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O estatuto da juventude em questão

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Page 1: O estatuto da juventude em questão

O ESTATUTO DA JUVENTUDE EM QUESTÃO*

** Sérgio Botton Barcellos e Maciel Cover

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira passada (09/07) o Estatuto da

Juventude que abrange jovens entre 15 a 29. O Projeto de lei estava em tramitação na Casa desde

2004. O texto que foi aprovado na Câmara teve como relatora a Dep. Manuela D’Ávila (PCdoB-

RS), intitulado PL 4592/04, e no Senado foi chamado de PL 98/2011 deve auxiliar na consolidação

dos direitos da juventude brasileira, junto com a "PEC da juventude”,que incluiu o termo JOVEM

no Capítulo VII da Constituição Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. O projeto

será sancionado em até 15 dias, pois já está na Presidência da República.

O projeto do estatuto passou por várias discussões e audiências públicas. Após apresentar

parecer que resultou em vários questionamentos dos deputados por ocasião da votação final na

Câmara, a relatora, a Dep. Manuela, fez reformulações e apresentou uma versão considerada mais

consensual horas depois no plenário.

O Estatuto da Juventude em seu texto faz menção sobre direitos básicos, como justiça,

educação, saúde, lazer, transporte público, esporte, liberdade de expressão e trabalho. A partir disso,

pretende-se que seja criado o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE), cujas competências

serão regulamentadas.

Dentre as questões contidas no Projeto de Lei que se destacam, consta a criação de um

limite de 40% para ingressos com meia-entrada em eventos culturais e esportivos para estudantes e

desconto de 50% somente no transporte coletivo interestadual para estudantes e jovens considerados

de baixa renda1. O desconto poderá ser usado independentemente da finalidade da viagem.

Consta ainda no Projeto que a exclusividade sobre a expedição da carteira estudantil será da

Associação Nacional de Pós-Graduandos, da União Nacional dos Estudantes (UNE), da União

Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e por entidades estudantis estaduais e municipais a

elas filiadas. Segundo o projeto do estatuto (PL 4529/04) ou por entidades a elas vinculadas. Serão

válidas as carteiras com selo de segurança personalizado elaborado por essas instituições.

Ainda destaca-se no conteúdo do Estatuto da Juventude aprovado questões como: escolas

que com mais de 200 alunos não precisarão mais ter um local apropriado para a prática de

atividades poliesportivas; não há mais reserva de 30% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura

para projetos e programas culturais direcionados aos jovens; emissoras de rádio e televisão não

terão mais que destinar espaços e horários especiais para tratar da realidade social do jovem;e a

União não terá mais que criar e gerenciar subsistemas nacionais de informações sobre a juventude e

de acompanhamento das políticas.

A aprovação do Estatuto da Juventude garante direitos?

"Pergunta a cada ideia: Serves a quem?” (Bertold Brecht)

A aprovação do Estatuto da Juventude pode ser observada de diversas formas, inclusive a

partir da atual conjuntura política e situação do tema da juventude junto ao governo. Considera-se

que comemorar a aprovação do Estatuto da Juventude é legítimo e necessário, tendo em vista que

1 Serão considerados jovens de baixa renda os pertencentes a famílias inscritas no Cadastro Único para Programas

Sociais do Governo Federal (CadÚnico) cuja renda mensal seja de até dois salários mínimos.

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ficou 09 anos em tramitação no Legislativo e representa um grande passo na caminhada para a

conquista de direitos sociais para os e as jovens.Entretanto, apenas comemorá-la e propagandear a

conquista de direitos das e dos jovens como uma vitória dada, pode ser considerada uma postura

com ares de cinismo, de quem quer acumular capital político sobre um processo que está em plena

disputa de rumos políticos. Desse modo, ao que tudo indica, essa aprovação demanda atenção e

daqui para frente mais e mais mobilização para que muitos direitos possam efetivamente ser

garantidos para o conjunto da juventude brasileira.

