formas de organizao das vontades (singulares e, sobretudo, co-
letivas), a ao e a prpria conscincia (sociedade civil) sempre enraizadas na
vida socioeconmica e as instituies especficas do Estado em sua acepo
restrita (sociedade poltica). Gramsci supera o dualismo das anlises que sepa-
ravam e contrapunham a base superestrutura, integrando sociedade poltica
esociedade civil numa s totalidade, em constante interao, no mbito do que
ele considerava as superestruturas (Fontes & Mendona, 2012,pp. 62-3).
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Por certo, grande a preocupao do marxista sardo em evitar a concepo
reducionista segundo a qual o Estado eralimitadomeramente a sua funo co-
ercitiva. Para ele, nesse Estado caberia, ainda, a construo do consenso. Dessa
forma, podemos entender o Estado ampliado a partir de dois conceitos-chave:
sociedade poltica e sociedade civil. O primeiro termo bastante claro na obra
de Gramsci, referindo-se ao Estado em seu sentido restrito ou seja, os aparelhos
governamentais incumbidos da administrao, da organizao dos grupos em
confronto, bem como do exerccio da coero sobre aqueles que no consentem,
sendo por ele tambm denominado de Estado poltico ou Estado-governo.
A despeito de menos clara e mais complexa nos Cadernos, a noo de so-
ciedade civil implica no conjunto dos organismos chamados de privados ou
aparelhos privados de hegemonia, no sentido da adeso voluntria de seus
membros. Dentre esses aparelhos Gramsci destaca igrejas, associaes privadas,
sindicatos, escolas, partidos e imprensa. em torno a eles que se organizam as
vontades coletivas, seja dos grupos dominantes, seja dos dominados.
E neste ponto, torna-se essencial no pensamento gramsciano a figura do
intelectual como efetivo organizador das vontades e da ao coletiva. Dessa
forma, o pleno desenvolvimento de uma classe ou frao depende de sua
capacidade de gerar seu prprio quadro de intelectuais, aptos a lhe conferirem
homogeneidade e mesmo conscincia de sua funo, seja no mbito econmico,
poltico ou ideolgico. A partir dessa capacidade organizativa por excelncia, os
intelectuais respondem no s pela organicidade de um dado aparelho de hege-
monia, mas, tambm, pela tarefa de atingir a prpria organizao da sociedade
em geral, o que configuraria, de modo efetivo,a plena hegemonia da frao de
classe especfica por eles representada.
Neste sentido essencial sinalizar que, no pensamento gramsciano, no Es- essencial sinalizar que, no pensamento gramsciano, no Es-sinalizar que, no pensamento gramsciano, no Es-
tado capitalista ocidental de seu tempo, a principal funo desses aparelhos de
hegemonia seria construir o consenso das grandes massas pouco organizadas,
de modo a obter sua adeso aos projetos articulados pelos grupos dominantes.
Em suas prprias palavras
[...] Por enquanto, podem-se fixar dois grandes planos superestru-
turais: o que pode ser chamado de sociedade civil (isto , o conjun-
to de organismos designados vulgarmente como privados) e o da
sociedade poltica ou Estado, planos que correspondem, respecti-
vamente, funo de hegemonia que o grupo dominante exerce em
toda a sociedade e quela de domnio direto ou de comando, que se
expressa no Estado e no governo jurdico. Essas funes so precisa-
mente organizativas e conectivas. Os intelectuais so prepostos do
grupo dominante para o exerccio das funes subalternas da hege-
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O Estado Ampliado como Ferramenta Metodolgica
monia social e do governo poltico, isto : 1) do consenso espont-
neo dado pelas grandes massas da populao orientao impressa
pelo grupo fundamental dominante vida social (...); 2) do aparelho
de coero estatal que assegura legalmente a disciplina dos grupos
que no consentem, nem ativa nem passivamente, mas que cons-
titudo para toda a sociedade na previso dos momentos de crise no
comando e na direo, nos quais desaparece o consenso espontneo.
(Gramsci, 2000, v. 2, pp. 20-21, grifos meus).
No se pense, entretanto, que tal correlao, mesmo no mbito da socie-
dade civil, efetiva-se sem conflitos, j que as disputas entre os distintos grupos
sociais atravessam os prprios aparelhos privados de hegemonia em si mesmos,
alm de contraporem uns aos outros, em busca do almejado consenso. Logo,
distintamente do que supem alguns autores, a sociedade civil no apenas o
conjunto de aparelhos localizados fora da esfera estatal,o que lhe confere, nesta
leitura, um cunho sempre de positividade (Bobbio, 2009).
