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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O FENÔMENO BULLYING NAS UNIVERSIDADES
Fabiane Sarmento Moreira
Prof. Marcelo Saldanha
Rio de Janeiro Julho / 2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR
O FENÔMENO BULLYING NAS UNIVERSIDADES
Fabiane Sarmento Moreira
OBJETIVOS:
Esta monografia busca analisar como a violência cresce
a cada dia dentro do ambiente escolar e das
universidades através da apresentação de casos reais
que mostram as principais causas e consequências do
fenômeno bullying.
3
AGRADECIMENTOS
Aos professores que tanto contribuíram na minha
formação e aprendizado no curso de Docência do Ensino
Superior; à coordenadora da pós-graduação Suzana, que
sempre esteve pronta a ajudar; aos meus colegas de
turma pelos incansáveis debates em sala e pelos
momentos de alegria; e à minha amiga Liriane, pelo
incentivo e pela companhia nas noites de sexta-feira.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Sergio e Denise, e à
minha irmã Mariana, pelo amor e pelo apoio incondicional
para vencer os novos desafios. Também ao meu
namorado Thiago, minha inspiração e grande
incentivador para que eu continue a progredir e alcance a
minha realização pessoal e profissional.
5
RESUMO
Além de adotar a melhor didática para ensinar, as palavras certas para
transmitir o conhecimento e a forma mais justa de avaliar, o professor enfrenta
hoje um novo desafio: saber como lidar com a violência entre os estudantes
dentro da sala de aula. Brincadeiras como zoar o colega, colocar apelidos, que
até então pareciam naturais da idade, agora ganham um tom perverso, se
transformam em agressões e geram sérias consequências. O bullying é uma
das formas de violência que mais cresce no mundo. São meninos e meninas,
de diferentes idades, que sofrem todos os dias com humilhações,
constrangimentos e até mesmo agressões físicas, nas escolas e universidades.
Identificar as vítimas, os espectadores e os agressores envolvidos nesse
fenômeno não é tarefa fácil. Normalmente, esses personagens adotam o
silêncio e se recusam a falar sobre o problema. Os resultados do bullying vão
além do sofrimento causado à vítima. Não são raros os casos que tiveram
como fim o suicídio e o homicídio. Mas o desafio maior ainda está em como
prevenir e combater essa violência. Pais, professores e alunos devem praticar
o exercício do afeto e saber que respeitar as diferenças de cada um é o melhor
caminho para se conviver em harmonia.
6
METODOLOGIA
O tema deste trabalho foi estudado em diversos livros e artigos
publicados na internet. Como parte da pesquisa bibliográfica, estão obras de
autores como Cleo Fante, José Augusto Pedra, Ana Beatriz Barbosa Silva e
Lélio Braga Calhau, que dedicam seu tempo e seus trabalhos ao estudo do
fenômeno bullying. A monografia ainda traz depoimentos de especialistas das
áreas da educação e da saúde sobre o problema. E para ilustrar como a
violência escolar ocorre e seus efeitos desastrosos, recortes de jornais e
revistas mostram relatos verídicos de casos de bullying que marcaram o país.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
Fenômeno bullying 10
1.1 – Os tipos de maus-tratos 11
1.2 – Os personagens do bullying 13
1.3 – Fenômeno em crescimento 18
1.4 – O ciberbullying 21
CAPÍTULO II
O bullying nas universidades 24
2.1 – Trote universitário: brincadeira ou bullying? 27
2.2 – Episódios que deixaram marcas 30
CAPÍTULO III
Como combater a violência entre alunos 34
3.1 – A importância da família 37
3.2 – O apoio de políticas públicas 40
CONCLUSÃO 42
BIBLIOGRAFIA / WEBGRAFIA 43
ANEXOS 45
8
INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2003, na cidade de Taiúva, no interior paulista, um tímido
jovem de 18 anos, depois de concluir o ensino médio, atirou contra 50 pessoas
durante o horário de recreio da escola onde estudara. Atingiu oito pessoas e
depois se matou com um tiro na cabeça. As vítimas sobreviveram, porém uma
delas ficou paraplégica. Esse adolescente era obeso desde a infância e foi
motivo de piada para os colegas da escola. Mesmo após emagrecer mais de
30 quilos continuaram zoando ele. Era constantemente ofendido e humilhado.
Em fevereiro de 2004, na cidade de Remanso, no interior baiano, outro
adolescente de 17 anos também protagonizou uma tragédia. Após ser
ridicularizado na escola, resolveu se vingar. Foi até a casa do seu agressor
principal, um garoto de 13 anos, e atirou em sua cabeça. Depois seguiu para
uma escola de informática para tentar matar uma professora de quem não
gostava. Uma funcionária tentou impedir a sua entrada, mas ele disparou
fatalmente contra a cabeça dela e fez mais alguns disparos, ferindo duas
pessoas. Sua intenção era cometer suicídio, mas conseguiram desarmá-lo. Em
seu bolso foi encontrado um bilhete dizendo que queria matar mais de 100
pessoas e ser conhecido na história da cidade como o “terrorista suicida
brasileiro”.
Os casos descritos acima mais parecem cenas retiradas de filmes
hollywoodianos. No entanto, apesar de difíceis de acreditar, os fatos vão muito
além da ficção e os personagens são facilmente encontrados no dia-a-dia da
vida real. As brincadeiras começam de forma natural. Na sala de aula, os
colegas “zoam”, colocam apelidos e dão risadas das diferenças e até dos
fracassos uns dos outros. Mas com o tempo ou simplesmente com a forma
como a tal “brincadeira” é feita, o que era para ser diversão acaba se tornando
caso de polícia. Uns se divertem, são perversos, não perdoam o colega que
parece ser mais frágil ou apenas “diferente”. Outros sofrem, se sentem
9
violentados e, na maioria das vezes, são vítimas de agressões físicas e verbais
com consequências imensuráveis.
A brincadeira que deixa de ser sadia para se transformar em violência é
conhecida como bullying. O termo ganhou destaque na imprensa, virou debate
entre especialistas e tem se tornado cada vez mais comum no cotidiano das
salas de aula. A ideia deste trabalho é mostrar como esse fenômeno ganhou
força e está presente no ambiente escolar. Através de relatos de casos
verídicos e do depoimento de especialistas no assunto, este estudo levanta o
debate sobre a violência dentro de escolas e universidades, apresenta os
personagens envolvidos na questão e analisa como é possível solucionar um
problema que muitas vezes causas danos irreparáveis.
No primeiro capítulo, é definido o conceito de bullying, suas principais
características e os tipos de violência. Como o fenômeno surge dentro da sala
de aula e como é possível identificar a presença do ato de violência no
ambiente escolar? Quais são as formas de ataques, suas causas e
consequências? Além disso, o estudo mostra quem são os personagens
envolvidos no bullying e as principais características dos agressores e das
vítimas.
O segundo capítulo discute o bullying dentro das universidades. Casos
reais de violência ocorridos entre estudantes universitários são relatados. E
como o trote violento tem crescido e pode ser considerado bullying?
Já o terceiro capítulo mostra as dificuldades e a importância de se
combater o bullying. Como lutar contra esse fenômeno? Qual é o papel do
professor, da instituição e da família para que essa violência seja evitada?
Embora algumas instituições neguem o fato, todo ambiente escolar sofre com o
problema da violência. E, nesse momento, professores e familiares têm papel
fundamental na prevenção dessa prática.
10
CAPÍTULO I
FENÔMENO BULLYING
“Carlos, aluno da 5ª série, foi vítima de alguns colegas por muito tempo porque não gostava de futebol. Era ridicularizado constantemente, sendo chamado de gay nas aulas de educação física. Isso o ofendia sobremaneira, levando-o a abrigar pensamentos suicidas, mas antes queria encontrar uma arma e matar muitos dentro da escola”
A palavra bullying é de origem inglesa e não possui tradução no Brasil.
No dicionário, bully significa indivíduo valentão, tirano, mandão, brigão. Já o
termo “bullying” é utilizado para descrever atos de violência física ou
psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de
indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo incapaz de se
defender. Para Lélio Braga Calhau, autor e combatente do fenômeno, o
“Bullying é um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar,
agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e
de forma repetida”. Já a pedagoga e historiadora Cleo Fante e o teólogo e
psicólogo José Augusto Pedra definem bullying como “uma dinâmica
psicossocial expansiva que envolve um número cada vez maior de crianças e
adolescentes, meninos e meninas, à medida que muitas vítimas reproduzem a
vitimização contra outro(s)”. Segundo os autores, o problema deve ser
considerado questão de saúde pública.
“O bullying é diferente de uma brincadeira inocente, sem intenção de ferir; não se trata de um ato de violência pontual, de troca de ofensas no calor de uma discussão, mas sim de atitudes hostis, que violam o direito à integridade física e psicológica e à dignidade humana. Ameaça o direito à educação, ao desenvolvimento, à saúde e à sobrevivência de muitas vítimas. As vítimas se sentem indefesas, vulneráveis, com medo e vergonha, o que favorece o rebaixamento de sua autoestima e a vitimização continuada e crônica”. (FANTE E PEDRA, 2008)
11
De acordo com a psicóloga Maria Tereza Maldonado, membro da
American Family Therapy Academy, o bullying sempre aconteceu em todas as
escolas, mas por muito tempo a sociedade o considerou “brincadeira de
crianças” e não deu maior importância ao tema. “É semelhante ao que
tradicionalmente acontecia na educação dos filhos: os pais se achavam no
direito de xingar, espancar e cometer outras formas de violência para
‘endireitar’ as crianças rebeldes”, afirma. Segundo ela, atualmente, esses
casos vão parar nos Conselhos Tutelares como ações de violência intrafamiliar
que precisam ser tratadas para que os pais se conscientizem do direito das
crianças de serem educadas sem violência. A psicóloga ainda ressalta: “Com o
bullying está começando a acontecer algo idêntico: é preciso trabalhar o
conceito de que agressão não é diversão. Condutas de perseguição
implacável, mensagens difamadoras e depreciativas, agressões físicas ou
verbais não devem ser aceitáveis”.
