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O fantasma do amor romântico nas relações livres Publicado por Loucas Lolli em 21 de dezembro de 2013 http://amoreslivres.wordpress.com/2013/12/21/o-fantasma-do-amor-romantico-nas- relacoes-livres/ Se eu ando de mãos dadas com algúem na rua, está implícito pra quem olha que fazemos sexo. Por quê? Por que almas gêmeas (trigêmeas, quadrigêmas etc) têm que ser sempre pessoas que fazem sexo? Por que, quando estou doente, triste, sem grana ou com algum outro problema, quem tem que me ajudar é em primeiro lugar alguém com quem eu faço sexo? Por que só posso fazer cafuné, dormir de conchinha, ir pro baile, viajar, tomar sorvete, passear no parque, regularmente, ou primariamente, com alguém com quem eu faça sexo? Por que todas as minhas expectativas, anseios, frustrações, mágoas, sonhos e desejos precisam ser depositados em alguém com quem eu faça sexo? Por que, pra tudo na vida, esperamos uma resposta de alguém com quem fazemos sexo? Por que só posso pensar em morar junto, construir uma vida junto, ter planos pro futuro, adotar crianças, constituir um lar ou família, exclusivamente, com pessoas com quem eu faça sexo? E se duas ou mais pessoas se gostam tanto que decidem entrelaçar suas vidas, morar sob o mesmo teto e até dividir a cama, elas precisam necessariamente fazer sexo? E se em algum momento elas fazem sexo porque gostam, e depois de um tempo o desejo sexual de alguma das partes se vai, mas elas querem continuar compartilhando suas rotinas, elas precisam continuar fazendo sexo pra manter a estrutura da vida conjunta? Por que chamamos uma pessoa importante na nossa vida, mas com quem não fazemos sexo, de “amigx”, e uma pessoa com quem fazemos sexo de “companheirx”, “parceirx”, “amorosx” ou “alguém com quem me relaciono”? Por que uma pessoa com quem faço sexo se sente inferiorizada se a chamo de “amigx”? E por que é estranho chamar alguém com quem não faço sexo de “companheirx”, “pareceirx”, “amorosx” ou “alguém com quem me relaciono”? Sem sexo não há relacionamento? Não há companheirismo, confiança, intimidade, ajuda mútua, partilha, aprofundamento? O sexo tem que ser assim tão determinante no grau de profundidade e no caráter geral de uma relação? Precisamos chegar ao ponto de clivar as relações entre “com sexo” e “sem sexo”, usando nomes diferentes pra cada? Por que, em vez disso, não dividimos nossas relações entre “com afinidade política” e “sem afinidade política”, ou então entre “com conversas profundas” e “sem conversas profundas”, ou ainda entre “com gosto artístico parecido” e “sem gosto artístico parecido”? Por que, acima de todas as outras características, especificamente a presença do sexo define a forma de se relacionar? Sim, é fato que essas construções já estavam no mundo quando chegamos, mas precisamos perpetuar essa história? É natural que o sexo ajude a fortalecer outros vínculos, e o problema não é esse. O problema é que continuamos a acreditar que o sexo, e só o sexo, possibilita, e de fato obriga, uma forma diferente de amor, mais sublime, superior, mais verdadeiro. Desse modo, pessoas heterossexuais só podem amar “de verdade” pessoas do sexo oposto, e pessoas homossexuais só podem amar “de verdade” pessoas do mesmo sexo. Mais do

O Fantasma Do Amor Romântico Nas Relações

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Sobre o amor livre.

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  • O fantasma do amor romntico nas relaes livres

    Publicado por Loucas Lolli em 21 de dezembro de 2013

    http://amoreslivres.wordpress.com/2013/12/21/o-fantasma-do-amor-romantico-nas-

    relacoes-livres/

    Se eu ando de mos dadas com algem na rua, est implcito pra quem olha que

    fazemos sexo. Por qu? Por que almas gmeas (trigmeas, quadrigmas etc) tm que ser

    sempre pessoas que fazem sexo? Por que, quando estou doente, triste, sem grana ou

    com algum outro problema, quem tem que me ajudar em primeiro lugar algum com

    quem eu fao sexo? Por que s posso fazer cafun, dormir de conchinha, ir pro baile,

    viajar, tomar sorvete, passear no parque, regularmente, ou primariamente, com algum

    com quem eu faa sexo? Por que todas as minhas expectativas, anseios, frustraes,

    mgoas, sonhos e desejos precisam ser depositados em algum com quem eu faa sexo?

