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José Pastore O futuro do trabalho e do emprego Defensor da flexibilização da legis- lação trabalhista e da modernização do sistema educacional como alternativas contra o desemprego, o sociólogo José Pastore se dedica há mais de 40 anos ao estudo das relações do trabalho. Para ele, a estrutura do trabalho vive uma revo- lução mundial que inclusive chegou ao Brasil "Os trabalhadores do faturo terão que ser versáteis, multifimcionais e polivalentes'; diz. Professor aposentado da Faculdade de Economia e Admnistração da Universidade de São Paulo, ele ainda atua como pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas {Fipe). Na entrevista exclu- siva que deu a Sistema, após palestra na reunião de diretoria da Fecomércio -Rj do dia 28 de fevereiro, o sociólogo sugestões p ara vencer o desemprego, exp lica as demandas do novo mercado de trabalho e comenta o impacto da tec- nologia nas relaçõe s profissionais. José Pastore defende a modernização das r elações trabalhistas Sistema -O que é pr eciso para que o Brasil vença a at ual onda de desemprego? José Pastore - O desemprego tem inúmeras causas. No caso brasileiro, três que não podem ser esqueci- das: o Brasil cresce pouco, educa mal e legisla péssimo na área traba- lhista. O crescimento econômico no Brasil manteve-se anêmico nos últi- mos anos. Para absorver os que necessitam trabalhar, o país preci- saria crescer em torno de 5% ou 6% ao ano. Em 1999, cresceu menos de 1 %. Se este ano o país crescer 4%, serão gerados cerca de 1,6 milhão de novos postos de trabalho. Mas também é preciso ter uma força de trabalho educada. É a educação bási- ca que permite aos trabalhadores ler e compreender novos manuais de instrução, ter lógica de racio- cínio, saber trabalhar em grupo , etc. No Brasil a força de trabalho tem, em média, apenas quatro anos 16 Março de 2000 de má escola, enquanto nossos con- correntes, como a Coréia do Sul e os pa íses do Mercosul têm mais de oito anos de boa escola. Além disso, é pre- ciso ter uma legislação flexível para acomodar as pessoas nos novos méto- dos de produzir e vender. Os contratos de trabalho têm que ser mais ma- leáveis, pois postos novos e profis- sões novas, que não se enquadram na rigidez da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) . Em resumo, o Brasil precisa voltar a crescer, educar melhor e legislar com intel igência. Sistema - A quali fi cação perm a- nen te é fun damental para a sob r evivência do tr abalhador. N osso sistema educaciona l está prepar ando os jovens pa ra esse novo m ercado? José Pas t ore - Nossa educação é muito precária. O trabalhador de sucesso tem que se manter atualizado, pois o tempo do apadrinhamento está acabando. Isso depende da educação. A sugestão que posso dar aos jovens é que, seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai bri- lhar para quem ficar acima da média. Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as oportunidades existentes, sai melhor quem é capaz. E como conseguir essa com- petência? Basta ler o que o profes- sor recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro e ter dentro de si o vírus da curiosidade. foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho quando anunciava ser engenheiro, administrador ou eco- nomista fo rmado por um boa fa- culdade. As empresas pararam de comprar profissões e faculdades. Estão atrás de respostas e, sobre- tudo, de pessoas que enfrentem a

O futuro do trabalho e do emprego - josepastore.com.br FUTURO... · A sugestão que posso dar aos jovens é que, seja qual for a profissão ... Mas, para as oportunidades existentes,

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Page 1: O futuro do trabalho e do emprego - josepastore.com.br FUTURO... · A sugestão que posso dar aos jovens é que, seja qual for a profissão ... Mas, para as oportunidades existentes,

