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o Estruturalismo na Teoria das Organizações FERNANDO C. PRESTES MOTTA * 1. Origens. 2. As Grandes Figuras do Estrutura- lismo. 3. Idéias Centrais. 4. O Estruturalismo ea Organização. 5. Críticas. Há dois ou três anos, a palavra estruturalismo foi incorporada ao vocabulário dos grupos mais intelectualizados. Paralelamente, po- rém, a êsse modismo inconseqüente, houve, realmente, uma ver- dadeira invasão estruturalista nas ciências sociais, e, muitos espe- cialmente, na lingüística e na antropologia. Coube, provàvelmen- te, à potencialidade revelada por êsse método no desenvolvimento da lingüística, a responsabilidade por essa invasão nas demais áreas do conhecimento social, isto é, na economia, na sociologia na teoria das organizações, na ciência política e na psicologia. De onde surgiu êsse método?; quais as suas variações?; como se deu sua entrada na teoria das organizações?; quais os seus prin- cipais expoentes?; quais as suas teses centrais?; como os estrutu- ralistas vêem 'a organização?; quais as principais críticas de que vêm sendo alvo? Estas são algumas das perguntas que êste artigo procura responder. Professor-Assistente do Departamento de Administração Geral e Rela- ções Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 10(4): 23-41, out./dez. 1970

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o Estruturalismo na Teoria das OrganizaçõesFERNANDO C. PRESTES MOTTA *

1. Origens. 2. As Grandes Figuras do Estrutura-lismo. 3. Idéias Centrais. 4. O Estruturalismo e aOrganização. 5. Críticas.

Há dois ou três anos, a palavra estruturalismo foi incorporada aovocabulário dos grupos mais intelectualizados. Paralelamente, po-rém, a êsse modismo inconseqüente, houve, realmente, uma ver-dadeira invasão estruturalista nas ciências sociais, e, muitos espe-cialmente, na lingüística e na antropologia. Coube, provàvelmen-te, à potencialidade revelada por êsse método no desenvolvimentoda lingüística, a responsabilidade por essa invasão nas demaisáreas do conhecimento social, isto é, na economia, na sociologiana teoria das organizações, na ciência política e na psicologia.De onde surgiu êsse método?; quais as suas variações?; como sedeu sua entrada na teoria das organizações?; quais os seus prin-cipais expoentes?; quais as suas teses centrais?; como os estrutu-ralistas vêem 'a organização?; quais as principais críticas de quevêm sendo alvo? Estas são algumas das perguntas que êste artigoprocura responder.

• Professor-Assistente do Departamento de Administração Geral e Rela-ções Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, daFundação Getúlio Vargas.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 10(4): 23-41, out./dez. 1970

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1. Origens

A palavra estrutura é de emprêgo muito antigo, tanto nas ciên-cias físicas quanto nas sociais e em têrmos amplos significa tudoo que a análise interna de uma totalidade revela, ou seja, ele-mentos, suas inter-relações, disposição. O conceito de estruturaé especialmente importante para a ciência porque pode ser apli-cadoa coisas diferentes, permitindo a comparação. Nesse sentido,podemos afirmar que o estruturalismo é um método analíticocomparativo. Além disso, o estruturalismo considera os fenôme-nos ou elementos com referência a uma totalidade, considerando,pois, o seu valor de posição. Assim, à sua característica compa-rativa, podemos acrescentar seu aspecto totalizante. Disto se con-clui que para o estruturalismo é de especial importância o relacio-namento das partes na constituição do todo, ou seja, que estrutu-ralismo implica em totalidade e interdependência, [ã que excluios conjuntos cujos elementos sejam relacionados por mera justa-posição. Simplificando, os conjuntos que interessam ao estrutu-ralista apresentam como característica básica o fato de que o todoé maior do que a simples soma das partes.'

Em ciências sociais há várias tradições estruturalistas que podemser organizadas em quatro grandes grupos, aos quais chamare-mos estruturalismo abstrato, estruturalismo concreto, estrutura-lismo fenomenológico e estruturalismo dialético. Para o primeiro,a estrutura é uma construção informadora do objeto, não se rela-cionando com a realidade empírica, mas com os .modelos cons-truídos em função dela. Nesse sentido, por exemplo, as relaçõessociais constituiriam a matéria-prima para a construção de mode-los que permitiriam a manifestação da estrutura social. Nessacorrente coloca-se Levi-Strauss. Para o segundo grupo de tradi-ções estruturalistas, a estrutura é a definição do objeto. Assim,o conjunto de relações sociais, num dado momento, constituiriauma estrutura. Nessa corrente estão Radecliffe-Brow e Gurvitch.O terceiro grupo, que chamamos estruturalismo fenomenológico,adota a atitude de voltar ao mundo antes que êle seja submetido

1 POUILLON, Jean. Uma Tentativa de Definição. In: POUILLON, GODELIER eoutros. Problemas do Estruturalismo. Rio de Janeiro, Zahar EditOres, 1968,p. 8 e 9.

