O existencial sobrenatural em Karl Rahner

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  • 8/17/2019 O existencial sobrenatural em Karl Rahner

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    presente que a mensagem   cristã é o seu necessário ponto de partida. Com efeito,

    interpretando a história da humanidade e do espírito como história da salvação e da

    revelação de Deus, o cristão põe os olhos em Cristo, ponto culminante da história 2. Mas,

    afirma Karl Rahner, é precisamente em Cristo que a história alcança a sua situação

    irreversível e é em Cristo que a mensagem sai ao nosso encontro, de tal modo que não é

    possível negar-se que, existindo historicamente, o homem tem diante de si uma opção

    necessária: ou escuta esta mensagem e se conforma com ela, ou a nega explicitamente.

    2. A autocomunicação de Deus, posto isto, significa um apreender e, de certo modo,

    possuir Deus numa visão e num amor imediatos: a objectividade do dom que é a

    autocomunicação acontece, paradoxal e simultaneamente, na subjectividade daquele que dáe daquele que recebe. Este paradoxo sublima-se pelo entendimento, na mais estreita

    unidade entre si na mais estreita unidade entre si, tanto da visão beatífica de Deus como da

    doutrina da graça. Graça e visão de Deus são, na verdade, dois momentos de um único

    evento, duas faces da mesma autocomunicação de Deus ao homem. A este propósito,

    Rahner explica que a doutrina da graça só se compreende se se tiver em conta que a visão

    sobrenatural de Deus é o fim e a consumação do homem; e, vice-versa, que a doutrina da

     visão de Deus só é admissível se for entendida como a plenitude da doutrina da graça, i.e., a

    santificação justificante pela acção do Espírito Santo no homem.

    Interessa, então, que recuperemos a ideia anterior: diante da autocomunicação de Deus,

    o homem, na sua antropologia, pode dizer absolutamente «sim» ou absolutamente «não».

    Isto pode-se pensar segundo uma dupla modalidade ou ponto de vista: ou se parte da

    situação antecedente à oferta de Deus à qual o homem pode responder na sua liberdade; ou

    se parte da liberdade que Deus dá ao homem, como sua condição existencial, que o leva a

    aceitar ou negar a oferta autocomunicante. No entanto, para o teólogo alemão, o

    acolhimento da graça é já operado pela graça, i.e., o acolhimento da autocomunicação de

    Deus é um acto criado por Deus; podendo parecer redundante, este enunciado é resultado

    da relação última entre a transcendência humana e o próprio Deus, pois Deus surge como

    o lugar do  qual e no  qual tem lugar a transcendência humana, enquanto experiência

    transcendental. Entendo isto, percebemos a que Deus cria o acto mesmo de aceitação da

    2 Esta noção tem um parentesco interessante com a teologia de Teilhard de Chardin de que Deus e o cosmosmantém uma relação dinâmica e criativa, em que Cristo surge como o ponto culminante – o ponto ómega

     – de toda a evolução. Teilhard de Chardin distingue quatro fases: (i) a reflexão sobre o fenómeno

    humano, (ii) a criação evolutiva, em que Deus é motor do cosmos e nele Se revela, (iii) a Encarnação, e(iv) a Igreja viva; só então é que Cristo pode ser identificado como ómega. Cf. Émile R IDEAU, O

     pensamento de Teilhard de Chardin, Livraria Morais Editora, Lisboa, 1965, 237-270.

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    sua autocomunicação, de tal modo que Aquele que é acolhido permanece divino e não se

    torne, por assim dizer, criatura do homem. Se nos focarmos sobre esta noção de

    experiência transcendental, percebemos que, nela, o homem faz a experiência de si como

    ente determinado e categorial, em permanente procedência de Deus e em radical distância

    d’Ele: eis o homem diante do mistério absoluto. Ao mesmo tempo, por meio dela, Deus

    pode comunicar a sua própria realidade a uma realidade não divina, sem que deixe de ser a

    realidade infinita e “mistéricamente absoluta” que é, e sem que o homem deixe de ser o

    ente finito e distinto de Deus que é. De facto, por sua própria vontade, o inefável

    comunica-se, mas comunica-se precisamente como inefável, como mistério absoluto e

    permanente. E fá-lo na comunicação do Espírito Santo de Deus e no mistério do Verbo

    Incarnado: ao homem foi outorgado o  pnuema  divino que sonda as profundezas de Deus,

    ao homem foi dado ser filho de Deus. Assim, o doador é o próprio dom, e um dom que

    traz consigo aquilo que podemos chamar “efeitos divinizantes” no ente que o recebe.