1.1 – Os tipos de maus-tratos
Estudos indicam que as simples “brincadeirinhas de mau-gosto” de
antigamente podem se transformar em uma ação muito séria. Causam desde
simples problemas de aprendizagem até sérios transtornos de comportamento
responsáveis por índices de suicídios e homicídios entre estudantes. Diversas
ações podem ser compreendidas como atos do bullying. Os especialistas citam
os seguintes tipos de maus-tratos: verbal, físico, material, psicológico, moral,
sexual e virtual. Dentro do verbal, estão atitudes como ofender, xingar, “zoar”,
fazer piadas ofensivas e colocar apelidos pejorativos. Já as agressões físicas e
materiais consistem em bater, chutar, espancar, empurrar, beliscar, atirar
objetos contra a vítima e roubar, furtar ou destruir os pertences dela. Os maus-
tratos psicológicos e morais são irritar, humilhar, excluir, isolar, ignorar,
desprezar, discriminar, ameaçar, chantagear, perseguir e difamar. Abusar,
violentar, assediar e insinuar caracterizam os sexuais. E, por último, a forma
virtual, decorrente dos avanços tecnológicos e marcada pelo uso de aparelhos
e equipamentos de comunicação como celulares e internet para difundir
12
calúnias, ofensas, medo e boatos. Essa forma de bullying ganhou um termo
próprio e ficou conhecida como ciberbullying.
A médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva afirma que, embora
existam muitas formas diretas ou indiretas de praticar o bullying, dificilmente a
vítima recebe um único tipo de maus-tratos. De acordo com ela, normalmente,
os agressores costumam atacar de diversas formas, com diferentes ações, em
“bando”. No entanto, é preciso ressaltar que nem sempre uma “zoação”
consiste em um ato de bullying. Neste momento, se torna fundamental saber
distinguir uma brincadeira inofensiva de uma violência.
Os especialistas Cleo Fante e José Augusto Pedra ressaltam que
quando as brincadeiras são marcadas por um ar de crueldade, de perversidade
e “segundas intenções” deixam de ser apenas uma diversão e se tornam
verdadeiras agressões. Eles lembram ainda que brincadeiras normais e
saudáveis divertem os envolvidos e são bem aceitas por todos. Enquanto um
ato de violência deixa claro quando um dos personagens fica constrangido, não
se sente à vontade ou não gosta da brincadeira.
O pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, na Noruega
(1978 a 1993) criou alguns critérios para diferenciar os atos de bullying das
brincadeiras próprias da idade. Segundo ele, a violência é caracterizada por
ações repetitivas contra a mesma vítima em um período prolongado de tempo;
desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; e ausência de
motivos que justifiquem os ataques. Outro ponto que deve ser levado em conta
é o desequilíbrio emocional da vítima. Após passar por uma série de ataques, a
criança ou o adolescente desenvolve um medo incontrolável dos seus
agressores e do ambiente onde sofreu a agressão.
“Um fator que devemos levar em consideração é o medo, que se torna constante, principalmente de que o ataque volte a acontecer, por isso, a vítima mobiliza, inconscientemente, sentimentos como ansiedade, medo, insegurança, angústia, raiva, além de tensão,
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constrangimento, receio de fazer uma pergunta ao professor e ser alvo de zoação, etc. Para a vítima, é preferível calar-se ou isolar-se dos demais na tentativa de minimizar seu sofrimento. Mesmo fora do ambiente escolar a vítima continua lembrando-se dos episódios e somatizando-os, como se de fato estivesse na presença dos seus agressores”. (FANTE E PEDRA, p. 40)
Segundo Cleo Fante, os atos de bullying entre alunos também
apresentam determinadas características comuns como comportamentos
deliberados e danosos, produzidos de forma repetitiva num período prolongado
de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio
de poder, o que dificulta a defesa da vítima; não há motivos evidentes;
acontece de forma direta, por meio de agressões físicas e verbais; e de forma
indireta, caracteriza-se pela disseminação de rumores desagradáveis e
desqualificantes, visando à discriminação e exclusão da vítima de seu grupo
social.
1.2 – Os personagens do bullying
O bullying é constituído de personagens. Na maioria dos casos, os alvos
são aqueles alunos considerados pela turma como “diferentes”. Pessoas mais
tímidas ou reservadas normalmente são vítimas de críticas e vistas pelos
colegas como “esquisitas”. Além disso, diferenças de religião, raça, opção
sexual e até mesmo na maneira de se vestir constantemente aparecem como
motivação para a violência contra o colega. A autora Ana Beatriz Barbosa Silva
apresenta três tipos de vítimas: a típica, a provocadora e a agressora. No
primeiro caso, a criança ou o adolescente corresponde às características
citadas acima. São mais passivos, submissos, frágeis e, dificilmente, reagem
às provocações dos agressores. De acordo com a médica, essas vítimas
trazem alguma marca que as destaca da maioria dos alunos, algo que fuja ao
padrão imposto pelo grupo, e geralmente estampam as suas inseguranças.
Como exemplos podemos citar meninos e meninas que são gordinhos e que na
escola recebem apelidos pejorativos como “bola”, “baleia”, “balofa”. O mesmo
14
acontece com os que são altos ou magros demais, usam óculos ou possuem
algum tipo de deficiência física. Aqueles que são extremamente estudiosos,
calmos, reservados e não costumam interagir com os demais colegas também
acabam sendo discriminados e tachados como “nerds”.
As vítimas provocadoras são, segundo a autora, as que “dão tiro nos
próprios pés”. Fazem parte deste grupo crianças ou adolescentes hiperativos,
impulsivos e imaturos, que criam um ambiente tenso na escola. Elas são
capazes de causar em seus colegas reações agressivas contra si mesmas.
Normalmente, essas vítimas não conseguem ficar quietas por muito tempo, são
impacientes, intrometidas e, sem pensar duas vezes, partem para uma
resposta malcriada ao colega ou até mesmo uma briga ou um empurrão. No
entanto, a ação não está relacionada à falta de caráter ou intenção maldosa,
mas sim ao funcionamento mental que não permite o controle dos impulsos.
Por isso, essas vítimas dificilmente reagem aos verdadeiros agressores e
estes, por sua vez, se aproveitam para fazer ataques covardes e culpar a
vítima provocadora.
A vítima agressora é a responsável pelo efeito “cascata” do bullying. Ela
sofre maus-tratos dos agressores na sala de aula e, como uma forma de fuga e
compensação, procura outra vítima para reproduzir nela tudo o que passou. Ou
seja, depois de apanhar ou ser discriminada e xingada, a criança faz o mesmo
com outra mais frágil do que ela. Segundo a médica Ana Beatriz, essa atitude
alimenta um círculo vicioso e transforma o bullying em um problema de difícil
controle.
“Normalmente os diferentes constituem um grupo menor, mais fraco, com mais pontos vulneráveis que se prestam facilmente aos desejos dos valentões, em agredir gratuitamente, mas de forma persistente. Entretanto, estas crianças ou jovens que praticam tais atos contra seus colegas também são crianças e jovens problemáticos, geralmente com baixa autoestima, em famílias em que a comunicação é feita por meio da agressividade constante e que os pais não são
15
cuidadores adequados para lhes dar segurança”. (MARIA IRENE MALUF, especialista em Educação Especial)
Além disso, há casos também em que o professor é a vítima da
agressão. Uma pesquisa realizada pelo sindicato de professores britânico
União Nacional de Professores (NUT) mostrou que é crescente o número de
professores, principalmente mulheres, que sofrem com o bullying. Segundo o
estudo, um em cada 20 docentes foi agredido pelo menos uma vez por
semana. Esses profissionais são perseguidos, ameaçados e humilhados pelos
próprios estudantes dentro da sala de aula. Muitos não sabem o que fazer e
nem a quem recorrer. Em alguns casos, o aluno agressor tem por trás das suas
ameaças familiares violentos e envolvidos com tráfico de drogas. Não são raros
os casos de professores que atuam em escolas em comunidades carentes e
que sofrem ameaças diariamente.
Já os agressores apresentam características marcantes que enaltecem
sua força física e ar de superioridade. Donos de traços de personalidade de
desrespeito e maldade, eles são prepotentes, arrogantes e costumam se meter
em muitas confusões. São alunos com grande capacidade de liderança e
persuasão, mas usam a habilidade para prejudicar o outro. Por isso, o agressor
pode agir sozinho ou em grupo e, quando acompanhado de “seguidores”,
ostentam ainda mais força e maldade. Middelton-Moz e Zawadski (2002)
afirmam que muitos bullies vieram aperfeiçoando a intimidação desde que
eram crianças. Também de acordo com a autora Ana Beatriz, em muitos casos,
as manifestações de desrespeito e ausência de culpa surgem desde muito
cedo, por volta dos 5 e 6 anos de idade. Crianças que, desde muito novas, já
cometem agressões aos irmãos, animais domésticos, colegas e funcionários da
escola. Essas atitudes podem ter origem em famílias desestruturadas, violência
dentro da própria casa, ou no temperamento e personalidade do agressor.
“Os agressores apresentam, desde muito cedo, aversão às normas, não aceitam serem contrariados ou frustrados, geralmente estão envolvidos em atos de pequenos delitos, como furtos, roubos ou vandalismo, com
16
destruição do patrimônio público ou privado. O desempenho escolar desses jovens costuma ser regular ou deficitário; no entanto, em hipótese alguma, isso configura uma deficiência intelectual ou de aprendizagem por parte deles. Muitos apresentam, nos estágios iniciais, rendimentos normais ou acima da média. O que lhes falta, de forma explícita, é afeto pelos outros”. (SILVA, p. 43-44)
Os professores também podem praticar bullying contra seus alunos.