Por mais que tenha ocorrido uma relativa participação junto às organizações e movimentos

sociais, audiências públicas, espaços para os e as jovens opinarem nesses anos de governos com

Lula e Dilma sobre a formulação do Estatuto, evidencia-se que na aprovação desse projeto de lei

tanto no Senado, quanto na Câmara, em grande parte imperou a influência exercida nas casas pelas

relatorias e grupos partidários junto a pouca mobilização no monitoramento das reivindicações e

propostas de muitas organizações e movimentos sociais.

Outra questão é a forma refratária, espontaneísta e reativa que dá o tom do pragmatismo das

decisões tomadas pelo poder executivo e legislativo como resposta ao conjunto das mobilizações

que estão ocorrendo nos últimos meses, no qual pautas históricas estão sendo aprovadas sem

discussões mais consistentes e de fundo, sem respeitar as reivindicações dos diversos grupos sociais

que se mobilizam acerca dessas aprovações.

Percebe-se que a aprovação do Estatuto, em certa medida, tomou um rumo

institucionalizado e burocratizado pelas relatorias do Senado e Câmara, e acima de tudo

partidarizado em grande parte por disputas no interior do movimento estudantil vinculado a UNE e

a UBES, que é apenas uma fração, das muitas contidas no conjunto da juventude brasileira.

Exemplo disso, provavelmente é a questão que paira sobre a meia-entrada em eventos

esportivos, culturais e nos cinemas. Ao estabelecer a cota de 40% para a compra de meia entrada,

pode ser considerada uma perda de direito em relação ao direito garantido antes, que era uma

conquista histórica do movimento estudantil. Ressalta-se que antes não constava em lei

porcentagem de ocupação de vagas nesses eventos. Outra questão em relação a isso pode ser feita:

quem fará a fiscalização em shows e espetáculos para que essa cota seja garantida?

O PCdoB, na aprovação do Estatuto da Juventude, tanto no Senado, quanto na Câmara, por

parte das suas Deputadas/os realizaram a pressão para a aprovação dessa cota. Também cabe

lembrar que a UNE (entidade hegemonizada há mais de 20 anos pela UJS-PCdoB) articulou e

apoiou essa medida junto com artistas e produtores culturais vinculados a cultura de massas em

troca, no mínimo, do apoio para manter a exclusividade da confecção das carteiras estudantis.

Fica a questão: Porque pouco se fala disso em meio as diversas juventudes partidárias, em

especial as que compõem a UNE ? É muito provável que muito em breve essa alteração para cota da

meia entrada será evidenciada e motivo de protestos pelo conjunto da juventude, mesmo que

ampliando o benefício para os e as jovens cadastrados no CadÚnico.

Ainda, cabe considerar a atual situação das políticas públicas de juventude no governo. No

ano de 2011 ocorreu a formulação e a conquista do Programa Autonomia e Emancipação da

Juventude no Plano Plurianual do Governo Federal (PPA 2012-2015) . Contudo, o orçamento

disponibilizado de R$ 50 milhões é considerado muito insuficiente diante do conjunto de demandas

apresentadas pelo conjunto da juventude brasileira.

Outro possível desafio no processo de regulamentação do Estatuto, mesmo com o acúmulo

de debates do CONJUVE e as iniciativas que partem da SNJ, será o fato de lidar com a fragilidade

política desses espaços em um governo que não prioriza o tema da juventude, inclusive na própria

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Secretaria Geral da Presidência, em meio a uma acirrada disputa interburocrática, orçamentária e

política que há no conjunto da ampla coalizão partidária que compõem o governo.

Uma evidência forte disso, foi e é a negligência do governo em relação aos debates sobre os

grandes temas relacionados à juventude e os direitos sociais básicos, como a questão das reformas

urbanas e agrária e a falta de planejamento diante do atual momento demográfico do país, com a

maior população em faixa etária jovem da história. Falta de aviso, não foi. Outro sinal disso é a

ausência de políticas públicas para a juventude consideradas expressivas, que atendam de forma

apropriada em escala e capilaridade as demandas do conjunto das juventudes no Brasil.

Percebe-se que no último mês, após as manifestações massivas que não necessariamente

foram organizadas por jovens vinculados a organizações políticas tradicionais, a inserção do tema

da juventude passou a compor a agenda política do governo federal com certo grau de prioridade.