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à determinação da ciência, embora recusando a atitude naturalque coloca a existência do mundo em si como objeto. Como afir-mou Merleau-Ponty, conhecer é sempre aprender um dado numacerta função, sob uma certa relação, enquanto significa ou seapresenta ao observador tal ou quaf estrutura. A compreensão ésempre objetivação. Compreender é aprender objetivamente asignificação das intenções do outro a partir de suas condutas. Deacôrdo com Raymond Aron, hã compreensão quando o conheci-mento libera uma significação que, imanente ao real, foi ou pode-ria ter sido pensada por aquêles que a viveram ou a realizaram.Para o estruturalismo fenomenológico, estrutura é um conjuntoque tem um sentido e que oferece, pois, à análise intelectual, umponto de apoio, mas que ao mesmo tempo não é uma idéia, porquese constitui, se altera ou se reorganiza frente a nós como umespetáculo, Nessa corrente está Max Weber, cujos tipos ideaisrefletem muito bem essa concepção de estrutura. Cumpre aquisalientar que o tipo ideal não pretende retratar a realidade, àmaneira de uma fotografia. Para Weber, nenhum sistema concei-tual pode reproduzir integralmente o real e nenhum conceito adiversidade de um fenômeno partícular." O quarto grupo, a quechamamos estruturalismo dialético, sustenta que a análise quedescobre as partes, força-as a preparar seu surgimento ao longodo desenvblvimento do todo, como um episódio de sua história,esfôrço propriamente dialético, em que a história garante a anã-lise. Por outro lado, a diferenciação permite pensar a integração,e voltar à totalidade sem fazer uma soma ou uma reunião, poisdesde que as partes tenham adquirido bastante autonomia, é pelasrelações de reciprocidade que se institui entre elas, que o todoé de algum modo restaurado. Nesta última corrente estã KarlMarx. 3

Na teoria das organizações as abordagens estruturalistas maisrecentes parecem pretender combinar, em proporções que variamde autor para autor, o estruturalismo fenomenológico e o dialé-tico. Sua grande abrangência sintetiza as escolas de administraçãocientífica de Taylor e Fayol e de relações humanas de Mayo, mas,

2 FREUND,Julien. Sociologie de Max Weber. Paris, Presses Universitairesde France, 1968, p. 53.3 VIET,Jean. Métodos Estruturalistas nas Ci~ncias Sociais. Rio de Janeiro,Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1967, p. 13-27.

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ao contrário do behaviorismo de Barnard e Simon, não se apre-senta como um desenvolvimento da segunda e sim como frutoda ruptura que já se esboçava na sua corrente chamada realista.Tal ruptura caracterizou-se nas obras de alguns estruturalistaspor uma crítica violenta a uma ideologia que parece encarar oconflito social como patológico e que em seu caráter marcada-mente prescritivo e paternalista traz a legitimação da manipula-ção dos empregados. Assim, a tão decantada participação nasdecisões, teoricamente atingível através de discussões democrá-ticas, é, na verdade, uma forma de fazer com que os subordina-dos acatem decisões previamente tomadas, em função de umailusão de participação e de poder, geralmente criada pela dele-gação de autoridade para decidir em assuntos absolutamente in-diferentes para a alta cúpula administrativa. Note-se bem que acrítica não se dirige à participação nas decisões, mas sim ao seucaráter ilusório no quadro de referências de relações humanas.Aliás, no que se refere à autêntica participação nas decisões, épràticamente indiscutível que, embora tal participação possaatrasar o processo decisório, a rapidez e a melhor qualidade quepossibilita à implantação da decisão compensam sua utilização.'Essa crítica violenta e ideológica não é contudo a mais importanteque o estruturalismo levantou contra os estudos de relações hu-manas; mais importante é outra, mais fria e de ordem puramentemetodológica, que se refere ao fato dos teóricos de relações hu-manas haverem-se concentrado em muito poucas variáveis emseus estudos, demonstrando-se incapazes de relacioná-las comoutras de grande significação. Para os estruturalistas, a demons-tração da inadequação dêsses estudos está nos fracassos freqüen-tes da aplicação de suas conclusões a casos aparentemente se-melhantes. Um exemplo disso está na concentração de atenção,por parte dos teóricos de relações humanas, nos chamados gruposinformais, sem nenhuma preocupação com sua importância rela-tiva, com suas relações com os elementos formais e com suafreqüência. Realmente, várias pesquisas recentes têm demons-trado que tais grupos não são importantes no trabalho quantopretendiam os estudos de relações humanas."

~ ETZIONI, Amitai. Political Unification. Nova Iorque, Holt, Rinehart andWinston Inc., 1965, p. 70.5 WALKER, C. R. & GUEST, R. H. The Man on the Assembly Line. Cam-bridge, Harvard University Press, 1962.