Alguns estudiosos vêm se dedicando ao assunto e garantem que isso acontece
mais do que se imagina. Nesse caso, os alunos são perseguidos, humilhados e
intimidados pelos professores. Situações como a de fazer comparações entre
os colegas na sala de aula, chamar a atenção e castigar publicamente, agredir
verbalmente e mostrar preferência a determinados alunos agride
emocionalmente o estudante e prejudica o rendimento escolar.
Há ainda os espectadores, que testemunham as ações dos agressores
contra as vítimas, mas não tomam nenhuma atitude. Eles representam a
maioria dos alunos de uma escola. No entanto, embora não sejam vítimas nem
pratiquem o bullying, normalmente, os espectadores também sofrem com as
agressões por presenciarem constantemente as cenas de constrangimento.
Existem aqueles que são contra as atitudes dos bullies, outros que apóiam ou
que até incentivam com risadas e deboches. Ana Beatriz Barbosa Silva divide
em três tipos esses personagens: passivos, ativos e neutros. Por medo de se
tornarem a próxima vítima, os espectadores passivos, embora não concordem
com os agressores, não tomam nenhuma atitude e presenciam as cenas de
violência sem poder fazer nada, sob ameaças. Os espectadores ativos não
participam da agressão diretamente, mas apóiam e incentivam os bullies com
risadas e deboches. São aqueles que se divertem com a ação e querem ver o
circo pegar fogo. E os espectadores neutros não demonstram nenhuma
sensibilidade diante da situação e chegam a ser omissos. Para eles, atitudes
como a do bullying são consideradas normais, já que atos de violência são
comuns no seu cotidiano. Não que eles sejam a favor da agressão, mas a
tratam com indiferença. Porém, essa atitude omissa pode contribuir para a
impunidade e o crescimento da violência.
17
Diante de tantos personagens do bullying, é preciso que pais e
professores estejam sempre atentos ao comportamento dos alunos para que
seja possível identificar se eles estão ou não envolvidos em algum ato de
violência. A médica Ana Beatriz afirma que “identificar os alunos que são
vítimas, agressores ou espectadores é de suma importância para que as
escolas e as famílias dos envolvidos possam elaborar estratégias e traçar
ações efetivas contra o bullying”. Ainda de acordo com ela, cada personagem
possui um comportamento típico tanto na escola como em casa. As vítimas,
por exemplo, quando estão no ambiente escolar, costumam ficar isoladas na
hora do recreio, sentem dificuldades em fazer perguntas ao professor na sala
de aula, faltam frequentemente, geralmente estão tristes e se recusam a
participar de atividades em grupos e jogos, e, em alguns casos, apresentam
ferimentos, hematomas e roupas rasgadas. E em casa, elas tendem a ficar
mais tensas no horário próximo ao de ir para a escola com sintomas como dor
de cabeça, no estomago, tonturas e enjoo. Algumas criam esses sintomas
como desculpas para faltar às aulas, outras têm poucos amigos ou passam a
pedir mais dinheiro aos pais para presentear seus colegas, inclusive seus
agressores, na tentativa de agradar e aliviar o bullying.
Já os agressores, na escola, estão sempre envolvidos, de forma direta
ou velada, em desentendimentos e discussões entre os alunos, costumam
fazer brincadeiras de mau gosto, como colocar apelidos pejorativos nos
colegas, e pegam materiais escolares e lanches de outros estudantes. Em
casa, apresentam atitudes hostis e agressivas com relação aos pais e irmãos,
não respeitam hierarquias e diferenças de idade, gostam de manipular as
pessoas, mentem, muitos são arrogantes e aparecem com pertences que não
são deles. No entanto, há aqueles que se portam como se nada estivesse
errado e chegam a contestar as reclamações feitas pela escola. Os
dissimulados talvez sejam os agressores mais difíceis de serem identificados.
Por outro lado, existem os bullies que trazem traços marcantes e um histórico
de vida repleto de condutas erradas como falta de responsabilidade, mentiras
18
constantes, fuga de casa, uso precoce de drogas, participação em fraudes
(falsificação de documentos) e atos de vandalismo.
Os espectadores não costumam ter um comportamento tão marcante
que possibilite a sua identificação.
1.3 – Fenômeno em crescimento
Apesar de assustador o ato de violência, pesquisas mostram que o
bullying vem crescendo em todo o mundo. As agressões começam ainda na
escola, desde muito cedo. Alguns estudos comprovam que o fenômeno se
propaga cada vez mais na educação infantil e no ensino fundamental. Muitos
casos ocorrem logo nos primeiros anos escolares, porém a intensidade das
agressões e o agravamento dos episódios aumentam no decorrer do tempo e
do grau de escolaridade. Durante a adolescência, a tendência é que a
frequência do bullying diminua, mas a gravidade e como a violência é cometida
se intensifiquem. No ensino médio, os ataques podem se transformar em
verdadeiros atos de vandalismo e crime. Em alguns países, a média de idade
de maior incidência entre os agressores é entre 13 e 14 anos, enquanto as
vítimas têm em média 11 anos.
O médico pediatra Lauro Monteiro Filho, fundador da Associação
Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia),
que estuda o problema há nove anos, garante que todo ambiente escolar está
propício a ser cenário de algum tipo de agressão. Segundo ele, “a escola que
afirma não ter bullying ou não sabe o que é ou está negando sua existência”. O
sociólogo Orson Camargo também concorda com a ideia. Ele explica que há
uma tendência de as escolas não admitirem a ocorrência do bullying entre os
seus alunos. De acordo com ele, “ou elas desconhecem o problema ou se
negam a enfrentá-lo”.
19
Os índices mostram que, em 2002, 7 a 24% dos alunos estavam
envolvidos em bullying. Hoje, esses números passaram para 6 a 40%. O
Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar
(Cemeobes) revelou, em 2007, que a média de envolvimento dos estudantes
brasileiros é de 45% acima dos índices mundiais. Para os especialistas, o
aumento no número de casos está relacionado à tendência da vítima de
reproduzir os maus-tratos sofridos. Um levantamento feito pelo Núcleo de
Neurodesenvolvimento da Universidade Federal de Pelotas, em parceria com a
Unesco e a Secretaria Estadual de Saúde, no início de 2010, revelou que
metade dos alunos que sofreram perseguição continuada ou agressões pratica
algum tipo de violência. Os primeiros resultados da pesquisa, que ouviu 1.075
alunos do ensino fundamental, mostram que em um grupo de 30 alunos, no
mínimo cinco já sofreram alguma forma de agressão. Segundo o coordenador
da análise, Danilo Rolim de Moura, muitas crianças praticam a agressão como
forma de defesa após serem vítimas.
“Estudiosos apontam que nos próximos anos haverá aumento do bullying nas escolas e da violência entre os jovens e na sociedade em geral. Alertam para o aspecto epidêmico do bullying, por se tratar de comportamento psicossocial expansivo, uma vez que 80% das vítimas tendem a reproduzir os maus-tratos sofridos”. (FANTE E PEDRA, p. 46)
Entre as causas para o aumento de casos de bullying também estão o
estímulo à competitividade dentro e fora da sala de aula, cobranças dos
professores e familiares na obtenção de bons resultados como nos
vestibulares. Sem contar nas dificuldades apresentadas pela sociedade como
impunidade, deficiência em projetos sociais que valorizem a educação, o
respeito entre cidadãos, e a banalização da violência. Mesmo com os dados
alarmantes, não se pode esquecer que ainda hoje, apesar de toda a discussão,
muitas vítimas não têm coragem suficiente para uma possível denúncia.
Na Noruega, os estudos realizados por Dan Olweus mostraram que uma
em cada sete estudantes estava envolvido em caso de bullying, ou seja, 15%
20
do total de alunos da educação básica seriam vítimas ou agressores. Uma
pesquisa organizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef,
em 21 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) também traz dados alarmantes. A maior incidência está em Portugal,
na Suíça e na Áustria, que apresentam 40% das vítimas do fenômeno. Nos
Estados Unidos, segundo o Departamento de Justiça do país, uma a cada
quatro crianças americanas sofre bullying na escola no período de um mês. O
número de faltosos também é assustador: todos os dias 160 mil alunos
americanos deixam de ir à aula por medo de sofrer agressão. Uma pesquisa do
Center for Disease Control ainda revela que 81% dos estudantes analisados
admitiram praticar bullying. E dois terços dos protagonistas das tragédias
ocorridas em escolas americanas queriam se vingar das constantes agressões
sofridas por parte dos colegas.
Em novembro de 2006, o Instituto SM para a Educação (ISME) realizou
uma pesquisa em cinco países: Argentina, México, Brasil, Espanha e Chile. O
resultado apontou que o Brasil é o campeão em bullying. Participaram do
estudo 4.025 alunos, de escolas públicas e particulares, da sexta e oitava
séries do ensino fundamental e segundo ano do ensino médio. Entre os
entrevistados, 33% foram insultados ou alvo de comentários maldosos, 20%
apanharam e 8% foram assediados sexual, física ou verbalmente na escola.
No Brasil, uma pesquisa realizada pelo IBGE e publicada em junho de
2010 apontou Brasília como a capital do bullying. Segundo o estudo, 35,6%
dos estudantes entrevistados disseram serem vítimas constantes da agressão.
O maior número de casos ocorreu nas escolas particulares: 35,9%, contra
29,5% nas escolas públicas. As outras duas cidades com maior incidência no
país são Belo Horizonte e Curitiba.
