O FEMINIL NOS TERREIROS DE XANGÔ: UM ESTUDO · PDF filetem como um dos fundamentos mais importantes do Candomblé, o culto à vida. Já tendo dito

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    O FEMINIL NOS TERREIROS DE XANG: UM ESTUDO DE

    GNERO.

    Nadijja Carmo Domingos da Silva1

    Prof Dr Zuleica Dantas Pereira Campos2

    RESUMO

    A organizao bsica de um terreiro de Xang se estrutura em torno do pai e/ou da me de

    santo, o babalorix e a yalorix respectivamente. E a partir deles que se estabelece a

    hierarquia do mesmo. Eles assumem os papis de sacerdotes das cerimnias em que o gnero

    determinar as tarefas dentro da religio. As mulheres exercem as mais diversas atividades.

    Em suma elas so as responsveis pela administrao do espao religioso. Contudo, no esto

    restritas apenas a um plano espiritual, tambm esto ligadas sade, s artes e a perenizao

    da cultura popular e, vm contribuindo profundamente para a reconstruo da identidade

    negra no Recife. Deste modo, no presente estudo procuramos, atravs de uma literatura

    especializada na temtica religiosa afro-brasileira, analisar as lideranas femininas, nos cultos

    afro brasileiros, destacando o papel desempenhado pelas mulheres dentro do terreiro, as

    estratgias que elas utilizam para exercer as suas lideranas nessas religies onde o feminil

    tem um dos fundamentos mais importantes do Candombl, o culto vida. ... se no tivesse a

    mulher dentro do candombl no podia ser uma coisa boa... O Candombl no podia existir

    (MADALENA apud MENEZES, 2005, P. 26). E por fim procuramos entender a participao

    feminina nas suas prticas de resistncia contra a diluio de seus costumes e para no

    sucumbir ignorncia alheia. As Yalorixs no esto restritas apenas a um plano espiritual,

    elas esto ligadas sade, s artes e a perenizao da cultura popular e, vm contribuindo

    efervescentemente para a reconstruo da identidade negra no Recife, alm de difundir sua

    religio ao mundo atravs do maracatu.

    PALAVRAS CHAVES: Yalorixs, participao feminina, religies afro-brasileira,

    identidade.

    1 Graduanda do curso de Licenciatura Plena em Histria pela Universidade Catlica de Pernambuco e bolsista PIBIC pela mesma instituio UNICAP- [email protected]. 2 Professora adjunto 4 do curso de histria da UNICAP [email protected]

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    Toda religio possui sua carga de misticismo, o que no diferente das religies

    africanas, introduzidas no Brasil, durante o perodo escravocrata. Durante algum tempo, elas

    no faziam grandes distines da religio catlica lrica trazida pelos portugueses para c.

    Segundo Gilberto Freyre, o prprio catolicismo do portugus no seria necessariamente

    menos pago. Com efeito, diz ele:

    [...]o resduo pago caracterstico trouxera-o de Portugal o colonizador branco no seu cristianismo lrico, festivo, de procisses alegres com as figuras de Baco, Nossa Senhora fugindo para o Egito, Mercrio, Apolo, o Menino-Deus, patriarcas, reis e imperadores dos ofcios; e s no fim o Santssimo Sacramento. No foram menos faustosas nem menos pags as grandes procisses no Brasil Colonial. Froger notou na de Corpus Christi, na Bahia, msicos, bailarinos e mascarados em saracoteios lbricos.(1995, p. 249)

    Devido s misturas tnicas dos escravos que vieram para o Brasil, a religio oriunda

    dos afro-descendentes no permaneceu pura, sofrendo grandes reajustamentos, miscigenaes

    e modificaes; ou seja da igreja catlica, de outras tribos e do Kardecismo respectivamente.

    Processo que Stuart Hall chama de tradio - traduo e que consiste em uma tradio cultural

    que por algum motivo para no se esfacelar se traduz em outra cultura parecida e mais

    prxima a ela evitando assim que seja sepultada.

    Este conceito descreve aquelas formaes de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retm fortes vnculos com seus lugares de origem e suas tradies, mas sem a iluso de um retorno ao passado. Elas so obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traos das culturas, das tradies, das linguagens e das historias particulares pelas quais foram marcadas. A diferena que elas no so e nunca sero unificadas no velho sentido, porque elas so, irrevogavelmente, o produto de varias historias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo a varias casas. ( 2006, p. 88-89)

    Deste modo, temos como resultados dessas influncias na religio dos afro -

    descendentes:

    1- A religio catlica far com que ocorra o sincretismo dos orixs com os santos

    catlicos numa tentativa dos afro - descendentes de reajustar-se as exigncias

    do branco colonizador e tambm de no esfacelar sua cultura3;

    3 essencial visualizar que fenmenos religiosos so parte integrante de todas as culturas desde os povos primitivos at os ditos ps modernistas.