    Por que, pra tudo na vida, esperamos uma resposta de algum com quem fazemos sexo?

    Por que s posso pensar em morar junto, construir uma vida junto, ter planos pro futuro,

    adotar crianas, constituir um lar ou famlia, exclusivamente, com pessoas com quem eu

    faa sexo? E se duas ou mais pessoas se gostam tanto que decidem entrelaar suas

    vidas, morar sob o mesmo teto e at dividir a cama, elas precisam necessariamente fazer

    sexo? E se em algum momento elas fazem sexo porque gostam, e depois de um tempo o

    desejo sexual de alguma das partes se vai, mas elas querem continuar compartilhando

    suas rotinas, elas precisam continuar fazendo sexo pra manter a estrutura da vida

    conjunta?

    Por que chamamos uma pessoa importante na nossa vida, mas com quem no fazemos

    sexo, de amigx, e uma pessoa com quem fazemos sexo de companheirx, parceirx, amorosx ou algum com quem me relaciono? Por que uma pessoa com quem fao sexo se sente inferiorizada se a chamo de amigx? E por que estranho chamar algum com quem no fao sexo de companheirx, pareceirx, amorosx ou algum com quem me relaciono? Sem sexo no h relacionamento? No h companheirismo, confiana, intimidade, ajuda mtua, partilha, aprofundamento?

    O sexo tem que ser assim to determinante no grau de profundidade e no carter geral

    de uma relao? Precisamos chegar ao ponto de clivar as relaes entre com sexo e sem sexo, usando nomes diferentes pra cada? Por que, em vez disso, no dividimos nossas relaes entre com afinidade poltica e sem afinidade poltica, ou ento entre com conversas profundas e sem conversas profundas, ou ainda entre com gosto artstico parecido e sem gosto artstico parecido? Por que, acima de todas as outras caractersticas, especificamente a presena do sexo define a forma de se relacionar?

    Sim, fato que essas construes j estavam no mundo quando chegamos, mas

    precisamos perpetuar essa histria?

    natural que o sexo ajude a fortalecer outros vnculos, e o problema no esse. O

    problema que continuamos a acreditar que o sexo, e s o sexo, possibilita, e de fato

    obriga, uma forma diferente de amor, mais sublime, superior, mais verdadeiro. Desse

    modo, pessoas heterossexuais s podem amar de verdade pessoas do sexo oposto, e pessoas homossexuais s podem amar de verdade pessoas do mesmo sexo. Mais do

  • que isso: dentro dessa lgica, s me permitido amar de verdade algum que pertena quela pequena parcela da humanidade que eu considero atraente sexualmente. Ou

    ento, pior ainda, eu tenho a obrigao de sentir atrao sexual por qualquer pessoa que

    eu ache extremamente importante na minha vida, e apenas por essas pessoas.

    Sentimento profundo e sexo so fundamentalmente indissociveis dentro desse

    contexto. No h sexo sem amor, e no h amor verdadeiro sem sexo.

    Ora, que amor esse? Esse o amor de Shakespeare, Goethe, Hollywood e Disney. o

    amor que j vem com frmula pronta, lotado de expectativas, cobranas e a prioris, que s fazem sentido na monogamia compulsria. No o amor que queremos. Ao

    menos, no o amor que eu quero. O amor que eu quero no vem formatado, e

    diferente pra cada pessoa na minha vida.

    No latim, amor e amica/amicus/amicum vm do mesmo radical. Amigx algem que se ama. Todas as pessoas que eu amo so minhas amigas. Em alguns casos h sexo,

    em outros no. E isso no determina nada.