Outro estudo divulgado também em junho de 2010 pela organização
não-governamental (ONG) Plan Brasil, mostrou que quase um terço (28%) dos
5.168 estudantes brasileiros entre a quinta e oitava séries do primeiro grau
21
sofreram maus tratos em 2009. Estiveram envolvidos em bullying 17% dos
estudantes: 10% como vítimas, 10% como agressores, sendo que 3% eram
tanto os que sofreram como praticaram a agressão. Os mais atingidos por
esses fatos são os meninos. Segundo a pesquisa, 12,5% dos estudantes do
sexo masculino foram vítimas desse tipo de agressão, número que cai para
7,6% entre as meninas. A sala de aula é apontada como local preferencial das
agressões, onde acontecem cerca de 50% dos casos relatados.
As regiões onde a prática se mostrou mais frequente foram a Sudeste,
com 12,1% dos estudantes assumindo ter praticado o bullying, e Centro-Oeste,
onde 14% confessaram esse tipo de atitude. O Nordeste é a região do país
onde o bullying é menos comum, apenas entre 7,1% dos estudantes. E, quanto
ao bullying no ambiente virtual – ciberbullying - os dados revelam que 16,8%
dos entrevistados são vítimas, 17,7% são praticantes e apenas 3,5% são
vítimas e praticantes ao mesmo tempo. Independentemente da idade das
vítimas, o envio de e-mails maldosos é o tipo de agressão mais comum, sendo
praticado com maior frequência pelos alunos pesquisados do sexo masculino.
1.4 – O ciberbullying
Essa forma virtual de praticar bullying, ou melhor, o ciberbullying,
também vem crescendo. A modalidade preocupa estudiosos, professores e
pais. No fenômeno, ferramentas tecnológicas como internet e celulares são
utilizadas para agredir os colegas com difamações, fofocas, constrangimentos
e humilhações. As agressões vão além das salas de aula, já que podem
ganhar repercussão mundial diante da poderosa rede social disponível na
internet. Os agressores contam com um aliado e grande incentivador: o
anonimato. Hoje, é possível criar um perfil falso no Orkut, no MSN, em blogs,
sem que a vítima consiga descobrir quem está provocando a agressão. A partir
daí, um mundo de oportunidades são dadas aos bullies. Eles podem enviar
mensagens por celular, criar um blog para difundir boatos sobre determinadas
22
pessoas, usar um perfil no Orkut para expor os colegas, divulgar e-mails que
ridicularizem alunos e até fotografias tiradas sem o consentimento deles.
Na Inglaterra, 25% das meninas sofrem de ciberbullying através de
celulares. No Reino Unido, um em cada dez adolescentes já foi vítima da
violência pela internet. Já nos Estados Unidos, 20% dos alunos do ensino
fundamental são alvo dessa forma de violência. E o mais surpreendente e
grave é que, de acordo com uma pesquisa divulgada pela rede social MSN
sobre o fenômeno, em 2006, 13% dos adolescentes entrevistados
consideraram esta prática pior que o bullying físico.
De acordo com Cléo Fante, a internet favorece as agressões porque
propicia a quem pratica o bullying uma falsa sensação de impunidade e
anonimato. Ela também acredita que os números sejam maiores no caso de
bullying virtual porque há quem comece a agredir um colega na escola e
continue quando chega em casa, pela internet. “Também há aqueles que só
têm coragem de fazê-lo virtualmente”, explica.
A advogada e especialista em internet, Patrícia Peck, lembra que quem
comete crime no mundo virtual também pode ser punido: “Crimes contra a
honra, ameaças e racismo são os mais comuns cometidos por jovens na rede.
Os agressores estão sujeitos a cumprir medidas socioeducacionais (previstas
no Estatuto da Criança e do Adolescente), como fazer trabalho comunitário. Os
pais também podem ter que responder a uma ação civil e pagar indenização à
vítima”. A advogada recomenda que as vítimas do cyberbullying façam uma
cópia da página ou do e-mail em que há o insulto e, depois, busquem uma
delegacia. Ela afirma que a polícia é capaz de rastrear o computador de onde
partiu a mensagem.
Em julho de 2010, a Justiça do Rio Grande do Sul condenou uma
professora por danos morais em razão do cyberbullying praticado pelo filho
dela. As agressões, divulgadas em uma página na internet, aconteceram em
23
2004, quando o adolescente e a vítima, colegas de escola na época, tinham 14
e 16 anos, respectivamente. O jovem criou um fotolog com a finalidade de
ofender a vítima, onde postava mensagens humilhantes sobre o menino.
Apesar de não haver violência física, a prática do ciberbullying pode
levar a consequências irreparáveis. Um dos casos mais conhecidos é o da
jovem americana Megan Méier, de apenas 13 anos. Durante um mês, ela
manteve um “namoro virtual” com um jovem de 16 anos chamado Josh Evans,
que havia conhecido através do MySpace. O romance terminou quando o
rapaz subitamente passou a agredi-la e mandou uma mensagem dizendo que
“o mundo seria melhor se você não existisse”. No dia seguinte, jovens que
tinham link para o perfil de Josh no MySpace aderiram à briga e passaram a
insultar Megan. A adolescente deixou o computador e foi para seu quarto aos
prantos. Apenas 15 minutos depois, sua mãe encontrou a jovem enforcada.
Algumas semanas depois da morte de Megan, os pais dela descobriram que
Josh Evans era, na verdade, uma vizinha de 47 anos que morava a quatro
casas de distância da família, e havia inventado o perfil junto com sua filha
“apenas para zoar”. O caso chocou a população e os vereadores locais
aprovaram uma lei para punir os casos de assédio e perseguição na internet.
24
CAPÍTULO II
O BULLYING NAS UNIVERSIDADES
“Thiago, de 19 anos, estudante de educação física, foi alvo de calúnias, ataques e injúrias pela web. Em uma comunidade do Orkut, ele era chamado de homossexual, pedófilo e agredido pelos colegas. Dois anos depois, não suportando mais as humilhações, o jovem foi encontrado morto dentro da garagem de sua casa. Ele morreu asfixiado ao inalar monóxido de carbono”
Diante do expressivo crescimento do bullying, fica evidente que ele atinja
faixas etárias cada vez mais distintas. Por isso, alguns especialistas têm
direcionado suas pesquisas para o acompanhamento do fenômeno também no
ensino superior. Embora estudantes universitários, geralmente jovens a partir
dos 18 anos, apresentem maior capacidade de defesa, muitas vezes eles
também são vítimas de humilhações e discriminação dentro da própria
universidade. Não tão diferentes das crianças nas escolas, jovens e adultos
enfrentam o preconceito por serem “esquisitos”, magros ou gordos, “nerds” ou
calados demais, e são agredidos verbal ou fisicamente todos os dias sem
conseguir se defender.
Um dos casos mais recentes e que ganhou repercussão em todo o país
foi o da estudante de Turismo, Geisy Arruda. Em outubro de 2009, na época
com 20 anos, a jovem foi humilhada pelos colegas por ter ido com um
minivestido rosa à Universidade Bandeirantes, em São Paulo. Por causa da
roupa curta e chamativa, Geisy foi xingada pelos estudantes ainda dentro de
sala de aula. Após ser cercada pelos agressores, ela ficou escondida dentro de
uma das salas da universidade. Professores e funcionários da faculdade
protegiam a jovem, enquanto, do lado de fora, diversos alunos gritavam
insultos e batiam na porta e no vidro da sala. Geisy precisou deixar o campus
da universidade usando um jaleco e escoltada pela Polícia Militar. O episódio
foi filmado por muitos estudantes em celulares e tomaram conta das páginas
da internet.
25
Depois da confusão, uma nova polêmica surgiu nos corredores da
universidade. A Uniban decidiu expulsar a aluna e informou o fato em um
anúncio publicado em diversos jornais paulistas. A universidade afirmou que
tomou a decisão após uma sindicância interna constatar que a aluna teve uma
postura incompatível com o ambiente da unidade, frequentando as
dependências em trajes inadequados. Para a Uniban, Geisy provocou os
colegas ao fazer um percurso maior que o habitual, desrespeitando princípios
éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade. A universidade ainda alegou
que foi constatado que “a atitude provocativa da aluna resultou numa reação
coletiva de defesa do ambiente escolar”. Os alunos envolvidos e identificados
no incidente também foram suspensos.
No entanto, a decisão não foi vista com bons olhos pelos docentes e
dividiu opiniões de pais e alunos. Diante da polêmica, no dia seguinte, a Uniban
voltou atrás e revogou a expulsão de Geisy. Estudantes contrários ao
comportamento da jovem chegaram a organizar protestos na universidade,
afirmando que o episódio denegriu a imagem das alunas do curso de Turismo.
Geisy entrou com uma ação na Justiça contra a universidade e tenta uma
indenização de um milhão de reais por danos morais.
Outro episódio recente aconteceu em junho de 2010, com a modelo
Bárbara Evans, de 19 anos, filha da apresentadora Monique Evans. Ela sofreu
bullying na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, onde cursa a
faculdade de Nutrição. Ao chegar à instituição pela manhã, Bárbara encontrou
os muros pichados com frases obscenas referentes a ela e à mãe. Os
responsáveis pela agressão ainda não foram identificados e a mãe da vítima
acredita que a jovem passa por depressão.
A pedagoga Angela Adriana de Almeida afirma que casos envolvendo
racismo também levam os universitários a praticarem bullying. Além disso, de
acordo com ela, universitários bolsistas são vítimas de constantes
26
discriminações nas universidades. Em seu artigo “Fenômeno Bullying na
Universidade”, ela lembra que, em 2007, supostos vândalos atearam fogo à
porta de quatro alojamentos de 16 alunos africanos na Casa do Estudante
Universitário (CEU), na Universidade de Brasília (UnB). Durante aquela
madrugada, os alunos perceberam que as portas dos apartamentos estavam
em chamas e fugiram do prédio. Alguns só conseguiram sair com auxílio de
colegas, mas ninguém ficou ferido. Na época, os africanos contaram que eram
frequentemente insultados pelos colegas e, meses antes do crime, as
provocações haviam se tornado mais graves e as portas de alguns
apartamentos chegaram a ser marcadas com cruzes e pichadas: “Morte aos
estrangeiros playboys”. Após o ocorrido, a universidade aumentou a segurança
do prédio, colocando seguranças em todos os andares.