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2. As Grandes Figuras do Estruturalismo

Em certo sentido, a ênfase recente na aplicação de métodos estru-turalistas no estudo das organizações pode ser entendida comouma volta às suas origens mais autênticas. De fato, o primeiroteórico significativo das organizações foi Max Weber, que as ana-lisou de uma perspectiva estruturalista fenomenológica, numa li-nha muito semelhante àquela adotada por Ferdinand Tõnnies nonível macros sociológico. Weber deixou inúmeros escritos espar-sos que, organizados por sua viúva e por outros cientistas sociais,têm exercido enorme influência no desenvolvimento das ciênciassociais e, em particular, da teoria das organizações. Além dasvárias coletâneas que trazem trabalhos de Weber, como Estru-tura de Classes e Estratificação Social, Sociologia da Burocraciae Sociologia Política, trabalhos como Economia e Sociedade, His-tória Econômica Geral, A Ética Protestante e o Espírito do Capi-talismo, A Cidade e Ciência e Política: Duas Vocações relacionam-se com áreas de estudo que vão desde a sociologia até o urbanis-mo, passando pela teoria das organizações, pela ciência política,pela história e pela economia. A preocupação central da obradêsse pioneiro da teoria das organizações parece ser a raciona-lidade, entendida em têrmos de equação dinâmica entre meios efins. Seus estudos sõbre poder e burocracia parecem ser tenta-tivas de resposta a perguntas tais como: quais as condições ne-cessárias para o aparecimento da racionalidade?; qual a naturezada racionalidade?; quais as suas conseqüências sócio-econõmi-cas?" Nessa linha, nos sistemas sociais altamente burocratizados,o formalismo, a impessoalidade, bem como o caráter profissionalde sua administração seriam manifestações de sua racionalidade."

Outros estruturalistas de grande importância na teoria das orga-nizações são Robert K. Merton, Phillip Selznick e Alvin Gouldner,

VOLLMER, R. M. Employer Rights and the Employment Relationship. Uni-versity of California Pres, 1960, p. 75.DUBIN, Robert. Industrial Workers' World. Social Problems, 1956, p. 140.Apud ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. São Paulo, Livraria Pionei-ra EditOra, 1967, p. 76 e 77.6 BERLINCK,Manoel T. In: WEBER, Max. Ciéncia e Politica: Duas Vocações.São Paulo, EditOra Cultrix, 1970, p. 10.7 BRESSERPEREIRA, L. C. Organização Burocrática. In: BALCÃO, Yolan-da F., BRESSERPEREIRA,L. C., Hopp & R., Maria Isabel. Organização e Admi-nistração. Fundação Getúlio Vargas, em publicação.

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que procurando fugir ao mecanicismo na análise organizacional,tratam de adaptar o modêlo weberiano da burocracia à variávelcomportamental introduzida na teoria pela Escola de RelaçõesHumanas. Para Merton, a estrutura burocrática introduz transfor-mações na personalidade dos seus participantes que levam à rigi-dez, a dificuldades no atendimento aos clientes e a ineficiência,transformações essas responsáveis pelo que chama disfunções ouconseqüências imprevistas. Responsável por diversas coletâneas,Merton tem suas idéias expostas nessas e em outras. Além disso,uma obra sua de grande significação é Teoria Social e EstruturaSocial. Na mesma linha, Phillip Selznick vê, ao nível da dele-gação de autoridade, fôrças geradoras de ineficiência na burocra-cia, através da criação de condições favoráveis à bifurcação deinterêsses. Sua obra mais conhecida é Liderança na Administra-ção - Uma Interpretação Sociológica. Além disso, há trabalhosde sua autoria em diversas coletâneas, inclusive em OrganizaçõesComplexas, editada por Amitai Etzioni. Alvin Gouldner compõecom Merton e Selznick, o grupo responsável pela descrição docírculo vicioso burocrático. Sua preocupação central é a demons-tração do desequilíbrio provocado no sistema pela aplicação deuma técnica de contrôle que vise a manter o equilíbrio de um sub-sistema e da forma pela qual tal desequilíbrio influi no subsiste-ma inicialmente afetado. Como os demais, Gouldner tem estudospublicados em várias coletâneas, além de livros, entre os quaisse destaca Padrões de Burocracia Industrial. Não menos impor-tante que os demais é Amitai Etzioni (da Universidade de Colúm-bia) que tem causado um grande impacto na teoria das organiza-ções. Etzioni teve, entre outros, o mérito de chamar a atençãopara a importância do método estruturalista na análise organi-zacional. De forma mais explícita que os anteriores, coloca grandeênfase no papel dos conflitos inevitáveis que ocorrem nas orga-nizações. Seu primeiro livro e talvez o mais importante foi UmaAnálise Comparativa das Organizações Complexas, publicado em1961. Em 1962 publicou O Caminho Difícil para a Paz; em 1964,Vencenao sem Guerra, Implicações Domésticas e Internacionaisda Corrida Espacial e o conhecidíssimo Organizações Modernas;em 1965, Unificação Política e, muito recentemente, A SociedadeAtuante. Além dêsses livros de sua autoria, Etzioni editou cole-tâneas de grande relevância para as ciências sociais, tais como

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Mudança Social: O,rigens, Padrões e Conseqüências, Organiza-ções Complexas e Leituras em Organizações Modernas.

Peter M. Blau é outro nome que não pode ser omitido. Suas obras,entre as quais A Dinâmica da Burocracia, A Burocaria na Socie-dade Moderna e Organizações Formais, sendo o último em cola-boração com W. Richard Scott, da Universidade de Stanford,colocam-no na primeira plana do estruturalismo na teoria dasorganizações. De especial interêsse é o lugar que confere ao papeldos conflitos no desenvolvimento das organizações, o qual consi-dera um processo fundamentalmente dialético.