    O modelo da causalidade formal pode ser uma chave de leitura profícua, pois, com

    efeito, não estamos diante de uma causalidade eficiente. Nesta o efeito é sempre distinto da

    causa; mas na causalidade formal um ente torna-se o princípio constitutivo de outro. Uma

    analogia – e apenas analogia – pode-se estabelecer: na sua autocomunicação, Deus não

    causa originariamente na criatura algo de diverso dele mesmo, mas faz-se constitutivo da

    criatura, justamente na experiência transcendental, condição de possibilidade da realizaçãodo homem. O homem é, então, um fim não extrínseco mas transcendentalmente intrínseco

    do movimento autocomunicante de Deus; e Deus, sendo o que há de mais íntimo nesse

    movimento, permanece incomensurável.

    Na sua autocomunicação, Deus tem como finalidade tornar-se imediato para o homem,

    na unidade fundamental do conhecimento e do amor3, numa absoluta gratuidade, própria

    de quem é Verdade e  Ágape   em pessoa, e num acto da mais alta liberdade de Deus.

    Consequência de tamanha gratuidade e liberdade, esta autocomunicação é também“indevida”; e, sendo anterior até à possibilidade de rejeição pecaminosa da criatura, a ela

    deve entender-se como sendo não apenas o dom do perdão mas um evento sobrenatural

    que faz de Deus o princípio interno e, simultaneamente, o objecto da realização humana.

    No contexto da experiência transcendental, o homem é estabelecido de antemão como o

    destinatário possível da autocomunicação de Deus; a natureza espiritual do homem é criada

    3 Karl Rahner explica, num outro estudo, a fundamental identificação entre o par conhecimento e amor e os

    dois momentos da autocomunicação divina, respectivamente, em Jesus Cristo e no Espírito Santo. Cf.Karl R  AHNER , “O Deus Trino, fundamento transcendente da História da Salvação,” in Mysterium Salutis ,

     vol. II/1, Vozes, Petrópolis, 283-356 (especialmente a partir da p. 330).

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    de início por Deus porque Deus quer comunicar-se a si mesmo, i.e., quer doar-se a si

    mesmo no amor4. Lugar da realização humana consumada, a transcendência do homem

    ( i.e., a sua natureza espiritual) é também o lugar onde Deus se autocomunica. E fá-lo de

    forma livre, porque Deus cria benevolventemente o vazio espiritual justamente para que, ao

    revelar-se a si mesmo, o possa preencher . E Deus não preenche esse vazio de um conteúdo

    exterior a ele, mas preenche-o de si próprio, do mistério absoluto, do livre amor.

    Por tudo isto, podemos dizer que o cristianismo é a religião da imediaticidade para com

    Deus. E essa fé na possibilidade da imediaticidade para com Deus impõe-nos uma entrega

    ao mistério santo e absoluto que nos faz afirmar que a morte nada mais é que o princípio

    da vida eterna. Mas aquilo que podemos dizer para tentar compreender a visão imediata de

    Deus na morte nada mais é que a afirmação de um Deus inefável que se entrega a nós. De

    facto, nada será deixado fora de Deus, pois estaremos inteiramente em Deus e Deus

    inteiramente em nós.