A pedagoga ressalta que, ainda no âmbito do ensino superior, são
comuns casos de graduandos e pós-graduandos, mestrandos ou doutorandos
serem vítimas de bullying. Segundo ela, as pressões psicológicas sofridas
quanto à data de entrega de trabalhos, a falta de dinheiro para dar continuidade
à pesquisa, as atitudes arrogantes, a falta de apoio de orientadores e a
intimidação causada por certas bancas examinadoras de trabalhos científicos
podem caracterizar formas de agressão. Angela Adriana garante que toda essa
pressão acaba travando a produção intelectual do pesquisador, impedindo-o de
pensar por si mesmo e agravando sua condição de vítima.
“O renomado educador Paulo Freire deixou em seu legado inúmeras reflexões sobre atitudes opressivas, em especial na obra ‘Pedagogia do Oprimido’, na qual destaca bem as consequências sofridas por um estudante, impedido de pensar por si mesmo e tendo que se enquadrar em um ensino, cujo único objetivo é de atender às necessidades do sistema capitalista. Alienação também é uma forma de bullying, pois oprime e obriga a vítima a agir de acordo com os interesses dos dominantes, tornando-a cada vez mais incapacitada para lutar por seus direitos. Um universitário nestas condições tendo que se abdicar de suas convicções, de sua cultura e se tornar uma marionete do sistema educacional repressor, pode deixar sua condição de vítima e se
27
revelar um agressor - invadir a universidade e cometer atos de violência incalculáveis”. (ALMEIDA, 2008)
Para a pedagoga, nos ambientes universitários, o bullying é visto como
um processo natural e, por isso, é frequentemente descartado e ignorado. Ela
acredita que as universidades são governadas por pessoas insensíveis à
violência ou que não dão a ela sua devida importância. “Atitudes abusivas por
parte de professores, que utilizam o recurso da avaliação para punir aqueles
que pensam de forma diferente da imposta, são ignoradas - talvez por
hierarquias ou por questões políticas”, ressalta.
Mas além dos alunos, professores universitários também são vítimas de
bullying dentro e fora de sala de aula. Ao fazer uma pesquisa no site de
relacionamentos Orkut com as palavras “odeio” e “professor”, é possível
encontrar mais de mil comunidades com o tema. São grupos de discussão, nos
quais alunos aproveitam para difamar e agredir verbalmente os docentes.
Roberta (nome fictício), de 41 anos, professora de jornalismo em uma
faculdade privada no interior de Minas Gerais, foi vítima dos desabafos de um
estudante de 24 anos. “No Orkut, ele me chamava de velha e dissimulada.
Apareceu gente escrevendo que eu era uma oferenda que deveria voltar para o
mar. Fiquei perturbada”, contou. Para a professora, aquela figura do mestre,
um profissional que merece respeito, não existe mais.
2.1 – Trote universitário: brincadeira ou bullying?
Outra discussão que toma conta do ambiente universitário é em relação
aos trotes. O trote é uma tradição brasileira similar à praxe praticada em
Portugal. Consiste em atividades organizadas pelos veteranos, alunos mais
antigos, para receber os calouros, os estudantes recém-chegados, no início do
semestre ou do ano letivo. O trote estudantil é tão antigo quanto a instituição
universitária, surgida na Idade Média, revela Paulo Denisar Vasconcelos,
pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No entanto, o
que era para ser apenas uma brincadeira de “boas-vindas” entre estudantes,
28
com o passar do tempo, foi ganhando características de violência. No lugar de
atividades divertidas, saudáveis e com intuito de fazer novos amigos, surgem
situações humilhantes e violentas que geram, em alguns momentos,
consequências fatais.
De acordo com Paulo Denisar Vasconcelos, “o trote caracteriza-se como
um rito de iniciação; é um cerimonial milenar de agressão e violência contra o
calouro: confirma a idéia do trote como um rito de passagem às avessas, como
prática oposta aos valores humanistas e civis da universidade”. O autor explica
que a decretação do AI-5, em 1968, acabou contribuindo para a consolidação
do caráter brutal do trote tradicional, já que o regime militar proibiu a realização
das calouradas, bem mais politizadas e expressivas culturalmente.
Para muitos autores, culturalmente, o trote universitário não é
considerado bullying, e sim um rito de passagem esperado pelo calouro e seus
familiares. Porém, diante das “brincadeiras” adotadas por alguns estudantes, a
prática passou a ser encarada por muitos como inadequada e combatida, a
partir do momento em que se tornou geradora de constrangimento e violência,
em muitos casos. Segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, o trote, em
si, não é tachado de bullying, por ser um ato isolado. Mas, ela garante que
pode originar essa prática quando as ações inadequadas persistem.
“O trote deveria constituir um rito de passagem, visando celebrar o início da trajetória universitária do jovem; um momento esperado e desejado tanto pelos alunos como por seus familiares. Deveria ser o ‘estouro do champanhe’, após uma corrida difícil e bastante disputada. Fiz questão de escrever deveria, pois, infelizmente, em nossos dias, os trotes têm se revelado, em diversas instituições do país, como práticas causadoras de graves constrangimentos e como atos violentos e repugnantes”. (SILVA, p. 149 – 150)
A pedagoga e historiadora Cleo Fante e o teólogo e psicólogo José
Augusto Pedra também concordam que o trote pode dar origem ao bullying na
medida em que as ações negativas se tornem persistentes. De acordo com os
29
autores, existem diversos casos em que os calouros são subjugados pelos
veteranos ao longo do período universitário. Nesses episódios, os alunos são
constrangidos, recebem apelidos pejorativos, costumam ser ridicularizados,
ameaçados, perseguidos e até são obrigados a pagar festas, prestar serviços e
fazer trabalhos escolares para os veteranos. Segundo os autores, através de
“brincadeiras” e atitudes hierárquicas, esses agressores “demonstram em suas
atitudes o desrespeito, o preconceito, a intolerância e a dificuldade de empatia
e solidariedade humana”.
O tema gera polêmica ao levar em consideração que o bullying ocorre
apenas quando o comportamento agressivo apresenta natureza repetitiva em
um contexto de desequilíbrio de poder. Segundo o pesquisador Dan Olweus,
da Universidade de Bergen, na Noruega, as ações são qualificadas como
repetitivas quando os ataques são desferidos contra a mesma vítima, pelo
menos duas ou mais vezes ao longo de um mesmo ano letivo. Assim, alguns
especialistas, como os já citados, passam a caracterizar o trote como uma
prática de bullying quando as agressões na universidade persistem durante um
determinado tempo.
No entanto, Ana Beatriz alerta que, “dependendo da gravidade e do
potencial hostil dessas ações, uma única atitude pode gerar vivências
emocionais extremamente desagradáveis e aversivas em suas vítimas”. A
autora acredita que, em alguns casos, o trote universitário é capaz de causar
as mesmas consequências devastadoras que um bullying praticado ao longo
de um determinado período de tempo. Ela explica que o fator “medo” é o
principal responsável por esse efeito, já que a vítima de uma humilhação entre
estudantes na universidade tende a alimentar o receio de que um novo ataque
de violência volte a acontecer. Ao comparar uma vítima de bullying e uma de
um trote violento, a médica afirma que, nos dois casos, o estudante muda seu
comportamento em sala de aula, evita manifestar suas opiniões e agir de forma
descontraída e natural. Além disso, ela revela que, em alguns casos, com o
passar dos anos, a vítima do trote pode evoluir para quadros de
30
desestruturação psicológica quando não recebe a ajuda e o apoio necessários
para a sua recuperação.
“Tomada por sentimentos de ansiedade, angústia e tensão, a vítima prefere calar-se ou isolar-se dos demais, como forma de minimizar seu sofrimento. No entanto, essa tática se revela ineficaz na maioria dos casos de trotes perversos. A lembrança do episódio na forma de revivescência (como se de fato estivesse na frente de seus algozes) leva a vítima a sofrer somatizações acompanhadas de muita angústia, raiva e medo, dentro e fora do ambiente universitário”. (SILVA, p.152)
Ana Beatriz lembra que algumas universidades já começaram a mudar
esse quadro de violência, estimulando o “trote solidário”. A ideia substitui as
atividades desagradáveis e, em algumas situações violentas, por ações
solidárias como a arrecadação de alimentos, roupas e outros bens a serem
doados para instituições carentes, além da prestação de serviços como aulas e
mutirões de limpeza em comunidades mais pobres. Ainda assim, há quem
acredite que até mesmo os trotes solidários representem um ato violento contra
o calouro. Para a pedagoga Angela Adriana de Almeida, da mesma forma
como nas ações humilhantes, os alunos se sentem obrigados a participarem
das atividades para não ficarem antipatizados pelo grupo.
2.2 – Episódios que deixaram marcas
No Brasil, os primeiros trotes violentos aconteceram ainda no século
XIX. Em 1831, o calouro do curso de Direito, Francisco Cunha e Menezes, foi
morto a facadas durante um trote na Universidade de Recife. Em 1850, os
alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco reagiram ao trote e a
intervenção da polícia foi necessária para controlar a situação. Já em março de
1980, o estudante Carlos Alberto de Souza, de 20 anos, calouro do curso de
Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo, não aceitou
que alguns veteranos cortassem o seu cabelo. Revoltados, os estudantes que
praticavam o trote agrediram o jovem com socos e pontapés em todas as
31
partes do corpo. A vítima teve traumatismo cranioencefálico, não resistiu aos
ferimentos e morreu.