Finalmente, não poderíamos deixar de citar Victor A. Thompson,embora não sejam poucos os que o consideram pouco fiel ao mé-todo estruturalista. Tal infidelidade é perfeitamente compreensí-vel se considerarmos o passado acadêmico do autor, extrema-mente relacionado com o behaviorismo. Em que pêse as reser-vas de ordem metodológica que se possa fazer à sua obra, ficaressalvado o seu caráter profundamente atual, penetrante. Entreseus livros, os mais importantes são Moderna Organização, noqual defende a tese. de que a mais sintomática característica daburocracia moderna é o desequilíbrio crescente entre a capaci-dade e a autoridade, e Bu,ocraci.a e Inovação, mais recente, noqual demonstra a incapacidade de se desenvolver o potencialcriativo na organização burocrática monocrática e advoga o quechama slack-theory, propondo uma administração mais flexível,cuja preocupação com a produção não obscureça a orientaçãopara a inovação .

.a. Idéias Centrais

.3.1. o HOMEM ORGANIZACIONAL

Uma sociedade moderna, industrializada, é caracterizada pelaexistência de um número muito grande de organizações, a pontode se poder afirmar que o homem passa a delas depender paranascer, viver e morrer. Esse aspecto das sociedades modernasrequer um tipo todo especial de personalidade, na qual estejampresentes a flexibilidade, a resistência à frustração, a capacidade

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de adiar as recompensas e o desejo permanente de realização.São estas características que permitem a participação simultâneaem vários sistemas sociais, nos quais os papéis desempenhadosvariam, podendo mesmo chegar à inversão, bem como os desliga:'mentos bruscos de organização e de pessoas e os correspondentesnovos relacionamentos sem grandes desgastes emocionais. A fle-xibilidade toma-se mais do que uma necessidade em um tipo devida em que tudo se transforma rapidamente." A grande tolerân-cia, à frustração e a capacidade de adiar as recompensas agemcomo compensações à necessidade que o homem tem de se entre-gar a tarefas rotineiras na organização, esquecendo-se de prefe-rências e laços pessoais. A mediação dos conflitos que inevità-velmente surgem como manifestação de um conflito maior entrenecessidades organizacionais e necessidades individuais é pro-curada nas normas racionais, escritas e exaustivas, que pairamsõbre as organizaões como divindades onipotentes. O desejo per-manente de realização, por seu turno, garante a conformidadecom tais normas, que asseguram o acesso às posições de carreira,estabelecidas em ordem crescente pela alta administração. Destaforma, a cooperação é conseguida em função do desejo intensode obtenção de recompensas sociais e materiais, o qual tambémé responsável pela submissão do indivíduo ao processo muitasvêzes doloroso de socialização, que lhe é impõsto pela organiza-ção para o desempenho de vários de seus papéis, especialmentedaqueles mais especializados. Uma observação importante, quese faz necessária, refere-se ao fato de que as organizações nãoexigem a presença de tais qualificações maximizadas. Sua com-plexidade toma úteis composições diversas de personalidade parao preenchimento de seus cargos altamente diferenciados.

A primeira vista, o homem organizacional, dotado de tais caracte-rísticas, parece liberto da ética protestante, a qual, segundo MaxWeber, tem relação estreita com o espírito de capitalismo moder-no.? Tal distanciamento, a nosso ver aparente, vem do fato deque enquanto a personalidade requerida pela sociedade modernaé cooperativa, a ética protestante leva ao individualismo. Pare-

8 WHYTE JR., & WILLIAM H. The Organization Man. Garden City, NovaIorque, Doubleday and Company Inc., 1956, p. 435.9 WEBER, Max. A Ética Protestan'te e o Espírito do Capitalismo. São Paulo,Livraria Pioneira Editõra, 1967.

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ce-nos, entretanto, que algumas das virtudes menores do protes-tantismo ascético, tais como a laboriosidade, a pontualidade, aintegridade, o conformismo e a realização desempenham um papelde enorme relevância na determinação do comportamento do ho-mem organizacional.

:É indiscutível que um grande número de pessoas que participamde organizações ressente-se do conformismo exigido. As fôrçasque determinam tal conformidade não são, entretanto, tão pode-rosas, a ponto de impedir a explosão lenta das potencialidadescriadoras do homem e o próprio desejo permanente de realizaçãoacaba por se constituir em poderoso agente de mudança organi-zacional. Tal fato apenas vem reforçar o caráter natural e, muitasvêzes, dinâmico, do conflito nas organizações.

3.2. os CONFLITOS INEVITÁVEIS

Tanto a Escola de Administração Científica, quanto a de Rela-ções Humanas, provàvelmente em função de seu tônus prescri-tivo, colocaram fora de discussão o problema do conflito. A pri-meira, sustentando que a harmonia de interêsses era natural e asegunda que tal harmonia poderia ser preservada pela adminis-tração, através de uma atitude compreensiva e terapêutica, queeliminaria as condutas individuais consideradas aberrantes. Osbehavioristas, sem questionar as bases dessa filosofia adminis-trativa, foram um pouco mais longe ao admitir certo nível deconflito entre as necesssidades organizacionais e as individuais,embora permanecendo na análise dos processos, mediante osquais tais conflitos poderiam ser superados pela integração dasnecessidades individuais às organizacionais, ao estilo do leito deProcusto. Em última análise, tais modos de ver o problema reve-lam uma atitude profundamente moralista e conservadora, queevita reconhecê-lo em tôdas as suas dimensões, porquanto, emsuas manifestações mais violentas, o conflito pode envolver des-truição de vidas e produtos culturais, além do fato de se consti-tuir em ameaça constante à estabilidade socíal.w

ro DUBIN,Robert, A Sociedade e as Relações entre Sindicatos e Admi-nistração. In: ETZIONI,Amitai. Organizações Complexas. São Paulo, Edi-'tôra Atlas S. A., 1967.