    3. Este enunciado de que temos falado, o da autocomunicação de Deus, é um enunciado

    ontológico. Com efeito, que o homem seja o evento da absoluta autocomunicação de Deus

    não é algo extrínseco, mas diz respeito àquilo que o homem é em si mesmo,

    ontologicamente. Por outras palavras, é o que significa a sua experiência transcendental. Adoutrina da Igreja, nomeadamente no que toca à soteriologia e à escatologia, não é algo que

    pretenda simplesmente informar o homem do conteúdo da sua fé, mas suscita a realidade

    que é (auto)comunicada na sua experiência transcendental, expressando então também a

    sua autocompreensão. No mesmo sentido, não é algo que tenha significado apenas para os

    baptizados: a experiência transcendental é um existencial de todos os homens, sem

    excepção. O facto de ser esta imediaticidade ser dada a cada homem não releva em

    nenhum ponto o seu carácter gratuito e sobrenatural: o amor de Deus não se torna menor

    pelo facto de se comunicar a todos os homens; pelo contrário, é própria da graça a

    universalidade do dom. Diante disto, devemos dizer que para que o dom seja o próprio

    Deus no seu mistério absoluto e não meramente um ente de razão finito e criado, que

    apenas represente Deus, a autocomunicação de Deus tem de ser, também, a condição de

    possibilidade do seu próprio acolhimento. A autocomunicação de Deus deve estar dada em

    cada homem como condição que possibilita que ele a acolha. A autocomunicação de Deus

    4 Nesta ideia de Karl Rahner ecoam as palavras de Tertuliano: «Era Cristo que estava na mente do Pai quandoeste plasmava o homem a partir do barro [quodcumque enim limus exprimebatur Christus cogitabaturhomo futurus]». Cf. TERTULIANO, De Resurrectione carnis , VI in J.-P. MIGNE, PL , vol. 2, 802.

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    não pode então distinguir-se das estruturas fundamentais da transcendência humana. A

    transcendência do homem é, por graça de Deus, tão absolutamente ilimitada em

    conhecimento e liberdade que a própria “posse” de Deus na sua absoluta autocomunicação

    não está fora das suas possibilidades.

    Neste contexto, cabe dizer que a experiência transcendental e a reflexão sobre a

    experiência transcendental não são a mesma coisa do ponto de vista conceptual (tal como,

    paralelamente, não são a mesma coisa a consciência de si e aquilo que conhecemos da

    nossa consciência). E podemos apontar duas razões para explicar a impossibilidade de

    reflexão sobre a autocomunicação de Deus pela graça (enquanto ela é modificação da nossa

    transcendentalidade): ( i  ) por parte dos destinatários da autocomunicação, a razão é o

    carácter ilimitado do espírito subjectivo no seu estado natural; ( ii  ) por parte da

    autocomunicação de Deus, a razão é o estado ainda não consumado da mesma, i.e., a

    autocomunicação ainda não se tornou visão de Deus. A experiência transcendental da

    autocomunicação de Deus é, então, nada mais que a dinâmica de finalização do espírito em

    direcção à imediaticidade para com Deus (em conhecimento e amor5 ). E o motor dessa

    dinâmica de finalização é a sua própria finalidade, i.e., a graça. O espírito humano tocado

    pela graça move-se para a graça. Sendo impossível que se possa fazer uma reflexão

    individual que apreenda com segurança o seu objecto, como já vimos, isso não significa que

    tenhamos de dizer que a autocomunicação de Deus está para lá do sujeito e da suaconsciência, de tal maneira que tivéssemos que postular a autocomunicação de Deus

    apenas por uma teoria dogmática extrínseca ao homem. Pelo contrário, trata-se

    efectivamente de uma experiência transcendental existencial: acontece na existência

    humana e repercute-se nela6. Note-se que estamos a falar daquela experiência individual

    que o homem tem da autocomunicação divina que, embora exista como objecto de

    reflexão, ele não pode conhecer inequivocamente na esfera pessoal. Porém, pode

    reconhecer a sua própria experiência na interpretação teológica e dogmática da mesma, quese oferece por meio da historia   salutis , concretamente por meio do cristianismo, e assim

    alcançar a confiança necessária para chegar a aceitar sem reservas o inefável da sua

    experiência transcendental. Na verdade, afirma Karl Rahner que é quando o homem se

    abre à experiência transcendental do mistério absoluto descobre que ele não é apenas o

    inefável e o inominável, mas também, absolutamente, algo de familiar, gerador do almejado

    sentido, uma proximidade que acolhe e perdoa, capaz de fazer que o homem, mesmo na