Pelo contrrio, marcada pelos conflitos de classe, a sociedade civil nada tem
de idlica ou ilusria, uma vez que em seu seio que se elaboram e se confron-
tam projetos distintose at mesmo antagnicos, ficando claro, no pensamento
gramsciano, que ela a arena da luta de classes e da afirmao de projetos em
disputa, derivados de aparelhos de hegemonia distintos, ainda que, em muitos
casos, pertenam a uma mesma classe ou frao dela. Para Gramsci, algumas das
associaes da sociedade civil podem serdefinidas como um partido. Segundo
suas palavras
Evidentemente, ser necessrio levar em conta o grupo social do qual
o partido expresso e a parte mais avanada:ou seja, a histria de
um partido no poder deixar de ser a histria de um determinado
grupo social. Mas este grupo no isolado; tem amigos, afins, adver-
srios, inimigos. Somente do quadro global de todo o conjunto social
e estatal (...) que resultar a histria de um determinado partido;
por isso, pode-se dizer que escrever a histria de um partido significa
nada mais do que escrever a histria geral de um pas a partir de um
ponto de vista monogrfico, pondo em destaque um seu aspecto ca-
racterstico (Gramsci, 2000, v. 3, p. 87).
Logo, o conceito de Estado ampliado transborda os limites institucionais
do Estado em sua acepo no senso comum dicionarizado. De modo dialtico, o
Estado ampliado resulta das diferentes formas de organizao e conflito da vida
social, constituindo-se, ele prprio, numa relao social entre foras desiguais
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(Poulantzas, 2000). Por tal razo, Gramsci aponta quea unidade entre Estado e
sociedade civil sempre orgnica, advertindo, todavia, que tal distino tem
um cunho to somente didtico.
O exerccio normal da hegemonia (...) caracteriza-se pela combina-
o da fora e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem
que a fora suplante em muito o consenso, mas, ao contrrio, ten-
tando fazer com que a fora parea apoiada no consenso da maioria,
expresso pelos chamados rgos da opinio pblica jornais e asso- pblica jornais e asso-blica jornais e asso-
ciaes , os quais, por isso, em certas situaes, so artificialmente
multiplicados (Gramsci, 2000, v. 3, p. 95).
No por casualidade, o pensador sardo utiliza a figura do centaurocomo
metfora para ilustrar a organicidade das relaes entre sociedade civil e socie-
dade poltica ou entre consenso e coero, dialeticamente imbricadas e insepa-
rveis, no podendo a coero existir sem o consenso, assim como o consenso
inexiste sem coero.
Outro ponto a ser fixado e desenvolvido o da dupla perspectiva na
ao poltica e na vida estatal. Vrios graus nos quais se pode apresen-
tar a dupla perspectiva, dos mais elementares aos mais complexos,
mas que podem ser reduzidos teoricamente a dois graus fundamen-
tais, correspondentes natureza dplice do Centauro maquiavlico,
ferina e humana, da fora e do consenso, da autoridade e da hege-
monia, da violncia e da civilidade, do momento individual e daquele
universal (da Igreja e do Estado), da agitao e da propaganda, da
ttica e da estratgia, etc. (Idem: p. 33).
Em suma, para o pensador italiano, que tanto inovou o campo do marxismo
com sua singular definio de Estado ampliado ou Integral , a marca peculiar ao
Estado capitalista, desde sua poca, reside no fato dele guardar, simultaneamente,
um espao de consenso e no apenas de violncia, sendo o consenso consenti-
mento obtido, segundo ele, atravs da ao dos aparelhos de hegemonia da so-
ciedade civil, assim como atravs da ao do prprio Estado restrito, que promove
e generaliza o projeto da frao de classe hegemnica em certo contexto histori-
camente dado. Logo, poltica e Estado so inseparveis da cultura e, mesmo ins-
tituies da sociedade poltica tipicamente relacionadascom a coero como o
Exrcito, por exemplo respondem pela difuso de uma cada cultura.
Nesse sentido, a transformao social e do Estado nas sociedades capita-
listas ocidentais s pode ser obtida, para Gramsci, a partir da multiplicao dos
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aparelhos de hegemonia da sociedade civil ou seja, das vises de mundo/proje-
tos (ou vontades coletivas organizadas) que disputam entre si, todo o tempo, a
manutenode um projeto hegemnico ou a imposio de um contra- hegem-
nico, em busca da hegemonia.