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Para os estruturalistas contemporâneos da teoria das organiza-ções, o conflito entre grupos é um processo social fundamental.É o conflito o grande elemento propulsor do desenvolvimento,embora isto nem sempre ocorra. Não são portanto, todos os con-flitos desejáveis, mas sua existência não pode ser ignorada, jáque, sendo inevitáveis, eclodirão sob as mais variadas formas, al-gumas das quais extremamente violentas. No campo da adminis-tração, pode-se afirmar que o conflito entre grupos é inerente àsrelações de produção, porquanto existindo infinitos procedimen-tos que visam a tomar o trabalho mais agradável, não se temnotícia de nenhum capaz de tomá-lo satísfatôrío em têrmos abso-lutos. Preocupados em descobrir a fonte dessa insatisfação dooperário moderno, alguns estruturalistas contemporâneos recor-rem a Karl Marx e Max Weber. Segundo o primeiro, a mão-de-obra da fábrica moderna está alienada de seu trabalho e talalienação advém, em última análise, de um sistema de proprie-dade que marginaliza o operariado dos meios de produção. Pa-ra o último, a ausência de propriedade implica também em au-sência de contrôle, o que por sua vez implica não só na sepa-ração do operário dos meios de produção, como também dosoldado dos de combate e do cientista dos de investigação.

Além disso, como bem observou Amitai Etzioni em OrganizaçõesModernas, há na organização tensões inevitáveis, de vários tipos,que podem ser reduzidas, mas não eliminadas. Estas tensões si-tuam-se entre necessidades organizacionais e individuais, racio-nalidade e irracionalidade, disciplina e liberdade, relações formaise informais, entre níveis hierárquicos e entre unidades 'adminis-trativas. Merton salienta os conflitos entre burocrata e público,cujas fontes estruturais estão relacionadas com a tendência aotratamento formal e impessoal por parte do primeiro, quando oque o segundo deseja é uma atenção especial e índívídualízada."Blau e Scott concentram sua análise da dinâmica organizacionalem três dilemas que consideram fundamentais nas organizações,os quais, segundo êles, chamam a atenção para a inevitabilidadedo conflito e da mudança, Os três dilemas referem-se a coorde-

11 MERTON, Robert K. Estrutura Burocrâtica e Personalidade. In: WEBER,Max e outros. Sociologia da Burocracia. Rio de Janeiro, Zahar Edítõres,1966, p. 108.

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nação e comunicação, a disciplina burocrática e especializaçãoprofissional e a planejamento administrativo e iniciativa.

O dilema comunicação-coordenação explica-se pelo fato de queembora o livre fluxo de comunicação tenha um papel importan-tíssimo na solução dos problemas administrativos, através do alí-vio das ansiedades geradas pela tomada de decisões que o apoiosocial proporciona, da percepção e da correção de erros propi-ciada pela participação de pessoas diferentes e do incentivo àsboas sugestões e críticas que a análise grupal oferece. ~le impedea coordenação, já que a comunicação irrestrita cria uma batalhade idéias que torna difícil o acõrdo. Assim, os processos de livrecomunicação tornam o desempenho dos grupos superior ao dosindivíduos quando a tarefa é o encontro da solução para um pro-blema, mas inferior quando a tarefa é de coordenação. A diferen-ciação hierárquica, por outro lado, pode ser altamente eficientepara promover a coordenação, mas é disfuncional para a tomadade decisões porque interfere no livre fluxo de comunicação.

O segundo dilema entre disciplina burocrática e especializaçãoprofissional, também observado por Gouldner em Padrões de Bu-rocracia Industrial, refere-se às oposições existentes entre os prin-cípios que governam o comportamento burocrático e aquêles quegovernam o comportamento profissional. Há muito em comumentre tais séries de princípios, mas há também muitas diferenças.Assim, enquanto ao profissional cabe representar os interêsses deseus clientes, ao burocrata cabe representar os da organização;enquanto a autoridade do burocrata se baseia em um contratolegal, a do profissional baseia-se no conhecimento que existe desua especialização técnica. Thompson deu especial destaque aêsse aspecto, afirmando, como já vimos, que a característica maissintomática da organização moderna é o desequilíbrio crescenteentre a capacidade e a autoridade, que no modêlo burocrático sebaseia na estrutura hierárquica definida por um sistema formal.>Além disso, as decisões de um burocrata devem ser governadaspor uma concordância disciplinada com as diretivas dos seus su-periores, enquanto as de um profissional devem sê-lo por padrõesprofissionais internacionalizados, e, finalmente, quando uma de-