    5 Ou, pegando no que dissemos em anterior nota, por meio do Verbo Incarnado e do Espírito Santo.6 Note-se que estamos a falar daquela experiência individual que o homem tem da autocomunicação divina,que não pode conhecer inequivocamente na esfera pessoal, embora ela exista como objeto de reflexão.

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    perdição da culpa, já nem a culpa queira viver sem ser totalmente confiado ao mistério da

    sua existência, experimentando não a auto-suficiência de quem se perdoa a si mesmo mas

    sim a salutar dependência de quem é perdoado indulgentemente por um Deus que perdoa

    dando-se a si mesmo (pois só assim o perdão pode ser definitivo).

     A teologia rahneriana do sobrenatural existencial tem justamente aqui um ponto central:

    pelo que já dissemos, tanto a experiência particular da pessoa como a experiência religiosa

    colectiva da humanidade, numa mútua reciprocidade, dão-nos o direito de interpretar o

    homem como esse evento da absoluta e radical autocomunicação de Deus. Em absoluto: o

    homem é capaz de Deus; e mais: Deus é, transcendentalmente, a resposta para a pergunta

    que o homem é, existencialmente. É também importante notar que esta experiência,

    precisamente por ser experiência transcendental, não é um acto categorial temático, como

    rezar ou prestar culto, mas fundamentalmente um acto atemático, dado previamente a

    todas as acções religiosas propriamente ditas. Surgem desta consideração dois corolários

    mais ou menos imediatos. O primeiro é a afirmação de que a experiência original de Deus

    na sua autocomunicação pode ser tão universal (e até tão “a-religiosa”) que ocorre onde

    quer que o homem exerça a sua existência. O segundo, porventura mais arriscado, é que à

    medida que se vive a incompletude da liberdade “em devir”, à medida que a sua situação é

    sempre determinada (ainda que não exclusivamente) pela culpa, i.e., pelo que chamamos

    pecado original, a pessoa humana não se posiciona diante de uma liberdade préviacompletamente neutra, mas perante uma liberdade que já foi exercida.

    O homem, com efeito, faz a experiência de si como o sujeito do acontecimento da

    autocomunicação de Deus, i.e., o sujeito que tomou sempre posição nesse radical “sim ou

    não” que o homem é chamado a dar livremente perante o mistério absoluto e,

    simultaneamente, que nunca pôde reflectir adequadamente quanto à concretude dessa

    tomada de posição. Assim, permanecendo sempre, neste ponto, ambíguo para si mesmo, o

    homem realiza a subjectividade da sua transcendência, gratuitamente elevada pela graça, noencontro histórico e categorial com o as coisas, com o tu humano (onde a história e a

    transcendência se consumam em unidade), e com o Tu absoluto divino7.

    7 Nestas afirmações de Karl Rahner podemos encontrar um paralelismo interessante com a filosofia dialógica(que também é teologia) de Martin Buber, segundo a qual a existência humana no seu aspecto pré-categorial tem como princípio constitutivo a relação, de tal modo que o eu   não existe de formaindependente, mas encontra-se determinado pela relação com as coisas (e surge como eu-isso ), com ooutro (e aí é eu-tu  ), ou, na medida em que as linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-seno Tu eterno, com Deus (e tem-se o eu-Tu  ). E Buber afirma: «A história é uma aproximação misteriosa.

    Cada espiral do caminho nos conduz igualmente a uma perdição mais profunda e a uma conversão maisoriginária. Porém o evento que do lado do mundo se chama conversão, do lado de Deus, chama-seredenção» (Martin BUBER , Eu e Tu , trad. Newton Von Zuben, Editora Moraes, São Paulo, 2009, 114-115).