Em 1998, a PUC de Sorocaba expulsou cinco alunos depois de um trote
com sérias consequências. O estudante de Medicina, Rodrigo Favoretto
Peccini, de 19 anos, e seus colegas peregrinaram por várias repúblicas
estudantis, dispostos a beber a maior quantidade possível de álcool, conforme
exigido pelos veteranos na Mara-Toma. Cansado, Rodrigo deitou-se no sofá de
uma república e teve fogo ateado em seu corpo por outros alunos, que
classificaram o ato como uma brincadeira e confessaram estar embriagados.
Rodrigo teve 25% do seu corpo queimado e foi parar no hospital.
Um dos casos de trote violento mais marcante aconteceu em fevereiro
de 1999. Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos, descendente de imigrantes
chineses de Taiwan, foi encontrado morto no fundo da piscina da Associação
Atlética da Universidade de São Paulo. O calouro havia ingressado na
Faculdade de Medicina da USP. Naquela manhã, logo após assistir à aula
inaugural junto aos demais calouros, o jovem participou do tradicional trote
promovido pelos veteranos. Vídeos amadores, fotos, cartas e relatos de
testemunhas mostraram que os calouros foram submetidos a abusos, violência
e humilhação. Eles foram recebidos com uma chuva de ovos, tinta, farinha e
corante. Em outra brincadeira, os calouros participaram de uma partida de
“boliche humano”, onde rolavam no chão como bolas. Alguns alunos também
foram obrigados a simular sexo com uma árvore, enquanto outros eram
chutados. Há também registros de consumo excessivo de bebidas alcoólicas,
como cerveja, pinga, uísque e até lança-perfume.
Após as “brincadeiras”, os estudantes foram para o clube da faculdade,
onde cerca de cem alunos pularam na piscina ao mesmo tempo. No inquérito
policial, alguns estudantes relataram que muitos foram empurrados e atirados
na água, e aqueles que tentavam sair da piscina tinham as mãos pisoteadas.
Laudos do IML constataram que Edison morreu de asfixia mecânica. Ele caiu
32
na água, se debateu durante três a cinco minutos e não voltou à tona. Depois
do trote, cerca de 200 alunos participaram de uma festa à beira da piscina.
Segundo os depoimentos, ninguém presenciou a morte do jovem. O corpo dele
só foi encontrado no dia seguinte dentro da piscina.
Dias depois da morte do estudante, Frederico Carlos Jaña Neto,
conhecido como Ceará, na época veterano do sexto período de Medicina,
apareceu em um vídeo sorrindo e dizendo: “Eu matei o japonês. Eu matei o
japonês que se afogou”. Quatro estudantes foram acusados de homicídio
doloso eventual, ou seja, não tiveram a intenção de matar, mas sabiam que
suas atitudes envolviam risco de morte. Os acusados nunca foram levados a
júri popular. Em 2006, o caso foi arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça,
por entender que não havia elementos suficientes para sustentar a acusação
do Ministério Público.
Dez anos depois, um novo caso de trote violento chocou o país. A
Faculdade de Anhanguera, na cidade de Leme, em São Paulo, foi palco de
cenas de violência, agressões físicas e atos desumanos. O calouro Bruno
César Ferreira, de 21 anos, foi uma das vítimas e ficou internado em um
hospital do município, em estado de coma alcoólico, após o trote. Bruno estava
no seu primeiro dia de aula do curso de Medicina Veterinária, quando foi
recepcionado por um grupo de veteranos. Após a “brincadeira”, o jovem ficou
com diversos ferimentos no corpo. “Estou com muita dor na costela. Disseram
que foi uma chicotada que eu tomei. Uns dizem que eu estava amarrado no
poste. Estou com uma marca no pescoço. Estou constrangido”, disse ao deixar
o hospital, na época. O calouro também contou que teve de rolar em uma lona
com animais mortos e fezes em decomposição: “Eles esfregaram na gente.
Fizeram a gente rolar numa lona com aquilo e ingerir pinga”.
Diversas fotos foram postadas em um site de relacionamentos,
mostrando os calouros sujos, em circunstâncias humilhantes e
constrangedoras. Bruno foi levado a um bar, mas, como se recusou a beber, foi
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amarrado a um poste, chutado e chicoteado. Depois que ele desmaiou, os
veteranos tentaram reanimá-lo e, como não conseguiram, deixaram o jovem na
rua. Ele foi socorrido pela mãe de outro estudante.
Também em 2009, o estudante Vítor Vicente de Macedo Silva, de 22
anos, que cursava terceiro ano de física, morreu afogado em uma piscina da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, na
Baixada Fluminense. A polícia apontou como principal hipótese a de acidente.
No entanto, segundo colegas, antes do ocorrido, Vítor vinha sofrendo trotes
porque tinha conseguido uma vaga no alojamento para estudantes. Amigos
contaram ainda que ele não sabia nadar e jamais entraria a piscina por vontade
própria. “Foi exigida uma série de coisa para que ele conseguisse essa vaga no
alojamento, como uma caixa de cerveja, por exemplo. Então, a família não
sabe até que ponto ele foi induzido ou cobrado para entrar na piscina”, disse
um amigo da família.
Recentemente, estudantes da Unicastelo, em Fernandópolis, em São
Paulo, foram obrigados a fumar, tirar as roupas íntimas, pedir dinheiro em
semáforos e até beber álcool combustível. Em julho de 2010, os alunos
calouros do curso de agronomia da Universidade de Brasília (UnB) também
foram submetidos a um trote humilhante, que os obrigou a entrar em um
tanque de lama e lixo para procurar sabonetes escondidos pelos veteranos. Ao
final, cerca de 40 alunos tiveram de dividir a apertada pocilga de dois metros
quadrados. O caso foi denunciado à reitoria da UnB por um funcionário que se
sentiu incomodado com o que viu.
34
CAPÍTULO III
COMO COMBATER A VIOLÊNCIA ENTRE ALUNOS
“Gislaine, aluna da 2ª série, de oito anos, estava faltando frequentemente à escola. Quando comparecia, chorava muito e não participava das aulas, alegando dores de cabeça e medo. Certo dia, alguns alunos procuraram a professora da turma dizendo que a garota estava sofrendo ameaças. Teria que dar suas roupas, sapatos e dinheiro para outra aluna, caso contrário apanharia e seria cortada com estilete”
Os estudiosos garantem que o bullying está presente em todas as
escolas, independente da sua localização ou poder aquisitivo dos alunos,
sejam elas públicas ou particulares. O que na verdade varia entre cada uma
delas são os índices de ocorrência. Mas esses números estão diretamente
ligados à postura que cada instituição de ensino adota ao se deparar com
casos de violência entre estudantes dentro das salas de aula. Na realidade,
algumas escolas, principalmente particulares, abafam denúncias de bullying em
suas dependências por receio de perderem alunos. Em outros casos, há
também as que ainda desconheçam o problema e não o tratem com a devida
importância. Cleo Fante e José Augusto Pedra lembram que somente há pouco
mais de 30 anos é que o bullying começou a ser estudado sob parâmetros
científicos, como fenômeno psicossocial, e recebeu nome específico. No Brasil,
o tema começou a ganhar espaço através do trabalho de pesquisa que os dois
especialistas desenvolveram a partir de 2000 no interior paulista. O estudo
resultou na criação de um programa de combate ao bullying, chamado “Educar
para a Paz”.
Mesmo assim, os especialistas afirmam que as escolas ainda não estão
preparadas para enfrentar o problema da violência. Segundo eles, muitas por
desconhecimento, outras por omissão e até por comodismo. Tudo isso
prejudica significativamente o combate ao bullying, já que a escola possui
papel fundamental na redução desse fenômeno. Os autores acreditam que a
35
prevenção começa pelo conhecimento. De acordo com eles, em um primeiro
momento, a escola deve reconhecer a existência do bullying e ter consciência
dos prejuízos que ele pode trazer para o desenvolvimento socioeducacional e
para a estruturação da personalidade de seus estudantes.
O segundo passo consiste em capacitar seus profissionais para a
identificação, o diagnóstico, a intervenção e o encaminhamento adequado de
todos os casos ocorridos. E depois levar o tema à discussão, mobilizando toda
a comunidade escolar para que estratégias preventivas sejam traçadas e
executadas de forma a enfrentar o problema. Além da ajuda da comunidade, é
preciso contar com o apoio de consultores externos, como especialistas no
tema, pediatras, psicólogos e assistentes sociais. A instituição também pode
estabelecer parcerias com conselhos tutelares, delegacias da Criança e do
Adolescente, promotorias públicas, varas da Infância e Juventude, promotorias
da Educação, entre outros.
“É necessário que a escola faça uma pesquisa com os alunos, a fim de ouvi-los para saber quais são as suas experiências com o bullying e os sentimentos despertados por ele. (...) Aplicamos também uma atividade em forma de redação onde os alunos são estimulados a falar anonimamente sobre a vida na escola, ou seja, seu relacionamento com os colegas, uma espécie de autobiografia. Essa atividade ajuda a romper o silêncio e possibilita a expressão de emoções e sentimentos. Desenvolvemos oficinas temáticas com dinâmicas de grupo, que favorecem a compreensão do fenômeno”. (FANTE E PEDRA, p. 106 – 107)
Para o médico pediatra Lauro Monteiro Filho, fundador da Associação
Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia), o
papel da escola começa em admitir que é um local passível de bullying,
informar professores e alunos sobre o que é o fenômeno e deixar claro que o
estabelecimento não admitirá a prática. Segundo ele, o papel dos professores
também é fundamental: “Há uma série de atividades que podem ser feitas em
sala de aula para falar desse problema com os alunos. Pode ser tema de
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redação, de pesquisa, teatro etc. É só usar a criatividade para tratar do
assunto”. O pediatra ainda ressalta que o papel do professor também passa
por identificar os atores do bullying: agressores e vítimas.