12 THOMPSON, Victor A. Moderna Organização. Rio de Janeiro, USAID,1967, p. 13.

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cisão de um burocrata não é bem aceita, o julgamento fin~ cabeà administração, enquanto que, no caso de um profission~l, taljulgamento cabe ao grupo dos seus colegas de profissão. As difi-culdades que tais diferenças impõem resultam da necessidade quetêm as organizações modernas de empregar tanto profissionaisquanto burocratas. Gouldner, estudando uma escola superior,focalizou a diferença entre as orientações cosmopolitas dos pro-fissionais e as locais dos burocratas.

o terceiro dilema analisado por Blau e Scott refere-se ao plane-jamento administrativo e à iniciativa. O avanço tecnológico nomundo moderno exige das organizações um enorme esfôrço cria-tivo, que permita sua sobrevivência e crescimento. Isto querdizer que o destino das organizações depende em grande medi-da da iniciativa e da criatividade individual. Entretanto, a neces-sidade de planejamento persiste e com ela a de contrôle. A maiorparte dos mecanismos de contrôle, no entanto, inibem a inicia-tiva e a criatividade individual. Tal problema é analisado deta-lhadamente por Thompson em Burocracia e Inovação, no qualpropõe a nova estratégia administrativa baseada na slack-theo-ry. Peter Blau e Richard Scott acreditam que tais dilemas são,na verdade, manifestações do dilema maior entre ordem e liber-dade. Longe de lastimar tais oposições, porém, êsses autoressustentam que são elas as responsáveis pelo desenvolvimentodas organizações. De fato, no processo de resolver problemasantigos, novos problemas são criados, mas a experiência ganhana resolução não é perdida, pois contribui para a busca das so-luções para os novos problemas, sugerindo que o desenvolvi-mento organizacional é um processo essencialmente dialético."

3.3. os INCENTIVOS MISTOS

A forma pela qual foi tratado o problema dos incentivos pelasescolas de Admínístração Científica e de Relações Humanas épara os estruturalistas a conseqüência de uma visão fragmen-tada da realidade da organização e da natureza humana. Enten-dendo organização como um sistema formal, no qual o traba-

13 BL,AU, Peter M. & SCOTI",W. Richard. Organizações Formais. São Pau-lo, EditOra Atlas S. A., 1970, capo 9.

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lhador tinha um papel absolutamente passivo e a natureza hu-mana como egocêntrica e voltada tão-somente para fins econô-micos, os incentivos eficientes teriam necessàriamente que sermonetários e tal foi realmente a receita dada pelos teóricos daadministração científica. Entendendo a organização como umemaranhado de grupos informais que colaboravam ou não coma administração, na medida em que esta lhes oferecesse ou nãostatus, prestígio e circunstâncias favoráveis ao desenvolvimentoda amizade e do companheirismo, a escola de relações humanas,por sua vez, teria que superestimar os incentivos e as recom-pensas psicossociais. Na verdade, é indiscutível a importânciadas compensações sociais para a dedicação do homem à organi-zação, não sendo poucos os exemplos de pessoas que trocamempregos por outros menos rendosos, mas que lhes conferemmaior prestígio. Tais exemplos são muito comuns entre juízes,que poderiam ganhar muito mais em escritórios de advocacia,entre professôres universitários, que poderiam também ganharbem mais em emprêsas e mais raros no nível do trabalhadorindustrial, embora também lá sejam encontrados. Não há dúvi-das de que o pleno reconhecimento da importância de tais com-pensações é um mérito da Escola de Relações Humanas. A gran-de falha dessa corrente do pensamento administrativo parece es-tar na condenação dos incentivos monetários. Um levantamentorealizado pelo govêmo norte-americano em 514 fábricas quecriaram planos de estímulo salarial, mostrou que, em média, aprodução aumentou 38,99 por cento e os custos de trabalho de-cresceram de 11,58 por cento. Em outro caso, um salário dife-rencial, por hora, de cêrca de 30 por cento, conduziu muitos me-talúrgicos a trocar suas tarefas comparativamente não repetiti-vas, especializadas e autônomas por tarefas de linha de monta-gem, que não tinham essas qualidades, mas ofereciam melhorremuneração.v- Com base em tais considerações, os estrutura-listas incluíram em sua análise tanto os incentivos e recompen-sas psicossociais quanto os materiais, bem como as suas influên-cias mútuas.

H VITELES, M. S. Motivation and Morale in Industry. Nova Iorque, Nor-ton, 1953, p. 27.WALKER e GUEST. The Man on the Assembly Line. Op. cit., p. 91. In: ETZIO-NI, Amitai. Organizações Modernas, p. 79.

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4. O Estruturalismo e a Organização