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    4. Depois do que dissemos, estamos em condições de nos adentrarmos um pouco mais

    na compreensão cristã do mistério da Trindade. Em primeiro lugar, Karl Rahner apresenta

    o problema dos termos já, de certo modo, gastos. De facto, alguns termos, apesar da sua

    significação mais ou menos inequívoca ao longo da história da teologia e desde os

    primeiros séculos, podem hoje ser associados a conteúdos que lhes são atribuídos noutros

    campos do saber, introduzindo na sua significação um sentido falso ou mitológico que já

    não se pode aceitar na teologia cristã. O termo “pessoa” está, afirma Rahner, precisamente

    nesta situação, uma vez que dificilmente se pode evitar a ideia de que, para que sejam

    pessoas distintas, haja em cada uma delas um centro de actividade livre. Ora é precisamente

    este aspecto, hoje comum na acepção moderna do termo, que se exclui da doutrina

    dogmática sobre a única natureza divina, pois unidade de natureza implica unicidade de

    uma só consciência. Seguidamente, o Rahner levanta a problemática da teoria psicológica

    de Agostinho para explicar a Trindade. Diz o teólogo alemão que, por geniais que sejam as

    especulações do Bispo de Hipona, elas limitam-se à vida intradivina da Trindade, não

    explicando o que pretendem explicar, i.e., a razão pela qual o Pai se expressa no seu Verbo

    e, juntamente com ele, envia o Espírio. Além disso, a teoria psicológica negligencia a

    experiência da Trindade a economia da salvação, em favor da especulação.

    Por fim, e justamente como proposta para superar esta última dificuldade, Karl Rahner

    apresenta aquele que ficará conhecido como o grundaxiom  da doutrina trinitária: a Trindadeeconómica é a Trindade imanente, e vice-versa. Com efeito, se afirmarmos que Deus se

    doa realmente a si mesmo e surge realmente como é, então, na história da salvação

    colectiva e individual, vêm ao nosso encontro não quaisquer formas que representem Deus,

    mas o próprio Deus único e verdadeiro. Deste modo, à medida que a autocomunicação de

    Deus acontece como salvação divinizante, damos-lhe o nome de Espírito Santo; à medida

    que está presente para nós em Jesus Cristo na história concreta da nossa existência,

    chamamos-lhe Verbo ou Filho; e à medida que este Deus que vem até nós como Espírito e Verbo, chamamos-lhe Deus uno e único, o Pai. Consequentemente, pelo facto de estes

    modos de estar presente não poderem suprimir a autocomunicação de Deus como Deus

    único, resta-nos admitir que os mesmos três modos8 de estar presente devem caber a Deus

    como ele é , em si e por si mesmo.

    8 A terminologia proposta aqui por Rahner, bem como no artigo que já referimos na nota 3, “modos distintosde subsistência” apresenta porém uma desvantagem que Rahner não tem em conta. Com efeito, o termo“modos” não evita uma associação mais ou menos directa com a doutrina herética do modalismo,

    segundo a qual o Deus uno e único se apresentava cada vez a seu modo (este pressuposto esteve tambémna base quer do sabelianismo combatido por São Tomás de Aquino, quer do chamado patripassionismo,teoria segundo a qual era o Pai quem sofria na cruz).

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    Se assim não fosse, com efeito, não estaríamos diante da autocomunicação de Deus.

    Estas considerações devem levar-nos a reafirmar a certeza teológica e a demonstrar

    positivamente que a doutrina da Trindade não é um jogo teológico subtil e especulativo,

    mas um enunciado que não se pode evitar, se queremos ser fiéis à revelação divina, como

    ela se deu na historia  salutis . Como conclusão, devemos dizer que o real sentido da doutrina

    da Trindade está em que o próprio Deus enquanto mistério absoluto, santo e permanente,

    fundamento da transcendência existencial do homem, é não apenas o Deus da infinita

    distância, o absolutamente Outro, mas também quer ser o Deus da absoluta proximidade

    na verdade e na profundidade da sua autocomunicação, estando assim presente no imo

    espiritual da existência humana.