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    2- Outras tribos, sabe-se hoje que devido ao esquema do trafico negreiro em que

    escravos da mesma etnia eram enviados para diferentes regies numa tentativa

    de melhor dominao fez com que os escravos de diferentes tribos ou naes

    acabassem por se unir geralmente em torno da nao mais forte o que

    ocasionou num processo de traduo4 de suas diversificadas culturas em torno

    de uma mais forte;

    3- E por fim a influncia do espiritismo kardecista que viria posteriormente a

    originar a umbanda5. A umbanda pertence ao grupo dos cultos de possesso,

    onde o sobrenatural faz-se presente e sensvel atravs do transe, quando ento o

    rumor de anjos mensageiros de deus, ou sinais torna-se mais forte.

    (MAGNANI, 1986, p.11)

    A umbanda realmente contm elementos da religio catlica e do espiritismo, de cultos trazidos ao Brasil pelos escravos, alm de alguns de duvidosa inspirao indgena. [] A umbanda certamente no uma espcie de degenerao de antigos cultos africanos ou do espiritismo kardecista. , sim, o resultado de um processo de reelaborao, em determinada conjuntura histrica que no interior de uma nova estrutura, adquirem novos significados. (MAGNANI, 1986, p. 13)

    importante perceber que esses trs fatores acabaram por deflagrar na religio afro-brasileira

    tal qual a conhecemos.

    Tradies que parecem ou alegam serem antigas so muitas vezes de origem bastante recente e algumas vezes inventadas. Tradio inventada significada um conjunto de prticas..., de natureza ritual ou simblica, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos atravs da repetio, a qual, automaticamente, implica a continuidade com o passado histrico adequado. (HALL, 2006, p. 54)

    A organizao bsica de um terreiro6 de Xang se estrutura em torno do pai e/ou da

    me de santo, o babalorix e a yalorix, respectivamente. E a partir deles que se estabelece a

    hierarquia do terreiro de acordo com o grau de importncia de seus membros estando

    diretamente relacionado com o tempo de iniciao. Eles assumem no terreiro os papis de

    sacerdotes das cerimnias em que o gnero determina suas tarefas dentro da religio. Tanto o

    papel do homem quanto o papel da mulher nessas religies so equilibrados.

    No presente artigo procuramos, atravs de uma literatura especializada na temtica

    religiosa afro-brasileira, analisar as lideranas femininas, nos cultos afro-brasileiros,

    4 O termo traduo significa transferir, transportar entre fronteiras. 5 A umbanda uma das divises das religies afro - brasileiras. 6 Estrutura fsica onde se realizam as cerimnias.

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    destacando o papel desempenhado pelas mulheres dentro do terreiro, as estratgias que elas

    utilizam para exercer as suas lideranas nessas religies. E por fim procuramos entender a

    participao feminina nas suas prticas de resistncia.

    Em terreiros que existe a presena do pai de santo e da me de santo, os babalorixs

    assumem uma posio ligeiramente superior da me de santo. Segundo Clo Martins (BA)

    em entrevista concedida a Maria Salete Joaquim lembra que a figura do pai-de-santo macho

    no difundida no Candombl, mas sim o lado feminino do homem. (JOAQUIM, 2001 apud

    FERRETTI, 2001, p. 13)

    A partir da comeo a explicar as lideranas femininas nessa religio. Onde o feminil7

    tem como um dos fundamentos mais importantes do Candombl, o culto vida. J tendo dito

    isso a me de santo Dona madalena em entrevista a Lia Menezes: ... Se no tivesse a mulher

    dentro do Candombl no podia ser uma coisa boa... O Candombl no podia ser como . No

    podia existir. (MADALENA apud MENEZES, 2005, p.26)

    Em terreiros em que coexistem o pai e a me de santo, cabe ao pai de santo marcar os

    dias das cerimnias pblicas ou privadas, o jogo divinatrio, a direo geral dos grandes

    rituais e cultos, e realizar a maior parte das oferendas aos deuses, entre elas, o sacrifcio8 dos

    animais. A me de santo se ocupa da arrecadao para os rituais, da preservao do espao

    fsico do terreiro, de certas partes da cerimnia de iniciao e da disciplina dos integrantes do

    terreiro, que lhe so inferiores em categoria hierrquica. Podendo, na ausncia do babalorix,

    realizar o jogo divinatrio ou dirigir o culto, porm sem realizar o corte, para isso deve ser

    designado um axogm9.

    A prtica ortodoxa requer uma me (me de Santo, yalorix) em cada casa, que, no Recife, em geral representa figura nitidamente secundria em comparao com o pai. A me se comporta como representante do pai na maior parte das atividades afeitas a este ltimo, mas no o substitui nas matanas. (MOTTA, 1982 apud CAMPOS, 199