Os estruturalistas vêem a organização como um sistema deli-beradamente construído e em constante relação de intercâmbiocom seu ambiente. De acôrdo com essa concepção, as relaçõesentre as partes da organização são de grande importância, o queos leva a dar um destaque todo especial às relações entre orga-nização formal e organização informal, seja na análise de em-prêsas, escolas, hospitais ou quaisquer outros tipos de organi-zação, dando sempre preferência à abordagem comparativa.Etzioni, nesse esfôrço de comparação, tomou como base o poderempregado pelos superiores para controlar os subordinados e aorientação dos subordinados com relação a êsse poder. Nessalinha, pôde construir uma tipologia de organizações, na qual secombinam um aspecto estrutural, uma vez que se baseia nostipos e na distribuição de poder, e um aspecto motivacional, umavez que se baseia nas diferentes formas de compromisso dos par-ticipantes com a organização. O primeiro tipo considerado refe-re-se às organizações coercitivas, entendidas como aquelas nasquais a coerção constitui o principal meio de contrôle dos parti-cipantes dos níveis mais baixos e um alto grau de alienaçãocaracteriza a orientação da maioria dêsses participantes com re-lação à organização. Exemplos típicos são os campos de concen-tração, os campos de prisioneiros de guerra, a grande maioriadas prisões, instituições correcionais e hospitais de custódia dedoentes mentais. O segundo tipo refere-se às organizações utili-tárias, isto é, àquelas em que a remuneração é o principal meiode contrôle dos participantes dos níveis mais baixos e o envol-vimento calculista caracteriza a orientação da grande maioriadêsses participantes. As emprêsas industriais e comerciais cons-tituem bons exemplos dêsse tipo de organização, embora deva-mos considerar que elas se aproximarão ou se distanciarão maisdo tipo, à medida em que a maioria dos participantes forem fun-cíonãríos de escritório, profissionais ou operários. O terceiro ti-po refere-se às organizações chamadas normativas, isto é, àque-las nas quais o poder normativo é a principal fonte de contrôledos participantes dos níveis mais baixos e a orientação com re-lação à organização é caracterizada por um alto nível de envol-vimento. Nessas organizações o envolvimento estã baseado na

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internalização de diretivas aceitas como legítimas. As organiza:'ções religiosas, os hospitais em geral e as universidades sãoexemplos típicos dêsse tipo de organização. Finalmente, o quartotipo se refere a organizações que constituem tipos híbridos, ouseja, às organizações duais, tais como sindicatos, unidades decombate, etc~v5 Segundo Amitai Etzioni, êsses tipos de organi-zações variam em sua necessidade de coesão. Assim, quando osmeios de contrôle são predominantemente coercitivos, como nasprisões tradicionais, a organização não precisa obter o envolvi-mento dos reclusos, nem, normalmente, é capaz disso; quandoos meios normativos predominam, como no caso da maioria dasorganizações religiosas e educacionais, a organização não podefuncionar efetivamente, a menos que o consenso seja estabele-cido e o envolvimento mobilizado e, quando os meios são utili-záveis, tais como nas fãbricas, requer-se menos formação de con-senso e mobilização do envolvimento do que nas organizaçõesnormativas e mais do que nas coercitivas."Blau e Scott tomam como base, para a construção de sua tipo-logia, os principais beneficíários das operações da organização.Distinguem, assim, as associações de benefício mútuo, nas quaiso principal beneficiârío é o quadro social; as firmas comerciais,onde os propríetâríos são os principais beneficiários: as organi-zações de serviços, nas quais o grupo de clientes é o principalbeneficiado; e, finalmente, as organizações de bem-estar públi-co, onde o principal beneficiado é o grande público. Exemplostípicos de associações de benefício mútuo são os partidos polí-ticos, os sindicatos, os clubes, as organizações de veteranos eas seitas religiosas; de firmas comerciais são as indústrias, aslojas atacadistas e varejistas, os bancos, as companhias de se-guros e outras organizações lucrativas; de organizações de ser-viços, as agências de serviço social, os hospitais, as escolas, asclínicas de saúde, etc.; e de organizações para o bem-estar pú-blico, o exército, a divisão de impôsto de renda, o corpo de bom-beiros as organizações de pesquisa,"

15 ETZIONI, Amitai. A Comparative Analysis 01 Complex Organizations. No-va Iorque, The Free Press, 1968.16 ETZIONI, Amitai. The Active Society. Nova Iorque, The Free Press,1968, p. 104.17 BLAU, Peter M. & SCOTT, W. Richard. Organizações Formais. Op. cit.,cap.2.

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5. Críticas

As críticas feitas ao estruturalismo têm sido, em sua grandemaioria, respostas àquelas formuladas pelos estruturalistas.Nessa linha, Howard Baumgartel, por exemplo, afirma que muitagente confunde relações humanas com ser amável com as pes-soas, levando tal amabilidade à displicência para com a realiza-ção das tarefas. Para responder a êsse tipo de crítica Baumgartelanalisa dois aspectos do problema: em primeiro lugar, lembrandoque há um grande volume de pesquisas demonstrando a maiorprodutividade dos empregados sob a supervisão do tipo relaçõeshumanas e, em segundo lugar, o fato de que o esfôrço dos instru-tores e administradores em 'aplicar as conclusões dessas pesqui-sas no aperfeiçoamento das relações interpessoais no trabalhovai muito além da simples transmissão de como ser amável comas pessoas, visando a desenvolver uma melhor compreensão decomo os fatôres humanos envolvem-se na criação de situaçõesnas quais as pessoas podem atingir uma produtividade ótima eum sentido de realização. Um outro tipo de crítica que êsseautor considera freqüente é aquela que confunde relações hu-manas e dinâmica de grupo aplicada com conformidade com apressão grupal. Para êle êsse tipo de crítica vê relações huma-nas como o estabelecimento do acôrdo grupal como um objetivoacima de todos os outros, e, portanto, como a colocação da me-diocridade acima da valiadde, da qualidade, da correção e da cria-tividade na solução de problemas. Aqui também analisa o pro-blema sob dois prismas. Em primeiro lugar, lembrando que hápesquisas fidedignas que demonstram que os grupos significa-tivos aos quais uma pessoa pertence exercem maior influênciaem suas ações e opiniões do que qualquer outra fôrça e, em se-gundo lugar, da superioridade do grupo em relação ao indivíduo,em têrmos de eficiência, na solução criativa de problemas. Afir-ma ainda que a Escola de Relações Humanas tem sido acusadade ensinar métodos permissivos de liderança, supervisão e, por-tanto, de paternalismo. Concorda que as conclusões das pesqui-sas dessa escola na área de liderança levaram à ênfase no valordos métodos democráticos, mas sustenta que tais métodos sãoos mais difíceis de serem observados na prática, além de contras-tarem fortemente com o que muitas vêzes é chamado de lide-