Portanto, essa é apenas mais situação que exemplifica a falta de prioridade do governo com a pauta

da juventude e falta de capacidade de mais investimentos do Estado nessa e outras pautas devido o

orçamento da União estar altamente comprometido com a dívida pública.

O poder executivo e legislativo ao aprovarem nessa conjuntura o Estatuto da Juventude

demonstraram um tipo de "analfabetismo político funcional” ao lerem a realidade do conjunto da

juventude brasileira. Exemplo disso, é que muitas organizações e movimentos sociais de Juventude

reivindicavam um Estatuto que lhe garantisse direitos, não uma lei que fosse apenas uma carta de

intenções e que lhe tirasse direitos. Disputar os rumos das regulamentações das leis pós-sanção

presidencial será preciso, inclusive para continuar reivindicando a garantia e a ampliação de direitos

básicos, como transporte público, educação e saúde, bem como questionar as violações aos direitos

humanos causadas pelos megaeventos no Brasil.

Outra questão que poderá vir à tona é quando o conjunto das organizações e movimentos

sociais de juventude perceberem que no Estatuto aprovado muitas das suas proposições nos espaços

de consulta foram alteradas e retiradas pela pressão dos/as deputados/as, senadores/as e relatorias.

Prova disso, além da questão da meia-entrada que "vai dar o que falar”, foram às reivindicações

feitas pelas organizações e movimentos sociais em juventude rural que não foram contempladas

quanto à garantia do direito a terra e sobre medidas para garantir aos jovens medidas de proteção

perante os agrotóxicos. Ainda, outra questão que carece de atenção, pois é uma discussão ambígua e

com muitas minúcias, é a destinação dos Royalties do Pré-Sal para a Educação. Mais uma vez

percebe-se, que o governo e o legislativo se colocam em situação difícil, devido há mais um dilema

criado pela sua própria antítese cotidiana, que é o de ouvir, mas não escutar o conjunto dos grupos

sociais.

Dessa forma, a atual conjuntura e o arranjo de forças políticas no governo, bem como o atual

estágio de mobilização social na sociedade, não possibilitarão a aprovação de um Estatuto com um

conteúdo mais ousado que remete-se a questões de fundo em um sistema social que expulsa do

meio rural e demais territórios, explora, oprime e mata a juventude, ou mesmo garantir os

percentuais e fundos orçamentários necessários, por parte do Estado, para a elaboração de políticas

públicas efetivas para a juventude.

Percebe-se que tem muitas organizações e parlamentares querendo falar pela juventude, mas

poucos que querem dialogar e fazer algo COM o conjunto dos grupos de juventude no Brasil. Não é

a intenção dessa provocação, ao contrário de muitos textos que circulam nas blogsferas, inclusive

nas que se dizem de esquerda, em proporcionar um entendimento "ou dar a linha” sobre esse

momento histórico que estamos passando. Assim, mesmo que seja sedutor afirmar a necessidade de

um veto presidencial ou da revogação imediata sobre o artigo que prevê a porcentagem de 40% para

a meia entrada, acredita-se que a compreensão, as soluções e as respostas sobre o que fazer diante

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disto tem que vir por e pelo conjunto de organizações e movimentos sociais das cidades e que estão

nos diversos territórios, não só da UNE, UBES e juventudes partidárias.

Que a juventude precisa ter voz, espaço e vez, isso também parece ser consensual e discurso

de muitos (as), mas isso ao que tudo indica não será consentido ou dado. Isto, terá que ser disputado

e conquistado nas mais diversas esferas da sociedade cotidianamente e tanto a formulação das

questões, quanto as respostas necessárias terão que ser feitas em manifestações massivas pautando

um governo e um legislativo enrijecidos pelos múltiplos comprometimentos com as forças

nacionais e multinacionais que retroalimentam o atual estágio do capitalismo no Brasil, pela

tecnoburocracia gerencial do Estado e o pragmatismo eleitoreiro em um sistema político distante de

um projeto de democracia participativa.

*Texto também disponível em: Adital, PJR, Racismo Ambiental e Amazônia Web.

* Sérgio Botton Barcellos faz doutorado no CPDA-UFRRJ e atua na assessoria da PJR.

* Maciel Cover faz doutorado no PPGCS-UFCG e atua na assessoria da PJR.