José Pastore

O futuro do trabalho e do emprego Defensor da flexibilização da legis­

lação trabalhista e da modernização do sistema educacional como alternativas

contra o desemprego, o sociólogo José Pastore se dedica há mais de 40 anos ao

estudo das relações do trabalho. Para ele,

a estrutura do trabalho vive uma revo­

lução mundial que inclusive já chegou

ao Brasil "Os trabalhadores do faturo

terão que ser versáteis, multifimcionais e

polivalentes'; diz. Professor aposentado

da Faculdade de Economia e

Admnistração da Universidade de São

Paulo, ele ainda atua como pesquisador

da Fundação Instituto de Pesquisas

Econômicas {Fipe). Na entrevista exclu­

siva que deu a Sistema, após palestra na

reunião de diretoria da Fecomércio-Rj

do dia 28 de fevereiro, o sociólogo dá

sugestões para vencer o desemprego, explica as demandas do novo mercado de

trabalho e comenta o impacto da tec-

nologia nas relações profissionais. José Pastore defende a modernização das relações trabalhistas

Sistema - O que é preciso para que o Brasil vença a a t ual onda de desemprego?

José Pastore - O desemprego tem inúmeras causas. No caso brasileiro, há três que não podem ser esqueci­das: o Brasil cresce pouco, educa mal e legisla péssimo na área traba­lhista. O crescimento econômico no Brasil manteve-se anêmico nos últi­mos anos. Para absorver os que necessitam trabalhar, o país preci­saria crescer em torno de 5% ou 6% ao ano. Em 1999, cresceu menos de 1 %. Se este ano o país crescer 4%, serão ge rados cerca de 1,6 milhão de novos postos de trabalho. Mas também é preciso ter uma força de trabalho educada. É a educação bási­ca que permite aos trabalhadores ler e compreender novos manuais de instrução, ter lógica de racio­cínio, saber trabalhar em grupo, etc. No Brasil a força de trabalho tem, em média, apenas quatro anos

16 Março de 2000

de má escola, enquanto nossos con­correntes, como a Coréia do Sul e os países do Mercosul têm mais de oito anos de boa escola. Além disso, é pre­ciso ter uma legislação flexível para acomodar as pessoas nos novos méto­dos de produzir e vender. Os contratos de trabalho têm que ser mais ma­leáveis, pois há postos novos e profis­sões novas, que não se enquadram na rigidez da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Em resumo, o Brasil precisa voltar a crescer, educar melhor e legislar com intel igência.

S ist e m a - A qualifi cação perm a­ne nte é fundamental para a sobrevivência do t rabalhador. Nosso sistema educacional está preparando os jovens para esse novo m ercado ?

José Past ore - Nossa educação é muito precária. O trabalhador de sucesso tem que se manter atualizado, pois o tempo do apadrinhamento está

acabando. Isso depende da educação. A sugestão que posso dar aos jovens é que, seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai bri­lhar para quem ficar acima da média. Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as oportunidades

existentes, sai melhor quem é capaz. E como conseguir essa com­petência? Basta ler o que o profes­sor recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro e ter dentro de si o vírus da curiosidade. Já foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho quando anunciava ser engenheiro, administrador ou eco­nomista fo rmado por um boa fa­culdade. As empresas pararam de comprar profissões e faculdades . Estão atrás de respostas e, sobre­tudo, de pessoas que enfrentem a

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ENTREVISTA

realidade com uma clara, comprova­da e indomável disposição de se apropriar do incompreensível. As boas escolas estão conseguindo informar bem. Poucas, porém, sabem como inocular nos alunos o vírus da curiosidade.

Sistema - Em sua opinião, que profissões deveriam receber especial atenção em um planeja­mento educacional especial­mente voltado para o Brasil?

José Pastore - As máquinas tornaram-se surpreendentemente inteligentes e baratas, transforman­do-se em concorrentes dos traba­lhadores. É a era da polivalência. Isso não quer dizer que, da noite para o dia, os cidadãos não qualificados ficarão sem o que fazer. Algumas profissões são mais pressionadas do que outras, mas quase todas estão requerendo aprendizagem contínua. No mercado do futuro, tenderão a declinar as profissões que indepen­dem de contatos com outras pessoas e a crescer as que envolvem inte­ração entre profissionais e clientes. É bem provável que, até o ano 2020, os atuais 25% dos brasileiros que traba­lham na agricultura venham a ser reduzidos para uns 1 5%. E os setores de comércio e serviços (incluindo administração pública) tenderão a passar dos atuais 5 1 % para 71 %. No setor comercial, deverão aumentar os que trabalham no comércio eletrônico. Nos serviços, crescerá a demanda pelas profissões ligadas a saúde, educação, viagens, hos­pedagem, alimentação, entretenimen­to, seguros, administração, impor­tação, exportação e atividades finan­ceiras em instituições não-bancárias. O mundo do futuro será permeado por grande número de autônomos nos campos da administração, cuida­dos pessoais, reparação e manu­tenção, educação, compras, vendas e corretagem.