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rança laíssez-faíre. Discordando ainda da crítica de que a Escolade Relações Humanas não admite o conflito, afirma que um es-tudante bem treinado em relação humana deve conhecer algumacoisa sõbre o mundo que quer ajudar a construir e de como tra-duzir suas idéias em ações, lutando por elas. Finalmente, comrelação ao caráter manipulativo de que a Escola de RelaçõesHumanas é acusada pelos estruturalistas, sustenta que a ciênciacomportamental vê a interação humana como um processo con-tínuo de influenciação mútua, constituindo a sociedade os limi-tes de tentativas de influenciação e que os cursos de relaçõeshumanas não visam mais do que a ajudar as pessoas a usar ainteligência nesse processo=

Muito conhecida é a resposta de George C. Homans ao artigoAs perspectivas de Elton Mayo de autoria de Reinhard Bendixe Lloyd H. Fischer, o qual formulou críticas muitos semelhantesàs feitas por Etzioni mais tarde. Em artigo publicado na ReviewEeonomles and Statistics, onde também o fõra o artigo de Ben-dix e Fisher, o não menos conhecido sociólogo contesta as crí-ticas feitas ao trabalho de George Elton Mayo, sob o título Al-gumas Correções às Perspectivas de Elton Mayo. Afirma, emprimeiro lugar, que As Perspectivas de Elton Mayo não se re-feriam ao primeiro plano: as pesquisas concretas na indústria,realizadas por Mayo, no que foi secundado por outros. Tais pes-quisas, segundo Homans, revelaram algumas, não tõdas, deter-minantes do comportamento dos operários, cuja importância ti-nho sido apenas intuitivamente apreciada; ante novas pesquisas,mesmo em setores diferentes daqueles em que trabalhava, con-firmaram plenamente suas descobertas, por exemplo, no traba-lho de Willíam Foot Whyte. No que se refere à argumentaçãode que a maior parte das pesquisas na Westem Electric se rela-cionou a grupos pequenos isolados, não houve tentativa seme-lhante em têrmos de fábrica e Mayo jamais afirmou que tal nãodeveria ser feito.

Finalmente, na qualidade de ex-aluno de Mayo, Homans afirmaque Bendix e Fischer estão errados em pontos cruciais da inter-

18 BAUMGARTEL, Howard. Too Much Concern with Human Relations. In:ETZIONI, Amitai. Readings on Modern Organizations. Nova Jérsei, Prentíce-Hall, 1969.

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pretação dada por Mayo aos resultados de suas pesquisas. Ben-dix e Fischer sustentam, por exemplo, que ao interessar-se pelomodo como a cooperação espontânea pode ser realizada, Mayodistingue entre espontâneo e voluntário. Homans, por outro lado,assegura que espontâneo e voluntário eram exatamente a mes-ma coisa para Mayo. No que se refere à preferência pela ordemsocial da Idade Média atribuída a Elton Mayo, Homans lembraque ao fazer a distinção entre sociedade estabelecida e socie-dade adaptativ.a, o pai da Escola de Relações Humanas teve ocuidado de salientar que qualquer sociedade que possamos ana-lisar presentemente estará em fase de rápida mudança, consis-tindo o problema em atingir a cooperação espontânea em umasociedade que não puder deixar a cooperação entregue à tra-dição. Além destas, como resposta de grande importância, Ho-mans assegura que Mayo jamais condenou todos os tipos deconflito. Raciocinava, isto sim, não em têrmos absolutos, mas emvalõres relativos. Achava que, quantitativamente, havia em nos-sa civilização conflitos não solucionados suficientes para possi-bilitar o perigo de um colapso rumo à Idada Média,"

A despeito dessas reações mais ou menos violentas, a contri-buição do estruturalismo à teoria das organizações parece indis-cutível pela consolidação da incorporação iniciada pelos beha-vioristas, dos estudos de outros tipos de organizações, que nãoas emprêsas, bem como pela ênfase nova nas relações entre aspartes da organização, tais como grupos e outros elementos for-mais e informais, os vários níveis hierárquicos, as recompensase incentivos sociais e materiais, além do destaque dado às rela-ções entre a organização e seu ambiente, que preparou o campopara a análise baseada na teoria geral dos sistemas abertos.

19 HOMANS,George C. Algumas Correções às Perspectivas de Elton Mayo.In: ETZIONI,Amitai. Organizações Complexas, op. cito

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