Mas para tanto, indispensvel que o grupo ou frao de classe, organiza-
do neste ou naquele aparelho de hegemonia, atuenosentido de inserir alguns de
sues representantes ou intelectuais junto ao Estado restrito. V-se, pois, que a
ideia do Estado em Gramsci, alm de altamente dinmica e enriquecedora para
a compreenso do papel do Estado na atualidade, coerente com o jogo de con-
tradies que atravessa sociedade civil e sociedade poltica (e que muitos autores
de corte liberal reduzem a uma mera luta inter-burocrtica).
Pensar o Estado gramscianamente sempre pens-lo a partir de um duplo
registro: o das formas dominantes na produo (classes e fraes) que se cons-
tituem e se consolidam por intermdio de organizaes da sociedade civil, ao
mesmo tempo em que, junto a cada aparelho ou rgo do Estado restrito, esto
sempre presentes projetos e intelectuais vinculados s agncia(s) da sociedade
civil. Uma delas, por certo, deter a hegemonia junto a certo organismo estatal,
conquanto outras igualmente l far-se-o presentes, em permanente disputa.
Por tudo at agora apresentado, considero o Estado Ampliado no apenas
um sofisticado conceito, mas tambm uma utilssima ferramenta metodolgica,
posto conter, em sua elaborao, os passos de um itinerrio de pesquisa desti-
nado anlise da constituio/transformaes sofridas pelo Estado, bem como
para o desenvolvimento de investigaes de todo tipo de temticas a ele corre-
latas, tais como a dominao poltica de classe; a representao de interesses
dominantes e dominados na sociedade capitalista; as polticas estatais das
mais variadas; as relaes entre classe dominante, Estado restrito e classe tra-
balhadora; ideologia, classe e cultura; alm de inmeras outras, mormente no
mbito da histria, posto que o cerne da anlise de Gramsci no poderia deixar
de ser a Totalidade.
Tomemos agora dois exemplos concretos de aplicao da metodologia
contida no prprio conceito de Estado Ampliado, guisa de exemplo. Um deles
a obra O Ruralismo Brasileiro, verso condensada da Tese de Doutoramento de
Sonia Regina de Mendona, publicada, em 1997, pela editora Hucitec. O outro
o livro de lvaro Bianchi, Um Ministrio dos Industriais, tambm verso de sua
tese de Doutoramento, publicada pela editora da Unicamp em 2010.
Conquanto recortando objetos algo distintos apesar de bastante afins, j
que ambos tratam das relaes entre classe dominante e Estado no Brasil , os
autores realizaram suas pesquisas seguindo os passos metdicos implcitos no
conceito de Estado Ampliado. Enquanto Mendona analisa as relaes entre di-
versas fraes da classe dominante agrria/agroindustrial e o Estado restrito no
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Sonia Regina de Mendona
caso, o Ministrio da Agricultura no decorrer da Primeira Repblica, Bianchi
estuda as interelaes entre distintas fraes de industriais brasileiros no prprio
interior de um aparelho privado de Hegemonia, a FIESP, de modo a inferir qual
delas deteria, no seio da prpria entidade, o projeto hegemnico.
Seguindo o roteiro sugerido por Gramsci, ambos partem de extensa in-
vestigao junto aos aparelhos de hegemonia da sociedade civil brasileira acima
esboados. No primeiro caso, a autora estuda, sobretudo, a Sociedade Nacional
de Agricultura (SNA) e,tangencialmente,a Sociedade Rural Brasileira (SRB) vi-
sando detalhar suas formas organizacionais, suas bases sociais, seus intelectuais
orgnicos, bem como as divergncias e disputas entre elas. J no segundo caso,
Bianchi parte do estudo daFIESP, igualmente explicitando suas modalidades or-
ganizacionais, bases sociais, divergncias, disputas endgenas e intelectuais or-
gnicos. O olhar de cada um, todavia, distinto.
Enquanto Mendona visa analisar a correlao de foras vigente entre as
entidades patronais agrrias/agroindustriaisselecionadas com vistas a perceber
quais de seus projetos inseriram-se na materialidade do Estado restrito basi-
camente no Ministrio da Agricultura , Bianchi enfatiza a prpria dinmica in-
terna da FIESPnas dcadas de 1980-90, privilegiando as divergncias de projetos
endogenamente existentes na agremiao, com vistas a detectar a imposio he-
gemnica de um deles, e realizando algumas poucas incurses na pesquisa junto
a organismos do Estado Restrito.Quando o faz, o autor busca, ao que tudo indica,
evidenciar a reao das diferentes fraes de industriais agremiadas pela FIESPa
medidas do que ele chama de governo e seus embates internos.
Ao fim e ao cabo, ambos preocupam-se com a representao de interesses
das classes dominantes no pas e sua busca de consenso/hegemonia.