Sistema - Muito se fala no fim do emprego tradicional. Isso se

aplica ao Brasil? Como será o futuro do trabalho no país?

José Pastore - Conheço um técnico de raios-x que trabalha em um grande hospital há cinco anos. Esse hospital, porém, não é seu empregador. Os serviços são realizados por uma outra empresa, especializada no ramo. Mas, o referido técnico não é empregado dessa empresa tampouco, pois ela tem vários contratos com outras empresas, cooperativas de trabalho e pessoal autônomo. O técnico em questão tem uma microempresa que, juntamente com seu irmão, presta serviços a várias empresas que , por sua vez, prestam serviços a hospitais. Há milhões de brasileiros trabalhando dessa forma. Diminui a proporção de pessoas que trabalham na mesma empresa em empregos fixos, de longa duração, em tempo integral e com salários pré­determinados e aumenta a proporção dos que trabalham de forma intermi­tente, por projetos, subcontratados, terceirizados e com remuneração va­riável. Educação e legislação precisam avançar muito para acomodar as pes­soas dentro das condições de emprego e trabalho que o novo mundo está requerendo.

Sistema - O sr. defende a flexibi­lização das leis trabalhistas. Será que a grande maioria dos bra­sileiros, que ganha pouco, não tem qualificação e é desorganizada sindicalmente, terá condições de sobreviver sem direitos garanti­dos por lei?

José Pastore - Hoje temos uma legis­lação que não é cumprida para a maior parte dos brasileiros. Cerca de 57% estão na informalidade, sem nenhuma proteção. Quando . envelhecerem, não vão poder se aposentar. Ao morrerem, não vão deixar nenhum amparo às viú­vas ou viúvos. Se ficarem desemprega­dos, não ha nenhum colchão tem­porário para agüentar a crise. Enfim, são pessoas excluídas da lei e da pro­teção humana. Será que esse problema se resolve, aumentando-se o número

continuação

de fiscais do trabalho? Penso que não. Precisamos de uma legislação traba­lhista simples, realista e amigável. Precisamos dar às partes mais espaço para elas mesmas negociarem o que lhes é útil. É preferível garantir direi­tos mínimos para todos do que garantir direitos máximos para uma pequena minoria - como acontece nos dias atuais. E o argumento de que a mão-de-obra não está preparada é falso. Nunca o salário real subiu tanto quanto depois da desindexação. Ninguém acreditava que os bra­sileiros pudessem negociar. E, a partir de 1994, negociaram. E negociaram bem. É claro que há muito caminho a ser percorrido no campo da negocia­ção e da sindicalização. Mas as pes­soas só aprendem a negociar nego­ciando.

Sistema - Qual o impacto da Internet no emprego? E no tra­balho?

José Pastore - O tema é extrema­mente controvertido. Dizer que tec­nologia substitui trabalho é fácil. Provar que ela causa desemprego é difícil. O mundo atual está repleto de casos de tecnologias que criaram novos produtos, geraram novas demandas e oportunidades de traba­lho.A televisão, o videocassete, o CD player, o tênis, a calça jeans, o McDonald's, o telefone celular, etc. são exemplos de inovações bem recebidas pelos consumidores e cria­doras de empregos - diretos e indire­tos. As tecnologias voltadas para processos diminuem custos o que, em ambientes competitivos, reduz preços e libera forças que geram tra­balho. As tecnologias podem ser ne­gativas ou positivas para o emprego. Quando seus benefícios são apro­priados por poucos, o efeito é devas­tador. Quando seus benefícios são apropriados por muitos, o impacto é criativo. Uma boa educação facilita a readaptação da mão-de-obra às novas tecnologias e aos empregos. Uma educação precária dificulta.

Março de 2000 17