A médica Ana Beatriz Barbosa Silva explica que, por estar mais próximo
aos alunos, o professor tem maior facilidade para identificar quando há prática
de bullying em sala de aula e quem são os personagens envolvidos. Para isso,
é preciso que esse profissional possua pleno conhecimento das suas
atribuições e da importância do papel da escola no combate à violência. A
autora afirma que, inicialmente ao ter conhecimento do fenômeno entre os
alunos, o professor deve encaminhar o caso à direção da instituição. Segundo
ela, caberá ao diretor, autoridade máxima desse ambiente, investigar o ocorrido
e tomar as providências para a solução do problema. Caso seja necessário, a
escola também poderá recorrer à ajuda de outros órgãos como o Conselho
Tutelar e instituições de proteção à criança e ao adolescente.
Na hora de combater os atos de violência entre os alunos, o pediatra
Lauro Monteiro Filho alerta que não se pode banir as brincadeiras entre
colegas no ambiente escolar. De acordo com ele, o que a escola precisa é
distinguir o limiar entre uma piada aceitável e uma agressão. “Isso não é tão
difícil como parece. Basta que o professor se coloque no lugar da vítima. O
apelido é engraçado? Mas como eu me sentiria se fosse chamado assim?”,
orienta o médico.
A psicopedagoga Geane de Jesus Silva ainda acrescenta que a escola
pode tomar algumas iniciativas preventivas como aumentar a supervisão na
hora do recreio e intervalo; evitar em sala de aula menosprezo, apelidos, ou
rejeição de alunos por qualquer que seja o motivo. Segundo ela, a instituição
também pode promover debates sobre as várias formas de violência, respeito
mútuo e a afetividade tendo como foco as relações humanas. Mas, a
psicopedagoga garante que esses assuntos precisam fazer parte da rotina da
escola através de ações atitudinais e não apenas conceituais: “De nada valerá
37
falar sobre a não-violência, se os próprios profissionais em educação usam de
atos agressivos, verbais ou não, contra seus alunos. Ou seja, procurar evitar a
velha política do faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
“As escolas devem oferecer ao aluno, além da qualidade de ensino, ambiente seguro para o seu desenvolvimento emocional e socioeducacional. É imprescindível que adotem estratégias de intervenção e prevenção do comportamento agressivo. Devem disponibilizar espaços para que alunos e professores discutam o tema e encontrem soluções para as situações apresentadas pelo grupo-classe”. (FANTE E PEDRA, p. 118)
Já Ana Beatriz Barbosa Silva lembra que a direção da escola também
deve ficar atenta ao comportamento do próprio professor dentro de sala de
aula. Afinal, há casos em que o funcionário é o responsável por situações
constrangedoras, ameaças e humilhações impostas aos alunos. Segundo a
especialista, se a escola não se mostrar preparada para coibir o professor
agressor ou reparar os prejuízos da violência à vítima, pais e responsáveis
pelos alunos devem recorrer à justiça, em busca de indenização por danos
morais ou ressarcimento de despesas, quando houver necessidade de
acompanhamento médico. As mesmas medidas devem ser adotadas no caso
contrário, quando o professor é a vítima da violência.
3.1 – A importância da família
Educar é tarefa difícil. Ainda mais quando se vive em uma sociedade
tomada pelo avanço tecnológico, pela rapidez das informações e pela busca
incessante da melhor qualidade de vida e da estabilidade financeira. Na
correria do dia-a-dia, pais e filhos parecem ficar cada vez mais distantes. Os
pais são absorvidos pelas atividades profissionais. Passam grande parte do dia
trabalhando com o objetivo maior de proporcionar conforto aos filhos e garantir
o futuro dos pequenos com uma boa educação escolar. Os filhos, por sua vez,
dividem o tempo entre a escola e as diversas atividades extras como cursos de
língua estrangeira, esportes, dança, entre outros. Além disso, na fase da
38
adolescência, eles querem ainda mais tempo para ficar com os amigos,
passear com a galera e namorar. E mesmo no cotidiano agitado, os pais
precisam ter tempo para acompanhar tudo isso e ainda ficar atentos aos bate-
papos na internet, sites e jogos proibidos.
Pode parecer missão impossível, mas, neste momento, é preciso investir
mais e mais na aproximação entre pais e filhos. A médica Ana Beatriz Barbosa
Silva ressalta que é imprescindível que os pais encontrem tempo para uma
convivência saudável com os filhos, de forma a estabelecer um diálogo
permanente sobre suas vidas, dúvidas, angústias, expectativas e o universo ao
seu redor. De acordo com ela, durante essa troca de ideias, os pais devem
abrir espaço para que os filhos possam expressar seus sentimentos em relação
a eles, de maneira franca e transparente. Afinal de contas, apesar de toda a
sabedoria da vida adulta, pai e mãe também enfrentam dúvidas e receios na
hora de educar seus filhos.
Outro ponto abordado pela psiquiatra é a importância de ouvir as
crianças e os adolescentes dispostos a ajudá-los, antes de repreendê-los. Não
esquecer de sempre reforçar as atitudes, os aspectos positivos e os acertos
dos filhos. Segundo ela, com essas ações, os jovens ganham segurança e
autoconfiança, e somente quem possui essas características consegue romper
o silêncio e denunciar os seus agressores, quando se torna vítima de
agressões. Ana Beatriz lembra que os pais devem estar atentos para não
alimentar a insegurança e o sentimento de inferioridade do filho vitimado
através de comentários irônicos e responsabilizando a criança por não ter sido
capaz de evitar as agressões. De acordo com ela, “com isso, a vítima acaba
por optar pela lei do silêncio, que tanto contribui para o aumento e cronicidade
dos casos de bullying”.
Por outro lado, existem os pais que não suportam a ideia de que seu
filho tenha se tornado vítima de colegas covardes e incentivam a vingança. Ao
perceberem que a criança não está segura no ambiente escolar, eles
39
alimentam a política de revide e encorajam os filhos a agredirem quando forem
agredidos. Em algumas ocasiões, os próprios pais tomam a iniciativa e vão à
escola tirar satisfação com os agressores ou com os seus responsáveis.
Alguns chegam a se exaltar e acabam praticando um ato de violência como
forma de vingança. Ana Beatriz garante que “essas atitudes de contra-ataque
tendem a agravar o problema, potencializando a violência entre os estudantes”.
Ela ressalta que a melhor solução é estabelecer uma parceria entre a escola,
os pais das vítimas e dos agressores, e assim buscar orientação, ajuda e, caso
necessário, encaminhamento a profissionais da área da saúde.
O pediatra Lauro Monteiro Filho também enfatiza que, em casos de
violência física, a escola deve tomar as medidas devidas, mas sempre
envolvendo os pais. Ele lembra que a escola sozinha não consegue resolver o
problema. O médico também se mostra contra o incentivo da vingança. Para
ele, uma das peças fundamentais é que o jovem tenha exemplos a seguir de
pessoas que não resolvam as situações com violência, tanto os pais como
também os professores. No entanto, Lauro afirma que o mestre não pode
tomar toda a responsabilidade para si. “Bullying só se resolve com o
envolvimento de toda a escola - direção, docentes e alunos - e a família”,
garante o pediatra.
Em outra ocasião, os professores devem prestar atenção quando os
agressores são os próprios pais. De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz, ao
suspeitar que a criança esteja sendo vítima de violência dentro de casa,
apresentando mudanças no comportamento e marcas físicas, o professor deve
evitar falar com os pais, pois ela pode acabar sofrendo represálias. Segundo a
médica, o melhor é que a direção recorra à denúncia anônima. Ela ainda
lembra que a escola nunca deve se omitir diante de uma situação como essa,
já que isso representa uma infração administrativa grave, segundo o artigo 245
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
40
Na luta contra o bullying, o fundamental é que a família esteja
estruturada e pronta para ensinar e propagar os bens mais preciosos da
humanidade: a solidariedade, o respeito, a dignidade, a tolerância, a
honestidade, a amizade e o amor ao próximo. A psicopedagoga Geane de
Jesus Silva ressalta que não há receita eficaz de como educar filhos, pois cada
família é um mundo particular com características peculiares. Mesmo assim,
ela garante que “não se pode cruzar os braços e deixar que as coisas
aconteçam, sem que os educadores (primeiros responsáveis pela educação e
orientação dos filhos e alunos) façam algo a respeito”.
“A educação pela e para a afetividade já é um bom começo. O exercício do afeto entre os membros de uma família é prática primeira de toda educação estruturada, que tem no diálogo o sustentáculo da relação interpessoal. Além disso, a verdade e a confiabilidade são os demais elementos necessários nessa relação entre pais e filhos. Os pais precisam evitar atitudes de autoproteção em demasia, ou de descaso referente aos filhos. A atenção em dose certa é elementar no processo evolutivo e formativo do ser humano”. (SILVA, 2006)
3.2 – O apoio de políticas públicas
Para que a batalha contra o bullying se fortaleça, é preciso também
contar com o apoio de políticas públicas. As escolas precisam estar preparadas
para enfrentar o problema e o incentivo dos governos através de programas
antibullying se faz essencial na conscientização de pais, professores e alunos.
No Rio de Janeiro, o combate ao bullying está previsto na lei 5.089, sancionada
pelo prefeito Eduardo Paes em outubro de 2009. O texto destaca que as
unidades de ensino devem incluir ações antibullying nos projetos pedagógicos.
Também entrou em vigor em maio de 2010 a lei 3.887, que institui o programa
de inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying
escolar no projeto pedagógico elaborado pelas instituições de ensino de Mato
Grosso do Sul.