Por certo, ambos partem de pressupostos comuns: 1) que a sociedade ci-
vil, alm de arena dos conflitos de classe intraclasse dominante e mesmo intra-
-aparelho de hegemonia o espao de correlaes de foras especficas que
originam o surgimento e organizao das entidades estudadas; 2) que a pesquisa
no deve limitar-se, em estudos sobre a representao de interesses com vis-
tas ampliao do Estado simples identifi cao dos distintos projetos em dis- simples identifi cao dos distintos projetos em dis-identificao dos distintos projetos em dis-o dos distintos projetos em dis- distintos projetos em dis-
puta, sendo necessrio ir mais alm: verificar quais eram as foras sociais em
confronto por eles personificadas, sempre em perspectiva histrica; 3) que as
determinaes estruturais configuram a essncia dos sujeitos analisados, sendo
fundamental que estes sejam tomados como expresso das relaes e condies
em que se encontram reciprocamente situados (Bianchi, 2010, p. 35); 4) que so-
mente a partir da ao coletiva possvel falar de atores coletivos.
Justamente por isso, os autores citados iniciam suas pesquisas documen-
tais a partir das publicaes peridicas, sobretudo produzidas pelas agremia-
es selecionadas para anlise, de modo a inferir seus quadros dirigentes, bases
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sociais, cotidiano de funcionamento institucional, alm de projetos e demandas
homogneas ou conflitivas.
da correlao de foras estabelecidas entre esses atores coletivos e os
respectivos aparelhos privados de hegemonia por eles representados que se
pode partir para o estudo minucioso no apenas de suas aes coletivas, mas
tambm de suas campanhas, propagandas ideolgicas e modalidades de corre-
lao com o Estado restrito, uma vez que a emergncia dessas associaes pode
influir tanto sobre o contexto econmico, quanto na regulao do conflito social
e, especialmente, na implementao de certas polticas pblicas, o que bem
mais priorizado no trabalho de Mendona.
Partindo dessa imperiosa e necessria qualificao dos agentes da vonta-o dos agentes da vonta-s agentes da vonta-
de coletiva materializada nas entidades da sociedade civil analisadas, o trabalho
de Mendona encaminha-se para o estudo de umainstituio especfica da so-
ciedade poltica, tal como o sugere Gramsci. No caso, trata-se do Ministrio da
Agricultura, e a autora busca verificar trs processos: a) quais bases da sociedade
civil organizadas achavam-se inscritas em sua materialidade; b) qual a correla-
o de foras vigente dentro da prpria instituio e 3) quais polticas agrcolas
efetivamente foram, a partir dele,postas em prtica, de modo a atender a quais
demandas oriundas de qual aparelho privado de hegemonia junto a ele presente
atravs de seus intelectuais.
Para tanto, a autora constri vrios quadros detalhados, mapeando tanto
os ocupantes dos quadros dirigentes da SNA incluindo suas Diretorias e seus
trs Conselhos Superiores , quanto os funcionrios do alto escalo ministerial,
de modo a verificar seu pertencimento s agremiaes das fraes da classe do-
minante agrria/agroindustrial pesquisadas.
Da mesma forma, Mendona elabora tabelas dando a conhecer a partir
da publicao da bimestral da SNA, a revista A Lavoura quais temticas pre-
ponderavam no projeto da entidade, fundamentando sua ao poltico-ideol-
gica, bem como, j no mbito da sociedade poltica, os principais segmentos pri-
vilegiados pelas polticas agrcolas do Ministrio, verificando o atendimento ou
no das demandas formuladas pela Sociedade.
Como concluso, a autora destaca a existncia de um predomnio de re-
presentantes da SNA junto aos quadros superiores do Ministrio, em particular
inmeros ministros oriundos deste aparelho privado de hegemonia, e demons-
tra, ainda, o quanto as polticas agrcolas estatais atenderam ao projeto da SNA e
aos segmentos da classe dominante agrria nacional por ela organizados, valen-
do destacar a ausncia de atores sociais oriundos da grande burguesia cafeeira
paulista tanto junto Sociedade, quanto junto ossatura material do Ministrio.
Em sntese, a aplicao dos procedimentos metodolgicos inerentes ao
conceito gramsciano de Estado Ampliado so testados de forma altamente po-
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sitiva e enriquecedora no apenas para o estudo das polticas agrcolas no Brasil
da Primeira Repblica escapando de reducionismos tais como a passividade
das fraes dominantes agroindustriais no cafeeiras ou mesmo a inoperncia
do Ministrio da Agricultura no atendimento das demandas deste ramo da eco-
nomia brasileira, posto inexistir, em seus quadros, intelectuais da SRB como, e
sobretudo, para a correlao de foras vigentes entre sociedade civil e sociedade
poltica ou mesmo entre entidades da sociedade civil e at no interior de uma
agncia do Estado restrito.