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Em junho de 2010, o governo do Rio Grande do Sul sancionou a lei que
prevê políticas públicas contra o bullying nas escolas estaduais e privadas de
ensino básico e de educação infantil. Segundo a lei, as principais ações da
política antibullying no estado serão palestras, debates e programas de
formação de professores, alunos e pais. A lei prevê ainda apoio técnico e
psicológico para vítimas do bullying. “Faremos capacitações dos profissionais
para que saibam lidar com o problema e criar projetos específicos para cada
escola”, afirma Milton Pereira, diretor pedagógico da Secretaria de Educação
do Rio Grande do Sul. De acordo com o texto, algumas das ações
consideradas bullying são bater, furtar, roubar, praticar vandalismo, fazer
comentários racistas, divulgar fotos e vídeos na internet, enviar mensagens
violentas, entre outras. A lei não prevê punições aos estudantes.
Além disso, especialistas garantem que a imprensa tem contribuído em
muito no combate à violência dentro das instituições de ensino. É possível
notar como o tema tem sido debatido nos veículos de comunicação. A
imprensa abre cada vez mais espaço não só para o relato de casos de bullying,
como também para a divulgação do tema e a discussão entre estudiosos de
forma a conscientizar e alertar a sociedade para esse fenômeno. A imprensa e
os grandes veículos de comunicação também surgem como grandes aliados
para despertar as autoridades e exigir delas a criação de políticas públicas
emergenciais capazes de prevenir o bullying e minimizar os efeitos individuais
e coletivos desse fenômeno.
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CONCLUSÃO
Diante de tantos casos de bullying relatados nas escolas e nas
universidades, não se pode negar que o fenômeno cresce a cada dia e gera
mais vítimas. No entanto, os estudos sobre os atos de violência no ambiente
escolar também estão aumentando, a imprensa tem dado destaque ao assunto
e algumas políticas públicas já estão sendo adotadas. É claro que ainda há
muito o que se fazer para que casos como o de Edison, Geysi, Bruno, entre
outros, não voltem a aparecer nas páginas dos jornais. Na luta contra o
bullying, o mais importante é que não se feche os olhos. Pais, professores,
governos devem estar atentos aos personagens envolvidos nesse fenômeno.
Identificar aquele que pratica a agressão e aquele que é agredido é o primeiro
passo para evitar consequências desastrosas. Saber o caminho a percorrer,
procurar o acompanhamento médico e punir os responsáveis auxiliam na
recuperação de quem se tornou vítima. Mas o melhor é que essas vítimas não
existam e, para isso, é preciso apostar na prevenção. Nessa hora, a família
bem estruturada, o apoio dos colegas, a amizade, o amor e o respeito se
tornam essenciais para que crianças e jovens brinquem sem medo, vivam de
forma justa e tenham esperança de um mundo mais generoso e sem violência.
43
BIBLIOGRAFIA / WEBGRAFIA
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evitados com a união de diretores, professores, alunos e famílias. Nova Escola,
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http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a
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de abril de 2010. Disponível em:
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Janeiro: Editora Objetiva, 2010.
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Disponível em: http://www.pucrs.br/mj/bullying.php. Acesso em: 21 de junho de
2010.
VASCONCELOS, Paulo Denisar. A violência no escárnio do trote tradicional.
Santa Maria, UFSM, 1993.
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ANEXO 1
ENTREVISTA
Revista Época – Entrevista / Sociedade – Edição 51 (10/05/99)
Séculos de violência no campus
Um filósofo gaúcho estudou a história do trote universitário, as suas conseqüências e hoje é um crítico mordaz do ritual Por Andréa Barros
Paulo Denisar Fraga escapou do trote quando entrou no curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria, em 1988. Veterano, mergulhou no assunto. Em 1993, escreveu “A Violência no Escárnio do Trote Tradicional”, uma pesquisa alentada sobre o tema da humilhação dos calouros.
Época: Por que o senhor é contra o trote? Paulo Denisar Fraga: Eu sou contra a violência. Os rituais têm o papel de preservar a cultura existente nas sociedades, mas o trote é o avesso disso. Ele não conserva a cultura, a ciência e a razão, as bases da universidade. Também perverte o sentido da alegria. O trote inicia na barbarização e contraria a essência da relação pedagógica, que é educar os novatos. Eles são execrados, sofrem o escárnio e o deboche. Época: Quando surgiu o trote? Fraga: Talvez na Antiguidade, mas na Idade Média teve seu momento de glória. Os estudantes que vinham da área rural eram batizados pelos do mundo urbano. O primeiro caso violento registrado no Brasil é de 1831. O calouro de Direito Francisco Cunha e Menezes foi morto a facadas no Recife. Em Portugal, sempre foi uma tradição. O grupo Rancho da Carqueja ficou famoso no século 18, na Universidade de Coimbra. Depois se transformou num bando de criminosos. O trote é um batismo de fogo. Época: Por que ele sobrevive? Fraga: Porque é a expressão e o reforço da estratificação social. Como nós vivemos num mundo em que o trabalho intelectual vale muito mais que o manual, mesmo um calouro vestido de palhaço pode exibir na praça seu novo status. Um universitário é supostamente superior ao cidadão que não teve essa oportunidade. O trote sobrevive porque os calouros aceitam e repetem as idéias dos veteranos. Época: Qual é a relação entre o tipo de curso e a violência? Fraga: Os trotes mais violentos ocorrem nos cursos que têm mais status na universidade. O tributo é mais alto para entrar nesses feudos. Época: Ele sempre foi agressivo? Fraga: A violência é ocultada pelo peso da tradição. No nosso país, nos anos 60, com o movimento estudantil, o trote foi uma forma de contestação social.
46 Os calouros eram convidados para manifestações a favor das reformas de base ou em defesa da universidade pública. Em 1968, quando o AI-5 fechou o Congresso, o trote foi reprimido. Houve a degeneração de sua versão cultural para a violência de hoje. Época: Qual a semelhança entre o trote e a iniciação nos quartéis? Fraga: Pode-se supor que a vida universitária é diferente da dos quartéis. Quando os soldados ficam em forma e gritam palavras de ordem, estão desenvolvendo sua agressividade. No trote, a universidade fica próxima dessa experiência. Os veteranos também colocam os calouros em filas e gritam ordens, sustentando sua superioridade. Época: Por que os diretores das universidades fazem vistas grossas ao trote? Fraga: Porque ele está escorado num lastro de tradição histórica. As autoridades se colocam acima do problema. Tem havido uma extraordinária dificuldade de saber o que aconteceu no caso do Edison Hsueh, calouro morto no trote da Faculdade de Medicina da USP. O temor de falar da morte de um colega, de um igual, mostra o quanto o trote é violento. Ele se sustenta na ameaça e promove o terror.
PERFIL: PAULO DENISAR FRAGA
Nascimento: 13/3/68, em São Sepé, Rio Grande do Sul.
Formação: Licenciado em Filosofia pela UFSM e mestrando na Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo.
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ANEXO 2
REPORTAGEM
Jornal O Globo – Caderno País – 15/07/2010
Calouros de agronomia da UnB são humilhados durante trote
BRASÍLIA - Alunos calouros do curso de agronomia da Universidade de Brasília (UnB) foram submetidos ontem a um trote humilhante, que os obrigou a entrar em um tanque de lama e lixo para procurar sabonetes escondidos pelos veteranos. Ao final, cerca de 40 alunos tiveram de dividir a apertada pocilga de dois metros quadrados. Em outra "prova", o corredor da ala mais movimentada da UnB, o Minhocão, ganhou uma poça d'água, onde os calouros tinham de deslizar com a barriga no chão molhado. O caso foi denunciado à reitoria da UnB por um funcionário que se sentiu incomodado com o que viu.
O reitor, José Geraldo de Sousa Junior, condenou o trote e agora avalia criar um código de ética para guiar o comportamento dos alunos. Ele prega medidas educativas no lugar de punição. As fotos dos trotes foram feitas pela assessoria de imprensa da própria reitoria.
- Essa não é uma maneira adequada de dar boas vindas. Os novos alunos não devem ser submetidos pelos veteranos a atitudes vexaminosas. São atitudes que ferem a ética universitária - disse o reitor.
Os estudantes também tiveram que girar ao redor de um cabo de vassoura com a testa em uma das extremidades até ficarem tontos. Alguns levavam palmadas dos veteranos enquanto desempenhavam a tarefa. Os meninos ficaram sem camisa e, imundos, ainda tiveram que percorrer o campus para arrecadar R$ 30 para um churrasco. O dinheiro deveria ser entregue aos veteranos em troca de roupas e materiais confiscados durante o trote. Outro trote era lamber uma linguiça encapada com um preservativo coberto de leite condensado.
Concluídas as prendas, os alunos da agronomia seguiram em uma espécie de fila indiana em que todos caminharam agachados com as mãos por baixo das pernas para os jardins do prédio gritando palavras de baixo calão. Reunidos no Centro Acadêmico, fizeram uma gincana.
Uma das participantes do trote relatou ter passado mal por conta do forte calor que fazia por volta das 13h, quando o episódio aconteceu. Ela esclareceu, no entanto, que não foi obrigada a participar e que só entrou no trote quem quis. A UnB informou que os excessos cometidos em trotes no campus serão discutidos na próxima reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão, marcado para o próximo dia 22 de julho.
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ANEXO 3
MÚSICA
Mais uma vez – Renato Russo e Flavio Venturini
Mas é claro que o sol Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei... Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã Espera que o sol já vem...
Tem gente que está
Do mesmo lado que você Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar...
Tem gente enganando a gente Veja nossa vida como está Mas eu sei que um dia
A gente aprende Se você quiser alguém
Em quem confiar Confie em si mesmo...
Quem acredita
Sempre alcança...
Mas é claro que o sol Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei...
Escuridão já vi pior De endoidecer gente sã Espera que o sol já vem...
Nunca deixe que lhe digam:
Que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos Nunca vão dar certo Ou que você nunca Vai ser alguém...
Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia A gente aprende
Se você quiser alguém Em quem confiar
Confie em si mesmo!...
Quem acredita Sempre alcança...