Ainda que a grande burguesia paulista tenha, de fato, hegemonizado a so-
ciedade civil como um todo como o demonstra toda uma vasta historiografia
com seu projeto, inserindo-se no Estado restrito, ela o fez junto a outras institui-
es, deixando entrever queuma correlao de foras contra hegemnicas emer-
giu no prprio seio da classe dominante, a partir do binmio SNA- Ministrio da
Agricultura.
J a obra de Bianchi, mesmo comungando dos pressupostos comuns acima
elencados, encaminha sua anlise em outra direo. Muito embora igualmente
estude tanto a representao de uma frao da classe dominante brasileira os
industriais em perodo recente, quanto sua relao com o Estado restrito, lan-
ando mo, igualmente, da pesquisa junto aos peridicos publicados pela FIESP
(Indstria e Desenvolvimento; Revista da Indstria e Notcias), o autor enfatizaque
O estudo da capacidade associativa do empresariado, da formulao
de seus projetos e de sua ao poltica seria, desse modo, abordado a
partir de relaes de foras que se estabelecem em contextos histri-
cos especficos e que permitiriam apontar as razes e a trajetria do
desenvolvimento desses processos polticos. As dimenses destaca-
das remetem de maneira explcita construo das formas de ao,
conscincia e organizao dos diferentes grupos sociais (Bianchi,
2010, p. 46).
Nesse sentido, o autor privilegia muito mais o estudo da prpria Fiesp, os
conflitos no interior dessa agremiao do empresariado industrial que ultrapas-
saram a dimenso econmico-corporativa primeiro nvel da correlao de for-
as, segundo Gramsci e demonstraram dificuldades inerentes constituio
de um projeto hegemnico. Por certo, vale lembrar estar o autor estudando seu
objeto no perodo compreendido pelas dcadas de 1980-1990, ou seja, marcado
por severa crise.
Para atingir seus objetivos, Bianchi igualmente elabora inmeros quadros
muito dos quais relativos a ndices de desempenho econmico alm de alguns
contendo a composio dos Departamentos da FIESP ou seus diretores por divi-
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so econmica, de modo a mapear os conflitos internos a essa entidade que de-
nomina de Ministrio dos Industriais e seu papel na elaborao de um projeto
hegemnico em meio crise orgnica atravessada pelo pas. Pouco, entretanto,
dedica-se o autor ao estudo de organismos da sociedade poltica em particular,
limitando-se a explicitar as reaes das distintas fraes de industriais s medi-
das econmicas do governo.
Uma observao bastante pertinente trazida tona tanto por Mendona,
quanto por Bianchi, diz respeito impreciso conceitual que campeia na histo-
riografia especializada em cada uma das temticas por eles analisadas. No caso
de Mendona, a crtica dirige-se a noes como elites, oligarquias ou mes-
mo grupos tradicionais. J Bianchi visa categorias como elites industriais,
empresariado industrial ou mesmo burguesia nacional, alertando como tal
emaranhado conceitual produz uma homogeneizao do objeto de estudo, re-
duzindo o prprio empresariado ou mesmo a burguesia a sua forma arquetpica
(Bianchi, 2010, p. 264-265).
De uma forma ou de outra, creio que ambas as obras so bastante ilustrativas
da proposta aqui defendida: ou seja, que o conceito de Estado Ampliado extrapola
os limites da teoria, transmutando-se numa ferramenta metodolgica para as pes-
quisas acerca dos temas at aqui elencados. Ao mesmo tempo, ambos permitiram,
com a utilizao da teoria/metodologia utilizada pelos autores, que eles chegassem
a concluses em muito distintas daquelas cada qual em seu campo historiogrfico
especfico estabelecidas por outros pesquisadores do tema, j que o itinerrio e,
claro, os questionamentos impostos documentao, tambm o foram.
O aspecto mais importante de ambos os trabalhos, a meu ver, no reside
puramente nas respostas dadas a questes especficas colocadas por cada um
dos pesquisadores, mas sim abordagem alternativa utilizada por ambos para o
estudo das relaes fraes da classe dominante-sociedade-Estado. Neste senti-
do, mais do que nunca, a vitalidade da reflexo gramsciana encontra-se ratifica-
da, mesmo que relacionada questo do Estado ampliado em tempos contem-
porneos.
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